Universidade Estadual Paulista -UNESP “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes Kleber José da Silva A Construção de Fornos de Baixo Custo Para Queimas Cerâmicas em Alta Temperatura: um percurso alternativo possível São Paulo 2017 Kleber José da Silva A Construção de Fornos de Baixo Custo Para Queimas Cerâmicas em Alta Temperatura: um percurso alternativo possível Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Artes, área de concentração Artes, sob orientação da Professora Doutora Geralda Mendes F.S. Dalglish (Lalada). São Paulo 2017 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP S586c Silva, Kleber José da, 1974- A construção de fornos para queimas cerâmicas em alta temperatura: um percurso alternativo possível / Kleber José da Silva. - São Paulo, 2017. 299 f. : il. color. + 02 DVD Orientadora: Profª. Drª. Geralda Mendes F. Silva Dalglish Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Cerâmica de Alta Temperatura. 2. Fornos Cerâmicos. 3. Tijolos Refratários e Isolantes - Fabricação. 4. Cunha. I. Dalglish, Geralda Mendes F. Silva. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 738.143 Kleber José da Silva A Construção de Fornos de Baixo Custo Para Queimas Cerâmicas em Alta Temperatura: um percurso alternativo possível Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Artes, área de concentração Artes. APROVADO: São Paulo 08 de Março de 2017 Prof. Dr. Agnaldo Valente Germano da Silva UNESP - Universidade Estadual Paulista Prof. Dr. Carlos A. N. Camargo UFSJ - Universidade Federal do Rio Grande do Sul Profª. Dra. Geralda Mendes F.S. Dalglish (orientadora) UNESP - Universidade Estadual Paulista Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento UNESP - Universidade Estadual Paulista Profª Dra. Camila Costa Lima Pesquisadora independente Dedicatória A meus pais, Nabor e Elza, que jamais tolheram os planos de seu filho caçula em enveredar pelos caminhos da Arte. A meus irmãos, Bé e Ju, pelo incansável cuidar de meus passos. À minha companheira Desireé, por se mostrar uma parceira incondicional nestes anos de caminhada. À pequena Flora, presente de Deus que me permite cada dia mais vivenciar o desvendar de novas faces daquilo que entendo ser uma das mais profundas experiências de amar: a paternidade Agradecimentos A todos aqueles que neste processo de pesquisa, de alguma forma até aqui... trabalharam... animaram... rezaram... cuidaram... apoiaram... questionaram... sugeriram... respeitaram... partilharam... ensinaram... e desta forma tornaram possível a concretização deste texto, que espero servir de estímulo para muitos outros ceramistas que trabalharão... animarão... rezarão... cuidarão.... apoiarão... questionarão... sugerirão... respeitarão.... partilharão... ensinarão... novas experimentações no campo das Artes do Fogo, contribuindo assim com o enriquecimento do ciclo cultural em torno da consubstanciação do barro em pedra. Seria mais fácil fazer como todo mundo faz O caminho mais curto, produto que rende mais (...) Mas nós vibramos em outra frequência Sabemos que não é bem assim Se fosse fácil achar o caminho das pedras Tantas pedras no caminho não seria ruim. Trecho da Música: Outras Frequências Banda: Engenheiros do Hawai Resumo Este trabalho se propõe a desenvolver fornos cerâmicos de baixo custo financeiro, com capacidade de alcançar patamares térmicos acima de 1200°C. Tal motivação parte de uma constatação observada, tanto na bibliografia sobre o tema e mercado, de um senso comum ratificador do uso de materiais refratários e isolantes industrializados, como única forma, ou forma ideal para se construir equipamentos capazes de atingir ou superar tal patamar térmico. Por mais que tomemos como base para o desenvolvimento deste estudo, características socioculturais e geográficas específicas de uma região (microrregião de São João Del Rei – MG, Brasil), elas se assemelham à realidade de muitos outros rincões do país, por este motivo acreditamos poder ele servir de ponto de partida para o desenvolvimento de experimentações na área da construção de fornos em outras localidades, valorizando e fortalecendo o intercâmbio de conhecimento entre diferentes culturas, contribuindo com a dimensão extensionista desta pesquisa. O foco no baixo custo de produção dos fornos se dá em função da associação de dois dados: a baixa renda per capita da maior parte da população regional e o alto valor destes equipamentos atualmente disponíveis no mercado, fato que limita o desenvolvimento da vertente da cultura ceramista conhecida como Cerâmica de Alta Temperatura. Palavras Chave: Cerâmica de Alta Temperatura, Fornos Cerâmicos, Tijolo Refratários e Isolantes, Cunha. Abstract This work proposes to develop ceramic kilns of low financial cost capable of reaching above 1200 ° C. The motivation of this work is based on the fact that both in specialized bibliography and in the market, there is a common sense that says the use of refractory materials and industrialized insulation are the only way, or the ideal way, to build equipment capable of reaching or surpassing this thermal threshold. Although we take specific socio-cultural and geographical characteristics of a specific region (micro-region of São João Del Rei - MG) as a basis for the development of this study, we are convinced that they resemble the reality of many other corners of the country. Thus, we believe It can serve for the development of experiments in furnace construction in other localities, valuing and strengthening the exchange of knowledge between different cultures, contributing to the extensionist dimension of this research. The focus on the low cost of furnace’s production is due to the association of two data: the low per capita income of most of the population and the current high value of these equipment available in Brazilian Market. In our understanding, this fact limits the development of the ceramist culture known as Cerâmica of High Temperature in national territory. In its structure, this work is divided in three segments: the first (chapter I) relates to the history of ceramic kilns’ development; In the second (Chapter II) we seek to highlight the importance to the development of the ceramist culture of High Temperature of alternative and low cost furnaces construction; at least (Chapters III and IV) we bring concrete elements that present alternative ways to the production of refractory and insulation materials, as well as three different successful projects of low-cost furnaces for high-temperature firing, whose construction structure is diagrammatically exemplified in the Instructional technique script attached to the end of the work. Keywords: High Temperature Ceramics, Ceramic Ovens, Refractory and Insulating Brick, Cunha. Lista de figuras Figura 1: Vênus de Dolni-Vestonice, cerca de 25.000 a.C. Fonte: acima: https://br. pinterest.com/pin/501729214706940113/ abaixo: http://www.nm.cz/Historicke-muzeum/ Exhibitions-HM/Unique-Exhibits-of-Land-Museums.html. (acessados em 12/04/2016) 27 Figura 2: Exemplo de peça cerâmica do período Jomon, Terracota, Museu Nacional de Tóquio, Japão. Fonte: http://web-japan.org/nipponia/nipponia32/en/feature/feature01.html. Acessado em (12/04/2016) 30 Figura 3: Exemplo de duas queimas primitivas realizadas em períodos e regiões diferentes: à esquerda: tribo Gwari, Nigéria, década de 1960, à direita: tribo Suruí, RO, Brasil, 2011. Fonte: figura à esquerda: (RHODES, 1968, p.5), figura à direita: (VIDAL, 2011, p.67) 31 Figura 4: Forno de papel. São João Del Rei, 2010 Fonte: http://ceramicaufsj. blogspot.com.br /2010/11/oficinas-do-contaf-2010-forno-de-papel.html Acessado em: 23/09/2016 33 Figura 5: Peças queimadas em Alta Temperatura, em forno Noborigama. Cunha –SP, 2010. À esquerda: Anjo, obra de Mieko Ukeseki, sobre o forno de seu Ateliê. À direita: Símbolos votivos presentes sobre o forno do Ateliê Mieko & Mário. Note-se um recipiente com ramo já seco pela ação do calor da queima, dois pequenos recipientes: um para saquê, outro para arroz e uma peça da ceramista, intitulada “semente” Fonte: Foto do autor, 2010 35 Figura 6: Desenho esquemático representando um buraco preparado para queima cerâmica. Fonte: (RHODES, 1968, p.5) 36 Figura 7: Queima em tambor. Fonte: (WATKINS, 2004, p.77) 37 Figura 8: Esquema de queima em muro circular. Fonte: (RHODES, 1998,p.22) 38 Figura 9: Ruína de forno cerâmico encontrado na Palestina, com data estipulada por volta do ano 2900 a.C. Nota-se nitidamente o pilar de sustentação e a grelha perfurada para passagem do fogo Fonte: (CHARLESTONE, 1982, p.12) 39 Figura 10: Indicação geográfica da região da Mesopotâmia e desenho esquemático daquele que é considerado o primeiro modelo de forno cerâmico. Fonte: (RHODES, 1968,p.11) 40 Figura 11: Desenho esquemático de forno romano corte com vista superior e lateral. Fonte: (RHODES, 1968, p.16) 41 Figura 12: Estimativa de aquecimento para queimas de diferentes tipos. Fonte: (KINGERY,1997, p.15) 42 Figura 13: Dois tipos de fornos desenvolvidos na China ainda no período neolítico (de 5000 a.C a 2000 a.C). Fonte: Imagem da esquerda: (WOOD & KEER,2005, p.293), imagem da direita (KINGERY, 1997, p.16) 43 Figura 14: Forno de barranco desenvolvido na China e amplamente difundido no Japão. Fonte: (RHODES, 1968, p.19) 44 Figura 15: Desenho esquemático de forno de tiragem cruzada utilizado na China desde o século IX a.C. Fonte: (KEER & WOOD,2005, p.307) 45 Figura 16: Representações de três modelos de fornos com tiragem cruzada. A= forno Man- thou, B= forno Noborigma, C= forno Catenário. Fonte: Concepção gráfica do autor, 2016 46 Figura17: Típico forno dragão do Sul da China. Fonte: (KEER & WOOD,2005, p.353) 47 Figura 18: Distribuição dos fornos tipo dragão no sul da China e Coréia, nos últimos dois mil anos. Destaque em vermelho para a região de Te-hua, onde primeiro se experimentou a divisão da grande câmara de cocção do forno dragão, em câmaras menores. Fonte: (KEER & WOOD,2005, p.347) 48 Figura 19: Desenho do forno Noborigama primitivo: A= orifícios de passagem de calor da câmara da fornalha para a câmara adjacente; B= câmara de cocção; C = área de alimentação lateral; D= porta; E = orifício de observação (espia). Fonte: (KEER & WOOD,2005, p.360) 49 Figura 20: Mapa da Microrregião de São João Del Rei, com indicativo de localização estadual e nacional. 1- Conceição da Barra de Minas, 2- Coronel Xavier Chaves, 3- Dores de Campos, 4- Lagoa Dourada, 5- Madre de Deus de Minas, 6- Nazareno, 7-Piedade do Rio Grande, 8- Prados, 9- Resende Costa, 10 - Ritápolis,11- Santa Cruz de Minas, 12- Santana do Garambéu, 13- São João del-Rei,14 - São Tiago, 15 - Tiradentes. Concepção gráfica do autor, 2016 52 http://ceramicaufsj.blogspot.com.br/2010/11/oficinas-do-contaf-2010-forno-de-papel.html http://ceramicaufsj.blogspot.com.br/2010/11/oficinas-do-contaf-2010-forno-de-papel.html https://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Cruz_de_Minas https://pt.wikipedia.org/wiki/Santana_do_Garamb%C3%A9u https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Jo%C3%A3o_del-Rei https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Jo%C3%A3o_del-Rei https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Tiago_(Minas_Gerais) https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes_(Minas_Gerais) Figura 21: Moringas. Maragogipinho- BA. Fonte: figura da esquerda, pintada com engobe branco: livro Artistas da Cerâmica Brasileira, p.184, 1985. Figura da direita, pintada com tinta branca: acervo do autor, foto do autor ,2016 55 Figura 22: Forno Catenário construído na cidade de Santana do Araçuaí. Vale do Jequitinhonha, Fonte: GOGOY.R, 2005, p.9 58 Figura 23: Exemplos de cerâmica tradicional baixa temperatura: A: réplica de vaso da cultura Marajoara, feita por Mestre Cardoso, Belém PA; B: Chuva de pavões, Figureiras de Taubaté SP; C: “Noiva da Seca” feita por Dona Izabel, Vale do Jequitinhonha MG; D: Casal de cangaceiros, Mestre Vitalino PE. Fonte: A: (DALGLISH, 1996, p.51) B: Acervo do autor, Foto do autor, 2016 C: (DALGLISH, 2008, p.175) D: (FROTA, 1988, p.47) 68 Figura 24: Exemplos cujo tipo de queima e estética aplicada à peça identificam a cultura a qual pertencem: A) cerâmica negra de Maria Martinez – San Idelfonso, Colorado – USA, fonte: (PETERSON, 1977, p.260) B) Cerâmica Chulucana – Peru, fornte: B: www.artesaniasdelperu.gob.pe/noticias/noticia.aspx?id=24, acessado em 21/07/2016, C) Cerâmica grega, fonte (GOMBRICH, 1999, p.80) 69 Figura 25: Três possíveis modos de se iniciar uma queima em fogueira: A) fogueira circular se aproxima da peça, B) peça se aproxima da fogueira, C) peça é posta sobre brasas. Fonte: Desenho do autor.2016 71 Figura 26: Representação de diferentes tipos de tiragem em fornos cerâmicos. Fonte: Desenho do autor.2016 72 Figura 27: Exemplo de gráfico de queima. Fonte: Desenho do autor, 2016. 