unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP Eder Carlos Zuccolotto HOMENS DE NEGÓCIO E PODER LOCAL NO OESTE PAULISTA ARARAQUARA – SP 2018 Eder Carlos Zuccolotto HOMENS DE NEGÓCIO E PODER LOCAL NO OESTE PAULISTA Tese de Doutorado, apresentado ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. Exemplar apresentado para exame de defesa Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e Pensamento Social. Orientador: José Antonio Segatto Bolsa: CNPq ARARAQUARA – SP 2018 EDER CARLOS ZUCCOLOTTO HHHOOOMMMEEENNNSSS DDDEEE NNNEEEGGGÓÓÓCCCIIIOOO EEE PPPOOODDDEEERRR LLLOOOCCCAAALLL NNNOOO OOOEEESSSTTTEEE PPPAAAUUULLLIIISSSTTTAAA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e Pensamento Social Orientador: Prof. Dr. José Antonio Segatto Bolsa: CNPq Data da defesa: 10/04/2018 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. José Antonio Segatto UNESP / FCLAr Membro Titular: Profª Drª Maria Tereza Miceli Kerbauy UNESP / FCLAr Membro Titular: Prof. Dr. Milton Lahuerta UNESP / FCLAr Membro Titular: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa UNESP / FCHS / FRANCA Membro Titular: Prof. Dr. Fransérgio Follis UNICEP / SÃO CARLOS Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara A minha amada esposa Daniela e a minha querida filha Sarah AGRADECIMENTOS Ao CNPq, que financiou este trabalho, obrigado por todo o apoio. Os recursos garantiram maior tranquilidade para a pesquisa; Ao meu orientador Prof. José Antonio Segatto, que sempre acreditou e me apoiou na minha caminhada pela pós-graduação. Obrigado por sempre acreditar em mim; A minha esposa Daniela e minha filha Sarah. Vocês são luzes que iluminam os meus caminhos e projetos. Meu amor e carinho são imensos por vocês, minhas princesas; Aos meus pais que sempre me apoiaram e estiveram presentes em todos os momentos importantes da minha vida, vocês são a base sólida em que me espelho; Aos meus irmãos Rodrigo e José Henrique (in memoriam), que sempre me deram ânimo nas adversidades. Sempre carregarei nossos momentos; Aos meus sobrinhos: vocês são a certeza que a vida se renova; Aos meus sogros:José e Lúcia e meus cunhados: Júnior, João e Pâmela, por toda a oração e amizade; Aos amigos Ulysses, André, Gigi, Fabiana, Danilo, Marielen, Renato, Raquel por todo o apoio e descontração; Ao professor Oswaldo Truzzi que me deu a oportunidade de conhecer e participar de importantes pesquisas; À professora Maria Tereza que sempre contribuiu para o crescimento do meu trabalho; Ao professor Fransérgio pelas excelentes aulas na faculdade, que me despertaram para novos projetos; Ao professor Agnaldo que com seu trabalho inspirou-me a batalhar pelo meu tema no mestrado; Ao professor Milton que contribuiu para o crescimento das reflexões deste trabalho, companheiro de conversa e do futebol; A todos os professores e funcionários da FCLAr que sempre foram muito profissionais e amigos; A Deus que nas minhas aflições sempre ouviu minhas orações. Obrigado Senhor! “O cientista não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas”. (Claude Lévi-Strauss) RESUMO A presente tese tem como objetivo analisar o papel dos homens de negócio na constituição do poder local com base em uma perspectiva territorial e temporal comum: o Oeste Paulista, no período compreendido entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. A proposta foi trabalhar essa questão não de maneira dissociada, mas promover uma análise crítica entre as partes que constituem seu campo de formação, como por exemplo, a figura do proprietário rural, presente tanto na discussão sobre a caracterização dos homens de negócio, como do poder local. As cidades do Oeste Paulista selecionadas para este trabalho são: Araraquara, São Carlos, Rio Claro e Ribeirão Preto. Procuramos ainda estabelecer as particularidades do poder local no Oeste Paulista em relação a outros Estados ou regiões. a investigação está embasada na sociologia histórica. Palavras-chave: Oeste Paulista; Séculos XIX e XX; Poder local; Homens de negócio; Coronelismo. ABSTRACT The thesis aims to analyze the role of local power in the constitution of businessmen based on a common territorial and temporal perspective: West of the state of São Paulo, in the period between the end of the nineteenth century and the first decades of the twentieth century. The proposal is to work this issue not in a dissociated way, but to promote a critical analysis between the parties that constitute its field of formation, such as the figure of the rural landowner, present both in the discussion about the characterization of businessmen, local power. The cities of the West of the state of São Paulo selected for this work are: Araraquara, São Carlos, Rio Claro and Ribeirão Preto. We will also try to establish the particularities of local power in this region in relation to other states or places. the research will be based on historical sociology. Keywords: West of the state of São Paulo; 19th and 20th centuries; Local power; Business man; Coronelism. LISTA DE MAPAS Mapa 1 Marcha do café 62 Mapa 2 Divisão Distrital Federal do Estado de São Paulo - 1893 100 Mapa 3 Divisão Distrital do Estado de São Paulo - 1896 100 Mapa 4 Divisão Distrital Federal do Estado de São Paulo - 1905 102 Mapa 5 Divisão Distrital do Estado de São Paulo - 1903 103 Mapa 6 Divisão Distrital do Estado de São Paulo - 1905 103 Mapa 7 Fazendas da região de Cravinhos/SP - 1956 161 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Quadro de eleitores - 1896 104 Tabela 2 Quadro de eleitores - 1897 104 Tabela 3 Quadro de eleitores - 1922 105 Tabela 4 Representantes do PRP nos distritos eleitores - 1906 106 Tabela 5 Representantes do PRP na Convenção Nacional - 1909 106 Tabela 6 Representantes do PRP dos diretórios municipais na eleição da comissão diretora - 1913 107 Tabela 7 Representantes do PRP nos distritos eleitores 1925 107 Tabela 8 Aquisição de propriedades próximas a fazenda Monte Alegre – 1894-1895 148 Tabela 9 Fazendas de Francisco Schimdt - 1899 148 Tabela 10 Acionistas fundadores da Cia Agrícola do Ribeirão Preto – Março 1891 154 Tabela 11 Acionistas da Cia Agrícola do Ribeirão Preto – Janeiro 1892 155 Tabela 12 Acionistas da Cia Agrícola do Ribeirão Preto – 1893-1895 156 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS PRP Partido Republicano Paulista PRM Partido Republicano Mineiro SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 14 1.1- São Carlos: três sesmarias, uma cidade 19 1.2- Rio Claro: de boca do sertão aos trilhos da ferrovia 22 1.3- Ribeirão Preto: de local desabitado a referência na produção de café 25 1.4- Araraquara: morada do sol ou buraco de araras? 27 2. DO NACIONAL AO LOCAL: MATIZES DA CONSTITUIÇÃO DO PODER POLÍTICO NO BRASIL E NO OESTE PAULISTA 30 2.1- Pensando o Brasil: onde está nosso projeto nacional? 30 2.2- A constituição do poder nacional e as matizes do poder em São Paulo 35 2.3- A presença dos líderes locais na política, a importância da figura dos coronéis 48 2.4- O Partido Republicano Paulista: surgimento e sua importância no Oeste Paulista 54 3. HOMENS DE NEGÓCIO NO INTERIOR PAULISTA 61 3.1- O Oeste Paulista: a marcha do café e sua importância 61 3.2- Condições históricas do surgimento dos Homens de Negócio 64 3.3- O Oeste Paulista: formação, ocupação e pioneirismo 77 3.4- Cafeicultores e imigrantes no Oeste Paulista 82 3.5- Líderes locais na política do Oeste Paulista 88 4. POLÍTICA E NEGÓCIOS NO OESTE PAULISTA 91 4.1- O Oeste Paulista: mais do que apenas um espaço geográfico 91 4.2- Política no Oeste Paulista, coronéis ou agentes diferenciados? 93 4.3- O Impacto da criação dos distritos no Oeste Paulista 95 4.4- Os distritos eleitorais no Oeste Paulista 99 4.5- Demonstrativo do quadro de eleitores e dos representantes do PRP nas localidades 104 5- NEGÓCIOS E POLÍTICA NO OESTE PAULISTA: TRAJETÓRIAS QUE SE CRUZAM 108 5.1- Trajetórias políticas no Oeste Paulista 108 5.1.1- O quadro político em São Carlos: Botelhistas X Salistas 108 5.1.2- O quadro político em Rio Claro 5.1.3- O quadro político em Araraquara 5.1.4- O quadro político em Ribeirão Preto 5.2- Antonio Carlos de Arruda Botelho, Carlos Baptista de Magalhães, e José Estanislau de Oliveira: política, negócios e influência 5.3- Ribeirão Preto a terra dos reis do café 5.4- Araraquara: do sertão ao desenvolvimento político pelo café 5.4.1- O caso dos Britos: política, linchamento e poderio dos coronéis em Araraquara 5.5- Francisco Schimidt: da origem humilde a rei do café 5.5.1- A Companhia Agrícola Francisco Schimidt: formação e funcionamento 5.6- A Companhia Agrícola do Ribeirão Preto 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS BIBLIOGRAFIA ANEXOS PREFEITOS E VEREADORES DAS CIDADES São Carlos Araraquara Ribeirão Preto Rio Claro AMOSTRAS DE REPORTAGENS PESQUISADAS NOS JORNAIS 114 119 123 127 129 137 143 147 150 153 163 174 178 179 187 195 203 204 14 1. Introdução A proposta desta tese foi investigar o papel dos homens de negócio na constituição do poder local com base numa perspectiva territorial e temporal comum: o Oeste Paulista, no período compreendido entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Nossa proposta envolvia trabalhar essa questão não de maneira dissociada, mas promover uma análise crítica entre as partes que constituem seu campo de formação, como por exemplo, a figura do proprietário rural, presente tanto na discussão sobre a caracterização do homem de negócios, bem como do poder local. As cidades do Oeste Paulista selecionadas para este trabalho são: Araraquara, São Carlos, Rio Claro e Ribeirão Preto. Procuramos ainda estabelecer as particularidades do poder local no Oeste Paulista em relação a outros Estados ou regiões do país. A investigação esteve fundamentada na sociologia histórica. O objetivo da pesquisa foi investigar como o poder local em São Paulo, em especial no Oeste Paulista, esteve fundado em determinadas relações sociais e no comportamento e ação de fazendeiros que assumem um perfil diferenciado de empreendedorismo e que, por isso, acabaram assumindo o papel de "homens de negócios", termo utilizado por Florestan Fernandes, para distinguir que a atuação desses fazendeiros não se assemelha com outros de seus pares tanto no Estado de São Paulo (como exemplo o Vale do Paraíba), quanto em outras regiões do Brasil. Outra questão deste trabalho foi analisar a sua atuação no campo político, ou seja, se este tem um caráter particular, diverso daquele tipo consagrado no trabalho de Vitor Nunes Leal. O caminho para delimitar os temas que nortearam este estudo começou ainda no mestrado, quando estávamos finalizando o texto, iniciamos um pequeno esboço do que poderia vir a ser o projeto de pesquisa do doutorado, logo surgiu uma perspectiva muito interessante: o debate iniciado no mestrado sobre os Homens de Negócio e mesclá-lo com o tema coronelismo. Desse modo, também nos dedicamos a investigar o coronelismo em São Paulo e, nesse processo, identificamos que ele é diferenciado em relação a outros tipos que analisamos durante a primeira parte deste estudo. Isso se deve, pois apresenta características que o tornam distinto em relação ao de outras regiões, como a questão da dualidade entre o passado e o presente, o desenvolvimento do chamado Ethos Burguês, as relações patrimonialistas e clientelistas, entre outras. Como bem frisou Fernandes (2010) viviam com um pé no passado e outro no presente. 