UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DE MARÍLIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDNÉIA APARECIDA PERES HAYASHI A METODOLOGIA DA EQUIVALÊNCIA DE ESTÍMULOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O PROFESSOR DO CONTRATURNO MARÍLIA 2007 EDNÉIA APARECIDA PERES HAYASHI A METODOLOGIA DA EQUIVALÊNCIA DE ESTÍMULOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O PROFESSOR DO CONTRATURNO Trabalho apresentado à Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP - Campus de Marília, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Lourdes Morales Horiguela, como parte dos pré-requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação. MARÍLIA 2007 Ao meu esposo Rodrigo e aos meus pais Antonio e Elci. AGRADECIMENTOS A Deus, pela saúde, força e capacidade para a realização deste trabalho. À CAPES, por ter me concedido a bolsa de estudos, que se constituiu em estímulo para o desenvolvimento da pesquisa. À Profa. Dra. Maria de Lourdes Morales Horiguela (nossa querida “Lourdinha”), pela competência e dedicação dispensadas na orientação desta pesquisa. A todos os participantes da pesquisa, por sua inestimável contribuição à ciência. Aos professores componentes da Banca Examinadora, bem como aos suplentes, pela competência e dedicação à avaliação do presente estudo. Aos professores do Programa de Pós-Graduação, pela competência com que ministraram as disciplinas. Às diretoras e supervisoras dos colégios em que a pesquisa foi desenvolvida, por ter facilitado o desenvolvimento dela nas instituições. A todos os funcionários do setor de Pós-Graduação, pela atenção quanto ao atendimento e realização das tarefas solicitadas. Ao Núcleo Regional de Ensino de Londrina, pelas informações valiosas ao presente estudo. A todos que contribuíram para a realização deste trabalho. SUMÁRIO RESUMO 1-INTRODUÇÃO ................................................................................. 1 2-FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................... 5 3-MÉTODO...........................................................................................45 3.1Participantes .....................................................................................45 3.2 Materiais e local ..............................................................................46 3.3Procedimento ....................................................................................49 4- RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................61 5-CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................90 REFERÊNCIAS RESUMO Os objetivos deste trabalho foram os de capacitar professores da sala de reforço, do Ensino Fundamental, para a utilização da metodologia da equivalência de estímulos com seus alunos, por meio de um programa informatizado e, por meio da aplicação da metodologia da equivalência, verificar a história de interação de dois alunos com as figuras referentes às palavras de treino e comparar o desempenho deles com os demais, quanto à leitura generalizada. Participaram três professoras do Ensino Fundamental (sendo duas da mesma escola) e quatro alunos, dois de cada escola, apresentando dificuldades de leitura e escrita, como omissão da leitura e/ou da escrita de sílabas, troca de sílabas ou não conseguir ler e/ou escrever nem parte da palavra. As escolas ficam situadas em Londrina, Paraná. Inicialmente realizou-se a seleção dos participantes, que ocorreu por meio de indicação das supervisoras, um pré-teste de leitura com os alunos para estabelecer a linha de base e o pré-treino. No pré- treino, foram apresentadas figuras correspondentes a cada palavra que seria ensinada (palavra de treino) e solicitado à criança que dissesse o nome da figura e, para dois alunos, um de cada escola, que leram menos palavras no pré-teste, foi pedido que falassem o que conheciam sobre cada figura que estava sendo apresentada. Paralelamente, as professoras participaram de encontros para a discussão de questões teóricas relativas à metodologia, bem como para conhecer o software e aprender a manuseá-lo. Em seguida, conduziram as sessões experimentais com os alunos para a aplicação da metodologia de equivalência de estímulos, para o ensino de leitura de palavras. Os resultados demonstram que, referente à aplicação da metodologia, todas as professoras, a partir da segunda sessão de aplicação, conseguiram conduzir a sessão sem auxílio da pesquisadora e avaliaram como sendo uma metodologia fácil de ser utilizada em seu trabalho com os alunos, inclusive uma delas relatou estar utilizando o programa Mestre com outros alunos da sala de reforço. Em relação aos resultados com os alunos, constatou-se que todos conseguiram ler as palavras de treino, bem como manter essa leitura ao longo dos encontros. Quanto às palavras de generalização, todos os alunos conseguiram ler palavras novas. Todavia, os alunos que passaram pelo procedimento de ter falado o que conheciam sobre os referentes às palavras de treino, no pré-treino, conseguiram um desempenho relevante nessa tarefa, o que parece indicar que, se houver a contextualização das palavras que serão ensinadas na metodologia da equivalência, esta poderá ser ainda mais eficaz para promover a leitura das palavras de treino e, principalmente, de palavras novas. Palavras-chave: capacitação de professores; dificuldades de leitura/escrita; sala de reforço; discriminação condicional Abstract The objectives of this work were the ones of qualifying teachers of the reinforcement room, of the Fundamental Teaching, for the use of the methodology of the equivalence of incentives with your students, through a computerized program and, through the application of the methodology of the equivalence, to verify the history of two students' interaction with the referring illustrations to the training words and to compare their acting with the others, with relationship to the widespread reading. Announced three teachers of the Fundamental Teaching (being two of the same school) and four students, two of each school, presenting reading and writing difficulties, as omission of the reading and/or of the writing of syllables, change of syllables or not to get to read and/or to write nor it a part of the word. The schools are located in Londrina, Paraná. Initially was realized the participants' selection, that it happened through the supervisors' indication, a reading initial test with the students to establish the base line and the initial training. In the initial training, were presented illustrations corresponding to each word that would be taught (training word) and requested the child that said the name of the illustration and, for two students, one of each school, that read less words in the initial read, was asked for they spoke what knew about each illustration that was being presented. Parallel to that, the teachers participated of encounters for the discussion of relative theoretical subjects to the methodology, as well as to know the software and to learn to handle. Soon after, they led the experimental sessions with the students for the application of the methodology of equivalence of incentives, for the teaching of reading of words. The results demonstrated that, regarding the application of the methodology, all the teachers, starting from the second application session, got to lead the session without the researcher's aid and they evaluated how a methodology easy of being used in their work with the students, besides one of them told to be using the program Master with other students of the reinforcement room. In relation to the results with the students, it was verified that all got to read the training words, as well as to maintain that reading along the encounters. About the generalization words, all the students got to read new words. Though, the students that passed for the procedure of having spoken what they knew on the referring ones to the training words, in the initial training, they got an important performance in that task, what seems indicate that, if there is the contextualization of the words that will be taught in the methodology of the equivalence, that can be more effective to promote the reading of the training words and, mainly, of new words. Word-key: teachers' training; reading/writing difficulties; reinforcement room; conditional discrimination 1 1. INTRODUÇÃO A Análise do Comportamento, como uma ciência, contribui notoriamente em outros campos que envolvem atividades humanas, como no caso da Pedagogia. Uma das contribuições oferecidas remete-se aos procedimentos de ensino de leitura de palavras, por meio da metodologia da equivalência de estímulos. Estudos nesta área têm evidenciado a efetividade de tais procedimentos para ensinar às crianças a leitura e escrita de palavras. Com o arranjo de contingências envolvendo relações condicionais entre estímulos, é possível a emergência de relações que não necessitam ser ensinadas aos indivíduos. A metodologia da equivalência permite que o aluno aprenda palavras com compreensão, ou seja, faça a equivalência entre palavras escritas, palavras ditadas e a figura representativa destas e a transposição da leitura e escrita para outras palavras, como comportamentos emergentes. Evidencia-se, portanto, a utilidade desta metodologia aos educadores, uma vez que as dificuldades de leitura e escrita são um dos problemas mais críticos no âmbito educacional. Por meio de estudos de laboratório e aplicados, a Análise Experimental do Comportamento desenvolveu uma metodologia que tem facilitado o ensino da leitura e de palavras (por exemplo, SIDMAN e TAILBY, 1982; DE ROSE, SOUZA, ROSSITO E DE ROSE, 1989, GOYOS E FREIRE, 2000). Essa metodologia é baseada no princípio da equivalência de estímulos e envolve o procedimento da discriminação condicional, mostrando-se como mais um recurso para o ensino. Tal metodologia contribui para a aquisição de leitura compreensiva, uma vez que, por meio dela, o indivíduo torna-se capaz de compreender o que lê porque considera as palavras como equivalentes aos seus referentes, permitindo o entendimento das palavras. 2 A utilização de tal metodologia pode ser realizada por meio da informática, com o CD-ROM Mestre (GOYOS, 2004). Trata-se de um programa de ensino informatizado que permite ao professor uma aprendizagem rápida de seu manuseio, uma vez que não exige habilidades especiais para sua utilização. Em complementação, Rocha, Casarotto e Sznelwar (2003) ressaltam que o computador é um recurso importante para o professor, porém ainda não utilizado em muitas escolas, em especial as públicas. Como a leitura e a escrita são problemas freqüentes no contexto escolar e a psicologia pode contribuir neste campo, houve o interesse da autora em realizar pesquisas na área de aprendizagem. Aliado a isso, em seu trabalho como psicóloga clínica infantil, deparou-se por diversas vezes com queixas referentes à dificuldade de leitura e escrita, o que aumentou ainda mais o interesse. Com o objetivo de realizar um trabalho clínico que pudesse enfocar não somente questões de relacionamentos como também questões acadêmicas, iniciou um curso de especialização em Análise do Comportamento, no qual desenvolveu a monografia na linha da metodologia da equivalência de estímulos, aplicada a um caso clínico infantil, cuja queixa era em relação à dificuldade de leitura. Nesse trabalho a autora foi quem aplicou a metodologia com o aluno. A partir desse estudo houve o interesse em continuá-lo no mestrado, porém ensinando esta metodologia a um professor, a fim de que ele a aplicasse com seus alunos. Trabalhou-se com uma professora das primeiras séries do Ensino Fundamental, ministrante de aulas de reforço, e quatro alunos que apresentavam dificuldades de leitura. A professora conheceu a metodologia da equivalência e a utilizou com os alunos. Nessa ocasião, não houve um registro sistemático da aplicação da metodologia feita pela professora, sendo uma das sugestões dadas pela banca para futuros trabalhos. O interesse em trabalhar com professores ministrantes de aulas de reforço, no contraturno, ocorreu por ser esta uma oportunidade