75 Figura 28: Termopar tipo S e leitor digital de temperatura. Fonte: Foto do autor. 2016 76 Figura 29: À esquerda: cones crus, prontos para irem ao forno, à direita: cones já fundidos. Foto do autor, 2016 77 Figura 30: Tabela Seger evidenciando a temperatura de derretimento dos cones quando queimados lentamente, a 20°C por hora. Fonte: (RHODES, 1968, p.175) 79 Figura 31: À esquerda, barra pirométrica Condorhuasi para temperatura de 1205°C, montada em forno de testes, à direita, seu estado após a queima. Laboratório Escola de Cerâmica –UFSJ. 2016.Fonte: Foto do autor 84 Figura 32: Linha do tempo da cerâmica artística em Cunha. Fonte: Desenho do Autor, 2009 87 Figura 32: Peça do ceramista Kevin Lehmanm, com esmaltação pelo acúmulo de cinzas. 1280°C. Pensilvania EUA, 2010. Fonte: (SALAMONI,2013, p.128) 92 Figura 34: Mapa apresentando localização aproximada das amostras de argila por nós colhidas para este estudo. Mapa Produzido pelo autor, utilizando o aplicativo Mobyle Topographer em associação com o Google Earth, Ritápolis 2016 99 Figura 35: Molde utilizado para confecção dos corpos de prova. São João Del Rei, 2016.Fonte: Foto do autor 100 Figura 36: Corpos de prova queimados a 800°C e 1200°C, argila LD. Fonte: Foto do autor, 2016 101 Figura 37: Fórmulas matemáticas utilizadas para obtenção dos dados da tabela 9. Fonte: (GODOY, SABARIZ, SILVA, STRECKER, 2007, p.4) 102 Figura 38: à esquerda: Equipamento (Flexora Shimadzu AG-X) utilizado para realização de teste de flexão. À direita: balança de precisão para determinação de porosidade aparente e absorção de água nos corpos de prova. Seta amarela indicando corpo de prova submerso. São João Del Rei, 2016 104 Figura 39: Preparação das amostras de argilas a serem conformadas. 1) aferição de peso 2) preenchimento do molde 3) molde preenchido 4) inserção do pistão sobre a massa 5) molde preparado para conformação 6) conformação em prensa hidráulica 7) pressão empregada 8) molde pressionado, rebarbas de argila umedecida a 25%. São João Del Rei, Fonte: fotos do autor, 2016 105 Figura 40: Gráfico de possibilidades de misturas entre diferentes materiais, para produção 106 http://www.artesaniasdelperu.gob.pe/noticias/noticia.aspx?id=24 de massas cerâmicas refratárias e isolantes. A= argila, AR= areia, C= caulin, SR= serragem. Fonte: foto do autor, 2016 Figura 41: Exemplo de corpos de prova para teste de retração. Fonte: foto do autor, 2016 108 Figura 42: Sr. Leo conformando tijolos. Resende Costa - MG, Fonte: foto do autor, 2016 110 Figura 43: Vista parcial da olaria em estado de semiabandono. Resende Costa – MG, 2016, Fonte: foto do autor 111 Figura 44: Sistema de medição de volume utilizado em laboratório, para preparação dos corpos de prova de massas refratárias e isolante. Laboratório Escola de Cerâmica - UFSJ. Fonte: foto do autor, 2016 112 Figura 45: Carroça: Sistema de medição de volume utilizado na olaria para preparação dos corpos de prova de massas refratárias e isolante. Resende Costa - MG, Fonte: foto do autor, 2016 113 Figura 46: À esquerda superior: amostra de massa preparada em olaria, com destaque para área onde o caulim não se integrou perfeitamente á mistura; à esquerda abaixo: grumo de argila, presente na massa; à direita: massa preparada em laboratório: perfeitamente homogeneizada. Resende Costa - MG, Fonte: foto do autor, 2016 113 Figura 47: Exemplo de condutividade térmica aplicada a um tijolo. Fonte: desenho do autor, 2016 117 Figura 48: Representação de vista superior de possível fluxo de calor entre tijolos. Fonte: desenho do autor, 2016 118 Figura 49: Desenho de tijolo, com indicação das faces AL e AP. Fonte: desenho do autor, 2016 119 Figura 50: Amostra de área de tijolo mais atacada pelo calor. Resende Costa – MG, 2016. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor 120 Figura 51: Comparativo entre duas possibilidades de construção de paredes de fornos Fonte: desenho do autor, 2016 121 Figura 52: À esquerda: corpo de prova de tijolo dupla face, preparado com massas B2 e B6, queimado a 800°C. à direita: corpo de prova com mesma composição, queimado a 1200°C. Laboratório Escola de Cerâmica –UFSJ, 2015. Fonte: foto do autor 122 Figura 53: Etapas do processamento manual da fabricação de um tijolo dupla face. Laboratório Escola de Cerâmica – UFSJ, 2015. Fonte: foto do autor 123 Figura 54: Segunda fôrma para tijolo dupla face. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 124 Figura 55: Tijolo dupla face conformado: à esquerda, seco; à direita, já queimado. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 125 Figura 56: Fôrma para tijolo, dimensões: altura =36cm, largura= 24,5cm, profundidade= 12,5cm. A massa cerâmica é acomodada dentro da peça A e B é o elemento de compressão e extração. Fonte: foto do autor 126 Figura 57: Tijolo dupla face, conformado em prensa hidráulica, Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 127 Figura 58: Projeto de forno alternativo, com arco catenário feito com a técnica de taipa. São João Del Rei, MG.2004. Fonte: Foto Rogério Godoy 130 Figura 59: Forno catenário, São João Del Rei, 2013. Fonte: Foto do autor 131 Figura 60: Forno de Barranco, Rezende Costa, 2014. Fonte: Foto do autor 133 Figura 61: A esquerda: processamento da argila, de forma mecânica. Laboratório Escola de Cerâmica – UFSJ, 2016, à direita, processamento manual. Cunha – SP, 2010. Fonte: Foto do autor 135 Figura 62: Forno n°01: Catenário com tijolos refratários e isolantes de baixo custo, São João Del Rei -MG, 2014.Fonte: Desenho do autor 136 Figura 63: Forno n°02: Arco romano. São João Del Rei - MG, 2014. . Fonte: Desenho do autor 139 Figura 64: Diferentes vistas da construção de uma das paredes do forno. Ritápolis 2016. Fonte: foto do autor 140 Figura 65: À esquerda: forno Tamborigama. Desenho do autor, à direita: forno de tambor projetado pelo professor J.F.Chiti. Fonte: (CHITI,2011, 279 e 293) 141 Figura 66: Queima em forno catenário. Resende Costa, 2016.Fonte: Foto do autor 143 Figura 67: Sr. Evandro Oliveira construindo a base do forno catenário.2016. Fonte: Foto do autor 144 Figura 68: Exemplo de falta de padronização nos tijolos artesanais. O tijolo da esquerda está praticamente cru, enquanto o da direita apresenta irregularidades nas laterais. Resende Costa. 2016, Fonte: Foto do autor 145 Figura 69: Esquerda: detalhe do assentamento dos tijolos com areia, direita: Sr. Evandro Oliveira conferindo a amarração dos tijolos. Resende Costa. 2016. Fonte: Foto do autor 146 Figura 70: Preparação de massa para assentamento dos tijolos da fornalha e braseiro. Acima: massa em forma de barbotina, abaixo: massa com textura de reboco. Resende Costa. 2016. Fonte: Foto do autor 147 Figura 71: Detalhe do degrau interno que divide fornalha e braseiro. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor, 2016 148 Figura 72: Esquerda: grelha montada com separação feita em tijolos, direita: grelha já rejuntada. Resende Costa. 2016. Fonte: Foto do autor, 2016 148 Figura 73: Sr. Evandro Oliveira conferindo a montagem da fôrma sobre a base do forno. Resende Costa. 2016. Fonte: Foto do autor, 2016 149 Figura 74: Saídas de fogo já demarcadas. Resende Costa.2016. Fonte: Foto do autor 149 Figura 75: Soluções para construção de porta em forno catenário: à esquerda, situação ideal de construção da porta, à direita como ficará a porta em caso de alinhamento igual das três camadas de tijolos. Fonte: Desenho do autor, 2016 150 Figura 76: Degrau formado pela diferença no assentamento das camadas do arco. Resende Costa, 2016.Fonte: Foto do autor 151 Figura 77: Amarração das paredes, feita fiada a fiada. Resende Costa. Fonte: Foto do autor, 2016 152 Figura 78: Vista do interior do forno catenário com as peças já queimadas, evidenciando as temperaturas atingidas. Círculo A, cones 1260°C, 1280°C 1300°C, círculo B, cones 1100°C, 1220°C, 1240°C, 1260°C, 1280°C, 1300°C.Resende Costa. Fonte: Foto do autor, 2016 154 Figura79: Vista do interior do forno catenário com as peças já queimadas, evidenciando as temperaturas atingidas. Círculo A, cones 1220°C, 1240°C, 1260°C. Resende Costa, 2016.Fonte: Foto do autor 155 Figura 80: Detalhe de cones pirométricos. Frente: cones da esquerda para direita: 1100°C (completamente fundido), 1220°C,1240°C (perfeitamente tombados), atrás cones: 1260°C (com indicativo de fusão), 1280°C, 1300°C. Resende Costa. Fonte: Foto do autor, 2016 156 Figura 81: Base da câmara de queima sendo refeita após primeira queima. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do auto 157 Figura 82: Vista das peças, a partir de uma das portas do forno, após segunda queima. Círculo A: barra pirométrica para 1240°C, círculo B: cones para 1220, 1240,1260C, círculo C: barras pirométricas 1205°C e 1230°C. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor 158 Figura 83: Vista das peças, a partir de uma das portas do forno, após segunda queima. Círculo A, cones: 1220°C, 1240°C,1260°C, círculo B: barra pirométrica para 1240°C, círculo C, cones: 1200°C, 1220°C, 1240°C. Resende Costa. Fonte: Foto do autor, 2016 159 Figura 84: Vista da integridade das paredes do forno após segunda queima. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor 161 Figura 85: Vista da integridade da base da câmara de queima, após segunda queima. 161 Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor Figura 86: Testes de esmaltes para 1200°C. São João Del Rei, 2016. Fonte: Foto do autor 162 Figura 87: Imagem de uma das aberturas laterais do forno, com detalhe para os conjuntos de cones fundidos. Resende Costa, 2016. Fonte: Foto do autor 164 Figura 88: Imagem de uma das aberturas laterais do forno, com detalhe para os conjuntos de cones fundidos na base da câmara. Resende Costa, 2016. Fonte: foto do autor 165 Imagem 89: Leitor de temperatura infravermelho. Ritápolis, 2016.Fonte: foto do autor 166 Figura 90: Áreas de aferição de temperatura externa nas paredes do forno catenário. Desenho do autor, 2016 166 Figura 91: Gráfico comparativo entre queimas em forno catenário construído com tijolos refratários e isolantes industrializados (Catenário LEC) forno catenário construído com tijolos refratários e isolantes de baixo custo (Catenário RC). Eixo vertical: temperatura em °C, eixo horizontal: tempo em horas. Ilustração do autor, 2016 168 Figura 92: Forno de Arco Romano. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 169 Figura 93: Preenchimento dos furos dos tijolos que compõem a parede externa do forno de Arco Romano. Ritápolis, 2016. Fonte: Foto do autor 170 Figura 94: Comparativo entre área útil de arco catenário e arco romano, com mesma medida de base. Fonte: Desenho do autor, 2016 171 Figura 95: Esquema de representação da atuação das forças de tensão e compressão sobre um arco. Fonte: Desenho do autor, 2016 172 Figura 96: Amarrações em ferro em torno de um forno Noborigama. Cunha - SP, 2010.Fonte: Foto do autor 173 Figura 97: Reboco manual da parede do forno. Ritápolis, 2016. Foto: Desireé Lorane 173 Figura 98: Esquerda: interior da câmara do forno de Arco Romano, com indicação das principais rachaduras surgidas após a primeira queima; direita: estado da câmara após segunda queima, percebe-se o sucesso da operação de calafetagem e pintura, paredes sem grandes rachaduras. