unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara – SP ROSANGELA DA SILVA A REVOLUÇÃO BRASILEIRA NO PENSAMENTO DE NELSON WERNECK SODRÉ ARARAQUARA – S.P. 2021 ROSANGELA DA SILVA A REVOLUÇÃO BRASILEIRA NO PENSAMENTO DE NELSON WERNECK SODRÉ Tese de Doutorado apresentada ao Conselho, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais. Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e Pensamento Social Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno Bolsa: Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ARARAQUARA – S.P. 2021 S586r Silva, Rosangela da A revolução brasileira no pensamento de Nelson Werneck Sodré / Rosangela da Silva. -- Araraquara, 2021 127 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientador: Carlos Henrique Gileno 1. Revolução brasileira. 2. Pensamento político e social no Brasil. 3. Modernização e nacionalismo. 4. Formação social. 5. Ideal humano. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. ROSANGELA DA SILVA AAA RRREEEVVVOOOLLLUUUÇÇÇÃÃÃOOO BBBRRRAAASSSIIILLLEEEIIIRRRAAA NNNOOO PPPEEENNNSSSAAAMMMEEENNNTTTOOO DDDEEE NNNEEELLLSSSOOONNN WWWEEERRRNNNEEECCCKKK SSSOOODDDRRRÉÉÉ Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais. Linha de pesquisa: Cultura, Democracia e Pensamento Social Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno Bolsa: CAPES Data da defesa: 30/06/2021. MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente: Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno – Orientador (Participação virtual) Departamento de Ciências Sociais / Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP Membro Titular: Prof. Dr. Aluizio Alves Filho (Participação virtual) Departamento de Comunicação Social / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio Membro Titular: Prof. Dr. Lincoln de Abreu Penna (Participação virtual) Instituto de História / Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Membro Titular: Profa. Dra. Luciléia Aparecida Colombo (Participação virtual) Instituto de Ciências Sociais / Universidade Federal de Alagoas – UFAL Membro Titular: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy (Participação virtual) Programa de Pós-Graduação em Comunicação / Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara AGRADECIMENTOS À minha família, em especial a minha mãe e aos meus irmãos que são a minha base de sustentação e o meu refúgio. A todos os professores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNESP/Araraquara, em especial ao meu orientador Carlos Henrique Gileno por toda a ajuda prestada ao longo deste processo. Aos professores Aluizio Alves Filho, Lincoln de Abreu Penna, Luciléia Aparecida Colombo e Maria Teresa Miceli Kerbauy por terem aceitado o convite para compor a banca examinadora. À Olga Sodré, filha de Nelson Werneck Sodré, que se dispôs prontamente em me conceder uma entrevista, a qual não foi realizada devido ao contexto pandêmico. A todos os colegas da turma do doutorado, em especial a Rosangela Veras por me abrir as portas da sua casa e ao Alexandre Santos pela amizade, pela presença e pela escuta. Às amizades feitas em Araraquara, em especial ao Darbi. Aos professores do Curso de Ciências Sociais da Unioeste/Toledo, especialmente ao Osmir, com quem tive as primeiras conversas sobre a temática desenvolvida neste trabalho. E, a Vania, Geraldo, Gustavo, Roberto e Marco Antônio que me ajudaram a dar conta da carga de trabalho entre as idas e vindas de Toledo para Araraquara durante o primeiro ano, quando ainda não tinha bolsa de estudos. À Francieli e ao Rodrigo pela amizade e pelo acolhimento. À Vânia, Viviane e Francioli pela amizade e por permanecerem por perto em um período que estive tão ausente. Ao Fred ... companheiro de todos os dias! O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Dedico este trabalho a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, em diferentes momentos da minha vida, me fizeram ver que é possível haver leveza. “Tudo se passa como se o esforço de ‘pensar o pensamento’ se acendesse nos momentos em que nossa má formação fica mais clara e a nação e sua intelectualidade se veem constrangidas a refazer espiritualmente o caminho percorrido antes de embarcar em uma nova aventura – para declinar ou submergir em seguida”. Gildo Marçal Brandão (2010, p. 28). RESUMO Em 1958, Nelson Werneck Sodré publicou a obra intitulada Introdução à Revolução Brasileira, na qual afirmava que o país estava vivenciando um processo revolucionário. O objetivo deste trabalho é problematizar qual a definição de revolução dando ênfase para os seus agentes propulsores segundo o pensamento de Nelson Werneck Sodré. Esta análise será empreendida a partir da utilização de duas metodologias contextualistas, o contextualismo linguístico - a partir do pensamento de Quentin Skinner; e a História social da Teoria Política (contextualismo social) - metodologia elaborada por Neal e Ellen M. Wood. Tais metodologias nos permite empreender uma análise acerca da revolução no pensamento deste intelectual a partir da reconstrução do contexto social em que viveu e produziu sua obra, dando ênfase a identificação dos conflitos sociais do período e da posição tomada pelo autor diante deles. Destas correlações, por fim, será empreendida uma análise pautada na ideia de que seu pensamento se traduz em um projeto de sociedade, que contém em suas bases a visão de Sodré acerca de qual seria a melhor forma de organização social, assim como também o tipo humano ideal para conduzir a prática política. Palavras-chave: Revolução Brasileira. Pensamento Político e Social no Brasil. Modernização. Nacionalismo. Formação social. Ideal humano. ABSTRACT In 1958, Nelson Werneck Sodré published a book entitled Introduction to Brazilian Revolution in which he affirmed that the country was experiencing a revolutionary process. The objective of this paper is to problematize the definition of revolution, emphasizing its propelling agents based on Nelson Werneck Sodré's thought. This will be done using two contextualist methodologies, linguistic contextualism - based on Quentin Skinner's thought; and the Social History of Political Theory (social contextualism) - methodology developed by Neal and Ellen M. Wood. These methodologies allow us to analyze the revolution in the thought of this intellectual reconstructing the social context in which he lived and produced his work, emphasizing the social conflicts of the period and the position taken by Sodré. From these, in the end, an analysis will be done based on the idea that his thought reflects on a project of society, which contains Sodré's vision of what would be the best form of social organization, thus the ideal human type to conduct political practice. Keywords: Brazilian Revolution. Political and Social Thought in Brazil. Modernization. Nationalism. Social formation. Human Ideal. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANL Aliança Nacional Libertadora CPC Centros Populares de Cultura DOPS Departamento de Ordem Política e Social IBESP Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política IPM Inquéritos Policiais Militares ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros PCB Partido Comunista do Brasil UNESP Universidade Estadual Paulista URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10 1 O SOLDADO, O INTELECTUAL E O MILITANTE: O AUTOR E O SEU CONTEXTO INTELECTUAL, POLÍTICO E SOCIAL ........................................................................................ 14 1.1 Os primeiros anos: origem familiar, trajetória escolar e primeiras leituras ....................... 17 1.2 O militar: a vida profissional no Exército Brasileiro e a gestação do intelectual ................ 25 1.3 O intelectual: a convergência para a militância e as contradições da vida profissional no Exército ............................................................................................................................................ 34 2 NACIONALISMO E MODERNIZAÇÃO: O CONTEXTO INTELECTUAL DOS DEBATES SOBRE A IDEIA DE FORMAÇÃO CULTURAL E SOCIAL NO BRASIL ............................... 48 2.1 O período revolucionário em debate: a formação histórica e cultural no Brasil ................ 56 2.2 O nacionalismo no pensamento de Nelson Werneck Sodré ................................................... 67 3 A REVOLUÇÃO NO PENSAMENTO DE NELSON WERNECK SODRÉ ............................. 76 3.1 O caráter da revolução: composição das forças progressistas .............................................. 77 3.2 As bases do ideal humano progressista no pensamento de Sodré ....................................... 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 122 10 INTRODUÇÃO Nelson Werneck Sodré (1911-1999) publicou em 1958 a obra Introdução à Revolução Brasileira, afirmando que o Brasil vivenciava um processo revolucionário. O objetivo desta tese é analisar qual a definição de revolução em seu pensamento, dando ênfase a seus agentes propulsores. A despeito de Sodré ter exercido a carreira militar – profissão que lhe garantiu o próprio sustento e da sua família –, ele desenvolveu concomitantemente profícua atividade intelectual que resultou em vasta obra, grande parte dela produzida por categorias de análise marxista. Viveu, como afirma José Paulo Netto (2011), entre o “sabre e a pena”. Neste sentido, quais as implicações ou consequências que essa dupla determinação causou em sua trajetória intelectual e, por consequência, para a construção do seu pensamento cultural, político e social – que se traduz no seu projeto de sociedade? Independentemente de o objetivo da tese se concentrar no conceito formulado por Sodré sobre a revolução brasileira, é necessária a reflexão teórica do contexto intelectual mais amplo vivenciado pelo autor e, por conseguinte, as influências teóricas presentes em sua obra. Os estudos no campo da teoria política empregam em suas análises, basicamente, metodologias de base textualista1 ou contextualista2. Cada uma delas se constituí em um corpo de normas e regras para a interpretação dos textos. É possível, então, afirmar que existe um procedimento que seja mais adequado ou mais eficiente do que o outro para efetuar aquelas análises? Para situar Sodré no seu contexto intelectual, adotaremos duas perspectivas teóricas de base contextualista: o Contextualismo Linguístico do teórico Quentin Skinner (1940 – presente) e a História social da teoria política de Neal Wood (1922-2003) e Ellen Meiksins Wood (1942- 2016), denominada de “Contextualismo Social”3. Ambas as perspectivas afirmam ser de fundamental importância para o estudo de obras e autores da Teoria Política a realização de 1 A metodologia textualista, como expressado na obra de Leo Strauss (2015), se constitui a partir da realização da leitura direta da obra, sem referências externas. O objetivo é buscar entender o que o autor disse. As únicas referências externas que serão consideradas são aquelas que o próprio autor indicou no interior de seu texto, as quais irão expressar a tradição com a qual ele lida. 2 Na metodologia contextualista, além da leitura da própria obra, importa também contextualizar o autor em seu contexto social. Como exposto por Skinner (1996), neste sentido é preciso reconstituir o quadro de ideias políticas da época, importando analisar o que o autor estava fazendo quando escreveu a obra e quais as influências intelectuais e políticas que constituíram o seu pensamento. 3 Terminologia cunhada pelo Grupo de Pesquisa Democracia e Desenvolvimento (NERES; DOMBROWSKI; SILVA, 2016; CARDOSO; SILVA, NERES, 2016). 