UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Léia Chrif de Almeida A (RE) VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO NO DISTRITO DE PARELHEIROS, SÃO PAULO, SP: MORADIA, PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS. Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro - SP Agradecimentos Compartilhar as mudanças em Parelheiros e compreender seus significados me permitiu olhar com outros olhos as transformações que este lugar vem passando, não mais com uma percepção teológica e naturalizada que possuía antes de entrar na Universidade e iniciar as pesquisas. E ainda, conseguir conciliar o tempo lento que as leituras e reflexões exigem junto ao tempo fabril da Universidade não foi [e não é] tarefa fácil, portanto, preciso carinhosamente agradecer algumas pessoas. Em primeiro lugar à Professora Drª. Silvana Maria Pintaudi pela oportunidade concedida e por depositar sua confiança no potencial do trabalho. Além disso, exaltar a exigência e o rigor que esta professora possui em seus trabalhos e com seus orientandos, qualidade esta tão escassa neste momento nebuloso que a Universidade vive. Á professora Drª Glória Anunciação Alves do Departamento de Geografia Humana Da USP. Devo agradecer pela compreensão em momentos difíceis, pelas discussões, apontamentos e contribuições que tanto ajudou no desenvolvimento do trabalho. Preciso agradecer também aos estímulos que esta professora concedeu em momentos de fraqueza e angustia durante o percurso desta pesquisa. Aos funcionários da UNESP campus Rio Claro, precisamente ao Matheus e ao Diogo da sessão técnica de graduação que me atendiam tão bem e com tanta competência. A Nilza funcionária da biblioteca pela sua dedicação e prontidão com os usuários. A Meire funcionária de serviços gerais do ICGE, pessoa boníssima e por diversas vezes ombro para minhas lamentações. Ao espaço da moradia estudantil que possibilitou tantas discussões profícuas [por um determinado momento] e contribuíram na formação de pessoas e na própria construção daquele espaço e que hoje, passa por um empobrecimento de diálogo e por uma carência de maturidade. Mas confiando na renovação histórica: esse quadro é passageiro. Agradeço ao Rafael e a Tereza, ambos funcionários da subprefeitura de Parelheiros, pela disponibilidade em conceder informações e dados tão essenciais para a construção deste trabalho. Á Cristiane Moura, pessoa muito serena e que foi tão essencial na composição gráfica do trabalho. Ao Rafael Magno pelo companheirismo, paciência e dedicação. À Nazira Ahmad Chrif, minha mãe, pelo longo e árduo esforço que obteve em conceder a chance dos filhos prosseguirem os estudos. Resumo A ocupação das áreas de mananciais - especificamente no extremo da zona sul de São Paulo, desde algum tempo, tem tomado lugar nas pautas de discussões dos programas políticos. Esses programas têm por objetivo, aparentemente, melhorar a relação entre a moradia e a preservação ambiental. Estas regiões consideradas estratégicas e de extrema importância para São Paulo tem preocupado e exigido ações do Estado cada vez mais rápidas. Isso acontece pelo crescente aumento do número de habitantes, pelo potencial hídrico e ecológico que representa aquele espaço e a constante pressão da população de baixa renda reivindicando desde sempre seu direito a morar. O Trabalho procurou demonstrar como este problema estrutural está sendo tratado pelo poder público dentro da Cidade de São Paulo, enfocando particularmente o Distrito de Parelheiros. Palavra Chaves: Preservação Ambiental, Moradia, Desenvolvimento Sustentável e Novas Raridades. Sumário Introdução ......................................................................................................... 1 1. Parelheiros, periferia de São Paulo ............................................................ 3 2. Santo Amaro, eixo da expansão periférica .............................................. 10 3. Planejamento sustentável: um projeto de valorização espacial ............ 22 4. Breve análise política e econômica do desenvolvimento sustentável ......................................................................................................................33 5. O verde como uma nova raridade ............................................................ 41 6. Os espaços verdes e a periferia .............................................................. 46 7. Considerações Finais..........................................................................51 8. Referencias Bibliográficas....................................................................... 60 9. Anexos.......................................................................................................64 Introdução Analisar as transformações das áreas de mananciais da cidade de São Paulo, especificamente do extremo sul da zona sul, é o objetivo deste trabalho. Parelheiros, embora seja um dos Distritos mais pobres de São Paulo, é onde está localizado o último rio limpo de São Paulo: o Capivari Monos, e mesmo com uma população de aproximadamente trinta mil habitantes é considerado estratégico porque abastece as represas fornecedoras de água para São Paulo a Guarapiranga e a Billings. Não entraremos na discussão da importância em preservar o meio ambiente, porque felizmente há um congestionamento de publicações e informações a esse respeito. Neste trabalho, iremos fazer o inverso. Tentaremos demonstrar como o discurso ambiental e todas suas representações, estão sendo usadas como álibi para implementar projetos que aprofundam a pobreza urbana e ao mesmo tempo, criminaliza as populações residentes dessas áreas, que foram excluídas do mercado formal de moradias. Nossas análises partiram das políticas públicas adotadas na proteção dos mananciais, e também quais os instrumentos que o poder público está utilizando para equacionar a questão: preservação ambiental e moradia. A ocupação de Parelheiros é dispersa, contento muitos “espaços vazios”, porém possui bairros densamente ocupados, consequência da precarização do trabalho. A cidade de São Paulo está vivendo mudanças que são decorrentes de processos globais, o que repercutirá no âmbito local, ou seja, transformando a relação centro-periferia. A redefinição das atividades nas cidades calcadas nas mudanças do capital industrial para o capital financeiro tendem a redefinir os espaços das cidades, principalmente aqueles dotados de infraestruturas. Por fim, teremos estes espaços valorizados e consequentemente, aprofunda-se a precarização da vida nas grandes periferias, culminando nos adensamentos da população junto aos mananciais da cidade. Assim, a urbanização decorrente é produto de transformações do modo de produção capitalista. Entendemos a preservação ambiental em Parelheiros como produto do urbano, porque ela está atuando para restringir a ocupação do Distrito de Parelheiros. Além disso, o Distrito pode vir a ocupar outro papel dentro da cidade de São Paulo, além daquele que conhecemos como o lugar da classe trabalhadora. Este outro papel pode estar vinculado a um setor econômico: o turismo. Este trabalho está estruturado da seguinte forma: no primeiro capítulo apresentamos a referida área de estudo por meio de uma descrição, expondo a complexidade e a dinâmica deste espaço. No segundo capítulo, retomamos a ocupação de Santo Amaro, na época em que era município e do qual Parelheiros fazia parte, para que pudéssemos compreender a expansão periférica sentido sul dos mananciais. No terceiro capítulo buscamos apresentar as políticas ambientais em Parelheiros via Operação Urbana, demonstrando sua função ideológica que contribui para a criação de consensos com o objetivo claro de criminalizar a população residente dos mananciais. No quarto capítulo procuramos analisar o termo “desenvolvimento sustentável” pelo viés político e pelo viés econômico, tentando desconstruir esse discurso, que está sendo um componente das politicas ambientais urbanas. No quinto capítulo expomos os significados dos espaços verdes dentro do espaço urbano: “novas raridades”. O capítulo seis analisa as políticas públicas em Parelheiros e os espaços verdes, ou seja, qual a relação entre preservação ambiental e expansão da periferia. Finalmente, no capítulo sete, tecemos nossas considerações finais, procurando demonstrar o movimento de reprodução do espaço urbano, construindo e destruindo os espaços dentro da cidade, bem como evidenciando o sentido das políticas para os mananciais perante as contradições produzidas no espaço urbano. Completa-se o texto com a bibliografia e os anexos. 1. Parelheiros, perife A região de Pare Paulo e se estende por u com a subprefeitura da Bernardo do Campo, ao partir da Serra do mar, e Embu-Guaçu e Juquitib Município de São Paulo administra os distritos de Parelheiros aprese Mata Atlântica) e o preponderantes, um em encostas íngremes, e es de ar puro dentro do M eria de São Paulo. lheiros localiza-se na porção sul do mu uma área de 36.000 hectares, fazendo l Capela do Socorro, a leste, com o Mu o sul, com os municípios de Itanhaém e e a oeste, com os Municípios de Itapece ba. A subprefeitura de Parelheiros rep o, ou seja, territorialmente é a maior s e Parelheiros e Marsilac. Mapa 1 ( localização) enta uma paisagem onde o verde (rem vermelho (das casas de alvenar maranhado de árvores junto às casas sgoto a céu aberto. Porém possui uma q unicípio de São Paulo. A presença de unicípio de São imite, ao norte, nicípio de São São Vicente, a erica da Serra, presenta ¼ do ubprefeitura, e manescente de ria) tornam-se cravadas nas qualidade única charrete como meio de locomoção ainda é marcante em algumas vias do Distrito. Em contrapartida, está localizado no Distrito parte de uma das obras viárias mais importantes e modernas feitas no Estado de São Paulo: o rodoanel, (ver mapa 1,p.3). Parelheiros é também considerado estratégico porque alimenta os reservatórios de água do Município, a represa Billings e a Guarapiranga, abastecendo 25%1 da Metrópole. A paisagem guarda aspectos fortemente do campo, como a criação de animais, hortas, inúmeros pesqueiros, clubes de recreação, clube de golfe, muitas chácaras e sítios, dentre outras peculiaridades e singularidades, se comparada com as outras 30 subprefeituras da cidade de São Paulo. Podemos analisar estes contrastes existentes na paisagem por meio de duas formas. A primeira delas relacionada a restrição em ocupar tais áreas, devido a implantação das Leis Estaduais de Proteção aos Mananciais do estado de São Paulo, entre os anos 1975-76, que previa a baixa densidade demográfica, principalmente próximos aos recursos hídricos. A outra se deve ao fato de que o espaço urbano está em expansão. Dizemos, portanto, que a cidade ainda está em expansão, também para o extremo sul do município. Essa expansão está planejada e apoiada pelo discurso da “sustentabilidade” em Parelheiros, (como veremos mais adiante e especificamente). O urbano não se difunde de modo homogêneo e igualitário no espaço, pelo contrário, ele se expande de maneira fragmentaria, enquanto pequenos focos de materialidades necessárias à reprodução da vida e como um modo de viver. Nesse caso, o urbano em Parelheiros é um processo em realização, porque conserva muitos aspectos em sua paisagem da ruralidade. No entanto, concordamos com Carlos (2008, p.84) segundo ela, “o urbano é mais que um modo de produzir, é também um modo de consumir, pensar, sentir; enfim é um modo de vida”. Questionados sobre a concepção do espaço em Parelheiros se rural ou urbano, os funcionários da subprefeitura usam a expressão “em expansão urbana”. Um estudo (nos mananciais da região sul) realizado pelo ISA em 2009 (Instituto Sócio Ambiental) aponta que 1 Embora o uso urbano não seja predominantemente, é um dos usos que mais cresce em extensão territorial, segundo a análise de uso do solo feita pelo ISA para os anos de 1989 a 2007, cresce sobre usos antrópicos e, consequentemente, sobre áreas ambientalmente preservadas. (SANTORO P, F. FERRARA L, N. & WHATELY, M. p.30). Nesse sentido compartilhamos