1 RECURSOS DE TECNOLOGIA ASSISTIVA E INCLUSÃO ESCOLAR: primeiras considerações sobre um estudo de caso. FÁTIMA INÊS WOLF DE OLIVEIRA (UNESP/Marília); CRISTIANY GOMES MIGUEL (Bolsista do Núcleo de Ensino/UNESP/Marília). Eixo Temático: Materiais Pedagógicos no Ensino e na Formação de Professores Introdução Estudos recentes têm constatado a necessidade de intervir e auxiliar a prática pedagógica dos profissionais envolvidos no processo de inclusão de alunos com deficiências (FREITAS, 2006). Essa iniciativa se justifica pela sua importância e relevância tanto na formação de profissionais de educação com uma visão diferenciada da inclusão, quanto na atualização constante dos conceitos de tecnologia assistiva para os profissionais da rede de ensino que atuam com deficientes visuais. Para Cortelazzo (2006) o educador precisa, também, ser preparado para atuar em equipe, desenvolvendo atitudes de ação e de recepção, de comunicação, de produção de conhecimento e de divulgação e socialização de suas descobertas, de seu conhecimento e de seus saberes e dúvidas. Dessa forma, o trabalho desenvolvido em conjunto com a bolsista desse projeto possibilitou ricas experiências educacionais para os profissionais envolvidos. Apesar de se afirmar que 14,5% da população brasileira apresente algum tipo de deficiência, a prática da tecnologia assistiva no Brasil é pouco conhecida e desenvolvida em instituições de ensino e reabilitação de indivíduos especiais. Os alunos com deficiência visual, cegos ou com visão subnormal, compõem um grupo que necessita de alguns recursos didáticos, tecnológicos e adaptações curriculares para que possam participar ativamente do processo de ensino e aprendizagem. Apesar dos esforços realizados para a capacitação dos professores do ensino regular a realidade educacional brasileira aponta lacunas e graves problemas no processo de inclusão de alunos com deficiências visuais. A tecnologia assistiva constitui-se elemento fundamental na inclusão social de pessoas com deficiência e as crianças com deficiência visual compõem um grupo que necessita desse recurso para que possam participar ativamente do processo educativo. 6423 2 Segundo Bersch (2006) construir e criar Tecnologia Assistiva no ambiente escolar é o mesmo que buscar, com criatividade, uma alternativa para que a criança realize o que deseja ou necessita. Significa encontrar uma estratégia para que ele possa “fazer” de outro jeito, valorizando o seu jeito de fazer e aumentando suas capacidades de ação e interação, a partir de suas capacidades. Representa também inovação na comunicação, escrita, mobilidade, leitura, brincadeiras e artes, com a utilização de materiais escolares e pedagógicos especiais. A criança pode também lançar mão do computador como alternativa de escrita, fala e acesso ao texto, assim, provendo meios para que o aluno possa desafiar-se a experimentar e conhecer, permitindo que construa individual e coletivamente novos conhecimentos. Desenvolvimento e metodologia da pesquisa A construção dessa escola para todos, que se pretende inclusiva, assume a posição de fortalecer e colaborar nessa construção individual e coletiva de novos conhecimentos. Fundamentado nesse princípio de apoio e colaboração para professores em busca de estratégias inovadoras que esse trabalho pretende apoiar a investigação, a indicação e a utilização de recursos de tecnologia assistiva na realidade educacional de uma criança deficiente visual matriculada em Escola Municipal de Educação Infantil da cidade de Marília, além de promover ações que continuem favorecendo o processo de inclusão educacional dessa aluna. Esta pesquisa, de perspectiva qualitativa, segundo André (1998, p. 17) “leva em conta todos os componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas”. Optou-se ainda por um estudo de caso para uma análise mais detalhada do fenômeno a ser pesquisado. As técnicas de trabalho de campo foram observação participante, entrevistas e análise de atividades acadêmicas e quanto a essas técnicas Minayo (1994, p. 59) afirma que a observação participante: “realiza-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos.” 6424 3 O objetivo deste trabalho, sendo este um estudo de caso, foi analisar o processo de inclusão de uma criança com cegueira em classe de Educação infantil. Especificamente buscou-se observar o desempenho dessa aluna; orientar e acompanhar sua professora da classe na construção e utilização de recursos de tecnologia assistiva que atendessem às suas necessidades educacionais e ainda, avaliar os efeitos dessa utilização em seu processo inclusivo. O estudo está em desenvolvimento. A escolha da criança M.C como objeto de estudo, ocorreu através do projeto “Tecnologia assistiva na deficiência visual”, do núcleo de ensino - UNESP, desde Outubro de 2009. Foram feitas observações no seu convívio escolar (12 observações) e nos atendimentos do CEES (8 observações), o qual ela freqüenta, geralmente, uma vez por semana. A M.C é cega congênita, do sexo feminino e tem atualmente 6 anos de idade; está cursando o infantil II