15 Surgiu assim a primeira ideia. A seguir delimitamos os espaços temporal e territorial para que a pesquisa tivesse um foco, um eixo-norteador em que o debate e a análise dos pontos teóricos e práticos pudessem estar fundamentados em uma perspectiva comum. O enfoque foram os últimos anos do Império e nas primeiras décadas da República. Como já tinha uma base relativamente segura sobre o debate acerca da questão dos Homens de Negócio, iniciamos a primeira parte debatendo a questão política que envolvia o coronelismo, e neste sentido as reuniões com o orientador, e as disciplinas cursadas com ele, com o Professor Milton Lahuerta, e com a professora Maria Tereza Kerbauy foram essenciais cada uma a sua maneira para o enriquecimento das primeiras questões sobre política e coronelismo. Também é válido ressaltar a importância da pesquisa realizada durante alguns anos com o professor Oswaldo Truzzi, porque foi graças a ela que surgiram as primeiras ideias sobre as questões locais e de empreendedorismo. Fundamentado em textos e colaborações importantes desses quatro professores o primeiro capítulo foi uma obra artesanal de muitas idas e vindas, uma tarefa árdua que envolvia deste a limitação temporal e territorial de um tema tão amplo (poder local), ao mesmo tempo foi e continua prazeroso poder pensar em todas as perspectivas que ele pode trazer. Tanto que assumimos a tarefa de tentar trazer um esboço dos aspectos políticos gerais que vinham deste o período colonial, passando pelo Império, Primeira República e tendo como ponto principal o Oeste Paulista. Partir de uma visão Macro sobre as questões políticas para poder depois de dedicar às particularidades do poder local é uma tarefa que se mostrou muito interessante, e que ganhou ainda mais fôlego quando o próprio Vitor Nunes Leal salientou que o modelo que ele elaborava em sua obra se encaixava dentro de uma perspectiva particular, mas que em outras localidades esta poderia ser outra. Neste sentido a abertura dada por Leal abria a possibilidade de analisar as figuras políticas do Oeste Paulista como podendo fazer parte de um novo e diferenciado panorama. No próprio texto da dissertação da professora Kerbauy ela lembra na introdução que estudar o poder local é uma tarefa difícil e que até aquele momento tinha sido 16 realizada por diversas perspectivas, mas que existia uma carência do ponto de vista das Ciências Sociais. Já no texto de Simon Schwartzman as análises que ele faz sobre as diferenciações e as particularidades das regiões brasileiras caíram como luva dentro de nossa proposta, pois o autor ao analisar aquilo que ele delimitou como quatro regiões, não só expandiu o leque de possibilidades de estudo, principalmente sobre São Paulo, como ainda observou que essa divisão poderia ser repensada e que outras perspectivas poderiam ser estudadas e inseridas. E, desse modo, a segunda seção foi sendo construída, através de um debate histórico e social, pontuado pelas questões que envolviam poder local, coronelismo, mandonismo local, patrimonialismo, clientelismo; entre outros e tendo como pano de fundo o Oeste Paulista do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Nosso próximo passo seria retomar, aprimorar e readequar o tema sobre os Homens de Negócio, que já tínhamos trabalhado no mestrado, mas que agora teria algumas modificações. A primeira dizia respeito ao enfoque, no mestrado trabalhamos o imigrante como centro do debate, no doutorado o principal enfoque seriam os cafeicultores. Com o cafeicultor como foco deste estudo, surgiram modificações essenciais, afinal trabalhar questões como o poder local e o coronelismo no Oeste Paulista teriam mais sentido e fundamentariam mais o debate, se estivessem centradas na figura dos cafeicultores. Neste sentido, tivemos que retomar a obra de Florestan Fernandes e aprofundar as questões relativas aos proprietários rurais, na sequência retomamos a própria questão do empreendedorismo local mais atrelada à figura dos cafeicultores. Além de retomar o debate de Fernandes, precisamos incluir outros estudos como o de Monbeig (1984), para que assim pudéssemos nos dedicar a aprofundar um pouco mais sobre como a marcha do café seguiu do Vale do Paraíba para o interior de São Paulo. O aprofundamento serviu para que identificássemos que novos termos poderiam ser aplicados as regiões, como é o caso da Franja Pioneira, e do que alguns chamaram de Novo e Velho Oeste Paulista. Outro ponto interessante é a ferrovia, ela esteve presente em alguns momentos das nossas análises e muitas vezes foi o eixo norteador dessa expansão do café, mas Flávio Saes (1981) resgatou o tema propondo um outro olhar sobre ele. 17 As melhorias que foram sendo implementadas por esses Homens de Negócio acabam sendo sentidas nas propriedades rurais e também nos núcleos urbanos. Aqui se encontra um ponto de análise importante, afinal pelo que identificamos aos poucos a fazenda foi assumindo um caráter de negócio, um local que representava o ganho, e por isso não necessitava da presença constante do proprietário, que passou a delegar essa função. Desse modo, a cidade ganha importância, ela passa a ser o refúgio, a morada, o local de entretenimento desses Homens de Negócio e, por isso, não poderiam continuar como simples localidades de pouso e comida, elas deveriam oferecer algo a mais, o que, sem dúvida, também servia como uma amostra do poder e da influência de determinados cafeicultores. Um ponto comum entre a investigação dos Homens de negócio presente no texto do mestrado e neste texto está ligado ao fato de que nem todos alcançaram este posto, assim como boa parte dos imigrantes acabou sendo aproveitada como mão de obra nos cafezais; outra parcela significativa de fazendeiros de café ainda estava vinculada a modelos tradicionais no trato de suas propriedades, no entanto, assim como no caso dos imigrantes o que fez a diferença não foi a quantidade, mas sim a qualidade dos negócios que conseguiram ser implementados por esses pequenos grupos. E foi durante a construção deste segundo capítulo, sempre tendo em mente o que fora feito no primeiro capítulo que muitas ideias foram surgindo de como poderíamos conciliar esses dois debates. Desse modo, a segunda seção procurou resgatar aspectos gerais e particulares sobre a formação do poder político nacional e local. Para tanto, o estudo se dará por meio da discussão de alguns tópicos como: a constituição do poder político no Brasil ao longo do período colonial, imperial e da primeira fase republicana; a formação do poder nacional e a importância do poder local, especificamente no caso do Oeste do Estado de São Paulo; a constituição e a consolidação da figura dos coronéis paulistas. Não iremos aprofundar todas as questões relativas à construção do poder em âmbito nacional, nem suas várias vertentes regionais, já que o que realmente nos interessa neste estudo é realizar essa discussão para construir um suporte ao tema central da nossa pesquisa, que tem como foco analisar o poder local no Oeste Paulista e 18 as influências dos chamados Homens de Negócios 1 dentro do processo político da referida região. Utilizamos como principais aportes teóricos para esta etapa da nossa investigação os estudos de Simon Schawrtzman (1975) e Vitor Nunes Leal (2012), além de outros autores elencados nas referências bibliográficas utilizados no intuito de enriquecer e aprofundar o debate. Já a terceira seção trata mais especificamente do termo homens de negócio e sua presença no interior paulista. Para tanto, utilizará como aporte teórico a visão elaborada por Florestan Fernandes (2010) presente em sua obra A revolução burguesa no Brasil, tendo como enfoque neste trabalho a implantação, auge e decadência da lavoura cafeeira no Oeste Paulista (segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX). O termo foi primeiro associado por Fernandes (2010) aos cafeicultores e durante nosso estudo do mestrado procuramos relacioná-lo também aos imigrantes, no presente texto focaremos nosso interesse nos cafeicultores. Nosso interesse pelo interior paulista está no fato de que a região constitui uma área extensa e repleta de potenciais estudos, gerados pela grande quantidade de casos históricos. Nosso enfoque será principalmente nos territórios de: Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto, e Rio Claro. As áreas elencadas apresentaram um grande desenvolvimento em grande parte devido à expansão cafeeira para o Oeste Paulista. O café contribuiu para o desenvolvimento destas regiões com dois elementos importantes: o imigrante e a ferrovia. Uma prova do crescimento dessas regiões a partir da expansão cafeeira pode ser identificada por meio de dados fornecidos por Holloway (1984, p. 33). Segundo o autor, o número de municípios no Estado de São Paulo “[...] cresceu de 46 em 1850, para 121 em 1886; 206 em 1920 e 216 em 1934 [...] das 140 novas unidades criadas naquele período (1886 – 1934), 118 o foram no planalto ocidental [...]”. Na quarta e quinta seções nossa intenção foi de promover um estudo comparativo entre os referenciais teóricos presentes nos capítulos anteriores (poder local e homens de negócios) com a realidade das localidades escolhidas para este estudo, ou seja, este capítulo procurou trabalhar como os conceitos teóricos, ou como as realidades 1 O termo Homens de negócios está vinculado ao trabalho de Florestan Fernandes intitulado A Revolução Burguesa no Brasil (2010). 19 macros podem ser analisadas no Oeste Paulista, especificamente nas cidades selecionadas. Percebemos que existem realidades e práticas que são gerais, ou seja, que podem ser identificadas com mais frequência nas localidades, mas também existem aquelas que são particulares, que fazem parte do contexto daquela cidade. E na quarta e quinta seções que colocamos em foco questões relacionadas com a política, como o: patrimonialismo, o clientelismo, as fraudes e as alianças; e procuramos identificar como elas estavam atreladas com a dinâmica dos negócios destes fazendeiros, como o empreendedorismo deles se valeu da política, ou seja, como a política se tornou um negócio para eles. Neste sentido, o terceiro capítulo acabou por ser um ponto vital deste estudo, pois é ele quem procura elencar, completar e preencher as lacunas sobre a problemática aqui proposta que é a de trabalhar como os Homens de Negócio utilizavam de maneira direta ou indireta a política, o poder local em seu benefício, ou em benefício de seus aliados. Cabe ainda destacar que a pesquisa empírica foi vital para a sustentação desta pesquisa, principalmente no terceiro capítulo, em que as tabelas e os dados enriqueceram o processo de análise de cada uma das cidades, de seus personagens e da confluência e/ou distanciamento das particularidades presentes nos negócios e na política. A pesquisa dos dados em grande parte contou com visitas aos acervos públicos municipais de cada cidade, a bibliotecas, a museus e ao acervo digital da Biblioteca Nacional, que conta com uma quantidade considerável de publicações de diversos jornais, almanaques, revistas, entre outros das localidades que foram contempladas neste estudo. 