da compreensão de MAIA (2001) sobre esse processo quando diz Entendemos que no processo de expansão da urbanização, os espaços naturais, bem como os espaços rurais, se tornam cada vez mais raros. O processo já é bastante conhecido: a cidade expande-se sobre o campo. Desaparece, portanto o até então evidente conflito campo x cidade. O espaço mundial parece caminhar para uma total urbanização, guiado pelos anseios de uma sociedade urbana. Contudo como já dissemos anteriormente, a realidade em sua complexidade não se mostra homogênea, e o espetáculo da cidade vai-se compor não só pelo progresso, mas também por seu reverso. E o campo, longe de ter desaparecido, permanece nas dissimulações dos seus limites. (p.215) A paisagem é resultado direto da avassaladora especulação imobiliária, que foi e é indutora na formação e configuração das grandes cidades. Somadas a isso, as mudanças nos processos produtivos tiveram consequências diretas no mundo do trabalho, ao lado do empobrecimento da classe trabalhadora. Esses são, sem dúvida, os pontos centrais da origem do conflito: moradia versus ocupação nas áreas de mananciais. Entendemos esse conflito enquanto consequência do processo de exclusão, que foi empurrando a população de baixa renda para fora do mercado formal de habitação, devido aos elevados valores dos aluguéis. Como bem nos esclarece BERTOLOTTI Prevaleceria uma forte contradição centro-periferia, reproduzindo um movimento dialético de atração e expulsão. Ao mesmo tempo em que o centro (entenda-se como uma região central expandida) polarizava as atividades mais dinâmicas e os maiores investimentos, concentrando a grande parte dos postos de trabalho, as principais instituições públicas, e as principais praças de comercialização/distribuição, que por sua vez promoveriam uma forte atração de trabalhadores num movimento cotidiano de locomoção até o centro para o local de trabalho ou para resolver questões mais especificas e retorno para a periferia, nos “bairros” e” cidades dormitórios”, também promoveria a expulsão desses trabalhadores, incapazes de pagar altos preços do solo urbano nas proximidades da região central super valorizada pela especulação imobiliária. A propriedade privada da terra, articulada com os processos de valorização imobiliária e da super exploração da classe trabalhadora colocar-se-iam como pilares da segregação centro-periferia. (2010, p.97) A alternativa encontrada foi refugiar-se nas áreas mais afastadas do centro da cidade, onde os equipamentos e estruturas públicas que servem de meio para a reprodução humana da vida estão concentrados. Assim, foram se conformando os bairros dos Mananciais da zona sul de São Paulo, bairros e mais bairros sem o mínimo de infraestrutura e ilegais. As moradias foram se instalando em áreas inundáveis e de encosta o que acaba por gerar problemas tanto para os que ocupam as áreas consideradas de risco, quanto para a parcela da população abastecida pela água das represas, porém moram em áreas consideradas nobres. Essa questão fica mais complicada quando em 2001 é implantada a APA (Área de Proteção Ambiental) municipal do Capivari- Monos, a mesma foi regulamentada pela lei n°13.706, de 6 de janeiro de 2004, ocupando 70% do território da subprefeitura de Parelheiros, num total de 25 mil hectares, correspondendo portanto, entorno de um sexto da cidade de São Paulo. A criação desta APA possibilitou que a bacia hidrográfica Capivari seja em toda sua extensão protegida e monitorada pela legislação e com todas as possibilidades materiais ou imateriais sejam elas desde as tecnologias de informação, as polícias ambientais, as publicidades e até os cursos de formação em educação ambiental. Em contrapartida a esse cenário amparado institucionalmente, existe a população totalmente desamparada pelas políticas públicas. Dito isto, fica claro o quanto a região é problemática tanto por conta de seus atributos hídricos e ambientais, quanto pela pressão constante do direito à moradia. Diante desta situação, a população residente é quem sente à duras penas os deslocamentos diários, o inexistente acesso a cultura e lazer, a saga em conseguir ser atendido nos postos de saúde entre outros problemas, que refletem o quanto as infraestruturas públicas e os próprios serviços demoram a chegar na região. Transporte coletivo, pavimentação nas principais vias, terminais de ônibus, agências bancárias, UBS (Unidade Básica de Saúde), pavimentação das vias, coleta de lixo enfim, são equipamentos e serviços recentes, no máximo com dez anos de existência. E mesmo assim muito insuficiente para o tamanho da região e da população. Hoje a população residente é em sua maior parte de baixa renda que faz movimentos pendulares, na medida em que se deslocam diariamente para outros pontos bem distantes da Cidade, no movimento residência- emprego- serviços. Para termos uma ideia, o centro de Parelheiros está a 50 km do centro da cidade, no caso a Praça da Sé, o equivalente a duas horas, sem contar os congestionamentos e o número insuficiente de ônibus. Esse cotidiano expressa nitidamente a característica de distrito-dormitório, onde o tempo dessa população é apropriado pelas impossibilidades do urbano. Concordamos nesse sentido com VILLAÇA, quando diz Ao contrário do que se pensa, o tempo e o espaço urbanos não são obras da natureza, mas produtos do trabalho humano. No caso urbano, o tempo se manifesta fundamentalmente por meio do tempo gasto pelos moradores da cidade em seus deslocamentos espaciais. Como mostramos, esse tempo está intrinsicamente ligado ao espaço urbano produzido. Assim, tanto quanto o clima em São Paulo ou seu espaço urbano, também o tempo não é produto da natureza. (2011, p.56-57) Segundo o Plano Habitacional de Interesse Social de Parelheiros a região possuía 130.587 habitantes em 2004, com uma taxa de crescimento por volta de 6% ao ano no período de 1991/2004 – aliás, esta foi a maior taxa de crescimento populacional do Município de São Paulo como um todo cuja média no mesmo período foi de 0,8%. Esse aumento é fruto tanto do crescimento vegetativo, quanto do aumento do número de pessoas vindas de outros lugares.2 Tanto um caso, como o outro, pode ser compreendido por meio de duas situações: a primeira é a baixa escolaridade da população (ver tabela 1, p.9), o alto índice de analfabetismo, que tem seus desdobramentos na gravidez precoce; a segunda pode estar ligada a migração da população de baixa renda para outros bairros em função tanto dos preços –inacessíveis- dos imóveis ou por algum projeto imobiliário ou público que promove a remoção dessa população. Um exemplo disso foi o processo de consolidação do eixo Berrini- Faria Lima. Em 1995 foram removidas mais de 50 mil pessoas das favelas Água Espraiada, para a implantação de grandes projetos imobiliários como 2 shoppings centers, hotéis e a sede paulistana da emissora rede globo de televisão. Como demonstra FIX (2001), Das favelas da Água Espraiada, mais de 50 mil moradores foram expulsos- muitos deles morando em casa de alvenaria construídas havia mais de 10 ou 20 anos- e tiveram poucas alternativas além de ir para outras favelas, em bairros distantes, como Jardim Ângela, Jardim São Luís, Cocaia ou Grajaú. Grande parte foi parar nas margens das represas Billings e Guarapiranga, região que apesar das fortes restrições determinadas pela Lei Estadual de Proteção dos Mananciais, desde 1979, tem sido intensamente ocupada por aqueles que, como os moradores de Espraiada, não têm outra alternativa.(p134) Do contato que tivemos com o trabalho da autora pudemos compreender, com muita clareza, a atuação do Estado em sintonia com a iniciativa privada, interferindo e consentido com a produção privada do espaço. Entre as inúmeras consequências evidenciaremos duas: intensificam-se as migrações intraurbanas na cidade e a produção de novas moradias precárias em outras áreas da cidade. Sem acabar com o problema, o transferem para outro lugar – no momento em que pagam mil e quinhentos reais de indenização às famílias vitimadas nos processos de remoção.3 Além disso, o próprio Estado executor das leis, as viola na medida em que é responsável direto em deslocar as famílias para as áreas protegidas pela legislação ambiental: os mananciais. O intenso crescimento populacional (tabela 2, p.9) nos mananciais é resultado do elevado crescimento vegetativo, e das migrações intraurbanas induzidas pelas políticas públicas urbanas. Diante disso, o alto crescimento anual de Parelheiros, se comparado com o restante do município, precisa ser entendido em conjunto, ou seja, precisamos compreender quais os processos e os agentes que configuram a atual dinâmica do Distrito. 3 Tabela 1 Tabela 2 2. Santo Amaro, eixo de expansão periférica. A referida área de estudo ficou a margem da expansão urbana, principalmente pelo fator distância e a existência de outras áreas para a realização desse processo. Remontando a história de Parelheiros inevitavelmente mencionaremos a Província de Santo Amaro, isso porque Parelheiros fazia parte de Santo Amaro, motivo pelo qual não conseguimos estudar a história de um sem mencionar a história de outro. De Freguesia foi elevada a Vila em 10 de julho de 1832. No século XIX Santo Amaro fazia parte do chamado “cinturão de chácaras” estabelecido nos arredores de São Paulo, cuja principal função era o abastecimento do Município de São Paulo. Em alguns trabalhos encontramos que “Santo Amaro era o celeiro de São Paulo, com mandioca, milho, feijão, arroz, batatas inglesas e produtos de primeira necessidade eram comprados dos santamarenses”. 4 LANGENBUCH (1971) demonstra como foi se dando a conformação da Grande São Paulo e seus arredores rurais mediante as mutações provenientes do desenvolvimento urbano. A função que a vila de Santo Amaro exercia, enquanto fornecedora de produtos agrícolas para São Paulo, exigia melhoras das vias, principalmente pela questão do desperdício e pela questão da distância e tempo que se demorava com o percurso. Como consequência dessa demanda, surgiam projetos e interesses para a instalação da estrada de ferro. Nas palavras de LANGENBUCH (1971, p.23), Os capitalistas que desejavam obter a concessão da ferrovia que iria ligar São Paulo a Santo Amaro, em seu prospecto publicado em 1883, argumentavam, provavelmente com algum exagero em vista da possibilidade do mesmo: “A villa de Santo Amaro é a chave de um distrito que, com razão, é chamado o celeiro da capital, pois que seguramente metade dos viveres que são aqui consumidos são d’aquela procedência”, e, mais adiante: “A exportação consiste em madeiras de construção, lenha, pedra de cantaria e bruta, 4 viveres, aguardente de milho, galinhas, ovos, algum toucinho e poucos carneiros.” Na medida em que a cidade de São Paulo se modernizava em decorrência dos primórdios da industrialização, os serviços públicos como transporte e energia elétrica se difundiam. Para tanto as empresas prestadoras de serviços precisavam investir na implantação destes serviços básicos para o processo urbano-industrial da Cidade. Nesse sentido, a disputa frenética entre as empresas para monopolizar a prestação de serviços foi um fato político que fez parte da história da urbanização da cidade de São Paulo. Por isso as afirmações de LANGENBUCH (1971) se tornam tão emblemáticas, nos demonstrando o grande interesse dos capitalistas na criação, e posteriormente, obtenção da concessão, da futura linha férrea que iria ligar Santo Amaro a São Paulo. A região central da cidade foi partilhada por várias Companhias ligadas ao setor de transporte, composta por membros ligados ao capital cafeeiro; logo outras regiões mais distantes do centro também foram foco de interesses, a partir de 1886 a Companhia Carris de Ferro de São Paulo inicia seu percurso. Finalmente em 14 de março chegava a primeira composição, inaugurando o percurso de 19 quilômetros e 120 metros. Iniciava na Estação São Joaquim a linha seguia pelas Ruas Vergueiro, Domingos de Morais, Avenida Jabaquara até a Igreja de São Judas, local aonde acontecia o “encontro”, os