ROGERIO GOMES A formação técnica e agroecologia no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: o curso pós-médio em “Cooperativismo e Agroecologia” no estado de São Paulo SÃO PAULO 2019 ROGERIO GOMES A formação técnica e agroecologia no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: o curso pós-médio em “Cooperativismo e Agroecologia” no estado de São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de Mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Território, Educação e Cultura”. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Noêmia Ramos Vieira SÃO PAULO 2019 ROGERIO GOMES A formação técnica e agroecologia no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: o curso pós-médio em “Cooperativismo e Agroecologia” no estado de São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de Mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Território, Educação e Cultura”. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Noêmia Ramos Vieira BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Dra. Noêmia Ramos vieira (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP) ______________________________________________ Prof. Dra. Silvia Aparecida de Sousa Fernandes (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP) ______________________________________________ Prof. Dra. Andrea Coelho Lastoria (Universidade de São Paulo – USP) São Paulo, 29 de março de 2019 AGRADECIMENTOS Agradeço o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) para a realização desse trabalho. Esse apoio foi de extrema importância para a minha permanência no programa e para pesquisa durante o primeiro ano de mestrado. Agradeço a atribuição da bolsa de mestrado no segundo ano junto ao projeto “Centro de ciência, tecnologia e inovação para soberania e segurança alimentar e nutricional” (INTERSSAN). A oportunidade de participar desse projeto de pesquisa, contribuiu para expandir conhecimentos a respeito da produção alimento saudável e na realização desta pesquisa de mestrado no Assentamento Rural Rosa Luxemburgo-Agudos, SP. Meus sinceros agradecimentos a toda equipe INTERSSAN. Agradeço ao Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST) pelo exemplo de vida, pelos seus ensinamentos, pelas oportunidades, pela dedicação e o esforço para que se tenha uma educação mais justa e igual, formando novos sujeitos em todo país dentro e fora das escolas que vai desde o ensino infantil até a pós- graduação. A minha mãe e a meu pai pelo amor, carinho, educação e a força que me deram e ainda estão me dando na caminhada de formação pessoal e acadêmica. Agradeço a minha companheira Lisbet Julca, que esteve sempre ao meu lado, me encorajando a seguir firme e forte na luta, me dando muita força e apoio em todos os momentos de construção desse trabalho. A Melissa Julca que sempre quando precisei meu deu uma força e contribuição na elaboração de mapas. A orientadora Noêmia Ramos Vieira pela paciência, compreensão e orientações no processo de construção desse trabalho. A todos e todas da Coordenação Política Pedagógica do curso técnico em Cooperativismo e Agroecologia que me deram a oportunidade de participar da última etapa e acompanhar como orientador de alguns educandos e a participação de banca, com certeza foi um grande aprendizado. Aos companheiros e companheiras que se formaram no curso técnico e especialmente aos que disponibilizaram seu tempo para e forneceram as entrevistas: Taline Alves dos Santos, Renato Nunes de Menezes, Henrique Lima de Oliveira, Fabiana Barbosa Alves de Anhaia, Alan Cristian Francisco Sales, para eles meus sinceros agradecimentos por disponibilizar suas contribuições e tempo. Agradeço a Escola Nacional Florestan Fernandes por nos receber por duas etapas de andamento das aulas de mestrado e posteriormente para a pré- qualificação de nossos trabalhos, estar presentes no espaço da escola nos proporcionou um aprendizado a mais, pois nos fortalece enquanto classe trabalhadora e enfatiza a luta por uma melhor sociedade. Aos companheiros e companheiras da Turma TEKOHA, aprendi muito vocês neste período de mestrado. Valeu! RESUMO Esta pesquisa apresenta as contribuições dos cursos técnicos com abordagem em agroecologia para os territórios de reforma agrária, e promovidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no estado de São Paulo. Apontamos como experiência de análise no curso técnico em “Cooperativismo e Agroecologia” ocorrido entre 2015 e 2017, na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo, localizada no Assentamento Rosa Luxemburgo no município de Agudos-SP. No primeiro capítulo trazemos reflexões teóricas próximas do conceito de educação e da formação técnica, a relação de teoria e a prática nos processos de luta por educação libertadora, e de processo histórico no continente latino-americano com protagonismo dos movimentos sociais. Em seguida trazemos o termo de agroecologia para além de uma prática de produção de alimento, como bandeira de luta em todas as dimensões da vida entre campo e cidade, e especificamente no contexto do estado de São Paulo. Para o terceiro capítulo, destacamos as caraterísticas de lugar e dimensões pedagógicas do Curso técnico em Cooperativismo e Agroecologia e as percepções dos que fizeram o curso a respeito do curso, agroecologia e assentamentos rurais. Como processo metodológico, temos feito revisão bibliografia e levantamento de documentos acerca do curso técnico, realizado entrevistas semiestruturadas aos que se formaram do curso. Contudo, a sistematização das informações levantadas foi no sentido de identificar as perspectivas sobre o curso técnico e os territórios de reforma agrária. Palavras-chave: Educação e formação técnica. Curso técnico em agroecologia. Territórios de reforma agrária. Estado de São Paulo. MST. Geografia. ABSTRACT This research presents the contributions of the technical courses with approach in agroecology for the territories of agrarian reform, and promoted by the Movement of Landless Rural Workers (MST) in the state of Sao Paulo. We point out as an analysis experience the technical course in "Cooperativism and Agroecology" carried out between 2015 and 2017, in the State School of Popular Education Rosa Luxemburg, located in the Rosa Luxemburg Settlement in the municipality of Agudos-SP. In the first chapter we bring theoretical reflections on the concept of education and technical training, the relation of theory and practice in the processes of struggle for liberating education, and the historical process in the Latin American continent with protagonism of social movements. Then we bring the term agroecology as well as a practice of food production, as a banner of struggle in all dimensions of life between the countryside and the city, and specifically in the context of the state of Sao Paulo. For the third chapter, we highlight the spatial characteristics and pedagogical dimensions of the Technical Course in Cooperativism and Agroecology and the perceptions of those who graduated about the course, agroecology and rural settlements. As a methodological process, we have made a bibliographical review and documents about the technical course, conducted semi-structured interviews to those who formed the course. The systematization of the information raised was in the sense of identifying the perspectives on the technical course and the territories of agrarian reform. Keywords: Education and technical training. Technical course in agroecology. Territories of agrarian reform. State of Sao Paulo. MST. Geography. RESUMEN Esta investigación presenta las contribuciones de los cursos técnicos con abordaje en agroecología para los territorios de reforma agraria, y promovidos por el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) en el estado de San Pablo. Señalamos como experiencia de análisis el curso técnico en “Cooperativismo y Agroecología” realizado entre 2015 y 2017, en la Escuela Estadual de Educación Popular Rosa Luxemburgo, localizada en el Asentamiento Rosa Luxemburgo en el municipio de Agudos-SP. En el primer capítulo traemos reflexiones teóricas sobre el concepto de educación y formación técnica, la relación de teoría y práctica en los procesos de lucha por educación libertadora, y de proceso histórico en el continente latinoamericano con protagonismo de los movimientos sociales. En seguida traemos el término de agroecología además de una práctica de producción de alimento, como bandera de lucha en todas las dimensiones de la vida entre campo y ciudad, y específicamente en el contexto del estado de San Pablo. Para el tercer capítulo, destacamos las características espaciales y dimensiones pedagógicas del Curso técnico en Cooperativismo y Agroecología y las percepciones de los que se graduaron acerca del curso, agroecología y asentamientos rurales. Como proceso metodológico, hemos hecho revisión bibliográfica y levantamiento de documentos acerca del curso técnico, realizado entrevistas semiestructuradas a los que se formaron del curso. La sistematización de las informaciones levantadas fue en el sentido de identificar las perspectivas sobre el curso técnico y los territorios de reforma agraria. Palabras clave: Educación y formación técnica. Curso técnico en agroecología. Territorios de reforma agraria. Estado de San Paulo. MST. Geografía LISTA DE ILUSTRAÇÕES Mapa 1 - Localização das regionais MST onde foram desenvolvidos os cursos técnicos com abordagem em agroecologia no estado de São Paulo. ....................... 66 Mapa 2 - Localização da Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo- Sp. ............................................................................................................................. 75 Foto 1 - Área de alojamento da Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ............................................................................................................. 76 Foto 2 – Prédio atribuído para o funcionamento da Escola Municipal de Agudos. ... 77 Foto 3 - Prédio da Secretaria da Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ............................................................................................................. 77 Foto 4 - Prédio utilizado como sala de aula na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ....................................................................................... 78 Foto 5 - Sala de aula e plenária Maria Cícera. ......................................................... 78 Foto 6 - Horta Mandala na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ............................................................................................................. 79 Foto 7- SAF na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ............ 79 Esquema 1- Síntese dos tempos no Curso Técnico pós-médio na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. ................................................................. 83 Esquema 2 - Tempos e dimensões de atuação na Escola. ...................................... 86 Foto 8 - Formatura da turma "Ana Primavesi" no Curso Técnico em Cooperativismo e Agroecologia. ......................................................................................................... 87 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Número de cursos e número de organizações demandantes por superintendência (1998-2011). .................................................................................. 46 Tabela 2 - Cursos nas categorias de Ensino Médio e Ensino Superior, educandos matriculados e concluintes por superintendência do Incra (1998-2011). .................. 48 Tabela 3 - Matriculados e concluintes nos cursos nas modalidades de formação técnica. ...................................................................................................................... 49 Tabela 4 - Diferenças entre sistema de agronegócio e sistema agroecológico. ....... 