Cláudia dos Santos Duarte Ensino de história e as tecnologias: análise de livros do professor do primeiro ano do ensino médio São José do Rio Preto 2022 Câmpus de São José do Rio Preto Cláudia dos Santos Duarte Ensino de história e as tecnologias: análise de livros do professor do primeiro ano do ensino médio Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carina Alexandra Rondini São José do Rio Preto 2022 Duarte, Cláudia dos Santos. Ensino de história e as tecnologias: análise de livros do professor do primeiro ano do ensino médio / Cláudia dos Santos Duarte. -- São José do Rio Preto, 2022. 144 p. : il., tabs. Orientador: Carina Alexandra Rondini. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto 1. Tecnologias Digitais da Comunicação e Informação. 2. Ensino de História. 3. Livros do professor. 4. Ensino Médio I. Título. CDU – Cláudia dos Santos Duarte Ensino de história e as tecnologias: análise de livros do professor do primeiro ano do ensino médio Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Prof.ª Dr.ª Carina Alexandra Rondini UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Orientadora Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Prof.ª Dr.ª Moema Gomes Moraes UFG – Câmpus de Goiânia São José do Rio Preto 09 de março de 2022 A Deus, o autor da minha história. Ao meu esposo amado, Fernando, meu maior incentivador e companheiro de todas as horas. Aos meus filhos, Luis Fernando e Ana Claudia, cujos sorrisos e abraços sempre me motivam a perseverar. A todos aqueles que amam a educação e lutam por ela, este trabalho também é dedicado a vocês. AGRADECIMENTOS A Deus, Senhor da vida, aquele que me guia, direciona, dá sabedoria e motiva a prosseguir firme, na construção da minha própria história! Palavras não são suficientes para expressar a minha gratidão e devoção! Ao meu marido, Fernando, meu amor, amigo, companheiro, incentivador, conselheiro... Eu sei que sem você eu não teria conseguido! Você me incentivou desde a inscrição para a prova deste Mestrado, acompanhou e me amparou nos momentos de maior cansaço e permanece confiante nos bons frutos que a conclusão desta etapa trará. Seu apoio permanece indispensável. Neste trabalho, existe muito de você. Aos meus filhos, Luis Fernando e Ana Cláudia: vocês são preciosos demais para a mamãe! Com toda a certeza, a vida de vocês na minha existência me faz querer vencer. Vocês têm me ensinado a extrair o melhor de mim; neste trabalho, também existe muito de vocês. Aos meus pais, Atanisio e Maria Amélia: sem vocês, eu não estaria aqui! Também não compreenderia o significado da vida, não seria esta pessoa, formada e moldada por vocês, que, mesmo dentro da simplicidade, me motivaram a sonhar alto e perseverar em busca dos sonhos. Aos meus irmãos e irmãs, Raquel, Maria Cristina, Robson e Rubens: vocês completam a minha vida e possuem uma parte considerável do meu coração! À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Carina Alexandra Rondini, pela paciência e confiança depositadas, pela dedicação e compromisso! Suas ideias, conversas e “dicas” me fizeram crescer enquanto pesquisadora e pessoa, além de me proporcionar o amparo intelectual e acadêmico necessário para concluir este processo. Sua intervenção pontual e proveitosa foi fundamental para a construção deste trabalho! Aos professores Dr. Humberto e Dr.ª Moema, pela gentileza em participar tanto da Banca de Qualificação quanto da Defesa deste trabalho. Meu agradecimento de coração! Ter vocês participando desse momento tão especial foi um privilégio e motivo de muita alegria! Aos professores do Ibilce/UNESP, do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, pela oportunidade de construir novos conhecimentos e refletir ainda mais, em minha prática docente! À toda a equipe do CE 435 – SESI Votuporanga e CE 405 – SESI Fernandópolis. Vocês também fazem parte da minha história! Proporcionam-me a oportunidade de crescer como ser humano e como docente, além de incentivar minha reflexão a respeito da importância da História para os estudantes! Aos estudantes para quem leciono História, desde o 6º ano do Ensino Fundamental II ao 3º ano do Ensino Médio, de ontem e de hoje: vocês têm me auxiliado a me tornar a professora que sou hoje! Este trabalho foi pensado também para e por vocês! Pois a História não apenas é uma ciência em marcha. É também uma ciência na infância: como todas aquelas que têm por objeto o espírito humano, esse temporão no campo do conhecimento racional. (BLOCH, 