trenzinhos eram abastecidos e depois pelo campo que seria hoje os Bairros do Aeroporto e Campo Belo, chegavam a Estação do Brooklin Paulista. Neste ponto, chamado Volta Redonda (as curvas eram fechadas) e seguia pela atual Chácara Flora e por uma curva seguia pelas atuais ruas São José e Nove de Julho, até o ponto final, na Praça Santa Cruz, e todo o percurso tinha a duração de uma hora e meia. (PARELHEIROS [20--])5 Os aglomerados mais afastados do centro de São Paulo não ficaram imunes a essa expansão urbana. Claramente que nestes aglomerados as infraestruturas foram se instalando de maneira mais lenta, diferentemente do ritmo do Município Paulista. Assim, o início do desenvolvimento urbano de Santo Amaro está estritamente ligado com a urbanização de São Paulo, como veremos no decorrer da pesquisa. Alberto Kuhlman foi o engenheiro precursor e idealizador da Estrada de Ferro que ligaria a província de Santo Amaro ao município de São Paulo. O projeto não obteve êxito, quer dizer não houve interesse por parte de investidores em subsidiar as obras, o que acabou levando o próprio Kuhlman a organizar uma companhia, a Companhia Carris de Ferro de Santo Amaro a São Paulo, que acabou sendo incorporada por capitalistas cariocas e santamarenses. A companhia Carris era a única que realizava o deslocamento em trilhos dos produtos que Santo Amaro produzia para São Paulo, resultando no estreitamento e redimensionando das relações entre estes municípios. A empresa canadense “Light & Power” arrematou todas as empresas ligadas ao setor de transporte da Cidade de São Paulo, e gradualmente dominou a distribuição de energia, monopolizando, portanto, os principais serviços urbanos da Cidade. Com isso, em 17 de março de 1900, a Companhia Carris de Ferro de Santo Amaro foi incorporada pela Light. O trabalho de SAES (2009) expõe com detalhes todos os interstícios que levou a empresa a tornar- se tão poderosa. Quatro dias após a permissão do governo federal para a entrada da São Paulo Light no mercado brasileiro, em 21 de julho de 1899, a prefeitura paulista promulgava a Lei nº 407, para regular os serviços de força e luz da capital do estado. O decreto assinado pelo Prefeito Antônio Prado determinava que toda e qualquer concessão de serviço “de distribuição de força e luz elétricas” dependeria da aprovação e autorização do prefeito. Além de uma longa descrição das quatro zonas de distribuição de força e luz elétrica da cidade e dos materiais e equipamentos que deveriam ser usados pelas companhias, o documento previa prazo de no máximo vinte anos de concessão [...] (SAES, 2009, p.179.180). Tal permissão autorizava a Light a produzir e distribuir energia elétrica em São Paulo, além de permitir a construção de linhas de bondes e de assentar as linhas de transmissão da usina a ser construída no município de Parnaíba. Apesar da abrangência da concessão, a São Paulo Light apenas iniciava sua empreitada para a conquista do mercado paulista, já que este mercado era dominado por outras empresas. (SAES, 2009, p.179.180) Santo Amaro possuía poucas ruas, talvez umas quatro ou cinco, uma Vila extremamente pacata; guardava sua função religiosa assim como outros aglomerados dos arredores paulistas, sendo as missas realizadas aos domingos, com pessoas vindas de outros lugares, muito conhecido pelas grandes festas religiosas. A monotonia da Vila era quebrada nessas ocasiões festivas. A festa do Divino Espirito Santo punha uma certa vibração no ambiente estagnado. A vida se movimentava com povo descido de todos os sertões da redondeza. Da capital também afluía gente porque a festa era famosa. (ZENHA, 1952 apud LANGENBUCH, 1971, p.52). O Município de Santo Amaro inicia a transição de Aglomerado, o lugar da festa, da sociabilidade, do encontro, para um Aglomerado com uma função, mais comercial, ou seja, onde o comércio terá preponderância na referência do lugar, com as primeiras intervenções da Light. Importante mencionarmos que em 1897 foi inaugurado o Mercado Municipal de Santo Amaro, localizado próximo as atividades religiosas, administrativas e comerciais, juntamente com o elemento articulador com a Cidade de São Paulo- a ferrovia. Houve um aumento na renda do Município, o que acabou por contribuir na ampliação do mercado público em 1903. Essas informações são relevantes porque à medida que o mercado municipal se expande, os interesses externos do Município também seguem se expandindo. Após a empresa Light monopolizar os transportes na cidade de São Paulo, aglutinaria a linha interurbana São Paulo/ Santo Amaro; posteriormente, a mesma empresa instalaria luz elétrica, força e bonde. Criadas as condições da expansão e de desenvolvimento da Cidade de São Paulo, a tendência, portanto, era se expandir e os bondes nesse caso, viriam a cumprir um papel importante na incorporação das áreas mais distantes, o que resultaria futuramente em bairros “suburbanizados”. A expansão difusa e interrompida do espaço urbano passou a ser facilitada a partir de 1900, pelo bonde elétrico, cuja primeira linha fora instalada neste ano, e que rapidamente se expandiu, tendo em 1905 substituído completamente os bondes de burros. A concessionária “Light & Power” não hesitou em estender suas linhas aos principais, dentre os bairros isolados mais afastados, atravessando grandes extensões ainda não urbanizadas e que por algum tempo não poderiam garantir um transporte lindeiro. [...] Em 1906 foi inaugurada a única linha interurbana a ser criada, qual seja a de Santo Amaro. (LANGENBUCH, 1971, p.84) Ressaltaremos nessa passagem da obra a referência do autor à atuação da empresa em lugares outros, ou seja, aqueles mais afastados do centro da Cidade de São Paulo, na intenção desta em expandir tal tecnologia. A questão é que a empresa não estendeu transporte, energia e iluminação elétrica porque alguns lugares dos arredores de São Paulo estavam à margem dessa modernização e esta se lançou a inseri-los no desenvolvimento urbano que São Paulo passara como encontramos em várias pesquisas e dados. Muito pelo contrário, a implantação desses serviços nos arredores de São Paulo é fruto da concorrência monopolizadora da concessionária canadense, muito bem mencionado por SAES [...] em 1912 a companhia Light realizou uma custosa operação financeira, de £ 650.115, para conquistar o controle acionário da empresa inglesa, com o intuito de blindar as possibilidades de concorrentes no mercado de São Paulo – no caso, a CBEE (SILVA, 2006, p.79). Com autonomia jurídica, a São Paulo Gás Co. passou a investir no uso doméstico do gás com apoio de campanhas publicitárias, enquanto a Light ampliou os serviços de energia elétrica.( SILVA, 2006 apud SAES, 2009,p.184) Até a aquisição acionária da companhia inglesa, a Light tinha grande interesse em assumir os serviços desses bairros mais distantes, evitando assim que a São Paulo Gás Co. assentasse seus materiais, transformando tais localidades em “lugares ocupados”. Assim, na medida do possível, as inovações da Light foram tanto transformadoras como rápidas. A introdução dos novos bondes e da iluminação elétrica impulsionou a defesa da modernização por parte da população paulistana. (SAES, 2009, p.185) Compreendemos, portanto que houve uma mudança em Santo Amaro quando este Município assume uma função comercial: abastecedora de alimentos e madeira para a cidade de São Paulo. Essa posição de Santo Amaro acabou favorecendo o interesse de investidores em implantar a linha férrea que iria ligar os dois Municípios. Uma vez instalada, podemos inferir que tal empreendimento atuou como força indutora na ocupação dos espaços. Santo Amaro cumprira sua função de abastecedor de São Paulo, redefinindo a relação desta Província com o município de São Paulo, a medida que o processo de urbanização deste contribuía nas transformações nos arredores de São Paulo. Portanto, a consolidação das atividades do comércio cafeeiro e mercantis na cidade de São Paulo, influenciava de maneira direta nas atividades comerciais de Santo Amaro. Em 1907 a Light & Power construiu a represa Guarapiranga, através do represamento das águas do rio Guarapiranga. Lembrando que nessa época a necessidade de geração de energia elétrica era latente em São Paulo devido aos processos de modernização e crescimento. Importante destacarmos que as intervenções da Light na zona sul de São Paulo não aconteceram de forma tranquila6. Foram marcadas por desapropriações e conflitos com a Câmara Municipal de Santo Amaro, como bem demostra Oliveira: Surpreendentemente, após este relatório para com os inquéritos da Cia Light, desencadeou-se um episódio, que na correspondência existente, transparece como cercado de certa animosidade entre as partes. Em 15 de setembro de 1906, a Cia Light encaminha um requerimento à Câmara, solicitando a mudança de traçado da estrada do Guarapiranga, alegando já haver se entendido com os proprietários afetados e que a nova estrada seria melhor, pois estaria livre de enchentes. Na sessão de 01 de outubro, foi lido e aprovado o parecer da comissão designada para apreciar o dito requerimento. Em linhas gerais, o parecer formalizava um veemente protesto da Câmara por não ter sido sequer informada sobre as obras de represamento do rio Guarapiranga, as quais afetavam as condições de salubridade, segurança, higiene, viação e transporte no município, além do bem estar dos residentes nas imediações das obras e propriedades de terras adjacentes, podendo gerar consequências perniciosas para o município e municípios vizinhos. (1999, p.57-58) A finalidade de se construir a represa foi a necessidade em regular as águas do Tietê, para que este rio pudesse ter condições de alimentar a Usina Edgar de Sousa; a represa possui uma extensão de 34km², indo de Santo Amaro até Embu-Guaçu. Desta forma, além da geração de energia, as construções das represas possibilitaram outro uso: o recreativo. Em 1926 a Light constrói outro reservatório: o Billings que ocupa hoje 582,8km², dividido entre os Municípios de Santo Amaro e São Bernardo. Sua área de drenagem 6 abrange integralmente o município de Rio Grande da Serra e parcialmente os municípios de Diadema, Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo. O objetivo da construção deste lago também foi para a geração de energia elétrica, que seria destinada a Usina Henry Borden em Cubatão, aproveitando o desnível da Serra do Mar. A construção destas represas representaram uma importante mudança no uso deste espaço, que somado as instalações dos bondes, efetivou, segundo Langenbuch (1971), “[...] Santo Amaro como subúrbio recreativo de São Paulo.”