57 Tabela 5 - Indicadores do panorama no agronegócio no estado de São Paulo....... 62 Tabela 6 - Regionais e total de área destinada à assentamentos. ........................... 62 Tabela 7 - Lista dos principais parceiros em cursos promovidos pelo PRONERA. .. 64 Tabela 8 - Cursos técnicos com abordagem agroecológica no estado São Paulo. .. 66 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MST Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra PNERA Pesquisa Nacional sobre a Educação na Reforma Agrária PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária UNESP Universidade Estadual Paulista SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12 2 EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO TÉCNICA ........................................................... 16 2.1 A educação humanizadora e a relação educação-trabalho .............................. 17 2.2 Educação como perspectiva libertadora no cenário latino-americano .............. 24 2.3 Educação libertadora e educação popular ........................................................ 27 2.4 A educação e formação técnica nos movimentos sociais ................................. 32 2.4.1 O caráter educativo e a formação técnica no MST ........................................... 37 2.4.2 A Pedagogia da alternância e a relação educação-trabalho ............................. 40 2.4.3 Os Cursos de formação técnica do MST .......................................................... 44 3 AGROECOLOGIA COMO BANDEIRA DE LUTA ............................................ 51 3.1 Agroecologia como prática pedagógica contrapondo o agronegócio ................ 53 3.2 Contexto do campo no estado de São Paulo .................................................... 61 3.3 Os cursos técnicos com abordagem agroecológica no estado de São Paulo .. 64 4 O CURSO PÓS-MÉDIO EM COOPERATIVISMO E AGROECOLOGIA: DA PEDAGOGIA NA ESCOLA À FORMAÇÃO EM AGROECOLOGICA ............. 70 4.1 O Curso Pós-médio em Cooperativismo e Agroecologia na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo .............................................................. 71 4.1.1 Localização e constituição da Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo ...................................................................................................... 73 4.1.2 As dimensões pedagógicas no curso Cooperativismo e Agroecologia ............. 80 4.2 Percepções sobre o Curso ............................................................................... 87 4.3 A formação em agroecologia ............................................................................ 94 4.4 Cooperativismo e Agroecologia para os assentamentos rurais ........................ 99 5 CONCLUSÕES ............................................................................................... 104 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 109 12 1 INTRODUÇÃO A partir do amplo debate sobre o modelo de agricultura e o uso crescente de agrotóxicos para a produção de alimentos, e considerando as alternativas de produção agroecológicas e a busca por autonomia de produção de alimentos saudáveis a agroecologia também é abordada como bandeira de luta. Nesse sentido este trabalho traz presente a relevância dos cursos técnicos com abordagem em agroecologia através dos quais a territorialização camponesa que vem se reforçando e que busca articular a educação e trabalho nos territórios de reforma agrária, como também a efetivação de processo da transformação social. Sendo assim, o objetivo principal dessa pesquisa consiste em compreender o processo de territorialização do curso técnico em Cooperativismo e Agroecologia na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo e nos assentamentos rurais no estado de São Paulo. O curso que trata esta pesquisa foi de nível pós-médio oferecido pela UNESP, campus de Marília que teve como parceiros o MST, INCRA, CNPQ, Secretaria Nacional da Juventude, e financiado pelo PRONERA. A maioria das aulas ocorreram na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo que está localizada no assentamento de reforma agrária Rosa Luxemburgo pertencente ao município de Agudos no estado de São Paulo, e atenderam educandos de diversas regiões do estado de São Paulo. Para alcançar o objetivo traçado, como refere Demo (1985), é preciso cuidar os procedimentos, as ferramentas e as formas de tratar uma determinada realidade teórica e prática, por isso, se trata de construir um caminho. Nessa perspectiva percorremos a uma revisão bibliográfica, materiais pedagógicos e documentos que tratem sobre educação e formação técnica, agroecologia, e territórios de reforma agrária. Assim como o planejamento adequado para realização da pesquisa empírica para a produção e interpretações das informações. A pesquisa estabeleceu-se em três etapas: A primeira, aprofundar os conceitos de educação e agroecologia, e a buscar informações e dados em fontes documentais sobre os cursos técnicos voltados a produção agrícola promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do estado de São Paulo. Segundo, planejar e realizar o trabalho de campo, em que através de entrevistas 13 semiestruturadas aplicadas aos educandos que participaram do curso técnico do curso “Cooperativismo e Agroecologia”, realizado entre 2015 e 2017 na Escola Estadual de Educação Popular Rosa Luxemburgo. Isto, foi a formulação das perguntas a serem realizadas junto com professora orientadora. E mediante a aplicação das entrevistas semiestruturadas se pretende inserir perspectivas práticas (LAKATOS; MARCONI, 1991). Numa terceira etapa, a análise e interpretação das informações obtidas no trabalho de campo em direta relação com o marco teórico desta pesquisa. Ao mesmo tempo, mapear de maneira organizada as percepções dos entrevistados através da sua experiência no curso, na sua experiência formativa e nas expectativas de implantação da agroecologia nos assentamentos. As etapas de pesquisa se refletem ao longo dos capítulos deste trabalho. No primeiro capítulo, fazemos uma aproximação a educação na contribuição da formação técnica. A partir dos autores e autoras que debatem o assunto de educação e formação técnica desde início do século passado, e no contexto de revoluções. Também as contribuições de autores latinos americanos na continuidade do processo educacional e de formação popular, e são trazidas para o destaque de marco teórico no cenário latino-americano e logo com a especificidade no MST. Alguns dos autores e autoras destacados nesse capítulo são Pistrak, Krupskaya, Makarenko, Lenin, que trazem a educação no contexto da revolução Russa a partir e a relação educação-trabalho. Vinculando a escola que se quer, e que inspira aos movimentos sociais na forma que conduziam os processos pedagógicos, e que na sua experiência histórica socialista durante início do século passado, enfatizou a formação humana em todos os seus aspectos combinando o estudo e o trabalho, uma relação teórico-prática nos fazeres cotidianos, dentro da escola e fora dela, desenvolvendo atividades culturais, sociais, esportivas, intelectuais, entre outras. Desse modo, a teoria e a prática, se fortalecem e se complementam. Ponce e Wanschelbaum, tratam da educação no contexto latino-americano em sua forma crítica a uma educação voltada aos interesses de uma classe baseada no capitalismo, e Paulo Freire que traz formas para se trabalhar uma educação diferenciada, que são importantes reflexões para a compreensão dos debates entorno a liberdade e igualdade. Neste capítulo, também apontaremos o papel da escola e da educação no processo de formação e as concepções do MST na relação 14 educação-trabalho. No capítulo dois trazemos a agroecologia como bandeira de luta e adotada pelas organizações sociais do campo, como aproximação a respeito dos termos de agroecologia, educação e a produção de alimentos contornando o desafio de compreende-la no seu sentido mais amplo de relação sociedade-natureza. Tratar a agroecologia no seu sentido amplo é estar contemplando temas como educação e formação técnica, trabalho camponês, produção de alimentos e o escoamento da produção até a cidade, a geração de renda das famílias do campo, segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar, e ao tratar esses temas é perpassar qualidade de vida, tanto no campo quanto nas cidades. Ainda nesse segundo capítulo trazemos os autores que tratam o tema da agroecologia, como Altieri, Gliessman, Caporal, Costabeber, Sevilla Gúzman, Ana Maria Primavesi a partir dos princípios ecológicos e na promoção de um meio ambiente equilibrado. Outros autores como Machado e Filho, Balestro e Sauer trazem a agroecologia contrapondo o agronegócio. Nesse sentido, a agroecologia é tratada nos pontos subsequentes como uma proposição política que está integrada em todos os âmbitos da vida nos assentamentos rurais. Neste capítulo, aproximamos o processo formativo com a agroecologia. No terceiro capítulo, apresentamos a localização estratégica da Escola Estadual de Educação Popular onde aconteceram as aulas do curso pós-médio em Cooperativismo e Agroecologia. Destacando o papel da escola como fundamental nas áreas de assentamento como espaço onde ocorrem e se constroem processos pedagógicos que envolvem os espaços físicos da escola e a sua ressignificação para as práticas de cuidado com a natureza, a saúde, e demais dimensões da vida social. A escola no seu sentido simbólico atendendo a realidade em que se vive e espaço referencial das trocas de experiências e no compartilhar conhecimentos, o desenvolvimento de valores humanos que buscam reforçar a cooperação, a coletividade e as experiências científicas e tecnológicas que são direcionadas a realidade dos camponeses. A pedagogia inserida na escola trabalha vários elementos que são retratados no primeiro capítulo quando se refere a pedagogia socialista, uma pedagogia diferenciada que apesar dos limites e dificuldades para criar formas e relações no que se refere ao modelo educacional, busca dialogar com o trabalho a partir da 15 cooperação, a autogestão dos educandos e a junção da teoria e prática relacionado o estudo e o trabalho em alternância na escola e na comunidade. As dimensões pedagógicas tratadas no curso mostram a forma que se organizam e se integram para o bom andamento do curso, traz uma riqueza a partir dos momentos onde utilizaram os espaços da escola, se integram e se interagem com os espaços, isso reforça que a escola deve ser um espaço de formação humana, e as dimensões pedagógicas é o que rege o cerne do conhecimento e a projeção de futuro desses novos técnicos. Ainda nesse capítulo trazemos as entrevistas aplicadas a cinco ex-educandos que se formaram no curso em Cooperativismo e agroecologia. A entrevista se voltou a compreender a três eixos principais que seria “percepção sobre o curso”, “a relevância da formação em agroecologia” e “a formação em cooperativismo e agroecologia para os assentamentos rurais”. Algumas questões que nortearam esses eixos foram; o que os educandos e educandas pensam a respeito do curso? Que impulsionou o educando a frequentar o curso? O curso foi importante para aumentar os seus conhecimentos em Agroecologia? O curso te deu elementos para implantar os princípios agroecológicos em sua realidade? Você tem aplicado, em seu lote, os conhecimentos adquiridos no curso? O conhecimento adquirido no curso promoveu mudanças em sua relação com à terra? O capítulo apresenta a importância do curso e da agroecologia para os assentamentos propondo um modelo mais sustentável de produção de alimentos no campo, mas também pensar pedagogicamente na reorganização dos espaços, fortalecendo a organização social e a luta pela reforma agrária, como também a construção de um projeto popular para o país. Nesse sentido, os técnicos têm o papel de pensar as formas de organização coletiva, fortalecer a agroecologia nos territórios como princípios educativos, promover um pensamento crítico e inserir novos valores, nessa perspectiva é necessário projetar pedagogicamente a escola e a agroecologia na reconstrução dos assentamentos. 