de se 3 trabalhar de forma mais individualizada com os alunos e, portanto, a metodologia da equivalência poderia ser um recurso a mais para estes profissionais. Com base nos resultados alcançados no trabalho de mestrado e em apresentações em congressos de educação, em que houve questionamento quanto às palavras trabalhadas na metodologia da equivalência parecerem ficar descontextualizadas para a criança, foi que planejamos para o doutorado incluir a investigação do conhecimento que o aluno já possui sobre o que seria ensinado, no caso, os referentes às palavras de treino. Nossa hipótese era que esse procedimento poderia contribuir para que um número maior de palavras de generalização fossem lidas. Adicionalmente, poderia trazer benefícios para a leitura por fazer com que as palavras que seriam ensinadas fossem contextualizadas, vindo ao encontro do que alguns educadores apontaram em congressos cujos resultados do mestrado foram relatados. Considerando a importância de ampliarmos a oportunidade de capacitação para a utilização da metodologia da equivalência de estímulos e realizá-la de forma sistemática, foi que, no projeto do doutorado, aumentamos o número de professores participantes e de colégios, bem como a proposta de realização de registro dos encontros de capacitação e do desempenho dos professores na aplicação da metodologia com os alunos. Buscamos atuar em escolas públicas porque sabemos que, em muitas escolas regulares, especialmente as públicas, devido ao fato de que há escassez de recursos e salas de aula com excesso de alunos, muitos programas e atividades de ensino são pouco adequados e não têm condições de gerar aprendizagem e nem de manter a participação e engajamento de todos os alunos. Em tal contexto, surgem dificuldades de aprendizagem, sendo as mais comuns dificuldades de leitura e escrita. Com isso, muitos alunos passam a freqüentar aulas em horário alternativo – contraturno, como complemento do ensino regular. Formado com turmas de no máximo doze alunos e período de dez horas semanais, o contraturno é uma 4 maneira de buscar melhoria na educação, pela oferta de reforço escolar a alunos que estejam apresentando dificuldades nas atividades escolares (Jornal de Educação, 2006). Frente ao exposto, os objetivos desta pesquisa foram: 1) promover encontros para capacitar professores do contraturno, do Ensino Fundamental, para a utilização da metodologia da equivalência de estímulos com seus alunos, por meio de um programa informatizado; e 2) por meio da aplicação da metodologia da equivalência, verificar a história de interação de dois alunos com as figuras referentes às palavras de treino e comparar o desempenho deles com os demais quanto à leitura generalizada. 5 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Educação A Educação é uma área científica constituída por práticas que visam à aquisição de conhecimentos adquiridos e mudança de comportamentos. As práticas educativas devem promover qualidade de vida a todos os envolvidos, qualidade esta que ultrapasse o saber técnico e busque a valorização de cada ser humano, com sua história pessoal e capacidade de se comportar e transformar práticas sociais, uma vez que educação e sociedade estão intimamente relacionadas. Debrey (2002) ressalta que a educação e a sociedade não podem ser vistas independentemente, haja vista que a educação constitui-se como uma das manifestações da vida social dos homens, isto é, de como os homens organizam-se para o trabalho e das relações de poder permeadas em sua vida, de maneira geral. Nesta direção, encontra-se a afirmação de Lourenço Filho e Monarcha (2002, p.59): o fenômeno da educação aparece como um aspecto de vida dos agregados humanos, desde os mais simples aos mais complexos. Sobre todas atua, e atua diferentemente, como ilustração e como disciplina, desenvolvendo os indivíduos e dando-lhes a configuração própria do meio cultural a que pertençam. A educação nas sociedades complexas em que vivemos acontece em diferentes âmbitos, instituições e práticas sociais. Nesse contexto, é desafio ampliar, reconhecer e 6 favorecer diferentes enfoques e espaços de produção do conhecimento, de práticas culturais e sociais, de educação sistemática e de educação assistemática. Os processos educativos são desenvolvidos considerando diferentes configurações. A diversidade de espaços, tempos e linguagens deve ser não somente reconhecida como promovida. A educação deve formar pessoas capazes de serem sujeitos de seus caminhos, de tomarem decisões conscientes, bem como assumirem um comprometimento e compromisso com um projeto de sociedade. No quadro formal de educação, o ensino deve ir além do conhecimento científico, buscando um espaço de diálogo entre diferentes saberes: científico, social, pessoal, etc. No processo educativo formal, professores e alunos constituem membros ativos, portanto, responsáveis por esta construção chamada aprendizagem ou conhecimento. Para uma prática efetiva, o professor precisa se respaldar em outras áreas e fundamentar seu trabalho em uma teoria educacional, que lhe apresente uma visão de homem com a qual ele se identifique. A prática docente pode ser beneficiada com estudos advindos de áreas como a Sociologia, História, Psicologia, dentre outras. Uma das teorias da Psicologia que contribuem para a prática pedagógica, ao explicar como ocorre a aprendizagem dos indivíduos, refere-se à Análise do Comportamento, cujos princípios filosóficos encontram-se no Behaviorismo Radical de Skinner. 7 2.2 Análise do Comportamento e Educação Já comentamos que um dos campos da Educação é o da prática docente, cujo enfoque está nas relações de ensino que proporcionem a aprendizagem. Aprendizagem diz respeito à aquisição de comportamentos e, para entendê-la, é necessário atentar para o que vem a ser comportamento para a ciência da Análise do Comportamento. Nesta concepção, os organismos se comportam e, mediante as conseqüências de seu comportamento, ocorre aprendizagem. E o que vem a ser comportamento? A Ciência do Comportamento, ou Análise do Comportamento, de B. F. Skinner, estuda o comportamento e suas relações com o ambiente (variáveis externas ao comportamento). O termo comportamento é definido como sendo a interação entre o organismo e o ambiente, produzindo alterações recíprocas. Skinner (1998) postulou que há dois tipos de comportamentos: o respondente, ou reflexo, e o operante. O comportamento respondente implica em um processo de interação entre um evento ambiental e o organismo, em que há estímulos específicos eliciando respostas específicas, o que significa que a resposta não é emitida, mas provocada pelo estímulo antecedente. Este tipo de comportamento ocorre em nível fisiológico e pode ser incondicionado ou condicionado. No contexto educacional, um exemplo de respondente condicionado poderia ser um professor que, com freqüência, humilha seus alunos ou os ameaça. Neste caso, a sua presença, que antes era neutra, pode evocar reações emocionais nos alunos, ditas como medo ou raiva, acompanhadas de respondentes, como sudorese, taquicardia, etc. Já o comportamento operante foi assim denominado por operar sobre o ambiente, produzindo conseqüências, ao contrário do respondente, que ocorre em nível fisiológico. Os alunos, por exemplo, comportam-se e seu comportamento produz 8 conseqüências no ambiente, como um retorno positivo do professor para a participação dos alunos em sua aula. O comportamento operante pode ser verbal (mediado pelos outros) ou não-verbal (interação do organismo com o ambiente mecânico) e constitui a maior parte do repertório comportamental do indivíduo, aprendido ao longo de sua vida. O comportamento do organismo como um todo é produto de três tipos de seleção: filogenética, ontogenética e cultural (CATANIA, 1999). A Análise do Comportamento compreende cada tipo de seleção para entender o comportamento, admitindo os princípios da variação e seleção como essenciais para garantir a sua evolução. O primeiro, a seleção filogenética, envolve as mudanças graduais que ocorreram ao longo de extensos períodos de tempo, e que são responsáveis pelos comportamentos de uma determinada espécie. Como nem todos os ambientes são estáveis, os organismos tornaram-se capazes de aprender, sendo que a própria capacidade de aprender deve ter sido selecionada. Os aspectos do ambiente que permanecem constantes ao longo de toda a vida são aprendidos em uma única vez. Entretanto, aspectos mutáveis do ambiente são aprendidos e depois descartados e assim por diante, pois as mudanças ambientais são contínuas. A aprendizagem foi fundamental na evolução do comportamento, possibilitando o segundo tipo de seleção, a ontogênese. A seleção ontogenética, ou ontogênese, envolve a seleção do comportamento pelas suas conseqüências, o comportamento operante, que ocorre na presença de eventos antecedentes. As relações entre os eventos antecedentes, o comportamento e suas conseqüências recebem o nome de contingências. O comportamento tem conseqüências e uma propriedade relevante dele é que pode ser afetado por elas. Os estímulos devem ocorrer em alguma relação com o comportamento, o qual faz com que algo aconteça (conseqüências). As conseqüências do comportamento podem retroagir sobre o organismo. Quando isso acontece, 9 podem alterar a probabilidade do comportamento ser emitido no futuro. As conseqüências que produzem aumento da probabilidade do comportamento vir a ser repetido são denominadas estímulos reforçadores, ou reforços, e as que causam diminuição da probabilidade são chamadas estímulos negativos ou punição. Os reforçadores podem ser positivos ou negativos. Skinner (1998) ressaltou que um reforçador positivo fortalece o comportamento que o produziu. Uma nota alta é um reforçador positivo para o comportamento de estudar e, provavelmente, o comportamento de estudar acontecerá novamente em outras situações de avaliação. Por outro lado, um reforçador negativo fortalece um comportamento que reduza, faça cessar ou evite um estímulo negativo, como quando o aluno se recusa a participar de uma aula em que sabe que haverá um exercício que ele não consegue realizar. Os comportamentos operantes, em geral, são complexos e envolvem múltiplas contingências atuando em diferentes relações, simultânea e/ou sucessivamente, como, por exemplo, nas relações entre os eventos antecedentes, resposta e conseqüências, no operante discriminado; ou nas relações envolvendo uma condição e um antecedente, e a resposta e a conseqüência, em uma discriminação condicional. As respostas reforçadas diante de um estímulo específico podem ser emitidas também em presença de estímulos que possuam propriedades comuns com o estímulo discriminativo. A esse processo dá-se o nome de princípio da generalização ou indução de estímulos. Tal processo é visto no ensino, quando, por exemplo, o aluno aprende a ler uma sílaba e a identifica em outras palavras (generalização da leitura). “Uma vez colocado o comportamento sob o controle de um dado estímulo, freqüentemente verificamos que outros estímulos também são eficazes. A extensão do efeito a outros estímulos denomina-se generalização ou indução” (SKINNER, 1998, p.145). A discriminação e a generalização são processos de controle de estímulos sobre o comportamento e são interligados. 