Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Filosofia e Ciências Campus de Marília PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NÍVEL DOUTORADO ANDRÉIA DE ALCANTARA CERIZZA DIVISÃO DO TRABALHO INOVADOR: ANÁLISE DO PAPEL DO ESTADO NA PERSPECTIVA DOS ORGANISMOS DE APOIO DE BIRIGUI-SP MARÍLIA – SP 2015 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Filosofia e Ciências Campus de Marília PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NÍVEL DOUTORADO ANDRÉIA DE ALCANTARA CERIZZA DIVISÃO DO TRABALHO INOVADOR: ANÁLISE DO PAPEL DO ESTADO NA PERSPECTIVA DOS ORGANISMOS DE APOIO DE BIRIGUI-SP Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Luís Antônio Paulino Linha de Pesquisa: Relações Internacionais e Desenvolvimento MARÍLIA – SP 2015 Cerizza, Andréia de Alcantara. C415e Divisão do trabalho inovador: análise do papel do Estado na perspectiva dos organismos de apoio de Birigui- SP / Andréia de Alcantara Cerizza. – Marília, 2015 159 f. ; 30 cm. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2015. Bibliografia: f. 140-149 Orientador: Luís Antônio Paulino. 1. Inovações tecnológicas. 2. Brasil – Políticas públicas. 3. Calçados – Indústria – Birigui (SP). I. Título. CDD 320.6 BANCA DE DEFESA ANDRÉIA DE ALCÂNTARA CERIZZA DIVISÃO DO TRABALHO INOVADOR: ANÁLISE DO PAPEL DO ESTADO NA PERSPECTIVA DOS ORGANISMOS DE APOIO DE BIRIGUI-SP Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília, Linha de Pesquisa: Relações Internacionais e Desenvolvimento, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais. Data da aprovação defesa: 11/06/2015 Prof. Dr. Luís Antônio Paulino - DCPE/FFC/UNESP Marília-SP Titular (Orientador) Prof. Dr. Marcos Cordeiro - DCPE/FFC/UNESP Marília-SP Titular Prof. Dr. José Marangoni Camargo - DCPE/FFC/UNESP Marília-SP Titular Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat - PPG DL/ Erasmus Mundus – UCDB Titular Prof. Dr. Mauri da Silva - Faculdade de Tecnologias de Ourinhos - FATEC Titular Dedico ao meu pai, José Aldon de Alcântara (in memoriam). AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Luís Antônio Paulino, meu orientador, por conduzir a orientação de forma crítica e me possibilitar dar continuidade e aprofundamento ao objeto de pesquisa que se iniciou no mestrado. Muito obrigada pela oportunidade! Aos professores do PPG CS - Prof. Dr. Marcos Cordeiro e Prof. Dr. José M. Camargo e ao professor da Faculdade de Tecnologias de Ourinhos – FATEC - Prof. Dr. Mauri da Silva, que compõem a banca de defesa. À Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat, intelectual marcante em minha formação stricto sensu, pela gentileza em aceitar compor a banca de mestrado e doutorado. Aos professores e colegas de turma da PPPG CS, com quem tive a felicidade de conviver! A diversidade de ideias e os embates em classe reforçaram em mim a importância do diálogo, o respeito e a tolerância como fundamentos das relações humanas! À Secretaria de Pós-Graduação CS e ao Comitê de Ética e Pesquisa, pela cordialidade e empenho. Ao IFSP, instituição em que atuo como servidora pública federal, no cargo de professora do ensino básico, técnico e tecnológico, lotada no campus Birigui, por me conceder afastamento para qualificação nos últimos sete meses para conclusão da tese. Aos empreendedores de Birigui-SP e a todos os representantes dos organismos de apoio, pelo comprometimento à cidade e pelo espírito de união. Ao meu marido Carlos e meu filho Silvio, tutto sapore di mia vita – companheiros de vida, presentes na saga de tentar conciliar estudo, emprego, família! Ao meu pai (in memoriam), figura central em minha formação humana, que protagonizou os papéis de pai e mãe e me ensinou a importância do trabalho como forma de comprometimento com a vida! "Para entender o papel fundamental do Estado ao assumir os riscos do capitalismo moderno, é importante reconhecer o caráter coletivo da inovação”. Mariana Mazzucato LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Triângulo de Sábato........................................................................................31 Figura 2 - Modelo Tríplice Hélice..................................................................................32 Figura 3 - Sistema Nacional de Inovação – visões restrita e ampla – adaptado..............34 Figura 4 - Governança Plano Brasil Maior......................................................................74 Figura 5 - APL Calçadista de Birigui - relações entre os atores produtivos e organismos de apoio............................................................................................................................96 Figura 6 - Evolução na quantidade de patentes concedidas no Escritório de Patentes dos EUA à Coréia, Espanha, Índia e Brasil..........................................................................114 LISTA DE FOTOS Foto 1 - Fachada do SINBI.............................................................................................91 Foto 2 – Reunião DRS.....................................................................................................94 Foto 3 – Fachada da SEDECTI ......................................................................................98 Foto 4 – Momento empreendedor no seu bairro .............................................................99 Foto 5 – Encontro de Mulheres Empreendedoras ........................................................100 Foto 6 – Reunião de parceiros para organizar calendário oficial de eventos janeiro/2014...................... .....................................................................................110 Foto 7 – Prêmio Inovação 2014 aos empreendedores de destaque na cidade ..............111 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Por que a inovação é importante para o desenvolvimento de países emergentes................................................................................................................28 Quadro 2 – Coordenação das políticas de inovação no Brasil........................................60 Quadro 3 – Políticas de inovação – 2004 a 2014............................................................76 Quadro 4 – Instrumentos de apoio à inovação âmbito nacional - apoio financeiro, técnico e gerencial ..........................................................................................................79 Quadro 5 – Roteiro de entrevista...................................................................................102 LISTA DE SIGLAS ABC Academia Brasileira de Ciências ABICALÇADOS Associação Brasileira de Calçados ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial APEMEBI Associação de Pequenas e Médias Empresas Exportadoras de Birigui ABIPTI Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação ACS Alcântara Cyclone Space AEB Agência Espacial Brasileira AES Agendas Estratégicas Setoriais ANPEI Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras ANPROTEC Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores APL Arranjo Produtivo Local ASPIL Arranjo e Sistema Produtivo e Inovativo Local ASSINTECAL Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BRICS Brasil , Rússia , Índia, China e África do Sul CAD/CAM Computer Aided Design/ Computer Aided Manufacturing DL Desenvolvimento Local CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEBRAP Centro Brasileiro de Análise e Planejamento CEITEC Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada CGEE Centro de Gestão e Estudos Estratégicos CIESP Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo CIDE Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear CNDI Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial CNI Confederação Nacional da Indústria CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONFAP Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa CONSECTI Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I CTI Ciência, Tecnologia e Inovação ETNs Empresas transnacionais EMBRAPII Empresa Brasileira de Inovação Industrial EMs Empresas multinacionais ENCTI Estratégia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação FAP Fundação de Amparo à Pesquisa FATEB Faculdade de Tecnologia de Birigui FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FRANCAL Feira do Couro e do Calçado de Franca FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio GTP-APL/MDIC Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais/ Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia ICT Instituição de Ciência e Tecnologia IED Investimento Externo Direto IST Institutos SENAI de Tecnologia INB Indústrias Nucleares do Brasil INPI Instituto Nacional de Propriedade Intelectual IFSP Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas NAE Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República NIT Núcleo de Inovação Tecnológica NUCLEP Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A MBA Master in Business Administration MEC Ministério da Educação MEI Microempreendedor individual MPEs Micro e Pequenas Empresas MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior OECD Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT Organização Internacional do Trabalho ONU Organização das Nações Unidas OMC Organização Mundial do Comércio PACTI Plano de Ação Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional PBM Plano Brasil Maior PDP Política de Desenvolvimento Produtivo PIA Pesquisa Industrial Anual PITCE Política Industrial Tecnológica e de Comercio Exterior PNDR Política Nacional de Desenvolvimento Regional PINTEC Pesquisa de Inovação Tecnológica PRONATEC Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica RAIS/MTB Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho REDESIST Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais RENAI/MDIC Rede Nacional de Informações sobre Investimentos/ Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior RENAPI/ABDI Rede Nacional de Política Industrial/ Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas SENAI Serviço Nacional da Indústria SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SESI Serviço Social da Indústria SEST/SENAT Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SEBRAETEC SEBRAE Serviços em Inovação e Tecnologia SIBRATEC Sistema Brasileiro de Tecnologia SINBI Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui SNCT&I Sistema Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação SOBBET Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais TICs Tecnologias de Informação e Comunicação UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento RESUMO O objetivo central da tese foi analisar como a localidade, por meio de seus organismos de apoio e governança, conceitua a inovação, sua realização nos setores produtivos e as dificuldades para promovê-la, bem como vislumbra e se apropria das políticas de inovação do Estado, a partir das interações institucionais existentes no território. Dentre os objetivos específicos, procurou-se: (a) desenvolver um estudo sobre inovação e interações institucionais; (b) elencar as principais políticas públicas de inovação no Brasil entre 2004 e 2014 e os instrumentos de apoio financeiro, técnico e gerencial à inovação vigentes; (c) descrever sobre a formação do Arranjo Produtivo Local calçadista – APL de Birigui; (d) elencar os organismos de apoio no setor calçadista (APL) e em outros setores produtivos de Birigui - SP; (e) analisar como os organismos de apoio e governança percebem a inovação, a atuação do Estado na questão de políticas públicas de inovação e a existência de interação entre o local e as institucionalidades federais. Adotou-se como hipótese a ideia de que a localidade, pelos seus organismos de apoio, não possui um vínculo consistente com as institucionalidades