16 2 EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO TÉCNICA O livro do argentino Ponce sobre Educación y lucha de clases (1975), nos convida a um amplo debate ao respeito da educação. O texto que perpassa o assunto desde uma perspectiva histórica resgata os fundamentos socioeconômicos e políticos da educação. O autor que teve aproximações do processo revolucionário da união soviética questionava o processo educativo como aquele espaço que está dominada pela existência de classes sociais e pela luta de classe. Esta postura do autor constitui a necessidade de analisar as razões históricas com que a educação seja produzida pelas classes, e embora a educação esteja ao serviço do sistema de exploração, nela as contradições se manifestam gerando frestas com alternativas criadas pelos sujeitos coletivos que visam uma transformação social e profunda, e aspiram a libertar o homem da opressão das classes. Neste primeiro capítulo do trabalho tem como objetivo trazer reflexões gerais sobre o termo de educação e os desafios que o contornam na formação técnica, de um modo histórico e contextualizado ao cenário latino-americano para maior aproximação a este assunto no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, especificamente no Estado de São Paulo. É preciso definir que o termo de educação, trazida nesta parte do trabalho, se é a partir das reflexões de Paulo Freire (1987, p. 67), em que a educação “é um ato de amor e de coragem, é não temer o debate e analisar a realidade”. O ato de educar deve propor para as pessoas uma reflexão de si mesmas e que vise a sua libertação como seres humanos em comunhão. Nesse sentido a educação é um processo de transformação social porque tem carga ideológica e política de se pensar como sujeitos e como classe social, e a educação é libertadora quando é voltada a criar consciência de classe na procura de transformar a realidade. Sendo assim, reforçamos na perspectiva do pedagogo argentino Ponce (1975) o conceito de educação como o espaço em constante disputa mediante o qual a classe dominante prepara a mentalidade e conduta dos sujeitos de modo individualizada. O Estado, aparece novamente como o promotor desse conceito de evolução histórica em que a classe trabalhadora conforma a parte dos cargos rotativos e não de decisão, mostra-se como aliado da classe dominante e não a favor das necessidades que a população em sua maioria são trabalhadores em busca da realização plena de seres humanos. 17 Pedirle al Estado que se desprenda de la escuela es como pedirle que se desprenda del ejército, la policía o la justicia. Los ideales pedagógicos no son creaciones artificiales que un pensador descubre en la soledad y que trata de imponer después por creerlos justos. Formulaciones necesarias de las clases que luchan, esos ideales no son capaces de transformar la sociedad sino después que la clase que los inspira ha triunfado y deshecho a las clases rivales. La clase que domina materialmente es la que domina también con su moral, su educación y sus ideas. Ninguna reforma pedagógica fundamental puede imponerse con anterioridad al triunfo de la clase revolucionaria que la reclama, y si alguna vez parece que no es así, es porque la palabra de los teóricos oculta, a sabiendas o no, las exigencias de la clase que representan. (PONCE, 1975, p. 109). Nessa colocação do autor, como disse Coelho (1990, p. 167), “embora muitos digam o contrário, [...], só o socialismo aspira realizar a plenitude do homem”. Por tanto, é de necessidade teórica trazer as reflexões de autores como Makarenko (apud FILONOV, 2010), Pistrak (2013, 2015) e Krupskaya (2017), que tratam do processo educativo na revolução russa no início do século XX, e que Ponce (1975) teve aproximação. Assim, como a necessidade de trazer a relação educação- trabalho como reflexões de materialização do processo revolucionário do século passado pelos autores. As preocupações dos autores mencionados traçam o tipo de escola que se quer, o plano de ensino orientado a relações comunitárias, e a relação de aprendizado mutuo entre educador-educando, entre outros. A tudo isso trazemos o conceito de educação e formação técnica a partir de referências históricas de contexto da revolução soviética. Seguidamente faremos o redirecionamento do tema às reflexões do processo latino-americano, em que no final do século passado manifestou-se um cenário de massificação dos sujeitos coletivos na procura de melhores condições de vida, e entre elas o surgimento de formulações no processo educativo. Os movimentos sociais do continente de acordo as necessidades territoriais e de identidade mostraram a conformação de modelos educativos alternativos. 2.1 A educação humanizadora e a relação educação-trabalho A relação educação-trabalho confronta-se a dualidade funcional, somente “para o exercício das atividades laborais”, ou, além disso “para a compreensão dos processos técnicos, científicos e histórico-sociais” (FRIGOTTO, CIAVATTA, 2012, p. 18 750). Trata-se então de uma relação dupla como processo para a conformação de habilidades humanas no seu sentido produtivo, e para a interiorização do caráter humano. Por isso, o termo educação abrange além de preocupações estritamente técnicas, conforma-se um instrumento ideológico que historicamente tem estado dominado para a exploração do trabalho humano, e não para preparar aos homens e mulheres para a vida prática entendendo as atividades sociais. Nas formulações de Lenin, em “Como iludir o Povo com Slogans de liberdade e igualdade” (1980), realça que o principal problema seria a pouca formação ou analfabetismo da classe operária, assim eles são limitados para o exercício de tarefas de gerenciamento e os mantém como de rotação. Para Lenin, a escola então deveria ser aquele espaço que abre caminhos para suprimir as classes sociais, entendendo a necessidade de inserir a pedagogia na perspectiva epistemológica e também no trabalho. A pedagogia sob um programa educacional próprio e a de reinterpretação própria desse processo revolucionário na Rússia no início do século XX, e que se possa superar as condições objetivas (condições de pobreza e miserável, ingovernabilidade da classe dominante) para condições subjetivas (consciência - identidade, instrumento organizativo). Desse modo, a situação revolucionária que tem a ver com a consciência de classe mais a sua organização e as que constantemente podem reorienta-la. A relação educação-trabalho atua como “o instrumento para preparar o homem do futuro” (PONCE, 1975, p. 104). Em que o desenvolvimento das potencialidades humanas em aspecto material e cultural, proporcionariam a importância do trabalho como princípio educativo e não como negativo. Abrange o entendimento do trabalho como meio de produção e reprodução da vida (FRIGOTTO, CIAVATTA, 2012, p. 749). Assim a experiência socialista durante início do século passado, enfatizou a formação humana em todos seus aspectos combinando o estudo e o trabalho, uma relação teórico-prática nos fazeres cotidianos. Segundo Filonov (2010) no seu texto titulado “Anton Makarenko”, a educação, contêm princípios baseados no socialismo. A coletividade, o companheirismo e a autogestão, seriam princípios que contribuem para que o sujeito venha a fazer parte da construção da sociedade que ele estaria inserido, e no que desempenha de uma determinada função e que possa se desenvolver através da sua prática no processo educativo, e por isto a educação deve ser tratada como processo social. Pois, desse 19 modo ela traz a relação entre a teoria e a prática, e até porquê de acordo com MAKARENKO (1957b, p. 261 apud FILONOV, 2010), “penso que vivemos numa época em que o prático corrige sensivelmente os dados das teorias científicas”. Nesse sentido a experiência, para Makarenko (1957b, p. 14), conforme citado por Filonov (2010), seria a que promove o desenvolvimento e traz resultados satisfatórios ou inaugural para outras procuras. Desse modo, seria o sentido a prática que promove experiências nas quais contribuem nas tomadas de decisões e no fazer das escolhas. Seria a experiência que decorre dos princípios da dedução e ultrapassa de longe os limites dos primeiros elementos da experiência e que guia todo seu desenrolar. Desde a perspectiva de Makarenko, segundo Filonov (2010), a coletividade seria um outro princípio base do processo da formação dos sujeitos, em que se compreende atividades de representação popular com base organizacional. Isso significa que o princípio de coletividade não seria apenas um instrumento de educação, mas também uma forma de organizar os sujeitos a se respeitarem, a se conhecerem, a trabalhar em grupos, ter uma autogestão, o companheirismo deve estar presente, uns ajudando os outros, ajudando nos trabalhos e compartilhando momentos e conhecimento. Portanto, a coletividade seria um método chave, pois, abrange o todo e o particular, o comunitário e o individual. Filonov (2010), em suas reflexões sobre Makarenko, enfatiza a integração dos espaços de ação e de vida cotidiana como promotores da educação e não somente nas denominadas escolas. Afirmando o caráter humanizado da educação que integra os espaços de sociabilidade e que vincula o teórico e o prático, o mental e o físico. O autor destaca também a necessidade de adaptar o método educacional as condições concretas de organização social, até porque o método educativo e o processo educativo devem andar juntos a partir de cada realidade. Isto consiste na atribuição ética de integração da ideia e da atuação, dentro da escola e fora dela, desenvolvendo atividades culturais, sociais, esportivas, intelectuais, entre outras. Desse modo, a teoria e a prática, se fortalecem e se complementam. Vazquez (1968) diz que toda relação teoria e prática aponta que toda atividade prática gera conhecimento teórico, e vice-versa, porque mediante a teoria se traz o conhecimento das diversas realidades para novas formulação de ideias. Essas ideias promovem uma determinada ação, transformação, mudanças, porém, para que isso ocorra é preciso atuar, ou seja, precisa ter uma atividade prática para 20 que essa ação, transformação, mudança, seja efetivada. A isto, nas formulações de Makarenko trazidas por Filonov (2010) no início do século XX, era indispensável criar uma metodologia para o processo educativo e seu contexto de necessidade social e de revolução. Nessa mesma lógica, na concepção de Pistrak (2013), em seu livro “A escola- comuna”, retrata o ponto de vista crítico no processo educativo e a necessidade vinculação com a realidade dos educandos. Mas, de um entendimento de educação mais institucionalizada, e também traz uma nova teoria pedagógica e revolucionaria apoiadas à compreensão de Krupskaya (2017). A pedagogia como prática que construí uma nova sociedade. No panorama educacional constitui a construção de uma escola diferente para o povo, e que fariam parte de um processo importante para o caminho de um sistema mais justo e social em que os educandos pudessem elevar sua consciência de classe, assim, a educação fizesse parte da vida das pessoas numa construção crítica e libertaria. Pistrak (2013), também frisa a organização da escola e do conteúdo a ser transmitido para os educandos, pois, os conteúdos devem ser trabalhados em uma perspectiva social e o coletivo incluindo os educadores, que aprendem no processo de ensino. Para o autor, a relação escola-trabalho tem que ser espaços regularmente reformulados, pois a escola deve ser o espaço crítico da realidade social. A escola é uma ferramenta fundamental no processo de consciência e formação, é nesse espaço que deve acontecer a conexão entre a teoria e a prática. Deste modo, para o autor o trabalho seria “um meio para unir o ensino”, isto é, [...] o