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 175 Figura 99: Gráfico de temperatura da segunda queima em forno de Arco Romano. Eixo vertical: temperatura em graus Célsius, eixo horizontal: tempo em horas, Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 176 Figura 100: Representação dos pontos de aferição de temperatura nas paredes do forno n°02 após primeira tentativa de queima em Alta Temperatura. Ilustração do autor, 2016 177 Figura 101: Forno de Arco Romano, antes de depois da reforma. Ritápolis, 2016. Fonte: fotos do autor 178 Figura 102: Degrau na parede do forno. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 179 Figura 103: Detalhe da porta do forno apresentando áreas de escape de calor. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 179 Figura 104: Esquerda: suporte de tijolos na base do braseiro; Direita: abertura para oxigenação, na parte posterior do forno. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 180 Figura 105: Conjuntos de cones utilizados na terceira queima em forno de Arco Romano. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 181 Figura 106: Gráfico comparativo entre queimas 2 e 3, à lenha, em forno de Arco Romano. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 182 Figura 107: Queima em forno Tamborigama. Ritápolis, 2016. Fonte: Foto do autor 184 Figura 108: Representação gráfica do fluxo do calor na primeira queima em forno Tamborigama. Fonte: Desenho do autor, 2016 186 Figura 109: Representação gráfica do fluxo do calor na segunda queima em forno Tamborigama. Fonte: Desenho do autor, 2016. 187 Figura 110: Termopar registrando 1165°C de temperatura. Ritápolis, 2016 187 Figura 111: Cones: da direita para a esquerda = 1120°C, 1140°C, 1160°C, 1180°C,1200°C, 1220°C. Percebe-se que os dois últimos cones estão caídos devido à má conformação da base de sustentação, no entanto percebe-se igualmente terem se deformado, indicando ter a temperatura da queima chegado a pelo menos 1200°C. Ritápolis, 2016. Fonte: Foto do autor 188 Figura 112: Peça com esmalte parcialmente fundido. Segunda queima em forno Tamborigama. Ritápolis, 2016. Fonte: Foto do autor 188 Figura 113: Gráfico comparativo de ascensão de temperatura em forno Tamborigama: Queima 1 e queima 2. Ritápolis 2016. Ilustração do autor, 2016 189 Figura 114: Queima 3. Vista superior da prateleira inferior montada em forno Tamborigama. Peças com esmalte fundido e no detalhe o cone referente à temperatura de 1220°C tombado. Ritápolis, 2016. Ritápolis, 2016. Fonte: Foto do autor 190 Figura 115: Peça queimada a 1220°C em forno Tamborigama. Ritápolis, 2016. Fonte: foto do autor 190 Lista de Tabelas Tabela 1: Renda per capita de populações em situação de vulnerabilidade econômica, segundo relatório das Nações Unidas Tabela 2: Índice de desenvolvimento humano regional e renda per capita Tabela 3: Espaços produtores de cerâmica, instalados na microrregião de São João Del Rei, cujos agentes estão ou foram ligados ao curso de Artes Aplicadas. Tabela 4: Procedimentos de queima possíveis de serem aplicáveis a fornos com tiragens diferenciadas. Tabela 5: Tabela Seger Tabela 6: Formulação das Barras Pirométricas Condorhuasi, Tabela 7: Cálculo do valor da fórmula de barra pirométrica para 1050°C Tabela 8: Valor de mercado: fornos para Alta Temperatura. Tabela 9: Propriedades das argilas estudadas Tabela 10: formulação de massas cerâmicas refratárias e isolantes de baixo custo Tabela 11: índice de retração linear das massas, quando queimadas a 800°C e 1200°C Tabela 12: Massas consideradas apropriadas para diferentes usos, quando conformadas manualmente. Tabela 13: Formulações de esmaltes testadas para 1200°C Tabela 14: Temperatura aferida em pontos específicos externos das paredes do forno. 51 53 65 73 78 82 84 97 106 107 109 109 163 177 Sumário Sumário ....................................................................................................................................... 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18 CAPÍTULO I - O DOMÍNIO DO FOGO: A GÊNESE DA CULTURA CERAMISTA ........ 25 1.1 Breve Histórico do Surgimento das Queimas Cerâmicas ............................................................ 26 1.1.2 Primeiros Fornos ..................................................................................................................... 32 CAPÍTULO II: A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE FORNOS ALTERNATIVOS COM MATERIAIS DE BAIXO CUSTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA CERAMISTA DE ALTA TEMPERATURA NA MICRORREGIÃO DE SÃO JOÃO DEL REI – MG. ................................................................................................................................ 51 2.1 A Necessidade De se Discutir o Assunto ..................................................................................... 54 2.2 Antecedentes Regionais na Busca de Alternativas à Questão da Viabilização do Acesso a Meios Produtivos da Cerâmica em Alta Temperatura. ............................................................................... 57 a) Forno Catenário de Santana do Araçuaí ....................................................................................... 58 b) Centro de Tecnologia para a Produção Artesanal CTPA .............................................................. 60 c) Pró-cerâmica ............................................................................................................................... 60 d) Curso Superior de Bacharel em Artes Aplicadas, com Habilitação em Cerâmica. ....................... 61 CAPÍTULO III: BAIXO CUSTO E ALTA TEMPERATURA, UM PERCURSO ALTERNATIVO POSSÍVEL .................................................................................................. 67 3.1 Os Saberes das Queimas ............................................................................................................ 67 3.1.1 Aferição de temperatura ..................................................................................................... 76 3.1.2 O Tabu da Alta Temperatura ............................................................................................... 85 3.1.3 Especificando Alternativo e Baixo Custo ............................................................................. 92 3.1.4 Argilas regionais .................................................................................................................. 98 3.1.5 Conformação de tijolos refratários e isolantes de baixo custo .......................................... 106 3.1.6 Conformação de tijolo inteligente (tijolo dupla face) ........................................................ 116 CAPÍTULO IV: A CONSTRUÇÃO DE FORNOS DE ALTA TEMPERATURA A PARTIR DOS REFERENCIAIS ESTUDADOS .................................................................................. 128 4.1 Outras experiências com projetos de construção de fornos alternativos para Alta Temperatura ....................................................................................................................................................... 129 4.2 Projetos de fornos .................................................................................................................... 134 4.3 Registro de Experiência: O Processo de Construção e Queima dos Fornos desenvolvidos para esta pesquisa .................................................................................................................................. 142 4.3.1 Forno 01: Forno Catenário feito com tijolos refratários e isolantes de baixo custo .......... 143 4.3.2 Forno 02: Forno em arco romano, feito com massa refratária de baixo custo e tijolos de oito furos preenchidos com areia ............................................................................................... 169 4.3.3 Forno 03: Tamborigama .................................................................................................... 184 Considerações Finais .............................................................................................................. 192 Referências ............................................................................................................................. 195 ANEXOS................................................................................................................................ 200 18 INTRODUÇÃO Este trabalho se propõe a desenvolver fornos de baixo custo financeiro, com capacidade de alcançar patamares térmicos acima de 1200°C, para queimas de peças cerâmicas. Tal motivação parte da constatação observada, tanto na bibliografia sobre o tema quanto no mercado, de um senso comum ratificador do uso de materiais refratários e isolantes industrializados, como única forma, ou forma ideal de se construir tais equipamentos. Por discordarmos deste posicionamento, dada a riqueza milenar dos conhecimentos envolvendo as queimas cerâmicas, nos pusemos a estudar o desenvolvimento destes fornos ao longo dos séculos, a fim de buscar elementos históricos (capazes de trazer à tona possíveis práticas/conhecimentos subjugados com o passar do tempo), e dados científicos capazes de nos auxiliar no processo de apresentação de caminhos alternativos à manutenção desta fração da Cultura Ceramista. Para que tenhamos condições de melhor estruturar, analisar e aprofundar o conteúdo do trabalho a ser desenvolvido, escolhemos a microrregião de São João Del Rei no estado de Minas Gerais para o desenvolvimento desta pesquisa, uma vez que:  É uma região fértil para a vocação ceramista; um indicativo disso é a presença, em diversas cidades da região, de artesãos que há tempos, já se expressam por meio da cerâmica queimada Baixa Temperatura. Alguns deles, como por exemplo o Sr. Tião Paineiras, são considerados referências culturais nesta área. Percebe-se também que o Poder Público de algumas cidades da região demonstra abertura em estabelecer parcerias que visem promover a criação de cadeias produtivas na área da cerâmica.  Na cidade de São João Del Rei está instalado, desde o ano de 2009, o único curso de graduação com ênfase em cerâmica, do território nacional, o curso de Artes Aplicadas da UFSJ que tem na formação de um profissional “artífice com capacidades criativa, tecnológica e mercadológica e também com sensibilidade e cultura artísticas” (PPC Artes Aplicadas), um de seus principais focos, mostrando-se, portanto, um agente potencial de atuação direta no sistema produtivo da cultura ceramista regional.  