2001, p. 47) RESUMO Nas últimas décadas, o uso das tecnologias ultrapassou várias fronteiras, incluindo, aqui, o contexto da educação e, particularmente, do ensino da História. Assim, inúmeros estudos têm se proposto a identificar e analisar o possível impacto das tecnologias no processo de ensino-aprendizagem, enquanto outros objetivam desmitificar o pensamento de que tais recursos representam a salvação para os dilemas educacionais atuais. A sociedade contemporânea está gradualmente mais inserida no contexto tecnológico, todavia, observa-se que a relação entre tecnologia, educação e ensino de História tem sido marcada por múltiplas facetas e desafios. A partir dessas considerações, a pergunta norteadora deste trabalho foi: como está proposta a utilização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) no livro do professor que se encontra nos livros didáticos de História? Para responder a essa questão, o objetivo principal consistiu em verificar a maneira pela qual esse material menciona e propõe o emprego das TDICs. No que se refere aos três objetivos específicos, derivaram três capítulos independentes, porém, complementares. O primeiro, apresentado no Capítulo 1, discute o uso das TDICs no contexto educacional e escolar, considerando a democratização das tecnologias e o seu acesso (ou não), por parte do estudante. O segundo, evidenciado no Capítulo 2, se propõe contextualizar a história do ensino de História, no Brasil, observando suas rupturas, lacunas, mudanças e continuidades. Por sua vez, o terceiro objetivo, desenvolvido no Capítulo 3, observa de que forma as TDICs são mencionadas e propostas nos livros do professor utilizados nas aulas de História no 1º ano do Ensino Médio, em três contextos escolares diferentes da cidade de Votuporanga, SP. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa de revisão bibliográfica, nos dois primeiros capítulos, e de caráter documental, no terceiro, com base na relação entre ensino de História e tecnologias. Nessa perspectiva, promoveu-se a identificação, seleção e análise das sugestões de TDICs encontradas em três livros didáticos: Conecte Live: História - Orientações didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio” e História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano. Para alcançar os objetivos propostos nos três capítulos, o pensamento de autores como Tortajada e Pelàez, Levy, Nascimento, Duran, Bittencourt, Fonseca, dentre outros, foram abordados. Os resultados indicaram que a inserção das TDICs nos livros do professor já representa uma realidade, no contexto educacional brasileiro. Além disso, observou-se que a menção às TDICs, nos livros do professor selecionados, é interessante e expressa a importância da inclusão das TDICs nos processos formativos. Em contrapartida, verificou-se também que os materiais analisados apresentam certas lacunas, no que se refere ao uso das TDICs no ensino de História, como, por exemplo, o fato de que as sugestões direcionadas aos professores propõem que os alunos usem as tecnologias somente como consumidores e não como os próprios produtores de conhecimentos históricos. Certamente, a observação de tais questões adquire relevante importância na relação estabelecida entre TDICs e o ensino de História, considerando que as tecnologias devem auxiliar o processo de apropriação do conhecimento histórico e a sua consequente análise, por parte do estudante. Palavras–chave: Tecnologias Digitais da Comunicação e Informação. Ensino de História. Livro do professor. Ensino Médio. RESUMEN En las últimas décadas, el uso de las tecnologías ha traspasado varias fronteras, incluyendo, aquí, el contexto de la educación y, en particular, la enseñanza de la Historia. Así, numerosos estudios se han propuesto identificar y analizar el posible impacto de las tecnologías en el proceso de enseñanza-aprendizaje, mientras que otros pretenden desmitificar el pensamiento de que tales recursos representan la salvación para los dilemas educativos actuales. La sociedad contemporánea se inserta cada vez más en el contexto tecnológico, sin embargo, se observa que la relación entre tecnología, educación y enseñanza de la historia ha estado marcada por múltiples facetas y desafíos. Con base en estas consideraciones, la pregunta orientadora de este trabajo fue: ¿cómo se propone el uso de las Tecnologías Digitales de la Información y la Comunicación (TDIC) en el libro del profesor que se encuentra en los libros de texto de