1.1- São Carlos: três sesmarias, uma cidade A cidade de São Carlos tem suas terras localizadas na região geograficamente conhecida, no Estado de São Paulo, como planalto ocidental paulista. Segundo relatos de Neves (2007, p.24), as terras dessa região ficaram livres da invasão colonizadora até 20 o findar dos anos setecentos, antes disso só eram conhecidas e exploradas pelos indígenas guayanazes. A primeira sesmaria do território que daria origem à futura cidade de São Carlos acaba sendo concedida em 1781 ao cirurgião-mor do Regimento de Voluntários Reais de São Paulo, era um lote de três léguas. Cinco anos depois ela foi vendida para Carlos Bartholomeu de Arruda, sargento-mor de Itu e avô do futuro Conde do Pinhal, surgia neste momento a sesmaria do Pinhal, grande parte das terras que mais tarde resultariam no município de São Carlos. A demarcação das terras, no entanto, acabou por ser feita pelo filho de Carlos Bartholomeu, ou seja, foi Carlos José de Arruda Botelho que iniciou o processo em 1831, e as primeiras mudas de café chegam a sesmaria do Pinhal em 1840. Além das fazendas, pouco existia na região 2 , tanto que as primeiras casas dentro de um perfil de núcleo urbano surgem na região da cidade de Araraquara. (TRUZZI, 2000, p. 23-25). Não demorou para que surgissem os primeiros investimentos nas terras onde afloraria o núcleo urbano de São Carlos. Em 1856, a construção da capela foi solicitada por Jesuíno Soares de Arruda e sua mulher, que seriam proprietários, ao lado dos Botelhos, das terras onde seria construída a capela, fato este que mais tarde vai gerar uma intensa disputa sobre o mérito de quem seria o fundador 3 de São Carlos. Disputa à parte, certo é que logo um aglomerado cada vez maior de casas foi rodeando o sítio em torno da capela, a licença episcopal para veio no ano de 1857 e neste mesmo ano o presidente da Província de São Paulo assinou o ato de criação do distrito de Paz de São Carlos do Pinhal, primeiro passo para a autonomia administrativa (TRUZZI, 2000, p. 31). Em 1865 São Carlos foi elevada a categoria de Vila, nesse mesmo ano é empossada a primeira câmara municipal; o rápido desenvolvimento fez com que em 1880 a então vila passasse para a categoria de cidade. As terras que vieram a constituir a cidade de São Carlos não estavam restritas à sesmaria do Pinhal, outras duas sesmarias, a do Monjolinho e a do Quilombo, agregaram terras ao que veio a constituir o território são-carlense, no entanto, o processo de posse dessas duas sesmarias seguiu um processo diferenciado em relação ao da sesmaria do Pinhal, visto que seus proprietários primeiro ocuparam essas terras e somente depois conseguiram legitimá-las junto à justiça. 2 São Carlos nessa época era mais conhecida por ser rota de passagem 3 Jesuíno de Arruda ou o Conde do Pinhal 21 A constituição da sesmaria do Monjolinho tem início quando Miguel Alberto de Vasconcelos, no começo do século XIX, toma posse das terras localizadas no Vale do Ribeirão da Onça, que atualmente é conhecido como Córrego do Monjolinho. As terras estendiam-se da margem direta do córrego por cerca de 5 quilômetros, alcançando em seus limites o marco inicial urbano (Capela de São Carlos). A “casa grande” foi construída em suas terras, que mais tarde, junto com toda a propriedade seria conhecida como a fazenda de Dona Alexandrina. Sobre o histórico de proprietários desta sesmaria, Neves narra que “[...] em 1810 transferiu (Vasconcelos) os diretos possessórios ao sargento mor Felipe de Campos Circudo [...] no alvorecer de São Carlos veio a pertencer ao mineiro João Alves de Oliveira [...]” (2007ª, p.28). A terceira sesmaria tem sua trajetória ligada ao padre Manoel Joaquim Gurgel, que se apossou dos campos e matas de uma região conhecida como Várzea Grande, que segundo relatos de Neves localizava-se “para as bandas do Mogi” (2007ª, p. 29), atualmente essas terras constituem o distrito de Santa Eudóxia (o qual ainda encontra-se vinculado ao município de São Carlos). Posteriormente, o Padre Manoel conseguiu a carta de concessão da sesmaria que passou a ser denominada de Sesmaria do Quilombo. Os trilhos da ferrovia chegam em São Carlos em 1884, além disso a cidade foi a primeira do estado de São Paulo a ter uma hidrelétrica, em 1893 a usina do Monjolinho tornou-se a primeira a entrar em funcionamento, nesse mesmo ano a usina Luiz de Queiroz, em Piracicaba também iniciou suas atividades. 4 Cicinato Braga (2007, p 12.) afirma que, já em 1894, São Carlos contava com construções elegantes como igreja matriz, câmara municipal, capelas, hospital, teatro e matadouro. No início do século XX, a educação ganha duas importantes instituições, um colégio ligado às religiosas de origem francesa, e uma escola normal, instituição que poucos municípios possuíam. Para finalizar, vale destacar que, já em 1908, São Carlos tornou-se sede do bispado. Neves (2007, p.51) assinala que a zona residencial mais rica e elegante circunscrevia-se em 1894 as proximidades do pátio da matriz “[...] ali erguiam-se as melhores residências, fidalgas e com fumaças arquitetônicas [...] ali estavam também o comércio de luxo, modas, joias e preciosidades raras importadas da Europa, o melhor da elegância e do bom gosto [...]”; Neves ainda destaca que o requinte também estava presente no tratamento dedicado à clientela pelos comerciantes, afinal os clientes eram 4 Até 1900 mais nove hidrelétricas foram construídas, todas na região entre Piracicaba e Ribeirão Preto. 22 exigentes, o que indicava riqueza e refinamento, por sua vez os comerciantes acabavam por se desfazer em amabilidades e tentadoras ofertas para conquistar a confiança e o gosto destes clientes. O desenvolvimento do núcleo urbano, para muitos autores, representou um produto concebido pelos fazendeiros como espaço para realizarem seus desejos de consumo, diversão ou ostentação, afinal era um local “[...] onde as luzes ficavam acesas à noite; onde as senhoras frequentavam o hipódromo; e onde um fazendeiro jamais deixava sua casa sem usar sobrecasaca e chapéu de seda [...]” (Maeyma apud Truzzi, 2000, p. 96). No entanto, Truzzi ressalta que aos poucos o fazendeiro torna-se um típico citadino, a cidade é seu local de residência e a propriedade rural seu local de trabalho, seu meio de vida. Se a participação dos fazendeiros no desenvolvimento urbano de São Carlos é inegável, a dos imigrantes também não pode ser desprezada, muito contribuiu para sua efetiva importância o fato de que praticamente não existia um quadro de paulistas nativos com um estilo de vida urbano, o que oferecia aos imigrantes grandes oportunidades de inserção na vida urbana, essas (oportunidades) surgiam em grande parte devido às vantagens de que eles (imigrantes), ao se dirigirem para a cidade já traziam consigo alguma habilidade profissional adquirida no país de origem. As primeiras levas de imigrantes chegam a cidade em 1876, são de origem alemã e são patrocinadas pelo Conde do Pinhal; as levas mais significativas, no entanto, são de imigrantes de origem italiana, o período de maior destaque dessas levas acontece entre os anos de 1880 – 1894, São Carlos foi nesse período um dos principais polos imigratórios paulista. 1.2- Rio Claro: de boca do sertão aos trilhos da ferrovia A origem de Rio Claro está intimamente ligada ao povoamento do Oeste Paulista, a exemplo de outras cidades da região era rota de passagem de viajantes, num primeiro momento, eram utilizadas para a penetração das terras que seguiam em direção a Goiás 5 , o caminho passava pela região conhecida como Sertões de Araraquara. 5 Por volta do inicio do Séc. XVIII 23 Esse era apenas um dos caminhos, segundo Dean (1977, p. 21) outra rota passava pelo rio Tietê até a bacia do Paraná, o trajeto era feito em grandes comboios uma vez por ano, no entanto, alguns preferiam evitar esse caminho temendo doenças, como as chamadas “febres dos pântanos”. Os desbravadores que preferiam o caminho por terra firme seguiam o trajeto desde a cachoeira de Piracicaba, seguindo por um percurso de campos e elevações suaves. Quando atingiram cerca de 30 km ao norte se deparavam com uma série de escarpas de 200 m de altitude; portanto, seria proveitoso que nesse local existisse um pouso para os viajantes e os animais para que conseguissem reunir forças para encarar a cansativa subida. Foi a ocasião para que alguns vissem a oportunidade de algum ganho; afinal, além do pouso, o local poderia ser um ponto de abastecimento de alguns gêneros, principalmente para os de primeira necessidade. Desse modo, Rio Claro passou a ser conhecida como Boca do Sertão porque “[...] logo depois dele começava, no planalto, o que os habitantes consideravam como realmente ermo, o Sertão de Araraquara [...]” (DEAN, 1977, p. 21). A região acabou sofrendo, no final do século XVIII, um intenso movimento de apropriação de terras através da disputa por cartas de sesmarias. A maior parte dos que acabaram se tornando donatários dessas terras pertencia à famílias poderosas e influentes originárias da região de Piracicaba, Itu e Campinas. Rio Claro teve sua origem a partir da sesmaria dos Pereira, era o único local de pouso para as tropas que passavam por essa região. Em 1827, foi elevada à categoria de Capela Curada, data em que recebeu o nome de São João Batista do Ribeirão Claro (BILAC, 1995, p. 175). Em 1830, São João Batista do Ribeirão Claro já era elevada à condição de freguesia, pertencia à vila de Constituição (atual Piracicaba) e, aos poucos, a elite local 6 já se organizava para conseguir melhoramentos e a futura emancipação da localidade. (SANTOS, 2002. P. 26). Os melhoramentos urbanos incentivaram para que muitas pessoas fixassem residência, mas não podemos nos esquecer de que as lavouras de cana-de-açúcar e café também foram um importante atrativo; com o crescimento vieram as elevações de categoria, primeiro em 1845 passou de Freguesia a Vila, e em 1854 de Vila a cidade. 6 Em um primeiro momento representada pela "Sociedade do Bem Comum" que tratamos com mais detalhes no capítulo 1 24 A importância das lavouras pode ser sentida pela quantidade de propriedades, em 1860 existiam 35 fazendas de café e seis engenhos de açúcar, além disso também faziam parte desse cenário diversas fazendas de gado. (SANTOS, 2002, p. 47). Já a década seguinte foi marcada pelo grande fluxo de imigrantes que se dirigiram para a localidade, no ano de 1870 já eram cerca de 7,4% da população livre, sendo que os alemães correspondiam a 45,2% desse total. Assim como aconteceu em São Carlos, os imigrantes perceberam as lacunas existentes em uma sociedade em formação. Passaram então a se adaptarem às condições socioeconômicas que se abriam naquele meio, souberam ocupar e se inserir numa economia de mercado que passava a ganhar impulso. (SANTOS, 2002, p. 49). Passemos agora a analisar uma mudança crucial para toda a região, a substituição das mulas pelo transporte ferroviário. Em meados do século XVIII, as estradas que ligavam o porto de Santos as regiões produtoras de café eram simples veredas que não permitiam sequer o uso de veículos de rodas. Os custos com o transporte realizados por tropas de mulas eram muito altos, envolviam desde o desperdício até o grande tempo gasto, ou seja, os lucros acabavam reduzidos. A solução desejada por muitos cafeicultores seria a implementação da linha férrea, que seguiu o seguinte cronograma: em 1866, os trilhos já ligavam Santos a São Paulo; em 1867, os trilhos chegam até Jundiaí, o prolongamento dos trilhos até Campinas contou com a participação de uma associação de cafeicultores da região, sendo que 25 deles possuíam terras em São João Batista do Ribeirão Claro, desse modo os trilhos chegam a Campinas em 1872, sendo que o prolongamento até São João Batista do Ribeirão Claro acontece no ano de 1876. (SANTOS, 2002, p. 71-73). A ferrovia não significou apenas uma mudança no transporte de mercadorias, ela também transformou o meio urbano, desde a instalação de construções, principalmente as comerciais, até a variedade e especificação de produtos e dos comércios passaram a ser atrelados à ferrovia “[...] os comerciantes passam a comercializar produtos específicos em seus estabelecimentos, em detrimento daquele estabelecimento que vendia todo tipo de artigos [...]” (SANTOS, 2002, p. 95). 