Segundo Godoy (2007) existem duas formas históricas de surgimento de uma atividade artesanal de qualidade: 19 (...) a atividade já existia de forma latente, como bem de cultura de uma dada comunidade e é ativada pelo surgimento de possibilidades comerciais ou pela promoção por parte de organismos estatais ou ONGs; [...] a atividade é introduzida por um mestre que se estabelece num dado momento no local. Os seus aprendizes, depois de algum tempo abandonam o mestre e abrem negócios próprios utilizando, multiplicando e, às vezes, modificando (em geral muito pouco) os procedimentos e tecnologias aprendidos na oficina do Mestre. (GODOY, 2007, p.04) É fato que uma demanda específica por fornos alternativos, de baixo custo para queimas cerâmicas em Alta Temperatura, não era algo latente na referida região, até meados do ano de 2009, quando se deu a instalação do curso de graduação em Artes Aplicadas na Universidade Federal de São João Del Rei, fato que corporificou, mesmo que de forma institucionalizada, a figura do Mestre de ofício citado por Godoy, mudando radicalmente tal cenário. Tal como já se observou regionalmente, na década de 1960 a implantação de cadeias produtivas de móveis artesanais a partir de madeiras de demolição, e mais recentemente, década de 1990, com a produção de esculturas em madeira, serralheria artística e um artesanato que passa a valorizar a cultura popular, vislumbramos, na forma de uma demanda crescente por fornos que atinjam Alta Temperatura para queima de peças cerâmicas, a região novamente em vias de acolher uma nova vertente produtiva, potencialmente criadora de um novo perfil turístico regional: a produção de Cerâmica Artística queimada em Alta Temperatura produzida em ateliês. O fato da região possuir um perfil turístico plural, identificado na religiosidade; movelaria; tecelagem; gastronomia, revela senão uma vocação, ao menos um indicativo de ser esta uma região propícia ao acolhimento de novas expressões artísticas, sendo isso, em nosso entendimento, fator extremamente positivo para a efetivação de uma cadeia produtiva, de grande potencial turístico, na área da cerâmica artística de ateliê. Por mais que o desenvolvimento deste estudo esteja focado em uma região específica, poderá também servir de base para o desenvolvimento de fornos em outras localidades. Em nosso entendimento, isso valoriza e fortalece o intercâmbio de conhecimento entre diferentes culturas, contribuindo com a dimensão extensionista desta pesquisa. Historicamente a cerâmica tem ocupado lugar de destaque, no dia-dia das mais diferentes culturas espalhadas pelo mundo, seja como tecnologia capaz de permitir a produção de objetos utilitários para armazenamento e/ou preparo de alimentos, seja como matéria 20 plástica que dá forma a objetos votivos, ritualísticos, decorativos, etc. “A cerâmica é, ao lado da tecelagem, uma das grandes artes da civilização, há milênios, sob todas suas formas – barro, esmaltado ou não, faiança, porcelana - a cerâmica está presente em todos os lares, humildes ou aristocráticos” (STRAUSS, 1985, p. 17). Desta relação surge um dos mais incríveis legados material e imaterial sobre a História da Humanidade, que serve como referencial para estudos nas mais diversas áreas de Conhecimento, tais como: Arqueologia, Arquitetura, Artes, História, Sociologia, ... Dentro deste universo há uma série de elementos variáveis que contribuíram para o enriquecimento das linguagens vinculadas à manufatura do barro, dos quais os tipos de queimas empregados se mostram como um dos mais importantes, haja vista que o processo cerâmico só pode ser assim considerado, após ter recebido tratamento térmico capaz de transmutar 1 o barro em cerâmica. Termicamente as queimas cerâmicas se dividem em três grupos distintos 2 : Cerâmica não vitrificada, queimadas entre 500ºC e 800ºC; cerâmica com pouca vitrificação, queimadas entre 800ºC e 1050ºC e cerâmica totalmente vitrificada, queimadas entre 1100Cº a 1300ºC. A definição destes grupos pode variar nas menções encontradas nas bibliografias da área, mas de forma geral preservam a separação em três níveis térmicos. Muito difundida é também a subdivisão entre Baixa Temperatura, para queimas realizadas em patamares térmicos na casa dos 560ºC aos 1050ºC; Média Temperatura, patamares entre 1050ºC e 1200ºC e Alta Temperatura, patamares acima de 1200ºC. Destes tipos, as queimas em Baixa Temperatura, são de longe o grupo mais antigo a ser trabalhado, isso se deve ao fato de serem os patamares médios (700ºC a 900ºC), facilmente alcançados, seja por meio de uma grande fogueira, ou fornos rudimentares, como por exemplo fornos do tipo crivo 3 , escavados em barrancos. A cerâmica produzida a esta temperatura tem por característica principal a alta porosidade, isso credita-lhe ao emprego na confecção de objetos decorativos e utilitários, principalmente moringas, panelas, tijolos, telhas, vasos, etc. Em verdade a maior parte da bibliografia por nós consultada, pouco explana sobre a dita Média Temperatura, apesar de representar um importante salto tecnológico no universo 1 . Durante o processo de queima, ao atingir patamares térmicos na casa dos 560°C, acontecem transformações químicas no corpo do objeto feito em argila, capazes de transformá-lo naquilo que conhecemos como cerâmica, passando então a adquirir características distintas das que apresentava anteriormente. 2 . Segundo W.DAVID KINGERY em seu artigo denominado: Operational Principles of Ceramis Kilns, publicado no livro: The Prehistory & History of Ceramics Kilns. Indianapolis, Indiana, 1996. 3 . Fornos cuja base da câmara de queima possui furos para que o calor emanado da combustão realizada na fornalha possa transitar até as peças. 21 do ceramista, pois permitiu a fusão dos primeiros tipos de esmaltes cerâmicos. “A arqueologia nos proporciona dados seguros de que no século III e mesmo em meados do século IV a.C, já se fabricavam no Egito telhas e revestimentos cobertos com esmaltes alcalinos de cor azul turquesa, a base de óxido de cobre, contido em certos minerais.” (CHITI, 1970, p. 11). Já a Alta Temperatura, apesar de seu histórico milenar, encontra grande impulso com a difusão de técnicas de queima diferenciadas das queimas a lenha, tais como gás e a eletricidade que juntamente com o desenvolvimento de novos materiais refratários tornam possível a produção de equipamentos menores cada vez mais adaptáveis às necessidades espaciais urbanas. A competência energética destes materiais representou tamanha revolução, que ao longo dos últimos anos parece ter, a necessidade de seu uso, se instaurado como senso comum no que diz respeito à construção destes tipos de fornos, criando uma situação de profundo distanciamento dos modos mais primitivos de produção. Percebemos isso nitidamente nas bibliografias que tratam sobre construção de fornos cerâmicos que atinjam Alta Temperatura. Com raríssimas e tímidas exceções a maioria delas afirma ser necessário o uso de materiais industrializados para que um forno possa alcançar patamares térmicos acima dos 1200ºC. Para nós esta é uma ideia nociva à manutenção e promoção cultural desta vertente de trabalho, por dois motivos:  Ao apresentar, como regra, o uso de materiais industrializados para a produção de fornos cerâmicos de Alta Temperatura, para os ceramistas nos dias atuais, desconsidera-se a possibilidade de construção de caminhos alternativos, baseados na convergência de conhecimentos científicos e empíricos das mais diversas culturas ceramistas, para a construção de fornos, que na verdade proporcionaram a realização das primeiras queimas em Alta Temperatura.  Ao particularizar uma gama de materiais inseridos dentro de um sistema de produção comercial, com alto valor financeiro agregado, cria-se a barreira social do Poder Aquisitivo, para a prática ceramista de Alta Temperatura. Por existir atualmente uma vasta gama de conhecimentos tecnológicos, no que diz respeito à arquitetura de fornos cerâmicos e refratabilidade de materiais, acreditamos ser possível associar algumas destas tecnologias, de modo a viabilizar, espacial e economicamente, a produção de fornos capazes de otimizar o aproveitamento do calor, senão 22 tão bem quanto os materiais industrializados, pelo menos a ponto de justificar seu uso como ferramenta capaz de garantir o alcance de patamares térmicos acima de 1200°C, sob um custo operacional acessível a um número muito maior de ceramistas, potencializando o surgimento de novos ateliês, ampliando consideravelmente o espectro de possibilidades plásticas atualmente exploradas em grande parte dos ateliês instalados na região, contribuindo com a popularização das queimas em Alta Temperatura e com o enriquecimento do legado da cerâmica ali já existente. Também são objetivos deste trabalho:  Desenvolver projetos de fornos que atendam demandas diferenciadas de cera- mistas instalados tanto na cidade quanto no meio rural.  Definir um método de produção de fornos cerâmicos de fácil reprodutibilidade capaz de instigar o surgimento de novos ateliês de cerâmica, contribuindo assim com o desen- volvimento da cultura ceramista na microrregião 4 de São João Del Rei. Em sua estrutura, este trabalho apresenta quatro capítulos, contados da seguinte for- ma:  No Capítulo I, apresentamos um histórico do desenvolvimento dos fornos cerâmicos que utilizam a lenha como combustível.  No capítulo II, evidenciaremos a importância da construção de fornos alternativos e de baixo custo, para o desenvolvimento da cultura ceramista de Alta Temperatura na microrregião e São João Del Rei –MG.  No capítulo III, buscaremos deixar claro não serem as queimas de Alta e Baixa Temperatura, concorrentes dentro do universo cultural ceramista, também tocaremos na discussão sobre o senso comum que envolve a produção de fornos cerâmicos para Alta 4 . A microrregião de São João Del Rei é formada pela união de 15 municípios e forma, juntamente com as microrregiões de Lavras e Barbacena, a mesorregião do estado de Minas Gerais, conhecida como Campo das Vertentes. Sua ocupação territorial na forma de núcleos populacionais não indígenas data do início do século XVIII. Devido à descoberta de ouro em suas terras, a região adquiriu grande notoriedade no período colonial, herança esta que resplandece ainda hoje, principalmente no vasto conjunto arquitetônico de igrejas barrocas presentes em boa parte de seus municípios, somando-se o fato de ter sido celeiro do movimento separatista conhecido com Inconfidência Mineira, tendo nela nascido a maior figura do mártir nacional: Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, o grande ícone de herói da pátria; é uma região que explora muito deste passado intenso, atraindo anualmente milhares de turistas. Para saber mais acesse: http://www.ufsj.edu.br/paginas_tematicas/11.21.302.400.500.php 23 Temperatura, além de tentarmos encontrar um parâmetro para a definição de baixo custo; por fim apresentaremos caminhos alternativos para a produção de materiais refratários e isolantes.  No capítulo IV, apresentaremos alguns projetos de ceramistas que também buscam/buscaram reduzir custos de construção de seus equipamentos e apontar alternativas para a popularização desta cultura e também nossas experiências, em torno da construção de fornos alternativos para Alta Temperatura. Por seu caráter intervencionista, pode-se definir este trabalho, em termos metodológicos, como uma pesquisa-ação, pois envolve além da esfera documental (entrevistas, registro fotográfico e em vídeo) de processos e procedimentos artísticos praticados por diversos ceramistas, também a construção/criação de modelos de fornos, de baixo custo, para queimas em Alta Temperatura, com a intenção de atender uma demanda percebida localmente por este tipo de equipamento. Nortearão este estudo pesquisas já publicadas na área da construção de fornos e materiais cerâmicos, como as de Bernard Leach, Daniel Rhodes, Frederick L. Olsen, Maria Canotilho, Paul Andrew, Rogério Godoy e José Fernandes Chiti: no que toca a busca por alternativas ao uso de tijolos e mantas cerâmicas industrializadas. Desta forma acreditamos ser possível dar corpo a um material que aponte caminhos para a supressão de carências no campo dos estudos de processos e procedimentos artísticos em cerâmica de alta temperatura no Brasil. Por percebermos existir ainda, no Brasil, um abismo existencial entre os textos acadêmicos e a grande massa da população, mesmo com o auxílio de ferramentas de divulgação por meio digital, criamos ao final deste trabalho (anexo J), um Roteiro Técnico Instrutivo dos procedimentos práticos aqui estudados (necessários para que mesmo um ceramista iniciante consiga construir seu próprio forno), na forma de um “Manual Ilustrado Para Construção de Fornos Alternativos e de Baixo Custo Para Queimas Cerâmicas em Alta Temperatura”. Buscando ampliar ainda mais o alcance social desta pesquisa, e consequentemente torná-la, potencialmente ainda mais viva junto ao público para o qual é dirigida. Este material está editado na forma de versão impressa, bem como em vídeo, ambos disponibilizados para livre reprodutibilidade, desde que preservada a autoria do mesmo. É, de fato, considerável o alcance social de possíveis intervenções para a solução de problemas que facilitem a operação de cadeias produtivas de cerâmica artesanal em Arranjos Produtivos Locais - APLs já existentes ou que permitam a criação de novas APLs, uma vez 24 que atingem populações produtivas e significativas, de baixa renda, que se distribuem por todo o estado de Minas Gerais, usando uma matéria prima barata e acessível, Essas intervenções podem estabilizar a identidade dos produtos no mercado e abrir novos mercados para os artesãos. (GODOY, 2005, p.12) Como não dispomos de tempo para mensurar o impacto desta pesquisa em relação à popularização das queimas em Alta Temperatura, e consideramos ser este um estudo intermediário que poderá em um futuro próximo, estabelecer elos entre a realidade ceramista atual e uma nova realidade futura, onde esperamos, tanto Alta quanto Baixa Temperatura sejam praticadas não por decorrência de limitações financeiras por parte dos ceramistas, mas sim por serem uma opção expressiva. 