Historia? Para responder a esta pregunta, el objetivo principal fue verificar la forma en que este material menciona y propone el uso de las TDIC. En cuanto a los tres objetivos específicos, se derivaron tres capítulos independientes pero complementarios. El primero, presentado en el Capítulo 1, discute el uso de las TDIC en el contexto educativo y escolar, considerando la democratización de las tecnologías y su acceso (o no) por parte del estudiante. El segundo, evidenciado en el Capítulo 2, propone contextualizar la historia de la enseñanza de la Historia en Brasil, observando sus rupturas, huecos, cambios y continuidades. A su vez, el tercer objetivo, desarrollado en el Capítulo 3, observa cómo las TDIC son mencionadas y propuestas en los libros del profesor utilizados en las clases de Historia en el 1º año de la Enseñanza Media, en tres contextos escolares diferentes de la ciudad de Votuporanga. Para eso, se realizó una revisión bibliográfica cualitativa, en los dos primeros capítulos, y de carácter documental, en el tercero, a partir de la relación entre la enseñanza de la Historia y las tecnologías. En esa perspectiva, se promovió la identificación, selección y análisis de las sugerencias de TDICs encontradas en tres libros de texto: Conecte Live: História - Orientações didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio” (Conéctese en Vivo: História - Orientaciones Didácticas del Movimiento de Aprendizaje – Historia: 1° año de la Enseñanza Media”) e e História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano (Historia – Ciencias Humanas – Enseñanza Media – 1er año). Para lograr los objetivos propuestos en los tres capítulos, se abordó el pensamiento de autores como Tortajada y Pelàez, Levy, Nascimento, Durán, Bittencourt, Fonseca, entre otros. Los resultados indicaron que la inserción de las TDIC en los libros del profesor ya representa una realidad en el contexto educativo brasileño. Además, se observó que la mención de las TDIC, en los libros del profesor seleccionado, es interesante y expresa la importancia de incluir las TDIC en los procesos de formación. Por otro lado, también se verificó que los materiales analizados presentan ciertos huecos en lo que respecta al uso de las TDIC en la enseñanza de la Historia, como, por ejemplo, el hecho de que las sugerencias dirigidas a los docentes proponen que los estudiantes utilicen las tecnologías sólo como consumidores y no como productores de conocimiento histórico. Ciertamente, la observación de tales cuestiones adquiere relevancia relevante en la relación que se establece entre las TDIC y la enseñanza de la Historia, considerando que las tecnologías deben ayudar al proceso de apropiación del conocimiento histórico y su consecuente análisis, por parte del estudiante. Palabras-claves: Tecnologías Digitales de la Comunicación y la Información. Enseñanza de Historia. Libro del maestro. Escuela secundaria. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Capa da obra Ratio Studiorum (1599) 68 Figura 2 – Capa do livro didático Conecte Live: História (2020) 114 Figura 3 - Indicação das orientações didáticas no livro didático História Conecte Live: História (2020) 117 Figura 4 - Capa do livro didático Orientações Didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio (2020) 121 Figura 5 - Indicação das orientações didáticas em volta do material referente à seção do aluno no livro – História: 1º ano Ensino Médio (2020) 123 Figura 6 - Indicação das orientações didáticas em volta do material referente à seção do aluno no livro Orientações Didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio (2020) 124 Figura 7 - Capa do livro didático História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano” (2014) 128 Figura 8 - Indicação das orientações didáticas no livro didático História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano” (2014) 130 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Páginas e sugestões relacionadas às TDICs 118 Quadro 2 - Páginas e sugestões relacionadas às TDICs Quadro 3 - Páginas e sugestões relacionadas às TDICs - v. 01 125 131 Quadro 4 - Páginas e sugestões relacionadas às TDICs - v. 02 132 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC Base Nacional Curricular Comum CEFAM Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério CNE Conselho Nacional de Educação EaD Educação a Distância EF Ensino Fundamental EM Ensino Médio EMC Educação Moral e Cívica IA Inteligência Artificial IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFFAR Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Farroupilha IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ISA Instituto Socioambiental LDB Lei de Diretrizes e Bases LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MEC Ministério da Educação OMS Organização Mundial da Saúde PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNLD Programa Nacional do Livro Didático SESI-SP Serviço Social da Indústria – São Paulo TICs Tecnologias da Informação e Comunicação TDICs Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação SUMÁRIO INTRODUÇÃO - A FORMAÇÃO DE UMA PROFESSORA DE HISTÓRIA 15 CAPÍTULO 1 - DEMOCRATIZAÇÃO DAS TDICS NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO: UTOPIA OU REALIDADE? 23 1.1 Analisando o conceito de gerações digitais: X, Y, Z e Alpha 25 1.2 Democratização das TDICs relacionada ao processo de ensino- aprendizagem 30 1.3 A pandemia COVID-19 e o ensino remoto: inclusão ou exclusão? 40 1.4 O professor e o desafio de utilizar as TDICs 48 À guisa de conclusão 55 REFERÊNCIAS 58 CAPÍTULO 2 – O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: RETROSPECTIVA E COMPLEXIDADES 64 2.1 Os primórdios: quando a História ainda nem era considerada História 66 2.2 O conhecimento histórico como disciplina: o ensino de História no Império 70 2.3 Consolidação da História como disciplina escolar: o período republicano 79 À guisa de conclusão 92 REFERÊNCIAS 96 CAPÍTULO 3 – AS TDICS A PARTIR DE UMA ANÁLISE DE TRÊS LIVROS DO PROFESSOR DO COMPONENTE CURRICULAR DE HISTÓRIA 99 3.1 As tecnologias no contexto das políticas públicas educacionais 101 3.2 O livro didático no contexto atual: caracterizando o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 104 3.2.1 O livro didático de História 105 3.3 Tecnologia e ensino de História: análise dos materiais de apoio ao professor nos livros didáticos 110 À guisa de conclusão 133 REFERÊNCIAS 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS 139 15 INTRODUÇÃO - A FORMAÇÃO DE UMA PROFESSORA DE HISTÓRIA Para escrever este texto, comecei a refletir sobre a minha caminhada acadêmica, que, por sua vez, me conduziu às lembranças da infância. No auge dos meus 10 anos de idade, sempre que alguém me perguntava a profissão que eu gostaria de exercer, a frase “ser professora” de forma alguma era a resposta que eu apresentava. Eu mencionava inúmeras e diversas carreiras, mas a área da Educação e docência certamente não era uma delas. Conforme fui me tornando adolescente, continuei sem cogitar fazer um curso de licenciatura ou mesmo o Magistério, equivalente aos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), no Rio de Janeiro. Ao terminar o Ensino Médio, eu vivia o desafio de escolher qual seria a minha carreira e profissão, e fiz o vestibular na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para um curso que não era da área da educação diretamente: Psicologia. Resumindo a história: fui aprovada no vestibular, porém, não classificada para o curso de Psicologia, o que me deixou num sentimento de angústia, por ter que escolher uma segunda opção. Depois de refletir nas alternativas que possuía, na época, escolhi a Licenciatura em Português-Literatura. No entanto, minha saga em busca de definição profissional não terminou por aí, pois tive que me mudar de cidade em pelo menos três momentos, ocasionando uma sequência de trancamentos de matrículas, destrancamentos e transferências entre faculdades, culminando também na mudança de curso: de Português para a História, o qual foi o curso que completei. Posteriormente, consegui concluir o curso de Língua Portuguesa – mas esse já é assunto para um outro momento. Fiz essa breve descrição, a fim de demonstrar que, como podemos observar, a minha ida para a Educação foi puramente acidental. Todavia, ao começar o curso de Letras e, principalmente, o de História, posteriormente, posso dizer que me encantei e me apaixonei pela docência. Também tive uma história de amor à primeira vista com o componente curricular História, pois percebi a sua importância para a sociedade humana. Assim, fui “fisgada” pelo contexto da Educação, por seus desafios, suas possibilidades e avanços, suas dificuldades e também suas perspectivas. Ainda no decorrer do curso de Licenciatura em História, uma das minhas principais inquietações dizia respeito justamente a como tornar o conhecimento 16 histórico significativo para o estudante. Durante o estágio, afligiu-me a concepção