25 1.3- Ribeirão Preto: de local desabitado a referência na produção de café Assim como outras localidades aqui abordadas, o território que constituiria a futura cidade de Ribeirão Preto estava localizado em uma região inabitada até o início do século XVIII. O terreno está localizado em uma região de planalto levemente serrano, com elevações que chegam até 500 metros, nesta região encontrava-se uma formação vegetal típica de floresta semitropical. As terras onde hoje está situada a cidade já eram conhecidas deste o século XVIII, uma boa parte do território fazia parte da sesmaria que pertenceu ao Padre Manuel Pompeu de Arruda; mais tarde elas foram vendidas para o capitão-mor João Pedro Diniz Junqueira 7 , que foi o responsável por demarcar as primeiras fazendas dessa região. (KANDAS, 1978, p. 18). Rota de passagem de caçadores, comerciantes e bandeirantes, a região passou a ser povoada a partir da década de 1810, momento em que passou a ser rota de mineiros e paulistas de outras regiões; a família Reis foi a primeira a se fixar ali, sendo a desbravadora dessas terras devolutas, mais tarde (décadas de 1820 - 1830) outras famílias 8 são atraídas principalmente pela expansão na criação de gado, cavalos e porcos, sendo que a grande maioria nesse período era de mineiros (WALKER & BARBOSA, 2000, p. 39). Em 1845 acontece uma doação de terras para a construção da primeira capela, ela foi feita por José Matheus dos Reis, no entanto, as terras doadas não são aceitas de imediato, polêmicas que envolviam até mesmo o local acabam por atrasar a construção, nesse meio tempo, em 1856, a cidade acaba sendo tendo a sua fundação antes mesmo da construção da capela, que é oficialmente demarcada em 1863 e finalizada em 1870. (KANDAS, 1978, p. 19). Impulsionada pelo esgotamento das terras do Vale do Paraíba, a marcha do café adentra o interior paulista e muitos acabam se interessando pelos estudos e relatos de dois agrônomos, Martinho Prado e Pereira Barreto, que atestaram a eficácia do solo dessa região, não demorou para que diversos fazendeiros se aventurassem para explorar essas terras. 7 Chega a região depois da família Reis 8 Caso por exemplo da Família Junqueira 26 Em 1870 Ribeirão Preto é elevada a categoria de freguesia, no ano seguinte (1871) passa para a categoria de vila, momento em que torna-se autônomo em relação a São Simão; em 1874 é constituída a primeira câmara municipal. (KANDAS, 1978, p. 19). O crescimento foi tão acelerado que, em 1883, foi inaugurada a linha férrea interligando Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo, desse momento em diante o café tomou conta do cenário; fortunas foram construídas, como exemplo podemos citar o caso de Henrique Dumont, o primeiro rei do café brasileiro. As famílias que participavam desse novo ciclo eram oriundas do Rio de Janeiro, de São Paulo e algumas, como os Junqueira, estavam ali desde o período de desbravamento da região. (WALKER & BARBOSA, 2000, p. 40). A exemplo do que identificamos nas outras localidades, a vida urbana não tardou a se intensificar, casas, estabelecimentos comerciais e industriais rapidamente se tornaram uma realidade. O entretenimento também logo passou a ser uma constante, e Ribeirão logo se notabilizou pelo grande volume de opções, principalmente as que se relacionavam com a vida noturna, como os teatros, bares, cassinos, casas de jogos e bordéis. O crescimento não ficou restrito apenas a Ribeirão, Cravinhos que foi bairro da cidade até 1893, neste ano alcança é elevada a categoria de distrito, sendo que em 1897 a localidade atinge a categoria de cidade. A cidade alcançou um nível de sofisticação cultural nos anos seguintes e , em 1913, existiam cerca de 17 associações privadas , que atuavam nos mais variados seguimentos, como sociedades beneficentes, organizações étnicas, clubes musicais e sociais, agregavam desde patrões até trabalhadores. Além disso, existiam seis jornais para disputar a preferência dos eleitores. (WALKER & BARBOSA, 2000, p. 41). Em relação à população, a presença dos imigrantes também foi uma constante, tanto que segundo dados, em 1912, cerca de 40% da população era de imigrantes, sendo que a maioria era de italianos (WALKER & BARBOSA, 2000, p 47). A ferrovia chegou a Ribeirão graças através da Mogiana, partindo de Campinas, estendia-se até Casa Branca, de lá fazia um cotovelo passando por São Simão, Cravinhos e por fim a Ribeirão Preto, que recebeu os primeiros trilhos em 1883. (KANDAS, 1978, p. 24). 27 1.4- Araraquara: Morada do sol ou buraco das araras? Em muitos estudos já presenciei explicações ao nome de Araraquara como uma derivação de um termo indígena que quer dizer "Morada do Sol", no entanto, ao me deparar com outros estudos como o de Corrêa (2008), percebi que existem outras interpretações, como buraco das Araras, também atribuída aos indígenas. O próprio Imperador Dom Pedro II quis dar também a sua contribuição e interpretou "arara" como sendo dia, claridade e "quara", como buraco, lugar de moradores, ou ninho. Curiosidades como o nome à parte, o território onde hoje se encontra a cidade já fez parte de uma região muito maior, ela esteve envolta em uma porção que era chamada de "Campos de Araraquara" 9 , que correspondia a toda a área situada ao norte do Rio Piracicaba. Os Campos se iniciavam na região do Morro de Araraquara, estendendo-se até as nascentes do rio Jacaré-Pipira. O termo era tão usual que nas primeiras cartas de doação de sesmaria constava a referência a ele; como no caso da carta concedida a Manuel Joaquim de Arruda, que partia do final das terras da sesmaria de Carlos Bartolomeu de Arruda, da outra banda do rio Pinhal até os campos de Araraquara. Outra sesmaria a de Manuel Pinto Ferraz era assim indicada: terras campos de Araraquara que partem de uma parte com a sesmaria do Capitão Antonio Correa Barbosa (CORRÊA, 2008, p. 27). A exemplo de outras cidades da região, como São Carlos, Rio Claro e Ribeirão Preto, também a formação de Araraquara se deve ao desbravamento inicial de suas terras aos desbravadores que se dirigiam para as regiões mineradoras, como Cuiabá. As primeiras atividades registradas nestas terras datam do final do século XVIII quando se verifica que as terras estavam sendo utilizadas para a criação de gado. Os primeiros nomes que surgem nos registros oficiais destas terras são os de Gabriel de Moraes Dutra e Pedro José Neto. O primeiro aparece nos registros até o ano de 1812, enquanto que Pedro José Neto, além de ser o mais antigo, permaneceu durante mais tempo na região. (CORRÊA, 2008, p. 31). Segundo alguns relatos, Pedro José Neto seria natural de Barbacena (MG), teria participado da conjuração mineira e, por esse motivo, teria vindo se refugiar em Itu, 9 Também conhecida como Sertões de Araraquara 28 novamente devido ao engajamento político acabou tendo que fugir da justiça, busca então refúgio no sertão da então província; primeiro esteve nas matas da região de São Carlos e depois de alguma peregrinação acabou por se estabelecer em Araraquara. Estabeleceu algumas posses na região, como a do Ouro, do Racho Queimado, das Cruzes, do Lajeado, do Cambuí, do Monte Alegre (onde fixou residência) e do Bonfim; muito provavelmente encontrou na região outros posseiros, que assim como ele deveriam estar fugindo da justiça, da polícia ou de algum fazendeiro, estes contribuíram para a exploração dessa nova área, como bem lembrou Corrêa (2008, p. 32) "[...] de outra maneira seria muito difícil explorar uma região tão grande apenas com o concurso da família [...]". Para garantir maior tranquilidade perante a justiça Pedro José Neto utilizou de inteligência ao negociar a doação/venda das posses para aqueles que foram seus protetores, sendo assim requereu apenas a concessão de uma dessas posses, obtendo carta de sesmaria em 1811, em 1812 o juiz de mediações sargento-mor José Joaquim Correa da Rocha dirigiu-se até Araraquara para efetivar a divisão das terras e conceder as cartas de sesmarias aos outros proprietários (CORRÊA, 2008, p. 33). Inicialmente esses donatários tiveram os mesmos interesses, ou seja, a utilização das terras para a criação de gado, sendo que seus interesses estavam centrados nos campos, já as terras com matas foram deixadas um pouco de lado neste momento. Logo surgem as primeiras iniciativas para que a localidade recebesse a titulação de freguesia e que também uma capela; o movimento contou inclusive com o apoio do senador Vergueiro. Em 1817, a demanda teve parecer favorável, era criada a freguesia de Araraquara, que ficou sobre a jurisdição da Vila de Itu. Os movimentos pela construção da capela também tiveram seus frutos, o local escolhido para a construção foi a sesmaria das Cruzes, seu proprietário o Padre Joaquim Duarte de Novaes fez a doação de 400 braças para o início das obras, sendo que uma parte deveria ser vendida para que se arrecadassem fundos para a construção da capela. A primeira capela era um local muito simples, em seu entorno surgiam as primeiras casas de paroquianos, que também eram muito simples (CORRÊA, 2008, p. 41). Nos primeiros anos da freguesia, esta não contava de uma autoridade administrativa efetiva, cabia então ao vigário paroquial exercer este posto, endo assim a primeira autoridade política de importância na futura cidade estava ligada à igreja. No campo, o gado prevaleceu até por volta de 1825, quando as primeiras iniciativas relacionadas ao açúcar vão surgir; o pioneiro foi Manuel Joaquim Pinto de 29 Arruda, que iniciou as plantações de cana na sesmaria do Ouro, no entanto, não abandonou a criação de gado em suas terras, ou seja, implantou um tipo de fazenda mista conciliando plantação e criação. Sua iniciativa foi seguida por outros fazendeiros nos anos seguintes. A expansão dos negócios provocou um movimento para que a freguesia fosse elevada à condição de Vila. Em 1832, foi assinado o decreto de criação da Vila, e, no ano seguinte, foram eleitos os primeiros vereadores. (CORRÊA, 2008, p. 68). O café começou a despontar em Araraquara na segunda metade do século XIX. Em 1852, surgem as primeiras notícias sobre fazendas com cultivo de café, mas eram ainda muito pequenas e o café ali cultivado destinava-se apenas ao consumo. Como produto comercial rentável o café só começa a se destacar por volta da década de 1870, surgem neste momento os primeiros embates entre lavradores e criadores, afinal agora era necessário que o gado tivesse limites, o que forçou as propriedades a intensificar e melhorar as cercas. (CORRÊA, 2008, p. 60-61). Um dos principais incentivos à plantação de café em Araraquara seria a possibilidade de contar com o aporte do transporte ferroviário, afinal, com a estrada de ferro, os lucros do café aumentariam muito, pois o tempo de transporte e as perdas cairiam; a chegada dos trilhos a Campinas em 1872 contribuía para essa visão, tanto que a produção aumentou bastante na medida em que os trilhos se aproximavam de Rio Claro (chegam lá em 1876). Já em Araraquara, a linha férrea e as primeiras levas de imigrantes chegam praticamente juntos em 1886 e são peças importantes neste momento de expansão das lavouras cafeeiras. (CORRÊA, 2008, p. 121). 30 2. DO NACIONAL AO LOCAL: MATIZES DA CONSTITUIÇÃO DO PODER POLÍTICO NO BRASIL E NO OESTE PAULISTA 2.1- Pensando o Brasil: onde está nosso projeto nacional? A constituição do poder político no Brasil, bem como o ideário da constituição de um projeto nacional, envolve uma série de ponderações, isto porque ele é diferenciado e as razões para isso são muitas. Dentre elas, podemos citar a influência portuguesa durante a fase colonial, assim como a inglesa, francesa e a norte-americana no processo de transição da colônia para o Império e, posteriormente, para a República. A dificuldade de se organizar um governo tanto no aspecto administrativo quanto no político é uma herança do período colonial, Viana (1938, p. 221-224) apresenta uma série de fatores que elencaremos e debateremos a seguir: I. Os grupos sociais: seriam incoerentes e dispersos em um território extenso, e ainda sofreriam com as pressões externas; II. As estruturas coloniais: eram pouco efetivas e por isso determinavam um ritmo lento ou estagnado no processo administrativo; III. Os Governos Gerais: surgem com o intuito de centralizar o poder na colônia, no entanto, eles acabaram tendo que conviver com os aparelhos de governo local e regional. Se por um lado Vianna (1938), ao apresentar estes fatores iniciais, ressalta defeitos e dificuldades dos portugueses, por outro, ele também reconhece que existiam alguns atenuantes dentro deste processo, como o espírito objetivo e o senso de realidade em relação às particularidades da terra; outro ponto seria o processo de adaptação, apesar de possuírem um modelo padronizado, souberam adaptar e criar novos cargos que se adequassem à nova realidade, o autor faz ainda uma ressalva e atenua os erros cometidos no processo, pois eles seriam inevitáveis e fariam parte do processo de adaptação. Em uma visão mais crítica, Carvalho (1999, p. 233) expõe a fraqueza do processo de colonização portuguesa, entre os motivos iniciais destaca que essa tarefa (colonização) ultrapassa os recursos portugueses, o que acabava por gerar uma dependência muito grande em relação ao poder local e à administração colonial. 