10 O comportamento aprendido, durante a vida de um organismo particular, tende a se extinguir, a não ser que seja, de alguma forma, transmitido para outros. Uma terceira variedade de seleção, a cultural, se dá quando o comportamento pode ser passado de um organismo para outro, como na imitação ou, sobretudo, na linguagem ou comportamento verbal. Por intermédio do comportamento verbal, o indivíduo recebe informações sobre as contingências, em vez de observá-las. Aprender com os outros é extremamente importante no comportamento humano. Um amplo conjunto de nossos comportamentos é aprendido dessa forma, seja por meio de interações entre membros da família e outros, ou em contexto formal das instituições educacionais. Assim, a complexidade das interações entre o homem e seu ambiente, nos três níveis de seleção por conseqüências (filogênese, ontogênese e cultural), formam o contexto no qual ele aprende a se comportar. A partir dessas interações, ocorrem duas formas de aprendizagem: aprendizagem pelo contato direto com as contingências e aprendizagem social ou comportamento governado por regras. A Análise Comportamental das questões educacionais considera tal explicação para a modificação do comportamento humano e esses dois modos de aprender, atribuindo ao ensino formal um papel relevante. A Educação para Skinner (1998) “é o estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para outros em algum tempo futuro” (p.437). O ensino formal, ao preparar o aluno para as situações que ainda ocorrerão, coloca os operantes discriminativos sob controle de estímulos que possivelmente estarão presentes nessas situações futuras. O ensino deve pretender possibilitar o desenvolvimento de habilidades e a aquisição de conhecimentos acerca do mundo e de si, importantes para a sobrevivência do indivíduo como membro da espécie, como pessoa e como participante de uma cultura. Desse modo, o indivíduo é preparado para se comportar em outros contextos, ou seja, a generalizar o 11 que vivenciou no ambiente educacional. As conseqüências não educacionais determinarão se o indivíduo continuará a se comportar da forma em que foi instruído a fazê-lo. “O comportamento que é facilitado pelo processo de ensino seria inútil se não fosse eficaz no mundo em geral, na ausência de contingências instrucionais” (SKINNER, 1972, P.83). Concebendo a educação como um preparo para situações futuras, a Análise do Comportamento defende o ensino formal e programado, ressaltando que este possibilita a agilização e maximização de mudanças comportamentais aprendidas que, caso não o fosse, poderiam demorar a ocorrer ou até nem ocorrer. O professor é o responsável por planejar e executar as contingências instrucionais que viabilizam a aprendizagem de seus alunos. E como educador, é de suma importância que o professor tenha claro que o seu trabalho de ensinar deverá ser de modo a tornar o aluno cada vez mais independente das instruções recebidas. Conforme Zanotto (2004), na perspectiva comportamental os objetivos do ensino devem especificar comportamentos do aluno, os quais devem conter, em sua formulação, a explicitação das ações a ocorrer de modo a possibilitar o estabelecimento das condições que as propiciam, a saber, de contingências de reforçamento, como também das conseqüências produzidas por estas ações. Ao professor compete a formulação dos objetivos e promover condições para que o aluno se comporte de acordo com o estabelecido e de forma a gerar conseqüências que contribuam para a manutenção do comportamento adquirido. Desde medidas simples, como a organização do espaço físico da sala de aula e da escola, tornando- os ambientes estimulantes e atrativos, a criação de reforçadores arbitrários (como notas, por exemplo) explicitamente contingentes aos comportamentos pretendidos pelo ensino, até medidas mais complexas que permitam a transição para contingências naturais inerentes ao ambiente físico e social do cotidiano do aluno, eis as ações que deverão ser tomadas pelo 12 educador. O professor deverá propiciar um espaço para a aquisição de conhecimentos que serão vantajosos para o aluno e para outros. E o que vem a ser conhecimento na perspectiva comportamental? O conhecimento que é adquirido no ambiente educacional trata-se de comportamento socialmente acumulado, o comportamento verbal. Como grande parte da educação é constituída pelo comportamento verbal, vale destacar seu conceito e suas características. 2.2.1 Comportamento Verbal Skinner (1957) definiu o comportamento verbal como sendo todo comportamento que é mediado por outras pessoas. Segundo Catania (1999), o comportamento verbal, em si mesmo, não faz algo. Ele torna-se eficiente somente pela mediação do outro. A forma não é o principal: a pessoa quando está comprando algo, por exemplo, pode pedir o que quer por meio de palavras, apontar para o que deseja comprar, ou ainda, fazer o pedido por escrito. Todavia, a mediação pelos outros é elemento essencial de todo comportamento verbal, pois é modelado e mantido pelas práticas de uma determinada comunidade verbal, portanto, é um comportamento social. Todo episódio verbal é composto pelo falante e pelo ouvinte, podendo ser os dois uma única pessoa. O comportamento verbal envolve tanto o comportamento do ouvinte, que é modelado pelas suas conseqüências sobre o comportamento do falante, como o comportamento do falante, que é modelado pelas conseqüências sobre o comportamento do ouvinte. Tais reciprocidades definem o comportamento verbal. “Uma das conseqüências mais gerais do comportamento verbal é que, por meio dele, um falante pode 13 mudar o comportamento do ouvinte. As palavras são meios de levar as pessoas a fazerem coisas” (CATANIA, 1999, p.272). Conseqüências variadas mantêm o comportamento verbal e fazem parte de contingências naturais na interação, as quais constituem uma rede complexa de reforço. O comportamento pode produzir tanto conseqüências verbais como não-verbais, mas, de qualquer modo, a mudança no comportamento do ouvinte é o resultado. Com freqüência, os comportamentos dos indivíduos dependem daquilo que eles foram instruídos a fazer, isto é, seguem instruções. Em geral, dizemos uns aos outros o que fazer e o que dizer. O comportamento determinado particularmente por antecedentes verbais é chamado de comportamento governado por regras, que diferem do comportamento modelado diretamente pelas contingências naturais. “Algumas instruções afetam o comportamento não-verbal (“Vem cá”, “Sente”, “Vá embora”); outras afetam o próprio comportamento verbal (“Conte-me uma história”, “Diga, por favor”, “Cale-se”) (CATANIA, 1999, P. 275). A função primordial do comportamento verbal é a instrução, que tem como conseqüência a mudança do comportamento do ouvinte, em qualquer contexto que aconteça. No contexto educacional, por exemplo, o professor, ao definir um termo, está detalhando as circunstâncias em que o termo e sua definição serão utilizados corretamente pelo aluno em uma situação futura. Grande parte da educação constitui-se de instruções sobre o comportamento verbal. O educador orienta o estudante acerca de como utilizar palavras, dizendo como deve comportar-se. A instrução fornecida por uma figura legendada age rapidamente: a pessoa que a vê sabe, de imediato, o nome do objeto e o significado da legenda. Uma definição é uma forma mais interna de instrução, mas seu efeito consiste tão somente em uma resposta verbal poder ser aplicada a outra. 14 Para se compreender o comportamento verbal, Skinner definiu oito categorias de comportamento verbal do falante sobre o ouvinte, chamadas por ele de operantes verbais, a saber: comportamento textual, transcrição, ditado, comportamento ecóico, tato, mando autoclítico e intraverbais (MATOS, 1991). Como a ênfase deste estudo está na leitura e escrita, abordaremos as categorias referentes ao comportamento textual, transcrição e ditado. O comportamento textual, de acordo com Skinner (1957), é a nomeação das palavras. Este comportamento, considerado operante, caracteriza a possibilidade de emissão de uma resposta verbal observável pública ou privadamente e que se encontra sob o controle de estímulos visuais específicos. No aprendizado de leitura existem muitos comportamentos operantes verbais, sendo que respostas verbais ficam sob o controle de estímulos visuais. No comportamento textual, conforme Catania (1999), a correspondência arbitrária entre a resposta vocal e o estímulo discriminativo visual é evidente, por serem estes de diferentes modalidades. Uma palavra escrita ou um desenho é um estímulo visual, não possuindo som. Já uma palavra falada é um estímulo auditivo, não tendo forma. Todavia, a comunidade verbal estabelece as relações entre esses estímulos, arbitrariamente, e seus membros, por sua vez, familiarizam-se com tais relações ao ponto de, comumente, não perceberem a natureza arbitrária entre eles. O comportamento textual difere de outros tipos de respostas a estímulos verbais escritos. Por exemplo, uma pessoa que esteja dirigindo um veículo depara-se com uma placa com a palavra PARE. Ler a palavra em voz alta é um comportamento textual, mas parar não. Ou seja, respostas textuais são o simples ato de pronunciar as palavras de uma página, em que não há compreensão do que se está lendo, pois ler implica em um comportamento, mas respostas textuais são apenas uma parte da leitura. Quando se está ensinando uma criança a ler e escrever, o professor pode ignorar a distinção existente entre os 15 estímulos verbais e as respostas verbais, não se lembrando que possuem aspectos diferentes. Se o ensino ocorrer de tal maneira, a criança poderá ler uma história inteira, mas não compreender o que foi lido. A leitura com compreensão inclui outros comportamentos com ou sem fala vocal ou subvocal, portanto, ela é mais do que simplesmente um comportamento textual. A compreensão envolve um repertório maior de pareamento com objetos, desenhos, situações e eventos. Assim, para haver o ensino de leitura com compreensão é necessário ensinar equivalência entre as modalidades vocal e escrita do comportamento verbal. Nosso vocabulário cotidiano obscurece essas distinções, talvez porque tais equivalências sejam facilmente estabelecidas nos humanos, ou talvez porque o ensino da língua seja planejado para eliminá-las, ou talvez ambas as coisas (CATANIA, 1999, P.257). Os estímulos e as respostas verbais também podem corresponder quando estão escritos. Nesse caso, o comportamento verbal é denonimado transcrição. A título de exemplo, poderíamos pensar no aluno que copia o que a professora está passando no quadro, ou quando copiamos um número da lista telefônica. Na transcrição, podemos distingüir entre os movimentos envolvidos na produção de palavras e sua visualização, na transcrição, sendo que a transcrição depende de correspondências de propriedades verbais e não-visuais. Catania (1999, p. 255) pontua que: Uma sentença escrita à mão pode ter uma aparência muito diferente do texto impresso do qual ela foi transcrita (por exemplo, as letras manuscritas cursivas são escritas juntas, mas as impressas não). Contudo, escrever a sentença qualifica-se como transcrição, se a sentença manuscrita corresponder à impressa quanto à soletração, ordem das palavras e pontuação. 