. Um ano após a construção da represa Billings, inicia-se um grandioso projeto com objetivos claros: valorizar as margens e o entorno das represas para uma camada mais rica da sociedade paulistana. Nos anos de 1927 e 1928 iniciou-se a construção da Auto Estrada Washington Luís, que ligaria São Paulo a Santo Amaro possibilitando o acesso às represas. Conectando o Ibirapuera a Interlagos via Santo Amaro e Socorro. E em 1940 é implantado um acesso especial às represas e ao autódromo por meio da construção da Avenida Interlagos. Houve em todo esse processo descrito acima, um esforço por parte de especuladores e empreendedores imobiliários a fim de tornar a “região das represas” uma Cidade Satélite Balneária de Interlagos para a elite Paulistana. O agente principal nessa empreitada foi a empresa “Auto-Estrada S.A”, composta por empresários, fazendeiros e políticos da época. A formação desta empresa está relacionada estritamente aos rentáveis lucros que poderiam ser obtidos entorno do “Projeto Interlagos”. Oliveira em sua dissertação de mestrado denominada: “Projeto Interlagos- a praia que faltava à São Paulo: contradições e significado da inserção de Santo Amaro/ zona sul na formação sócio- espacial metropolitana”, revela que Entre 1937 e 1963, a Auto Estrada tornou efetivos os planos que, desde o final dos 20, orientaram suas ações: urbanizar as margens da represa de Guarapiranga, nos moldes dos subúrbios europeus e norte-americanos. [...] valorizando especialmente os efeitos panorâmicos permitidos pela visualização da represa, do traçado sinuoso de suas ruas, compondo um traçado semelhante ao empregado por Barry Parker no Jardim América. (1996, p.200) Como demonstra o autor, o bairro de Interlagos, por meio do “Projeto Interlagos”, teve sua produção baseada num modelo de planejamento também implantado nas “garden-cities”, no qual a paisagem a ser desfrutada pelos moradores seria reduto de uma natureza, já naquela época, vista como lugar de alcance de uma certa qualidade vida – vale dizer, uma vida distante da caótica e poluída vida que alvorecia com o crescimento da industrialização. Após 1935, Santo Amaro deixa de ser um Município para tornar-se um bairro de São Paulo indo seus limites até o litoral. As construções das represas produziram uma significativa capacidade em despontar esse espaço para o lazer e recreação, culminando num intenso processo especulativo, principalmente na venda de lotes adjacentes a nova estrada. Além disso, a empresa Auto-Estrada S.A construiu o autódromo de Interlagos e o Aeroporto de Congonhas, como atrativos da “região”. Com a retificação do rio Pinheiros7 e Tietê, junto a disponibilidade de água e energia elétrica, possibilitaram o fortalecimento de Santo Amaro, nos anos 50 e 60, enquanto um dos principais parques industriais da Cidade. Devido a essas facilidades, houve o incremento industrial em São Paulo a partir da expansão de indústrias para o sentido sul do rio Pinheiros: Jurubatuba e Santo Amaro, além da implantação das linhas férreas, que potencializavam a valorização de Santo Amaro. Conforme descrevem, Scifone & Alvarez (2011, p. 50), A expansão urbana que incorporou Santo Amaro e outros distritos da zona sul desta mancha urbana intensificou-se a partir dos anos 1950 e foi impulsionada pela abertura de um ramal da Cia. Estrada de Ferro Sorocabana, intitulado Jurubatuba, cujos trens saíam da Estação Júlio Prestes, com destino ao litoral sul: Santos, São Vicente, Itanhaém e Peruíbe. Inaugurada em 1957, até o final dos anos 1970, a ferrovia era utilizada para passageiros e cargueiros. Com o mapa 2 (p.20) podemos deduzir alguns processos, junto à bibliografia consultada. Um dos apontamentos refere-se à distância que a mancha urbana estava das represas até 1950. Santo Amaro, nesse contexto, estava passando por um considerável crescimento industrial. Sendo que, 7 [...] em 1960, Santo Amaro já se apresentava como o 10° distrito mais industrializado do município de São Paulo, concentrando 498 indústrias, que significavam 3,03% do total. Capela do Socorro apresentava 132. (SCIFONE; ALVAREZ, 2011, p.63) Em resumo, podemos inferir que a implantação de projetos no século XX com apelos bucólicos destinados ao lazer para a classe mais abastada da sociedade paulistana, foi uma tentativa de construir um espaço destinado ao consumo e a moradia de alto padrão no extremo da zona sul. Isso é notável quando passamos pela Avenida Robert Kennedy, as margens da represa Guarapiranga, e visualizamos a estrutura das residências e as inúmeras lanchas e barcos (também de alto padrão) ao longo da represa. A partir de meados do século XX Santo Amaro consolida-se como um polo industrial, atraindo mão de obra para as indústrias localizadas ao longo do canal Jurubatuba, estendendo-se até o Largo do Socorro. Este período correspondente à segunda fase da industrialização, onde a entrada de migrantes em São Paulo foi crescente, e favorecendo a formação e composição de um exército industrial de reserva. Desta maneira, tanto os projetos destinados ao lazer quanto a consolidação desse polo industrial foram importantes para a expansão do extremo da zona sul de São Paulo, atuando como vetores no crescimento de Parelheiros. O processo muda com o início da chamada reestruturação produtiva dos anos de 1980. Esse momento é marcado pelo deslocamento de atividades predominantemente produtivas, ou seja, pelas atividades industriais, para atividades eminentemente financeiras, redefinindo também, de maneira drástica a ocupação do solo, principalmente em zonas de expansão que se caracterizaram pelo terciário moderno (eixo Berrini-Faria Lima). Se antes tínhamos a moradia dos operários ao lado da indústria, próxima a pequenos comércios, hoje a configuração espacial é outra. Esses espaços passam por processos de revalorização e a população é empurrada para os limites da cidade, para a parte sul dos mananciais da cidade de São Paulo, onde se localiza Parelheiros. Além do que foi exposto, precisamos lembrar que o início dos anos noventa representa um ataque violento às conquistas da classe trabalhadora pelas políticas neoliberais. Nesse processo, flexibilizam-se as leis trabalhistas, as terceirizações são implementadas pelas empresas, os salários são rebaixados e o resultado é o empobrecimento da classe trabalhadora. Esse processo se materializa com a formação e o adensamento dos inúmeros condomínios irregulares em área de mananciais. Entendemos esse processo sob a perspectiva de que é no espaço que está presente a externalização dos conflitos entre as classes sociais, portanto o espaço é uma realidade construída socialmente. Desta forma, as relações sociais se apresentam na concretude enquanto relações espaciais. Estamos num período de acirramentos dos conflitos sociais, produzidos e reproduzidos espacialmente. Essa afirmação vem em resposta aos frequentes projetos urbanos de homogeneização espaciais implantados pelos agentes hegemônicos. Segundo Pintaudi (1997, p.215), É a organização social que articula o espaço, que o determina, que o produz e reproduz. O espaço é produto e condição de reprodução destas relações sociais (porque não tem autonomia nenhuma enquanto condição de reprodução das relações sociais). A valorização espacial expandida e fragmentada é proporcionada por meio da articulação entre Estado e mercado. Expandida porque vai além das regiões com farta infraestrutura e bens de consumo coletivo, e fragmentada pela produção de espaços de ostentação e poder pelas classes dominantes, em meio à periferia empobrecida. As mudanças nas leis, implantações de infraestruturas, o congelamento de territórios, são intervenções que competem ao poder público realizar; mudanças que acabam por valorizar os espaços, quando existe algum atributo passível de interesse por parte dos incorporadores imobiliários. Mapa 2 (expansão da mancha urbana) Fonte: Portal HABISP, últimmo acesso em Fevereiro de 2011. Essa imagem contrapõ medida em que nesta mobilidade da periferia. Os pontos em vermelho representam os “clandestinos” em Segundo, inform Subprefeitura, Parelhei bairros e apenas 63 são Fonte: Relatório técn Diretor de 2003. O gráfi o número de loteame num dado ano. õe a anterior, na é perceptível a o dessa imagem loteamentos Parelheiros. ações da ros possui 200 o regulares. nico do Plano co abaixo expõe entos construído 3. Planejamento sustentável: um projeto de valorização espacial? Aos olhares mais atentos, o futuro é promissor para a região, apostam os gestores. A aposta está no potencial sustentável. Intitulada por alguns como Amazônia Paulista, a maior rede hídrica da Cidade encontra-se nesta porção de São Paulo, no extremo da zona sul, que somado a um remanescente de Mata Atlântica (por volta de 62,4%) resultam em políticas ambientais, que futuramente irão desdobrar-se nos almejados “planejamentos sustentáveis”. O Distrito está inserido em uma Macrozona de Proteção Ambiental, sendo assim, existe uma série de restrições referentes ao uso e ocupação do solo. No entanto, grande parte das beiras de córregos, leitos e riachos estão densamente ocupados, sendo que, destas ocupações estão presentes tanto o uso residencial, quanto comercial. O que foi notório nas visitas e conversas na subprefeitura, e até mesmo nas análises dos documentos e projetos vinculados à questão é o seguinte: existe um empenho por parte dos gestores em somar forças para promover o desenvolvimento dito “sustentável”. Nesse sentido as políticas e as transformações na paisagem irão expressar esse “modelo de desenvolvimento” que está em andamento. O objetivo está em preservar os recursos existentes na região, juntamente, promovendo o desenvolvimento econômico. Para tanto, é preciso recuperar o que foi degradado, requalificar o que foi perdendo a qualidade e valorizar aquilo que não possui valor.8 [...] o espaço urbano nunca esteve tão ligado à produção e reprodução do capital como na atualidade. As cidades se tornam grandes empreendimentos e a base desse negócio é o solo urbano. Acontece que esse solo, que se tornou uma mercadoria, para os habitantes do lugar ele é antes e sobretudo um valor de uso, enquanto para os que negociam com o solo urbano é antes um valor de troca que tem um valor de uso. Os interesses são, portanto, contraditórios e emergem no uso do espaço público que vai ter sua forma determinada por esse conflito de interesses. Quem vai medir esse conflito é o poder público. E as politicas urbanas expressam o resultado dessa mediação. (PINTAUDI, IGLESIAS; ROLNIK, 2001, p.33) Sendo assim, uma série de políticas intituladas de “ambientais” serão implantadas no sentido de possibilitar a valorização para o que até então não 8 era valorizado no mercado. Além disso, o desenvolvimento propriamente dito, também se enquadrará na esfera do sustentável, por meio do turismo “rural ou sustentável”. Essa nova maneira de resguardar os recursos naturais, proveio da articulação em escala mundial de modo a proteger, ou melhor, garantir por um tempo mais duradouro a existência desses recursos. O marco desse processo data de 1972, quando é publicado o relatório “Limites do Crescimento”, proveniente do Clube de Roma. O relatório é levado a cabo e difundido neste mesmo ano em Estocolmo na I Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU). Após quinze anos, em 1987, um novo documento é relatado e publicado, intitulado de “Nosso Futuro Comum”, este relatório merece destaque porque eis aqui o surgimento de mais um novo consenso mundial: o “desenvolvimento sustentável”. Importante mencionarmos que os projetos elaborados para o extremo sul da cidade de São Paulo não diferem daqueles que estão sendo executados na região central e em outras partes da Cidade. A diferença é que, em Parelheiros o umbral dos projetos está por conta da questão ambiental, que se desdobrarão na “sustentabilidade”. No centro os projetos estarão enquadrados pela consigna de “requalificação do centro”, essas “reestruturações” ou “recuperações”, contudo, valorizarão esses espaços que podem vir a ser apropriados individualmente; portanto, precisamos perceber essas intervenções no espaço como parte integrante de uma política ampla e coordenada para as cidades. SEABRA (2004) afirma Posto o problema do esvaziamento das áreas centrais e a desvalorização que isto implica, surgem as estratégias para recuperar o Centro, já identificado como centro histórico. Em decorrência, surgem concepções e planos de intervenção de longo prazo que combinam ação do governo municipal, dos empresários e da sociedade civil. As ações que interessam atualmente ao centro de São Paulo expõem, com toda veemência e sem comiseração, os termos pelos quais pode chegar os processos de privatização da esfera pública e, além do mais, se propondo como necessidade de um bem público. (p.282) Pensando nos processos que estão acontecendo, tanto na periferia como na região central, notamos a semelhança em criar consensos. Na região central de São Paulo a justificativa que mascara e é difundida para a população é a questão dos dependentes químicos, dos entorpecentes, do roubo, da sujeira etc. Já em Parelheiros quem precisa ser salvo são os rios, as nascentes, os córregos. Vejamos, dificilmente seremos a favor do desmatamento, que se poluam todos os rios, ou que o uso de substâncias maléficas à saúde sejam disseminadas. Enfim, poderíamos demonstrar muitos outros exemplos de argumentos que são utilizados para a criação de discursos que culminam em consensos coletivos. Desta forma, o problema