federais que promovem e apoiam a inovação, numa perspectiva sistêmica, pela falta de comunicação eficiente e eficaz entre o Estado e o local, de forma a efetivar as políticas de inovação na localidade. Palavras-chave: Inovação, Políticas Públicas de Inovação, Desenvolvimento Territorial, Poder e Participação Política. ABSTRACT The thesis’ main objective was to analyse how the location, through their support and governance organisms, defines innovation, its realization in productive sectors and the difficulties to promote it and glimpses and appropriates the State’s innovation policies, from existing institutional interactions in the territory. Among the specific objectives, it sought: (a) to develop a study on innovation and institutional interactions; (b) to list the major public policy innovation in Brazil between 2004 and 2014 and the existing financial, technical and managerial support instruments; (c) to describe about the formation of the footwear’s local productive arrangement – Birigui’s LPA; (d) to list the support organisms in the footwear sector (LPA), and other productive sectors from Birigui - SP; (e) to analyze how the support and governance organisms perceive innovation, the State’s action in the public innovation policies matter and the existence of interaction between the local and federal institutionalities. It was adopted as hypothesis the idea that the location, through their support organisms, does not have a consistent relationship with the federal institutionalities that promote and support innovation, in a systemic perspective, because the lack of efficient and effective communication between the State and the local in order to actualize innovation policies in the locality. Key-words: Innovation, Innovation Public Policies, Territorial development, Power e Political Participation. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 15 1 – O PAPEL DA INOVAÇÃO, AS INTERAÇÕES INSTITUCIONAIS E A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO NO TERRITÓRIO ECONÔMICO ORGANIZADO EM ESCALA LOCAL .................. 23 1.1 O PAPEL DA INOVAÇÃO, AS INTERAÇÕES INSTITUCIONAIS E O ESTADO COMO UM DOS ATORES .......... 24 1.1.1 O papel da inovação e as interações institucionais .................................................................. 25 1.1.2 Interações institucionais e a contribuição do Estado como um dos atores .............................. 30 1.1.3 O papel do Estado na divisão do trabalho inovador pelas políticas de inovação .................... 35 1.2 INOVAÇÃO E INTERAÇÕES INSTITUCIONAIS NOS TERRITÓRIOS ........................................................... 37 1.2.1 Fenômenos econômicos relacionados à proximidade e as interações empresariais – foco em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais ......................................................................... 39 1.2.2 Inovação e Desenvolvimento Territorial ................................................................................... 45 1.2.3. Inovação e os sistemas de difusão horizontais nos territórios ................................................. 52 2 – INOVAÇÃO E O PAPEL DO ESTADO – ÊNFASE NAS POLÍTICAS A PARTIR DE 2004 E NOS INSTRUMENTOS DE APOIO FINANCEIRO, TÉCNICO E GERENCIAL VIGENTES ..... 56 2.1 INOVAÇÃO E O PAPEL DO ESTADO NO BRASIL – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO E DO SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO ........................................................................... 58 2.1.1 Políticas de apoio à indústria e a ciência, tecnologia e inovação em âmbito nacional ainda vigentes – desenvolvidas até os anos 2000 ........................................................................................ 62 2.1.2 Políticas de inovação de 2004 a 2014 ...................................................................................... 69 2.1.3 Instrumentos de apoio financeiro, tecnológico e gerencial vigentes ....................................... 78 3 – DIVISÃO DO TRABALHO INOVADOR: ANÁLISE DO PAPEL DO ESTADO NA PERSPECTIVA DOS ORGANISMOS DE APOIO DE BIRIGUI-SP ............................................... 83 3.1 DINÂMICA DA INTERAÇÃO ENTRE OS ORGANISMOS DE APOIO – DA GOVERNANÇA DO ARRANJO PRODUTIVO LOCAL CALÇADISTA INFANTIL PARA OS DEMAIS SETORES PRODUTIVOS DA LOCALIDADE .... 84 3.1.1 O desenvolvimento do setor calçadista de Birigui-SP .............................................................. 85 3.1.2 Governança do Arranjo Produtivo Local Calçadista de Birigui .............................................. 88 3.1.3 Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação ....... 97 3.2 O PAPEL DA INOVAÇÃO E A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO NA PERSPECTIVA DOS ORGANISMOS DE APOIO DE BIRIGUI –SP ..................................................................................................................................... 101 3.2.1 O significado e a importância da inovação para os organismos de apoio ............................. 105 3.2.2 A promoção da inovação no local e a contribuição do Estado – percepções ......................... 112 3.2.3 O protagonismo local em rede como possibilidade de apropriação das políticas públicas de inovação de Estado .......................................................................................................................... 128 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 136 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 140 APÊNDICE....................................................................................................................................... 150 15 INTRODUÇÃO O estudo sobre a cidade de Birigui-SP foi iniciado no mestrado1, cuja dissertação, defendida em 2009, versou sobre a estrutura de governança, na perspectiva dos Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – ASPILs ou APLs (como são comumente chamados). Foi comprovada a consolidação do APL calçadista de Birigui na década de 90, após enfrentamento de sucessivas crises advindas principalmente da abertura econômica, forçando a localidade a responder por meio de reestruturação produtiva (terceirização, movimento pela qualidade total entre outros) e empresarial e, principalmente, pela interação entre os organismos de apoio. Foram identificados vários organismos de apoio atuando na localidade, tais como a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – ABICALÇADOS -, e a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos – ASSINTECAL -, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE -, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI -, Centro das indústrias do Estado de São Paulo – CIESP -, Sindicato das Indústrias de Calçado e Vestuário de Birigui – SINBI -, Faculdade de Tecnologia de Birigui – FATEB -, Prefeitura Municipal de Birigui, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados de Birigui e outros, e muitas ações advindas dessas interações, demonstrando o fortalecimento das relações institucionais do arranjo, e o SINBI, como grande articulador dessa governança. Apesar da concorrência acirrada, justamente num setor econômico considerado de baixa tecnologia, com alto impacto de mão de obra, Birigui é considerado o maior produtor de calçados infantis do Brasil. Em 2014 o arranjo possuía mais de 350 empresas que produziram 58.201 milhões de pares de calçados por ano, o que equivale a 240.501 pares por dia. Estas empresas empregaram 19.490 pessoas (SINBI, 2015), de um universo de 37.349 pessoas que compõem o pessoal ocupado assalariado em Birigui, segundo dados do IBGE (2014), além de trabalhadores de várias cidades: 1 CERIZZA, A. A. Governanças do Arranjo Produtivo Local Calçadista Infantil de Birigui, São Paulo. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local) – UCDB – Campo Grande, 2009. 16 Barbosa, Bilac, Braúna, Buritama, Brejo Alegre, Clementina, Coroados, Gabriel Monteiro, Glicério, Penápolis, Rinópolis, Santópolis, entre outras. Devido a acirrada competição dos concorrentes da China e outros países no mercado local e ao fato de que apenas 2,9 % do que é produzido ser exportado, apesar do município responder por 52% da produção de calçados infantis no Brasil, é perceptível a preocupação da localidade com o futuro, pois o setor pode perder espaço no território nacional. Além do calçado, houve o fortalecimento de outros setores produtivos, tais como moveleiro, metalúrgico e vestuário, que juntos com o setor calçadista somam mais de 900 empresas. No setor de vestuário, que também é representado pelo SINBI, há uma diversidade de empresas que fabricam desde uniformes a modinhas (feminino, infantil). Algumas empresas possuem lojas de fábricas, fato comum observado também em empresas calçadistas. Já o setor moveleiro fabrica móveis em série e planejados, tais como guarda-roupas, gabinetes (para cozinha e banheiro), armários de cozinha entre outros. No setor metalúrgico, existem empresas produtoras de aquecedores solares, atualmente são seis fábricas, constituindo-se, um polo neste setor, no Brasil (TEIXEIRA, 2013). Há também empresas metalúrgicas que produzem autoclaves, caldeiras, moinhos, reservatórios, betoneiras, andaimes, carrinhos de mão, aros e rodas, carrinhos para armazém, entre outros. A cidade possui também 2.517 estabelecimentos comerciais, 1.329 prestadores de serviços e 960 propriedades rurais, responsável pela produção de 37,5% do milho, 30,8% do arroz, 30% da soja, 28% do sorgo entre outras culturas, 834 profissionais liberais e 2.127 autônomos (PREFEITURA MUNICIPAL DE BIRIGUI, 2015a). Outro dado importante é com relação aos distritos industriais do município, um já implantado e em funcionamento, para os setores metalúrgico e moveleiro; outro distrito já está autorizado e logo entrando em fase de construção, com 130 empresas interessadas (PREFEITURA MUNICIPAL DE BIRIGUI, 2015b). Diante da dinâmica industrial e do empreendedorismo que a cidade possui, e a partir do estudo de arranjos produtivos locais e outros conceitos sobre fenômenos econômicos relacionados à proximidade e às interações empresariais, persistiu o interesse em continuar a estudar a cidade de Birigui, numa perspectiva sistêmica, verificando pela governança local que privilegia todos os setores produtivos e não somente pela governança em torno do arranjo produtivo local calçadista, a questão da inovação e do papel do Estado, pelas políticas públicas. Mazzucato (2014) pressupõe 17 um papel ativo do Estado concernente à inovação e discute a contribuição de cada ator no “ecossistema de inovação”, propriamente o caráter coletivo da inovação. Nessa divisão do trabalho inovador, a autora enfatiza o papel e o comprometimento de cada agente e afirma que a inovação não se dá apenas pelo resultado com os gastos com pesquisa e desenvolvimento - P&D -, mas está interligada por um conjunto de instituições que propiciem ao novo conhecimento ser pulverizado por toda a economia. As institucionalidades e instrumentos de apoio públicos voltados a inovação no Brasil aumentaram consideravelmente nos últimos 10 anos: são inúmeras autarquias, organizações sociais, unidades de pesquisa científica, empresas públicas, programas entre outros, tais como o Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas (2004), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (2004), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (2005), o Portal Inovação (2005), o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (2006; 2014), o Sistema Brasileiro de Tecnologia (2007), os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (2008), o Programa Ciências sem fronteiras (2011), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (2011), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (2013), o