trabalho como um princípio básico que forma a personalidade, como meio de criar a pessoa com aptidão coletiva, formar e desenvolver nela uma série de aptidões sociais e hábitos. E, pode colocar para si a tarefa de extrair de todo tipo de trabalho seu lado positivo, não complicando as coisas, não tentando atingir o impossível. Por exemplo, o autosserviço pleno, colônias laborais infantis. (PISTRAK, 2013, p. 206). Com as descrições realizadas pelo autor ao longo do seu livro, na experiência de ensino com crianças e jovens, o trabalho técnico assume um papel essencial para o processo de instrução na sua conformação organizacional em que são executas coletivamente como tarefas, assim como aquelas que requerem atitudes decisórias. O autor salienta que trabalho deve ser voltado para a revolução social e numa perspectiva da construção comunitária e socialista, deve ser coletivo e 21 socialmente significativo, pois, o trabalho realizado de forma individual será impossível de se tornar algo prazeroso (PISTRAK, 2013, p. 207). Todavia os objetivos da educação, mais explicitamente expostos por Krupskaya (2017), refere-se à preparação de uma nova geração com consciência crítica para a produção, que era justamente o problema mais importante das tentativas revolucionarias. É a partir destas reflexões em que menciona que “o caráter politécnico deve consistir não no fato de uma criança aprender alguns ofícios, como interpretam alguns educadores”, mas a “de fornecer um panorama da economia do país, familiarizar os educandos com a indústria agrícola, com a mineração, com a manufatura e seus principais ramos de processamento de metal, de têxtil, químico”, e, “o método do trabalho é o melhor método de aprendizagem” (KRUPSKAYA, 2017, p. 85). Contudo, a educação, seria compreendida como um processo de produção de novas personalidades. Através do desenvolvimento dos sujeitos de acordo com os conteúdos e técnicas compartilhadas. Além disso, a coletividade seria considerada uma forma de integrar o comum dos sujeitos de modo a protagonizar interesses conjuntos de realização social, e por fim as diferenças de classes, e uma educação de homens e mulheres com diferentes capacidades e diferentes necessidades, mas com os direitos iguais. É a educação que tem o sentido principal de atender à necessidade dos sujeitos coletivos. Em um olhar histórico é a relação da educação e o trabalho. Na definição de Frigotto (2012, p. 274–281), a formação técnica compreenderia a efetivação das práxis revolucionárias que está “ligada ao desenvolvimento das bases de conhecimentos que se vinculam ao processo de produção e reprodução da vida humana pelo trabalho” sob o interesse da classe trabalhadora. Neste sentido, ressaltamos aqui a formação técnica para além da perspectiva da instrução de técnicas, e também no processo de fornecer um panorama da totalidade para preparar os sujeitos como participantes ativos da produção (KRUPSKAYA, 2017, 81–88). Nesse sentido, a formação politécnica buscaria formar sujeitos “multilateralmente desenvolvidos” como uma exigência pragmática de coletividade da classe operária. Ou seja, essa educação forma sujeitos para a transformação social e um novo modelo de sociedade rumo a transição para o socialismo, em que se reafirma que a educação é um instrumento de consciência de classe e da sua auto-organização (PISTRAK, 2013, 2015). 22 A combinação entre instrução e trabalho, e a ideia de formação politécnica implantada no contexto da revolução soviética, envolve o processo educativo, as forças produtivas e as relações sociais. O proletariado libertará o homem a se liberar a si mesmo –disse Marx- porque representando como classe social a total perdida do homem, “só poderá se liberar encontrando o homem perdido” (MARX; ENGELS, 2000, apud PONCE, 1975, p. 107). O proletariado se libertara a parir do momento que estiver uma educação eficiente, com conhecimentos adquiridos a partir de sua realidade e ter uma formação para lidar com diferentes desafios voltados de sua classe em ações conjuntas. Pois, o conhecimento livra o homem de qualquer aprisionamento e até das fraquezas e estupides que estão inseridos em si mesmo e que causa um certo bloqueio em busca de novos caminhos para novos horizontes. Cabe trazer as reflexões da “Pedagogia do oprimido”, de Paulo Freire (1987), traz os próprios trabalhadores que estavam sendo explorados, em que a partir da forma pedagógica de educadores pudessem se libertar, reforçando a luta e o enfrentamento, a compreensão da realidade brasileira em uma forma crítica. A prática pedagógica e a educação popular, fortalecem na possibilidade de efetivar o projeto de classe. A partir das reflexões de Paulo Freire, Caldart (2013), traz que as concepções de pedagogia socialista concebem toda ação prática integrada à teoria, e toda ação teórica necessita de uma ação prática, para que se tenha avanços no processo de formação dos indivíduos (CALDART, 2013, p. 77). Além disso, em Freire (1981; 1987; 1992), “Educação como prática da liberdade”, o diálogo entre o educador e o educando, nessa educação libertadora convoca o aprendizado mutuo e não hierarquizado, tornando o conhecimento compartilhado e construído coletivamente, um aprende com o conhecimento do outro, o educador não é um ser supremo e sempre tem algo que possa aprender. Segundo o autor, em “A Pedagogia do Oprimido”, reforça que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, até porque ambos caminham juntos em nossa esfera global, se tornam inseparáveis, são pertencentes a um círculo em que aquele que ensina também pode aprender, se conectam e se interagem na construção do conhecimento, somente assim segundo o autor é possível transformar a realidade e o mundo em que vivemos. Todos podem ensinar e aprender e isso faz parte de um amplo processo, assim o educando se conhece e se reconhece, principalmente quando o educando 23 vai conhecendo os conteúdos e os objetos e não quando o educador vai inserindo a definição dos conteúdos e objetos, o educador é quem mostra os caminhos (FREIRE,1992). A educação nas interpretações de Freire (1981) significa a liberdade, que também é conhecida como educação popular que vise melhorar a vida dos indivíduos, tendo uma formação com viés crítico e com características em seu sentido critico, produtivo e atuante no cenário político. Desse modo, o sentido humanístico da educação constitui o sujeito parte de mundo, e construindo sua própria identidade. Para Freire (2001), em “Política e Educação: ensaios”, enfatiza a necessidade de direito e dever de que todo sujeito pode educar e ser educado. Para o autor, não é somente alfabetização e sim ser um participante ativo em todo sistema educacional. Somente com a educação podemos ter a liberdade, desde que sejam assimilados a teoria e postas em práticas transformando as em ações educativas. O sujeito não deve somente superar o analfabetismo, mas deve também se sentir parte do processo educativo e transformar a realidade a partir de seu conhecimento com os demais sujeitos em ação conjunta (FREIRE,1981). As reflexões históricas do trabalho como princípio educativo instituído no processo de revolução soviética, e as formulações de Freire como intelectual referenciado no assunto no continente latino-americano, compõem a nosso ver o caráter intelectual e prático do ensino. Educação, com visão de futuro e que amplia novos horizontes em que as mudanças estruturais conformam ainda um caminho a trilhar para a construção humana de sociedade mais justa (FREIRE,1996). Voltando a nossa premissa de que a relação entre educação e trabalho é fomentada pelo método de formação que ajuda no processo de transformação da consciência, isso traz princípios de afeto, companheirismo, coletividade, cooperação, entre outros. Essa relação estima também as relações sociais, e são definidos e acordados pelos grupos, ou seja, os objetivos são construídos e deliberados coletivamente (CALDART, 2013). Mas, o que representa esta relação educação- trabalho nas mãos da classe trabalhadora? Ainda que a resposta seja evidente, a educação para a classe trabalhadora seria o instrumento para alcançar uma sociedade sem classes, uma sociedade mais fraternal e cujos sujeitos trabalham de acordo a um plano. Sobretudo, disse Ponce (1975), a educação-trabalho integrados serve para formar trabalhadores conscientes e que o processo instrutivo constante seria para 24 servir aos próprios interesses da classe trabalhadora que componha as aspirações das grandes massas, e não de uma restrita minoria. “Censuram de fazer uma escola de classe. Mas a escola tem sido sempre uma escola de classe. Nosso ensino, porém, defenderá exclusivamente os interesses da classe laboriosa da sociedade” - palavras do Lenin no primeiro congresso Pan-Russo de 1918. A nova escola, nesta visão não visa separar as forças mentais das físicas, para assim conseguir uma sociedade sem classes (PONCE, 1975, p. 111–112). “A ‘nova educação’ significa, pois, para o proletariado, um ideal bem preciso”. (PONCE, 1975, p. 113). Contudo, o trabalho é fundamental para formação humana e deve fazer parte do dia a dia, e em todo período escolar, ou seja, a escola e o trabalho devem estar integradas nas atividades cotidianas. Fazendo com que os sujeitos possam ser educados para serem inseridos ao processo social, e não separados (CALDART, 2013, p. 81). Nesse sentido a realidade social e a construção da consciência, cooperam num processo de reeducação, que nada mais é o processo de desenvolvimento da personalidade humana através da transformação da sua consciência. Portanto, educação humanizadora, resgata o direito a uma educação de qualidade, com coletividade e companheirismo. Uma educação voltada para futuro, em que não tenha classes, não se tenha ricos e pobres, opressores e oprimidos. Essa educação nos mostra o caminho que podemos seguir com tranquilidade, na cooperação, na união dos povos e compartilhando o que temos uns com os outros e trocando experiências e conhecimentos. Os libertados por essa educação têm o compromisso de levar esse instrumento de libertação para outros que ainda estão na ignorância, educando e reeducando para a construção de um conhecimento que mude não somente a forma de pensar, agir e de ser, mas também que almeje uma sociedade mais justa e que todos possam usufruir dos mesmos diretos. 