concreto é camuflado, melhor, anestesiado e as ações do Estado que obstruem a reprodução da vida acabam sendo naturalizadas. É nesse marco que iremos compreender os projetos na referida área de estudo. De acordo com RODRIGUES (2011), Nas matrizes discursivas estabelecidas a partir da CNUMAD, o mundo do trabalho, as contradições e as lutas de classes foram deslocadas para os conflitos entre gerações (RODRIGUES, 2006), enquanto a produção e reprodução do espaço, na reprodução ampliada do capital, são tidas como os “agentes” do “desenvolvimento sustentável”. Os trabalhos foram transformados em “recursos humanos”, as riquezas naturais em “recursos naturais”, ou seja, mercadorias do mundo globalizado no mundo da inovação tecnológica e de fluxos financeiros. (p.213) Em decorrência da questão ambiental, houve um deslocamento de centralidade, se antes a produção desenfreada era a responsável por consumir e exaurir os recursos do planeta, hoje a ênfase está no consumo, em particular nos consumidores. Assim, teremos o que chamamos de culpa compartilhada, isso significa que a riqueza é apropriada individualmente, por uma pequena parcela da população, porém a crise será socializada, “todos” pagarão por ela. A crise a que estamos nos referindo é do capitalismo, contudo, como já mencionamos ela foi transformada em “crise ambiental”. RODRIGUES (2011) aponta As novas matrizes discursivas, ao mesmo tempo em que ocultavam os verdadeiros responsáveis pelos problemas- aqueles que se apropriam e são proprietários dos meios de produção, da terra, das riquezas- e atribuem a responsabilidade aos “consumidores” e aos pobres que ocupam as piores áreas, que não interessam ao setor imobiliário, obscurecendo a essência da desigualdade e da segregação socioespacial, ocultando a importância do território, do espaço e da sociedade. (p.211) A consequência que se segue, é um processo muito forte de criminalização da população que vive no entorno e nas margens dos córregos e rios dos mananciais. Os veículos de informação, os gestores públicos, as ONGs (Organizações Não Governamentais) difundem que a suposta crise ecológica é decorrente da falta de consciência ambiental por parte dos moradores destes lugares, os quais optam por residir nos mananciais, como se essa população tivesse um leque de possibilidades para estruturar suas vidas e optasse justamente pelas áreas de risco, ou nos arredores dos córregos. Em Parelheiros esse processo tornou-se evidente quando em 2007 a gestão Serra- Kassab iniciou a Operação Defesa das Águas; a propaganda difundida das ações, executadas pela Operação, aos moradores acontecem via criminalização da população por parte dos técnicos e gestores, com panfletos, artigos de jornais locais e o próprio boletim da subprefeitura de Parelheiros. (ver anexo 1) A Operação Defesa das Águas atua nos mananciais da cidade de São Paulo com o objetivo de urbanizar, frear novas ocupações, e impedir a expansão daquelas que já estão consolidadas; essas ações são realizadas através das fiscalizações, dos monitoramentos e desapropriações das construções em áreas de “preservação”. Esta Operação faz parte da política de preservação dos recursos hídricos e dos projetos de “sustentabilidade”, na medida em que [...] investimentos para a região dos mananciais poderá melhor articulá-los no âmbito de uma matriz de desenvolvimento sustentável. Exemplo são os projetos para a Orla da Guarapiranga. Vários projetos e propostas para a mesma finalidade, de iniciativas diversas e fontes de financiamento públicas e privadas estão sendo analisados entre si para articulá-los e integrá-los com cronograma que considera o potencial e o impacto dos investimentos na recuperação, proteção e desenvolvimento da região.9 9 Para tanto foi preciso a criação de guardas ambientais, da zeladoria urbano-ambiental e treinamento de agentes da própria comunidade, Também houve alocação de agentes para controle ambiental e agentes vistores; juntamente com a articulação das polícias militares, ambiental e civil. Assim, foi necessária uma significativa mobilização coercitiva do Estado como explicita o fragmento: A Guarda Ambiental entrará em operação imediatamente. Trata-se de uma inspetoria da Guarda Civil Metropolitana, inicialmente composta por 96 homens, 12 viaturas (3 para cada Subprefeitura) e 24 motos (6 para cada Subprefeitura). Em abril a corporação receberá outros 104 guardas, totalizando um efetivo de 200 homens, treinados pela Polícia Ambiental e pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. O treinamento dos guardas ambientais inclui 80 horas-aula sobre flora, pesca, fauna, caça, uso da água e controle ambiental em área de mananciais, legislação específica e funcionamento das agências ambientais e órgãos ligados à questão. A Guarda Ambiental fará rondas de carro e de moto, identificando ocupações e construções irregulares em Áreas de Preservação. Uma vez feita a identificação, o Guarda Ambiental informará o sistema de fiscalização que, então, tomará as providências necessárias (notificação e multas), inclusive acionando a Polícia Ambiental e a Polícia Civil, caso necessário.10 Em uma das visitas realizadas na subprefeitura, tivemos a oportunidade de obter informações com supervisor técnico de planejamento e desenvolvimento urbano, um dos responsáveis pelo planejamento do Distrito. Relatou-nos que a preservação ambiental é a preservação para a paisagem turística, sendo esta o alicerce do desenvolvimento de Parelheiros. Com a finalidade de mobilizar economicamente essa paisagem, a Operação Defesa das Águas cumprirá um papel importante, qual seja o de defender a água e também a paisagem; para que esta se fortaleça enquanto potencial turístico. A efetivação de um desenvolvimento dito sustentável terá suas bases nas atividades que conciliem a preservação ambiental (a preservação dos recursos como a água e o verde) com uma certa estratégia de desenvolvimento econômico local, totalmente baseada no turismo. A entrevista revelou que embora o turismo ainda seja incipiente, os números são animadores para os gestores. No ano de 2010, Parelheiros recebeu 120.000 mil turistas, com uma 10 visita mensal de 2.000 mil pessoas. Dentre os eixos turísticos que a subprefeitura está impulsionando estão o náutico, o ecoturismo de aventura, o turismo rural, o cultural11 e o religioso, cada um dos quais oferecendo um tipo de atrativo ao visitante (ver anexo 3). Na ótica dos propulsores dessas políticas, a paisagem natural, para se consolidar como uma paisagem turística, precisa passar hoje por um processo de recuperação de pontos degradados. Esses pontos são sempre áreas de ocupação irregular. No documento que celebra o convênio entre Estado e Município com vistas ao desenvolvimento de ações integradas nas áreas de proteção dos mananciais localizados no Município de São Paulo, está expresso que crime ambiental e construção irregular são equivalentes, logo tratados com semelhança. São atribuições do Estado e Município, Cláusula terceira12 Das Atribuições dos Participantes I- Nas ações de fiscalização e controle integrados: d. estruturar medidas complementares para inibir e coibir os crimes ambientais, com enquadramento legal dos infratores; e. Adotar procedimentos para desfazimentos de ocupação e construção irregulares com a tempestividade necessária; Cláusula Quinta Das Atribuições do Grupo Executivo de Proteção Dos Mananciais: II – propor e coordenar estratégias destinadas a fiscalizar e controlar as áreas de proteção ambiental visando impedir novas ocupações e a expansão da ocupação irregular nos territórios objeto do presente convênio; III – propor e coordenar a implantação das políticas habitacionais, e de desenvolvimento urbano para a região; IV- propor e coordenar as atividades destinadas a recuperar, proteger e preservar as áreas de preservação permanente e outras áreas consideradas prioritárias para a defesa dos mananciais e para a produção de água de boa qualidade, incluindo remoções e reassentamentos quando necessário. A própria prefeitura reconhece, a possibilidade de haver políticas compensatórias caso aconteçam remoções. E antes mesmo do Estado iniciar 11 12 qualquer política de “recuperação” de algum espaço sabe-se que haverá a necessidade de realojar as famílias, mediante condições dignas de infraestruturas, como podemos verificar no exposto abaixo retirado do site da prefeitura13 de São Paulo quando se inicia a Operação Defesa das Águas. Se for definida a necessidade de remoção, esses casos serão analisados individualmente para identificar quais soluções poderão ser oferecidas aos moradores. Conforme o caso (renda, tipo de moradia, tamanho da família, tempo de residência, etc.), poderão ser oferecidas moradias em conjunto habitacional, carta de crédito para aquisição ou construção de moradia, crédito de indenização de construção, crédito ajuda de custo para mudança ou abrigo de emergência, por exemplo. Infelizmente não foi e não é bem assim que acontece nos casos de desapropriações seguidas de demolições das habitações, como demostra uma das edições do jornal Zona Sul Notícias na página seguinte. Destacamos ali a visão dos técnicos, dos planejadores, aqueles que promovem as desapropriações, e do outro lado, os moradores, que foram removidos de suas casas. Em vermelho estão sublinhados os depoimentos dos moradores em relação as ações da Operação Defesa das Águas. Em azul o que representa essa Operação segundo a visão dos gestores. No dia 31 de março de 2012 a Operação Defesa das Águas completou cinco anos, com um balanço de 12.500 construções demolidas na Cidade de São Paulo, junto aos mananciais. O responsável pela execução da Operação é Edson Ortega, Secretario Municipal de Segurança Urbana, que durante o governo Fernando Henrique Cardoso foi Secretario Nacional de Habitação. Por parte dos administradores e gestores, essa Operação está desenvolvendo um grande progresso, porque de fato pela primeira vez na história de São Paulo a água está sendo protegida. Dito isto, é notável perante as atuais políticas públicas da cidade de São Paulo, que existe uma relação bem próxima entre a questão da moradia e a questão da segurança pública. Ou seja, os projetos públicos ou público-privados que intervém no espaço urbano acabam por aprofundar os conflitos por moradia que, acabam virando caso de polícia, ao invés de políticas públicas de interesse social. 