Plano Inova Empresa (2013), o Plano Nacional de Plataformas do Conhecimento (2014). A Lei de Inovação nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, é um marco regulatório sobre o incentivo a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, e que se fundamenta em três aspectos: ambiente propício às parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação, e a inovação na empresa. Já os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento em qualquer setor produtivo foram regularizados pela Lei 11.196/05, conhecida como “Lei do Bem”, criada pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI -, que busca incentivar os investimentos privados em pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como cooperações entre empresas e universidades ou centros de pesquisa no intuito de gerar capacidade inovativa, visando à competitividade no mercado, inclusive internacional. Entre 2004 e 2014 foram estruturadas três políticas industriais enviesadas na perspectiva da inovação – a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE -, de 2004 a 2007, a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP -, de 2008 a 2010 e o Plano Brasil Maior – PBM -, de 2011 a 2014. A Política Industrial, 18 Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE -, lançada em 31 de março de 2004, desenvolvida numa visão estratégica de longo prazo, tinha como propósito a melhoria da capacidade inovadora das empresas (ABDI, 2015). No mesmo ano foi instituído o Plano Estratégico do Ministério da Ciência e Tecnologia (2004-2007). Em 2007 entrou em vigor o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação – PACTI ( 2007-2010), e em 2008, foi instituída a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP -, pelo Governo Federal, com o objetivo, segundo site http://www.abdi.com.br/paginas/default.aspx, de “fortalecer a economia do país, sustentar o crescimento e incentivar a exportação, e teve como princípios norteadores o diálogo com o setor privado e o estabelecimento de metas, necessário ao seu permanente monitoramento” (ABDI, 2015). Para 2011-2014, foi criado pelo Governo Federal o Plano Brasil Maior, que estabelecia a política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio para o período citado. O foco também se deu pelo estímulo à inovação e à produção nacional a fim de obter competitividade da indústria nos mercados interno e externo, valorizando a participação das empresas, academia e sociedade (ABDI, 2015). Como continuidade do PACTI, é criada a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI (2012-2015). Segundo Viotti, tanto o PBM quanto a ENCTI estão voltados a uma política de inovação contemporânea para o país, com o estabelecimento de indicativos e metas, pois “muitos indicadores assinalados nesses documentos de política apontam de maneira clara para uma inédita ênfase no processo de inovação e o papel desempenhado nesse pelas empresas” (VIOTTI, 2013, p.159). As políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I -, incorporam novos atores institucionais – governos estaduais e municipais, além das instituições do setor privado – que vêm se revelando importantes para ampliar e fortalecer o processo de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. A quantidade de instituições envolvidas com a CT&I representam a nova configuração do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - SNCTI -, e os objetivos são: o aumento do número de bolsas para formação e capacitação de recursos humanos qualificados e o aperfeiçoamento do sistema de fomento para a consolidação da infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica nas diversas áreas do conhecimento (CGEE, 2009). A partir da cidade de Birigui e sua composição produtiva e o Estado, com seu aparato de promoção e apoio à inovação, surgiram então os questionamentos para a tese: qual o significado da inovação para os organismos de apoio? O tipo de interação vista 19 no APL entre os organismos de apoio ocorre nos demais setores produtivos da cidade? Pela atuação do Estado, há apropriação de políticas de inovação na localidade? Se ocorre interação entre os organismos de apoio da localidade, essas relações poderiam ser um viés para a apropriação de políticas públicas de inovação? Pela perspectiva de Mazzucato, sobre a dependência maior de sistemas horizontais na difusão da inovação e na diminuição de barreiras entre colaboração pública e privada, o fio condutor da tese se qualifica em vislumbrar, pelos organismos de apoio locais, como a inovação é conceituada, o papel do Estado e a apropriação de políticas públicas de inovação pela localidade. Adotou-se como hipótese a ideia de que a localidade, pelos seus organismos de apoio, não possui um vínculo consistente com as institucionalidades federais que promovem e apoiam a inovação, numa perspectiva sistêmica, pela falta de comunicação eficiente e eficaz entre o Estado e o local, de forma a efetivar as políticas de inovação. O objetivo central da tese foi analisar como na localidade se vislumbra a contribuição e se apropria das políticas de inovação do Estado, como também conceitua a inovação, sua realização nos setores produtivos e as barreiras e dificuldades para promovê-la, a partir das interações institucionais existentes no território. Dentre os objetivos específicos, procurou-se: (a) desenvolver um estudo sobre inovação e interações institucionais; (b) elencar as principais políticas públicas de inovação no Brasil entre 2004 e 2014 e os instrumentos de apoio financeiro, técnico e gerencial vigentes; (c) descrever sobre a formação do APL de Birigui; (d) elencar os organismos de apoio no setor calçadista (APL), e outros setores produtivos de Birigui-SP; (e) verificar como os organismos de apoio (governança) percebem a inovação, a atuação do Estado na questão de políticas públicas de inovação e a existência de interação entre o local e as institucionalidades federais. Este estudo foi organizado em três capítulos, sendo o primeiro sobre o papel da inovação, as interações institucionais e a contribuição do Estado no território econômico organizado em escala local, onde foi caracterizado o papel da inovação, as interações institucionais e o Estado como um dos atores, bem como o papel do Estado na divisão do trabalho inovador pelas políticas de inovação; e a inovação e as interações institucionais nos territórios, enfatizando os arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais, o desenvolvimento territorial e os sistemas de difusão horizontais nos territórios. O segundo capítulo discorre sobre inovação e o papel do Estado – ênfase nas políticas de 2004 a 2014, e nos instrumentos de apoio financeiro, técnico e gerencial vigentes, em 20 que foram desenvolvidas três subseções: políticas de apoio à indústria e a ciência, tecnologia e inovação em âmbito nacional ainda vigentes – desenvolvidas até os anos 2000 -, políticas de inovação de 2004 a 2014, bem como instrumentos de apoio financeiro, tecnológico e gerencial vigentes. Das políticas de promoção e apoio à inovação em vigor, destaca-se a “Lei do Bem” 11.196/05, os Fundos Setoriais, importantes linhas de financiamento à inovação pelas agências públicas, como a FINEP e o BNDES, o SIBRATEC e a EMPRAPII, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, o SENAI, com Institutos SENAI de Inovação e o SEBRAE. No terceiro capítulo - Divisão do trabalho inovador: análise do papel do Estado na perspectiva dos organismos de apoio de Birigui-SP, foi descrita a formação do APL de Birigui e sua governança do APL e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Para a análise sobre o papel e a contribuição do Estado na perspectiva dos organismos de apoio, foram entrevistados os representantes do governo local: Prefeitura Municipal de Birigui, Câmara Municipal de Birigui, Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação – SEDECTI -, Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, Secretaria de Educação, Secretaria de Cultura e Turismo e Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Dos organismos de apoio na área de educação, foram entrevistados representantes da ETEC - Centro Paula Souza, Faculdade Metodista de Birigui, Faculdade de Tecnologia de Birigui – FATEB -, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia - IFSP campus Birigui -, e Grupo Educacional UNIESP. Os demais atores sociais entrevistados foram a FIESP/CIESP, SINBI, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados de Birigui, Associação Comercial de Birigui - ACIB -, SEBRAE Araçatuba, SENAI, SESI, SINBI, Desenvolvimento Regional Sustentável - DRS Banco do Brasil, e Sindicato dos Contabilistas de Birigui. Foram entrevistados também empresários que participam das reuniões entre os organismos e convidados a contribuir com suas experiências, inclusive no campo da inovação nos setores: metalúrgico, calçadista, tecnologia da informação, moveleiro e vestuário. Para compor a análise, foram utilizados também dados relativos à inovação no Brasil até 2014, extraídos de relatórios nacionais e internacionais, públicos e privados (índices dos países, estudos sobre transferência de tecnologia, competitividade, metas, inovação e empreendedorismo, a atuação do Estado, fator humano, política industrial, 21 entre outros), da UNCTAD (2014)2, PINTEC-IBGE (2011)3, ABDI (2010, 2014)4, IEDI (2012)5, PAEDI-FINEP (2012)6, Global Competitiviness Report 2013-2014, Índice Global de Inovação GII – INSEAD (2014), CNI (2013), Barômetro Global de Inovação General Eletric - GE (2014), Relatório anual de utilização de incentivos fiscais (MCTI, 2013), Balanço Executivo Plano Brasil Maior - ABDI (PBM, 2014) e outros. Foram verificados o significado da inovação segundo os organismos de apoio, a promoção da inovação no local, as percepções dos organismos sobre a contribuição do Estado, bem como o protagonismo em rede como possibilidade de apropriação das políticas públicas de inovação de Estado. A partir de concepções sobre inovação apontadas pelos representantes dos organismos de apoio, foi observada a necessidade de uma agenda comum sobre o tema. Para os representantes, a busca pela inovação é um fator de sobrevivência para os setores produtivos. Os organismos evidenciaram que dentre as principais dificuldades encontradas para que os setores produtivos da cidade promovam inovações está a questão da cultura empresarial, pois, segundo eles, há empreendedorismo, porém ainda falta um movimento maior em prol da gestão. Os organismos de apoio desconheciam grande parte do que foi realizado pelo Estado nos últimos dez anos em termos de política de inovação, bem como os instrumentos de apoio financeiro, tecnológico e gerencial disponíveis, e enfatizaram que o Estado, (pelas políticas de âmbito federal/nacional), poderia promover e apoiar a inovação nas localidades pela acessibilidade, comunicação, saber da existência de tais políticas e simplificar o modo como captar os recursos, pois consideram a abordagem atual um fator que dificulta e desmotiva a procura pelas políticas de inovação. Existem ações do local junto ao governo estadual, tais como o Projeto de Implantação do Lab Design, em parceria com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, o SINBI e o Instituto Europeu de Design – IED -, cujo objetivo é ensinar 2 UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD). World Investment Report 2014: investing in the sdgs: an action plan. New York and Geneva, 2014 a. ________. United nations conference on trade and development. Transfer of technology and knowledge sharing for development: Science, technology and innovation issues for developing countries. UNCTAD CURRENT STUDIES ON SCIENCE, TECHNOLOGY AND INNOVATION. Nº8, New York and Geneva, 2014b. 3 Pesquisa de Inovação 2011. Disponível em http://www.pintec.ibge.gov.br/. Acesso em 20/12/2014. 