31 O tema acaba se tornando ainda mais recorrente quando o processo de centralização ganha novos contornos. Uma tentativa de tentar solucionar este quadro foi a duplicação do Governo Geral, dividindo o território brasileiro em duas partes (VIANNA, 1938, p. 225). Aos poucos os portugueses cedem, a centralização parece não ser uma realidade possível, "[...] eles são levados, a abandonar o seu belo sonho de unidade política para realizar, pela fragmentação do poder e da autoridade, uma melhor administração e uma melhor defesa dos núcleos coloniais [...]" (VIANNA, 1938, p. 229). Surge assim a necessidade de se atender as diversidades locais. Para tanto, são criados organismos políticos adequados a cada zona e a cada particularidade regional. Tais características são frutos da adequação e da estrutura peculiar e específica que o colonizador encontra no Brasil (VIANNA, 1938, p. 255). Vianna (1938, p. 273) chama a atenção do quanto esse processo de transição e adaptação adotado durante o período colonial representou, nas suas palavras, "um perigo" para os estadistas da Independência e do Império. O perigo ao qual o autor se refere estava presente na sistematização da política por parte do novo governo, este encontraria dificuldades devido à dispersão dos núcleos e suas características peculiares. Este quadro foi constituído devido ao caráter que assumiram os estadistas coloniais. Sua principal preocupação era montar um mecanismo que garantisse a arrecadação fiscal, não dando muita importância ao sistema (VIANNA, 1938, p. 274). A justificativa para se repensar o aparato governamental está na necessidade de se garantir a unidade da nova pátria, se o fiscalismo, adotado durante o período colonial, importava-se com a exploração das terras e a coleta de impostos, a nova nação deveria se preocupar em manter seu território unido. (VIANNA, 1938, p. 275). Vianna (1938, p. 276) destaca o poder e a influência da aristocracia nos primeiros anos do Império, pondera que ela não é homogênea, nem em riqueza, nem em formação, mas que em determinados momentos possuía interesses comuns, como na independência, no apoio ao novo monarca e mais tarde na sua exclusão. A aristocracia brasileira em nível nacional agiu, principalmente no Império, dentro do campo legislativo, a influência sobre o novo imperador acontecia, lógico que não de forma homogênea, mas segundo os interesses dos grupos que faziam parte dos partidos da época. 32 Para Carvalho (1999, p. 236), fica evidente que o processo de independência tinha como uma de suas preocupações a manutenção da unidade territorial, ideal que aglutinava mais adeptos do que o ainda nascente abolicionismo. Em nome da unidade adotou-se a monarquia, mesmo que ela significasse a manutenção de um português como principal figura, lógico que as turbulências existiram, mas a consolidação acabou ocorrendo ao longo do Segundo Reinado. Mesmo com raízes portuguesas, a figura do Imperador foi importante, principalmente no tocante a manter a unidade nacional 10 , para isso articulou e estruturou as províncias, criando órgãos e indicando os postulantes dos principais cargos. O primeiro cargo neste sentido foi o de presidente da província, o segundo foi o de chefe de polícia. Garantindo a indicação desses postos o imperador contava com um importante instrumento eleitoral que reforçava seu poder. (VIANNA, 1938, p. 291-292). A mudança nas unidades federativas representou também uma alteração na própria maneira como eram escolhidos seus representantes afinal, durante o Império, o presidente da província era escolhido pelo Imperador, tendo assim sua lealdade e fidelidade orientadas para o governo central, desta forma sua ligação com a província não se fazia necessária sob nenhum aspecto (SCHWARTZMAN, 2015, p. 171). Se por um lado, essa perspectiva parece garantir maior imparcialidade em relação aos interesse particulares da região, garantindo assim os interesses do governo central, por outro lado representou a falta de políticas governamentais explícitas, de projetos contínuos e de ações a médio e longo prazo, isto porque a rotatividade nos cargos era longa, como podemos notar nos caso de Minas Gerais, que teve 122 presidentes provinciais em 65 anos. O maior resultado desse modelo foi o de que ele ajudou a manter a unidade territorial do país, uma vez que garantiu maiores poderes ao governo central e diminuiu a influência dos grupos regionais sobre o poder central. Isso não quer dizer, como já frisamos anteriormente, que os grupos locais e, por conseguinte, o poder local não tivesse a sua importância, como bem analisou Schwartzman a questão maior não era definir qual modelo prevalecia (centralização x descentralização), mas entender que os dois ocorriam. De um lado, um poder político centralizado e hierárquico, que não dependia de bases locais de sustentação, apoiando-se na própria 10 Para Carvalho (1999, p. 237), a unidade nacional era pouco significativa em termos de população, eram poucos os fatores de integração, um deles era a oposição ao estrangeiro (português, inglês), mesmo assim eram fatores ainda incipientes. 33 máquina administrativa governamental para subsistir e se afirmar. De outro, um poder privado e autônomo difuso, que só adquiria expressão política quando era cooptado pelo Estado, e que entrava em uma trajetória de conflito e derrota quando pretendia se articular [...]" (SCHWARTZMAN, 2015, p. 174). A centralização do poder acontece à medida que outros aparatos são inseridos, como a constituição do poder militar e a subordinação da Guarda Nacional a esfera nacional, lógico que não podemos nos esquecer do poder moderador (VIANNA, 1938, p. 293). A mudança desse quadro ocorre ao passo em que o eixo centro-sul cresce de importância e o império entra em crise, momento em que a república começa a ganhar corpo. Para alguns autores, como Carvalho (1999, p. 246) a Guerra do Paraguai foi um desses momentos chave, ela mobilizou a nação, teve alistamento de voluntários, e de negros, tanto escravos como libertos, as vitórias acabaram despertando um sentimento de orgulho, pela primeira vez surge um sentimento realmente positivo de pátria para a massa, os símbolos ganham destaques na imprensa. A pátria passa a ser vinculada a um sentimento feminino, a uma mãe, existe uma ruptura com o viés masculino que imprimia o império a busca pela construção da nação passava por novos paradigmas, a abolição e a República (CARVALHO, 1999, p. 248). A adoção da República no Brasil não representa um momento de estabilização, assim como ocorreu no Império, o período contou com períodos distintos e peculiares, segundo Segatto (2015, p. 40) podemos dividir ou resumi-los em cinco: 1) 1889 - 1930: Liberal oligárquica; 2) 1930 - 1945: Centralizadora e ditatorial; 3) 1945 - 1964: Liberal 4) 1964 - 1985: Ditatorial; 5) 1985 em diante: Democrática-liberal. Desse modo, para cada momento citado existe a necessidade de um novo projeto, de uma nova visão, como bem identificou Gildo Marçal Brandão (2005) 11 , existe uma tradição no Brasil, que é a da ruptura, do marco zero, em que o que passou não serve, deve ser esquecido, deve dar lugar ao novo, que deve ser desprovido de contato com o passado. Infelizmente, essa linha de raciocínio continua a vigorar mesmo 11 Esta linha de raciocínio de Gildo Marçal Brandão está presente no artigo Linhagens do pensamento político Brasileiro- DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 2, 2005. 34 hoje, a exemplo do que ocorre com cada governante que, ao assumir o seu posto, quer promover o novo. A proposta de um projeto nacional foi debatida por autores como Alberto Torres que era também um dos principais críticos dos modelos importados. Para ele existia a necessidade da criação de um projeto nacional, que, dentre outros benefícios, seria o responsável pela criação de um sentimento de estima e preocupação para com a nação. O autor também promove uma crítica ao constante recomeçar promovido pelos políticos ao assumir um novo mandato. Esses programas quadrienais, esboçados no curto período de cada governo, são esquecidos, para se dar começo a novos ensaios e tentativas, na seguinte presidência. A história da política republicana, em seu conjunto e em seus vários interesses, é uma jornada de marchar e contramarchas, de experiências e retrocessos (1978). Outro ponto que merece atenção, diz respeito à participação do povo dentro desse processo, no entanto, como bem frisou Carvalho (apud SEGATTO, 2015, p. 24) o que prevalecia aqui no Brasil até 1930 era o cidadão em negativo, ou seja, deixado a margem mesmo do sistema eleitoral, e quando por acaso alguns participavam acabavam por se tornar massa de manobra. Para Coutinho (apud SEGATTO, 2015, P. 27) as mudanças sempre foram feitas "pelo alto", e tinham como intuito a permanente tentativa de marginalizar as massas populares, tanto da vida social, quanto do processo de formação das grandes decisões nacionais. Para tanto, relembra que nos principais marcos históricos as alterações de ordem são realizadas por grupos dominantes restritos. Nesse sentido, os postulados teóricos que analisam a questão política no Brasil, e, neste caso, tanto os europeus, quanto o norte-americano, acabam por não dar conta de explicar todas as transformações vivenciadas em nosso país. Uma série de outros questionamentos poderiam ser aqui levantados e analisados, no entanto, este recorte já forneceu os subsídios necessários para avançarmos para uma discussão que se enquadra melhor à proposta deste trabalho. 35 2.2 - A constituição do poder nacional e as matizes do poder em São Paulo Iniciaremos a discussão acerca do poder político nacional retomando um fato que já apareceu neste estudo, que é a questão da análise dos acontecimentos políticos no Brasil a partir de padrões conhecidos. Segundo Schwartzman (1975, p. 11-12), os episódios políticos dos países em desenvolvimento tendem a ser analisados por dois conceitos: a cultura política e a modernização. As dificuldades em se adotar estes modelos estão no fato de que na primeira noção as nações são presas de sua cultura política; já na segunda, a qualidade de suas predições tendem a perder espaço com a estagnação econômica. Outra dificuldade dos modelos prontos diz respeito àqueles que tipificam a evolução dos quadros a partir da noção de tradicional e moderna, os parâmetros adotados identificam uma evolução ao se abandonar um quadro (tradicional) e se adentrar em outro (moderno). No entanto, o autoritarismo político não se encaixa em nenhum desses quadros (SCHWARTZMAN, 1975, p.13), e por isso foi classificado como um período intermediário, mas, e no caso de ele se repetir, existe então uma evolução ou involução dos quadros? O Brasil, como já adiantamos, é um caso distinto; existe no país uma falta de correspondência entre as instituições formais e sua realidade social e econômica: Nesta fase da filosofia política em que o Estado é concebido como uma estrutura estranha à sociedade, ajustado a ela, vindo de cima, como que por direito divino - e não emanado dela, partilhando de suas condições materiais e de espírito, vivendo a vida de sua "cultura" e sofrendo a influência de suas transformações (VIANNA apud SCHWARTZMAN, 1975, p. 14). E por que o debate sobre o modelo político no Brasil não é tão simples? Segundo Schwartzman (2015, p. 45) em muitos casos existem padrões clássicos de análise como no caso do conflito: ricos x pobres, burgueses x proletários, exploradores x explorados, agricultores x industriais, financistas x industriais. Colocados desta forma parece que os fenômenos políticos são transparentes, inteligíveis, sim porque como o próprio autor identificou podemos estabelecer uma conexão entre instituição e eventos políticos de um lado, e do outro os grupos de interesse e classe social. 