16 Do mesmo modo como um estímulo escrito estabelece a situação para uma resposta vocal, um estímulo vocal determina a ocasião para a resposta escrita. Tal classe de comportamento verbal é denominada ditado, e o foco concentra-se na resposta do ouvinte que recebe o ditado. As unidades do ditado geralmente são palavras ou frases inteiras. Contudo, letras separadas também podem fazer parte, por exemplo, quando se ensina à criança o alfabeto escrito. O ditado envolve estímulos e respostas de diferentes modalidades, assim como ocorre com o comportamento textual. De acordo com Catania (1999, p.257): Algumas de suas propriedades especiais resultam do registro relativamente permanente produzido no texto escrito. Além disso, as ocasiões para o ditado são mais limitadas do que para o comportamento textual, porque, ao contrário do nosso aparato vocal, os instrumentos para a escrita não são parte da nossa anatomia. Entretanto, ambos tipos de comportamento, textual e o ditado, são formalmente similares, e essa relação deve ser considerada pelo educador. Adotando uma concepção de ensino como transmissão de conhecimento, portanto, de comportamento verbal, a Análise do Comportamento entende a educação como tendo papel fundamental em contribuir para a transmissão e sobrevivência de uma cultura. Cultura, conforme Skinner (1972), diz respeito aos conhecimentos, habilidades e práticas sociais e éticas que acontecem numa certa comunidade verbal, e que são aprendidos e mantidos pelos seus membros, por meio de contingências de reforço social. À instituição educacional compete a transmissão de tais práticas e conhecimentos, capacitando os novos membros de um grupo a aprender as próprias experiências. Como um dos componentes da 17 educação é a transmissão de conhecimentos, convém ater-se à questão do conhecimento na perspectiva comportamental. Quando dizemos que alguém possui conhecimento sobre algo, significa que a pessoa possui comportamento. Possuir um comportamento, como ressalta Skinner (1998), não requer que a resposta esteja armazenada no interior do organismo. O comportamento só existe quando ele está sendo emitido diante de situações adequadas para sua execução (controlada por certos estímulos). A execução do comportamento exige um sistema fisiológico constituído de órgãos motores e receptores, nervos e um cérebro. Tal sistema foi modificado no momento da aquisição do comportamento e é este sistema modificado que é possuído, portanto trata-se agora de um organismo modificado. Esse autor afirma: Freqüentemente é útil falar de um repertório de comportamento que, como o repertório de um músico ou de um conjunto de músicos, é aquilo que a pessoa ou grupo de pessoas seja capaz de fazer, dadas as circunstâncias adequadas. O conhecimento é possuído como repertório nesse sentido (SKINNER, 1998, p. 119). Conhecimento é ação, logo, quando se diz que a pessoa conhece ou sabe algo sobre determinado termo, assunto etc., quer dizer que ela possui várias formas de comportamento com relação a eles. Conhecemos matemática se formos capazes de executar cálculos ou darmos respostas verbais adequadas no que concerne a esse assunto. As maneiras de conhecer dependem de uma exposição prévia a contingências de reforçamento ou também como um tipo especial de conhecimento, se formos capazes de formular regras, instruções, orientações ou leis, que é o conhecimento verbal. Skinner (1972) destaca que é de relevância fundamental ao professor, para o planejamento eficaz do ensino, o conhecimento de cada um de seus alunos, mesmo que 18 parcialmente, no que diz respeito aos comportamentos já aprendidos e às variações quanto à suscetibilidade aos reforçadores disponíveis na situação de ensino. Conhecer os alunos importa identificar comportamentos que já estão disponíveis nos repertórios deles, o que já conhecem sobre os assuntos a serem estudados, sua história de aprendizagem, a fim de planejar, no que for possível, condições favoráveis para que todos possam aprender. Verificando o que os alunos já conhecem sobre um dado termo ou assunto, o professor consegue identificar as interações que ele já possui com estes eventos, o que contribui para o seu planejamento. Possibilitar que os alunos apresentem um comportamento que, sabidamente, conseguem emitir pode se constituir em uma condição adicional para o professor planejar situações em que um novo comportamento venha a ser ensinado de maneira eficaz e em que os alunos o aprendam adequada e até facilmente (ZANOTTO, 2000, P. 68) Em complemento, Kubo e Botomé (2001) destacam que o processo de ensino- aprendizagem é apenas uma denominação para um complexo sistema de interações comportamentais entre professores e alunos, chamados de comportamentos de “ensinar”, para o primeiro, e comportamentos de “aprender”, para o último. “Há uma estreita e bem definida ligação entre “ensinar” e “aprender”. Os dois tipos de eventos estão relacionados e são interdependentes” (KUBO e BOTOMÉ, 2001, p.151). Em se tratando dos comportamentos de “ensinar” do professor, os autores salientam a importância deste considerar alguns aspectos da realidade dos alunos que são cruciais para que o seu planejamento de ensino possa realmente contribuir para a promoção do comportamento de “aprender” dos alunos. Primeiramente, o professor deve levar em conta a situação-problema, que corresponde à relação entre o que o aluno faz e a realidade em que o 19 faz, caracterizada por um desempenho inicial frente a uma determinada situação e que gera um certo resultado. Sem conhecer a realidade com a qual o aluno deve estar apto a lidar, o desempenho que é capaz de apresentar e o que ele consegue obter (resultado) com esse desempenho, o professor corre o risco de, por ignorá-los, apenas “apresentar informações e cobrar adesão dos alunos”, com se falar sobre as informações apresentadas ou “agir de acordo com receitas dadas” fossem as grandes características definidoras do que constitui “ensinar” (KUBO e BOTOMÉ, 2001, p. 151-152) Outro aspecto a ser considerado pelo professor para suas ações diz respeito ao comportamento do aluno para resolver a situação-problema. Para tanto, é necessário, por parte do professor, a investigação e o conhecimento da realidade do aluno e de como resolver o problema para poder, então, definir os comportamentos alvo (objetivos de ensino). Os autores ressaltam que é fundamental também o conhecimento das características do aprendiz, a saber: idade, habilidades que já desenvolveu, aspectos físicos, biológicos, etc. Os comportamentos do professor devem ocorrer também sob o controle de tais características, que influenciarão na decisão acerca dos objetivos, das aprendizagens intermediárias a desenvolver para se atingir os objetivos, bem como os procedimentos do programa de ensino e na complexidade de cada unidade de ensino a ser desenvolvida. Mas além dos conhecimentos socialmente acumulados, a educação deve enfatizar novos comportamentos e novas soluções para os problemas, já que a cultura deve também mudar para garantir sua sobrevivência. Zanotto (2000) salienta que é atribuída à educação formal a tarefa de promover a evolução da cultura, fazendo com que os alunos desenvolvam repertórios comportamentais que, além de aproveitar o conhecimento acumulado, propiciem comportamentos novos e originais, visando se comportarem eficazmente no futuro, sem a presença do professor. O ensino destes comportamentos é 20 denominado de ensino do autogoverno, em que o indivíduo, aprendendo a modificar os fatores que interferem em seu comportamento e estabelecendo condições que fogem aos padrões pré-determinados, aprende a responder a elementos sutis do ambiente e a se comportar de maneira caracterizada como original. “O estudante aprende a observar, a reunir materiais relevantes, a organizá-los, e a propor soluções experimentais. Esse procedimento é essencial em seu preparo para outros tipos de ocasiões futuras” (SKINNER, 1998, p.447). Kubo e Botomé (2001), corroborando Skinner, chamam a atenção para o fato de que, além da mudança de um comportamento inadequado para um adequado, o processo de “ensinar” apresenta como característica o aumento da probabilidade de ocorrência de novas maneiras de se comportar diante de situações com características parecidas às da situação- problema, bem como outros comportamentos do aprendiz, não ligados diretamente aos objetivos de ensino. “As condições de ensino e os objetivos, principalmente quando são de boa qualidade, tendem a possibilitar outras aprendizagens em relação a eles próprios” (KUBO e BOTOMÉ, 2001, P. 155). Além das contingências escolares, ao se tratar da educação, esta envolve também outras contingências que ultrapassam os muros da escola, como aponta Robinson (2001). Pelo ambiente escolar não se remeter unicamente a uma contingência, e sim a um conjunto de circunstâncias, tal conjunto é denominado macrocontingência. São considerados outros contextos, atuais e passados, em que os participantes da educação encontram-se: social, político, econômico, religioso, familiar, história de aprendizagem etc., assegurando melhor compreensão das relações de ensino-aprendizagem. De acordo com Luna (2001), a Análise do Comportamento tem muito a oferecer para a prática pedagógica, conforme já citado. Sugere algumas estratégias de ação para que a educação possa utilizar-se dessa abordagem científica do comportamento humano. 21 Dentre essas estratégias, destacam-se: a produção, pelos analistas do comportamento, de material educacional possível de ser aprendido pelo professor para situações de ensino; e a preparação do professor para usá-lo, pois afirma que o trabalho direto com o professor tem uma possibilidade de multiplicação dificilmente alcançada pelo trabalho direto com o aluno. Luna (2001) destaca a importância da Análise do Comportamento para a capacitação de professores, o que se constitui em um dos objetivos do presente estudo. Portanto, abordaremos a seguir alguns estudos aplicados da Análise do Comportamento na capacitação docente. 2.3 Análise do Comportamento e a Capacitação Docente Um dos temas abordados nos cursos de formação inicial ou continuada de professores (sendo a última também denominada em alguns textos como capacitação) remete- se às teorias da psicologia, que apresentam explicações sobre os comportamentos e o processo de aprendizagem. Contudo, com freqüência se constata que muitos professores, após participarem de um curso que apresentou alguma teoria ou características de teorias da aprendizagem, como por exemplo, do Construtivismo de Piaget, da Teoria Sócio-histórica de Vigotsky, dentre outras, dizerem que compreenderam os aspectos da teoria divulgada, mas que continuam não sabendo o que fazer quando estão com os alunos na sala de aula; ou seja, como colocar em prática o que ouviram nos cursos. Como apontou Luna (apud Gióia, 2004, p. 50-51): 22 A tradução de uma teoria qualquer em práticas pedagógicas não é simples, direta e, em muitos casos, nem sequer pretendida, como é o caso típico da teoria piagetiana e dos estudos de Emilia Ferreiro. Supondo-se que a teoria seja mesmo funcional para a educação, o que os responsáveis diretos pelo ensino precisam conhecer é quais são os princípios desta teoria e de que forma eles podem se reverter em procedimentos aplicáveis. Considerando esta colocação de Luna e sua afirmação anterior de que os analistas do comportamento precisam produzir material educacional que possa ser utilizado pelo professor em sua prática, bem como prepará-lo para a sua utilização, é que abordaremos a contribuição da Análise do Comportamento para a capacitação de professores, descrevendo alguns estudos realizados. Zanotto (2004) cita um estudo desenvolvido por Marmo (2002), que procedeu à análise de resumos de artigos publicados entre 1968 e 2000 no Journal of Applied Behavior Analysis. Como resultado, constatou-se que 11% dos trabalhos se referiam a pesquisas empíricas em educação, sendo a maioria (79,9%) em sala de aula. Contudo, apenas em 9,5% desses estudos os participantes eram profissionais da educação (docentes e diretores). Um levantamento dos trabalhos acerca da formação de docentes publicado entre 1960 e 1980, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP, em 1980) também foi apresentado por Zanotto (2004). Neste, das 310 publicações, nove trabalhos se referiam à área da psicologia para a formação de professores, e somente um desses nove trabalhos poderia ser enquadrado como um estudo fundamentado na ciência da Análise do Comportamento. Nessa direção se destaca o estudo de Rodrigues (2005), que analisou a contribuição do Behaviorismo Radical para a formação de professores, a partir de teses e dissertações brasileiras das áreas de Psicologia e de Educação, no período entre 1970 e 2002. 23 Foram verificados 10.174 títulos e resumos de trabalhos defendidos em programas de pós- graduação strictu sensu brasileiros, em treze instituições em que havia possibilidade de encontrar produção em Análise do Comportamento/Behaviorismo Radical (AC/BR). Desse conjunto, foram encontrados 282 trabalhos no total, correspondendo a 2,77% da produção de teses e dissertações nos programas analisados. Dos 282 trabalhos foram lidos os resumos de 265 (voltados à educação em geral), sendo focalizados os seguintes aspectos: local e instituição de defesa, orientadores e produtividade das instituições. Os dezessete trabalhos restantes foram direcionados especificamente à formação docente (0,16% do total), sendo analisados na íntegra, de acordo com categorias construídas com base em sugestões fornecidas pelos autores: BIJOU, 1970; ZANOTTO, 1997 e GIÓIA, 2001; atrelados com a proposta de Skinner. A análise enfocou as características gerais e também aspectos referentes à Filosofia, conceitos básicos e pesquisa da Análise do Comportamento, além do ensino propriamente dito. Os resultados apontam que os autores justificam a realização dos trabalhos devido à necessidade de superação do despreparo e ausência de formação específica dos professores na realização de funções educacionais. Houve nos trabalhos a predominância de delineamento experimental e misto, sendo que o número de professores e alunos envolvidos nos estudos pode ser considerado reduzido (por volta de 85 professores e 1.800 alunos), decorrente do pequeno número de trabalhos encontrados ao longo do período de 32 anos da análise. Outro dado relevante se refere ao predomínio dos autores em dedicar-se às séries iniciais do Ensino Fundamental, vindo em seguida a educação básica/infantil e a educação especial, não aparecendo nesta análise trabalhos englobando o ensino superior, médio e a segunda etapa do ensino fundamental. 