11 uma profunda e ampla contextualização histórica acerca do momento em que um determinado autor escreveu a sua obra. Para o contextualismo linguístico, que tem como um de seus formuladores o historiador britânico Quentin Skinner, é necessário localizar o autor em seu contexto intelectual. Interessa saber para quem o autor escreveu, pois sempre se escreve para um público específico, a respeito de um período histórico particular. Neste sentido, é preciso reconstituir o quadro de ideias políticas da época, importando analisar o que o autor estava fazendo quando escreveu a obra e quais as influências intelectuais e políticas que constituíram o seu pensamento. Igualmente, é relevante abordar, além da obra do autor principal a ser estudado, o conjunto de obras menos lidas que foram produzidas no mesmo período, possibilitando identificar “as convenções linguísticas reconhecíveis da época” (SKINNER, 1996, p. 11) em que o texto foi escrito, “Pois é evidente que a natureza e os limites do vocabulário normativo disponível em qualquer época dada também contribuirão para determinar as vias pelas quais certas questões em particular virão a ser identificadas e discutidas” (SKINNER, 1996, p. 11). Mas, além de nos perguntarmos acerca da necessidade de recuperação do contexto em que o autor estava escrevendo, é imperativo questionar a qual contexto especificamente ele se refere. No prefácio de Fundações do Pensamento Político Moderno (1996), Skinner afirma que um dos objetivos da referida obra “[...] consiste em ilustrar um certo modo de proceder ao estudo e interpretação dos textos históricos”. O autor busca apresentar os pressupostos de sua metodologia. […] procurei não me concentrar nos maiores teóricos, preferindo enfocar matriz mais ampla, social e intelectual, de que nasceram suas obras [...] discutir as características mais relevantes das sociedades nas quais e para as quais eles [os autores clássicos] originalmente escreveram [...] ao contexto intelectual em que foram concebidos os principais textos (SKINNER, 1996, p. 10). O autor conclui que tentou “[...], assim, escrever, uma história menos concentrada nos clássicos e mais na história das ideologias” (SKINNER, 1996, p. 11), o que, para ele, garantiria uma abordagem realmente histórica. Assim, sua perspectiva traz para o centro do debate a questão das ideologias e dos princípios políticos adotados pelos escritores, ao reafirmar a importância da compreensão do que um autor estava fazendo quando ele escreveu: “[...] precisamos saber algo da sociedade na qual [tais textos] foram escritos”. O que seria exatamente esse “algo”? (SKINNER, 1996, p. 13). Quanto ao “contextualismo social”, método de estudos dos clássicos da política elaborado por Neal Wood (1978), pode nos fornecer um conjunto de questões que auxiliem na 12 identificação da matriz social mais ampla referida por Skinner (1996). Com base em Neal Wood (1978) e Ellen M. Wood (2008), Vânia S. Vaz da Silva (2016) sistematizou o conjunto de assertivas a partir das quais partiram tais autores: (1) a política é um empreendimento eminentemente prático; (2) a teoria política clássica está intimamente relacionada com o contexto social e histórico prático no qual foi concebida; (3) cada texto clássico de teoria política, entre outras coisas, é uma importante reflexão sobre seu tempo; (4) a gênese de uma obra clássica de teoria política pode ser explicada em termos sociais, representando fundamentalmente uma posição partidária no conflito do período; (5) consequentemente, toda obra clássica de teoria política é ideológica, embora não exclusivamente (SILVA, 2016, p. 89). Essas assertivas, sistematizadas por Vânia S. Vaz da Silva (2016), indicam como Neal e Ellen Wood interpretam a política e os textos acerca da teoria política elaborados pelos clássicos. A primeira etapa consiste em situar o autor no seu contexto social pelo estudo de sua biografia, e situar o contexto intelectual de produção da sua obra. Tais procedimentos correspondem ao primeiro e segundo capítulo desta tese respectivamente. O primeiro capítulo, O soldado, o intelectual e o militante, analisa a biografia de Nelson Werneck Sodré considerando toda a sua trajetória, pontuando as heranças culturais familiares, sua inserção no Colégio Militar, o momento em que inicia a sua carreira no Exército brasileiro até se tornar um reconhecido intelectual e crítico literário. O objetivo é compreender as particularidades da sociedade em que o autor viveu, buscando identificar quais eram os principais conflitos políticos e sociais da sua época. A contextualização biográfica está fundamentada nas leituras das obras memorialísticas do autor, Memórias de um soldado (1967) e Memórias de um escritor (1970), e de biógrafos e críticos como José Paulo Netto (2011), Paulo Ribeiro da Cunha (2011a); Paulo Ribeiro da Cunha e Fátima Cabral (2011) e Marcos Silva (2001). No segundo capítulo, Nacionalismo e Modernização, será analisado o contexto intelectual de produção da obra Introdução à Revolução Brasileira. Serão estudadas obras do autor que a precede, como História da literatura brasileira: seus fundamentos econômicos [1938] (1940, 1995), Orientações do Pensamento brasileiro (1942) e Formação da sociedade brasileira (1944), nas quais circunda a noção de formação social, cultural e política no Brasil. Este diálogo será estabelecido a partir das importantes contribuições trazidas pelo filósofo João Cruz Costa (1967), pelo crítico literário Roberto Schwarz (2014), pelo sociólogo e crítico literário Antonio Candido (1975), e pelos cientistas políticos Raimundo Faoro (2007), Christian Lynch (2013) e Gildo Marçal Brandão (2010). Estes intelectuais serão abordados com o intuito 13 de problematizar a recepção da metodologia contextualista no Brasil, e como foi reelaborada por estes autores ao pensarem o contexto local. Ainda no bojo da análise do período de elaboração de Introdução à Revolução Brasileira, serão cotejadas as contribuições de Daniel Pécaut (1990), André Botelho (2008), Octavio Ianni (1965) e Marcelo Ridenti (2010), no que diz respeito à forma como o pensamento de Sodré se insere nas discussões acerca da modernização e, por fim, sua inserção nas discussões acerca do nacionalismo. Sua perspectiva nacionalista será pontuada a partir do contraponto com as posições defendidas por Hélio Jaguaribe (1958). A leitura destas obras históricas, sociológicas, econômicas e políticas será feita com o objetivo de identificar a interpretação teórica da realidade brasileira elaborada por Sodré, e como ele se posicionou diante dos conflitos ao procurar identificar aspectos como “[...] a natureza da estrutura social real, da divisão de classes, do sistema prevalecente de status, das conexões entre classes e status e suas relações com o Estado” (SILVA, 2016, p. 90). Nessa perspectiva, os teóricos políticos clássicos não foram espectadores neutros dos conflitos: os seus escritos eram elaborações teóricas comprometidas com a defesa de posições políticas e sociais. Essa forma de proceder possibilita uma análise contextual informada pela história social em sentido amplo, pois “contexto”, nesse caso, refere-se de forma ampla aos contextos econômico, social, político e ideológico (WOOD, 1978). O terceiro capítulo, A revolução no pensamento de Nelson Werneck Sodré, tem por objetivo analisar a definição do conceito de revolução em seu pensamento, no qual as classes ou frações de classe são consideradas como elementos fundamentais do processo revolucionário. Essa discussão será elaborada a partir, principalmente, da obra Introdução à Revolução Brasileira (1958). Retomando o contextualismo social, busca-se identificar, neste capítulo, qual é o ideal humano que compõe o projeto de sociedade inerente ao pensamento de Nelson Werneck Sodré. O ideal humano de um autor é construído a partir de um homem concreto, recortado do contexto em que o autor do conceito estava vivendo, relacionando a teoria com o contexto social. Identificá-lo no pensamento de um teórico específico equivale a perguntar-se que tipo humano seria seu “herói ou anti-herói”, quais elementos cristalizam a sua adesão a determinados objetivos sociais e políticos e a sua rejeição a outros, questões que permitem ao pesquisador compreender as suas prescrições sociais e políticas (WOOD, 1978; WOOD, 2008). Neste sentido, será empreendida uma análise que objetiva identificar qual seria o ideal humano presente no pensamento de Nelson Werneck Sodré. 14 1 O SOLDADO, O INTELECTUAL E O MILITANTE: O AUTOR E O SEU CONTEXTO INTELECTUAL, POLÍTICO E SOCIAL Nelson Werneck Sodré nasceu em 1911 na cidade do Rio de Janeiro/RJ e faleceu em 1999 em Itu/SP, aos 87 anos. Sua vida intelectual se iniciou aos 13 anos, em 1924, com a publicação de sua primeira crônica e manteve-se produtiva até os últimos anos de vida. O resultado de mais de três quartos de século de intenso trabalho intelectual foi uma vasta obra, parte dela produzida concomitantemente ao seu percurso profissional no Exército Brasileiro, que inclui “[...] 56 livros e quase três mil artigos, a maior parte destes publicados em grandes periódicos (jornais e revistas) do país” (CUNHA; CABRAL, 2011, p. 9). O conteúdo dessas obras versa sobre diferentes temas de sua predileção intelectual e política, tais como a literatura, que é evidenciada nos livros História da Literatura Brasileira: Seus fundamentos Econômicos [1938] (1940,1995) e Literatura e História no Brasil Contemporâneo (1987). Outros livros foram escritos a partir da influência da sua vivência profissional no Exército, como História Militar do Brasil (1965), Memórias de um Soldado (1967) e, na qualidade de intelectual, Memórias de um Escritor4 (1970). Esses livros memorialísticos são autobiográficos e descrevem a trajetória de Sodré como ator político. Livros, como a Contribuição à História do PCB (1985) e História e Materialismo Histórico no Brasil (1985), evidenciam a perspectiva teórica e ideológica das análises políticas de Nelson Werneck Sodré. Por outro lado, existem livros que são estudos acerca da formação da sociedade brasileira, como As classes sociais no Brasil (1957), Quem é o povo no Brasil? (1962) e Síntese de História da Cultura Brasileira (1970). Ainda, Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil (1990), História da Burguesia Brasileira (1964) e Introdução à Revolução Brasileira (1958) são livros que elegem como objeto de estudo a questão da revolução e da formação da burguesia no Brasil. Como o próprio Sodré afirma em sua obra autobiográfica Memórias de um escritor (1970), sua biografia pode ser reconstituída de maneira sincronizada com os principais eventos políticos do último século, tanto no âmbito nacional quanto mundial: Nasci em 1911, tinha três anos, ao irromper a Primeira Guerra Mundial; seis, quando surgiu a Revolução de Outubro; sete, quando terminou a guerra; onze quando o Brasil completou um século de vida independente (sendo, entretanto, 4 A obra A luta pela cultura (1990) é a continuação da obra Memórias de um escritor (SILVA, 2008, p. 447). Apesar disso, não será problematizada neste trabalho por se constituir em uma obra memorialística de um período posterior ao que é tratado nesta tese. 15 tão dependente ainda). Vivi o tempestuoso período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, com todas as manifestações de renovação econômica, política, social, artística, e também as de desespero, a busca angustiada da originalidade, em arte, e a luta violenta pelo poder; vivi o mundo em que viveram o Kaiser Guilherme II, da Alemanha, o imperador Francisco José, da Áustria-Hungria, Clemenceau, Poincaré, Chamberlain, Lloyd George, o czar Alexandre III, o presidente Wilson, Sun Yat Sen, Lênin, para chegar à fase em que viveram Hitler, Mussolini, Roosevelt, Stalin. No Brasil atravessei justamente o tempestuoso período do tenentismo, na agonia da República oligárquica; do Modernismo, em literatura e nas artes; da Revolução de 1930, do movimento de 1932, do levante de 1935, da ditadura do Estado Novo, do putsch de 1938, da Segunda Guerra Mundial e da nossa participação nela; da reconstitucionalização e das lutas políticas subsequentes, com os golpes e tentativas de golpe de 1945, de 1954, de 1955, de 1961, de 1964, da ditadura militar então instaurada [...]