2.2 Educação como perspectiva libertadora no cenário latino-americano Até aqui temos trazido reflexões teóricas a respeito da concepção de educação na perspectiva socialista contextualizadas principalmente na revolução soviética no início do século passado. Desse modo, para nos aproximar as perspectivas que reintegram o aprendizado intelectual e o aprendizado manual a partir da compreensão do trabalho como princípio educativo em outros cenários 25 físico-temporais. Sendo antes necessário entendermos que o processo educativo tem sido e segue sendo um espaço de disputa e de projetos de sociedade, portanto, repensar a centralidade da práxis-educativa está vinculada a práxis-transformadora, e por tanto de luta de classes. Para Mészáros (2005) a educação é o caminho para mudança, educação é uma parte de um processo complexo, porém, para que ocorra mudanças deve se ter uma ruptura de diversas estruturas que o autor chama de reformas, ou seja, uma reforma educacional, que possa ser fundamental para toda sociedade. A educação tem exercido funções fundamentais no sistema capitalista, o aumento da mão de obra, força de trabalho para o crescimento do capital que tem características produtivistas e que em muitos casos isso é declarada pela pedagogia critica. Mészáros traz contradições no sistema capitalista e visa formas de ruptura para alcançar o socialismo. Também no livro de Escobar (2007), a educação, assim como a saúde, emprego, habitação, alimentação são assuntos extremamente necessários para solucionar os problemas de pobreza nos países do “terceiro mundo”1. Desde ese instante los fines de la educación dejaron de ir implícitos en la estructura total de la comunidad. O para decirlo en otra forma: con la desaparición de los intereses comunes a todos los miembros iguales de un grupo y su substitución por intereses distintos, poco a poco antagónicos, el proceso educativo hasta entonces único se escindió; la desigualdad económica entre los “organizadores” –cada vez más explotadores- y los “ejecutores” –cada vez más explotados- trajo necesariamente la desigualdad en sus educaciones respectivas. (PONCE, 1975, p. 16). Ponce (1975) salienta que a educação voltada aos interesses de uma classe baseada no capitalismo fundou se em aumentar as desigualdades, aqueles que organizam e aqueles que executam, as desigualdades só serão barradas quando a sociedade tiver a consciência que está sendo manipulada e explorada. Nesse sentido a educação exercida pelo capitalismo se fortalece e faz com que pouco a pouco os interesses coletivos vão sendo esquecidos, com isso se tem o aumento 1 Para Escobar (2007) O terceiro mundo que também conhecido como "Sul" e "Periferia" refere – se ao diagnóstico de um território empobrecido e que a solução para esse empobrecimento era o desenvolvimento. O desenvolvimento viria com intuito de dar melhores condições para os países em atraso, porem isso não aconteceu e ainda deixaram os povos mais empobrecidos, ou seja, os países empobrecidos ficaram submissos aos países desenvolvidos. A invenção do Terceiro Mundo, traz o discurso do "desenvolvimento" sendo que é preciso inventar o "subdesenvolvimento" para manter benefícios e proveitos para o "primeiro mundo" justificando suas ações e comportamentos nos países do "terceiro mundo". 26 pela procura por interesses individuais em que o sujeito passa a ser objeto de manipulação do próprio sistema. Wanschelbaum (2015) a partir de uma reflexão no livro “Educación y lucha de classes” de Ponce (1975), a educação espelha a luta de classes que nos países latino-americanos obteve o processo de inserção do Estado no comando do sistema educativo na perspectiva de Estado-Nação, esse omite as diferentes práticas educativas exercidas pelas diversas culturas que resistem a perda da sua cultura após o processo violento de colonização europeia. O desafio dos modos coletivos para se executarem novas formas educativas fundamentam-se a partir da história, da crítica e a realidade social com caraterísticas próprias. Pois, o autor coloca que a educação deve ser uma atividade espontânea das sociedades, e que é fundamental para provocar uma transformação radical. Contudo, Wanschelbaum (2015), aponta que a educação sob a gestão dos Estados deve ser dada com qualidade, uma educação que contribua para a formação dos sujeitos visando valores sociais, como equidade, solidariedade, humanizadora para sociedade de uma forma geral. No cenário latino-americano, a educação refere a outros espaços de debate a respeito do assunto, outras práticas educativas e culturais. A educação popular, proposta por vários grupos populares na cidade e no campo, seja uma educação para construir, criar e superar, uma educação para o proletariado que reivindique sua condição de qualidade de vida e que supere sua condição de exclusão social, uma educação que contribua para o interesse da maioria. Entretanto, os modos insurgentes dos grupos populares da cidade e do campo foram mais expressivos a partir das duas últimas décadas do século passado, a consequência da intensificação da pobreza pelas iniciativas econômicas (regulação da economia e da minimização do estado). As lutas reivindicativas das variadas formas de luta, como a atuação dos piqueteros na Argentina, as mobilizações indígenas e populares nos países andinos, o movimento camponês no México e também o movimento dos Sem Terra no Brasil, conformaram um contexto único de levantamentos no cenário latino-americano. Entretanto, foram essas formas constitutivas de acordo a suas realidades sócio-políticos, e de caraterísticas histórico comuns de colonização europeia, que as lutas reivindicativas também conformaram um amadurecimento enquanto aos seus processos formativos. A tomada de consciência e mesmo a formação de suas 27 identidades, teriam sido suas principais preocupações como grupos coletivos para reafirmar seus objetivos de mudar suas realidades. Em Escobar (2007, p. 40) ressalta que o projeto estratégico das ações coletivas dos movimentos sociais “não só era uma luta por bens e serviços, além disso, era pela definição da mesma vida, da economia, da natureza e da sociedade. Se trata, em síntese, de lutas culturais”. No campo da educação mostraria também “um aumento das ideologias contrárias ao centro e dos movimentos sociais nas periferias” (ESCOBAR, 2007, p. 127). No caso da América Latina, o papel dos movimentos sociais (ou de base), que o autor refere no seu texto, é que neles se reivindicam o conhecimento local e o poder popular na transformação da sociedade e de constituição de alternativas de desenvolvimento. Além disso, não se pode esquecer, disse o autor, que “a adoção geral da educação e dos valores culturais”, no terceiro mundo tem sido “propósitos de uma revolução massiva para os países subdesenvolvidos” sob o controle “das sociedades mais avançadas”. A institucionalização da educação teria permitido a formulação de planos de estudo e o exercício do ensino adequadas a lógica capitalista. Assim, a profissionalização, disse Escobar (2007, p. 88), proporcionaria “cada vez mais o caráter intensivo da lógica de desenvolvimento em todos os níveis”, até porque através da formação dos estudantes seria “estabelecida uma sociedade disciplinada”, sendo intermediações das construções culturais uma espécie de peça central. Nesse mesmo cenário, como refere Zibechi (1995), os atores coletivos nas suas formas organizativas já trazem por meio da educação a reivindicação da sua identidade, como também, o resgate de conhecimentos como fundamentais para a realização da transformação concreta na relação estudo-trabalho, tornando seu cotidiano mais significativo coletivamente. 2.3 Educação libertadora e educação popular O tema da educação no cenário latino-americano tem constituído um referencial das experiências e modalidades de intervenção no ensino. A condição de luta por melhores condições de vida e novas possibilidades de afirmação das identidades, conformaram um espaço de concepções de educação. Além disso constataria não somente a busca pela justiça e dignidade humana isolada, mas como aquela relação da sociedade que tem oprimidos e opressores. Pensarmos 28 uma educação como libertadora como um projeto e práxis coletivas dos excluídos e dos desumanizados, como disse Marlene Ribeiro, A libertação só pode ser conquistada pelos proletários excluídos de todas e quaisquer condição de liberdade e autonomia para garantir uma sobrevivência digna. E essa libertação – aqui tomada no sentido de emancipação – consiste na apropriação da totalidade das forças produtivas, o que permitirá aos homens e mulheres desenvolverem, também, a totalidade de suas capacidades de trabalho como expressão e criação. Assim essa conquista pressupõe a supressão de toda espécie de classe. Todavia, do mesmo modo que a classe revolucionaria não está pronta, mas em processo de se fazer, a emancipação que abarca toda a humanidade é apenas um projeto, o horizonte para a qual caminham os movimentos sociais populares – entre eles, o movimento camponês. (RIBEIRO, 2012, p. 303). Na análise efetuada pela autora, a emancipação é então efetuada pelas próprias relações históricas de luta de classes. Compreende desde reflexões temporais e que persistem até hoje “na exploração, a dominação e alienação da população”. Ela retoma também as considerações do educador Paulo Freire, em “Educação como prática da liberdade” e “Política e educação”, em que a práxis libertaria no andar do projeto adotado essencialmente pelos sujeitos coletivos que se contrapõe as relações da sociedade capitalista. Também, na análise de Ferreira (2013), a pedagogia Freiriana na América Latina teria trazido um modelo de ação educativa que é voltada a práticas sociais visando uma igualdade e a liberdade. A forma de pensar a educação teria trazido reflexões importantes sobre a dominação e exploração na América Latina. O autor destaca a trajetória de Paulo Freire na América Latina, e a sua importância dos trabalhos para o meio acadêmico e nas melhorias na educação, de modo que, as ideias de Freire fundamentaria o conceito de educação popular. A educação Freiriana, segundo Ferreira (2013), coloca reflexões importantes a respeito dos princípios educacionais, ela tem dado uma grande contribuição teórica para aqueles que acreditam em uma educação diferenciada, uma educação para a mudança da realidade. Algumas dessas reflexões partem do diálogo entre os sujeitos, do entendimento, da reflexão e da análise numa forma crítica geral num contexto global, das trocas de experiências e saberes dos povos, todos os povos tem muito a aprender e muito a ensinar, fazer acontecer unindo a teoria e a prática. Além disso, ele esclarece que nunca o sujeito vai saber tudo, pois o conhecimento é criado e recriado e vivemos em constante aprendizagem, e quanto 29 mais transmite conhecimento mais aprende, e que esse conhecimento seja adquirido coletivamente, sozinho é difícil a caminhada, mas com o coletivo torna-se mais fácil e é possível chegar a objetivos comuns. Sendo assim, o trabalho do autor é bem referenciado quando se fala de educação, suas reflexões como referência para o crescimento intelectual humano e seu trabalho tem trazido aos dias atuais o trabalho educacional crítico, e na América Latina diversos movimentos sociais têm se apropriado e referenciado Paulo Freire em sua forma de educar, de pensamento e suas reflexões que também é conhecida como “Educação Popular e/ou Educação Freiriana”. Desse modo, Guevara (2006), enfatiza que foi a partir de 1960 que deu início ao que chama de educação popular e se reforçou em 1970 no território Latino- americano. A educação popular também nos passa a proposta de uma formação política, ou seja, de uma leitura crítica da realidade, sua construção passa por setores da esquerda partidária, igrejas de base e instituições de ensino e pesquisa com objetivo de educar diferente. Para o autor, a educação popular confronta a realidade e se torna uma estratégia dos movimentos sociais que reivindicam formas educativas para seus territórios. Nesse mesmo sentido Paludo afirma: A origem da concepção de educação popular, dessa forma, decorre do modo de produção da vida em sociedade no capitalismo, na América Latina e também no Brasil, e emerge a partir da luta das classes populares ou dos trabalhadores mais empobrecidos na defesa de seus direitos; dependendo da organização na qual se congregam, os trabalhadores chegam inclusive a defender e a lutar pela construção de uma nova ordem social. (PALUDO, 2012, p. 281). A leitura de Paludo (2012) e mesmo de Guevara (2006), a respeito da educação popular trata-se de um processo dinâmico do aprendizado, de modo que o conhecimento é adquirido a partir de atividades práticas para a mudança social. É através da educação popular que acontece a resistência à lógica do capital, e que se ampliaram as possibilidades de se pensar numa sociedade nova, porque os sujeitos reflexionam e interagem entre si e com os outros buscando fazer compreensões da realidade a qual almejam a modificação. Ambos frisam a importância da prática como referência e utilizar a leitura da realidade para propor novos seguimentos de resposta para uma nova sociedade, quanto maior nosso olhar crítico somado a contribuições das mais variadas disciplinas envolvendo as ciências sociais mais amplas será nossas variáveis envolvendo as respostas em sua amplitude. 