24 O conteúdo mais enfatizado é o ensino propriamente dito, sobretudo a autonomia do professor quanto ao planejamento e execução de planos de ensino, considerando para quem ensina a partir de avaliação do repertório inicial dos alunos, o que ensina – estabelecimento de objetivos – e “como ensina”, especificamente algumas de suas subcategorias, tais como: emprego correto e efetivo de reforçadores; promoção e manutenção da generalização do comportamento após a instalação; respeito ao ritmo do aluno e individualização do ensino; observação e manutenção de registros sobre o comportamento dos alunos; gradação dos conteúdos e da dificuldade; propor e utilizar estratégias e procedimentos de ensino. A ênfase em como ensinar e na importância do professor ser ensinado a ensinar aparece como contribuição relevante dos trabalhos analisados, respeitando a individualidade, portanto não como fornecimento de regras que se encaixem em todos. Outros estudos encontrados enfocando a Análise do Comportamento e a capacitação docente também evidenciam resultados avaliados como positivos pelos pesquisadores e pelos participantes. Tais estudos envolvem a aplicação da Análise do Comportamento na capacitação de professores em diferentes contextos. Um dos trabalhos mencionados é o de Figueiredo et al. (1999), que teve como objetivo discutir, por meio de um curso de formação continuada, a aplicabilidade dos princípios do comportamento produzidos pela Análise Experimental do Comportamento como possíveis auxiliadores dos métodos de ensino utilizados em sala de aula. O curso foi organizado por três professores e quatro alunos de graduação de uma faculdade. Participaram do curso 27 professores do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública, divididos em duas turmas, em turnos diferentes. As aulas foram ministradas diariamente, durante uma semana. O material teórico constou de um fascículo da Coleção Ensinando/Aprendendo, 5º volume (Analisando a relação professor-aluno: do planejamento à sala de aula). Ao final, foi 25 realizada uma avaliação do curso quanto aos seguintes aspectos: metodologia adotada; compreensão teórica; recursos utilizados; desempenho dos instrutores e sugestões, incluindo auto-avaliação. Os resultados encontrados revelaram que 78% dos professores solicitaram que mais cursos como esse fossem realizados. Quatro professores (17,39%) verbalizaram que nunca haviam participado de um curso de formação continuada. Doze professores (52%) afirmaram que, após o curso, não seriam mais os mesmos em suas salas de aula, nem em relação à escola. Todos os participantes fizeram avaliações positivas em relação ao desempenho dos instrutores. Outro trabalho é o de Joly e Kubo (2001), cujo objetivo geral se pautou na capacitação de professores de musicalização infantil, de forma a se tornarem profissionais observadores, perspicazes e capazes de desenvolver um ensino de música voltado não apenas para o desenvolvimento de aptidões musicais, mas também direcionado para o ensino de aptidões visando à cidadania. Para isso, elaborou-se um programa de ensino considerando o conceito de objetivo de ensino e a concepção de comportamento de acordo com o conhecimento que a Análise do Comportamento tem permitido descobrir sobre conduta humana. Os objetivos específicos foram: a identificação de comportamentos envolvidos no processo de planejar, executar e avaliar aulas de musicalização para crianças; descrição dos objetivos comportamentais envolvidos em uma classe de comportamentos selecionada “adaptar as atividades planejadas às situações de ensino desenvolvidas”, e, por fim, a descrição das situações de ensino equivalentes aos objetivos comportamentais, em termos de condições antecedentes facilitadoras, respostas de aprendizagem e conseqüências planejadas para as respostas de aprendizagem. 26 A aplicação do programa de ensino envolveu duas professoras-aprendizes e dois grupos de crianças, alunos de musicalização. A estratégia geral de ensino das professoras-aprendizes foi a de acompanhamento de suas atividades pela pesquisadora, que atuou como supervisora, na preparação, condução e avaliação das aulas. Como resultados, os autores encontraram que, com o ensino programado, as professoras se tornaram capazes de aumentar gradualmente a apresentação de comportamentos de adaptar procedimentos de ensino às características de seus alunos, com autonomia crescente, adaptação cada vez mais complexas e para contextos diversificados. Verificou-se que, quando a formação de professores se baseia em programas de ensino com a característica de acompanhar o desempenho do professor em sala de aula, a aprendizagem de planejar e desenvolver aulas apropriadas aos alunos ocorre de forma gradativa e crescente, de modo que ao final do programa de supervisão, esses professores estarão aptos a enfrentar melhor as situações que surgirem em sua vida profissional. Delage (2006) desenvolveu um estudo cujo objetivo foi conhecer a prática de professores que atuam em um curso superior de formação de profissionais em hotelaria. Pretendeu-se investigar como os professores participantes desenvolvem suas práticas pedagógicas, no intuito de identificar facilidades e dificuldades no processo de ensino para, posteriormente, apresentar propostas de trabalho em futuras intervenções para superação de eventuais dificuldades. Esse estudo se apoiou no Behaviorismo Radical e nos princípios da Análise do Comportamento, para proceder à reflexão sobre o papel da educação e sobre o processo ensino-aprendizagem. Participaram quatro professores responsáveis por disciplinas de modalidade prática, ministrantes de aulas para uma turma do período vespertino. Nas aulas práticas essa turma era dividida em duas, de modo que os professores atuavam com 17 e 18 alunos por 27 aula. Os dados foram obtidos por meio de observação em situação natural, com registro cursivo. Observou-se a atuação docente como acontece no contexto de sala de aula, sem interferência da pesquisadora. A pesquisadora descrevia tanto a ação pedagógica do professor quanto os comportamentos dos alunos em relação a essas ações. Foram registrados os comportamentos do professor e dos alunos na seqüência em que ocorreram durante as aulas. A observação e registro ocorreram em quatro aulas de cada professor participante. Os dados coletados foram analisados com base na Análise Funcional, focalizando-se as interações pedagógicas entre professor e alunos. Notou-se, em geral, que todos apresentaram domínio do conteúdo dado e o comportamento do professor se mantinha sob o controle da aprendizagem do aluno. Destacam-se também comportamentos de incentivo à participação do aluno, criação de situações que permitiam a emissão de comportamentos que estavam sendo ensinados, acompanhamentos e devolutivas das atividades feitas pelos alunos. De acordo com a observação realizada, os autores levantaram como hipótese que havia planejamento das aulas, com objetivos estabelecidos, uma vez que os professores instruíam os alunos sobre o que iriam estudar, faziam explanação/exposição do conteúdo e organizavam previamente os recursos necessários para o desenvolvimento das aulas. Por fim, identificaram-se nesse estudo ações dos docentes que se mostraram produtivas e devem ser uma das metas dos cursos de formação de professores. Na área da equivalência de estímulos aplicada ao ensino da leitura e escrita, como uma das contribuições significativas da Análise Experimental do Comportamento à Educação, encontramos o trabalho de Ribeiro (1997), que desenvolveu uma pesquisa cujos objetivos foram: levar crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental a superar dificuldades na leitura de palavras, por meio da aplicação dos princípios da Análise do Comportamento, 28 utilizando recurso multimídia, bem como testar o programa de ensino desenvolvido com auxílio de professores de 1ª a 4ª séries. Participaram desse estudo nove professores do Ensino Fundamental, sendo um da 1ª série, cinco da 2ª série, dois da 3ª série e um da 4ª série; e dezesseis alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo quatro alunos da 1ª série, cinco da 2ª série, seis da 3ª série e um da 4ª série, com idade entre 7 a 12 anos, apresentando dificuldades na leitura de palavras. Todos os participantes eram da mesma escola. Foram realizados quatro encontros com as professoras, coletivamente, a fim de capacitar o professor quanto à fundamentação teórica na qual o estudo se baseou, além de permitir que as professoras pudessem manipular o microcomputador e conhecer as possibilidades do software Mestre. Logo após, houve a aplicação do programa de ensino de leitura com os alunos, orientados pelas professoras participantes e, por vezes, pela pesquisadora. De forma geral, os resultados indicam que os professores que tiveram acesso ao programa de capacitação com uma metodologia de ensino informatizada demonstraram ter compreendido a proposta do programa Mestre. Os alunos conseguiram ler todas as palavras ensinadas no programa e algumas palavras novas, reduzindo a dificuldade de leitura. Na mesma linha de pesquisa encontramos o estudo de Tini (2001), envolvendo um programa de capacitação de professores de educação especial. Os objetivos específicos constaram da verificação da elaboração de um programa de ensino por meio do programa Mestre, feito pela professora participante, com base nas dificuldades de aprendizagem apresentadas pelo aluno participante; verificar se a professora construiu tarefas, utilizando o Mestre, para constatar a emergência das relações de classes equivalentes realizadas pelo aluno e, por último, identificar se a professora aprendeu os princípios da Análise do Comportamento 29 e, especialmente, a metodologia de discriminação condicional e a formação de equivalência de estímulos. Participaram dessa pesquisa uma professora de Educação Especial, responsável pelas atividades pedagógicas desenvolvidas em computador, e um aluno, portador de deficiência mental, apresentando dificuldade de leitura, sendo indicado pela mesma professora. O procedimento foi dividido em três fases: Na Fase 1, foram realizados dois encontros com a professora, sendo que no primeiro foram filmadas as situações de interação entre a professora e o aluno, e no segundo encontro a professora respondeu um questionário para se verificar o quanto ela conhecia acerca dos princípios da Análise do Comportamento. Na Fase 2, a professora participou de onze encontros, sendo estes divididos em três etapas. A primeira etapa constou de três encontros: no primeiro, inicialmente a pesquisadora demonstrou o programa para a professora e, em seguida, esta o manipulou, executando suas funções. No segundo encontro, foi verificado se a professora recordava as funções que o programa Mestre possui, especialmente a programação de tarefas. No terceiro encontro a professora executou as funções do software. Na segunda etapa houve três encontros em que se abordou os princípios da Análise do Comportamento, especificamente os da equivalência de estímulos e de discriminação condicional. A terceira etapa consistiu na elaboração e aplicação de um programa de ensino de leitura de palavras com o aluno participante, realizado pela professora. Foram realizados doze encontros com o aluno, sendo três por semana. Por fim, na Fase 3, houve novamente a filmagem das situações de interação entre a professora e o aluno, e respondido o questionário contendo questões referentes aos princípios da Análise do Comportamento. Os resultados apontaram que o método de ensino empregado permitiu que a professora aprendesse a manipular o software Mestre e a elaborar tarefas para a aplicação do 30 programa de ensino com o aluno, bem como aprendesse sobre os princípios da Análise do Comportamento, particularmente a equivalência de estímulos. A aplicação do programa de ensino propiciou ao aluno a aprendizagem de leitura de todas as palavras ensinadas. Outro dado relevante diz respeito à interação professora-aluno que, anteriormente à passagem pelo programa de capacitação, a professora apresentou maior freqüência de comportamentos de ameaça e punição, enquanto que, após a intervenção, esta passou a se relacionar de forma menos coercitiva, apresentando comportamentos como explicar, responder ao aluno etc. O presente estudo também utilizou a metodologia da equivalência de estímulos, a qual será descrita a seguir. 