13 Os processos de remoções, desapropriações e demolições são ações conflituosas, que em muitos casos o poder público usa da força policial no momento em que vão retomar alguma área. Já os ocupantes resistem, ou seja, se valem do direito à moradia e pelo direito de se colocar contra as políticas espaciais excludentes. Pensando nisso, no dia 17 de outubro em 2007 foi publicado o decreto 48.832, lei municipal que normatiza o uso da violência em qualquer ato de resistência durante os procedimentos de desocupação, abaixo está um trecho do decreto: Art. 1º. A vigilância e a guarda dos bens imóveis municipais incumbem às Subprefeituras, em seu respectivo âmbito de atuação, salvo quanto àqueles que se encontrem sob a administração de outros órgãos municipais. Art. 2º. Havendo turbação ou esbulho na posse de bem imóvel municipal, a Subprefeitura competente tomará as providências imediatas para sua desocupação e para a demolição das edificações irregulares verificadas, pelo exercício do poder de polícia, podendo utilizar-se dos meios que se fizerem necessários e adequados, tais como: I - retirada compulsória, mediante o uso da força; II - isolamento da área; III - interdição; IV - notificação para desocupação; V - lavratura de boletim de ocorrência por crime de desobediência e esbulho possessório; VI - solicitação de auxílio de outras Secretarias e órgãos cuja intervenção se justifique, inclusive da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Parágrafo único. Ficará a cargo da Secretaria ou órgão municipal respectivo a adoção das providências referidas no "caput" deste artigo quanto à turbação ou esbulho verificado nos imóveis sob sua administração. As entrevistas com funcionários da subprefeitura foram muito reveladoras, principalmente no que tange aos instrumentos e estratégias utilizadas para a valorização do Distrito. A estratégia principal está no âmbito da segurança, o efetivo da policia militar aumentou consideravelmente no centro de Parelheiros, fato que se explica por meio da parceria entre a região juntamente com a Secretaria de Segurança Pública, numa operação intitulada “Operação Delegada”, a mesma que atua na criminalização do comércio ambulante da área central do Município14. Essa Operação também teve seus desdobramentos nas escolhas dos subprefeitos de São Paulo, atualmente 30 subprefeituras estão sob o comando de Coronéis da Policia Militar. Lembrando que as subprefeituras foram criadas em 2002 com o objetivo de descentralizar a gestão da cidade e, com isso, os bairros, poderiam ter maior participação nas elaborações e decisões de propostas vinculadas a habitação, cultura, educação, saúde. No entanto, a realidade nos diz o contrário, houve uma maior centralização, militarização, e hoje, o papel principal que as subprefeituras cumprem é o de zeladoria. Parelheiros possui 70% de suas atividades voltadas para a zeladoria, que inclui: poda de árvore, cortar grama, recolher entulhos, limpar bueiros e vias públicas. Talvez essa porcentagem considerável, esteja relacionada principalmente, porque se trata de áreas protegidas ambientalmente e a “paisagem verde” precisa ser conservada. Os planos estratégicos existem e foram pensados para que as especificidades, dos lugares, sejam exaltadas e indutoras de desenvolvimento dito “local”. Nesse sentido, cabe aos gestores administrar e desenvolver as singularidades existentes em cada lugar. Seguindo essa lógica da venda do espaço mercadoria, os agentes hegemônicos (incorporadores imobiliários, Estado, por exemplo) promovem a cidade como qualquer outra mercadoria. Isso pode ser entendido, quando esses agentes somam esforços com a finalidade de desenvolver as “vocações econômicas” que determinado espaço possui. De acordo com Wainer Alguns dos mais respeitados especialistas no chamado marketing urbano enfatizam a necessidade de, a partir do diagnostico das características de cada cidade e dos infinitos mercados nos quais ela pode ser vendida, examinar adequadamente o tipo de consumidor virtualmente sensível 14 “A Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado decidiram ampliar a Operação Delegada para toda a cidade. A partir de agora, todas as 31 Subprefeituras paulistanas contarão com policiais militares para atuar de forma intensiva na fiscalização de comércio ambulante ilegal em ruas da capital. Por meio da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras e da Secretaria de Estado da Segurança Pública, via Polícia Militar, a ampliação da Operação Delegada agora atingirá mais 17 Subprefeituras: Perus, Pirituba, Freguesia do Ó, Jaçanã, Vila Maria, Penha, Ermelino Matarazzo, Aricanduva, Itaquera, Guaianases, Cidade Tiradentes, Butantã, Campo Limpo, M'Boi Mirim, Parelheiros, Capela do Socorro e Cidade Ademar.” aos atributos locacionais que a cidade oferece ou pode vir a oferecer (Kottler, Haider, Rein, 1994). Esta não é, no entanto, a posição dos autores aqui analisados. Para eles, a venda da cidade é, necessariamente, a venda daqueles atributos específicos que constituem, de uma maneira ou de outra, insumos valorizados pelo capital transnacional [...]. (VAINER, p.79,2009) Esse fatiamento do espaço, onde no caso de São Paulo cada subprefeitura possui um Plano Estratégico Regional, o fragmenta e os tornam competitivos à medida que os recursos não são distribuídos igualmente para cada subprefeitura. O chamado desenvolvimento local passa a ser responsabilidade do próprio Distrito, captar recursos, atrair investimentos a partir daquilo que, numa visão empreendedorista ele tem de melhor a oferecer ao mercado. No caso de Parelheiros, o desenvolvimento é “sustentável” e está relacionado às “novas raridades”: a água e o verde. 4. Breve análise política e econômica do “desenvolvimento sustentável” Com o objetivo de desenvolvermos uma reflexão entorno do discurso do “desenvolvimento sustentável”, buscamos uma discussão do termo que melhor expresse suas diretrizes, embora existam muitos acadêmicos discutindo o assunto. Nesse sentido, o “desenvolvimento sustentável”, segundo RIBEIRO (1997), constitui um novo paradigma de desenvolvimento, sendo imprescindível abarcar elementos políticos, econômicos, filosóficos e éticos. Desta forma, seria possível o equilíbrio entre desenvolvimento e utilização dos recursos naturais. O autor compartilha da ideia de que [...] o desenvolvimento sustentável não se constitui em métodos de planejamento, e sim de conhecimento. Adotando técnicas associadas, o importante na natureza do conceito está justamente na conciliação que promove entre distintas formas de liberdade: a natural, a social e a de mercado. Seu desenvolvimento deve ocorrer flexivelmente, segundo, distintas situações sociais, econômicas e ambientais, ou seja, a combinação de fatores, ou sua integração, depende de variáveis, no tempo e no espaço. (1997, p.72) Em linhas gerais, toda literatura consultada que considera o “desenvolvimento sustentável” como possibilidade a ser alcançada possui similaridades com as diretrizes expostas acima. Desta maneira, o objetivo está em conciliar o desenvolvimento econômico junto à manutenção dos recursos naturais promovendo a justiça social. Dito com outras palavras, a ideia é enquadrar o desenvolvimento capitalista de maneira a “torná-lo ecologicamente sustentável e socialmente igualitário”. Diante de tal perspectiva, entendemos a sustentabilidade como uma forma de discurso ideológico, e como tal, visa criar uma coesão social, ao menos inicialmente no discurso. Isso porque esse discurso reúne metas de equidade social e de preservação ambiental sem de fato questionar o modelo de acumulação do capital. Portanto, o próprio termo já é bastante sugestivo, quando propõe sustentar esse modelo vigente de desenvolvimento de maneira a criar condições de mantê-lo, ou seja, de (re) criar “sobrevidas” ou “sobrefôlegos”. Embora o presente trabalho esteja preocupado em trazer as contradições que o termo “desenvolvimento sustentável” carrega, não poderíamos deixar de citar que já na década de setenta, Furtado (1986) demonstra como a própria discussão de desenvolvimento econômico nos países periféricos acaba sendo um mito, não sendo possível transpor o modo de vida das economias capitalistas desenvolvidas para os países subdesenvolvidos. Caso o fizéssemos, certamente o sistema entraria em colapso devido às pressões sobre os recursos “não renováveis” e por conta da profunda e insustentável poluição que o planeta se encontraria. Conforme Furtado, (...) de forma irrefutável, as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas, como negar que essa ideia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um mito. Graças a ela tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que abre ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos como são os investimentos, as exportações e o crescimento. (1986, p.75- 76) (grifo nosso) Perante estas considerações, uma indagação é suscitada: se a própria discussão de desenvolvimento econômico para os países subdesenvolvidos torna este conceito um mito, como pensarmos então em “desenvolvimento sustentável”? Outro apontamento a ser destacado diz respeito às similaridades entre a crítica que o autor realiza e o deslocamento de foco apontado pelos críticos do desenvolvimento sustentável, segundo os quais, a análise deveria colocar em questão o próprio sistema capitalista e não apenas supostas formas de uso desordenado e inconsequente dos recursos. O reconhecimento - perante a opinião pública - de que o “desenvolvimento sustentável” é um caminho a ser percorrido é um fato: mas o que de fato esse discurso traz? E por que mobiliza tantos setores da opinião pública (ONGs, os governantes, as empresas, as Universidades)? Talvez dois apontamentos possam subsidiar a compreensão destas questões, um pela perspectiva política e a outro pela via econômica. Comecemos a traçar o raciocínio pela perspectiva política. Os anos sessenta e setenta nos países capitalistas marcam a expressão dos movimentos da juventude que se colocava contra as ações truculentas de seus governos para com outras nações. Nos Estados Unidos o movimento hippie, na Europa a juventude francesa sai às ruas desafiando o Estado. O movimento ecológico surge nesse contexto junto a outros movimentos cuja crítica não necessariamente parte da crítica estrutural da sociedade. Uma das explicações talvez esteja na descrença que o stalinismo soviético disseminou nos movimentos e partidos de esquerda. Gonçalvez nos ajuda a elucidar essa transformação A década de 1960 assistirá, portanto, ao crescimento de movimentos que não criticam exclusivamente o modo de vida. E o cotidiano emerge aí como categoria central nesse questionamento. É claro que cotidiano e história não se excluem; todavia, há um deslocamento de ênfase: enquanto movimento operário em sua vertente marxista dominante (social-democracia e leninista) insistia na “missão histórica do proletariado” que, uma vez vitorioso sobre a burguesia capitalista, resolveria então todos os problemas cotidianos [...]. (1990, p.11-12) Os levantes da juventude, dos anos sessenta e setenta, tinham como ponto de partida negar as ações truculentas do Estado, de modo que a liberdade surgia como pauta de convergência nas reivindicações estudantis. Em um momento em que perseguições políticas, guerras e ditaturas configuravam o momento histórico e político. Importante ressaltarmos esse contexto para que possamos compreender as metamorfoses nas lutas políticas, em particular, o interesse em investigar o contexto do surgimento dos movimentos ecológicos e sua facilidade em mobilizar tantos segmentos da sociedade. O esvaziamento das bandeiras de lutas políticas que tinham como princípio transformar as estruturas sociais se consolidou com a queda do muro de Berlim. A perda de um referencial, daquilo que significava uma experiência histórica abalou fortemente as organizações da esquerda. Além disso, dos anos setenta em diante emergem as teorias neoliberais (e sua consequente implementação), o que irá representar um ataque ao Estado intervencionista keynesiano pós-crise de vinte e nove, especialmente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, como bem nos demonstra Harvey: Assim, a doutrina neoliberal opunha-se profundamente às teorias do Estado intervencionista, como as de John Maynard Keynes, que alcançaram a proeminência nos anos 30 em resposta a Grande Depressão. [...] Os neoliberais se mostravam ainda mais fortemente contrários à teoria do planejamento estatal centralizado [...]