36 Existe aqui uma dificuldade, a de querer interpretar o Brasil através de modelos, isto porque o país não se encaixa dentro de padrões criados para os países da América Latina, tão pouco poderia se adequar àquelas concebidas para a Europa Ocidental e EUA. Neste ponto, a colonização, a independência e a vinculação do país a centros econômicos e culturais mais ativos - como Inglaterra, França e EUA - ajudaram a transformar o país em um caso distinto 12 . (SCHWARTZMAN, 2015, p. 50-51). Tão distinto que o autor destaca um fato que merece especial atenção, para ele o Brasil seguiu linhas próprias no seu processo político, que seriam perfeitamente modernas, ainda que não desenvolvidas, o que torna o país um marco conceitual específico e novo (SCHWARTZMAN, 2015, p. 52) Voltando à crítica dos modelos prontos Schwartzman (1975, p.17) coloca em xeque o tradicional padrão urbanização/industrialização/política. Para tanto, compara os casos das cidades de São Paulo e Belo Horizonte; no caso paulista o processo se confirma 13 , já no caso da capital mineira o processo de industrialização foi incipiente e mesmo assim a urbanização e a política tiveram grande desenvolvimento. A questão do patrimonialismo também se faz presente na linha de análise do autor. Segundo ele, o Estado representa um determinado grupo, que acaba sendo manipulado por interesses. É o caso dos sistemas patrimonialistas tradicionais. Neste tipo de quadro existe um grande interesse na cooptação política, processo em que pessoas ou grupos sociais fora da arena política, querem participar dela e ter voz (SCHWARTZMAN, 1975, p. 19-21). A criação de um vínculo não está presente somente neste caso, na verdade ele se faz dentro da própria arena política; "[...] os que controlam o sistema político tenham meios para comprar ou, de alguma formam incorporar estes esforços de participação, de tal maneira que vínculos de dependência sejam estabelecidos entre os detentores do poder e as lideranças políticas emergentes [...]" (SCHWARTZMAN, 1975, p. 22). O que Schwartzman (2015, p. 63) está querendo deixar claro aqui é que existe um arranjo político, por um lado o governo quer manter a centralização política, mas por outro as elites locais querem se aproximar e manter vínculo com o governo e, para isso, utilizam-se de táticas como a do "recrutamento". 12 Esse é o ponto o país é um caso distinto, e não o representa a cópia de um modelo pronto 13 Existe uma critica a visão do poder político de São Paulo, para autor a representatividade não foi tão grande quanto se alardeou, fato que ainda vamos pontuar melhor (1975, p.16-17) 37 Para justificar esse recrutamento o autor recorre aos estudos de Leal. Ao analisar a relação entre administração central e poder local, identifica que as relações de poder e dominação são geralmente impostas de cima para baixo. Schwartzman (2015, p. 63) não desconsidera a importância das elites locais, no entanto, assim como Leal, entende que sua influência tinha limitações, desta forma contesta outro modelo o que considera a política "tradicional". Para ele, no caso brasileiro, "[...] não é rural, mas urbana, 'moderna', e levada a cabo por uma elite com refinamento e habilidade necessária para controlar um aparelho estatal bastante complexo [...]". Ao estabelecer o que denomina como relação simbiótica de dependência entre administração central e poder local, Schwartzman cita Leal para referendar este raciocínio. Identifica que foi durante o período da República Velha o momento de grande poder dos chefes locais e regionais, neste quadro a elite tem um papel de destaque, pois é ela como já dissemos, a responsável por controlar um aparelho estatal bastante complexo e faz isso com habilidade, desta maneira estabelece a "modernidade” e o refinamento com que a elite controla as decisões políticas. O recorte utilizado pelo autor, para se aproximar da caracterização do debate regional, acontece quando trata sobre a questão do patrimonialismo e regionalismo, para isso promove uma discussão abarcando as matizes de uma série de autores, como Neittl, Bendix, Maquiavel, Hegel e Marx. A seguir promove um debate sobre o modelo e o poder do Estado, abordando principalmente duas concepções o modelo norte americano e o asiático. (SCHWARTZMAN, 1975, p.36-37). Planejando uma base para o debate do modelo brasileiro, inicia um esboço sobre a ideia do patriarcalismo a partir de Weber, realiza então a partir deste enfoque um contraponto entre o que Weber conceituou como patrimonialismo e feudalismo, e neste ponto promove uma interessante crítica ao analisar o equívoco que muitos realizam sobre a teoria weberiana das diferenças entre patrimonialismo X feudalismo. Vejamos: Uma interpretação errônea de Weber muitas vezes considera as diferenças entre feudalismo, patrimonialismo ou outras formas de dominação com uma questão de diferentes "culturas políticas", ou valores desta ou daquela natureza. Na realidade, a persistência de um sistema patrimonial ou de elementos patrimoniais em um sistema político moderno tem pouco a ver com a "cultura", e muito mais a ver com o sucesso ou o fracasso do líder político em manter seu poder absoluto, em contrateste com capacidade de arregimentar forças próprias por parte dos subordinados (SCHWARTZMAN, 1975, p. 40). 38 A discussão sobre o patrimonialismo também acaba sendo alvo dos estudos de Vianna (1999, p. 35-38), segundo o autor a ausência do feudalismo nos países ibéricos e também no Brasil aproximou-os da tradição política do oriente no sentido de que existe uma ausência de fronteiras nítidas entre a esfera pública e a privada. Outra herança seria o sistema político fundamentado em um modelo que valoriza a cooptação 14 em detrimento da representação. Um desafio que se coloca seria como romper com esse "oriente político", o que garantia ao Estado um papel mais democrático, uma vez que produziria resultados como a ruptura com os interesses privados. (VIANNA, 1999, p. 36) Um exemplo desse chamado "oriente político" seria o patrimonialismo, que se apresentaria como uma marca do estado, e não da sociedade, isto porque dentro dessa base oriental, não se conhece o direito a propriedade individual, direito que no ocidente surge desde os antigos gregos. Dessa maneira, surge a ideia de que existe uma necessidade de reforma política e não de uma reforma social. O momento em que este modelo oriental cede espaço ao modelo ocidental pode ser identificado quando da ascensão do Estado de São Paulo durante o período cafeeiro, neste primeiro esboço aconteceu uma valorização da democracia representativa e como consequência disso uma remoção da pesada carga do Estado. O feliz interregno 1889-1930, quando os interesses encontraram representação na política e conformaram o Estado, no contexto institucional da Carta americana de 1891 e do sistema de dominação formalmente racional-legal dela derivado, foi, como sabido, o momento republicano em que a esfera pública foi apropriada pela esfera privada e em que se solidarizou aquele sistema de dominação com a ordem patrimonial pela via do sistema político do coronelismo (VIANNA, 1999, p. 37). A derrota dos paulistas na Revolução de 1930 impediu que existisse uma maior propagação desse paradigma ocidental, ocorreu então em retorno às raízes patrimoniais. Vianna (1999, p. 38) resgata então os estudos de Leal que define o atraso como uma "vantagem" para o moderno, isto pode ser percebido quando se analisa o caso da economia paulista, ela é representada por um grupo com origem na propriedade fundiária, mas que acaba sendo orientado por valores de mercado. Leal inclusive utiliza um eufemismo para caracterizar São Paulo, seria o estado a Prússia paulista, uma invenção da primeira república. 14 Termo que já fora abordado aqui a partir do estudo de Schwartzman, 1975, p. 19-21. 39 São Paulo não representaria uma linha de oposição entre o atraso e o moderno, mas sim uma composição ambígua dessas polaridades, isto seria uma marca de um particularismo privatista. Sobre o prisma de outros autores como Florestan Fernandes, Maria Silvia de Carvalho Franco e José Murilo de Carvalho existe uma outra interpretação em que o problema da ruptura não está relacionado ao Estado, mas sim às relações sociais de padrão patrimonial. Ao retomar os estudos de Fernandes, Vianna (1999, p. 39-40), chama atenção para o que denomina como conversão do Liberalismo em uma força dinamizadora da sociedade civil, força esta nascida a partir da independência. Existe um processo de transição de ordem senhorial-escravocrata para ordem competitiva, este processo se cumpre dentro de um processo de revolução passiva. O que chama atenção neste processo é que a Burguesia consegue não apenas coexistir, mas também tirar proveito tanto do moderno quanto do atraso, na verdade isto pode ser entendido a partir de seu compromisso com o vantajoso. A própria trajetória do Estado de São Paulo ajuda a entender esta ambiguidade: de um lado temos o cálculo exato do homo economicus da cultura capitalista do café, preocupados com os negócios e o processo industrial; de outro lado, o plano da política, a preservação do estilo senhorial, em que existe ainda o exercício da coerção por métodos e formas patrimoniais. (VIANNA, 1999, p. 40). Já no estudo de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Vianna (1999, p. 41) retoma que o processo de expropriação do servidor público dos meios materiais da administração ocasionou uma pobreza da agência estatal, o que permitiu que existisse uma fusão entre o público e o privado, onde o exercício do poder acontece para a busca de fins particulares. Dessa forma, o Estado tutelar seria apenas uma aparência que dissimula efetivamente seu real formato, o de estado instrumento, o que nos leva a repensar o real instrumento retardatário, que seria originado na sociedade civil, a partir da estruturação do modo de propriedade e das relações de trabalho. Emerge então as matizes que vão direcionar uma análise sobre a questão do regionalismo no Brasil, permeada segundo Schwartzman (1975) por uma pauta que leva em consideração a presença histórica do Estado patrimonialista, que tem sua origem com o modelo português, que foi transplantado para o Brasil, e foi concebido dentro de 40 uma estrutura centralizada, burocrática e patrimonialista, este modelo adotado desde os tempos dos governos gerais vigorou até o final do Império. Vale ressaltar que a centralização do governo não impediu que o Brasil apresentasse um desenvolvimento diferenciado dentro de suas regiões, na visão de Schwartzman (1975) esta divisão foi concebida a partir da formação de quatro regiões distintas. A primeira região correspondia à sede do governo e, neste ponto, é interessante pensar que aconteceram deslocamentos