25 CAPÍTULO I - O DOMÍNIO DO FOGO: A GÊNESE DA CULTURA CERAMISTA Quando se queimaram na pré-história objetos de argila pela primeira vez? (...) As provas mostram que muitos fragmentos de cerâmica possuem mais de 30.000 anos (...) parece provável que possam se encontrar mostras ainda mais antigas, o que situaria a invenção da cerâmica em um passado incrivelmente distante 5 . (RHODES. 1999, p.13, tradução nossa.) Historicamente a relação do ser humano com o elemento Fogo, nas mais diversas culturas espalhadas pelo mundo, sempre esteve permeada por simbolismos cujos significados se multiplicaram tão grandemente com o passar dos séculos, que tentar particularizá-la tornou-se tarefa impossível. O fogo pode ser visto como elemento construtivo, mas também destrutivo, pode ser venerado ou odiado, tanto acalenta, quanto repudia, é sinal de glória e também de penúria. Quando se associa a outros elementos, a cultura atrelada ao domínio do fogo se amplia ainda mais. Fogo e água, fogo e metais, fogo e natureza, fogo e culinária, agricultura, enfim, são muitos os casamentos deste elemento, mas o encontro do fogo com o barro é sem dúvida um dos casamentos mais ricos já produzidos pela humanidade. Este deu origem ao material artificial mais antigo já produzido pelo homem: a Cerâmica. Suas características de resistência mecânica, quando aquecida a temperaturas superiores a 560ºC, associada a sua plasticidade quando ainda crua e úmida, possibilita a criação de objetos dos mais diversos tipos e formas. Registros das mais diversas culturas, tomados até os dias atuais como referência para o entendimento da trajetória evolutiva da humanidade nos últimos 25 mil anos, conferem à cerâmica a condição de material artificial mais antigo já produzido pelo ser humano. 5 . Cuando se cocieron em la prehistoria objetos de arcilla por primera vez? (...) La pruebas han mostrado que muchos fragmentos de cerámica tienen uma antiguidad hasta 30.000 años (...) Parece probable que puedam encontrarse muestras incluso más antíguas, lo cual hace situar La invención de La cerâmica em um pasado casi increíblemente distante. 26 O alquimista, assim como o ferreiro, e antes deles o oleiro, era um “senhor do fogo”, pois mediante o fogo. É através do fogo que ele opera a passagem da matéria de um estado a outro. O oleiro que conseguiu pela primeira vez, graças ao calor das brasas, endurecer consideravelmente as “formas” conferidas à argila, deve ter sentido a embriaguez de um demiurgo: acabava de descobrir um agente de transmutação. O que o calor “natural” - do Céu ou o ventre da Terra - amadurecia lentamente, o fogo amadurecia em um tempo insuspeitado. O entusiasmo demiúrgico surgia desse obscuro pressentimento de que o grande segredo consistia em aprender como “fazer mais depressa” do que a Natureza, ou seja - por que é sempre necessário traduzir nos termos da experiência espiritual do homem arcaico -, como intervir sem risco no processo da vida cósmica circulante. O fogo revela-se não só o meio de “fazer mais depressa”, mas também de fazer uma coisa diferente do que já existia na Natureza: era, portanto, a manifestação de uma força mágico- religiosa que podia modificar o mundo, que, por conseguinte, não pertencia a este mundo. Esta é a razão pela qual já as culturas mais arcaicas imaginavam ao especialista do sagrado - o xamã, o homem-medicina, o mágico - como a um “senhor do fogo”. (ELIADE, 1987, p.63). Sua descoberta criou uma mudança de paradigma poucas vezes vista na história da humanidade. O uso da cerâmica proporcionou uma drástica evolução na dieta de povos até então nômades, espalhados por todo o mundo, contribuindo com a fixação de comunidades sedentárias e consequentemente com o desenvolvimento de centenas de culturas existentes no planeta. 1.1 Breve Histórico do Surgimento das Queimas Cerâmicas Dada a magnitude da diversidade das queimas cerâmicas, seria tarefa impossível tentar construir um texto que contemplasse todos os caminhos do desenvolvimento das queimas em cada cultura espalhada pelo planeta. Este breve histórico tem por objetivo construir uma cronologia partindo da forma mais primitiva de produção de peças cerâmicas: fogueira, até os fornos capazes de atingir patamares térmicos superiores a 1200ºC. O fato da cerâmica artística de Alta Temperatura no Brasil, ter na cultura oriental uma grande fonte de inspiração (o polo ceramista de Cunha com seus fornos Noborigama 6 e a 6 . Tipo de forno cerâmico, inventado na China há mais de 3000 anos, feito de tijolos refratários dispostos em forma de arcos e em degraus ascendentes, alimentado à lenha, cuja temperatura interna pode atingir patamares superiores a 1400°C. A palavra Noborigama é resultante da união das palavras japonesas NOBORU = rampa + KAMA = forno, a tradução literal da palavra Noborigama é: forno que sobe a rampa. 27 relevância cultural da obra de diversos ceramistas de ascendência oriental tais como: Shoko Suzuki, Akitori Nakatani, Kimi Nii, Kimiko Suenaga, Mieko e Toshiyuki Ukeseki, Shugo Izumi, Megumi Yuasa, são uma mostra disso) nos impele a olhar mais tendenciosamente para o desenvolvimento dos fornos ocorrido nesta região do Globo. Segundo Carl G. Jung (2002), em seu livro, O Homem e seus Símbolos, “as sociedades, desde as tribais às contemporâneas, criam símbolos e mitos, como forma de representação de conceitos que não podem definir ou compreender integralmente”. Para tanto, a cerâmica, mostrou-se desde há milhares de anos uma rica fonte expressiva, onde muitos destes mitos e símbolos tomaram forma. Destes, alguns dos mais emblemáticos são sem dúvida as Vênus, modeladas e “plantadas” como oferendas, nas terras a serem cultivadas, ou veneradas como personificação de votos de fartura e fertilidade. Figura 1: Acima: Vênus de Dolni- Vestonice, cerca de 25.000 a.C, 28 Ilustrações bastante apropriadas para esta afirmação encontram-se nos livros, O Cru e o Cozido, e A Oleira Ciumenta, escritos pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, ali ele analisa uma série de mitos registrados em comunidades indígenas Sul-Americanas, mitos que d’entre outras questões, apresentam versões para o surgimento do fogo, da argila, além de justificar o vínculo do gênero feminino com os processos de coleta, modelagem e da queima cerâmica. Mito Kayapó: A origem do fogo Ao descobrir um casal de araras num ninho localizado no alto de uma rocha escarpada, um homem leva consigo seu jovem cunhado, chamado Botoque, para ajudá-lo a capturar os filhotes. Ele faz com que este suba numa escada improvisada, mas ao chegar à altura do ninho, o rapaz diz que só vê dois ovos. O homem manda jogá-los; durante a queda, os ovos transformam-se em pedras e machucam lhe a mão. Furioso, ele puxa a escada e vai embora, sem entender que os pássaros eram encantados, Botoque permanece preso durante vários dias no alto do rochedo. Emagrece; faminto e com sede, é obrigado a comer os próprios excrementos. Finalmente, ele vê uma onça pintada trazendo arco e flechas e todos os tipos de caça. Quer pedir-lhe socorro, mas fica mudo de medo. A onça vê a sombra do herói no chão; tenta pegá-la, sem sucesso, levanta os olhos, conserta a escada, procura convencer Botoque a descer. Com medo, ele hesita durante um longo tempo; finalmente, resolve descer, e a onça, amigavelmente, o convida a montar em suas costas para ir até sua casa comer carne assada. Mas o rapaz não sabe o significado da palavra “assada”, pois naquele tempo os índios não conheciam o fogo e comiam a carne crua. Na casa da onça, o jovem vê um enorme tronco de jatobá em brasa; ao lado, montes de pedras, como aquelas que os índios usam hoje em dia para construir fornos. Ele come carne moqueada pela primeira vez. Mas a mulher da onça (que era uma índia) não gosta do rapaz, que ela chama de me-on-kra-tum (“o filho alheio ou abandonado”); apesar disso, a onça, que não tem filhos, resolve adotá-lo. Todos os dias, vai caçar e deixa o filho adotivo com a mulher, que o detesta cada vez mais; ela só lhe dá carne velha e dura para comer, e folhas. Quando o rapaz reclama, ela lhe arranha o rosto, e o coitado se refugia na floresta. A onça repreende a mulher, mas em vão. Um dia, ele dá um arco novo e flechas para Botoque, ensina-o a manejá-los, e o aconselha a usá-los contra a madrasta, se necessário. Botoque a mata com uma flechada no peito. Amedrontado, ele foge, levando as armas e um pedaço de carne assada. Ele chega à sua aldeia no meio da noite, procura às apalpadelas a esteira da mãe, que demora a reconhecê-lo (pensavam que ele estava morto); ele conta sua história, e distribui a carne. Os índios resolvem se apossar do fogo. Quando chegam à casa da onça, não encontram ninguém, e, como a mulher estava morta, a carne caçada na véspera ficou sem cozer. Os índios assam-na e levam o fogo. Pela primeira vez, eles têm luz à noite na aldeia, podem comer carne moqueada e se aquecer no calor da fogueira. Mas a onça ficou furiosa com a ingratidão do filho adotivo, que lhe roubou “tanto o fogo como o segredo do arco e flecha”, e desde então odeia todos os seres, especialmente o gênero humano. Do fogo, só lhe restou o reflexo, que brilha nos seus olhos. Ela caça com os dentes e come carne crua, pois jurou nunca mais comer carne assada. (STRAUSS, 2010, p. 91-92) 29 Este mito Kayapó apresenta um resumo poético de como o ser humano sempre se mostrou admirado com o fogo e como o domínio deste elemento transformou o seu modo de vida. Apesar de fantasiosa, pode ser perfeitamente interpretada a partir de situações reais: a humanidade se construiu em grande parte pela capacidade de domínio do fogo. Com o passar dos séculos outras aplicações lhe foram conferidas além daquelas mencionadas no mito (culinária, luz, calor), entre elas sua aplicação na confecção de objetos cerâmicos. O fogo foi convertido em símbolos: purificação, renascimento em algumas culturas e em elemento diabólico, destruidor em outras. Como ferramenta agrícola ainda hoje é utilizado para limpar áreas a serem plantadas, também foi transformado em armas, ajudando a edificar e destruir reinos. Em relação a seu uso bélico, sua aplicação é tão relevante que até os dias atuais são considerados mais poderosos os povos que possuem maior Poder de Fogo. Nas comunidades tribais, porém, ainda hoje, o surgimento e utilização