. Alegavam que as decisões do Estado estavam fadadas à tendenciosidade política, que dependia da força dos grupos políticos de interesses envolvidos (como os sindicatos, os ambientalistas ou grupos de pressão corporativos). (2008, p.30) Harvey (2008) nos fornece uma importante contribuição na medida em que demonstra como as reinvindicações de liberdade, dos anos sessenta em diante, foram sendo apropriadas e fundidas pelo discurso neoliberal. Nesse sentido, as reinvindicações pelo direito a liberdade acabaram se unindo a própria crítica dos neoliberais frente ao Estado interventor. Diante do exposto, percebemos como os movimentos políticos tomam novos rumos em face das novas prerrogativas que estavam colocadas: de um lado a queda do muro de Berlim, de outro a ascensão neoliberal e com isso a perda dos referenciais por parte dos movimentos. Interessa-nos saber, portanto, por que as políticas urbanas ambientais são realizadas de forma truculenta pelo Estado via discurso da sustentabilidade. E na maioria das vezes, essas políticas são implantadas sem oposição, ou tendo apoio de movimentos organizados, porque tudo se justifica pelo “bem da proteção ambiental”. Nossa inquietação, neste ponto, está em conseguirmos responder por que o movimento ecológico - que é político - e que surgira deste contexto que resgatamos, separa o social da questão ambiental. Presenciamos nos atores sociais, ONGs, parte considerável dos trabalhos acadêmicos, nos discursos políticos, e na mídia, o esforço em criar e defender áreas protegidas ambientalmente. Isto porque a visão dos conservacionistas ambientais segundo Diegues (2000, p.53) carrega uma concepção biocêntrica. “Pela qual o homem natural tem direitos idênticos ao ser humano”. Desta forma, aparece a ideia de “parques naturais”, onde [...] porções do território consideradas “intocadas” foram transformadas em áreas naturais protegidas, nas quais não poderia haver morador. Essas áreas selvagens foram criadas em benefício das populações urbanas norte-americanas que poderiam, como visitantes, apreciar as belezas naturais. (DIEGUES, 2000, p.53) Para os conservacionistas, o homem não possui o direito de dominar a “natureza”, o que acaba sendo contraditório, porque se a natureza se transforma em objeto, foi pensada com intencionalidades. A área a ser preservada é medida e, as espécies de vegetações catalogadas, dizendo de outra forma, a “natureza” é domesticada, enquadrada e, dentro da Cidade, é uma “obra cênica”. Os “movimentos ambientais”, assim como os atores sociais suplantam o imaginário de que o objetivo é salvar o “meio ambiente”. Na verdade, presenciamos esse objetivo: (de preservar) transformar a “natureza” em objeto reificado. Outra análise a ser considerada em relação aos “movimentos ambientais” - enquanto movimentos de “contestação”-, diz respeito ao consumo. As preocupações em torno da “preservação dos recursos ambientais” acabam se refletindo no consumo das mercadorias, quer dizer, produz-se consumidores, e consumidores diferenciados, ou seja, nichos de mercados, em busca de outras mercadorias. Seja a busca pelo consumo de outros espaços ou de produtos que tenham em alguma etapa da produção o comprometimento com a “questão ambiental”, sendo certificados: por terem sua produção ligada a empresas que se intitulam “parceiras do meio ambiente”. Portanto, o que queremos destacar é a convergência de consensos desses atores (ONGs, consumidores, gestores de instituições públicas e privadas, ambientalistas) rumo ao ideário do “desenvolvimento sustentável”. A segunda perspectiva pela qual iremos procurar compreender o “desenvolvimento sustentável” será a econômica. Aliás, esse paradigma constitui uma grande área de interesse da Economia, intitulada de “economia do meio ambiente”, principalmente quando os custos e os benefícios dos recursos ambientais começam a ser calculados e incorporados nos receituários das empresas. Recorremos, assim, aos economistas, para uma reflexão mais consistente sobre o assunto, visto que os “bens naturais” ou os “ativos naturais”, enquanto recursos em potencial - ou direto - são pensados como investimentos rentáveis. Para a economia neoclássica, gerir os recursos raros de maneira monetária torna-se imprescindível (Tolmasquim, 2003). A produção de mercadoria - nexo vital do nosso sistema político econômico - produz necessariamente alterações no ambiente. Nesse sentido, o “desenvolvimento sustentável” tenta impor-se como um caminho a ser seguido no processo de reprodução das relações sociais de produção, intermediado pela mercadoria. De maneira que as “externalidades15” provocadas no processo de produção precisam ser internalizadas nos custos finais de um determinado produto. Nas análises econômicas a degradação ambiental é externalidade que acontece no processo produtivo e, não necessariamente, tem algum impacto nos preços de mercado. Essa situação será alterada quando os efeitos externos forem incorporados, considerando-os como custos. Uma das maneiras mais comuns de incorporar estes custos é por meio de normas/multas, impostos ou tributações realizadas pelo poder público. O importante desses debates é conseguirmos entender como funcionam esses mecanismos no processo produtivo e, como o produto final chega ao mercado. Quando as empresas começam a implantar mecanismos para custear esses impactos, alguém precisa pagar por isso de alguma maneira. Assim, ou os produtos chegarão aos consumidores com um preço mais elevado ou os trabalhadores pagam por este custo ambiental ao empresário por meio da intensificação do trabalho. Isso porque a economia procura sempre atingir um ponto ótimo16, tentando, desta forma, atingir um equilíbrio de mercado: quando os preços repõem os custos. No entanto, o que presenciamos é a pulverização dos anúncios das calamidades ambientais - a destruição da vegetação, a poluição atmosférica e de rios etc., apontando toda a sociedade como protagonista dessa destruição. Nesta perspectiva, as empresas arcam com os custos e os danos ambientais são repassados aos consumidores. Fica a pergunta: estamos no rumo da sustentabilidade? As empresas, por sua vez, acabam saindo ilesas de suas responsabilidades. Portanto, os custos e a culpa pelas “agressões ao ambiente” são socializados, enquanto os ganhos são individualizados. Neste contexto, compreendemos Tolmasquim quando expõe: Em economia, a noção de dano ou benefício repousa sobre a expressão das preferências dos indivíduos: preferências para evitar uma perda (dano) ou para obter um benefício. Estas preferências se manifestam sobre o mercado e se expressam sob a forma de consentimento de pagar. (2003, p.329) Ribeiro (1997) aponta que, neste ponto de vista, a natureza é provedora de capital circulante, logo os custos das matérias-primas seriam transferidas para os produtos finais. No entanto, essa visão deveria ser superada, com o argumento de que o “ambiente” precisaria ser considerado como capital fixo e assim manter-se-ia durante o ciclo produtivo. Assim o autor nos diz O diagnóstico desta linha de pensamento diz que as raízes da crise ambiental estão no fato de o capital considerar o meio ambiente como um bem livre e os danos ambientais dos processos produtivos, como externalidades. Nesse sentido, a crise ambiental decorria da incapacidade de os capitais computarem os danos ambientais que as suas atividades geraram, mesmo quando estes danos ameaçam a própria continuidade da acumulação capitalista. A solução seria corrigir a falta de visão dos empresários e passar a considerar o meio ambiente como bem econômico, dotado de preço. Na verdade, pode-se dizer que as empresas sempre computaram o meio ambiente como tendo custo nulo em moeda; tratar-se-ia, portanto, de lhe dar um custo positivo e monetizá-lo. Para o capital, segundo Carneiro (2005, p.30) arcar com os custos “ambientais” por meio de tais políticas acaba tornando-se um gasto dispendioso e improdutivo, porém a minimização dos danos ambientais é inexorável do ponto de vista do processo de acumulação de riqueza. Partindo desta premissa, Carneiro (2005, p.30) nos faz um apontamento importante: as ações do Estado para minimizar os danos ao “meio ambiente” entram em colapso durante as crises cíclicas de mais-valia do capital; porque o próprio Estado precisa socorrer o mercado. Portanto, o Estado possui sua principal diretriz baseada na regulação. Nesse sentido, passa de protagonista a mero regulador comercial e pilar salvador das instituições financeiras em momentos de crises (o que acaba desmontando o discurso neoliberal). E por outro lado, outra contradição vigora na “produção sustentável”: levando em conta a concorrência existente entre os capitais mais as crescentes tributações por parte do Estado, esta situação acabaria diminuindo os lucros das empresas, logo apareceria o encarecimento da produção, resultando numa crise de “subprodução”. Isso aponta um dos limites “intrinsicamente econômicos” à realização de um “desenvolvimento sustentável”, entendido como compatibilização entre a continuação indefinida da acumulação capitalista e a reposição, também indefinida, de suas condições naturais de possibilidade. (CARNEIRO, 2005, p.30) A finalidade das discussões realizadas até o momento é avançar na crítica rumo à desmistificação da neutralidade transmitida por alguns atores sociais ao colocarem a degradação ambiental no nível do cotidiano. Quando na verdade a degradação parte da produção das mercadorias e, contraditoriamente, o cotidiano surge como resposta a essa suposta “crise ambiental”. Chamamos a atenção, portanto, para a forma pela qual a “natureza” é apropriada e considerada pela ótica monetária sempre. Entrelaçando todas as exposições consideradas, é possível inferir que da maneira pela qual a nossa economia está estruturada, o ideário do “desenvolvimento sustentável” desvela seu revés ideológico e conservador, na medida em que conserva toda estrutura socioeconômica. A política de preservação de qualquer “recurso natural” ou “bens naturais” irá perpassar necessariamente pela lógica da acumulação de riquezas. Por fim, concluímos que este termo ou pseudo-conceito não proporciona nenhuma possibilidade de ao menos mitigar as desigualdades provocadas pelo processo de acumulação capitalista. Além disso, este termo e suas inúmeras definições trazem consigo uma flexibilidade e indefinições tanto na esfera temporal, espacial quanto na forma pela qual deverá se desenvolver essa preservação “ambiental”. 5. O verde como uma “nova raridade” Os espaços verdes dentro das grandes cidades tornaram-se raridades, assim como qualquer outro “recurso” escasso. Certamente que para tornar-se escasso é preciso que haja consumo e para haver consumo é preciso que haja consumidores dispostos a adquirirem determinados produtos. Estamos nos referindo propriamente à valorização e mercantilização dos espaços verdes das cidades. Estes espaços, na mesma medida em que se colocam em oposição ao urbano, pelo menos no que diz respeito a sua forma, também são extensões do urbano. Isso se realiza no momento em que o negamos e no instante em que o reproduzimos enquanto relações sociais de produção. O espaço, como dimensão da sociedade, apresenta o momento histórico por meio de sua concretude. Assim, o espaço também é consumido, além de ser produzido. Não é somente pelo processo produtivo que podemos compreender a sociedade. O tempo do não trabalho também passa a fazer parte do processo de acumulação do capital, estendendo-se da fábrica para a casa, para o lazer e para a vida privada. Os avanços tecnológicos proporcionados pelo desenvolvimento das forças produtivas configuram as cidades. De maneira que proporcionaram o cercamento de nossa visão para além de imagens e informações simultâneas e repetitivas que impõem normas e modos de ser. Os estreitamentos dos movimentos devido à presença de objetos que disputam espaços na cidade se juntam à falta de reconhecimento entre os sujeitos e entre o sujeito e a obra. Esse panorama é intensificado de acordo com as forças de produção e reprodução, e na mesma proporção será o sentimento de insatisfação e enfado. Enquanto este espaço urbano se “rebela” em forma de “caos”, outros são produzidos na mesma medida para serem consumidos enquanto válvula de escape. Diante disto, a busca pela fuga de espaços que aparentam oposição a forma urbana tornaram-se imperativos em nossa sociedade. Faz-se necessário em algum momento esse reencontro com a “natureza”, para que dessa maneira a sensação de liberdade e paz se realize. A venda de prazeres em forma de liberdade encontra-se a disposição no mercado: vendem-se os espaços! Essa forma de “natureza” que concebemos hoje se traduz em fetiche. Atribuímos sensações e vida quando imaginamos estar em ambientes, seja uma cachoeira, uma praia deserta, um grande “parque natural”, ou tudo que remonta a “espaços da natureza”. Essa “natureza” recriada é formatada e correspondente à forma mercadoria, porque atribui valor aos espaços. Henri Lefebvre (2008) denota que um dos problemas concernentes à natureza refere-se ao seu distanciamento daquilo que era natural, porém os seus signos são constantemente forjados. “Tais signos são produzidos e vendidos em massa. Uma árvore, uma flor, um ramo, um perfume, uma palavra tornam-se