. Assisti as grandes transformações por que o Brasil passou neste século; as mudanças têm sido profundas, mal nos damos conta de quão profundas têm sido. E o mundo, então, nem se fala: somos, ao mesmo tempo, em épocas assim, contemporâneos do passado e do futuro. Como assisti a tudo com muita atenção e, no que diz respeito ao Brasil, com muita participação, suponho ter o que contar. Tudo o que fica registrado aqui, entretanto, mesmo quando isso não esteja explícito, deve ser entendido em seu enquadramento histórico, relacionando com o tempo e com aquilo que o caracterizava (SODRÉ, 1970, p. 15-16). Além de vivenciar na infância a deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914), presenciou na adolescência os desdobramentos políticos e sociais deste evento bélico. A Segunda Guerra Mundial (1939) foi experienciada de maneira diferente por Sodré, pois, além de já ter alcançado a vida adulta, vislumbrou-a não somente sob a ótica do civil, mas igualmente como soldado. As correlações de forças e ideologias inerentes nesses conflitos mundiais deu a tônica para os grandes momentos da vida política nacional: os anos finais da Primeira República, a Revolução de 1930, o Estado Novo em 1937, o Golpe Militar em 1964 e o processo de reabertura democrática nos últimos anos da década de 1980. Este é o cenário no qual Nelson Werneck Sodré viveu, construiu a sua carreira no Exército e produziu a sua obra. Nesta tese de doutorado, partimos do pressuposto desenvolvidos por Skinner (1996) de que a produção teórica de um autor está intimamente relacionada ao contexto intelectual em que ele escreve, tornando-se necessário conhecermos a sociedade na qual e para a qual ele escreve, buscando entender quais eram os conflitos da época e como o autor se posicionava diante deles, ou seja, tomando-o não somente como autor, mas como ator político e social. A análise empreendida neste primeiro capítulo busca situar o autor em seu contexto político e social, a partir do estudo de sua biografia, tomando como linhas mestras o que José Paulo Netto (2011) nominou de duas “vocações”: a “das armas e a das letras”. A primeira será representada por sua atuação no Exército Brasileiro e, a segunda, através de sua produção 16 bibliográfica, composta pelos artigos de crítica literária, seus livros e a sua atuação no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). É também relevante trazer para o debate o marxismo, perspectiva teórica que orientou seus escritos e a sua vinculação política/militante com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922. Para a contextualização do pensamento de Nelson Werneck Sodré será abordado, no primeiro tópico do capítulo, as primeiras questões biográficas relacionadas com a sua origem familiar, sua trajetória escolar e as suas primeiras leituras, elementos que forneceram as bases teóricas para sua posterior formação profissional e intelectual. O segundo tópico tratará do período em que o autor fez a opção pela vida militar, momento em que a sua produção intelectual se tornou regular e conhecida pelo público. Na contextualização desse período, buscou-se responder um conjunto de questões acerca da biografia que não foram possíveis responder no primeiro tópico, como a sua profissão, fonte de renda e as suas afiliações políticas que traduzem, em grande medida, o seu contexto social, que permitirá entender aspectos da sociedade em que Nelson Werneck Sodré viveu e produziu a sua obra. Nesse cenário, serão centrais para compreender este período importantes questões acerca das divisões de classes, os lugares sociais e políticos ocupados por cada uma delas, as correlações de forças e disputas ideológicas que estavam estabelecidas, dentre outras questões. Por fim, aborda-se o período de maturidade intelectual do autor, que marca sua posição ideológica e, por conseguinte, converge para a militância e surgimento de alguns “desencantamentos” em relação a sua vida como militar. Para além das duas obras autobiográficas de Nelson Werneck Sodré, Memórias de um soldado (1967) e Memórias de um escritor (1970), nas quais ele reconstrói a sua própria trajetória, outras obras serão fundamentais para a composição do seu itinerário pessoal e intelectual: Nelson Werneck Sodré: O general da história e da cultura (2011), de José Paulo Netto; Um olhar à esquerda: A utopia tenentista na construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré (2011a), de Paulo Ribeiro da Cunha; as coletâneas de textos Nelson Werneck Sodré: Entre o Sabre e a Pena (2011), organizada por Paulo Ribeiro da Cunha e Fátima Cabral, e Nelson Werneck Sodré na historiografia brasileira (2001), organizado por Marcos Silva. A trajetória intelectual do autor será composta, por um lado, pelo olhar que ele próprio lança sobre os acontecimentos da sua vida já em um período de maturidade, através de suas obras autobiográficas; e, por outro lado, pelo olhar que seus biógrafos lançaram sobre a sua trajetória, a partir do conjunto de obras já referidas, que trazem importantes interpretações ao 17 traduzirem um esforço de pensar a sua obra enquanto uma totalidade, a fim de extrair dela uma preocupação central que desembocaria na construção de um projeto de sociedade. 1.1 OS PRIMEIROS ANOS: ORIGEM FAMILIAR, TRAJETÓRIA ESCOLAR E PRIMEIRAS LEITURAS A questão da origem familiar é apresentada por Nelson Werneck Sodré em suas duas obras autobiográficas, Memórias de um soldado (1967) e Memórias de um escritor (1970). Essas obras são o resultado do olhar lançado por ele sobre a sua própria trajetória, tendo como ponto de partida as duas principais atividades laborativas que desenvolveu de forma concomitante: a carreira militar, no Exército Brasileiro; e a sua trajetória enquanto intelectual. Em Memórias de um escritor (1970), inicia a discussão problematizando o sentido de vocação ao questionar as bases que formariam a predileção de um indivíduo para exercer determinada atividade ou profissão. A partir desta reflexão, ele conduz o processo de reconstrução de sua própria trajetória. Era filho único de Amélia Werneck Sodré e de Heitor de Abreu Sodré. Ambas as famílias foram no passado latifundiárias, oriundas da Província do Rio de Janeiro. Segundo Sodré (1970), entre os Abreu Sodré não havia tradição militar5. Situação diferente verificava- se em relação as letras, já que era parente de grandes nomes da literatura do país: eram membros da sua família paterna, o poeta e tradutor Manuel Odorico Mendes (1799-1884), o escritor e médico Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)6 e o poeta Raimundo Corrêa (1885-1951)7. De acordo com Nelson Werneck Sodré, o fato de ter na família grandes nomes da literatura não era justificativa para ver as suas inclinações para as letras como vocação – se o termo for entendido enquanto propensões genéticas – pois a busca pelo desenvolvimento das atividades intelectuais na sua família paterna estava muito relacionado à tentativa de resguardar o decoro da classe social diante do intenso processo de decadência material que estavam vivendo desde a Abolição da Escravatura, motivo que influenciou a vinda da família para a Província de São Paulo. Sobre as atividades literárias, Sodré afirma: 5 Feliciano Pires de Abreu Sodré, o qual não consta o grau de parentesco, seguiu a carreira militar. No entanto, logo voltou-se para a política chegando a ser presidente de seu Estado (SODRÉ, 1967, p. 1). 6 Dona Carolina, protagonista do romance de Joaquim Manuel de Macedo, intitulado A Moreninha (1844), foi inspirada em um membro da família Abreu Sodré (SODRÉ, 1970, p. 3). 7 A grafia do seu sobrenome ora aparece como Corrêa ora como Correia, na própria obra de Sodré (1970, p. 5). Seu parentesco com a família é resultado do seu matrimônio com Mariana de Abreu Sodré ("Zinha"), tia-avó de Nelson Werneck Sodré. 18 Não representava segurança de enriquecimento, muito pelo contrário, mas preservava o orgulho de classe. Se não proporcionava glória e lucro, trazia destaque e, com isso, a abertura de perspectiva política. Foram regra, no Brasil, os que fizeram das letras e do jornalismo, confundidos então, degraus para a função pública (SODRÉ, 1970, p. 2). Por outro lado, a família materna – os Werneck – desfrutou de grande prestígio como latifundiários escravagistas e manteve o seu status social e a sua condição econômica ao se tornar grandes fazendeiros cafeicultores. Inácio Barbosa dos Santos Werneck, barão de Bemposta (1828-1889), era pai da avó materna de Sodré. A família Werneck possuía também, com menor representatividade, parentes envolvidos com as Letras, como Américo Werneck8 - tio-avô de Nelson Werneck Sodré – que era engenheiro de profissão, político e escritor. Seus escritos, no entanto, caíram no esquecimento. Apesar de existirem, tanto na família paterna quanto na materna, predecessores que tinham propensões às Letras, Sodré entende não ter sofrido influências desses antepassados, ou mesmo ter recebido deles como herança a tendência para as Letras. Alguns não eram de sangue e muitos ele nem chegara a conhecer, como por exemplo, Raimundo Corrêa que se casou com a sua tia-avó Mariana de Abreu Sodré. Apesar de seu pai manter estreita proximidade com o referido tio-avô, pois residiu em sua casa por anos durante a infância, Sodré não chegou a conhecê-lo. Nelson Werneck Sodré não seguiu a carreira de seu pai, que era advogado. Ressalta que nem mesmo seu pai tinha propensões para esta profissão, pois a desempenhou por pouco tempo e logo tornou-se proprietário de uma pequena indústria na qual trabalhou até 1923, enquanto a saúde permitiu. Como última atividade laborativa, seu pai desempenhou a função de coletor federal de Caçapava/SP, cargo comprado à época. A ida da família para o interior de São Paulo tornara-se um obstáculo à continuidade dos estudos de Nelson Werneck Sodré, uma vez que as escolas lá existentes não ofereciam o ginásio9. Por isso, após os primeiros anos escolares cursados em escola pública e uma rápida passagem pelo internato no Colégio Diocesano de Taubaté, Sodré deu continuidade aos seus estudos no Colégio Militar do Rio de Janeiro, onde permaneceu por sete anos, cinco deles em regime de internato. O autor relata duas situações que o colocaram em contanto com a carreira militar. A primeira se deu no dia em que ocorreu a Revolta do Forte de Copacabana em 1922, que foi a primeira expressão do que se tornaria depois o Movimento Tenentista. Sodré estava em regime 8 Escrevera o romance Graciema. Grande parte de sua obra se perdera no tempo (SODRÉ, 1967, p. 7). 9 O Ginásio é equivalente ao que hoje é denominado como os anos finais do Ensino Fundamental. 