2.4 Metodologia da equivalência de estímulos como recurso para o ensino de repertórios verbais Dentre as habilidades acadêmicas básicas, destacam-se o comportamento de ler e de escrever. Isto porque permitem que o indivíduo aumente as suas interações com o mundo. Quando o indivíduo não consegue ler e/ou escrever, ou ainda, apresenta dificuldades para essas tarefas, comumente enfrenta limitações nos relacionamentos interpessoais, uma vez que estes requerem o desempenho em atividades que envolvem tais desempenhos. E justamente as dificuldades de aprendizagem que mais se destacam nas escolas referem-se às dificuldades de leitura e de escrita. Por que isso acontece? Como apontou De Rose (1999), em muitos casos, os programas educacionais não são adequados o suficiente para atender às 31 necessidades dos alunos e propiciar a aprendizagem de todos, no mesmo ritmo. Se a criança não teve um bom preparo pré-escolar e não tem um ambiente familiar que promova interesse por assuntos acadêmicos, pode-se deparar com atividades de ensino pouco adequadas e que não lhe facilitam atingir as expectativas e exigências do professor, vindo a apresentar dificuldades para ler e escrever. Nesse caso, passam a necessitar de aulas para complementação do ensino regular, no período do contraturno escolar. A fim de contribuir nesta direção, muitos pesquisadores na área de Análise do Comportamento vêm estudando e propondo estratégias de ensino, envolvendo procedimentos de discriminação condicional e discriminação por exclusão e analisando o processo de formação de classes de estímulos equivalentes (por exemplo, SIDMAN & CRESSON,1973; MACKAY & SIDMAN, 1984; DE ROSE, SOUZA, ROSSITO & DE ROSE, 1989; GOYOS & FREIRE, 2000; LIMA E ASSIS, 2003). A leitura e a escrita, de acordo com Albuquerque e Melo (2005), podem ser analisadas como uma rede de repertórios verbais interligados, os quais podem ser adquiridos mediante procedimentos de discriminação condicional. Sob o ponto de vista desta proposta, considera-se que palavras ditadas, palavras impressas e seus respectivos referentes, por controlarem desempenhos verbais comuns (ex.: ler e/ou escrever), pertencem à uma mesma classe de estímulos equivalentes. Catania (1999) ressalta que “ensinar a ler e a escrever é ensinar equivalências entre as modalidades vocal e escrita do comportamento verbal” (p. 257). No apresentado por Albuquerque e Melo (2005), os estímulos são equivalentes tão somente quando se tornam intercambiáveis, substituíveis uns pelos outros no controle do comportamento. Em se tratando de equivalência de estímulos, as funções adquiridas por um estímulo, no controle de um comportamento operante, transferem-se para outro estímulo, o 32 que significa que um comportamento operante comum deve ser controlado por estímulos diferentes. Essa definição, embora parecida com o processo de generalização, é distinta dele, uma vez que os estímulos que formam uma classe que controla um comportamento comum apresentam relações arbitrárias entre si, enquanto no processo de generalização os estímulos apresentam similaridade física entre si. A metodologia da equivalência envolve o procedimento de discriminação condicional e, em muitos estudos, este é combinado com o procedimento de exclusão (também conhecido como aprendizagem sem erros). A partir destes procedimentos, testa-se a emergência de relações de equivalência entre os estímulos. As discriminações condicionais entre estímulos são treinadas com o uso do procedimento de escolha de acordo com o modelo (do inglês matching to sample) e, posteriormente, verifica-se a emergência de novas relações condicionais, sem treino direto, envolvendo esses estímulos. No treino de discriminação condicional, uma resposta a um estímulo discriminativo é reforçada somente na presença de um estímulo condicional particular e não quando estão presentes outros estímulos. De acordo com este procedimento, são apresentados ao indivíduo um estímulo modelo e dois ou mais estímulos de comparação, em que ele deverá estabelecer qual deles é o correto. Se fizer a escolha certa haverá a apresentação de um estímulo reforçador. O treino envolve classes de estímulos modelo e classes de estímulos de comparação. Cada estímulo modelo é relacionado condicionalmente a um estímulo de comparação, formando-se uma discriminação condicional. O estímulo condicional não atua diretamente sobre a resposta, mas controla o outro estímulo que age sobre ela. A primeira pesquisa sobre equivalência de estímulos foi desenvolvida por Sidman, em 1971. O autor trabalhou com um adolescente de dezessete anos, portador de microencefalia e déficits de desenvolvimento. O participante foi submetido a um 33 procedimento que envolvia duas fases de treino de escolha de acordo com o modelo, nas quais discriminações condicionais entre palavra ditada-palavra impressa e palavra ditada-desenho foram treinadas. Em seguida aos treinos, diferentes testes, como a nomeação de palavra impressa, pareamento palavra impressa-desenho e pareamento desenho-palavra impressa, foram feitos. Ele obteve como resultados a emergência dos desempenhos testados após os treinos de escolha de acordo com o modelo. Em outro estudo que envolvia uma réplica desse experimento, com duas crianças com síndrome de Down, Sidman e Cresson, em 1973, encontraram resultados iguais, explicados com base na transferência das equivalências treinadas (palavra ditada-desenho e palavra ditada-palavra impressa) para a relação de equivalência envolvendo palavra impressa e desenho. Contudo, foi em 1982 que Sidman e Tailby fizeram uma pesquisa que levou à noção de equivalência como sendo quando estímulos se tornam substituíveis uns pelos outros no controle de um comportamento operante, e que determinou uma metodologia de investigação sobre o fenômeno, que engloba a realização de treinos de escolha de acordo com o modelo e de testes que avaliam as propriedades que caracterizam a equivalência de estímulos. Nesse estudo, participaram oito crianças, na faixa etária correspondente entre 5 e 7 anos de idade, as quais passaram por três treinos de escolha de acordo com os modelos chamados AB, AC e DC. O conjunto de estímulos A era constituído de nomes ditados de letras gregas e os conjuntos B, C e D compostos de diferentes letras gregas impressas, formados por três estímulos cada. Mediante os treinos, avaliou-se a emergência das relações condicionais DB, BD, AD, BC, CB (testes combinados de transitividade e simetria) e CD (teste de simetria e a nomeação oral das letras gregas pertencentes aos conjuntos de estímulos B, C e D). Encontraram em seis crianças a emergência de três classes equivalentes, compostas 34 por quatro estímulos, que foram: A1B1C1D1; A2B2C2D2 e A3B3C3D3 e a emergência de três classes de equivalência, formadas por três estímulos (A1B1C1; A2B2C2 e A3B3C3) para os outros dois participantes. De Rose, Mcllvane e Stoddard (1986) propuseram a combinação do procedimento de discriminação condicional ao de exclusão. Ao ensinar discriminação condicional são programadas tentativas de treino em que um dos estímulos de escolha é facilmente discriminado pelo indivíduo, ou seja, é um estímulo conhecido (estímulo definido). Com isso, diante de dois estímulos de comparação, sendo um definido, a pessoa seleciona o estímulo ainda não relacionado a um modelo, o estímulo indefinido, excluindo o estímulo de comparação definido. McIlvane, Serna e Icledaras (1997) expuseram trinta e quatro indivíduos com deficiência intelectual moderada e severa a um protocolo de avaliação, que examinava o comportamento em várias tarefas de discriminação, pareamento com o modelo e nomeação. Um dos testes referiu-se ao de exclusão, sendo que em cada tentativa de exclusão era apresentada uma figura desconhecida junto com uma figura familiar e um novo nome era ditado. O propósito era verificar se os participantes selecionavam a nova figura em resposta a um novo nome, talvez por exclusão do estímulo de comparação conhecido ou relacionando o novo estímulo. Os dados obtidos revelaram a alta proporção de participantes que sempre selecionou a figura desconhecida quando o novo nome foi ditado. Dos trinta e quatro, trinta apresentaram tal comportamento, enquanto que três dos quatro restantes cometeram somente um ou dois erros, indicando que, em geral, os participantes da pesquisa cometeram poucos ou nenhum erro nas tentativas de linha de base durante o teste de exclusão. Carrara e Peres (2004) encontraram resultados semelhantes em um estudo realizado com quatro crianças, apresentando dificuldades de leitura de palavras. Elas foram expostas a dez sessões que envolviam o treino de discriminação condicional por exclusão (relação AC – palavra ditada- 35 palavra impressa), o treino da relação CE (anagrama) e testes para verificar a emergência de relações condicionais. Um dos resultados revela que, durante todo o treino de discriminação condicional por exclusão, não houve respostas incorretas dos participantes. De Rose, Mcllvane e Stoddard (1986) concluíram que a exclusão poderia ser um meio de propiciar a aquisição rápida e sem erros de discriminações condicionais. Por meio desta combinação, o indivíduo consegue diferenciar a palavra que já conhece daquela que ainda não conhece e aprende a palavra nova por exclusão da conhecida. Em um estudo realizado por De Rose, De Souza e Melchiori (1992) com pré-escolares, houve a combinação de passos de exclusão com testes de equivalência e generalização. Em seus resultados verificou-se que eles aprenderam a ler as palavras de treino e apresentar leitura generalizada no decorrer do programa. Tais resultados também foram obtidos em um estudo conduzido por Medeiros et al. (1997), cujos autores salientam que o procedimento de discriminação condicional e aprendizagem sem erros pode, de fato, constituir-se em estratégia pedagógica fundamental dentro de uma metodologia de ensino. Além de permitir a aprendizagem de leitura correta em crianças com experiência de fracasso escolar ou com dificuldades de leitura, apresenta-se como uma alternativa de trabalho em relação ao método tradicional. De acordo com Sidman e Tailby (1982) quando, no mínimo, duas discriminações condicionais relacionadas são estabelecidas, além de relações condicionais entre os estímulos, pode-se observar também relações de equivalência que não foram diretamente ensinadas. Quando essas relações são constatadas, afirma-se que os estímulos tornaram-se equivalentes, isto é, membros de uma classe de equivalência, por terem adquirido a mesma função. A determinação de relações de equivalência a partir de treinos de discriminação condicional ocorre quando se testam relações não treinadas de reflexividade, simetria e transitividade (SIDMAN E TAILBY, 1982). A propriedade de reflexividade 36 implica que qualquer elemento deve ser igual a ele mesmo. A simetria diz respeito à reversibilidade entre estímulo modelo e comparação. Para se demonstrar a transitividade é necessário o treino de uma relação condicional adicional. Por exemplo, estabelece-se a relação entre modelos A (palavra ditada) e estímulos de comparação B (figura), e entre modelos B e estímulos de comparação C (palavra impressa). Após esse treino testa-se a possibilidade de emergência da relação AC. Além disso, o teste completo de equivalência consiste em verificar se esta relação transitiva (AC) é simétrica, ou seja, em constatar se o sujeito estabelece o pareamento entre o modelo C e os estímulos de comparação da classe. “Se, portanto, a equivalência emergiu das unidades de quatro termos de controle condicional, explicitamente construídas, os sujeitos mostrar-se-ão capazes de apresentar discriminações condicionais que nunca lhes foram explicitamente ensinadas” (SIDMAN, 1986, p.14). Para Baptista (2000), dada a equivalência entre desenhos, palavras impressas e palavras faladas, responder a cada um deles é como responder a qualquer outro, pois agora constituem-se membros de um mesmo conjunto. Dessa forma, a metodologia da equivalência de estímulos contribui para a aquisição de leitura compreensiva. O indivíduo é capaz de compreender o que lê porque trata as palavras como equivalentes aos seus referentes, então as palavras são entendidas. Albuquerque e Melo (2005) citam que as classes de equivalência envolvendo palavras ditadas, palavras impressas e seus respectivos referentes têm sido indicadas como o fundamento para a compreensão de um dos principais aspectos da linguagem, o significado. “De acordo com o paradigma de equivalência, o significado de uma palavra corresponderia à classe de estímulos à qual a palavra se tornou equivalente” (p. 254). Nessa concepção, as palavras possuem uma referência simbólica, referindo-se a eventos, objetos, ações ou qualidades. 