4 ABDI. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (várias pesquisas) 5 IEDI. INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. A inovação e os grandes grupos privados: a visão e o alinhamento das lideranças empresarias brasileiras com a agenda da inovação. Disponível em retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/4f2ffd2743d97006.pdf. Acesso em 09/12/2014. 6 Pesquisa sobre atitudes empresariais para desenvolvimento e inovação - FINEP 22 como inovar no design dos produtos e aprimorar o marketing da indústria da região; e a solicitação de um Centro de Inovação, pela SEDECTI de Birigui, junto à citada secretaria estadual entre outras. Grande parte dos representantes de apoio frisaram que, além da questão econômica, o APL calçadista propiciou a cidade um modo de ação coletiva institucionalizada, e pensam que a forma de apropriação das políticas públicas de inovação seja pela união de forças entre os organismos de apoio. Na sequência, foram ponderadas as considerações finais, o norteamento para futuras pesquisas e as referências bibliográficas. 23 1 – O PAPEL DA INOVAÇÃO, AS INTERAÇÕES INSTITUCIONAIS E A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO NO TERRITÓRIO ECONÔMICO ORGANIZADO EM ESCALA LOCAL No último relatório Global Competitiveness Report (2013-2104), Klaus Schwab, Fundador e Presidente Executivo do Fórum Econômico Mundial afirmou que: A contribuição da inovação para a prosperidade futura de uma economia está se tornando cada vez mais crítica, a competitividade exige que os principais aspectos relacionados à inovação sejam tratados corretamente: partindo de instituições públicas sólidas, passando pela educação e por um ambiente econômico mais propício. É fundamental que os líderes das empresas, do governo e da sociedade civil trabalhem de maneira colaborativa e transparente a fim de alcançar este objetivo partilhado que a todos beneficia (GLOBAL COMPETITIVENESS REPORT, 2013-2104, p. 119). Ao verificar a importância dos sistemas de inovação, é possível afirmar que há uma dependência maior desses sistemas de difusão horizontais em virtude do avanço para sistemas de inovação abertos com diminuição de barreiras entre colaboração pública e privada, ou seja, cada vez mais a interação provoca novo conhecimento, que pela interação, também se prolifera em toda a economia. Então qual a contribuição efetiva do papel do Estado na divisão do trabalho inovador entre os diferentes atores desses sistemas, o papel e o comprometimento na perspectiva de sistemas, e qual o “papel dos atores individuais e as ligações entre os atores, dentro e ao longo da paisagem de risco”? (MAZZUCATO, 2014, p. 207). Neste capítulo, intitulado o papel da inovação, as interações institucionais e a contribuição do Estado, foi realizado o objetivo específico (a) desenvolver um estudo sobre inovação e interações institucionais; e foi dividido em duas seções. Na primeira seção - o papel da inovação, as interações institucionais e o Estado como um dos atores - foram observados o papel da inovação e as interações institucionais, as interações institucionais e a contribuição do Estado como um dos atores, e o papel do Estado na divisão do trabalho inovador pelas políticas de inovação. Já na segunda seção inovação e interações institucionais nos territórios, foram analisados os fenômenos econômicos relacionados à proximidade e as interações empresariais – foco em arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais, inovação e desenvolvimento territorial e a inovação e os sistemas de difusão horizontais nos territórios. 24 1.1 O Papel da Inovação, as interações institucionais e o Estado como um dos atores Schumpeter já evidenciava no início do século passado a importância da inovação como possibilidade de desenvolvimento econômico e manutenção do sistema capitalista. O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista. A abertura de novos mercados, estrangeiros e domésticos, e a organização da produção, da oficina do artesão a firmas, como a U.S. Steel, servem de exemplo do mesmo processo de mutação industrial — se é que podemos usar esse termo biológico — que revoluciona incessantemente * a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos. (* Essas revoluções não são permanentes, num sentido estrito; ocorrem em explosões discretas, separadas por períodos de calma relativa. O processo, como um todo, no entanto, jamais para, no sentido de que há sempre uma revolução ou absorção dos resultados da revolução, ambos formando o que é conhecido como ciclos econômicos.) Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver (SCHUMPETER, 1961, p. 110). Muitos relatórios nacionais e internacionais, políticas, planos, são desenvolvidos baseados na relevância da inovação para o desenvolvimento das nações, para a competitividade das empresas, nas instituições de ciência e tecnologia, na formação de massa crítica para fomentar a pesquisa, no depósito de patentes, na qualificação de trabalhadores para a chamada economia do conhecimento, entre outros. Na primeira subseção foi demonstrado o variado conceito de inovação a partir da perspectiva dos mais variados estudos sobre o assunto, o papel da inovação e as interações institucionais. Na segunda subseção foram demonstrados três tipos de interações institucionais, cujo Estado é um dos atores: o Triângulo de Sábato, a Tríplice Hélice e o Sistema Nacional de Inovação - SNI. O foco da Tríplice Hélice é a universidade, já a abordagem do Sistema Nacional de Inovação considera a empresa a mais importante no processo de inovação, e o modelo do Triângulo de Sábato valoriza o papel do Estado (CALDERAN e OLIVEIRA, 2013). Na terceira subseção foi discutido brevemente a evolução das políticas de inovação, da visão linear para sistêmica, e o papel do Estado na divisão do trabalho inovador, pelas políticas públicas de inovação, e a relação entre Estado, Instituto de Ciência e Tecnologia – ICT -, e empresa. 25 1.1.1 O papel da inovação e as interações institucionais A inovação pode ser caracterizada por várias dimensões, incluindo o grau de novidade, o tipo de inovação (produto e inovação de processo), os impactos da inovação radical e incremental e a fonte de inovação (tecnológica e inovação não tecnológica) (OECD, 2010). A inovação também pode ser conceituada como sendo radical ou incremental, ou seja, definida por seus impactos. O Manual de Oslo define quatro tipos de inovação: inovações de produtos, inovações de processos, inovações organizacionais e inovações de marketing (OCDE / Eurostat, 2005). Já o Manual de Frascati somente confere inovação ao produto e processo. Inovações de produto envolvem mudanças significativas nas potencialidades de produtos e serviços. Incluem-se bens e serviços totalmente novos e aperfeiçoamentos importantes para produtos existentes. Inovações de processo representam mudanças significativas nos métodos de produção e de distribuição. As inovações organizacionais referem-se à implementação de novos métodos organizacionais, tais como mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa. As inovações de marketing envolvem a implementação de novos métodos de marketing, incluindo mudanças no design do produto e na embalagem, na promoção do produto e sua colocação, e em métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços (MANUAL DE OSLO, 2005, p.23). A inovação radical pode ser concebida como uma inovação que gera amplo impacto nos mercados e sobre a atividade econômica das empresas nesse mercado; enquanto a inovação incremental, que é a forma mais comum de inovação, diz respeito a um produto, serviço, processo, organização ou método existente, cuja performance foi significativamente melhorada ou atualizada. As inovações tecnológicas e não tecnológicas são bastante interligadas, mas inovações tecnológicas estão geralmente associadas a inovação de produtos e processos, e as inovações não tecnológicas são geralmente associadas com inovações de marketing e organizacionais (OCDE / Eurostat, 2005). A inovação é a meta na qual se orientam muitos esforços e políticas públicas em ciência e tecnologia. A inovação é um processo que conduz a melhoria da posição competitiva das empresas mediante a geração e incorporação de novas tecnologias e conhecimentos de tipos distintos. Este processo consiste em um conjunto de atividades não somente científicas e tecnológicas, como também organizacionais, financeiras e comerciais, capazes de transformar as fases produtiva e comercial das empresas. A inovação é a base da economia do conhecimento e é também um dos motores da globalização (Organização dos Estados Ibero americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura - OEI, 2012, p. 11). 26 Dentre os fatores que influenciam a direção da inovação, além da demanda local e das condições de preços, estão as atividades locais de investimentos (privadas e públicas), que criam oportunidades inovadoras para fornecedores locais de equipamentos e insumos, pois há experiência acumulada em projetos, construção e operação de equipamentos. A rivalidade competitiva também aguça a inovação, pela necessidade de sobrevivência, e deveria ser uma das premissas de políticas públicas voltadas ao adensamento e incremento tecnológico. A interação entre as empresas tradicionais e recursos naturais e investimentos em áreas tecnológicas diversas, e a própria interação universidade-empresa, podem levar a um potencial de aplicações múltiplas em setores diversos (BESSANT e TIDD, 2009). O que é inovação? Definida de forma mais ampla para compreender produtos, processos e novas atividades empresariais ou modelos organizacionais. A inovação é conceituada não apenas como os avanços realizados na fronteira do conhecimento global, mas também como a primeira vez em que se usa ou se adapta a tecnologia a novos contextos (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 94). A inovação também pode ser interpretada como um processo social, com todos os conflitos, contradições, pactos e conciliações presentes na sociedade, mas neste processo, se configura a importância do Estado, com suas políticas, legislação e instrumentos de financiamento (ALBAGLI e MACIEL, 2002). Para Drucker, “a inovação sistemática consiste na busca deliberada e organizada de mudanças, e na análise sistemática das oportunidades que tais mudanças podem oferecer para a inovação econômica e social” (DRUCKER, 2011, p. 45). A inovação é um processo de aprendizagem que se acumula, restrito da localidade e conformado institucionalmente (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). O desenvolvimento da inovação, e sua disseminação, são acontecimentos que afloram das interações e da aprendizagem estabelecidas e desenvolvidas em um sistema por seus atores. Pela abordagem do Milleu Innovateur (meio inovador), preconizada por Aydalot, a inovação se territorializa pelas interações entre empresas, o próprio mercado e organismos de apoio (AYDALOT, 1986 apud AMARAL FILHO, 2011). A inovação compreende a gestão do conhecimento e suas formas (codificada e tácita). O conhecimento tácito, segundo Polanyi em 1966, é uma maneira de saber mais do que se consegue expressar. É um conhecimento implícito, e que necessita de um contexto, de relações sociais e formas de aprendizagem para se torna explícito e possibilitar a inovação tecnológica (POLANYI, 2010). O conhecimento tácito tende a 27 ser um conhecimento de experiência, simultâneo e análogo (prática), já o conhecimento explícito tende a ser um conhecimento da racionalidade, sequencial e digital (teoria) (NONAKA e TAKEUCHI, 2001). O fato de o conhecimento, que é crucialmente importante para o êxito na economia