30 Na concepção de Vargas (2006), apoia a lógica anterior enquanto a intenção da educação popular. Para ambos os autores, a educação popular na América Latina nasce para atender a responsabilidade social de numa sociedade e acreditar que o sujeito pode fazer as mudanças, e que de modo coletivo ela pode impulsionar processos emancipatórios através da articulação entre o pedagógico e o político. Vargas (2006), destaca que “é necessário a elaboração de novos mapas organizacionais do conhecimento da realidade” e isso dá a entender e fazer as seguintes perguntas: qual a educação que queremos? Que educação será transmitida em nossas comunidades? Como podemos educar para a solidariedade social a partir de nossas organizações? Estas seriam questões que contornariam as preocupações no exercício educativo no cenário de realidade latino-americana, em que convivem diversidades de culturas e vidas comunitárias que foram subordinadas a uma lógica educativa colonial. Além disso para o autor traz a refletir o papel das instituições no exercício educativo. As instituições educacionais necessitam de mais refletividade, raciocínio e argumentação para explicar e dar sentido ao que noutra época era premissa. Em alguns casos, a tendência foi no sentido da tecnificação da educação, ou seja, a educação se assume como uma prática situada no âmbito da cultura e, portanto, o assunto principal é refletir sobre seu sentido na atualidade e transformá-la em recurso comunitário. (VARGAS, 2006. p. 192). O autor traz a reflexão da importância da educação para transformar a sociedade, e por isto o recurso comunitário no seu sentido coletivo e organizativo dispõem a ação educativa como processo intelectual e fundamentalmente prático. Para o futuro, temos a tarefa de explorar como esses processos se desenvolvem e analisar experiências e práticas que, desde a inovação, abrem caminho até a Educação Popular atual. Para tanto, devemos saber quais novas “disposições” devem ser desenvolvidas nas instituições que promovem a ação educativa, para gerar respostas perante os novos desafios, e a partir de quais tradições intelectuais podemos elaborar os conceitos que sustentam as novas aprendizagens. (VARGAS, 2006. p. 192). Desse modo entendemos que educação popular a qual é construída coletivamente com a participação estimula os setores populares a buscar formações em redes de troca de conhecimento e de experiências superando as fragmentações nessa sociedade. Essa educação se dispõe em adentrar nas ligações de domínio 31 ajudando a construir um poder diferente a partir da sociedade coletiva, que tem se dado junto as organizações populares de nossa América Latina (SOUZA, 2006). Ao trazermos reflexões do termo da educação popular no cenário da América Latina entendemos que o processo educativo tende a abranger a todas as dimensões da sociedade incluindo os sujeitos que pertencem a esse território (SOUZA, 2006). Porque atender o processo histórico cultural do continente mostraria a luta constante pela educação e seus contextos múltiplos. Bem como Ferreira (2013), reforça que Freire é considerado patrimônio cultural na América Latina devido suas ideias e forma de atuar, pensar e de fazer com que suas ações façam parte de reflexões sobre nós mesmos. Uma democratização ampla, radical, profunda, consistente e criadora das condições de desenvolvimento da competência humana de todos os seres humanos em todos os quadrantes da Terra se faz mais necessária do que nunca, dados o aprofundamento e as sutilezas das dominações, desigualdades econômico-sociais e exclusões histórico-culturais, em todas as dimensões do ser humano e das relações sociais. (SOUZA, 2006, p. 245). Nesse sentido retomamos neste ponto as considerações de Vargas (2006), de que a educação popular também é uma proposta de orientação política e com responsabilidade social de diversas áreas, orientações que perpassam as relações entre a sociedade civil e os governos, a reorganização dos sistemas educacionais e as políticas voltadas para o social, orientações que busca resolver os problemas ambientais, a sustentabilidade, o político, econômico, cultural, social e democrático. Em Leite (2016) a educação popular acompanha uma série de desafios, problemas que perpassam a esfera educacional. O autor salienta a importância das suas competências críticas e formas de analisar o mundo para transformar realidades, e que são os mais diversos temas que se considera urgente e que merece as devidas reflexões e ações que devem ser abordadas a partir da educação popular. Segundo o autor tem se uma vasta quantidade de trabalhos teóricos na América Latina que são voltados a educação popular como projeto coletivo. Esse projeto educativo é simbolizado pela educação dos e por meio dos movimentos sociais populares. As expressões “povo sujeito de sua história” (marco ontológico); “conscientização”, “organização”, “protagonismo popular” e “transformação” (marco político e da finalidade da educação); e os métodos prática-teoria-prática, ver- julgar-agir e ação-reflexão-ação (marco epistemológico e 32 pedagógico), representam a orientação das práticas educativas desde a concepção de educação popular. Estabelece-se, desse modo, o vínculo entre educação e política, educação e classe social, educação e conhecimento, educação e cultura, educação e ética, e entre educação e projeto de sociedade. (PALUDO, 2012, p. 282). Essa colocação possibilita compreender a educação como o processo de conscientização e materialização da luta de classes por melhores condições de vida dos e para os trabalhadores. Portanto, o caráter revolucionário da educação é que supere as formas fragmentárias da sociedade e que o conhecimento seja dimensionado em todas as esferas da vida social, e assim seja estimulada formas explícitas aos processos produtivos vinculados ao interesse coletivo. 2.4 A educação e formação técnica nos movimentos sociais Antes de mais nada, neste ponto queremos trazer a compreensão de movimentos sociais nas considerações de Tarrow (2009), em que os movimentos sociais seriam coletivos que atuam em torno do mesmo ideal ou objetivo. Isto quer dizer que esses movimentos são formados por ações coletivas que contem valores e interesses comuns entre todos seus integrantes. O movimento social, para o autor transmite solidariedade social e através das ações coletivas, eles constroem caminhos para uma sociedade mais justa. Assim, os movimentos sociais são os principais catalizadores de mudanças sociais, pois “são parte das lutas nacionais pelo poder”, portanto, confrontam principalmente ao Estado. Mas ainda temos visto que a educação tem sido a preocupação de transformação social nos processos de luta de classes. Neste sentido, o papel dos movimentos sociais e a educação, conformam uma relação de interação e com grandes contribuições de Paulo Freire. A educação nos movimentos sociais, também segundo Tiepolo (2015), faz parte de um processo que busca um mundo oposto ao da sociedade capitalista, um mundo com autonomia e com capacidade crítica dos povos. Sobretudo como sujeitos coletivos atentos aos processos de produção e reprodução do homem como ser social, e a superação das perspectivas da educação centradas em modelos abstratos com conteúdo pedagógico que ignore as singularidades culturais, as experiências e saberes (FRIGOTTO, 2012, p. 277). Os movimentos sociais vêm formando seus sujeitos através dos processos educativos, e não se trata de competir com o Estado, e também não significa 33 necessariamente tirar do Estado o compromisso de dar educação de qualidade a população, porém, infelizmente o Estado está se tornando cada vez mais ineficiente para a sociedade e é mais voltada a fortalecer as grandes empresas (GUEVARA, 2006). Segundo Melucci (2001) os movimentos sociais através dos processos cotidianos e investimentos organizados resultam em fortalecimento das ações coletivas e dos sujeitos que estão inseridos nesse movimento. Esses movimentos sociais consentem que com a educação popular é possível ter uma sociedade mais justa e igualitária e que todos possam ter esse direito, ou propor meios para que isso seja possível. Zibechi (2005), reforça que para ter experiências que procuram essa educação popular teve um caminho de muita luta, e que a educação e a forma de educar não surgiu agora com os movimentos sociais, pois já existiam com os índios e artesãos. Para Tiepolo (2015) a educação para os movimentos sociais da América Latina faz parte do cotidiano dos sujeitos que nele participa. A educação tem papel de alfabetizar, passar conhecimento, desalinhar as pessoas, dar ao sujeito uma formação digna e fazer que esse possa tomar suas próprias decisões, mudar sua realidade e a realidade do coletivo. Essa realidade é expressada nos casos que Zibechi (2008) traz referente a alguns países da América Latina, o autor cita o caso da Colômbia, em que os campesinos se reúnem para trocar ideias, saberes e experiências sobre agricultura e a terra na região de Caguán na província do Sul e amazônica de Caquetá e em San José de Apartadó. O caso do Equador, na coletividade do movimento indígena – e mais especificamente os que fazem parte da CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), desenvolvem atividades educacionais como estratégias políticas em que perpassa uma visão de futuro. No Brasil o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), através da denominação da educação do/no campo vincula à luta pela terra e uma nova sociedade. Essa é direcionada a formação política de militantes de todos os movimentos sociais, nacional e internacional, é um espaço de aprender com o estudo e também trabalho, na teoria e prática). Um outro caso, trazido pelo autor é o da Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo na Argentina em que jovens de movimentos sociais participam de espaços de luta e ajudam na construção de saberes ligados as experiências sobre diversos assuntos como cultivos orgânicos para chegar uma soberania alimentar. 34 Para Zibechi (2008), os movimentos sociais são espaços pedagógicos porque eles são construídos por seus membros e de acordo a seus princípios organizativos, a cada território e caraterística própria de iniciativas. O autor refere se a iniciativas diretamente ligadas aos movimentos sociais que tem autonomia perante ao Estado, Igrejas e partidos políticos, ou mesmo quando fazem um amplo trabalho educativo de integração de espaços, que sejam elas nas universidades, escolas, espaços de reunião entre outros espaços estratégicos que somem no processo educativo. Portanto, o termo de educação popular vem inserindo cada vez mais entidades que se identificam com os movimentos sociais como exemplo os sindicatos. Assim reafirmando, o próprio movimento social como um espaço educacional e contendo uma educação diferenciada. A educação seria fundamental para o processo de transformação da sociedade, e ele próprio como movimento social é considerado um sujeito educativo. El punto de partida, como en tantos otros movimientos sociales latinoamericanos, fue la educación popular, inspirada en la teoría y la práctica de Paulo Freire. Que el movimiento social se convierta en un sujeto educativo, y que por tanto todos sus espacios, acciones y reflexiones tengan una “intencionalidad pedagógica”, me parece un cambio revolucionario respecto a cómo entender la educación, y también a la forma de entender el movimiento social. (ZIBECHI, 2008. p.4). Todas as ações que o movimento faz, todas as pessoas que estão ligadas no movimento em tempo e espaço, são sujeitos pedagógicos e completam o todo, um movimento focado e com objetivos concretos no qual a educação é convertida em luta, a luta pela terra, a luta por reforma agrária e a busca pela transformação da sociedade. Uma sociedade sem relação de valores, sem hierarquias, e sem competições. Nesse sentido a educação se propaga em todos os espaços que insere o movimento e a educação se transforma em um instrumento de libertação, com aprendizado e trabalho coletivo e práticas sociais convertendo todos os espaços em