da argila, por sua vez, são justificados em muitos mitos como um ofício feminino. Os índios Jivaro (Andes Peruanos) descrevem a seguinte história: Mito dos índios Jivaro. O surgimento da Argila no mundo. Os Jivaro contam em um de seus mitos que o Sol e a Lua, que eram humanos, viviam antigamente na Terra e dividiam a mesma casa e a mesma mulher. Ela se chamava Aoho, isto é, Engole-vento, e gostava do abraço quente do Sol, mas tinha medo do contato com Lua, cujo corpo era muito frio. Sol resolveu fazer ironias sobre essa diferença. Lua, humilhado, subiu para o céu agarrando-se a um cipó, e ao mesmo tempo soprou sobre Sol, eclipsando-o. Quando os dois maridos desapareceram, Aoho se sentiu abandonada. Tentou seguir Lua até o céu, levando um cesto cheio da argila que as mulheres usam para fazer cerâmica. Lua percebeu, e para se ver livre dela de uma vez por todas cortou o cipó que unia os dois mundos. A mulher caiu com o seu cesto, a argila se espalhou sobre a Terra e hoje pode ser encontrada em vários lugares. Aoho se transformou no pássaro que tem o seu nome, e a cada lua cheia, pode-se ouvir o seu lamento, chorando pelo marido que a abandonou. Mais tarde, o Sol também subiu para o céu, usando um outro cipó. Mas, mesmo lá no alto, a Lua continua a fugir dele, os dois nunca caminham juntos e não podem se reconciliar. Por isso o Sol só pode ser visto de dia, e a Lua de noite. (…) A argila que serve para fabricar os recipientes destinados às festas e aos rituais provém da alma de Aoho, e as mulheres vão apanhá-la nos lugares onde caiu. (STRAUSS, 1985, p. 23-24). Mais que oferecer uma resposta com aceite social a estas questões, a estruturação destes símbolos e mitos tem um profundo caráter formativo catequético. Por contribuírem efetivamente para formar as bases sociais de diversas culturas, dentro deste universo, ocupam lugar de destaque, mesmo assim representam uma fração de um todo composto por inúmeras variáveis, das quais destacaremos a partir de agora, a dos processos de cozedura, justamente 30 por ser esta a etapa na qual o objeto cerâmico se consubstancia como tal. Sem as queimas, toda a história da cerâmica não existiria. Registros arqueológicos encontrados até o presente momento nos indicam que apesar de ser conhecida e utilizada para a confecção de utensílios desde cerca de 25.000 a.C, é por volta de 10.000 a.C, no período conhecido por Jomon, no Japão, que a cerâmica apresenta uma das primeiras grandes evidências de estar amplamente presente em uma cultura. Figura 2: Cerâmica do período Jomon, Terracota, Museu Nacional de Tóquio, Japão, 10.000 a.C Apesar de apresentar variações, a tecnologia das queimas cerâmicas nas culturas tribais, apresenta procedimentos muito semelhantes. Provavelmente, neste período, não existiam fornos e as peças eram queimadas ou em fogueiras, ou em buracos recobertos com cacos de peças quebradas, ou dentro de uma estrutura circular, semelhante a um muro, revestida com uma pasta de argila misturada com matéria orgânica. Devido à fragilidade destas estruturas de queima, não existem registros que nos permitam afirmar com propriedade a forma exata como aconteciam, no entanto, é aceitável que façamos uma associação destes métodos com os que são praticados ainda hoje pelas comunidades tribais tradicionais existentes, isso por que, principalmente em relação aos meios artesanais, a produção do objeto cerâmico ainda se mantém muito próxima aos mesmos procedimentos usados no passado. 31 A figura 3 exemplifica esta suposição. Nela podemos observar a mesma técnica de queima sendo utilizada por duas comunidades distintas, distantes geograficamente e que provavelmente jamais tiveram contato uma com a outra. Dos métodos primitivos, a queima em fogueira é considerada a forma mais antiga de produção cerâmica, uma vez que todos os métodos posteriores de otimização de aproveitamento do calor tendem a ser fruto de uma elaboração mais complexa de pensamento, que necessitaria deste referencial primeiro para ser tomado como parâmetro. Acredita-se que a descoberta do endurecimento da argila ao entrar em contato com o calor, tenha acontecido ao acaso por diferentes etnias, de lugares e tempos distintos. Com o passar do tempo, a apropriação cultural do objeto cerâmico se deparou com a necessidade de atendimento a novas demandas práticas e estéticas, das quais muitas delas, para ganharem corpo, tiveram que passar pelo desenvolvimento de novas técnicas de queima, contribuindo com a formatação de distintos modus operandi 7 , fundando assim as bases de diversas culturas ceramistas. Figura 3: Exemplo de duas queimas primitivas realizadas em períodos e regiões diferentes: à esquerda: tribo Gwari, Nigéria, década de 1960, à direita: tribo Suruí, RO, Brasil, 2011 7 . Expressão em latim que significa "modo de operação". Designa uma maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos, como se fossem códigos. 32 A cerâmica primitiva não foi cozida em fornos e sim em fogueiras abertas e buracos pouco profundos que continham fogo. (...) Desde a observação do endurecimento do solo logo abaixo do fogo, ao ato deliberado de colocar um objeto de argila no fogo para cozê-lo, não há mais que um pequeno passo. Se pode admitir que a cestaria precedeu como arte a olaria. A queima acidental de cestos recobertos interiormente com barro em fogueiras pôde proporcionar o protótipo para a olaria (...). O recipiente de barro, por ser duro, relativamente resistentes à água e ao fogo e uma barreira para os bichos, se converteu em um utensílio básico 8 . (RHODES. D. 1999, p13-14, tradução nossa.) Em muitas destas culturas, na medida em que o objeto cerâmico foi se incorporando às dinâmicas sociais, os olhares para este material também foram sendo aprimorados. Apesar de serem conceitos modernos, aos poucos a percepção, mesmo que inconsciente, de estarem REFRATABILIDADE, TEMPERATURA e SINTERIZAÇÃO intimamente ligadas, torna fértil o campo para novas descobertas no campo das queimas cerâmicas, a maior delas é sem dúvida a de que quando se cria uma estrutura física capaz de acomodar as peças em seu interior, melhor se aproveita o potencial do calor resultante da queima. Mesmo com a indicação deste novo caminho, a fogueira se consolidou, em muitas culturas, como principal equipamento produtor de objetos cerâmicos. Ao que parece, tais culturas, ao fazerem tal opção de queima, preservam traços de um elo ancestral de cuidado e proteção estabelecido a milênios entre a humanidade e o fogo. A fogueira antigamente garantia a manutenção do fogo e protegia os grupos de ataques de predadores, quando adotada pelo ceramista passa a necessitar ser cuidada para que, se mantendo acesa, tenha condições de cumprir sua vocação simbólica de elemento gerador de vida, possibilitando ao barro, ressurgir das cinzas, como elemento novo, impregnado de novos significados e funções. 1.1.2 Primeiros Fornos O ato de criar um invólucro com lenha ao redor das peças, já prenuncia a criação daquilo que posteriormente ficou conhecido como forno. A figura 4 nos apresenta momentos da construção e queima em um forno conhecido como forno de papel, cuja característica se 8 . La cerámica primitiva no fue cocida em hornos sino en hogueras abiertas y hoyos poço profundos que contenían fuego. Después de que el hombre aprendió a controlar el fuego y a utilizarlo para cocinar y calentar, pudo haberse dado cuenta también de que el suelo se endurecía bajo el fuego y se aglomeraba por el calor. (...) Desde la observación del endurecimiento Del suelo bajo el fuego al acto deliberado de colocar un objeto de arcilla en el fuego para cocerlo, no hay más que un pequeño paso. Se puede admitir que La cestería precedió como arte a La alfarería, La quema accidental de cestos recubiertos interiormente con barro en hogueras pudo proporcionar ek prototipo para la alfarería.(...) El recipiente de barro al ser duradero, relativamente resistente al agua y al fuego e una barrera para los bichos, se convirtió en un utensilio básico. 33 distingue de uma queima em fogueira, pelo simples fato de ser agregado em torno desta, uma camada de papel embebida em barbotina 9 que endurece pela ação do calor, contribuindo com a elevação da temperatura interna da estrutura. Figura 4: Forno de papel. São João Del Rei –MG, 2010. O hiato temporal entre estas duas técnicas de queima é de cerca de 27.000 anos. Neste entremeio, fornos dos mais diversos tipos foram criados, a maioria deles capazes de atingir facilmente, temperaturas superiores às alcançadas por estes. Isso denota que o desenvolvimento das técnicas de queima cerâmica diferentemente de outros meios tecnológicos não se mede por um padrão evolutivo linear que se inicia do menor para o maior, nem mesmo se aplica o conceito de pior (temperaturas mais baixas) e melhor (temperaturas mais altas). O forno de papel é uma criação da sociedade contemporânea, apesar da aparente rusticidade reflete características de seu tempo: nele, o uso do papel (que durante séculos se restringiu a uma pequena parcela da população) mostra como a industrialização banalizou o uso de determinados materiais, da mesma forma, também como o acesso à informação tornou- 9 . Argila diluída em água, de forma a apresentar consistência líquida. 34 se algo tão dinâmico, a ponto de ser considerado ultrapassado o periódico impresso no dia anterior, “justificando” seu descarte. Mesmo assim, é um equipamento impregnado de profundo caráter coletivo e celebrativo, onde o encontro de várias pessoas reunidas para confeccionar um forno que não comporta mais que uma dezena de pequenas peças, sugere a existência de um “algo a mais” que o mero ato de queimar peças cerâmicas. Este “algo a mais” se manifesta de diferentes formas, em diferentes culturas, seja na figura de mitos ou ritos capazes de promover a percepção, seja ela individual ou coletiva, de diferentes níveis de conexões existenciais entre o ser humano e o ambiente onde está inserido. Há casos em que os ritos voltam-se para expressar votos de comunhão com o processo de produção do objeto cerâmico em suas dimensões: potencial (barro in natura), pré-existencial (barro modelado) e existencial (barro queimado). (...) existe um ritual para a produção da cerâmica Suruí (...) Podemos dizer que a primeira etapa da coleta de argila envolve muitos cuidados e um dos principais é o silêncio na hora de deixar a fonte de argila para que seu espírito protetor, o caranguejo, não siga as artesãs e se perca tornando a fonte, uma vez desprotegida, imprópria para uso. (VIDAL, 2011, p. 109) Os Yurucaré, que moram nos pés dos Andes envolviam a arte cerâmica de precauções e muitas exigências. Somente as mulheres praticavam esta arte, saíam juntas para buscar argila durante o período do ano que não era destinado a coleta. Por temerem os trovões e para se esconder dos olhares, elas se escondiam em lugares retirados, construíam uma palhoça, celebravam rituais. No momento de iniciar o trabalho se fazia um silêncio completo, se comunicavam entre elas somente por sinais, convencidas que se dissessem uma só palavra seus potes quebrariam durante a queima (STRAUSS, 1985, p.35). Em outros casos algumas dessas devoções estão relacionadas mais ao equipamento no qual as cerâmicas serão queimadas do que ao processo de extração da argila. Na cidade de Cunha- SP, por exemplo, muitos ceramistas encaram o forno como uma entidade capaz de equilibrar supostos humores atribuídos a elementos da natureza fogo, água, ar e terra ou ainda fazem votos aos “deuses” da cerâmica. De forma geral, percebemos nas falas e no modo de vida destas pessoas, ser esta identificação com o ritual, uma forma de externar sentimentos de respeito e comunhão entre o trabalho do ceramista e as forças da natureza. 