19 de internato em uma escola de Copacabana e presenciou toda a movimentação dos revoltosos, assim como a dos soldados. A segunda ocorreu em virtude da permanência provisória de seus pais em uma pensão quando chegaram a Caçapava, na qual se hospedavam oficiais e ex-alunos do Colégio Militar, muitos dos quais haviam participado do referido levante. Sodré acredita que foi deste contato que surgiu a possibilidade de sua inserção na escola do Exército. Estas circunstâncias redirecionariam a sua educação e a sua formação intelectual. Sodré relaciona a estes primeiros anos a sua aproximação com o que seria no futuro as suas duas profissões: por um lado, o colégio militar ofereceu a possibilidade de uma carreira profissional no Exército; por outro, é neste período que ocorre a sua aproximação com as Letras, por ele narrada ao tratar das suas primeiras leituras: “[...] logo ao ser internado, completei treze anos; sem saber, havia escolhido uma profissão” (SODRÉ, 1967, p. 5). Vislumbrar a possibilidade de seguir carreira militar representou expressiva mudança em relação ao lugar que a família de Sodré passou a ocupar na estrutura social, que é a de pequena burguesia10 ou classe média. Isso fica evidente em sua própria afirmação: O que era, aliás, comum: ao tempo de meus avós, a carreira militar não tinha status social; as famílias, a paterna, como a materna, ambas da província do Rio de Janeiro, estavam ligadas à terra – eram famílias proprietárias. Ao tempo, a carreira das armas era refúgio de classe média e eles pertenciam à classe superior (SODRÉ, 1967, p. 2). Estas informações se referem a outro período histórico, contudo permaneciam válidas no interior do Exército no período em que Sodré se matriculou na Escola Militar. Se essa carreira não fazia parte do universo de seus ascendentes familiares no passado por não trazer status social ou prestígio que a sua condição de proprietários de terras requeria, na geração de Sodré ela se apresentou como forma de acessar boa educação e formação profissional – que não era acessível para todos, já que pouquíssimas vagas eram destinadas a filhos de civis (os quais pagavam pelos estudos)11. No contexto da referida alteração nas condições sociais da família de Sodré, as dificuldades que seus pais tiveram para adquirir o enxoval exigido pela escola, ao ingressar no Colégio Militar, foram superadas pela ajuda financeira de um primo do seu pai. Em 1929, quando chega ao fim o regime de internato, Sodré prosseguiu os seus estudos como 10 Sodré equivale classe média à pequena burguesia: “A classe média a que modernos estudiosos apreciam denominar pequena burguesia”. E, também, à burguesia nacional “[...] representações ponderáveis da classe média, daquilo que se convencionou chamar de burguesia nacional” (SODRÉ, 1960, p. 30). 11 A maior parte das vagas eram reservadas aos filhos dos militares. Para os filhos de militares que eram órfãos, o ensino era ofertado gratuitamente e para os demais com 50% de desconta na mensalidade. 20 aluno externo, porém sabia da dificuldade que seus pais teriam para arcar com as suas despesas de alimentação e moradia. O Colégio Militar possuía grande fama, tanto na qualidade do ensino quanto no severo regime interno que privilegiava a hierarquia e a disciplina (SODRÉ, 1967). Os alunos eram ensinados a se comportarem como militares e, no caso de desobediência, estavam sujeitos a castigos e sanções que iam desde repressões orais, suspensão das saídas nos finais de semana, até a prisão de um dia ou mais. O “tipo ríspido” era muito comum entre inspetores e professores, e a rispidez estava associada às práticas que Sodré chamou de “culto da machice”. Esses fatores redundavam em formas preconceituosas de tratar a questão da homossexualidade e na construção da imagem da mulher apenas enquanto objeto de prazer. Sodré demonstra uma postura crítica, deixando claro que “[...] essas tendências preconceituosas eram apuradas e praticadas naturalmente, espontaneamente, normalmente” (SODRÉ, 1967, p. 41). A repressão vivida no Colégio Militar ia além da disciplina sobre os corpos. Havia interdições sobre a formação intelectual, e, com exceção dos livros didáticos, “[...] a leitura era ali mal vista e até mesmo perseguida” (SODRÉ, 1970, p. 14). Neste sentido, Nelson Werneck Sodré não associa sua propensão às letras a uma vocação. E a educação que recebeu nem mesmo o incentivou a prática da leitura. Se não resultou de fator genético, deveria ter resultado de fator cultural, ligado à educação, ao ensino. Mas também não foi assim. Nem fui incentivado a tornar-me escritor, a preparar-me para ser escritor, nem aprendi, de forma sistemática, a escrever, com o fito de tornar-me escritor. Muito ao contrário, ainda aqui: todos os obstáculos foram colocados no sentido de impedir ou dificultar ou retardar a realização da tendência literária, em meu caso. Se meu pai apreciava a leitura e dava-me livros, em minha infância, passou a deixar claro, desde que atingi a adolescência, que eu devia encarar a urgência em encarreirar-me, em adotar profissão ou atividade que me permitisse, o mais cedo possível, prover as minhas próprias necessidades (SODRÉ, 1970, p. 8). Essas posturas no meio familiar e no ambiente escolar demonstram a falta de incentivo no desenvolvimento do que o autor nomeou de “aptidões” literárias. Sodré reitera que a postura mais enérgica de efetiva proibição ou perseguição de tais atividades “[...] revela a incultura de uma sociedade”, que operava ainda a partir de uma lógica de privilégios herdada da sociedade escravocrata que isola “[....] as manifestações artísticas como objeto de interesse de poucos, de selecionados, de privilegiados, de afortunados” (SODRÉ, 1970, p. 8). No entanto, como gosto pela leitura esteve presente desde muito cedo em sua vida, mesmo diante deste cenário de repressão, intervaladas pelos quase cinco meses de férias que passava em casa, Sodré ofereceu continuidade às suas incursões ao universo literário ao afirmar que o período de 1924 a 1930 21 foi de “[...] grandes e intensas leituras” (SODRÉ, 1970, p. 8), tornando-se um frequentador assíduo da Sociedade Literária e colaborador da revista A Aspiração, onde teve sua primeira crônica publicada em 1924. A partir deste ano as publicações nesta revista tornou-se frequente. Naquela época, somaram-se às leituras dos clássicos infantis do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), dos irmãos alemães Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) e do escritor francês Júlio Verne (1828-1905), os romances policiais do escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930) e do francês Alexandre Dumas (1802- 1870), entre outros12. Do mesmo modo, Sodré (1970) relata uma grande quantidade de leituras que fez em sua adolescência dos grandes nomes da literatura mundial como Gustave Flaubert (1821-1880), Charles Dickens (1812-1870), Honoré de Balzac (1799-1850), Leon Tolstói (1828-1910) e Fiódor Dostoievski (1821-1881). Algumas leituras das obras de autores brasileiros e portugueses influenciaram as ideias de Sodré sobre o tema da questão nacional: Bernardo Guimarães (1825-1884), Aluízio de Azevedo (1857-1913), Machado de Assis (1839-1908), José de Alencar (1829-1877), Eça de Queirós (1845-1900) e Rui Barbosa (1849-1923). Por fim, neste período, a sua atenção voltou- se também para as leituras de gênero não ficcional vinculadas às discussões das questões sociais e políticas, ocorrendo o seu primeiro contato com autores anarquistas, como Piotr Kropotkin (1842-1921), e comunistas e marxistas, como Georgi Plekhanov (1856-1918) e Vladimir Lênin (1870-1924) (CUNHA, 2011a). Sodré faz um extenso relato do cotidiano das atividades de ensino no Colégio Militar e afirma que era oferecido principal destaque para a disciplina de Matemática, enquanto disciplinas como História ocupavam posição secundária, consideradas “abstratas” por não estabelecerem relação com a sua aplicabilidade na realidade concreta. No entanto, Sodré aponta que existiam algumas exceções, como o professor de História Geral Isnard Dantas Barreto, visto por ele como um professor excepcional, pois “[...] retirava a história do museu”. A história é ciência revolucionária – a ciência das ciências, aliás, porque todas são por ela afetadas; um bom mestre de história é, pois, originariamente revolucionário, e Isnard Dantas Barreto o era – e o que havia nele de exteriormente revolucionário, aquilo que pretendia apresentar como sua face cotidiana, nada acrescentava ao conteúdo e até lhe perturbava o equilíbrio e a eficácia (SODRÉ, 1967, p. 26). 12 Essas leituras feitas no período da infância incluíam, em sua grande maioria. autores estrangeiros, já que a produção daqueles gêneros literários no Brasil era praticamente inexistente (SANTOS, 2011, p. 281). 22 Esse elogio de Sodré à postura de ensinar do professor Isnard Dantas Barreto, com o qual estabelecera amizade, é representativa da teoria da história que lhe acompanharia ao longo da vida. Sodré poderia ser nomeado como o “historiador do imediato”, pois “[...] dialogando com a história em andamento, assumindo-se como um agente dessa história enquanto intérprete e proponente político” (SILVA, 2001, p. 14). Foi ainda em suas aulas que Sodré refletiu pela primeira vez sobre a Revolução Russa e o pensamento de Lênin a partir de uma perspectiva que apontava a importância histórica do desenvolvimento do processo revolucionário russo. Estar no Colégio Militar e viver na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, entre os anos de 1924 e 1930, proporcionou-lhe a possibilidade de ver de perto as grandes convulsões sociais e políticas vivenciadas por aquele período da história brasileira. Em 1922, a Revolta do Forte de Copacabana foi um dos acontecimentos que marcou a ampliação do seu interesse pelos acontecimentos políticos e sociais do país. Buscando informações acerca do quadro político que desencadeara aquela revolta e os seus desdobramentos políticos e sociais, Sodré tornou-se um leitor mais assíduo de jornais impressos. Primeiramente do Jornal do Comércio e, quando este se apresentara, como ele mesmo diz, mais conservador – ou como se dizia na época, “governista” – passou a ser leitor diário do jornal Correio da Manhã. Nelson Werneck Sodré (1970) observa que, no período em que esteve no Colégio e na Escola Militar, que compreende os últimos anos da década de 1920 e o advento da década de 1930, a sociedade brasileira vivenciava a ascensão burguesa e as suas contradições em relação à classe trabalhadora, evidenciadas nos âmbitos políticos e artísticos pelo movimento Tenentista e pelo Modernismo, respectivamente. No período do movimento modernista, Sodré (1970) tinha conhecimento de obras clássicas estrangeiras e da produção literária produzida no Brasil. Em Memórias de um escritor, o autor pondera que o movimento modernista representava artisticamente certa rebeldia social, entretanto continha alguns aparentes paradoxos porque não era essencialmente revolucionário. O modernismo não continha nada de revolucionário, no sentido de manifestação de interesse da classe operária ou dos trabalhadores não assalariados; representava um dos sintomas do avanço burguês, em nosso país, avanço que sempre busca apoio em camadas inferiores e pretende apresentar- se como da totalidade do povo e não apenas de uma de suas classes ou camadas sociais. As manifestações de radicalismo político que surgiram, no conjunto do modernismo, esporádicas, isoladas, individuais, não caracterizaram o movimento. No conjunto e na essência, o Modernismo correspondeu às necessidades artísticas da burguesia brasileira, em seu processo ascensional. A ausência de qualquer sentido revolucionário autêntico, de exigências de alteração estrutural do regime, é fácil de provar (SODRÉ, 1970, p. 27). 23 O movimento modernista não possuía caráter revolucionário, pois teve que ser desenvolvido em meio à estrutura social oligárquica vigente. Ademais, aquele movimento ocorrera predominantemente em São Paulo, onde a burguesia cafeeira ainda era dominante no cenário econômico e político. Nesse contexto, a incipiente burguesia comercial e industrial urbana estabelecera alianças de classe com as oligarquias latifundiárias, que representavam o passado. De acordo com Sodré, essa assertiva pode ser evidenciada pelos apoiadores do movimento modernista, o Jornal Correio Paulistano – órgão oficial do Partido Republicano Paulista e defensor dos interesses oligárquicos das elites territorialistas – e o Teatro Municipal, que patrocinara o evento da Semana de Arte Moderna de 1922. Neste sentido, o modernismo contava com o apoio da burguesia comercial e industrial e das oligarquias rurais, desde que não questionassem a ordem social vigente. Os artistas que se apresentavam como renovadores não traziam nenhuma ameaça à ordem vigente, mas apenas ao gosto geral, aos padrões que o costume consagra, em arte. Eram criaturas recrutadas, naturalmente – e nem poderiam ser de outra forma – na camada média, na pequena burguesia, camada sempre ansiosa, naquela fase, por adotar os padrões da classe dominante, que tomava como modelo (SODRÉ, 1970, p. 29). O modernismo fora influenciado pelas expressões e ideias externas, mas produziu reflexões acerca da questão nacional ao intentar a renovação artística e literária. No entanto, Sodré afirma ser este período apenas o da semeadura ou da “[...] fase ascensional da burguesia e decorrente de sua necessidade de impor os seus padrões, vê-los aceitos pela maioria e adotados, de sentir-se apoiada pelas classes e camadas sociais inferiores na escala social e que lhe constituem, sempre, até aqui, a base política” (SODRÉ, 1970, p. 40). Estas contradições também estavam presentes no âmbito político. As crises sociais e antagonismos políticos no final da década de 1920 eram profundas. As sucessivas revoltas e levantes contra o governo federal demonstravam o profundo descontentamento com as práticas das elites que detinham o poder institucional e político da Primeira República (1889-1930), aliadas das tradicionais oligarquias rurais de São Paulo e Minas Gerais que até então se alternavam na ocupação dos cargos eletivos. A crise do pacto oligárquico irrompeu quando o presidente da República de origem paulista, Washington Luís (1869-1957), indicou para a sua sucessão o conterrâneo Júlio Prestes (1882-1946), rompendo o tradicional pacto de revezamento no poder com Minas Gerais, que apoiava o direito de sucessão do político mineiro Antônio Carlos de Ribeiro Andrada (1870-1946). 