espaços pedagógicos. Segundo Zibechi (2008) na América Latina os povos originários têm na educação e nas escolas a possibilidade de retomar suas terras antes usurpadas pelos colonizadores europeus, são escolas voltadas para os povos originários que usa a comunidade também como princípio pedagógico em que o trabalho e estudo se interagiam na construção do conhecimento. Nesse sentido a educação para esses povos em caso especifico em comunidades na Bolívia, a educação atuava 35 para que os indígenas não perdessem sua identidade ou sua origem, trabalha uma reflexão crítica a partir da realidade, que cria e recria condições e atua nos espaços, ou seja, renova sua autoestima e se coloca em circunstancias de lutar pela sua emancipação. No México, o movimento zapatista que não tem nenhuma relação com o governo tem um forte e amplo sistema educacional. Nas cinco regiões do território Zapatista mantem aproximadamente um pouco mais de 300 escolas e mais de mil educadores. O seu sistema educativo seria semelhante a outros movimentos que se baseia na educação para a liberdade do povo. Destacamos que na procura da sua autonomia, o movimento zapatista não depende do estado nação, não recebem e não aceitam recurso para a realização de suas ações. Os zapatistas elegem seus próprios educadores e as comunidades constroem as escolas, promovem sua própria alimentação, a comunidade cuida do material didático e da vestimenta dos educandos (ZIBECHI, 2008). Tanto os processos educativos e o trabalho são explícitos nessas experiências enquanto os próprios modos de produção social. Deste modo, voltamos as reflexões do primeiro subcapítulo deste capítulo (A educação humanizadora e a relação integradora educação-trabalho), o projeto societário possui precedentes de relação das ideias e de produção, por isso que Essa práxis revolucionária não se efetiva no terreno ou no plano ideal, mas no plano concreto da realidade adversa das relações socais de expropriação e de alienação, atualmente sob o capitalismo. E é dentro destas relações sociais adversas e no plano de suas contradições insanáveis e cada vez mais profundas que se instaura o embate por processos formativos que desenvolvam valores, conhecimentos, sentimentos e sentidos humanos que sedimentem a travessia para novas relações sociais libertas da dominação e violência de classe. (FRIGOTTO, 2012, p. 274). Frigotto ressalta que os processos formativos é uma importante ferramenta para lidar com as relações de classe que estão inseridas contradições do sistema, pois a forma que o capitalismo trabalha não é normal e a dimensão educativa do trabalho transforma os sujeitos e também seus territórios por meio da cultura, do conhecimento, da conscientização, por tanto construindo valores para que caminho na promoção novas relações sociais. Para Saviani (2003) o capitalismo também se apodera dos processos formativos principalmente quando voltado a qualificação da força de trabalho. A 36 capacitação é dada ao sujeito com intuito de fortalecer o sistema através do raciocínio rápido e agilidade nos afazeres, em casos essa capacitação é oferecida pelas empresas que se apoderam desses sujeitos que a partir disso já são considerados empregados com mão de obra especializadas. Ou seja, o processo formativo também conforma -se em relações produção em prol da propriedade privada. O autor ressalta que a medida que o processo escolar se desenvolve também se desenvolve o processo do trabalho. O trabalho determina a forma que se organiza a escola, o conhecimento se converte em força produtiva e consequentemente em meios de produção, a ciência é incorporada ao trabalho produtivo, sendo assim ressalta que as contradições no capitalismo também é uma questão de direcionamento do conhecimento. A escola também cumpre um papel importante nos processos formativos, Segundo Illich (1985) e reforçado nas interpretações de Machado (2015), ressalta que a educação dada nas escolas e o processo formativo para os interesses do capitalismo leva a formação de jovens e adultos para uma competição, o recebimento do diploma e as promoções no final de cada curso leva o estudante a frequentar uma escola por interesse e intenções de receber algo em troca e não é saber, não é conhecimento, “la escuela se convierte entonces en la fábrica de sujetos con capacidad de adaptación al sistema, aleccionados en base a criterios generados desde el poder y su orden” (p. 172). A escola ligada a lógica capitalista se relaciona com instruções e não com a aprendizagem, o desenvolvimento social dos estudantes está anexada a um currículo, e não é acrescentado nada que venha de fora dos espaços educacionais. Illich (1985) acrescenta que esse modelo de escola contribui para criar alienação e uma conversão do conhecimento em riqueza, pois o estudo é considerado um investimento que garante ganhos e lucros econômicos e é considerado a chave para o progresso. Glein (2013) reafirma trazendo exemplo no caso do campo brasileiro historicamente esteve subordinado aos interesses do capital, para agroexportação, concentração de terra e riqueza, e de capital, nesse sentido a educação desenvolvida pelos processos formativos são voltados aos interesses dos empresários, ou seja, classe dominante. Entretanto, uma alternativa a esse processo são as experiências de movimentos sociais que tem a educação, o processo formativo, politecnismo como 37 um fator importante na organização. Segundo Moura, Filho e Silva (2015) o MST tem destaque principalmente quando se refere aos camponeses e a educação do e para o campo. O MST traz uma perspectiva diferente se tratando de projetos educacionais sendo também um projeto social contra hegemônico que vão a favor dos interesses da classe trabalhadora e principalmente as pessoas do campo, assim os movimentos sociais e o MST é o protagonista levando a frente as políticas educacionais que vai além de uma educação básica. Glein (2013) reforça que é uma matriz pedagógica a relação que o MST faz entre educação e trabalho, e a pergunta que a autora faz é que: a politecnia pode ser uma alternativa para as Escolas do Campo? 2.4.1 O caráter educativo e a formação técnica no MST O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem-terra (MST), foi fundado oficialmente em 1984 na cidade de Cascavel no estado do Paraná. O seu caráter organizativo a nível nacional estaria projetado em três objetivos conjuntos: A luta pela terra, a luta pela reforma agrária e a luta pela transformação social. A sua pauta de reforma agrária no Brasil e luta contra o latifúndio improdutivo, em que a preocupação a respeito da educação é muito relevante nas ocupações de terra e, portanto, uma intensa formação política da base se tornaria uma das suas principais estratégias de luta e como base pedagógica (CALDART, 2004; RODRIGUES, NOVAES, 2017). Segundo Rodrigues e Novaes (2017, p. 257), “desde as primeiras ocupações houve a necessidade de se pensar a questão de escola e da educação para as crianças dos acampamentos”. Também para os autores, foi o que tornou o MST no maior movimento social do Brasil com preocupação na educação. Foi no início de 1980 no acampamento Encruzilhada Natalino no estado de Paraná, iniciava também as preocupações relacionado a educação das crianças que conviviam no acampamento (CALDART, 2015). Nesse sentido, uma das caraterísticas de origem do MST é a educação articulada à luta pela terra. A preocupação nos processos educativos e formativos complexifica as dimensões de formação política e também a dimensão escolar. Contudo, tem sido realizado trabalhos com educação e a elaboração de uma proposta pedagógica que atendesse a necessidade da continuidade da luta e o 38 atendimento a questões históricas como a de exclusão do acesso à escola nos acampamentos e assentamentos (CALDART, 2015). Em 1987 cria-se o setor de educação do MST, preocupado com a educação na organização, a educação primaria das crianças e adolescentes, a alfabetização e educação de jovens e adultos, o trabalho com a educação infantil e mais recentemente com a educação profissional. Também a educação de nível médio e cursos alternativos para a formação de professores das escolas conquistadas nos assentamentos e acampamentos, e com a formação de técnicos para o cooperativismo nos assentamentos. En su recorrido el MST fue construyendo una concepción de la educación, un método para la formación de las personas, una concepción de escuela, en diálogo con teorías sociales y pedagógicas producidas por otras prácticas de educación de los trabajadores en diferentes lugares y tiempos históricos. Desde el inicio de la lucha por escuelas estuvo la preocupación de hacer y entonces ir pensando lo que sería una “escuela diferente”. En los primeros encuentros nacionales, siguientes al de 1987, dos cuestiones fueron transformadas en ejes de reflexión colectiva, a partir de las prácticas y preguntas formuladas en los estados o en cada colectivo local: ¿qué queremos con las escuelas de los asentamientos (y campamentos)? y ¿cómo hacer esa escuela? De esas prácticas y reflexiones sobre finalidades educativas y métodos pedagógicos surgió la formulación de los principios de la educación en el MST, para un concepto ya ampliado de escuela (que incluye la propia educación universitaria), y la elaboración de una pedagogía del Movimiento. (CALDART; KOLLING; VARGAS, 2015). A criação de um setor de educação supre a forma de garantir que acampados e assentados possam estudar, conhecer a realidade não só da luta pela terra, mas também temas de outras naturezas como por exemplo cultura e formação, e propor alternativas para uma sociedade mais justa (TIEPOLO, 2015). Em complementação a essa consideração Correia, (2008) traz que o acesso à educação, como direito de todos, mas para que se possa obtê-la é preciso se organizar e transformar esse desejo em ações no sentido de promover a busca por esse objetivo. Contudo, no MST a educação seria uma prioridade, segundo Zibechi (2005), numa entrevista realizada a Maria Goreti de Souza em 20052, “durante as 2 SOUSA, Maria Gorete. Doutora em Educação. Fez parte da Direção Nacional do MST. ENTREVISTA. Luta pela terra: além de ocupar as terras, precisamos ocupar as letras. Edição especial. São Paulo: IBASANET, 2005. Disponível em: 39 ocupações antes de se fazer uma barraca se instala a escola”, e esse fator coloca o MST como o movimento social que mais se investiu em educação, para esse movimento a educação é uma atividade política que também é abrangente, entre os diversos temas estudados e refletidos temos a luta pela terra e a reforma agrária. Assim reafirma que, Durante os primeiros anos de luta, os Sem Terra reunidos sob a bandeira do MST tinham como prioridade a conquista da terra. Mas eles logo compreenderam que isso não era o bastante. Se a terra representava a possibilidade de trabalhar, produzir e viver dignamente, faltava-lhes um instrumento fundamental para a comunidade de luta. A continuidade a luta exigia conhecimentos tanto para lidar com assuntos práticos, como para entender a conjuntura política econômica e social. Arma de duplo alcance para os Sem Terra, a educação tornou-se prioridade do Movimento. (MST, 2016). Pode-se dizer então que a história de criação do MST vincula-se com o processo de educação. Em que o desenho de escola estaria orientado por questões cientificas com autonomia e a formas de relacionar o ensino com a realidade do lugar, e não como escolas convencionais, ou seja, apoiada na fundamentação de que a educação deveria estar integrada com as questões reais e preocupações da vivência cotidiana (CALDART, 2003). Partindo desse pressuposto, o MST constitui uma educação intencional de se pensar um conteúdo de educar pessoas sem separar a esfera educativa e o trabalho, é dizer, uma formação humana para um novo sujeito social. Na tese da autora, A Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do qual o Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de nome Sem Terra, e educando no dia a dia as pessoas que dele fazem parte. E o princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio movimento, movimento que junta diversas pedagogias, e de modo especial junta a pedagogia da luta social com a pedagogia da terra e a pedagogia da história, cada uma ajudando a produzir traços em nossa identidade, mística, projeto. Sem Terra é nome de lutador do povo que tem raízes na terra, terra de conquista, de cultivo, de afeto, e no movimento da história. (CALDART, 2003, p. 51). Nessa lógica, a pedagogia dos Sem Terra voltada a teoria e a prática são traços do processo histórico de luta do movimento social. Sendo que para desafiar a concentração da terra e latifúndio improdutivo através da reforma agrária, é Acesso em: 28 de janeiro de 2018. 