35 Figura 5: Peças queimadas em Alta Temperatura, em forno Noborigama. Cunha – SP. 2010. À esquerda: Anjo, obra de Mieko Ukeseki, sobre o forno de seu Ateliê. À direita: Símbolos votivos presentes sobre o forno do Ateliê Mieko & Mário. Note-se um recipiente com ramo já seco pela ação do calor da queima, dois pequenos recipientes: um para saquê, outro para arroz e uma peça da ceramista, intitulada “semente”. Mesmo não se configurando algo determinante em relação à qualidade da produção de um ceramista, tais práticas, por trazerem consigo uma série de relações, conhecimentos (muitos deles envoltos em uma roupagem mística) e visões de mundo, acabam influenciando e até mesmo identificando traços culturais, aspectos que lhes creditam grande importância dentro de tal universo. A partir do exposto, é possível perceber que seja com ou sem ritual, as queimas cerâmicas, além de serem estágio essencial para a consubstanciação do objeto cerâmico configuram-se, por suas particularidades, como importante patrimônio cultural a ser considerado. Vale ainda ressaltar que a trajetória do fogo percorreu pelo menos outros dois estágios antes de chegar ao primeiro forno: as queimas em buraco e as de muro circular. A primeira delas, representada na figura 6, difere em dois aspectos, da queima em fogueira: 1) As peças são recobertas com cacos cerâmicos; 36 2) As peças são acomodadas sobre uma camada de combustível (geralmente folhas secas, pequenos gravetos) disposta em um buraco feito no chão. Figura 6: Desenho esquemático representando um buraco preparado para queima cerâmica. Estas duas variantes de queima representam uma evolução significativa no pensamento, ambas visam aproveitar melhor o calor produzido. Os cacos cerâmicos, por já estarem queimados, dificultam a saída do calor e preservam por mais tempo a temperatura na parte interna da estrutura. O buraco cria uma parede lateral que além de proteger as peças da entrada excessiva de ar frio no interior da estrutura, favorece o acúmulo de calor, assim como os cacos cerâmicos. Ao criar uma estrutura permanente (buraco) para acomodar as peças, os homens primitivos abrem campo para o florescimento de outro grande avanço nos processos de queima: as câmaras de combustão. Tal como o forno de papel pode ser entendido como uma releitura das queimas de fogueira, também as queimas de buraco possuem sua correspondente contemporânea: a queima de tambor (figura 7). Importante salientar, não serem estes tipos de queima aqui caracterizadas como releituras, sobreposições às anteriores, uma vez que tanto as queimas em fogueira, quanto as queimas em buraco, ainda hoje são tomadas como procedimentos para confecção de peças 37 Figura 7: Queima em tambor. cerâmicas, não apenas de comunidades indígenas, quanto de artistas/ceramistas contemporâneos. No caso das queimas em tambor, estas são estruturalmente, um hibridismo entre queima de fogueira e buraco, sendo mais próximas à segunda, pois o tambor cumpre o papel de câmara de combustão e cocção. Neste tipo de queima não é usual a colocação dos cacos cerâmicos sobre as peças, mas nada impede que seja feito desta forma, neste caso seria necessário um tambor não muito profundo, para permitir uma melhor combustão em seu interior. Este é também um tipo de queima bastante versátil. Por ser um objeto facilmente transportável, pode ser adaptado a diferentes ambientes, até mesmo ser abrigado contra ventos, chuvas, sol. Outro estágio prévio ao surgimento dos fornos cerâmicos, muito difundido na pré-história é conhecido como queimas em muro circular. Seu formato se assemelha muito a um forno, no entanto seu funcionamento pouco difere da queima de buraco. A estrutura é composta por um muro circular, feito de argila e pedras, ou mesmo apenas com argila, as peças são acomodadas sobrepondo-se a camadas de combustível (lenha, folhas secas, palha, esterco seco). Posteriormente a esta montagem, uma camada de argila, terra e grama/palha seca, é adicionada sobre as peças, formando uma cúpula com algumas aberturas para exaustão dos gases liberados na queima. A inovação de introduzir o fogo pela parte de baixo das peças, “abriu caminho para todos os refinamentos seguintes no processo de cocção” (RHODES, 1999, p.22). 38 O Muro circular proporciona aberturas, de tal maneira que o fogo possa ser alimentado por baixo das peças e o calor sobe através da carga. Assim se introduz a ideia de circulação do calor; ao invés de se basear na transmissão do calor pela radiação das brasas ardentes para a cerâmica, as peças são esquentadas pelo fluxo de gases quentes ao seu redor. A introdução de fogo desta maneira unifica a temperatura e utiliza o combustível de forma mais eficaz 10 . (RHODES, 1999, p.22) (Tradução do autor) Figura 8: Esquema de queima em muro circular Durante aproximadamente 20.000 anos a produção ceramista da humanidade ficou restrita a estas três tecnologias: queima em fogueira, buraco e muro circular, sendo elas adaptadas de acordo com a realidade das diferentes comunidades espalhadas pelo mundo, por exemplo: ao passo que certas comunidades desenvolveram seus trabalhos a partir de fogueiras alimentadas apenas com lenha, outras utilizavam fezes secas de animais. Esteticamente cada um destes tipos de solução produz resultados distintos, mas o princípio operacional da queima, enquanto fogueira é o mesmo em todas elas. Da mesma forma, se um muro circular é 10 . El muro circular proporciona aberturas, de tal manera que el fuego puede aplicarse en el fondo y el calor sube a través dela carga. Así se introdujo la circulación; en lugar de basarse sobre la transmisión del calor por radiación desde las brasas ardientes a la cerámica, las piezas se calientan por el flujo de gases calientes a su al redor. La introducción de fuego de esta manera unifica la temperatura y utiliza El combustible de manera más eficaz. 39 construído apenas com argila e areia, em nada diferirá na essência da queima para um muro construído com pedras e argila. A separação dos espaços internos destas estruturas, em câmaras específicas para combustão e cocção se deu por volta do ano 4.000 a.C no Egito, Mesopotâmia e China. Para tanto criou-se uma grelha vazada (feita a princípio, de solo batido, ou com placas de cerâmica) entre o espaço de acomodação das peças e o local onde o combustível era queimado, permitindo o acúmulo contínuo de calor no forno e com isso o alcance de temperaturas mais elevadas capazes de conferir maior resistência mecânica às peças. “Os fornos ainda em operação no Iraque, norte da África, e Creta são, sem dúvida, muito semelhantes aos desenvolvidos no antigo Egito e na Mesopotâmia, os primeiros verdadeiros fornos de cerâmica” (RHODES, 1999, p.25). Também na América este é um equipamento recorrente na produção ceramista de diversos povos, tendo sido introduzido por todo o continente, a partir do século XVI, pela ação dos invasores europeus. Sua facilidade de construção, operação e qualidade de queima contribuíram para sua disseminação também para outros continentes. Para se ter uma ideia de sua potência tecnológica, basta dizer que o forno de crivo (ou forno de barranco), como ficou conhecido popularmente, é ainda hoje (mais de 6000 anos após sua invenção), no Brasil, o tipo de forno mais usado pela maioria das comunidades ceramistas tradicionais. Figura 9: Ruína de forno cerâmico encontrado na Palestina, com data estipulada por volta do ano 2.900 a.C. Nota-se nitidamente o pilar de sustentação e a grelha perfurada para passagem do fogo. 40 Figura 10: Indicação geográfica da região da Mesopotâmia e desenho esquemático daquele que é considerado o primeiro modelo de forno cerâmico. A adaptabilidade do objeto cerâmico parece lhe ser algo inerente, sendo possível percebê-la até mesmo em relação aos fornos, como o de crivo, resultado de um processo de transformação das técnicas de queimas cerâmicas cuja base foram as queimas em fogueira. Sendo ele reinterpretado por outras culturas em diferentes momentos da história deu origem a outros tipos de fornos. Ainda na antiguidade, por exemplo, os romanos faziam suas queimas em um forno híbrido entre as queimas realizadas em muro circular e forno de crivo. O equipamento era construído utilizando a lógica da divisão entre câmaras de cocção e câmara de combustão (fornalha), separadas por grelhas de cerâmica. As paredes do forno propriamente dito eram erguidas com uma mistura de matéria orgânica e argila e reconstruídas a cada queima. Como elemento novo, este forno apresenta como alternativa de exaustão de gases, apenas um orifício na parte superior da cúpula de isolamento. Este artifício favorece o acúmulo de calor, pois direciona todos os gases da combustão para uma mesma saída. 41 Figura 11: Desenho esquemático de forno romano corte com vista superior e lateral. É provável que a coexistência entre diferentes tipos de fornos e técnicas de queimas em cerâmica não tenha sido sempre harmoniosa (devido ao fato de que principalmente na cerâmica artística praticada em ateliê e também nas comunidades tribais, sua produção envolve afetos e situações relacionais já entendidos e assumidos como parte integrante do processo de identificação cultural de tais peças, grupos, ou artistas), porém mostra-se, ao longo da história, tolerante o bastante para garantir, excetuando-se em casos de extermínio cultural, a existência de todos. A história demonstra que o desenvolvimento de novos modelos de fornos permitiu aos ceramistas um maior controle sobre a rampa de aquecimento das peças e consequentemente o alcance de temperaturas mais elevadas que por sua vez abriram campo para uma infinidade de possibilidades expressivas, principalmente por permitirem o uso de vidrados, no entanto, tais avanços, por mais importantes que possam “ter sido/sejam“, não representam evoluções capazes de atribuir classificações qualitativas diferenciadas que estabeleçam maior relevância à cerâmica X em relação à Y, apenas pelo tipo de queima a que foram submetidas. 42 Figura 12: Estimativa de aquecimento para queimas de diferentes tipos Enquanto o desenvolvimento dos processos de queima cerâmica entre o Oeste da Ásia e toda a porção ocidental do planeta ficou por muitos séculos atrelado aos referenciais até aqui apresentados, no extremo Oriente, onde atualmente estão situados os países: China, Coréia do Norte, Coréia do Sul e Japão, um novo caminho passava a ser trilhado: o caminho da Alta Temperatura, ali há mais de 10.000 a.C já praticavam o desenvolvimento de técnicas de queima cerâmica capazes de garantir queimas com temperaturas na casa dos 1150°C. A princípio o grande diferencial destas queimas era a maneira como construíam o forno, escavado em um barranco, de forma ascendente (Fig. 13). Fora isso, sua estrutura seguia o mesmo princípio do forno de crivo, criado na mesopotâmia, ou seja: a divisão dos espaços de queima em câmaras. 43 Figura13: Dois tipos de fornos desenvolvidos na China ainda no período neolítico (de 5000 a.C a 2000 a.C) Com este tipo de equipamento foi possível alcançar temperaturas na casa dos 1150ºC. Contribuía para isso, o fato do forno possuir uma grande câmara de combustão, desta forma, com mais lenha queimando produzia-se mais calor. Percebendo que a sucessão de queimas tornava as paredes do forno mais secas e “duras” (o que favorecia a refratabilidade e consequentemente a otimização do aproveitamento do calor das queimas), na China os ceramistas ousaram trazer as peças, a serem queimadas, para dentro da grande câmara de combustão, dando origem à forma primitiva do modelo de forno que posteriormente foi denominado Anagama, sendo este o primeiro equipamento criado pelo homem, capaz de atingir temperaturas superiores a 1200ºC. 44 Figura 14: Forno de barranco desenvolvido na China e amplamente difundido no Japão. É provável também, que tenha ocorrido primeiramente na China, por volta do século IX a.C o surgimento de um outro grande avanço em relação ao desenho dos fornos cerâmicos: o forno com tiragem cruzada. Projeto simples e eficiente se diferenciava dos fornos até então conhecidos, por:  Colocar os orifícios de escape de gases na base das paredes traseiras dos fornos, fazendo a velocidade das chamas ser retardada. Isto permitiu que mais calor fosse transferido para as peças gerando maior economia de Combustível.  