signos da ausência: ilusória e fictícia da presença. Ao mesmo tempo, a naturalização ideológica obceca”. (2008, p.34) Com o processo de troca simples os recursos provenientes da “natureza” eram utilizados de acordo com o seu tempo. Hoje a “natureza” produz de acordo com nosso tempo. Nossas necessidades eram supridas conforme a disposição de insumos presentes no ambiente. E essa disposição era determinada pelo tempo necessário a se produzir. Lembrando que a lógica anterior ao capital era baseada no entesouramento, o dinheiro era guardado, diferentemente acontece com o capitalismo, onde o capital precisa circular. Nesse sentido, uma das funções a o que banco se presta está na circulação monetária. Com as metamorfoses da lógica de acumulação, devido também ao desenvolvimento das forças produtivas, além de manipularmos o tempo em que uma mercadoria é produzida, conseguimos também manipular a produção de insumos. Essa “conquista” foi proporcionada graças à revolução verde17. Entre os poucos elementos dos quais ainda não possuímos controle em sua produção, podemos mencionar a terra e a água (com todas as ressalvas possíveis). Pensando na Cidade de São Paulo com todo processo de urbanização crítica, de verticalização, ocupação das margens dos principais rios da cidade e altíssimo grau de impermeabilização do solo, seria insano, do ponto de vista do capital, desapropriar espaços construídos para cultivarmos “espaços verdes” dentro da Cidade. Portanto, a impossibilidade de produzir “espaços verdes” nas cidades, somado a lógica de reprodução do capital, fundamentado na sua própria destruição, proporciona avanços dos impactos mais intensos sobre os ambientes. E a saída que o capitalismo encontra é a saída mercadológica, monetária, haja visto o comércio de créditos de carbono entre as empresas. Importante destacarmos que quando mencionamos a impossibilidade de produzir “espaços verdes”, estamos nos referindo à produção propriamente dita. Aquela produzida pelo trabalho humano; nesta perspectiva, o homem não produz fragmentos de floresta na fábrica e os coloca na cidade. Nossa discussão está no âmbito das relações sociais, que embora a terra e os fragmentos de vegetação da cidade não terem sido produzidos, atribuímos valores monetários porque a nossa relação com esses “bens naturais” ocorre pela troca. Eles foram transformados pela sociedade em mercadoria porque possuem valores monetários. E o que determina o quanto irá custar no mercado é a lei de oferta e procura e a sua escassez. Nesta perspectiva, a própria condição de escassez dos “bens livres” acaba transformando-os em mercadorias. Assim, a “paisagem verde” ou a “paisagem natural” acaba tornando-se uma “nova raridade”, portanto, passível de troca. Assim, o uso é transformado, portador das satisfações imediatas, em valor de troca, caráter primeiro da mercadoria. De acordo com as palavras de Santana, Os "bens naturais" na antiguidade são considerados "bens livres", mas nas sociedades modernas apenas o ar parece ser abundante. São finitos, por isso contradizem a tese do crescimento infinito. As transformações ocorridas através do processo de industrialização e de urbanização desencadearam uma "crise ambiental", tornando cada vez mais escassa as riquezas vindas da natureza. A natureza também se torna raridade na paisagem urbana e industrial, quando caracterizada pela "natureza pura" na vida na cidade. A raridade é o argumento que faltava para dar valor de troca àqueles bens. Este movimento histórico implica na entrada destes bens no circuito econômico enquanto mercadoria. (2008, p.119) Perante essas análises, a cidade é a experiência histórica concreta do processo contraditório da reprodução do capital sobre os “bens naturais”, pelo fato da própria cidade negar a natureza, em primeiro plano, superficialmente, enquanto aparência, e num segundo plano, enquanto história. Os diferentes momentos dos processos históricos de acumulação se revelam pelo espaço. Os centros urbanos e as diferentes centralidades produzidas acompanham as mudanças na acumulação e expansão do capital mundializado. Essa situação se expressa tanto pelo fato da cidade ser o locus que concentra a troca, a decisão, o consumo, a produção e a circulação, como também pela desigualdade econômica determinada internacionalmente. Novamente Lefebvre nos elucida A cidade, ou o que dela resta, ou o que ela se torna, serve mais que nunca à formação de capital, isto é, a formação, à realização, à distribuição da mais-valia. Por outro, tais lógicas e tautologias negam a natureza. Negação que nada tem de abstrata, que não é especulativa. Rejeitando as particularidades, a racionalidade industrial devasta, pura e simplesmente, a natureza e tudo o que é do domínio da “naturalidade”. (2008, p.41) Num momento em que as relações local e global nunca estiveram tão estreitas e o próprio movimento do capital de expansão e reprodução, estabelecem (re)definições espaciais. Essas (re)definições são projetadas para a captação de novos investimentos econômicos, com o objetivo de atrair os capitais em busca de revalorização. Com isso a periferia da cidade reduto da classe trabalhadora, no atual momento histórico pode sofrer transformações frente a esta conjuntura. Tais transformações podem vir a se efetivar quando estes espaços até então “marginais” ou “desvalorizados” despontarem interesses pelo fato de possuírem alguns “bens livres” ou “novas raridades”. Tello (2005, p.19) afirma que os interesses pelos “espaços marginais”, ou como ela denomina de “territórios-reservas”, estão pautados na sustentação da escassez dos bens “naturais” nas cidades. Desta forma, considera “que o processo está sendo alimentado por uma constante produção e reprodução de “territórios-reservas” que garantem a solução eficaz das crises metropolitanas de crescimento/acumulação”. Diante dessas colocações é possível compreender a importância estratégica que Parelheiros cumpre, não só para a cidade de São Paulo e sim a toda dimensão territorial que implica. Portanto, é inegável o esforço por parte dos gestores em aproveitar, monetariamente, com mais intensidade toda essa “potencialidade” que a região possui. Potencialidades essas baseadas nas “novas raridades”, como mencionado no início do trabalho. O que não podemos perder de vista é que este aproveitamento econômico vem acompanhado pelos discursos ambientais, via desenvolvimento sustentável, é blindado pelo movimento ambientalista, interessado em conservar aquela paisagem. Por outro lado, o poder público desenvolve as politicas ambientais que lhe cabe, porém tirando proveito da “natureza” via mercantilização. Em outras palavras: “desenvolver sem agredir o meio ambiente”. 6. Os “espaços verdes” e a Periferia A região18 de Parelheiros, como já mencionamos, é composta por um significativo remanescente de Mata Atlântica que possui importância tanto para abrigar a fauna existente e regular o clima, como também para proteger as nascentes e rios que abastecem a Cidade. A relação conflituosa entre preservação ambiental e moradia tornou-se um problema crônico dentro da região. Certamente, esta situação é fruto do processo da urbanização crítica de São Paulo. Para quem reside na região há mais de vinte anos, são notáveis as transformações, principalmente no que concerne à importância dos “bens naturais”. O que mudou não foi a importância em si dos ecossistemas e o reconhecimento de sua fragilidade perante nós, mas a gestão do Estado frente ao “meio ambiente”. Não houve nenhuma mobilização por parte do Estado diante das corriqueiras denuncias de especulação imobiliária, vendendo lotes ilegais em áreas de mananciais. (Ver anexo 5) A partir do século XXI, o Estado se faz mais presente na região. De fato, houve uma mudança no papel da centralidade que o “meio ambiente” cumpre. As políticas locais estruturam a importância dos mananciais pelas leis (que datam de 1975) e pela criação de parques e áreas protegidas. Não concebemos essa mudança por parte do Estado (em colocar centralidade na preservação ambiental, em Parelheiros) como uma simples “consciência ambiental”. Ao contrário, entendemos como uma condição para a reprodução das relações de produção. Nesse sentido, compartilhamos com Scifoni (2006, p.23) quando aborda a natureza como recriação de uma nova necessidade social. Assim a proteção se coloca enquanto condição necessária na divisão espacial do trabalho da metrópole paulista, portanto, a proteção ambiental obtém uma função dentro da lógica capitalista. Essa mudança de gestão dos recursos naturais em Parelheiros fica evidente a partir da criação de mecanismos que visam não só proteger o meio ambiente, mas também frear os processos de ocupação por famílias em busca de moradias. Nesse contexto, foram criadas duas APAs (Área de Preservação Ambiental), o Parque Natural Cratera do Colônia19, e está prevista a implantação de quatro parques lineares, dois propriamente em Parelheiros e os outros dois circunvizinhos ao Distrito. Estes quatro parques previstos têm sua origem ligada à construção do trecho sul do Rodoanel Mario Covas, momento em que houve muita polêmica por parte dos ambientalistas. A preocupação não estava somente com a possível perda de fluxo entre fauna e flora, mas também com a possível ocupação desenfreada aos arredores da rodovia por parte da população. Ao visualizarmos o mapa 3 ( p.50) notamos que todos os quatro Parques margeiam a Rodovia como forma de barrar um possível retorno a ocupação desenfreada. Tabela 3. Segundo a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, as Unidades de Conservação são áreas reconhecidas legalmente à proteção ambiental. Podendo haver diferentes variações na sua forma de uso, desde as Unidades de Conservação Integral (UCi) até as Unidades de Conservação Sustentável (UCs). As Unidades de Conservação se apresentam como um dos mecanismos mais importantes utilizados na preservação de ambientes estratégicos produtores de água. Assim a APAs é um desdobramento das Unidades de Conservação Sustentável. Ou seja, é possível conciliar a conservação com o uso “ordenado” da natureza. Diante deste panorama, é inquestionável que a causa primeira dos aumentos tanto dos Parques previstos, quanto das Unidades de Conservação surgem como resposta do Estado aos avanços e crescimento da população de baixa renda em área de preservação ambiental. Também é inegável a relação estreita entre conservação ambiental e turismo, receituário do “desenvolvimento sustentável”. Assim, a produção dessas áreas resulta numa duplicidade: ao mesmo tempo em que busca barrar o estabelecimento da população de baixa renda nesses locais, o entorno dessas áreas verdes poderão vir a valorizar-se. Portanto, “os espaços verdes” transformados em parques urbanos municipais pelo Estado poderão servir de instrumento para a valorização de Parelheiros. No trabalho realizado por Serpa (2009) intitulado “O espaço público na cidade contemporânea”, o autor analisou o papel das implantações destes equipamentos em projetos de requalificação urbana. Utilizando como exemplos a Cidade de Salvador (Brasil) e a Cidade de Paris (França), o autor nos revela que [...] os novos parques públicos são elementos de valorização do espaço urbano que contribuem para um processo de substituição de população nas áreas requalificadas. Eles tornaram-se álibis para justificar grandes transformações físicas e sociais dos bairros afetados pelas operações de qualificação urbana. (SERPA, 2009, p.42) Desta forma, à medida que a população de baixa renda foi sendo “empurrada” para residir em Parelheiros, os problemas ambientais foram se configurando. E estes problemas, os ambientais, estão sendo resolvidos ou mitigados via criação de Unidades de Conservação. E as consequências sociais produzidas por meio da implantação das políticas ambientais são: as remoções e demolições de moradias - de uma população cuja renda familiar de acordo com o IBGE corresponde a um terço da média municipal (602,71 em 2000). Frente a isso, Serpa (2009, p.43) nos diz “[...] é conveniente se interroga