pela segunda vez. Isso foi decidido no ano passado, em 2009 através de uma reunião com representantes da Secretaria Municipal de Educação, profissionais envolvidos no seu desenvolvimento e professores da UNESP- Marília colaboradores na Oficina Pedagógica de Deficiência Visual, que a M.C deveria permanecer no infantil II, para que pudesse adquirir competência acadêmica para ingressar no primeiro ano do ensino fundamental. COMPORTAMENTOS DA ALUNA M.C OBSERVADOS E RELATADOS PELAS PROFESSORAS DO INFANTIL II E DO CEES (atendimento especializado) A professora relatou que M. C., ao entrar na escola, só arrastava pelo chão e cheirava tudo que encontrava; não conseguia ficar sentada na cadeira como as outras crianças. A professora afirmou que é provável que esse comportamento da aluna seja por ela ter convivido desde que nasceu junto de um cachorro. A profissional, habilitada em deficiência visual que atende a M.C no CEES, também afirma que, a convivência deste cachorro pode ter contribuído para tal comportamento; os atendimentos no CEES, juntamente com a freqüência a escola, proporcionaram um progresso significativo no desenvolvimento da aluna. Atualmente, come adequadamente, sua fala é de boa compreensão (tem fala ecolalica: repetição de palavras) e não se arrasta mais pelo chão. O 6425 4 que nos chama bastante atenção em seu comportamento, é a facilidade que a M.C tem de manipular as pessoas do qual não tem um convívio diário; a aluna tenta chamar a atenção de maneiras distintas, como por exemplo, gritar, se jogar no chão, se negar a fazer as atividades propostas. A partir dos relatos e dos dados de observação foram construídos os seguintes recursos de tecnologia assistiva: DESCRIÇÃO DOS RECURSOS PARA M.C As observações feitas na escola e também no CEES subsidiaram a coleta de dados que estão sendo analisados para que possam ser construídos os recursos que atendam as necessidades educacionais devido a limitação visual da M.C e sua aprendizagem seja efetiva. Foram confeccionadas os seguintes recursos: Identificação de objetos: pirulito, elefante, panela, criança...imagens mimeografadas contornadas com barbante após serem coladas em placas pequenas de papelão. Confecção em E.V.A de elefante, circo e palhaço ( era o tema que estava sendo trabalhado no momento pela professora da sala). Lousa Braille: foi utilizada uma placa de M.D.F no tamanho de uma folha A4 e utilizado velcro para fazer as células braille. Para fazer os pontos braille, foram utilizadas bolinhas de isopor ( as menores), sendo cortadas ao meio e colado velcro em todas elas. Placa com nome: Foi utilizado E.V.A no tamanho 15x21, divisória das células feitas com velcro e pontos em braille de bolinhas de isopor coladas na placa de E.V.A formando o nome da aluna M.C. Quebra-cabeça de cobra: placa de E.V.A vasado no formado de cobra, com 26 partes cortadas, sendo cada parte representada com uma letra do alfabeto braille confeccionada com miçanga, para que a aluna possa localizar cada parte em seu devido lugar. A placa de E.V.A em cobra tem todo um cenário composto por árvores, grama e flores também em E.V.A. Poema do nome: Atividade proposta pela professora da sala para as crianças escreverem o próprio nome> em uma folha sulfite foi escrito o nome da M.C 6426 5 em braille, sendo utilizado barbante para formar está escrita, com uma circunferência que fosse possível utilizar o lápis de cor para pintar dentro. Contagem dos ovos de páscoa: Atividade proposta pela professora da sala> em uma folha sulfite, havia 3 círculos grandes que foram contornados com barbante e disponibilizado para a aluna M.C 6 bolinhas de isopor para que a mesma pudesse colar cada número de bolinhas, que representava os ovos de páscoa, em seus respectivos círculos. Abaixo de cada circulo havia a indicação do número de bolinhas que corresponderia a cada um, escrito em braille. Alfabeto braille: painel confeccionado com papel cartão, divisórias das células com velcro, e pontos em braille de E.V.A. Painel de números: foi utilizado papel cartão, divisórias das células com velcro, e pontos em braille de cortiça. Com esta pesquisa tem-se verificado que a M.C tem um grande potencial que não foi desenvolvido ao longo dos anos; é uma criança ativa, atenta a tudo que acontece ao seu redor e com muita vontade de aprender como toda criança, além da facilidade de compreender o que lhe é transmitido. É importante ressaltar que o grande progresso de desenvolvimento da M.C em todos seus aspectos, é bastante significativo desde sua entrada na escola (em 2008) e acompanhamento no CEES – atendimento educacional especializado - (em 2007); as observações apontam que essa parceria tem sido importante não só para M.C, mas para aprendizagem e desenvolvimento pessoal e profissional de todos envolvidos neste processo. Estudos realizados na área de intervenção essencial, que compararam crianças cegas com crianças videntes, assinalaram que a seqüência do desenvolvimento da criança cega é igual à da criança vidente, porém num ritmo um pouco mais lento, quanto à postura e a mobilidade. Na criança que não vê, a ausência da visão tende a interferir na construção do seu esquema corporal futuro: lateralidade, percepção e organização espacial, na orientação e identificação do mundo a sua volta. Tais estudos enfatizam ainda que a cegueira pode restringir o processo de desenvolvimento como um todo, acarretando na área da locomoção a perda do equilíbrio, dos reflexos de proteção, da coordenação motora e do sentido de justeza dos passos (FARIAS, 2003). 