do centro de poder e decisão no Brasil. O primeiro centro foi a cidade de Salvador 15 , já o segundo foi a cidade do Rio de Janeiro 16 , mas pelo que o autor transcreve as características utilizadas sem dúvida servem para definir características presentes na segunda capital. Sendo assim, a primeira região possuía um aspecto mais moderno, fruto do maior contato com o modelo de vida europeu. Neste sentido, a cultura e o consumo eram mais acentuados, apesar disso a população dessa região era marginal e o desemprego era uma realidade, o que conferia um quadro propício para agitações, o que, sem dúvida, vinha a incomodar a elite. Os principais recursos provinham do comércio e do funcionalismo público. (SCHWARTZMAN, 1975, p.44). Ainda critica estudos como o de Sjorberg, que indicam que cidades como o Rio de Janeiro seriam qualificadas como pré-industriais, neste ponto concorda com Cox, no sentido de que tal análise é linear e pouco efetiva, fazendo parte de um conceito residual. E a partir de Weber e de seu conceito sobre as cidades ocidentais e orientais que o autor consegue delimitar melhor o caso do Rio de Janeiro, Para Weber, existe uma importância muito grande da residência do governador, ou de qualquer corpo administrativo, sendo estes locais ponto focal de todo o país ou região responsáveis pela estrutura e funcionamento. Tal reflexão se aproxima muito do caráter que assumia a então capital do Brasil na época Interessante que a visão sobre as cidades ocidentais também se aplica ao Brasil, mas, neste caso, ela está presente em outra localidade, São Paulo. Para Weber este tipo de cidade são núcleos econômicos e politicamente autônomos, alimentados pela 15 Salvador foi a primeira capital do Brasil colônia, situava-se próxima da região açucareira, no nordeste, que correspondia a primeira grande riqueza colonial. 16 O Rio de Janeiro foi a 2ª capital do Brasil colônia, localizava-se próxima a região das minas, que correspondia a segunda grande riqueza colonial. 41 atividade comercial ou industrial de seus cidadãos, que participam de formas variadas da condução de seus destinos 17 . A segunda região é nominada como tradicional, no entanto, o autor faz uma ressalva, o conceito é diferenciado em relação aquele utilizado em outras regiões do mundo, onde o paradigma está relacionado ao campo e a ausência de indústria. Para justificar sua análise Schwartzman (1975, p.47) esboça um quadro em que inseri dentro dessa segunda região territórios que tiveram um período de progresso e depois apresentaram declínio econômico, como exemplo, as regiões mineiras. Mas, onde se encontra a diferença da visão tradicional? Justamente quando descreve a herança mineira do ciclo da mineração, ou seja, ao final deste período a região contava com uma grande população, sendo que a maioria vivia no meio urbano. São ainda heranças do período a falta de uma atividade de alta lucratividade e a estrutura burocrática da administração portuguesa, estrutura esta que seria o berço da vocação política de Minas Gerais. Surge ainda um pequeno esboço sobre o chefe político local A menor unidade da vida política tradicional desse tipo é a comunidade local do interior, onde o chefe político local (no Brasil, o coronel) exerce seu poder. Uma boa parte da literatura política brasileira tem-se devotado ao exame dos padrões de tradicionalismo político nas bases do sistema. As tentativas de teorização mais bem sucedidas são as que interpretam a proeminência política local e regional da política tradicional como sendo uma função do papel de intermediação desempenhado pelos líderes políticos entre os governos local, estadual e nacional (SCHWARTZMAN, 1975, p. 48). Schwartzman faz um paralelo de sua concepção sobre a região mineira com a de Key, que analisa a situação dos 11 estados sulistas norte-americanos. Para o autor, existem semelhanças, como o sistema unipartidário; o comportamento dos senadores sulistas também nos é familiar, pois eles apoiam o governo em troca de do controle dos seus próprios estados; ainda são características comuns a pequena participação popular e as grandes propriedades rurais de uma região economicamente decadente. Lógico que existem diferenças, elas são muitas, a principal está relacionada ao fasto de que enquanto nos EUA os estados sulistas acabam sendo derrotados pelos estados do norte (industrializados); no Brasil o centro industrializado não conseguiu efetivamente consolidar sua hegemonia política. 17 Esta divisão fornece dois importantes indícios para nosso estudo, primeiro a comprovação de que um único modelo realmente não se aplica ao Brasil, segundo o de que um estudo somente sobre as características peculiares a uma região paulista não são de forma alguma reducionistas 42 A terceira região é representada por São Paulo, ela apresenta a singularidade de apresentar um desenvolvimento independente em relação à administração central, a colonização dessa região já é um claro exemplo dessa característica, visto que ela moveu-se da costa em direção ao interior, esse movimento empreendido primeiramente pelos bandeirantes tinha como objetivo a busca por índios, metais preciosos e terras. Retornaremos depois com mais atenção para essa região, primeiro porque o próprio Schwartzman (1975) promove uma análise mais atenta dela, segundo devido ao fato de que ela nós é essencial para a construção não só deste trabalho, mas do próprio texto da tese. A quarta região corresponde ao Rio Grande do Sul, segundo Schwartzman (1975, p. 52) seu papel político no cenário nacional é desproporcional ao seu tamanho e importância. Os gaúchos não são adeptos da política tradicional, nem são um polo econômico dominante, muito menos estão no centro administrativo do país, na verdade seu território foi palco de conflitos entre os impérios portugueses, espanhol e do próprio governo imperial. Devido a este fato, assumiram uma natureza militar, e neste sentido assemelham- se a Portugal e Espanha, que também travaram importantes batalhas para a constituição de seus respectivos territórios, o que caracteriza ambos como postos militares de fronteira. (SCHWARTZMAN, 1975, p.53). A esse perfil militar devemos ainda acrescentar o positivismo e a cultura boiadeira como elementos que ajudam a identificar o perfil combativo dos gaúchos, tanto para com os inimigos ibéricos, na luta pelas fronteiras; quanto para com os inimigos imperiais, em defesa de maior autonomia em relação ao governo central. A região teve grande influência na política nacional, diversos cargos foram ocupados por seus conterrâneos, dentre os principais o de presidente da República, como exemplos podemos citar Getúlio Vargas e João Goulart (SCHWARTZMAN, 1975, p. 54). Schwartzman não fecha o quadro, para ele a classificação seguiu critérios construídos a partir de um embasamento teórico sólido, mas que poderia gerar debates sobre a inserção de mais regiões ou mesmo a adequação das cridas por ele, neste sentido é importante retomarmos uma nota de rodapé do autor sobre isto. É importante observar-se que estou deixando de fora deste quadro, entre outros, Bahia e Pernambuco, estados que foram centros políticos e econômicos nacionais e que sofreram um acentuado processo de decadência. Parto do pressuposto que tenham caído no padrão 43 tradicional tipificado por Minas Gerais, mas esse pressuposto é, certamente, uma simplificação que deve ser vista de maneira cuidadosa. (SCHWARTZMAN, 1975, p. 55). Esmiuçando o caso da região destinada a São Paulo, Schwartzman (1975, p. 60) utiliza a figura do bandeirante como ponto de partida para o seu debate sobre o povoamento diferenciado desta região, toma como referencial a obra de Vianna Moog, que caracteriza o bandeirante como uma figura ambiciosa e impaciente e que, por este motivo, resolve abandonar a base original junto a costa e rumar para o interior. Vale relembrar que a antiga capitania de São Vicente era uma localidade atrasada se comparada à do nordeste, mas foi a partir dessa região desafiadora em muitos sentidos, inclusive o geográfico, que se implementou uma expansão rumo ao interior do país. A contradição parece estar presente na história paulista, pelo menos a análise de Schwartzman (1975, p. 61-62) acaba promovendo essa visão quando identifica os diferentes papéis exercidos pelos paulistas, que são tanto vistos como arrojados e, por isso, classificados como exploradores, assim como não muito participativos e também denominados como passivos. Nos dois casos o autor chama a atenção para o fato de que ao mesmo tempo em que o papel arrojado se faz presente pelas ações de exploração, comércio, extrativismo mineral e fundação de núcleos urbanos em regiões mineiras; o lado passivo emerge, pois a participação política acaba sendo muito pequena em termos políticos. Um dos marcos que favoreceu o desenvolvimento paulista foi a ocupação do nordeste pelos holandeses, visto que a partir desse momento o comércio de índios praticado em São Paulo cresceu, devido ao surgimento de novas áreas de cultivo que necessitavam de mão de obra. Schwartzman (1975, p. 63) cita o trabalho de Afonso Taunay para lembrar que o diferencial de São Paulo surge com a própria postura da região em relação à coroa portuguesa, ou seja, sempre existiu uma autonomia em relação à metrópole. Nas palavras do engenheiro francês Froger a Cidade São Paulo poderia ser vista como "[...] tributária, não súdita do Rei de Portugal [...] teve como origem uma corja de bandidos de todas as nações que, pouco a pouco, ali formou uma grande cidade e uma espécie de República cuja lei é, sobretudo, não reconhecer governador nenhum [...]" Durante o período da mineração São Paulo chegou a experimentar a supremacia da região, afinal o caminho para as minas passava por seu território, no entanto, a 44 descoberta de novos caminhos fez com que a importância diminuísse e não tardou para que os conflitos surgissem (SCHWARTZMAN, 2015, p. 123) As diferenças materializavam-se principalmente em virtude das condições, enquanto os paulistas contavam com poucos recursos, chegando inclusive a não ter calçados, os novos grupos, oriundos de outras regiões e países chegavam com mais recursos 18 . Não tardou para que os desentendimentos resultassem em conflitos, como a Guerra dos Emboabas. Avançando um pouco mais no tempo torna-se interessante que retomemos a análise de Schwartzman (1975, p.93) sobre a economia cafeeira, a marcha do café representou um padrão de abertura de fronteiras, a produção crescente era acompanhada por uma exaustão progressiva das terras, o que criava a necessidade de que novas áreas fossem ocupadas, neste sentido a ocupação ganhou as terras paulistas. A adoção da economia cafeeira foi seguida por um processo de substituição do tipo de mão de obra, a escrava, que já se encontrava em crise por uma série de fatores, e foi aos poucos perdendo espaço para o trabalho remunerado, mas se o tipo mudou também mudaram seus personagens, sai de cena o negro africano e entra o branco europeu "[...] Em São Paulo, a produção de café foi estimulada por uma política ativa de atração de imigrantes da Europa e da sua submissão a um sistema de exploração do trabalho bastante intenso, de características semelhantes às do capitalismo [...]" (Schwartzman, 1975, p.98). Outro ponto importante da análise do autor para este trabalho diz respeito ao período da República Velha, momento em que os estados ganham uma maior autonomia, devido entre outros fatos à adoção da chamada política dos governadores, a maior autonomia dos estados diferenciava-os em relação às antigas províncias do império, afinal, no período imperial, os chefes das províncias nem sempre eram ligados a ela e, por isso, estavam em sintonia com os interesses federais e não regionais (SCHWARTZMAN, 1975, p. 106). A maior autonomia dos estados em relação ao governo central era um desejo dos paulistas e a mudança de um regime monárquico para um regime militar poderia colocar em perigo essa autonomia. Na verdade o discurso federalista era até mais forte do que a própria ideia republicana, fato este comprovado nos dizeres de Prudente de Morais 19 18 Inclusive botas e por isso denominados como Emboabas , termo de origem indígena que significa de botas 19 Era um dos líderes republicanos paulistas, mas aceitou a indicação pelo partido monarquista. 