ser o tácito, tem importantes implicações para os princípios eleitos para a política de inovação. Isso significa que o processo do aprendizado por intercâmbio não se processará em mercados nos quais atores otimizadores se encontram. Está óbvio que a capacidade de aprender não é a mesma se procedente de indivíduos ou de empresas. O processo de aprendizagem é socialmente vinculado; e iniciativas de organizações e de instituições são cruciais para o surgimento do intercâmbio. Eis o porquê de políticas de inovação necessitarem ter uma dimensão social em que a qualidade do intercâmbio entre pessoas e organizações é importante e em que busca de competência por parte das empresas se torna um objetivo legítimo (LUNDVALL, 2001, p. 203). Nos países em desenvolvimento, para que a aprendizagem tecnológica seja exitosa, é importante tanto se apropriar dos elementos codificados de tecnologia, como também desenvolver os elementos tácitos. As vantagens competitivas atreladas a aplicação intensiva do conhecimento e a um perfil mais completo de estruturas produtivas dos países em desenvolvimento constituem um desafio que ultrapassa a gestão dos atores econômicos individuais e exige medidas que envolvam um conjunto das instituições públicas e privadas (YOGUEL, 2000). Para alcançar os objetivos observados são necessários revalorizar os processos de aprendizagem e educação; ter atores intermediários, que atuem como transmissores nas diversas partes do sistema, e que catalisem os processos de aprendizagem dos atores que contribuam para o desenvolvimento do mercado; o desenvolvimento de meios locais geradores de economias externas; a evolução das vantagens competitivas individuais às vantagens competitivas de sistemas de empresas e sistemas locais, e o estabelecimento de um vínculo entre universidade-empresa que potencialize os processos de aprendizagem codificado e tácito (YOGUEL, 2000). A gestão do conhecimento compreende atividades relacionadas à apreensão, uso e compartilhamento do conhecimento pela organização. Essa é uma importante parte do processo de inovação. Diversas pesquisas sobre práticas de gerenciamento do conhecimento foram realizadas nos últimos anos. Elas abordam políticas e estratégias, liderança, apreensão de conhecimento, treinamentos e comunicações, assim como as razões para o uso das práticas de gerenciamento do conhecimento e os motivos por trás do desenvolvimento dessas práticas. Incluem-se também questões sobre o 28 gerenciamento do conhecimento em pesquisas sobre inovação (MANUAL DE OSLO, 2005). Em termos de desenvolvimento, os processos de inovação diferem entre setores e áreas tecnológicas, por exemplos, a taxa de mudança tecnológica, as ligações e acesso ao conhecimento, bem como em termos de estruturas organizacionais e fatores institucionais. Os diversos tipos de inovação podem desempenhar papéis diferentes em vários estágios de desenvolvimento. Na fase primária, a inovação incremental é frequentemente associada com a adoção de tecnologia estrangeira, e da inovação social, que pode melhorar a eficácia dos negócios e serviços públicos. Já na fase de alta tecnologia, onde a inovação é baseada em I&D (Desenvolvimento e Inovação), ao mesmo tempo um fator de competitividade e de aprendizagem (que permite completar o processo catch-up), é recorrente em fases posteriores do desenvolvimento e em sua maior parte, nos negócios avançados, nas economias em desenvolvimento. O Quadro 1 fornece uma visão esquemática de vários aspectos da inovação (OECD, 2012). Quadro 1. Por que a inovação é importante para o desenvolvimento de países emergentes (continua) País/ categoria Mecanismo / objetivo da inovação Tipo / fonte de inovação Principais atores envolvidos Evidência / exemplo Países em desenvolvimento / de baixa renda e emergentes e países de renda média Adoção requer adaptação: A inovação tem de responder a condições específicas "locais" para os resultados. A inovação incremental com base em inovações e tecnologias externas Universidades e institutos de pesquisa, empresas privadas líderes, especialmente aqueles com exposição aos mercados estrangeiros e empresas Novas variedades de plantas para a agricultura Os esforços para o desenvolvimento de novos métodos de extração mineral na indústria chilena de cobre para satisfazer as necessidades locais Inovação Inclusiva: Inovação para / por A inovação incremental com base em tecnologia estrangeira e / ou o ONGs, pequenas empresas, públicas e associações privadas Índia (nano carros; inovação de base) Serviços de mobile 29 famílias de baixa e média renda para melhorar o bem- estar e acesso a oportunidades de negócios. conhecimento local, tradicional gerado "por necessidade". A inovação social ajudando a introduzir inovações técnicas nas comunidades. envolvidos na disseminação do conhecimento através de redes, muitas vezes, grandes empresas privadas banking Países de renda média, principalmente, mas também alguns oportunidades para o desenvolvimento / países de baixa renda Construir capacidades de inovação que serão chave para alcançar a fronteira tecnológica mundial em muitas indústrias, esp. relevante para evitar "armadilhas de renda média". Capacidade de inovação incremental e radical para competir com líderes inovadores do mundo. Requer pleno desenvolvimento de sistemas de inovação envolvendo diásporas como um conector. Coreia do Sul aumentou em P & D na década de 1990. Abordagens ambientais, de saúde e os desafios sociais através de esforços de inovação globais e os esforços locais para enfrentá-los. Principais inovações e pesquisas científicas realizadas em parcerias globais, mas também inovações marginais para abordar o bem- estar das pessoas pobres. As instituições públicas e universidades privadas e de pesquisa ligados a redes globais. Grandes empresas privadas que operam nestes setores. As inovações relativas aos solos. Construir-se competências de nicho, ou seja, crescimento / exportações em setores de comparativa vantagem. Inovações incrementais com base na aplicação de inovações e tecnologias externas estrategicamente para apoiar o desenvolvimento industrial. As instituições públicas para enfrentar coordenação de mudanças, iniciativas do setor privado, incluindo empresas estrangeiras Indústria de flores da Colômbia e do Equador Setor de óleo de palma da Malásia Principalmente os países emergentes / de renda média após o progresso inicial em dimensões acima Subir a escala valor nas cadeias de valor globais Capacidade de inovação incremental e radical para diferenciar contribuições Envolve setores privados com o apoio de atores públicos, os intermediários, diásporas podem desempenhar um papel central, as grandes empresas podem ser Indústrias automotivas na Malásia e na Tailândia Indústria de software da Índia 30 importantes. Manter a competitividade nas indústrias de ponta, quando o país já está na fronteira. Inovação é idêntica para os países desenvolvidos expostos à evolução do mercado global. Envolve, principalmente, o setor privado, em interação com instituições de pesquisa e universidades públicas, parcerias globais muitas vezes igualmente de relevância, o papel das grandes empresas Empresa brasileira Embraer que detém liderança em P&D das empresas de economias emergentes Fonte: OECD, 2012. É importante reforçar que o que potencializa a capacidade inovativa de um país ou região, inclusive contemplando suas condições culturais e institucionais, são as relações entre os atores econômicos, políticos e sociais, ou seja, o processo de desenvolvimento não é linear e sequencial, e sim único e dependente de questões políticas, econômicas, históricas e culturais de uma dada localidade. O desenvolvimento ocorre a partir de modificações estruturais de longo prazo, que geram mudanças de padrões estabelecidos historicamente. Portanto, a inovação é um processo cumulativo, contextualizado, que necessita de conhecimento e capacitações intensas para poder gerar ciclos de desenvolvimento na perspectiva de um sistema nacional de inovação (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). 1.1.2 Interações institucionais e a contribuição do Estado como um dos atores Em seu livro O quadrante de Pasteur, Stoker (2005) discorre sobre o paradigma desenvolvido por Vannevar Bush, em seu relatório Ciência, fronteira sem fim, encomendado por Roosevelt, na tentativa de prever o papel da ciência em época de paz, na década de 50, no pós-guerra, e que se tornou o alicerce de políticas públicas de inovação tecnológica para as décadas posteriores (STOKER, 2005). O modelo linear, segundo o qual o processo de inovação ocorreria por etapas sucessivas das atividades de pesquisa básica e pesquisa aplicada para o desenvolvimento experimental e, em seguida, 31 para a produção e comercialização. Nesse modelo, que predominou até final da década de 60, a manutenção da infraestrutura destinada às atividades de pesquisa básica era considerada uma função do setor público, que também deveria apoiar fortemente a pesquisa aplicada, realizada em institutos nacionais, cabendo às empresas a pesquisa tecnológica (CASSIOLATO e LASTRES, 2005; DE NEGRI e CAVALCANTE, 2013). Mas já em 1968, Jorge Sábato, almejando o desenvolvimento da América Latina como resultado da ação simultânea de diferentes políticas e estratégias, formulou um modelo intitulado de Triângulo de Sábato, que privilegiava a interação entre três atores com o intuito de promover a inovação. O modelo demonstra a articulação entre governo, setor produtivo e infraestrutura científico-tecnológica, interligados numa estrutura triangular hierarquizada, onde o vértice superior seria ocupado pelo governo, no outro vértice o setor produtivo e no terceiro a infraestrutura científica e tecnológica, com a finalidade de inovar (Figura 1): Figura 1. Triângulo de Sábato Fonte: SÁBATO e BOTANA, 2011, p. 224. Cada vértice é um centro de convergência com várias instituições, unidades de decisão e produção, atividades, entre outros, e possuem múltiplas dimensões, e o triangulo se definiria pelas relações que se estabelecem dentro de cada vértice, as denominadas intra relações; pelas relações que se estabelecem entre os três vértices do triângulo, como inter-relações e, enfim, pelas relações que se estabelecem entre o Governo Infra-estrutura, Científica e Tecnológica Setor Produtivo 32 triângulo constituído, entre cada um dos vértices com o entorno no qual se situam, as extra relações (SÁBATO e BOTANA, 2011). Já o modelo Tríplice Hélice, termo desenvolvido por Etzkovitz e Leydesdorff, na década de 1990, propõe uma relação dinâmica entre o governo, a universidade e a empresa, numa forte interação, que pode culminar em redes trilaterais e organizações híbridas (Figura 2). O foco dessa abordagem é a universidade, determinando um papel central no processo de inovação, pela valorização de uma sociedade e uma economia baseadas no conhecimento; já a abordagem do Sistema Nacional de Inovação considera a empresa a mais importante no processo de inovação, e o modelo do Triângulo de Sábato valoriza o papel do Estado (CALDERAN e OLIVEIRA, 2013). No caso específico da interação entre Firmas e Universidades, estudos sobre o tema enfatizam não só a questão da diversidade e complementaridade requerida no atual estágio do desenvolvimento científico, como a importância do processo de aprendizagem coletiva na geração de novos conhecimentos e suas aplicações tecnológicas (TURCHI e COELHO, 2012). Figura 2. Modelo Tríplice Hélice Fonte: ETZKOWITZ e LEYDESDORFF, 2001, p. 12. Na formação de um conceito de sistema de inovação, em meados da década de 70, estudos empíricos tiverem papel fundante, pois demonstraram pela primeira vez a relevância de redes formais e informais de inovação (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). O Sistema Nacional de Inovação pode ser definido pelas interações entre Academia Indústria Governo Rede trilateral e Organizações híbridas 33 governos nacional, estaduais e municipais, instituições formais e informais, empresas, centros de pesquisa, universidades entre outros, para dinamizar a inovação, fortalecer as políticas públicas concernentes e por consequência, potencializar o fortalecimento socioeconômico da nação. Esta interação institucional é resultado de ações planejadas ou não planejadas e desarticuladas, que conduz ao desenvolvimento tecnológico de um país para a geração, implementação e difusão das inovações (ALBUQUERQUE, 1996). A abordagem nacional é crucial para a questão da inovação, além de outras abordagens com tais como os sistemas regionais de inovação, os sistemas setoriais de inovação, os arranjos produtivos locais (ou, mais, rigorosamente, os clusters industriais) e a Tríplice Hélice. A Tríplice Hélice enfatiza a relevância das universidades na produção de conhecimento junto as necessidades do setor empresarial, e a comercialização dos resultados obtidos (LUNDVALL, 2007 apud SALERNO e KUBOTA, 2008). A abordagem de sistemas nacionais de inovação pontua que, ao analisar os processos de produção, de difusão e de uso de CT&I, deve se ater aos aspectos organizacionais, institucionais e econômicos (VIOTTI, 2003 apud SALERNO e KUBOTA, 2008). O “sistema de inovação” é conceituado como um conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado de um país, região, setor ou localidade – e também o afetam. Constituem-se de elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso do conhecimento. A ideia básica do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas também de como elas interagem entre si e com vários outros atores, e como as instituições – inclusive as políticas – afetam o desenvolvimento dos sistemas. Entende-se, deste modo, que os processos de inovação que ocorrem no âmbito da empresa são, em geral, gerados e sustentados por suas relações com outras empresas e organizações, ou seja, a inovação consiste em um fenômeno sistêmico e interativo, caracterizado por diferentes tipos de cooperação. Com relação a esse último ponto, conclui-se que esses sistemas contêm não apenas as organizações diretamente voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, mas também, e principalmente, todas aquelas que, direta ou indiretamente afetam as estratégias dos atores. Um corolário de tal entendimento é que, por exemplo, o setor financeiro e as políticas macroeconômicas mais amplas passam também a ser objeto de preocupação e ação dos policy-makers (CASSIOLATO e LASTRES, 2005, p. 37). Além da compreensão da natureza sistêmica da inovação, destaca-se também a importância da análise das dimensões micro, meso e macroeconômicas, assim como a das características das esferas produtiva, financeira, social, institucional e política. Argumenta-se que, também aqui, o enfoque sistêmico permite considerar o modo de inserção dos diferentes países na economia e na geopolítica mundial. Outro avanço crucial consolidado na abordagem de SNI refere-se à constatação de que o conceito de 34 inovação não se restringe a processos de mudanças radicais na fronteira tecnológica, realizados quase que exclusivamente por grandes empresas por meio de seus esforços de pesquisa e desenvolvimento - P&D -, conforme Figura 3 (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). Figura 3. Sistema Nacional de Inovação – visões restrita e ampla – adaptado Contexto geopolítico, cultural, social, político, econômico, nacional e local amplo restrito Subsistema de Subsistema de C&T produção e inovação demanda Subsistema Política, promoção, regulação, representação e financiamento Fonte: CASSIOLATO e LASTRES, 2009 apud LASTRES e CASSIOLATO, 2011. Ao verificar a importância dos sistemas de inovação, é possível afirmar que há uma dependência maior desses sistemas de difusão horizontais em virtude do avanço para inovação aberta, e a diminuição de barreiras entre cooperação pública e privada; em outros termos, cada vez mais a interação provoca novo conhecimento, que pela interação, também se alastra em toda a economia (MAZZUCATTO, 2014). Mazzucato (2014) embora defenda que a atuação do Estado não seja vista somente de incentivo ao setor privado, mas de promotor / empreendedor da inovação, reforça a importância das ligações, da dinâmica entre diversos atores que sustenta a inovação. 35 1.1.3 O papel do Estado na divisão do trabalho inovador pelas políticas de inovação O primeiro documento de política de inovação organizado por uma organização internacional a valorizar o papel das novas tecnologias foi o Technical Change and Economic Policy, realizado pela OECD, pelos renomados François Chesnais, Christopher Freeman, Keith Pavitt, Richard Nelson e outros, em 1980. Mas foi em 1988 que o grupo publicou a coletânea Technical Change and Economic Theory, por Giovane Dosi e outros, e introduziu o conceito de sistemas de inovação no meio acadêmico. Em 1992, foi publicado o documento Technology and Ecnomy: the key relationships, onde estão inseridos concepções e conceitos sobre “formação de redes de cooperação, parcerias estratégicas, spillovers, a importância do conhecimento tácito” e no mesmo ano, Lundvall desenvolve o conceito de sistema nacional de inovação (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). A partir dessas pesquisas, as políticas públicas de CT&I passam a ter uma conotação sistêmica, observando as interações nos sistemas nacionais de inovação - SNI. As novas políticas passam a valorizar a inovação como o mais relevante componente das estratégias de desenvolvimento, e não especificamente políticas de ciência e tecnologia ou políticas industriais. Além disso, as políticas públicas vislumbram os sistemas de inovação, ou seja, são denominadas “políticas direcionadas a sistemas de inovação” (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). As políticas tomam o conhecimento em toda sua amplitude, que protagoniza efeitos no progresso econômico e a inovação. A ênfase nos sistemas de inovação redireciona o foco de política na interação das instituições e nos processos interativos, no trabalho de criação de conhecimento e em sua difusão e aplicação e o sistema nacional de inovação é o conceito que representa o conjunto de instituições e fluxos de conhecimentos (MANUAL DE OSLO, 2005). Ao mudar o foco de capital físico (investimento) para o conhecimento como fonte primordial do crescimento econômico, a New Growth Theory (Nova Teoria do Crescimento) de Paul Romer (1986) suscitaria um novo curso para a pesquisa nas políticas públicas (ARBIX, 2010). O Estado deve manter um ambiente macroeconômico mais estável, com altas taxas de crescimento, reduzindo assim os riscos econômicos e alavancando financeiramente as empresas, como também prover 36 linhas de financiamento para estimular as empresas e universidades/institutos de pesquisa, e investir no sistema educacional do país, fundamental na formação do capital intelectual de um país, como agente indutor de inovação por meio do conhecimento (SALERNO e KUBOTA, 2008). Essa nova maneira de compreender e localizar os processos de inovação indica caminhos muito distintos para a formulação de políticas públicas, caminhos que nem sempre se apresentam claramente diferenciados para os planejadores do Estado ou para os executivos empresariais. Ou seja, se o que está em pauta é a busca de conhecimento novo, gerado por P&D – que continua sendo vital para o desenvolvimento de qualquer país –, os recursos humanos, as redes, as estruturas e as instituições que devem ser mobilizados são de qualidade distinta dos recursos a serem mobilizados para a inovação. Desse desenho preliminar resultam políticas muito diferentes tanto para o setor público quanto para o setor privado (ARBIX, 2010, p.91). As ações de inovação de uma empresa precisam, de forma significativa, da variedade e da estrutura de suas relações com as fontes de informação, conhecimento, tecnologias, práticas e recursos humanos e financeiros. Cada interação conecta a empresa com vários atores do sistema de inovação, tais como: laboratórios governamentais, universidades, departamentos de políticas, reguladores, competidores, fornecedores e consumidores. As pesquisas relacionadas a inovação podem obter sobre qual a relevância de diversas formas de interação e também os determinantes que influenciam o uso de interações distintas (MANUAL DE OSLO, 2005). Para obter resultados socioeconômicos que potencializem o desenvolvimento baseado no conhecimento, no aprendizado e na inovação, o instigante é definir os tipos de relações locais, construindo novos instrumentos de pesquisa empírica que possibilitem captar essas relações, seus canais e seus fluxos; e tais instrumentos tornam- se ainda mais importantes à medida que auxiliam na formulação de políticas e estratégias mais apropriadas à contextos específicos (ALBAGLI e MACIEL, 2004). Dentre os atores que fazem parte dessas interações, podemos citar as universidades e institutos de pesquisa públicos, que realizam pesquisa básica e também experimental, que vão desde universidades de pesquisa de classe mundial para as pequenas universidades regionais, faculdades de tecnologia, e laboratórios de pesquisa do governo, que desempenham muitos papéis em sistemas de inovação, incluindo a educação / formação, criação e difusão de conhecimento, desenvolvimento de novos instrumentos, bem como armazenamento e transmissão de conhecimento (OCDE, 2010). 37 São várias abordagens, mas todas convergem na questão da inovação de modo sistêmico e o desafio é tentar compreender como se inicia, se amplia e como se desenvolve condições para que o sistema se regule (UNCTAD, 2014). A questão pontual é saber se a política pública pode criar uma base para melhorar, tanto a quantidade, como a qualidade das interações entre as instituições que geram conhecimento, as empresas e instituições, para transferir tecnologia e a possibilidade de gerar inovação, ou seja, como potencial de desenvolvimento e que seja relevante economicamente (UNCTAD, 2014). (...) é necessário haver um entendimento das influências que motivam as inovações e que orientam sua direção, para que a intervenção governamental possa ter sucesso no aumento da produção de inovações úteis em áreas específicas. A consciência da necessidade de análises empíricas ao longo dessas linhas aliou-se a um sentimento de maior urgência com relação à necessidade de intervenções conscientes por parte do governo, em vista da crescente preocupação com os problemas do crescimento mais lento da produtividade e da renda (...) (ROSENBERG, 2006, p. 290) Políticas bem-sucedidas geralmente são aquelas que valorizam, do ponto de vista institucional, as interações entre grupos (ROSENBERG, 2006), e que reforçam “padrões de conectividade e ligações” já existentes (LUNDVALL, 2001), tais como o entorno territorial de uma empresa, que pode ser fundamental para elucidar a capacidade de inovação de um dado território e a possibilidade de uma empresa oferecer produtos ou serviços que favoreçam atividades ligadas à inovação tecnológica (OLIVEIRA, 2003). O auge e queda de novos produtos e processos produtivos se dão nos territórios e dependem, em grande medida, das capacidades territoriais para os tipos específicos de inovação (BOISIER, 2001). 