37 A metodologia de equivalência com o procedimento de discriminação condicional possibilita, além da aprendizagem de leitura de palavras com compreensão (pareamento das figuras com as palavras), a identificação textual correta das unidades mínimas (letras e sílabas) dessas palavras, podendo ainda promover o estabelecimento de leitura generalizada de outras palavras que contêm tais unidades. Os estudos de De Rose et al. (1989; 1996) realizados com crianças que apresentavam dificuldades de leitura, mostraram que o ensino de relações entre palavras ditadas e palavras escritas (AC) produzia os desempenhos emergentes esperados a partir da formação de classes de equivalência (BC, CB e CD). Esses estudos revelaram também que, conforme se expandia o repertório de relações de equivalência para um número maior de palavras, as crianças mostravam-se capazes de ler palavras não diretamente ensinadas. No estudo de Carrara e Peres (2004) os autores também encontraram como resultados dos testes de equivalência a emergência das relações testadas BC, CB e CD. Todos os participantes conseguiram ler todas as palavras de treino, e três deles algumas palavras de generalização, sendo que um deles conseguiu ler poucas palavras novas. Esse participante apresentava maior dificuldade do que os outros, quando comparados os pré- testes de leitura. De Rose et al. (1989; 1996) afirmaram que a exposição a um maior número de palavras de treino e, conseqüentemente, a uma maior diversidade de sílabas e fonemas ocupando diferentes posições, pode gerar melhoria na nomeação de palavras novas. Tais desempenhos vão ao encontro do que foi sugerido por Skinner (1957), de que o controle por unidades menores, como sílabas, grafemas e fonemas componentes das palavras, pode ser aprendido quando uma unidade maior, a palavra como um todo, é correlacionada com o reforço. 38 Souza et al. (2004) vêm desenvolvendo um trabalho para o estabelecimento de repertórios de leitura e escrita, utilizando os procedimentos da equivalência de estímulos, procurando maximizar as possibilidades de emergência de novas relações, derivadas de outras diretamente ensinadas. Esses procedimentos foram integrados na criação de um currículo suplementar para acadêmicos com história de fracasso escolar, implementados em uma unidade de iniciação à leitura, em que podem participar alunos da rede pública de ensino que apresentam dificuldades na aprendizagem de leitura em sala de aula, ou para outras populações, como alunos de classes especiais e adultos analfabetos. Os procedimentos de ensino vêm sendo empregados em versões informatizadas, como uma etapa inicial visando o atendimento em larga escala e o estabelecimento de repertórios básicos que permitam o avanço para repertórios mais complexos. Os repertórios básicos envolvem o reconhecimento de palavras ensinadas, o reconhecimento generalizado de palavras e a leitura de pequenos textos. Em todos os níveis, o objetivo é a leitura compreensiva e, à medida em que os textos vão ficando mais complexos, a leitura com fluência, o automonitoramento da leitura e o estabelecimento de funções reforçadoras para a atividade de ler. Dados preliminares revelaram que, após dois semestres de intervenção, os alunos liam cerca de 100% das palavras ensinadas (palavras de treino) e de 20 a 100% de palavras de generalização, sendo a média de 67,2%, enquanto os alunos que permaneceram na escola liam, respectivamente, 22,3% e 23,3% dos dois conjuntos de palavras. Tais resultados indicaram esse programa suplementar como uma alternativa eficaz para ajudar alunos com história de fracasso escolar a superarem dificuldades na fase inicial de aquisição de leitura. Em consonância com os resultados descritos, D’Oliveira e Matos (1993) afirmaram que é possível haver a identificação textual correta das letras e sílabas das palavras treinadas porque o ensino de leitura por meio do procedimento de formação de classes de 39 equivalência pode fazer com que a leitura fique sob o controle das sílabas e letras constituintes das palavras lidas. Conforme Matos e Peres (1997, p.47): ...unidades verbais escritas menores que a palavra (como sílabas e/ou letras) também poderiam vir a controlar operantes verbais textuais. Neste caso, a recombinação dessas unidades e de seus respectivos operantes textuais, produziria leitura generalizada por recombinação. Como a leitura e a escrita podem ser analisadas como uma rede de repertórios interligados, quando a criança apresenta dificuldades em ler palavras com sílabas recombinadas, muitas vezes o treino de construção de palavra (anagrama) pode auxiliar na superação desta dificuldade. A construção de palavras consiste em apresentar a palavra escrita como modelo e, juntamente, fornecer as letras que formam a palavra, na forma impressa. Pede-se que a criança forme a palavra de acordo com o modelo, selecionando as letras correspondentes. Estudos elucidaram que o ensino do desempenho de montar palavras a partir de suas letras apresenta relação com a emergência de novas relações condicionais envolvendo as palavras impressas montadas e sua nomeação (por ex.; DE ROSE, DE SOUZA e HANNA, 1996; HAYDU e PERES, 1999). Como evidenciam os resultados, ainda que os desempenhos de leitura e escrita possam ser adquiridos independentemente, a constatação de que a composição das palavras com suas letras está relacionada à emergência da nomeação de palavras indica uma inter-relação entre leitura e escrita. Esse treino parece facilitar a leitura de palavras de generalização (DE ROSE et al., 1989; DE SOUZA, 2000), em muitos casos, possibilitando a redução de dificuldades de leitura. Estudos na área da equivalência comprovam também a eficácia desse procedimento no que diz respeito à ordenação com base nas relações condicionais aprendidas, 40 por meio do procedimento matching to sample (escolha de acordo com o modelo). Lima e Assis (2003) fizeram um estudo envolvendo cinco participantes, que foram submetidos a um procedimento de pareamento consistente modelo-Sc (modelo e estímulos de comparação), no qual foram solicitados a relacionar um conjunto de dígitos ou numerais ordinais (modelos) com três conjuntos diferentes de formas geométricas abstratas (comparações), sem conseqüências diferenciais imediatas. Três participantes foram capazes de relacionar condicionalmente os dígitos com as formas e apresentar comportamento de ordenação por meio das relações condicionais treinadas. A verificação de classes seqüenciais pressupõe que todos os estímulos nas classes sejam mutuamente substituíveis no controle de um mesmo desempenho, e que qualquer propriedade controladora adquirida por um membro da classe deva ser compartilhado por todos os outros membros, indicando a formação de classes equivalentes. 2.4.1 Versão informatizada da Metodologia da Equivalência Quanto à utilização do computador para a aplicação da metodologia da equivalência de estímulos, encontram-se, por exemplo, os estudos desenvolvidos por Stromer, Mackay e Stoddard (1992), propondo o emprego dessa metodologia como complemento do ensino em sala de aula. Suas pesquisas esclarecem a metodologia para o uso do recurso de informática no ensino de leitura para alunos que apresentam dificuldades dessa natureza. Os estudos destes autores demonstram a importância de se enfocar a ortografia para complementar o processo de aquisição da linguagem. Recomenda-se então que, principalmente para aquelas crianças que apresentam desenvolvimento aquém do esperado ou 41 deficiência de atenção, ou ainda dificuldades consideráveis de aprendizagem, aplique-se um trabalho cuidadoso e com uma metodologia específica. Para essas crianças são indicados repetidos treinos até que o indivíduo consiga realmente mostrar a aquisição das relações para a leitura e escrita e, por meio de teste imediato, comprovar se a aprendizagem ocorreu. Além disso, enfatizam a relevância de tal metodologia por propiciar o pareamento de estímulos auditivos e visuais. Adicionalmente, há a possibilidade da aquisição de tais relações pela criança, o que não ocorre com o ensino tradicional, em que as propostas são livros de exercícios com a apresentação apenas do estímulo visual. Como complemento, os autores concluem que o próprio recurso de informática já apresenta um efeito motivador sobre a realização das tarefas pelas crianças. Tais resultados de pesquisas contribuíram para a sistematização metodológica da utilização de procedimentos para a formação de classes de estímulos equivalentes, disponibilizando ao ensino mais um recurso eficaz para o trabalho com alunos que estejam apresentando dificuldades de leitura e escrita. Outro programa informatizado relevante nesta área refere-se ao programa Mestre, utilizado no presente estudo. Baseia-se no procedimento de discriminação condicional (escolha de acordo com o modelo) e testes de equivalência. Este programa é útil tanto para pesquisadores como para educadores em geral, e tem como objetivo o ensino de relações de discriminação condicional; para o estudo do princípio de equivalência de estímulos e para o ensino de habilidades acadêmicas simples. A primeira versão do programa foi desenvolvida em 1994, por Goyos e Almeida, sendo posteriormente denominado Mestre, versão 1.0, utilizando-se o Director, versão 4.0 (Macromedia, 1994), como ferramenta de desenvolvimento com o apoio da FAPESP e da Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos, São Paulo (GOYOS, 2004). 