6427 6 É importante para o educador conhecer cada aluno, priorizar suas potencialidades, fazendo-o superar as suas dificuldades e defasagens, não se remetendo à sua marca ou a seu rótulo, pode ser mais importante e produtivo que o conhecimento do seu “laudo” ou diagnóstico. Para tanto, “a pluralidade de espaços, tempo e linguagens deve ser não somente reconhecida como promovida” (CANDAU, 200, p.13). Os dados obtidos nesse estudo, até o momento, corroboram os efeitos da utilização dos recursos adaptados no desenvolvimento de habilidades táteis e motoras das crianças. Grifin e Gerber (1996) salientaram em seus estudos que a primeira fase do desenvolvimento tátil é a consciência das qualidades táteis dos objetos, bem como, suas relações espaciais. O sentido do tato começa com a atenção prestada a texturas, temperaturas, superfícies vibráteis e diferentes consistências. Pelo movimento das mãos, as crianças cegas se dão conta das texturas, da presença de materiais, e das inconsistências das substâncias. Também, através do movimento das mãos, as crianças cegas podem apreender os contornos, tamanhos e pesos. Essas informações são recebidas sucessivamente, passando dos movimentos manuais grossos à exploração mais detalhada dos objetos. Pesquisadores comprovaram que a reflexão da criança com deficiência visual surge da sua experiência de habitar o mundo por meio de sua manipulação tátil, em que explora o objeto de forma mais próxima do que se o fizesse com o olhar ( FARIAS, 2003). A velocidade e a direção de suas mãos é que a farão sentir as diferentes texturas, temperaturas ou movimentações do ar a sua volta. Essas sensações ao tatear, que ocorrem com seus movimentos de mãos e dedos, de sua comunicação com o ambiente em sua volta e de sua locomoção no espaço encontram-se unidas no seu corpo, no mundo, e compreendidas pela reflexão sobre cada uma dessas experiências (MASINI, 1994; MASINI, 2003). O conceito de escola inclusiva foi introduzido na Declaração de Salamanca – Espanha (1997), sob o patrocínio da Unesco e do Governo da Espanha que adotam como linha de ação: “O termo necessidades educacionais especiais refere-se a todas aquelas crianças ou jovens, cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. As escolas têm de encontrar maneiras de educar com êxito todas as crianças, até mesmo as que têm deficiências graves” (p. 17). O foco de atenção deixa de ser a 6428 7 deficiência e passa a ser o aluno e o processo ensino-aprendizagem, que deve ser adaptado às necessidades específicas do aluno no contexto escolar, familiar e comunitário. A participação efetiva e conjunta dos profissionais envolvidos torna-se fundamental para o êxito desse processo – de inclusão educacional de crianças deficientes. Os recursos didáticos adaptados às necessidades educacionais de crianças com deficiências têm sido mais e mais utilizados por profissionais interessados na promoção do desenvolvimento de seus alunos. Considerar a inclusão escolar um processo irreversível impõe aos professores buscar conhecimentos e informações importantes para o processo. O atendimento educacional especializado pode oferecer apoio considerável ao professor da classe comum, na medida em que as necessidades educacionais especiais são planejadas são objeto de planejamento e atenção, as especificidades são consideradas e valorizadas no âmbito do ensino e da aprendizagem. A pesquisa em desenvolvimento pretende auxiliar os profissionais que educam crianças deficientes visuais na busca por melhores alternativas de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, conhecer seus alunos deficientes, planejar recursos de tecnologia assistiva, acompanhar sua utilização e avaliar seus efeitos sobre o processo de aprendizagem pode significar um desafio constante e recompensador. A perspectiva de uma educação que represente a igualdade de oportunidades a todos os alunos, com deficiências ou não, representa um desafio a ser vencido aos poucos, galgando cada espaço, vibrando com cada vitória alcançada em prol de uma sociedade mais justa que ofereça, de verdade, condições plenas de cidadania a todos que a ela pertencem e nela encontram-se inseridos. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 2ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 1998. BERSCH, R. Tecnologia Assistiva e Educação Inclusiva. In: Ensaios Pedagógicos. Ministério da Educação/Secretaria da Educação Especial, Brasília, 2006, p. 281- 285. CANDAU. Vera Maria (Org.) Reinventar a escola. Petrópolis, Vozes, 2000. 6429 8 CORTELAZZO, I. B.C . 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