45 quando indicado para a Assembleia provincial pelo partido Liberal (monarquista) em 1877: "[...] se for eleito na assembleia provincial procurarei antes de tudo ser um verdadeiro paulista, só aceitando ou indicando medidas que importarem a satisfação das necessidades reais e que forem tendentes ao engrandecimento e prosperidade da nossa província [...]" (BOEHRER apud SCHWARTZMAN, 1975, p. 113). Essa postura dos estadistas paulistas também é verificada por Love (1975, p. 53) que atesta para o fato de que eles (estadistas) esperavam menos do governo federal do que os mineiros. Para termos uma ideia, as principais exigências dos paulistas estavam centradas nos seguintes pontos: a) Aval para empréstimos estrangeiros; b) Controle da política monetária e das divisas; c) Representação dos interesses econômicos no estrangeiro. Sem dúvida, as exigências eram particulares e iam ao encontro das expectativas de uma região que contava com recursos financeiros significativos, na verdade, muito maiores do que os de outras federações, a população crescia consideravelmente, vindo a se tornar a maior na década de 1930, e com nível de alfabetização atingindo o segundo maior da república já na década de 1920 20 . Interessante que abordemos agora um pouco sobre a questão dos partidos políticos existentes durante a primeira república, período que se destaca pela presença de partidos de cunho regional, com interesses e práticas vinculadas às necessidades locais desses partidos. Ao promover uma análise sobre esta situação, Love (1975, p. 56-57) comprova essa teoria, os partidos durante a primeira república só existiam em nível estadual, o que acabava por explicar o grande destaque de São Paulo e Minas Gerais neste período. Os líderes dos estados com grande quantidade (eleitores) traduziam sua influência transformando aspirações em exigências, para termos uma noção desse poder, em São Paulo o PRP (Partido Republicano Paulista) perdurou até quase o fim da República Velha, poderíamos classificar o estado como monopartidário, tal fato garantiu a hegemonia política do estado, que somada a sua bem aparelhada força pública - espécie de exército estadual - garantiu a legitimação do poder do partido. No PRP todos os conflitos acabavam sendo resolvidos dentro do próprio partido, e isso ocorreu de maneira satisfatória até 1926, sem dúvida isto garantia a seus 20 Em 1890 o nível estava abaixo da média nacional, em grande parte isto era devido ao grande número de escravos existentes em São Paulo. 46 participantes de gozarem de maiores vantagens materiais, outro ponto interessante era a ideia vigente dentro do partido de que São Paulo representava um centro de progresso e civilização e a continuidade desse processo era tarefa do PRP (LOVE, 1975, p. 58). Essa postura do partido sem dúvida acabava por gerar estereótipos, como os que classificavam os paulistas, na visão do próprio partido, como sendo um povo de personalidade séria, trabalhadora, materialista e empreendedora. Na visão de um agente externo desse quadro, no caso um holandês expert em café naquele período, os paulistas tinham um sentido de superioridade irritante, mas compreensível. Os paulistas ganharam com méritos o epíteto de yankees do Brasil. São, sem dúvida, mas empreendedores, mas decididos e mais cônscios das próprias capacidades do que os mineiros ou fluminenses... mas, por outro lado, são muito proficientes na ciência do logro (LOVE, 1975, p. 59). A autonomia de São Paulo estava relacionada segundo Love (1975, p. 61) ao aumento dos recursos financeiros da federação, para tanto era preciso o investimento na política de empréstimos vindos do estrangeiro, que deveria ser realizada diretamente pelos paulistas, por isso seu interesse no governo federal, e não por intermediários que viessem a ocupar a presidência e não estivessem vinculados a São Paulo. A primeira política neste sentido aconteceu em 1905 com a compra da estrada de ferro Sorocabana, depois, em 1906, acontece o primeiro programa de valorização do café; neste momento São Paulo já era responsável por mais da metade de todas as dívidas do governo federal. O projeto de autonomia não poderia, no entanto, ser executado sozinho por São Paulo, por isso a aliança com Minas Gerais acabou por ser muito interessante, pois significava entre outros fatores não ter que manter relações com o Rio de Janeiro. Minas a exemplo de São Paulo também contava com o seu partido regional, este era o PRM (Partido Republicano Mineiro). A aliança São Paulo X Minas Gerais aconteceu por vários motivos, entre eles a existência de um vínculo entre os dois estados que era alimentado pela: produção cafeeira, migração de famílias e proximidade das elites. (LOVE, 1975, p. 62) Com o apoio de Minas, São Paulo tinha garantido seus interesses na valorização das políticas monetária, cambial e financeira, ou seja, o suporte para a manutenção e expansão da economia cafeeira, que rendia para os dois estados lucros a partir da exportação do produto. 47 Mas, os lucros com o café não se efetivavam para outras federações, sendo assim, outras práticas eram negligenciadas pelo governo central para garantir que estes estados também tivessem o seu lucro, como é o caso da criação de impostos (ilegais) de tributação interestadual: Se havia dúvidas quanto a proibição, pela constituição federal de 1891, de quaisquer impostos interestaduais de importação e transito, nenhuma poderia subsistir após a promulgação de uma lei que os abolia explicitamente em 1904. Quando São Paulo passou a exportar para os outros Estados na década de 1930, os seus lideres políticos desfecharam um ataque mais vigoroso a essas práticas [...] os Estados, porém, dependiam muito desses impostos, e tributos ilegais continuaram a ser cobrados até 1942 (LOVE, 1975, p. 64) Lógico que existiam estados interessados na diminuição do poder, da influência de São Paulo, era o caso do Rio Grande do Sul, aliado esporádico dos paulistas e que tinha grande interesse no fim da relação entre Minas e São Paulo. A aliança com Minas fortalecia São Paulo não apenas pela questão de serem os mineiros naquela época a maior bancada do congresso, eles (mineiros) também acabavam atuando como intermediários políticos em situações extremas, garantindo assim o bom senso em muitas situações em que os paulistas assumiam posições mais radicais (LOVE, 1975, p. 65). E o caso, por exemplo, das situações que envolviam a legalidade, os paulistas sempre pendiam para o lado do "legalismo", lógico que em grande parte isso acontecia, pois acabava indo ao encontro dos interesses estrangeiros, essa postura muitas vezes foi abrandada por intervenção dos mineiros. Os Paulistas só alteram sua atitude quando, em 1910, Rui Barbosa propõe uma revisão da constituição, o que permitiria ao governo federal "disciplinar" os Estados financeiramente irresponsáveis. (LOVE, 1975, p. 66). Realmente os políticos de São Paulo tinham as suas prioridades, como, por exemplo, o caso da abolição da escravidão, o PRP discutia e até apoiava o movimento, mas via com ressalvas, afinal mais importante era a questão da autonomia "[...] o princípio da autonomia regional, de acordo com o qual cada estado deveria tratar do problema da escravidão de acordo com as suas possibilidades e condições próprias de substituição do escravo pelo trabalhador livre [...]" (SCHWARTZMAN, 1975, p.113). Outro exemplo da prioridade dos paulistas foi o acordo conhecido como Convênio de Taubaté 21 , inicialmente bancada por São Paulo acabou posteriormente se 21 Política de valorização do café, que entre suas propostas pregava uma crescente desvalorização da moeda nacional. 48 tornando uma prática do governo federal, a justificativa para que o governo federal assumisse tal demanda era simples, segundo os paulistas o café era um ativo nacional e não regional. (LOVE, 1975, p. 67-68) O modelo político defendido pelos paulistas encontrava seus adversários, como o grupo de Silva Jardim, político de Pernambuco, tinha ligações com o pensamento positivista de Comte, contava com o apoio militar e defendia um modelo centralizado de governo. A maior autonomia defendida e que acaba sendo aplicada durante a República Velha acabou por atender aos interesses de São Paulo, mas segundo Schwartzman (1975, p. 120-121) ao mesmo tempo em que atendeu aos anseios paulistas, este modelo pode ter significado um menor peso político do Estado, afinal em um modelo descentralizado, o poder central não teria tanto peso assim. Para encerrar esse tópico de nosso debate retomaremos uma análise muito interessante do autor sobre o perfil diferenciado dos políticos de São Paulo e dos demais. Schwartzman (1975, p. 123) retrata que para os paulistas a política era uma forma de melhorar seus negócios, já para quase todos os outros, a política era seu negócio. Sem dúvida, esse é mote interessante de se explorar para futuros debates no corpo de nossa tese, afinal a ligação dos chamados Homens de negócio com a política no interior paulista parece estar intimamente ligada a este perfil 22 . 2.3 - A presença dos líderes locais na política, a importância da figura dos coronéis Foi a partir da criação da chamada Guarda Nacional, durante o período regencial, que surgiu no cenário brasileiro uma figura que não se dedicou a cumprir apenas as especificações de segurança que sua patente lhe autorizava, o Coronel foi mais que um líder de tropas, sua ascendência estendia-se para outros campos, inclusive o político. 22 da política como um meio para se melhorar os negócios. 49 Suas características variavam conforme a região utilizada como enfoque, no entanto, existiram algumas características comuns, como o fato de que tal patente dependia do status econômico e/ou social do seu titular, que raramente não era um proprietário rural, segundo Leal (2012, p. 38) as patentes traduziam um prestígio real. Para melhor exemplificar a importância dos coronéis, Leal (2012, p. 38-39) utiliza-se da análise de outros autores, como Alberto Torres, que considera o coronel como sendo o eixo de uma "vegetação de caudilhagem", a base de nossas organizações partidárias e da politicagem local. Já Vilaça e Albuerquerque destacam o poder dos coronéis ao expor que estes possuíam reconhecimento tanto pela ação de seus homens (cabras), quanto pelos melhoramentos que promoviam e orgulhosamente exibiam como troféus 23 . As diferentes visões podem ser justificadas, pois o coronelismo “[...] não é um fenômeno simples, pois envolve um complexo de características da política municipal [...]”.(Leal 2012, p.43). O que referenda que mesmo os chamados “coronéis” ligados à cafeicultura também possuíam características peculiares em relação aos de outras regiões. O maior resultado dessa profusão de características e personagens é uma estrutura econômica e social inadequada, que garantia a sobrevivência e os interesses do poder privado, no entanto, Leal (2012, p. 44) atenta para o fato de que a troca de proveitos acabou por fortalecer o poder público e enfraquecer aos poucos a influência dos chefes locais. Existe então uma situação paradoxal: o privatismo é alimentado pelo setor público, que por sua vez é legitimado graças ao voto (sufrágio universal), que é garantido pelo meio rural. Neste sentido, per