24 Esses acontecimentos incentivaram a formação da Aliança Liberal, formada principalmente por líderes políticos gaúchos e mineiros que apoiariam a candidatura de Getúlio Vargas (1882-1954) à presidência da República. Júlio Prestes, apesar de vencer a eleição presidencial, deparou-se com boatos de fraude no processo eleitoral e com a sua provável participação no assassinato de João Pessoa (1878-1930), então candidato à vice-presidente de Getúlio Vargas. Tais eventos desencadearam o processo revolucionário de 1930 com a instauração da Junta Militar liderada por triunvirato composto pelo general Augusto Tasso Fragoso (1869-1945), José Isaías de Noronha (1874-1963) e João de Deus Mena Barreto (1874- 1933), que garantiu a implantação do Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1934). Esses eventos políticos repercutiram intensamente nas rodas de conversa do Colégio Militar. Sodré acompanhou esse processo a partir dos debates que se davam nas sessões da Câmara e do Senado. O autor afirma simpatizar com as causas dos militares revoltosos, conhecendo, naquele contexto intelectual, nomes que ficariam famosos no cenário político nacional: Siqueira Campos (1898-1930), Miguel Costa (1885-1959), Juarez Távora (1898- 1975), Newton Estillac Leal (1893-1955) e Luís Carlos Prestes (1898-1960). Este último – líder do movimento tenentista – não participara da Revolução de 30, por causa de sua adesão ao comunismo no mesmo ano. Em meio a esse conjunto de acontecimentos, mais especificamente em 1929, Sodré estreou no que ele denominou como “grande” imprensa com a publicação do conto Satânia na revista O Cruzeiro. Naquele mesmo ano, publicou a crônica Obregon na revista Aspiração, considerando-a sua “[...] primeira tomada de posição política, por escrito, em letra de forma” (SODRÉ, 1970, p. 46). Podemos considerar dois elementos teóricos importantes do pensamento de Sodré neste período. O primeiro refere-se à percepção do próprio autor acerca dos seus escritos, pois aponta para uma grande mudança que irá se concluir em agosto de 1933. Segundo Sodré, os escritos anteriores a esta época são marcados pela alienação, já que “[...] carecem de ambiente nacional, estão envolvidos por uma névoa de cosmopolitismo e de fantasia que os obscurece, e escritos com ênfase, aferrados a uma eloquência desprovida de sentido, pesados de artificialismo” (SODRÉ, 1970, p. 58). De outra forma, os escritos produzidos a posteriori “[...] assinalam grande passo no sentido da desalienação, ao mesmo tempo que ganham em força e autenticidade, aproximando-se do real” (SODRÉ, 1970, p. 58). O segundo elemento fundamental é o seu ingresso na Escola Militar em 1931, que marca o momento em que Sodré fez a opção pela carreira militar. 25 1.2 O MILITAR: A VIDA PROFISSIONAL NO EXÉRCITO BRASILEIRO E A GESTAÇÃO DO INTELECTUAL A carreira militar de Nelson Werneck Sodré durou, somando os três anos de formação na Escola Militar, 30 anos. Em 1961, a seu pedido, foi para a reserva. Neste momento, seria promovido a general13, a mais alta patente do Exército. Assim, neste tópico, as discussões que serão empreendidas buscam contextualizar parte da trajetória de Sodré nesta instituição e, ao mesmo tempo, abordar a sua atuação enquanto crítico literário e as suas primeiras obras. O período a que nos reportaremos inicia-se em 1931 e irá até 1943/1945. A adoção desta periodização está alicerçada na perspectiva de que “[...] é fato, porém, que no conjunto (ou seja, envolvendo “as duas vocações”) da evolução do pensamento do nosso autor, há dois momentos distintos: o primeiro, que vai até o primeiro terço dos anos 1940, marcado por um nítido apoliticismo [...]” (NETTO, 2011, p. 25). No mesmo sentido, Paulo Ribeiro da Cunha afirma que seu estudo problematizará as obras produzidas por este autor a partir de dois períodos: Além da memorialística citada entre outros trabalhos, valorizaremos neste desenvolvimento as publicações do período situado entre 1938 e 1945, destacando como importantes referências desta etapa: História da literatura brasileira, 1938 e 1942; Panorama do segundo império, 1939; Oeste: ensaio sobre a grande propriedade pastoril, 1941; Orientações sobre o pensamento brasileiro, 1942; O que se deve ler para conhecer o Brasil, 1943; Síntese do desenvolvimento literário no Brasil, 1943; Formação da sociedade brasileira, 1944. Esse conjunto de obras está inserido na fase que aqui problematizamos e que o autor minimiza apontando como indigno de (re)edição (CUNHA, 2011a, p. 27). Essas adjetivações, “apoliticismo” e “obras que não eram dignas de (re)edição”, a partir das quais José Paulo Netto e Paulo Ribeiro da Cunha identificam as obras de Sodré produzidas neste período, são “qualidades” atribuídas pelo próprio autor a tais produções, como consta em suas obras memorialísticas. Cunha (2011a), em sua obra Um olhar a esquerda: a utopia tenentista construção do pensamento marxista de Nelson Werneck Sodré, propõe (re)construir o pensamento político do autor, porém, não identifica no “apoliticismo” a divisão entre a trajetória profissional e a produção literária de Sodré, a qual demarcaria duas concepções particulares de política 13 O próprio Sodré ressalta que a carreira militar termina com a patente de coronel e que o posto de general para além dos critérios profissionais é preciso também preencher critérios políticos, os quais ficam a cargo da análise do presidente da República (SODRÉ, 1967, p. 565). O autor argumenta que o governo Goulart se equivocou no recrutamento de generais, pois “prosseguia sob critérios inteiramente errôneos, do ponto de vista da continuidade democrática” (SODRÉ, 1967, p. 565). 26 (CUNHA, 2011a). Retomaremos este debate mais adiante, pois neste momento importa deixar demarcada para o leitor esta periodização no pensamento político de Sodré. A análise da trajetória de Sodré, a partir de sua inserção na Escola Militar, retoma as transformações sociais e políticas que a sociedade brasileira vivia após a Revolução de 30. Pela primeira vez, assistiu-se no país o enfraquecimento da elite oligárquica ao mesmo tempo em que a incipiente burguesia industrial começa a ocupar os espaços institucionais e políticos. Porém, em 1932 ocorreu a Revolução Constitucionalista, movimento armado composto pelos insatisfeitos com o rumo tomado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas – principalmente os paulistas – que recoloca no debate essa mesma correlação de forças. Embora fosse, no fundo, entre os que desejavam aprofundar reformas, de que o país realmente necessitava – e desse lado estavam principalmente os antigos revoltosos militares – e os que desejavam que tudo continuasse como dantes – e desse lado estavam políticos de notoriedade, antiga ou recente, refletindo a inércia dos latifúndios e fáceis temores burgueses – o choque, exteriormente, definia-se entre os que pressionavam no sentido da realização de eleições e elaboração de nova Constituição, e os que pressionavam no sentido de prolongar o regime de Governo Provisório (SODRÉ, 1967, p. 79). Nelson Werneck Sodré, que havia iniciado os seus estudos na Escola Militar em 1931, acompanhava de perto essas tensões. Em Memórias de um soldado, Sodré afirma ter sido simpatizante da causa dos revoltosos constitucionalistas e seu relato acerca desta postura carrega um tom de pesar, pois atribui a referida postura a “[...] uma visão superficial dos acontecimentos” (SODRÉ, 1967, p. 80). Em suas palavras, “[...] passava-me despercebida, naturalmente a essência do problema. Quantas e quantas vezes isso acontece aos militares, desprovidos de conhecimentos suficientes para a análise dos problemas políticos e servindo de instrumento a ambições e desatinos alheios” (SODRÉ, 1967, p. 80). Em 1935, quando servia em Jundiaí, participou de uma comemoração à Revolução Constitucionalista, a partir da qual pôde “[...] compreender o caráter daquele movimento; nos meios operários, a data passou desapercebida” (SODRÉ, 1976, p. 125). É importante discutir o reflexo daqueles acontecimentos no interior do Exército, identificado por Sodré como o “problema militar”, que consistia na resistência dos oficiais revoltosos em obedecer a seus superiores no desenvolvimento das atividades militares, ou seja, tornara-se prática corriqueira o desrespeito à hierarquia. Enquanto cadete, essa questão não influenciou o cotidiano de Nelson Werneck Sodré. Sua rotina estava voltada para as atividades intensas de estudos teóricos e práticos. No entanto, é possível verificar nos seus discursos e no exercício da sua profissão que ele era contrário às 27 manifestações de desrespeito à hierarquia e à falta de disciplina no interior das Forças Armadas. Porém, propugnava que os militares que ocupavam as mais altas patentes precisariam cultivar o bom-senso ao exercerem o poder. Sodré criticou o uso que alguns militares faziam da autoridade ao se referir a situações presenciadas durante a sua formação e ao longo da sua vida profissional. Nesses termos, haveria uma “[...] confusão entre autoridade e estupidez [...] no meio militar, a autoridade é repetidamente afirmada pela estupidez. A grosseria aparece, então, como traço dela, como apanágio da virilidade” (SODRÉ, 1967, p. 66). O autor reitera ainda que o grande menosprezo pelas atividades culturais predominantes na sociedade brasileira do período estava presente no interior do Exército. Isso preocupava Sodré, pois, ao mesmo tempo que nutria paixão pelas letras, estava “[...] iniciando uma carreira, e carreira em que existia certa tendência, por vezes acentuada, ao anti-intelectualismo” (SODRÉ, 1970, p. 61). A despeito deste ambiente avesso à vida intelectual, os anos de estudo na Escola Militar foram produtivos para o autor e ator político. A Revista da Escola Militar, na qual Sodré passou a publicar com frequência, foi a principal divulgadora das suas publicações no período, chegando a fazer parte da sua diretoria em 1933. Esta gestão tinha como objetivo ampliar o público leitor entre os intelectuais civis: “[...] ambicionávamos, todos os da redação, que a revista fosse o elemento de ligação com o meio intelectual do país, que ela mostrasse aos intelectuais que, no Exército, também havia compreensão e apresso [sic] pelas coisas da inteligência” (SODRÉ, 1970, p. 57). Evidencia-se, mais uma vez, que as atividades militares e literárias sempre estiveram intimamente interligadas no pensamento político e social de Nelson Werneck Sodré. Em 1934, Sodré inicia a sua vida profissional no Regimento de Artilharia de Itu/SP, adentrando de forma definitiva na vida adulta e nas responsabilidades a ela inerentes, como o seu próprio sustento e o de