1.2 Inovação e Interações institucionais nos territórios Além das potencialidades de desenvolvimento pela inovação, em aglomerações produtivas, para o desenvolvimento do território é necessário verificar as possibilidades e os dificuldades internas ligadas aos fatos históricos do território, e os externos, que derivados da abertura das economias locais. Para Oliveira (2003), é crucial verificar as possibilidades e as dificuldades por oito dimensões, dos quais alguns apresentam 38 semelhanças entre si: “a mobilização da população local e a coesão social; a cultura e a identidade do território; as atividades e os empregos; a imagem do território; as migrações e a inserção social e profissional; o meio ambiente; a gestão dos espaços e dos recursos naturais; a evolução de tecnologias; a competitividade; e o acesso aos mercados” (OLIVEIRA, 2003, p. 51). O território age como promotor de recursos e consequentemente agente do desenvolvimento, e não meramente suporte geográfico das ações sócio econômicas (PIRES et al., 2006). Configurado pelas redes que difundem o conhecimento tácito e a competência, estando associadas a um tecido de atores que estruturam pela proximidade uma rede de serviços em torno de um produto, o termo “competitividade sistêmica” confere um sentido altamente territorializado (BOISIER, 2001). Numa perspectiva sistêmica, na concepção do desenvolvimento endógeno, “as relações entre empresas são ainda um mecanismo fundamental de dinamismo das economias locais e regionais” que envolvem empresas, atores locais, organismos de pesquisa, educação e treinamento (ALBAGLI e MACIEL, 2002, p.16). As chamadas aglomerações produtivas, científicas, tecnológicas e/ou inovativas, tais como distritos industriais, clusters, milieux inovadores, arranjos produtivos locais, entre outros, são consideradas ambientes propícios à interações, à troca de conhecimentos e ao aprendizado, por meios diversos, tais como a mobilidade local de trabalhadores; redes formais e informais; existência de uma base social e cultural comum que dá o sentido de identidade e de pertencimento (CASSIOLATO e LASTRES, 1999 apud ALBAGLI e MACIEL, 2004, p. 11). A transição do modelo de produção fordista para o pós-fordista deliberou maior flexibilização das estruturas e novas formas de organização das empresas, resultando em desintegração vertical nas grandes empresas e integração horizontal entre micro e pequenas empresas. No processo de integração horizontal, o autor enfatiza as estratégias baseadas nos agrupamentos territorializados, tendo como base a especialização flexível, citando como exemplos os clusters e os distritos industriais (AMARAL FILHO, 2001). Verificam-se, em estudos expostos sobre o tema realizados em vários países (Itália, Estados-Unidos, França e Brasil), fontes de vantagens competitivas nas empresas que trabalham em cooperação, tais como ganhos de eficiência coletiva. A existência de institucionalidades facilita e estimula a interação e a cooperação entre empresas e a realização de políticas públicas consistentes. 39 1.2.1 Fenômenos econômicos relacionados à proximidade e as interações empresariais – foco em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais Já no final do século XIX Marshall abordava a dinâmica das aglomerações de empresas, identificando algumas variáveis que influenciavam sua formação. A longevidade destas aglomerações em uma determinada localidade era verificada por meio de vantagens tais como a rápida absorção de ideias, o surgimento de empresas subsidiárias para a sustentação da indústria principal por meio do fornecimento de matérias-primas e peças, o desenvolvimento de máquinas especializadas e mão de obra para cada etapa de produção (MARSHALL, 1982). Tais concentrações geográficas podem conter fornecedores, prestadores de serviços, empresas em setores correlatos e outras instituições específicas (universidades, órgãos de normatização e associações comerciais) que se inter-relacionam, competem, mas também cooperam entre si (PORTER, 1999). Cada aglomeração pode envolver diferentes atores, além de maneiras diferenciadas de articulação, governança e enraizamento. Uma região pode apresentar diferentes tipos de aglomerações e cada empresa pode participar de diferentes formas de interação, por exemplo, fazendo parte de um distrito industrial e inserindo-se em uma cadeia produtiva global. Os clusters também são considerados aglomerações, em um território, de atores empresariais, mas sem se atentar com os atores do sistema, como as organizações de apoio (ensino, pesquisa e desenvolvimento, apoio técnico, entre outros) (LASTRES e CASSIOLATO, 2005). Em 1995, um grupo de especialistas americanos definiu clusters como “uma concentração sobre um território geográfico delimitado de empresas interdependentes, ligadas entre si por meios ativos de transações comerciais, de diálogo e de comunicações que se beneficiam das mesmas oportunidades e enfrentam os mesmos problemas”. (ROSENFELD, 1996 apud AMARAL FILHO, 2001, p.11). O termo cluster foi popularizado por Porter (1990), no seu livro Competitive Advantages of Nations (vantagens competitivas das nações), afirmando que os clusters têm o potencial de melhorar a competitividade industrial por meio da incrementação da produtividade das empresas ligadas a um cluster de inovação, o que estimula a criação de novas empresas. 40 Os clusters podem ser divididos em duas grandes categorias: aglomerados industriais: conjunto de indústrias ligadas por relações "comprador e fornecedor" e "fornecedor e comprador" ou pela propriedade comum de tecnologia e pela existência de compradores comuns, para uma mesma cadeia de distribuição e ainda pela concentração geográfica da mão-de-obra e aglomerados regionais. Esta denominação apresenta a maior amplitude por descrever a aglomeração geográfica de firmas, tendo como característica principal o fato de estarem em uma mesma localização geográfica, com empresas localizadas muito próximas umas das outras (ENRIGHT, 1996, apud OLIVEIRA e MARTINELLI, 2003, p.6). O termo “cluster” (literalmente, agrupamento, cacho, etc.), de origem anglo-saxônica, abrange também as potencialidades de um ambiente inovador (Milieu Innovateur), a flexibilidade e integralidade de um distrito industrial, porém não se caracterizando apenas por micro e pequenas empresas, forma geralmente notada em distritos industriais (AMARAL FILHO, 2001). Distritos industriais têm como característica empresas envolvidas em estágios de produção de um produto homogêneo. Outro fator determinante dos distritos, notadamente encontrados no norte e nordeste italiano, é que a maior parte das empresas é composta por micro e pequeno porte. Este exemplo de modelo de rede produtiva italiana se situa na chamada Terceira Itália (PYKE et al.,1990, apud AMARAL FILHO, 2001). A expressão “Terceira Itália” foi utilizada primeiramente por Bagnasco na década de 1970, como desdobramento do dualismo tradicional entre o norte da Itália, que se encontrava em crise (Primeira Itália) e o Sul atrasado (Segunda Itália) (COCCO et al. ,1999). São comumente citados alguns destes distritos e suas especializações, tais como: Sassuolo, na Emilia Romagna, especializado em cerâmica; Prato, na Toscana, especializado em têxtil; Montegranaro, em Marche, especializado em sapatos e móveis de madeira, no Veneto, entre outros (AMARAL FILHO, 2001). O sucesso deste tipo de rede é maior devido ao lado social e institucional, do que propriamente econômico. Vale destacar a flexibilidade e adaptabilidade das empresas contidas no distrito como fator de sobrevivência e competição, pois são ágeis às demandas de mercado e as mudanças tecnológicas (COCCO et al., 1999; AMARAL FILHO, 2001). Alguns princípios originais dos distritos industriais são a concorrência x solidariedade, que têm como consequência a redução de custos de transações, de inovação e de mobilidade (horizontal e vertical dos postos de trabalho, entre outros). O 41 autor afirma que o estado de espírito que prevalece nos distritos industriais é baseado no desabrochamento pessoal, apesar de ser orientado por um sentimento intenso de pertença à comunidade local (BECATTINI, 1999). As micro e pequenas empresas – MPEs -, existentes nos distritos estão configuradas em redes e sobre o aspecto territorial, considerado integrado e integrador, o que facilita a produção pelo fato de contar com a maior parte dos insumos e estrutura necessários (COCCO et al., 1999). Estudos demonstram a formação de redes flexíveis de pequenas e médias empresas independentes nos distritos italianos, cooperando entre si, unindo-se em consórcio por vários objetivos, gerando vantagens competitivas (CASSAROTO FILHO e PIRES, 2001). Uma excelente síntese da questão foi feita por Sebastiano Brusco ao apontar as três lições essenciais que devem ser tiradas da experiência italiana: a) a necessidade de combinar concorrência com cooperação; b) a necessidade de combinar conflito com participação; e c) a necessidade de combinar o conhecimento local e prático com o científico (VEIGA, 2002). Outra tipologia bastante utilizada é a “Redes de Empresas”. A ideia de ligação e troca permeia a concepção sobre redes. Inicialmente utilizado na área de ciências exatas, este termo difundiu-se em estudos sobre estruturas de relações sociais. Para Castells (1999, p.498) “são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação, por exemplo, valores e objetivos de desempenhos”. No que tange aos elos de relação entre empresas, destacam-se quatro elementos essenciais na compreensão e constituição estrutural das redes: nós, enquanto conjunto de atores, objetos ou eventos presentes; posições – como definidoras das localizações das empresas ou atividades (pontos) na estrutura interior; ligações, também conhecidas como conexões ou linkagem, que detectam o grau de relacionamento; e os fluxos, que podem ser tangíveis, que são os recursos, os bens e serviços, ou intangíveis, caracterizados pelas informações (BRITO, 2002). Entre as abordagens para o estudo de redes, verificam-se duas formas: de governança e analítica. Na forma de governança, a abordagem é multidisciplinar e concentra-se nas relações entre os atores econômicos. Já a rede como forma analítica verifica a estrutura das relações sociais, nos ambientes interno e externo, como também entre as organizações (POWELL e SMITH-DOER, 1994, apud SACOMANO e TRUZZI, 2004). Para os autores, as perspectivas das redes como forma de análise estão 42 centradas na busca de novos referenciais teóricos. Já para as redes sobre o prisma da governança, as perspectivas estão na forma de relacionamento entre organizações (formas de governança e formas especiais de alianças estratégicas), culminando em mudanças econômicas, políticas e sociais. Uma rede de cooperação empresarial, considerada como um agrupamento de empresas que buscam objetivos comuns, geralmente localizados na esfera da lucratividade, ou seja, a busca da sobrevivência. Os autores observam os vários exemplos deste tipo de rede em vários países, como nas redes de pequenas e médias empresas nos distritos industriais italianos, as redes keiretsu no Japão ou as empresas de alta tecnologia do Vale do Silício (TÁLAMO e CARVALHO, 2004). As redes de empresas consistem em um tipo de agrupamento cujo objetivo principal é fortalecer as atividades de cada um dos participantes, sem que necessariamente, tenham laços financeiros entre si (AMATO NETO, 2000). O meio inovador também é um termo comumente descrito em estudos sobre inovação e território. Foi na década de 80, como início dos estudos do grupo suíço – Grupo Europeu de Pesquisas sobre Meios Inovadores – GREMI -, fundado por Phillipe Aydalot, valorizando as dimensões tempo e espaço, na tentativa de compreensão de mecanismos econômicos no contexto de um dado território. As pesquisas mais recentes do grupo valorizam os aspectos espaciais das transformações econômicas, ou seja, a abordagem estabelecida sobre os estudos dos meios inovadores atualmente é verificar a evolução da tecnologia e das interações entre os atores (CREVOISIER, 2003) O meio inovador pode ser definido como um conjunto territorial no qual as interações entre os atores econômicos desenvolvem-se não só pela aprendizagem que fazem das transações multilaterais as geradoras de externalidades específicas à inovação, como pela convergência das aprendizagens para formas cada vez mais aperfeiçoadas de gestão em comum dos recursos (MAILLAT, 2002). A falta de desenvolvimento de uma dada localidade deve-se a falta de um meio inovador, que possibilita entender a maneira pela qual o local apresenta sua forma ao global (CREVOISIER, 2003). O meio inovador, enquanto conceito integrador, compreende três aspectos fundantes e paradigmáticos: a dinâmica territorial, a transformação dos territórios e as mudanças organizacionais. O autor confere ao paradigma tecnológico a reflexão sobre inovação, aqui como processo de diferenciação do setor econômico ou produtivo, da 43 empresa, não somente em pesquisa e desenvolvimento ou pedido de patentes, mas diferenciação progressiva do meio, e o papel relevante das técnicas, savoir-faire, aumentando a competitividade desse espaço (CREVOISIER, 2003). 