42 Este software é dedicado a educadores e outros profissionais atuantes na área de educação infantil e do ensino fundamental, como também aos pais. Com o intuito de facilitar a interação do usuário com a ferramenta, durante o processo de programação das lições, o programa dispõe de telas com desenhos representando as possibilidades de ação contidas no manual de instrução eletrônico. O Mestre foi desenvolvido visando a servir como um recurso de auxílio ao ensino de habilidades acadêmicas para crianças a partir da idade de três anos. Para aproveitar satisfatoriamente todas as capacidades deste programa, é fundamental que o educador conheça as necessidades de aprendizagem da criança, o qual no caso é chamado aprendiz. Segundo Goyos: Com o Mestre, o educador cria um conjunto de tarefas, que são automaticamente gravadas com uma identificação fornecida pelo educador, que o aprendiz deverá chamar para solucionar. De acordo com a programação, o software diz para o aprendiz quando houver acertos e erros. Após o aprendiz ter executado um conjunto de tarefas, o software produz um relatório com o desempenho do aprendiz em cada uma das tarefas resolvidas (2004, p. 289). Estudos que foram realizados utilizando-se o programa Mestre, fundamentado na metodologia da equivalência de estímulos (LEON; FREIRE apud GOYOS, 2004), demonstraram sua eficácia em promover a aprendizagem das relações treinadas e a formação de relações de equivalência. Foram identificadas também outras vantagens de se utilizar os procedimentos informatizados, tais como: a precisão, a eficiência na programação, a obtenção imediata dos resultados e o controle de variáveis que pudessem afetar o ensino. Medeiros et al. (2004) chamaram atenção para o fato de que os métodos de alfabetização utilizados em sala de aula, em muitos casos, não tem diminuído os índices de repetência nas séries iniciais. Por essa razão, fizeram um estudo enfocando o comportamento de leitura e escrita como 43 objeto de estudo. Para isso, utilizaram o programa Mestre. Os objetivos foram o ensino de um repertório de leitura e escrita, composto de palavras regularmente utilizadas nas séries iniciais, e o desenvolvimento e sistematização de um procedimento de ensino, via software. O procedimento empregado foi o de exclusão. Foi solicitada a um grupo de alunos, a nomeação oral do estímulo modelo antes de escolher e/ou montar as palavras que estavam sendo ensinadas. Os resultados indicam uma alta probabilidade da aprendizagem sem erro das relações ensinadas, bem como leitura das palavras de generalização, além de mostrar efeitos diferenciais entre os grupos, ou seja, facilitação para o grupo sem o procedimento de nomeação oral. O programa mencionado, além de conter um manual explicativo, o qual é um facilitador para sua utilização, é um recurso que requer poucas habilidades técnicas quanto ao uso do computador, facilitando a utilização e aprendizagem pelo professor que não tenha domínio desse tipo de conhecimento. Portanto, revela-se como uma estratégia de ensino aplicável à área de leitura e escrita, especialmente com alunos que participam de aulas de reforço no contraturno. No Paraná, Estado onde foi desenvolvida a pesquisa, o contraturno foi implantado em todas as escolas a partir de 1988, juntamente com o Ciclo Básico de Alfabetização (CBA). O CBA visa, fundamentalmente, a impedir a interrupção do processo de alfabetização, respeitando o ritmo e as características de cada criança. De acordo com a Secretaria de Estado da Educação (2003), recomenda-se que na implementação do CBA se reserve um espaço/tempo para o contraturno, pelo menos duas horas, com a finalidade de atender aos alunos que necessitem de atenção e de maior apoio, para que sua aprendizagem se torne mais consistente. Assim, o contraturno é mais um recurso para se evitar a retenção ao final do ciclo. 44 Dessa forma, percebe-se que o trabalho do educador, no contraturno, tende a ser direcionado especificamente às necessidades de cada aluno, o que facilita a aprendizagem e utilização do programa informatizado Mestre para a construção de um repertório de leitura e escrita, sendo um recurso a mais para o educador. 3- MÉTODO 3.1 Participantes 45 Participaram deste estudo três professoras do contraturno, sendo que duas pertenciam ao mesmo colégio, e quatro alunos do Ensino Fundamental, sendo dois de cada colégio, ambos públicos, situados na cidade de Londrina, Paraná. Os critérios para a participação dos alunos eram apresentar dificuldades de leitura e/ou escrita e não apresentar deficiência auditiva e/ou visual, uma vez que este estudo enfocou alunos que estivessem com dificuldades metodológicas e que poderiam ser beneficiados com a metodologia da equivalência de estímulos. Dois participantes do colégio W. D. apresentavam dificuldades de leitura de palavras, enquanto os outros apresentavam maior dificuldade na escrita, principalmente um deles. As características de cada participante encontram-se descritas no quadro abaixo: Quadro 1: Características de cada participante da pesquisa. Participante Categoria Sexo Série Idade Colégio P. Professora F. ----- 25 W. D. R. Professora F. ----- 51 W. D. E. Professora F. ----- 40 D. V. I. Aluno M. 3ª 10 W. D. H. Aluno M. 3ª 12 W. D. L. H. Aluno M. 2ª 08 D. V. L. Aluno M. 1ª 07 D. V. 3.2 Materiais e Local Foram utilizados: microcomputador, com recurso multimídia, placa de som, alto-falantes, CD-ROM, software Mestre (Goyos e Almeida, 1994, da Mestre Software); 46 gravador com fita cassete; questionário semi-estruturado para ser respondido pelos professores participantes, referentes à avaliação da aplicação da metodologia, em cada sessão. O software Mestre é destinado a professores da educação infantil, ensino fundamental de 1ª a 8ª série, pais e educadores em geral. Em sua página inicial há um menu com as seguintes opções: a) um conjunto de tarefas de leitura, escrita, inglês, geografia, matemática e história, totalizando 150 tarefas; b) acesso a uma tela de programação por meio de um ícone com a imagem de um adulto diante de um microcomputador, que possibilita criar tarefas de escolha de acordo com o modelo, podendo ser estabelecido um modelo e até três estímulos de escolha. Os estímulos modelo podem ser imagens, sons ou palavras impressas. Os estímulos de escolha podem ser imagens, palavras impressas, letras para formar palavras ou a opção de quadros azuis que podem ser estipulados como estímulo de escolha, correspondendo à resposta correta ou incorreta, diante da emissão do som pela criança; c) acesso a uma tela por meio da qual pode-se selecionar o relatório do desempenho nas tarefas realizadas pelas crianças; d) um ícone na forma de um gravador, o qual dá acesso a uma tela em que estão listados os nomes dos arquivos contendo os sons programados; e) um ícone na forma de uma câmera fotográfica que fornece acesso a uma tela em que estão listados os nomes dos arquivos contendo as imagens que podem ser visualizadas para conhecimento. O programa contém ainda um manual eletrônico para facilitar o aprendizado de seu uso. Algumas das telas que foram utilizadas no presente trabalho serão descritas brevemente, para facilitar ao leitor o entendimento do programa: a) Imagens: estão representadas no menu por uma máquina fotográfica. Para abrir a tela referente a imagens, o usuário deve levar o cursor até a figura da máquina fotográfica e clicar com o mouse. Na tela que se abre há, do lado direito, uma relação nominal das imagens 47 disponíveis no programa. O clicar sobre um nome é seguido da apresentação da figura, no lado esquerdo da tela. b) Sons: são representados por um gravador. Ao abrir esta opção aparecerá uma tela com uma relação de nomes dos sons contidos no Mestre. O clicar sobre um nome fará com que esse nome apareça à esquerda da tela e, para ouvir o som, basta clicar na figura de um gravador que está localizado no canto inferior do lado esquerdo. c) Criando Tarefas: o educador deverá utilizar essa tela, na qual há um ícone com a imagem de um adulto diante de um microcomputador, para a programação de todos os conjuntos de tarefas que desejar criar ou modificar os conjuntos já existentes para os aprendizes. Para solicitar um novo conjunto de tarefas, deverá clicar na lâmpada localizada acima da figura de uma menina no canto superior direito. Em seguida, uma nova tela se abre, para que a lição seja preparada, contendo um conjunto de tarefas que deverão ser criadas. O educador agora deverá dar um nome para o conjunto de tarefas que está sendo criado, de forma que facilite a sua localização posterior por ele e pelo aprendiz. No campo intermediário da tela estão os espaços para a escolha dos modelos. Há a possibilidade de dois modelos, independente ou concomitantemente. No entanto, quando somente um modelo for utilizado, o educador deverá obrigatoriamente utilizar o espaço do lado esquerdo do campo reservado aos modelos. Cada um dos modelos permite a utilização de texto, sons ou imagens, sendo que somente uma modalidade poderá ser escolhida para cada modelo. Se o modelo for texto, deve-se levar o cursor até o espaço correspondente ao texto e digitá-lo. Se for som, deve-se levar o cursor até a faixa escura ao lado da figura do menino. Ao clicar nessa faixa, surgirá a lista de todos os sons possíveis, então é só selecionar o nome do som desejado, clicando sobre ele. Se o 48 modelo for figura, o educador deverá clicar no quadrado escuro ao lado do espaço para sons, e escolher clicando sobre o nome da imagem que desejar. O campo situado na parte inferior da tela refere-se aos estímulos de escolha de acordo com o modelo. O programa permite a apresentação de até três estímulos de uma vez, no caso de textos e imagens, e de um conjunto de letras, sendo que os estímulos devem ser da mesma modalidade. No caso de estímulos de escolha serem textos, deve-se escrever nos espaços referentes aos textos. Se a escolha for letras, o educador deverá escrevê-las no quadrado branco, reservado para letras. No caso de serem figuras, deve-se ir aos quadrados escuros à direita do campo inferior e selecioná-las. Por fim, abaixo do campo das escolhas, o educador deve estabelecer qual será a escolha correta para aquela tarefa. Para adicionar novas tarefas, é preciso clicar sobre o sinal positivo (+) situado à direita da figura da menina no campo superior direito da tela. Ao término da programação de todas as tarefas, deve-se clicar com o mouse sobre o menu principal, para que, automaticamente, seja salvo o conjunto de tarefas com o nome dado a ele pelo educador no início. Para localizar tarefas, o educador deverá recorrer às setas dispostas em cada lado da figura do menino à esquerda do campo superior da tela. d) Resolvendo Tarefas: no menu principal, clicar sobre a imagem de uma criança frente a um computador. Então surgirá uma tela em que, no lado esquerdo, há um conjunto de nomes referentes aos conjuntos de tarefas (lições) já existentes ou criadas. É preciso clicar sobre a lição desejada, depois identificar para quem aquela lição está endereçada, colocando a identificação do aprendiz na parte direita da tela, onde está escrito “Aprendiz”. Existe possibilidade de escolha para apresentação ou não de conseqüências para as respostas do 49 aprendiz na execução das tarefas, que no caso do programa são chamadas de efeitos. Se não quiser apresentação de conseqüências, basta colocar “não” para os efeitos. Para apresentar a lição para a criança, basta somente clicar dentro da área da figura do menino, à direita da tela. Os encontros com as professoras e as sessões experimentais com os alunos ocorreram no laboratório de informática dos colégios em que o estudo foi desenvolvido. Realizou-se um encontro com as professoras em cada colégio, sendo que no colégio em que havia duas professoras participando, o encontro foi feito em conjunto. As sessões com os alunos ocorreram individualmente, uma vez por semana, no mesmo dia para os participantes de cada colégio, em horários determinados, no horário do contraturno. 3.3- Procedimento O procedimento realizou-se em duas fases. Fase I: Coleta inicial de dados Inicialmente, a pesquisadora entrou em contato com a direção e supervisão de cada colégio, verificando se no local havia microcomputador que pudesse ser utilizado na pesquisa e pelos professores, posteriormente à pesquisa. Após confirmação, a pesquisadora explicitou-lhes os objetivos da pesquisa e solicitou autorização para a realização do trabalho. Mediante o consentimento, foi feito pela supervisora e pela pesquisadora o contato com os professores responsáveis pelas aulas do contraturno (aulas de reforço), para convidá-los a 50 participar da pesquisa e explicar seus objetivos. Após aceitarem e assinarem o termo de consentimento esclarecido (Anexo 1), foi pedido que indicassem os alunos que correspondiam aos critérios estabelecidos: apresentarem dificuldades de leitura de palavras (omissão da leitura de sílabas, troca de sílabas ou não conseguir ler nem parte da palavra), estarem cursando o Ensino Fundamental e participando das aulas de reforço, bem como não apresentarem deficiência auditiva e/ou visual. Em um dos colégios, o W. D., havia duas crianças que se encaixavam em dois dos critérios, porém só não freqüentavam aulas de reforço por não h