sua família, constituída em 1935 ao se casar com Yolanda Frugoli Sodré, com quem teve uma filha, Olga Frugoli Sodré. A sua renda era, preponderantemente, obtida com os proventos de suas atividades militares, pois os recursos advindos da sua produção intelectual eram parcos e intermitentes. A sua designação para o interior do Estado de São Paulo e a imersão nas atividades práticas impostas pela profissão de militar reduziram o seu tempo destinado à leitura e à escrita, distanciando-o dos acontecimentos políticos que ocorriam no Rio de Janeiro, então capital do país. As suas primeiras experiências como militar em Itu são relatadas como momentos em que identifica vícios internos à instituição militar, os quais em um primeiro momento, devido ao que ele denomina como rompante característico da juventude, acredita ter a missão de corrigir: “Eu não estava apenas decidido a consertar o Exército, levava esse propósito à impertinência e 28 tinha o calo da impulsiva exteriorização, a ânsia, muitas vezes concretizada, pelo destampatório, a língua pronta, a má-criação irrompendo, fosse com quem fosse” (SODRÉ, 1967, p. 104). No entanto, não demorou muito para que Sodré pudesse perceber que “[...] nem estava dentro de minhas possibilidades endireitar o Exército, e a melhor maneira de endireitá-lo era buscar a perfeição desejada, mas apenas nos limites de minhas atribuições e autoridades [...] só a experiência me ensinaria que é inútil travar pequenas lutas; só as grandes compensam” (SODRÉ, 1967, p. 106-108). Ainda em 1934, Nelson Werneck Sodré recebeu um convite para ser colaborador do jornal Correio Paulistano. O autor começou a escrever para este periódico neste mesmo ano, primeiramente publicando artigos e, a partir de 1936, sendo responsável pelo rodapé da crítica literária. Esta colaboração durou 25 anos. Em 1938, Sodré publicou a sua primeira grande obra de crítica literária, intitulada História da Literatura Brasileira: seus fundamentos econômicos. Ao que tudo indica, o caminho das letras lhe possibilitou adentrar as trincheiras das “grandes lutas”, pois, foi na condição de intelectual que pôde construir as suas análises acerca da constituição da sociedade brasileira e propor, na prática, projetos de futuro para a nação. As “duas vocações – a das armas e a das letras”, como define Paulo Netto (2011, p. 23) – foram desenvolvidas de forma concomitante ao longo da vida de Nelson Werneck Sodré, mas, como isso ocorreu na prática? Foi um processo marcado por confluências ou contradições? Quais os ganhos e perdas obtidas por este intelectual com a interpenetração dessas duas atividades? Como evidenciado, a principal marca atribuída por Sodré à sua produção intelectual desta época é a alienação. Na sua vida profissional, o seu isolamento geográfico na segunda metade da década de 30 em guarnições do interior (excetuando uma rápida passagem pelo Rio de Janeiro em 1937) – Itu, Jundiaí e, posteriormente, no Mato Grosso – é apontado como um fator importante para o seu afastamento das questões sociais e políticas que ocorriam na capital do país. Um exemplo disso é o fato relatado acerca do quão tardiamente ficou sabendo da deflagração do Movimento de 1935, conhecido como a “Intentona Comunista”, que, sem alcançar êxito, tinha por objetivo derrubar o governo Vargas. No mesmo sentido, a sua produção de crítica literária descrevia os problemas a ela inerente devido a sua forma, pois “[...] a crítica, no Brasil, era recente e não havia ainda definido os seus métodos nem os seus propósitos” (SODRÉ, 1970, p. 67). Sodré acrescenta que havia outro empecilho: o momento político marcado pela ascensão do pensamento fascista. A princípio esta afirmação de Sodré parece se contrapor a perspectiva alienada da sua produção, mas, logo em seguida diz que, mesmo neste contexto, “[...] eu, inocentemente, prosseguia, como 29 se nada tivesse acontecendo, sem levar muito em consideração tais condições, expondo-se sem necessidade, pela total alienação em que estava envolvido” (SODRÉ, 1970, p. 69). Mesmo as suas primeiras obras – como por exemplo, a História da Literatura Brasileira [1938] (1940, 1995) – consistiam, como o autor define, em um projeto: [...] escrever uma nova história da literatura brasileira, nova no sentido de aplicação de método realmente histórico e, mais do que isso, e essencialmente, no sentido de aplicação do materialismo histórico à reconstituição do processo de desenvolvimento de nossas letras (SODRÉ, 1970, p. 88). Neste sentido, uma discussão a partir do pensamento marxista foi arrolada por Sodré como produção resultante deste seu período alienado. Seu autojulgamento mostra que não estava preparado para escrever utilizando a metodologia marxista. Ao longo dos fatos arrolados nas suas duas obras memorialísticas, é possível identificar momentos em que relata acontecimentos e tomada de posturas que indicam um posicionamento político e, em seguida, faz afirmações que buscam negar tal interpretação. Estas incongruências podem ser notadas em diferentes períodos. O primeiro se refere ao momento em que Sodré esteve diante da necessidade de fazer a crítica de um livro de conteúdo político, Democracia Integralista (1936), de Jaime R. Pereira. Na obra Memórias de um escritor, Sodré afirma que tinha consciência que “[...] sendo eu militar, em princípio de carreira, a posição que escolhesse, face ao integralismo, ficaria marcada e anotada e condicionaria meu futuro” (SODRÉ, 1970, p. 74). Sodré salientou que na época estava alheio aos objetivos políticos do integralismo. Aquela crítica ao livro de Jaime R. Pereira – conforme a opinião de Sodré – estava ancorada no fato de que a sua crítica tenha ficado no terreno da isenção14. O breve período que passou no Rio de Janeiro no ano de 1937, antes da sua ida para o Mato Grosso, possibilitou o estabelecimento de relações com artistas e intelectuais relevantes nesse período. As rodas literárias que frequentou, principalmente na Livraria José Olímpio, eram compostas por muitos intelectuais de esquerda: “O banco, que assinalava o local do crime, tinha frequentadores certos; ali, por exemplo, Graciliano Ramos dava ‘audiência’ todo santo dia. Como a maioria desses frequentadores fosse de esquerda, o banco passou à suspeição policial” (SODRÉ, 1970, p. 93). 14 Retrospectivamente, Sodré declarou que a sua crítica ao livro de Jaime R. Pereira era ingênua. 30 Ao mesmo tempo em que estabelecera aquelas relações com os intelectuais de esquerda15, Sodré colaborou com a revista Cultura Política, “destinada à propaganda do regime” do Estado Novo. Sodré afirma ainda que, para além do autoritarismo, este regime tinha outras faces: Tratava-se, no fim de contas, para a burguesia brasileira, de realizar os seus propósitos, fazer a sua pequena revolução, ainda que de maneira parcial, incompleta, deformada – mas, no essencial, contra o proletariado. Na época da ascensão autoritária no mundo, a burguesia brasileira, incipiente, nova, débil, atrasada, julgava poder dispensar a base popular que sempre proporcionou àquela força capaz de lhe permitir a conquista de seus objetivos. O regime, assim, não era o mesmo que, nos países de capitalismo desenvolvido, havia gerado o nazismo, o militarismo, o fascismo. Traço comum era o anticomunismo: naqueles países representava o medo ao socialismo, capitaneado pela União Soviética; aqui representava fantasma levantado para alcançar a passividade ou a aquiescência da pequena burguesia. Atrás da fachada policial, o Estado Novo levantava os problemas em cujas soluções a burguesia a burguesia brasileira estava interessada. O regime pretendia, em suma, conciliar o irreconciliável: realizar uma política nacionalista, mas sem participação popular. Isso tudo vem a propósito dos temas que a Cultura Política, porque o Governo os encarava e pretendia resolvê-los. Muitos desses temas eram importantes; algumas das iniciativas governamentais eram defensáveis (SODRÉ, 1970, p. 123-124). Adiante, Sodré faz autojulgamento da sua postura política na época do Estado Novo, buscando fundamentá-la na sua condição de alienação: Não pretendo, de forma alguma, justificar a posteriori – quando isso é fácil – ter prestigiado com a minha pena um regime de força, cujas mazelas eram indiscutíveis e ostensivas. As pessoas são como são e tem histórias, não são as mesmas a vida toda, mudam, evoluem. Detestando os métodos policiais do Estado Novo, fiel ao princípio da liberdade de pensamento e, consequentemente, contrário a censura e a propaganda unilateral dos atos oficiais, eu não tinha nenhum compromisso ideológico, não estava ligado a nenhuma organização, seita, agrupamento, partido, a cujo programa, diretriz ou rumo devesse obediência. Estava na realidade desinteressado das questões políticas, que não me afetavam. Não tinha conhecimentos suficientes para constatar que a minha omissão importava em ajudar o regime estabelecido, então praticamente incontestado. Tratava-se, em realidade, de alienação, mas como prova de que ela representa, não um ato de vontade, mas traço do tempo e do meio. O fato é que eu não tinha dela consciência. Não se colocava, para mim, na época, o problema de que essa conduta fosse boa ou má, tal conduta não fora adota como decorrente da análise da realidade. Ela surgira, naturalmente, com a espontaneidade ingênua com que acontece com os que sofrem o fenômeno da alienação (SODRÉ, 1970, p. 124). 15 Principalmente com Graciliano Ramos (1892-1953), que havia sido preso por ocasião da deflagração do Estado Novo (1937) e com o qual manteve a amizade ao longo da vida. 31 Diante das diferentes posturas tomadas por Nelson Werneck Sodré neste período de sua trajetória, que à primeira vista se apresentam como incongruências internas ao seu pensamento, o próprio autor as atribui à sua condição de alienação. Cunha (2011a) considera que, na base da autocrítica de Sodré, estaria uma postura política que o identifica, recuperando a discussão de Élide Bastos e Walquíria Rêgo (1999), com a “moralidade do compromisso” que “[...] expressa em uma singular linha de argumentação que valoriza a perspectiva do intelectual em sua relação com a política, na crença de que há uma relação entre a sua atividade de pensar e um empenho moral no sentido de elevar a condição humana” (CUNHA, 2011a, p. 23). A tese de Cunha (2011a) parte do pressuposto de que a trajetória de Sodré enquanto militar e as atividades intelectuais estão intimamente relacionadas na direção de complementariedade, tendo como elemento central a mediação na prática política. Neste sentido, Sodré é analisado como “[...] um autor que é umbilicalmente um ator político” e que possui “postura militante” (CUNHA, 2011a, p. 17). Porém, ao empreender esforços para reconstruir o pensamento político de Sodré, Cunha (2011a) afirma que não é possível fazê-lo a partir de uma concepção única de política. Sua apreensão é possível a partir de dois eixos: “[...] um primeiro eixo se refere a sua condição de pequeno-burguês como origem social e que remete, como veremos, à sua vocação profissional – no caso, a militar [...]” (CUNHA, 2011a, p. 18). O segundo eixo, “[...] refere-se à sua condição de intelectual que, com certeza, remete à sua vocação de escritor e, por hipótese, à expressão de um pensamento político que exponencializará um exercício intelectual militante ao longo de sua trajetória (CUNHA, 2011a, p. 19), que marcará a sua conversão ao marxismo16. No primeiro eixo, no qual Nelson Werneck Sodré é analisado a partir de sua origem social de pequeno-burguês, é mais difícil identificar em sua postura o ator social, o militante, pois suas práticas estão “[...] em grande medida dissimuladas” (CUNHA, 2011a, p. 17). A origem social pequeno-burguesa era comum entre os oficiais do Exército Brasileiro. O próprio Sodré aborda essa questão em suas obras memorialísticas, e antes delas, no capítulo quarto intitulado Evolução Militar: formação do exército nacional da primeira edição da obra Introdução à Revolução Brasileira (1958). De forma ampliada, essa discussão é retomada em 16 É importante salientar que, neste segundo eixo, Cunha (2011) irá evidenciar a postura de Sodré enquanto intelectual militante, a qual estará relacionada ao amadurecimento da sua interpretação acerca do materialismo histórico dialético e, principalmente, sua aproximação com o PC que ocorre durante sua estadia na Bahia entre os anos de 1942 e 1943. 