1.2.2.1 Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais Os Arranjos Produtivos Locais, ou APILs, são um conjunto de empresas situadas em um mesmo território, que apresentam uma produção específica e mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais (SEBRAE, 2003). Segundo a definição da REDESIST, os Sistemas Produtivos e Inovativos Locais, ou SPILs, são conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais que se constituem num dado território, desenvolvendo atividades similares e congruentes, que apresentam articulações de produção, cooperação e aprendizagem. Os APILs diferem dos SPILs pelo fato de não serem solidificados e não apresentarem significativo vínculo entre os atores (LASTRES e CASSIOLATO, 2005). Há mais de uma década diversas ações de apoio a atividades produtivas com foco no território passaram a ser organizadas com base na noção de APLs. Em todo o país, iniciativas públicas do governo federal, dos estados e municípios, além dos esforços privados, pautam-se na abordagem de arranjos produtivos, salientando-se até mesmo a atuação dos bancos, públicos e privados, os quais reconhecem as vantagens de disponibilização de crédito em APLs. Muitas foram as lições e os avanços alcançados na formulação e na execução de políticas. Dentre eles, destacam-se: a retomada da atenção às condições específicas de cada contexto local, isto é, do território como locus efetivo das políticas; a inclusão de atores, atividades e regiões até então não contemplados; a intensificação das articulações e interações entre os diferentes atores, tanto formuladores e executores de políticas quanto seus beneficiários; e dos esforços de coordenação nacional abrangendo as diferentes escalas (LASTRES et al., 2010). Alguns aspectos que caracterizam os APILs são (LASTRES e CASSIOLATO, 2005): dimensão territorial - a troca de informações, de valores, por meio de uma 44 proximidade geográfica; diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais – participação e interação de diversas instituições, públicas e privadas, tais como universidades, órgãos públicos, organizações da sociedade civil, empresas de consultoria, entre outros e conhecimento tácito – considerado uma vantagem competitiva, pois este tipo de conhecimento é especificamente do local, do território vivido, não estando explícito para os atores externos e governança – diferentes modos de coordenação entre os atores para os processos de produção e comercialização, bem como para aquisição e uso do conhecimento. São várias formas de governança e hierarquias nos sistemas produtivos, bem como distintas formas de campos de força na tomada de decisão. Os autores também sinalizam como características o grau de enraizamento – mensurado pelas articulações, bem como o envolvimento dos diversos atores dos APILs no tocante aos recursos, com os outros atores e com o mercado. Alguns elementos que determinam o grau de enraizamento são o nível de agregação de valor, a origem e o controle (local, nacional e estrangeiro) das organizações e o destino da produção, tecnologia e demais insumos e a inovação e aprendizado interativos como possibilidade de absorver e criar produtos, métodos e processos como fator de sobrevivência, crescimento e desenvolvimento do arranjo. O aprendizado constitui fonte fundamental para a transmissão de conhecimentos e a ampliação da capacitação produtiva e inovativa das empresas e outras organizações. Os APILs se apresentam como estratégias de desenvolvimento baseado em atividades que levam à expansão da renda, do emprego e da inovação. Espaços econômicos renovados, em que as pequenas empresas podem se desenvolver usufruindo as vantagens da localização, a partir da utilização dos princípios de organização industrial como alavanca para o desenvolvimento local. Os APILs permitem estratégias de aprendizagem coletiva direcionada à inovação e ao crescimento descentralizado, enraizado em capacidades locais (MDIC, 2013). (...) SAPLs são fenômenos que se formam e evoluem a partir de processos sociais produtivos localizados em determinados territórios, organizados em estruturas e interações, que migram de situações simples para complexas, podendo também regredir para estados deprimidos e resultar, inclusive, em colapso. Nesse sentido, o que importa, fundamentalmente, para a abordagem do SAPL é a capacidade endógena de certo tecido sócio produtivo de se organizar e se articular, apoiado em ações e interações coletivas, de forma auto organizada ou coordenada, para produzir algo, tangível ou intangível, com valor de uso ou de troca. Vale também a capacidade dos agentes locais de se adaptarem e se apropriarem de novos conhecimentos trazidos por 45 sistemas ou artefatos produtivos transplantados de outros territórios (AMARAL FILHO, 2011, p.192). A proximidade é um elemento de reforço para a inovação, pois com similaridades de circunstâncias básicas, como custos de mão de obra e instalações, o destaque é a criatividade (PORTER, 1999). Percebe-se, na caracterização dos Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais, o papel da inovação como potencializador de competitividade entre o arranjo para com os concorrentes externos. Os APILs se apresentam como estratégias de desenvolvimento baseado em atividades que levam à expansão da renda, do emprego e da inovação. Espaços econômicos renovados, em que as pequenas empresas podem se desenvolver usufruindo as vantagens da localização, a partir da utilização dos princípios de organização industrial como alavanca para o desenvolvimento local (MDIC, 2013). Para entender o sentido da complexidade do SAPL é fundamental estabelecer um princípio pelo qual as partes procuram se orientar, em especial o elo referente à empresa, peça central do sistema. Sabe-se que vários outros agentes de naturezas diferentes, inclusive não lucrativa, ajudam a compor um sistema produtivo, no entanto a empresa é o agente nucleador dessa composição. Sendo assim, torna-se necessário elaborar uma compreensão sobre sua racionalidade e as motivações do seu comportamento (AMARAL FILHO, 201, p. 178). Para a determinação de políticas públicas de inovação, visando a atuação dos atores locais nos processos de inovação, deve haver um estímulo a diferentes modos de aquisição, de uso e disseminação do conhecimento. Para tanto, a abordagem de tais políticas passa pelo incentivo as interações dos atores que compõem os diversos sistemas de produção. A promoção a o apoio de políticas públicas de inovação teria como suporte as relações estabelecidas entre os atores, para fomentar o aprendizado contínuo e a inovação de forma a atender as necessidades específicas de dadas regiões. Talvez este seja um dos motivos pelo qual as políticas não se estabeleçam – falta entendimento, vínculo com a localidade, no sentido de necessidade e possibilidade local, falta significado para a realidade de determinado território. 1.2.2 Inovação e Desenvolvimento Territorial 46 O enfoque territorial abarca as escalas dos processos de desenvolvimento e provoca uma metodologia para estimulá-lo, pelo protagonismo dos atores locais, numa ação horizontalizada, e não por uma ação hierarquizada do poder público, numa perspectiva de projeção de futuro, desenvolvendo diagnóstico de suas oportunidades e limitações. Pelo viés territorial, o processo que desencadeia a cooperação e a compromisso dos atores sociais presentes no território é feito por meio de um planejamento centrado nas pessoas, considerando a interação dos sistemas socioculturais e ambientais e contemplando a integração produtiva e o aproveitamento competitivo de seus recursos, numa visão que une “espaços, atores sociais, mercados e políticas de intervenção pública com a expectativa de geração de riquezas, respeitando a diversidade, solidariedade, justiça social e inclusão socioeconômica e política” (ECHEVERRI, 2009, p.28). O produto de mudanças com ênfase nas políticas públicas pressionadas pelos mencionados condicionantes estruturais se abre à visão integradora que reconhece o território como elemento estruturante e objeto de política, além de orientador dos instrumentos e enfoques. Na maioria de nossos países, a aplicação desse enfoque encontra-se em estado incipiente, mas são feitos esforços e definidas estratégias para dar corpo e lugar às estratégias de desenvolvimento. A construção dessas políticas tem suas fontes básicas nas teorias de desenvolvimento regional, que assumem com clareza o espaço enquanto objeto de trabalho, com seus componentes, dinâmicas e processos. (ECHEVERRI, 2009, p.21). Oliveira (2003) afirma que para potencializar o desenvolvimento, o primeiro passo é a compreensão da importância da dimensão regional. O autor enfatiza que, embora a região e a política regional aparentemente percam valor em virtude da globalização, dos fluxos e redes que acabam confundindo quais são as fronteiras político-administrativas; pela compreensão da importância regional, há possibilidades de desenvolver mercados competitivos locais/regionais, com uma estrutura econômica, valores, culturas, instituições, que poderão contribuir significativamente para o fortalecimento do mercado nacional. Para tanto, os objetivos da política científica e tecnológica e o da política regional devem estar atrelados de forma explícita, proporcionando resultados cumulativos (OLIVEIRA, 2003). A estratégia que possui como foco o reconhecimento das possibilidades internas nos espaços locais, ajuda na integração do território. A base dessa abordagem está na estratégia de maximizar os recursos que o local disponibiliza, além de priorizar à absorção das vantagens de cada espaço, ou seja, o capital natural, humano, financeiro, social e político, almejando um projeto unificado, tipo territorial. Este conceito valoriza 47 os “componentes, fluxos, dinâmicas e redes locais em áreas definidas pelo propósito de formular um projeto integrado de desenvolvimento que permita abordar as possibilidades de integração com outros espaços e mercados a partir de suas próprias potencialidades” (ECHEVERRI, 2009, p. 23). Carvalho (2009) desenvolveu um modelo de capacidade inovadora local, constituído de três construtos, formando um modelo tridimensional: estratégia, cooperação e concentração. O primeiro constructo é a estratégia, que verifica os todos os pontos cruciais para a competição, que se baseia na criação de valor, denotada pela inovação. Busca-se, nesse constructo, verificar tanto a cadeia de valor, como chamados trade-offs de diferenciação e custo, bem como avaliar se a empresa obtém vantagem competitiva. Já o segundo constructo – cooperação, são as redes e comunidades que interagem de form