A tiragem da chaminé forçava as chamas a seguir para baixo, contrariando a natural tendência ascendente do calor e contribuindo com a elevação da temperatura no interior da câmara.  Possuir um piso sólido, capaz de suportar cargas mais pesadas que o pavimento perfurado acima da fornalha, até então utilizados nos fornos escavados em barrancos. 45  Segundo Keer e Wood (2005, p.306) este forno apresenta “uma das primeiras grelhas verdadeiras descritas para uma fornalha de um forno chinês. Presumivelmente nos fornos a lenha anteriores o combustível era queimado direto no chão da fornalha.” 11 Figura 15: Desenho esquemático de forno de tiragem cruzada utilizado na China desde o século IX a.C. Mesmo que, a princípio, a temperatura de operação destes fornos girasse em torno dos 1150°C, o pensamento técnico ali empregado incitou a criação de uma série de outros modelos de fornos para queimas cerâmicas em Alta Temperatura, como por exemplo, os fornos Man-Thou ainda na China dinástica, o forno Noborigama e o forno de arco Catenário, (este último utilizado atualmente no curso de Artes Aplicadas da UFSJ). 11 . This is one of the first true grates described for a firebox of a Chinese kiln. Presumably in the earlier wood- burning kilns the fuel was simply burned direct on the firebox floor. 46 Figura 16: Representações de três modelos de fornos com tiragem cruzada. A= forno Man-thou, B= forno Noborigma, C= forno Catenário. O exemplo mais importante deste estilo é um forno encontrado em Lo-yang na província de Honan, construído acima do solo com paredes de taipa12. Ele possuía uma câmara relativamente pequena (cerca de 1,3 metros quadrados), mas com um arranjo radical de fornalha, câmara de combustão e saída de gases no mesmo plano horizontal, com o conduto de saída quadrado no nível do piso, no centro da parede traseira do forno. Esse arranjo mostrou-se uma melhoria no projecto de tiragem superior. A velocidade da chama mais lenta, induzida pelo deslocamento horizontal forçado da chama, permitiu que mais calor fosse transferido para as peças, economizando assim combustível. 13 (KERR & WOOD, 2004. p. 302, tradução nossa.) 12 . A taipa é uma técnica de construção na qual se utiliza barro como matéria prima principal para se erguer paredes. Existem duas formas de taipa: a taipa de mão, tem por características ser feita com uma massa mais pastosa que é lançada contra uma estrutura vertical de bambus trançados; a taipa de pilão, o barro é compactado horizontalmente, com o auxílio de formas (taipas) e pilões. 13 . The most important example of this style is a kiln found at Lo-yang in Honan province, built above ground with rammed earth walls. This has a relatively small firing-chamber (about 1.3 metres square) but has the radical arrangement of firebox, chamber and exit flue on the same horizontal plane, with the square exit flue at floor- level in the centre of the kiln's back wall. This arrangement would have been an improvement on the standard https://pt.wikipedia.org/wiki/Argila https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Pil%C3%A3o 47 A partir de então, o desenvolvimento das queimas em Alta Temperatura torna-se um caminho que irá identificar, até os dias atuais, boa parte do legado ceramista dos povos orientais. Com o passar dos anos, o desenho do forno de barranco também evoluiu para uma forma mais aprimorada em termos de funcionalidade de queimas e escala. Apesar de ainda ser escavado no barranco, sua parte superior, em arco, passa a ser confeccionada com tijolos feitos com a própria matéria prima escavada. Isso permite a construção de orifícios de alimentação do fogo não apenas na parte frontal do forno, mas também na parte superior, possibilitando uma melhor distribuição do calor ao longo de toda a câmara de cocção e consequentemente a criação de câmaras maiores 14 . Tão grandes que tal equipamento passa a ser conhecido como: forno Dragão, este por sua vez foi utilizado como principal instrumento de queimas de peças em Alta Temperatura na China e Coréia, até o início do século XIV, período em que surgem os fornos com câmaras simultâneas, que posteriormente ficariam conhecidos como fornos Noborigama. Figura 17: Típico forno dragão do Sul da China. up-draught design. The slower flame-speed, induced by the flame's forced horizontal travel, would have allowed more energy to be transferred to the ware, thus economizing on fuel. . 14 . Há registros de fornos construídos na China que possuíam cerca de 57 metros de comprimento, por quase 3 metros de largura. 48 Por mais que as alterações no desenho do forno Anagama primitivo tenham potencializado a produção da cerâmica de Alta Temperatura, nos fornos tipo Dragão uniformizar a temperatura dentro de uma câmara tão extensa, mesmo com o auxílio de orifícios de alimentação superior, continuava a ser tarefa árdua. Para solucionar tal barreira, no início do século XIV, ceramistas da região de Te-hua (China) promoveram uma nova transformação no desenho do forno Dragão: por meio de paredes divisórias, fracionaram a grande câmara de cocção em diversas subcâmaras menores, interligadas por orifícios em suas bases, além de criarem uma área específica dentro de cada uma destas novas câmaras para queima da lenha. Desta forma, cada câmara poderia ser queimada individualmente, bastando respeitar um sequenciamento básico da primeira ser a mais próxima à fornalha. Figura 18: Distribuição dos fornos tipo dragão no sul da China e Coréia, nos últimos dois mil anos. Destaque em vermelho para a região de Te-hua, onde primeiro se experimentou a divisão da grande câmara de cocção do forno dragão, em câmaras menores. 49 O design avançado do forno forçou o fluxo dos gases para baixo, contra a gravidade, aumentando seu caminho através do forno. Isto teve o efeito de retardar ainda mais a velocidade da chama e como consequência, gerou ganhos de eficiência energética. Ao colocar cada conjunto de saída de calor no nível do chão, os construtores do forno tinham assegurado que as chamas atingiram o chão de cada câmara, antes de entrar na próxima. Isto proporcionou uma distribuição muito mais uniforme da temperatura dentro das câmaras separadas, que o antigo arranjo túnel inclinado (...). Parece provável que tais melhorias foram feitas tanto para melhorar a uniformidade de disparo quanto para permitir um maior controle das regiões individuais no forno. 15 (KERR & WOOD, 2005, p. 358, tradução nossa). Figura 19: Desenho do forno Noborigama primitivo: A= orifícios de passagem de calor da câmara da fornalha para a câmara adjacente; B= câmara de cocção; C = área de alimentação lateral; D= porta; E = orifício de observação (espia). 15 . The advanced design of the Chhü-tou-kung kiln forced the kiln gases to travel downwards against gravity for a large part of their journey through the kiln.This had the effect of further slowing the flame-speed, with consequent gains in firing efficiency. By placing each set of exit flues at ground level the kiln-builders ensured that the flames reached the floor of each chamber, before entering the next. This provided far more even temperature distribution, within the separate chambers, than the old sloping tunnel arrangement; (...) it seems likely that the overall kiln improvements were made both to improve evenness of firing and to allow close control of individual regions in the kiln.p.358. 50 Ao longo do tempo, o processo de transformação dos fornos cerâmicos identificou regiões, comunidades e estilos, proporcionando a criação de inúmeras variações de forma, tamanho, materiais estruturais, e impressionantemente (ao contrário de tantas outras ditas evoluções tecnológicas, que se apoiaram na ideia de obsolescência de seus predecessores, para ratificarem sua importância), o universo cerâmico, consegue até hoje conviver com tais diferenças de modo muito saudável. De forma alguma o encanto pela Alta Temperatura se pauta no desmerecimento às queimas de Baixa Temperatura, ou vice versa. Uma segunda alteração ao projeto original do forno dragão envolveu o alargamento das câmaras separadas, mantendo a sua profundidade. Fazendo diminuir o número destas câmaras alargadas a cerca de sete, tornou-se possível a produção de fornos mais compactos, mas com capacidades comparáveis para os modelos mais longos. Em alguns casos, estas câmaras de largura maior podem medir oito metros de diâmetro interno. Isso tornou a alimentação lateral do forno mais difícil, como a madeira tinha de ser jogada uniformemente no estreito espaço à esquerda da parte frontal de cada uma das câmaras para o combustível a queimar. Muitos fornos Noborigama tradicionais japoneses parecem descendentes diretos deste projeto, tanto que muitos destes fornos japoneses, construídos com aberturas de ambos os lados das câmaras, precisam ser alimentados simultaneamente. 16 (KERR & WOOD, 2005. p.361) (Tradução do autor). O pioneirismo dos povos orientais no aprimoramento de fornos e o domínio dos humores do fogo, consolidou tradições em torno dos processos de transformação do barro em pedra, da cinza em vidro, e criou um legado cultural imensurável, ainda hoje influente em culturas ceramistas espalhadas por todo o planeta No Brasil, muito do que se produz atualmente em termos de cerâmica queimada em Alta Temperatura é fruto de tais influências. Por aqui, nas últimas quatro décadas, o notório surgimento de dezenas de novos fornos e ateliês vem estruturando uma significativa rede cultural produtora, pesquisadora e consumidora deste tipo de cerâmica, fato este que contribuirá com o desenvolvimento de um braço da cultura ceramista nacional, tão relevante quanto os que já se fazem representados pelo vasto legado das comunidades tradicionais. 16 . A second change to the original design involved widening the separate chambers, while retaining their depth. By decreasing the numbers of these enlarged chambers to about seven it became possible to produce more compact kilns, but with capacities comparable to the longer designs. In some cases these wide chambers could measure eight metres across internally, which made side-stoking a more difficult process as the wood had to be thrown evenly into the narrow space left at the front of each chamber for the fuel to burn. Many traditional Japanese Noborigama kilns seem direct descendants of this design, and the Japanese kilns were often stoked from both sides of the wide chambers simultaneously. 51 CAPÍTULO II: A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE FORNOS ALTERNATIVOS COM MATERIAIS DE BAIXO CUSTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA CULTURA CERAMISTA DE ALTA TEMPERATURA NA MICRORREGIÃO DE SÃO JOÃO DEL REI – MG. Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano para a América Latina e Caribe, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, no mês de junho do ano de 2016, no Brasil 111 milhões de pessoas, 54,9% da população, vivem em situação de vulnerabilidade sócio econômica, o que em termos financeiros se traduz em uma renda per capita/dia inferior a U$ 10,00, ou R$ 32,6 (em conversão da moeda Norte Americana, para Reais no início do mês de Julho/2016). Tabela 01: Renda per capita de populações em situação de vulnerabilidade econômica População, em milhões de habitantes Situação Renda per capita/dia 71,7 Vulnerabilidade De 4 a 10 dólares/dia De 13,04 a 32,6 reais/dia 21,21 Pobreza moderada De 2,5 a 4 dólares/dia De 8,15 a 13,04 reais/dia