32 1965 para tornar-se uma obra independente intitulada História Militar do Brasil. Nas referidas obras, o autor delineia como se deu esse encontro ideológico da pequena-burguesia com o Exército: [...] a transformação da força militar permanente e central numa espécie de casta, distinguindo-se do resto inclusive pelo lado econômico. Muito ao contrário, o militar é funcionário de segunda ordem, esquecido, mal pago e sem nenhum destaque [...]. O recrutamento da oficialidade, por isso mesmo, nas forças terrestres, fica mais ou menos à vontade, quando não totalmente à vontade. E ela será formada nas camadas, sempre em desenvolvimento, a que a estrutura da produção concede um lugar reduzido, insignificante. É na camada livre, mas não proprietária que será recrutada aquela oficialidade – na classe média que esboça a sua posição (SODRÉ, 1958, p. 180-181). Segundo o autor, o Exército se constituirá distanciado da classe dominante. Em uma situação frágil perante as instituições políticas, o Exército adquiriu coesão interna e poder político após a Guerra do Paraguai (1864-1870). Devido ao longo período em que o país esteve em guerra, foi necessário estender o recrutamento de soldados à classe média, operários e escravizados. No final da guerra, os soldados foram incorporados à instituição e puderam seguir a carreira militar: alguns indivíduos ocupariam altas patentes na hierarquia e adquiririam maior poder na instituição. O desenvolvimento deste processo gestou no Exército nova mentalidade que pretendia estabelecer articulação mais estreita com a vida política. As referidas articulações estavam alinhadas a uma postura de apoio aos que desejavam mudanças que objetivavam a alteração do quadro político e social que conjugava a forma de governo da Monarquia Constitucional Parlamentar com as relações de trabalho escravistas. Sodré considerava que esta postura da classe militar contribuiu para os eventos que resultaram no processo da Proclamação da República em 1889: No instante em que uma de suas parcelas, a militar, poderosa pela sua própria organização, encontrava aliança fortuita ou natural em algum grupo diverso, - como aconteceu com a abolição, que interessava à lavoura cafeeira, visto o que o trabalho servil nela, chegara a um ponto em que representava estorvo, - as manifestações eram concludentes e vitoriosas [...]. A classe média, a que os modernos estudiosos apreciam denominar de pequena burguesia, entretanto, de que o Exército era uma das mais nítidas expressões já começava a participar dos acontecimentos, já acusa a sua presença (SODRÉ, 1958, p. 186). Sodré apontou outros momentos de crises políticas e sociais nas quais o Exército atuou politicamente. Uma das participações fundamentais do Exército na vida pública nacional era o 33 tenentismo. O autor concebia que o movimento tenentista não se diferenciava dos acontecimentos históricos inerentes ao desenvolvimento particular da revolução brasileira. As causas sociais e políticas do posicionamento ideológico do tenentismo estava impregnado de um tipo de moralismo característico da pequena burguesia, o qual é internalizado pelos militares (ou parte deles) que os associavam a uma perspectiva salvacionista, onde tais indivíduos e grupos teriam a missão de refundar a sociedade brasileira sob novas bases. Existem várias vertentes teóricas para problematizar essa visão salvacionista construída em relação ao Exército e, por conseguinte, acerca do “soldado” como agente portador de uma “missão social”. A retomada das discussões de Michel Lowy (1979) busca dar bases para a sua interpretação que estão pautadas na origem social pequeno-burguesa de Sodré e no seu papel enquanto intelectual (CUNHA, 2011a). De maneira sintetizada, Elide Rugai Bastos, no prefácio da obra Um olhar à esquerda, afirma que: Os países onde a transição capitalista se efetua com atraso em relação àquelas sociedades que conheceram as experiências clássicas conferem um papel especial aos intelectuais. Neles os intelectuais assumem um protagonismo que os diferencia dos seus pares localizadas naquelas formações originárias. Aí está a raiz do dilema, pois resulta que, nesses casos, cultura e política são umbilicalmente associados. Para compreender esse processo, reconstrói como elementos colocados simultaneamente, os acontecimentos do país, a inserção de Sodré no exército, seu papel nas diferentes ocorrências políticas, sua crítica às mesmas, sua reflexão sobre o país, sua aproximação com o pensamento marxista europeu ou latino-americano. Aponta como esse itinerário demonstra a imbricação de uma utopia dentro da outra: tenentismo e marxismo. Em outros termos, como o moralismo, característico da pequena burguesia, que o impulsiona a construção da Nação e, nesse movimento, o leva ao Exército, compõem o compromisso de Sodré com um projeto emancipatório realmente transformador da sociedade. Mais ainda, como a ética que atravessa o momento não propriamente político leva a um profundo comprometimento com a esfera pública (BASTOS, 2011a, p. 13). Para além das especificidades da posição que o intelectual ocupa em sociedades como a brasileira, marcada por uma inserção tardia no desenvolvimento capitalista, Cunha (2011a) evidencia dois elementos centrais para a articulação dos militares com a perspectiva ideológica de esquerda: o jacobinismo17 e o positivismo. No Brasil, o jacobinismo está intimamente relacionado com o “florianismo”, consubstanciado no pensamento e na atuação política do 17 Conforme especificado por Cunha (2011a) a utilização do termo jacobinismo para identificar a posição dos militares – em sua grande maioria oriundos da pequena burguesia urbana – no Brasil deve-se ao fato de defenderem de maneira radical as lutas pró república em nosso país. Guardadas suas especificidades, seus ideais estavam em consonância com as posturas tomadas pelos jacobinos durante a Revolução Francesa de 1789. 34 presidente da República, Floriano Peixoto (1839-1895), que se constituíam em um projeto de futuro que valorizava o compromisso com o “ideário patriótico” e os “valores democráticos”. O positivismo estava atrelado à “doutrina do soldado cidadão” (CUNHA, 2011a, p. 35), que se justifica pelo suposto caráter democrático de recrutamento dos oficiais que pertenciam às diferentes classes sociais; além disso, para muitos indivíduos o recrutamento seria a única possibilidade de ascensão social. Associado à instrumentalização destas mentalidades, a partir de um entendimento muito particular desta corrente filosófica que, diferentemente da Europa que a vê como conservadora, a corrente positivista “[...] é apreendida em nosso cenário como um instrumento de agitação cultural e atividade política” (CUNHA, 2011a, p. 35). As influências das ideologias jacobinista e positivista estavam presentes na formação militar e intelectual de Sodré. Sem dúvida, é um argumento razoável para se pensar o conceito de esquerda entre os militares e a possibilidade de que, de acordo com Michel Löwy (1979), esse eixo se apresente (a radicalidade intelectual pequeno-burguesa) como uma etapa de superação do capitalismo e alternativa ao socialismo” (CUNHA, 2011a, p. 36). Especificamente sobre o pensamento de Sodré, esta será a base para a sua conversão ao pensamento marxista, que Cunha (2011a) define como o segundo momento da sua produção intelectual. 1.3 O INTELECTUAL: A CONVERGÊNCIA PARA A MILITÂNCIA E AS CONTRADIÇÕES DA VIDA PROFISSIONAL NO EXÉRCITO As discussões que serão empreendidas neste tópico têm por objetivo analisar o período de maturidade de Nelson Werneck Sodré, centradas, sobretudo, em sua atividade intelectual e nas posturas ideológicas nela refletida. A segunda metade da década de 1940 marca o início da sua maturidade intelectual, caracterizada por uma tomada de consciência ideológica e política do autor, visto que “[...] no espaço mediador entre estes dois momentos, está uma hipótese (posta como fato por Paulo Ribeiro da Cunha, competente estudioso de Sodré): a de que nosso autor tenha se vinculado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)” (NETTO, 2011, p. 25). Mais adiante, José Paulo Netto indica outros dois acontecimentos marcantes que consolidaram a mudança de postura ideológica e política de Sodré: “[...] a primeira foi o seu envolvimento nas eleições para o Clube Militar e a segunda sua inserção no ISEB” (NETTO, 2011, p. 29). É 35 também a este período e a tais eventos que se refere Cunha (2011a, 2011b) ao apontar a conversão ao marxismo de Nelson Werneck Sodré. O episódio ocorrido com as eleições para a diretoria do Clube Militar em 1950 é muito representativo, pois assinala o momento em que Sodré assume de maneira mais explícita a sua posição política e ideológica, fato que, na opinião de Sodré, alterará “[...] fundamentalmente a minha vida e inutilizar a minha carreira” (SODRÉ,1967, p. 297). Em 1949, o então Major Nelson Werneck Sodré foi convidado para compor uma das chapas que concorreriam às eleições para a diretoria do Clube Militar. De um lado, estavam os generais Newton Estillac Leal (1893-1955) e Júlio Caetano Horta Barbosa (1881-1965), que obtiveram o apoio de Sodré. A chapa eleitoral opositora tinha como membros os generais Osvaldo Cordeiro de Farias (1901-1981) e Emílio Rodrigues Ribas Júnior (1897-1973). Este pleito eleitoral representava as duas grandes correntes ideológicas que disputavam o poder na sociedade brasileira daquele período: a primeira representava os chamados “nacionalistas” (“legalistas”), reunindo “[...] os setores constitucionalistas, democráticos e nacionalista do Exército” (NETTO, 2011, p. 29); a segunda, os denominados pela oposição de “entreguistas” (“golpistas”), “[...] que reunia os segmentos conservadores do Exército (quase todos os partícipes do golpe de outubro de 1945, que asfixiou as tendências mais profundas do processo de democratização então em curso)” (NETTO, 2011, p. 29). Assim, conforme Netto, Não se tratava de uma eleição como as outras: já no marco da Guerra Fria, e ao fim do governo antipopular e antinacional de Dutra, a disputa pela direção do Clube Militar refletia divisões no interior das forças armadas e o que estava em jogo extrapolava largamente as suas fileiras – certamente, o resultado das eleições teria consequência na sucessão presidencial que estava próxima (NETTO, 2011, p. 29). Do resultado daquelas eleições dependeria o direcionamento político para a sociedade brasileira. Nesse contexto, estabeleceu-se um clima de grande tensão e disputas acirradas. Antes de fazer a discussão sobre o momento da campanha eleitoral e dos seus resultados, serão apresentados os acontecimentos políticos que direcionavam as posições ideológicas nacionais e, de maneira específica, como aquelas posições se incorporaram ao pensamento de Sodré. No Brasil da primeira metade da década de 1940, desenrolavam-se os últimos anos da política autoritária imposta pelo Estado Novo. O enfraquecimento do governo varguista estava intimamente ligado aos resultados da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha nazista de Hitler saiu derrotada. Como exposto em Memórias de um soldado (1967), o período em que esses acontecimentos estão em curso, Sodré esteve em diferentes Estados do país: em 1941 36 ajudou a organizar a Escola Preparatória de São Paulo; em 1942, logo após tornar-se capitão, foi designado para Salvador; e em 1944 retornou ao Rio de Janeiro para iniciar o Curso na Escola de Estado-Maior, onde permanecerá até o episódio das eleições