40 necessária a compressão histórica da luta pela terra que antecede a formação do MST. Assim, alguns trabalhos a respeito à compreensão sobre a prática educativa são considerados como a própria formação cultural do MST desde a perspectiva de Caldart (2000; 2014), e desde os entendimentos de Rodrigues (2003) e de Paula e Savieli (2012), como processo único que se apoia na pedagogia da alternância como uma metodologia de estudo. O caráter educativo do MST nos processos formativos e educativos que acontecem no movimento pressupõe a dimensão educativa de organicidade, do trabalho e na relação entre teoria e prática. Isto é “a inserção dos educandos que continuam em outras estruturas organizativas do MST [...], e sobretudo, nos processos produtivos, econômicos, políticos, culturais e educacionais”, a necessidade de “produzir condições materiais para garantir sua existência e a produção social”, e “enquanto intencionalidade pedagógica de formação e estratégias metodológicas” (LIMA et al, 2015, p. 197 - 206). Nesta sessão propomos apresentar algumas reflexões do processo de formação técnica como estratégia pedagógica do MST que vem enfrentando o desafio de construir estratégias pedagógicas que tratem as especificidades de formação em seu sentido amplo, e enquanto processo educativo que acontecem nos territórios conquistados na luta pela terra. Para tanto, trazemos reflexões acerca dos processos metodológicos enquanto a formação professional e especialmente nos cursos técnicos formais do MST. Em seguida realçamos os cursos técnicos realizados no estado de São Paulo, e a relevância de seu enfoque na formação do sujeito na coletividade. 2.4.2 A Pedagogia da alternância e a relação educação-trabalho Neste ponto queremos trazer as reflexões acerca da pedagogia socialista de uma forma mais vinculada a experiência de luta social e política do MST. Trazer a concepção de formação humana como pilar subjetivo para a materialização histórica. Queremos focar neste ponto a metodologia educativa que combina o trabalho produtivo e o aprendizado na sala de aula. O princípio do trabalho educativo trazido por Krupskaya (2017), os fundamentos do trabalho na escola comuna de Pistrak (2013), e das condições para o processo educativo de Makarenko trazidas 41 por Filonov, (2010), põem em questão a necessidade pela educação diferente à concepção do Estado. Além disso, no cenário latino-americano a combinação de estudo e trabalho teriam profundo vínculo com a pedagogia na revolução cubana. A pedagogia no México também a solidariedade, o trabalho e a relação direta com a comunidade aparecem durante o período de revolução na segunda década do século passado. Já na experiência de movimentos sociais possuíram grande influência do Paulo Freire, em que a relação escola-comunidade- trabalho e luta social são a base da práxis-educativa. Desse modo, no Brasil, vale ressaltar que a experiência de educação humanizadora pregada por Paulo Freire ainda existe uma lacuna (CIAVATTA; LOBO, 2012, p. 565). No MST, desde 2002, por meio dos cursos oferecidos através das parcerias pretende se relacionar as práticas educativas com caraterística de período de alternância, e esta seria uma metodologia que visa o desafio de dinamizar tempos de aprendizagem e de trabalho na comunidade. Este processo educativo promovido pelo MST e parcerias é, [...] [uma) característica importante diz respeito aos tempos e espaços educativos, pela adoção da metodologia da alternância na organização dos cursos de nível médio e superior. Os tempos educativos divididos em dois períodos – tempo escola e tempo comunidade – asseguram, nos projetos, a dimensão da indissociabilidade entre os conhecimentos sistematizados no ambiente escolar e/ou acadêmico e os conhecimentos presentes e historicamente construídos pelos camponeses, nos seus processos de trabalho de organização das condições de reprodução da vida no campo e nos processos organizativos de classe. Os espaços educativos da escola/universidade e do campo são duas particularidades de uma mesma totalidade que envolve o ensino, a pesquisa e as práticas, em todas as áreas do conhecimento e da vida social. (SANTOS, 2012, p. 632). A pedagogia da alternância, ela alterna entre tempos de formação e tempos na comunidade, tempos na escola e tempo na casa (com a família e o coletivo). Alterna tempos de aprendizados conceituais com crítica e autocritica e tempos de prática, na perspectiva da formação integral do educando (NASCIMENTO, 2005, p. 65). Para Nascimento (2005) no surgimento da Pedagogia da Alternância havia três objetivos de formação, assim o autor aponta: 1ª - Uma formação técnica e prática direcionada para o conhecimento da agricultura; 2ª - Uma formação integral que assimila o entendimento das competências conceituais a nível global e, 42 sobretudo, locais, ou seja, primeiro os educandos compreendem a história da sua comunidade e depois as demais; 3ª – A formação humana centralizada nos princípios de seguidores religiosos. Além disso, [...] busca-se, na alternância de tempos e espaços, tomar a realidade do campo como ponto de partida, identificando-a com base em diagnósticos e diálogos, dos quais emergem as questões fundamentais para o estudo aprofundado ao longo do curso e para o confronto com a abstração teórica e com a experimentação laboratorial. Isso gera conhecimentos novos que, por serem fragmentados e específicos, só podem fazer sentido se, num movimento de síntese, forem permanentemente confrontados com a realidade do campo e de seus sujeitos – que são, portanto, não apenas ponto de partida, mas também ponto de chegada desse movimento dialético da construção do conhecimento. (MICHELOTTI, 2012, p. 682-683). Nessa mesma lógica, Lima (2012), a pedagogia da alternância é uma proposta diferenciada da educação convencional, pois ela ajuda o educando a ter uma visão mais abrangente, mais específica e mais analisadora, ou seja, consegue trazer para a sua realidade uma serie de conhecimentos que foram adquiridos em sala de aulas, e coloca-los em prática na sua vivência pessoal, ambiental, social e econômico, portanto Lima ressalta que a pedagogia da alternância favorece a prática educativa e contempla a defasagem do ensino escolar no campo. Os instrumentos da Pedagogia da alternância extraem da realidade concreta, elementos significativos que motivam a relação ensino- aprendizagem. Esses elementos passam por um processo de reflexão nas áreas do conhecimento, possibilitando ao jovem perceber as contradições existentes dentro do seu próprio meio. Neste momento, o indivíduo toma distancia de sua realidade e passa a analisa-la com um olhar cientifico, tomando dimensão entre o real e o ideal, sendo este a realidade projetada. (LIMA, 2012, p. 7). Por isso, a pedagogia da alternância vem inserida numa asserção a educação do campo, como tempo escola e tempo comunidade e ambas trazem princípios educativos e possui um preceito metodológico específico que é a formação de jovens no campo e para o campo através do desenvolvimento do estudo e trabalho do educando. Essa pedagogia vem contribuindo com os agricultores e as comunidades pois, os educandos aprendem conteúdos de diversas áreas do conhecimento no tempo escola e as executam no tempo comunidade, e tem por finalidade proporcionar uma educação com qualidade ao educando, fazer com que ele se torne um profissional e tenha uma ótima formação para que possa levar 43 alternativas as comunidades, ou seja, que todo seu aprendizado seja focado nas realidades do campo (CALDART, 2003; 2017). Nas considerações relevantes ao respeito da pedagogia da alternância, Caldart (2000), disse que esse tipo de pedagogia promove uma formação para fomentar práticas e técnicas para a produção de alimentos sob valores humanistas para a coletividade e a natureza. O tempo escola consiste no exercício de reflexão teórica, é um tempo concentrado. E o tempo comunidade equivalente a experiência prática exercida a partir dos conhecimentos debatidos e outras cargas empíricas para tornar o aprendizado mais eficaz. Nesse sentido a formação técnica e formação profissionalizante, sob a pedagogia da alternância supõe uma estratégia dimensionar na prática o apreendido no tempo escola, a final é o técnico o sujeito que compõe a transformação do território para o bem comum e da natureza (CALDART, 2014). A pedagogia da alternância promove uma formação técnica que tem responsabilidade compartilhada, pois, as tomadas de decisões partem de discussões coletivas, essa organicidade cria relações estreitas e de confiança com as famílias e vínculos entre diversos atores sociais. A formação técnica fortalece as relações sociais de jovens e adultos e integra e interage esse profissional no mundo da solidariedade visando o desenvolvimento sustentável nos territórios. Ela parte do modo em que um aprende com o outro, passa seu conhecimento e também aprende, seja no dia a dia, e com as experiências adquiridas, ou seja, essa é uma nova forma de se ter formação e educação, juntando a teoria e a prática, a ação e a reflexão e vice-versa, numa formação que não se para, ela deve ser contínua sempre aprendendo e transmitindo saberes diversos obtidos pela alternância (GIMONET, 1999, p. 45). Tanto a prática educativa e a experiência prática são fundamentais para lidar com diferentes situações que exige tomada de decisões, e fortalece a busca do conhecimento, agindo de forma interdisciplinar (PAULA; SAVELI, 2012). Porém, na pedagogia da alternância e a formação técnica seguem sendo desafios articulados para o exercício prático nos territórios de reforma agrária, pois ela constitui uma metodologia importante para conciliar educação e trabalho, e a qualificação profissionalização. Desse modo no marco histórico a relação de educação – trabalho, e especificamente na educação do campo, que reivindicado pelo MST e 44 especialmente na formação técnica nos objetiva a pensar na construção prática desses cursos de formação que acontecem nos assentamentos. O pressuposto sobre a educação politécnica que esteja ligada a construção da alternativa do trabalho, a pedagogia da alternância compõe a intencionalidade de formação de um novo trabalhador e não de professional ao serviço do mercado do trabalho inserido em uma lógica capitalista. A formação técnica no MST é uma proposição de possibilidade formativa diversa. “Uma formação para a compreensão e atuação no mundo do trabalho [...], a formação científica e, ainda, para o trabalho cientifico, assim como a formação cultural” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 310). Nas experiências do MST, “tem cerca de 50 turmas de cursos técnicos de nível médio e cursos superiores, em parceria com universidades e institutos federais, com cerca de 2 mil estudantes” (KOLLING; VARGAS; CALDART, 2012, p. 502). O envolvimento do MST na formação técnica “foi possível uma escala maior, potencializando a experiência acumulada de formação por alternância e vinculada aos movimentos sociais” (KOLLING; VARGAS; CALDART, 2012, p. 504). 2.4.3 Os Cursos de formação técnica do MST Para falarmos dos cursos de formação técnica do MST, é necessár