do Clube Militar. Após 1948, exerceu a função de instrutor nesta mesma escola. As atividades profissionais desenvolvidas por Sodré neste período, principalmente a sua contribuição para a fundação da Escola Preparatória de São Paulo, permitiu-lhe visualizar no interior do Exército as consequências da cruzada antidemocrática, travestida em cruzada anticomunista efetuada pelo Estado Novo. O projeto que criou aquela escola está ligado às mudanças implementadas em 1939 pelo Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), e por Góes Monteiro (1891-1963), Chefe do Estado-Maior do Exército. Sobre as mudanças operadas por esses militares, Sodré afirma: A medida – embora a maioria não tivesse percebido – tinha profundo conteúdo político e fazia parte do plano que o Estado-Maior esposara com clareza e se propunha executar inexoravelmente, no sentido de retirar ao Exército, progressivamente, o seu caráter democrático, caráter histórico entre nós, e que repousava muito na perspectiva que abria a elementos de camadas inferiores da classe média, numerosíssima em nosso país, de se realizarem profissionalmente (SODRÉ, 1967, p. 175). As Escolas Preparatórias – fundadas inicialmente em São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza, sendo que, nestas duas últimas cidades, foram implementadas de maneira concomitante à extinção dos Colégios Militares (apenas o Colégio Militar do Rio de Janeiro permaneceu ativo) – serviam muito bem aos propósitos antidemocráticos. Diferentemente dos Colégios Militares, que selecionavam os seus alunos a partir do critério intelectual de desempenho, sem restringir seu futuro campo de atuação profissional, as Escolas Preparatórias formariam “[...] apenas futuros oficiais do Exército, selecionados à entrada, selecionados à saída, e não por crivo intelectual, mas por crivo político” (SODRÉ, 1967, p. 183). Nas Escolas Preparatórias, o recrutamento estava pautado em rigorosos critérios de seleção alheios à igualdade de oportunidades. Segundo Sodré, Era proibida a inscrição de pessoas de cor, negros ou mulatos; de filhos de estrangeiros; de filhos de pais que exercessem atividades humildes, artesanais ou proletárias; de candidatos pertencentes a famílias cuja orientação política inspirasse suspeitas; de judeus; de filhos de casais desquitados, desajustados ou cuja conduta, particularmente do membro feminino, discrepasse das normas morais; de não católicos (SODRÉ, 1967, p. 183). 37 Estas posições antidemocráticas impostas ao recrutamento nas Escolas Preparatórias desmotivaram profundamente Sodré, ao ponto de ele pensar em não participar do projeto de criação da Escola Preparatória de São Paulo. Posteriormente, Sodré se afastaria do recrutamento, contudo, colaborou para o exercício das funções burocráticas da escola. Às contrariedades suscitadas por este episódio somaram-se, pouco tempo depois, outras que estavam ligadas a seleção de candidatos para o Curso do Estado-Maior, para o qual o autor se candidatou sem obter êxito. Da mesma forma que as Escolas Preparatórias, a Escola do Estado- Maior passou a adotar a investigação da vida política e social pregressa do candidato como prerrogativa para a seleção, resultando em Sodré crescente sentimento de descrédito em relação ao Exército e à sua carreira militar: “[...] a finalidade era constituir, com os oficiais do Estado- Maior uma ‘elite’ capaz de controlar o Exército, de pô-lo a serviço daquilo que essa ‘elite’ reputasse justo, acertado e necessário” (SODRÉ, 1967, p. 194). Logo após ser reprovado na seleção para o Curso do Estado-Maior, Sodré foi designado para a Bahia. Durante a sua estadia em Salvador, nos anos de 1942 e 1943, a derrota da Alemanha se apresentará como eminente e as discussões sobre o processo de redemocratização ficam revigoradas. Sodré presenciará a efetivação desse processo no seu cerne, pois em 1944 estará no Rio de janeiro para iniciar o Curso do Estado-Maior, para o qual foi aprovado em sua segunda submissão. Ao longo deste período de formação, o autor denuncia, como o fizera no passado, contradições no interior da instituição a qual pertencia. Neste contexto, critica o método de ensino ministrado naquela escola que, segundo Sodré, estava pautada em uma formação abstrata que “[....] omite absolutamente os próprios problemas nacionais; não toma conhecimento da existência do país que se prepara, teoricamente, para defender” (SODRÉ, 1967, p. 229). Concomitantemente, no cenário nacional, os Estados Unidos ganhavam poder e sinalizavam apoio para o restabelecimento da democracia: No Brasil, em 1945, a mobilização popular nesse sentido cresceu de tal forma que a ditadura foi compelida a tomar as providências formais para a sua própria liquidação. Abriu-se o cenário, depois de dez anos de pausa ditatorial, para o jogo dos partidos; do ventre do governo, surgiram dois, o Social Democrata (PSD) e o Trabalhista Brasileiro (PTB); a oposição a Vargas, em que se arregimentavam, particularmente, os que haviam servido e dele se distanciado, organizou a União Democrática Nacional (UDN); apareceu na legalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB) (SODRÉ, 1967, p. 240). Se aparentemente o surgimento ou a legalização destes diversos partidos sinalizava para um novo cenário na política brasileira – em que as diferentes perspectivas ideológicas podiam ser debatidas tendo como horizonte o restabelecimento da democracia –, ocorreu na prática o 38 estabelecimento de uma democracia meramente formal. Getúlio Vargas manifestou interesse em permanecer no poder durante a Assembleia Constituinte com o intuito de controlar os pressupostos da elaboração da nova constituição e, a partir das prerrogativas constitucionais, eleger o novo presidente da República. Sodré (1967) afirma que teria sido este o melhor caminho a ser seguido, pois a popularidade política de Getúlio Vargas estava em ascensão, principalmente devido à aproximação com as massas populares. Porém, deve-se a este mesmo fator a crescente oposição das forças conservadoras à sua continuidade no poder. Tais forças, que contavam com elementos das forças armadas, depuseram Vargas, e foi eleito para a presidência da República o general Eurico Gaspar Dutra (1883-1974). O governo de Dutra se desenvolveu profundamente alinhado à política imperialista norte-americana que empunhava, como principal bandeira, a luta anticomunista. É nesse panorama histórico que percebemos a importância do Clube Militar para a política nacional. Sobre o pleito eleitoral anterior que fora convidado a participar, Sodré afirma: Para resistir a ditadura - que sabiam muito mais caracterizada em Dutra do que em Vargas - grupos militares haviam decidido mostrar seu descontentamento da forma que era viável naquela conjuntura: elegeram para a presidência do Clube Militar o general José Pessoa, cuja aversão a Dutra e Góes era notória. Sucedeu-o, como elemento da mesma corrente, o general Salvador César Obino; estava esse na presidência quando se desencadeou a campanha do petróleo. Com a “reconstitucionalização”, haviam surgido as condições para tal campanha; com o Clube Militar dirigido por corrente democrática, ela penetrou ali, avassaladoramente. Convenceram o general Obino a permitir no Clube Militar o debate do problema que apaixonava a opinião pública. Começou com as conferências pronunciadas pelos chefes militares que capitaneavam as correntes opostas: Juarez, o entreguismo; Horta Barbosa, o nacionalismo” (SODRÉ, 1967, p. 260). A chapa de Estillac Leal estava comprometida com as motivações de Sodré: a defesa da democracia e do espírito nacionalista. Mesmo diante da forte campanha que buscava difamá-la ao associá-la à esquerda e ao comunismo, a referida chapa venceu o pleito. Porém, devido aos valores que defendia, essa gestão sofreu fortes oposições. O episódio relacionado à repercussão do artigo intitulado Considerações sobre a guerra na Coreia, publicado na edição nº 107 da Revista do Clube Militar no ano de 1950, é exemplar, pois “[....] foi entorno dela, tomando-a como pretexto, que se desenvolveu a organizada, meticulosa e bem dirigida ofensiva dos meios militares reacionários, lançados agora na luta contra a posição nacionalista do Clube Militar [...]” (SODRÉ, 1967, p. 310). 39 O artigo, de autor desconhecido, abordava o conflito surgido internamente na Coreia que, após a Segunda Guerra Mundial, ficou dividida entre a República da Coreia do Sul, sob influência norte-americana, e a sua parte Norte, a República Democrática e popular da Coreia, que havia sido ocupada por tropas da União Soviética. A argumentação desenvolvida no artigo fazia uma crítica aos Estados Unidos por intervir em um conflito que, a princípio, era uma guerra civil, questionando também a legitimidade do governo brasileiro para enviar soldados para lutarem naquela guerra. Inúmeras manifestações contrárias a este artigo foram orquestradas por militares de todo o país, associando-o a ideias que estavam profundamente alinhadas ao grande perigo que seria ameaça à democracia: o comunismo. O artigo foi publicado sem identificação de autoria, e, embora alguns autores tenham sugerido que o texto fora escrito por Sodré, ele, nem mesmo em suas obras memorialísticas, assumiu ser o autor. Conforme depoimento do Coronel Luís de Alencar Araripe18, “[...] o artigo de cinco páginas era de responsabilidade do diretor da revista, mas não foi difícil perceber nele a mão do diretor do Departamento Cultural, ao qual estava subordinado” (ARARIPE, 2011, p. 71). No mesmo sentido Cunha afirma: Por essa razão, e que, de certa forma, não seria uma coincidência, entendo que o núcleo militar do partido fora responsável, tanto pela discussão do teor do artigo quanto de sua publicação e talvez a redação tenha sido obra do próprio Sodré, que admite com honestidade, em suas memórias, o desconhecimento do General Estillac Leal com relação ao artigo e a sua publicação, e indica que também o encontrou como fato consumado. Caberia, neste caso, uma indagação: fato consumado por quem? Há indícios comprobatórios da hipótese de que Sodré tivesse sido autor, ou ao menos, alguma responsabilidade em sua elaboração [...] (CUNHA, 2011a, p. 265). Como sugerido, se a autoria do artigo não era de Nelson Werneck Sodré, ao menos obteve a sua aprovação, já que era o Diretor do Departamento Cultural do Clube Militar. O fato é que o referido artigo de cunho nacionalista e anti-imperialista foi utilizado como evidência da postura comunista dos membros da direção do Clube Militar. Cunha (2011a) acredita que foi decorrente deste episódio a primeira referência à atuação política de Sodré no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS): “Em última instância, verifica-se que o discurso e, principalmente, a sua publicação refletem a atuação política de Sodré e recoloca o seu papel social e político [...]” (CUNHA, 2011a, p. 268). 18 Este depoimento foi dado durante a participação do referido Coronel na VIII Jornada de Ciências Sociais, promovida pela UNESP do campus de Marília, em comemoração ao centenário de Nelson Werneck Sodré. 40 Esse novo momento de atuação política – e, em certa medida, militante de Sodré – culminará no episódio do Clube Militar que Cunha (2011a) apresenta como o momento em que o intelectual faz sua última passagem do ideal tenentista e pequeno-burguês para o marxismo, que se supõe marxismo-leninista devido à antinomia “nação x imperialismo” (CUNHA, 2011a, p. 248), questão que se passará a ser fundamental em suas discussões. A sua estada na Bahia influenciou essa transição ideológica de Sodré. Naquele Estado “[...] já era realidade o debate teórico e político marxista, que contava com um dinâmico movimento de oposição ao Estado Novo, ao que parece, caso único no país, apresentando, inclusive, ramificações militares organizadas pelo PCB na Marinha e na Aeronáutica” (CUNHA, 2011a, p. 191). Esse contexto intelectual e político permitiu a aproximação de Sodré com