que muitos estudantes possuíam da História: de ser uma matéria “chata” e cansativa, marcada somente pela “decoreba” de datas, nomes e lugares. Já para outros alunos, a História possuía um caráter extremamente positivista, servindo somente para entendermos o passado, não errarmos como os nossos antepassados e transformarmos o futuro. Tais visões ocorreram ao mesmo tempo em que o ensino da História continuava sendo linear, progressivo e restrito somente ao estudo do livro didático, o qual se torna quase um “livro sagrado” para o professor, por uma diversidade de fatores que não irei elencar aqui. Na realidade, tais concepções ainda perduram nos dias atuais, sendo alimentadas por uma parte dos professores de História. Sendo uma apaixonada pela história humana, compreendi a importância de o ensino histórico não se restringir a uma simples transmissão de um emaranhado de datas e nomes, que não fazem qualquer sentido para o aluno ou para a realidade em que ele vive. Tal história apresenta somente características factuais com tendências positivistas, o que foi alertado por Rocha (1996) como uma prática recorrente para o professor de História, mas que, contudo, não possibilita ao aluno a construção e a apropriação do saber histórico, o que requer um aprofundamento na ação da humanidade, no decorrer do tempo e do espaço. Depois de terminado o curso de História, eu me deparei com um tremendo “frio na barriga” e uma grande pergunta, a qual não tinha sido respondida pela Faculdade, apesar de ter estudado as disciplinas da área de Licenciatura: “Como vou ensinar História?” Certamente, essa é uma questão que tem permeado a minha prática docente, de forma constante. Buscando subsídios para responder a essa pergunta, nos anos de 2018 e 2019, realizei duas especializações: em Psicopedagogia Institucional e Clínica e Metodologias Ativas e Práticas Docentes. Esses cursos muito me auxiliaram nas reflexões sobre o processo de ensino e de aprendizagem discente e a respeito da importância da mediação pedagógica em sala de aula. Todavia, achei imprescindível continuar procurando respostas e receber orientação experiente, na busca pelo conhecimento. Dessa maneira, a pergunta “Como vou ensinar História?” também se constituiu num grande incentivo para que eu fizesse o processo seletivo do Mestrado no Programa de Pós-Graduação stricto sensu “Ensino e Processos Formativos”, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). O meu alvo era o aprofundamento pessoal 17 na pesquisa acadêmica, de sorte a amadurecer a minha prática docente. Depois de um período afastada do ambiente acadêmico, em virtude do nascimento dos meus dois filhos, realizei o processo seletivo e fui aprovada para ser orientanda da Prof.ª Dr.ª Carina Alexandra Rondini, com o pré-projeto sobre as perspectivas, desafios e contribuições relacionados à utilização das tecnologias no ensino de História. Durante a minha experiência em sala de aula, tenho vivenciado inúmeras situações que estão relacionadas à pergunta “Como vou ensinar História?” A despeito da circuntância de o contexto da escola em que trabalho não ser elitizado, é diferenciado do ensino público, no que concerne ao acesso tecnológico, tendo em vista que os alunos possuem maior facilidade e disponibilidade quanto à apropriação de tais recursos. Feito este comentário, em minha experiência docente, o contato direto com os estudantes em sala de aula me mostrou que alguns deles possuem, como características bem peculiares, esse acesso quase ilimitado aos mais variados recursos tecnológicos. Da mesma maneira, a prática docente também me revelou como a tecnologia pode ser um fator relevante de exclusão ou inclusão, ao pensarmos nas atividades propostas pelo professor, em sua sala de aula. E ainda mais no período atual em que vivemos: como ensinar História, neste período pandêmico? Outro ponto importante que tenho observado diz respeito a como a tecnologia se tornou, nos últimos anos, um elemento integrante do cotidiano dos alunos, o que me motivou a refletir na importância de sua apropriação ao processo de ensino e aprendizagem do saber histórico. Todos esses fatores têm me estimulado a formular e refletir na seguinte questão: de que modo o livro do professor, o qual se encontra no livro didático (recurso adotado com grande proeminência nas aulas, não somente de História, mas também dos outros componentes curriculares), tem “utilizado” as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), considerando seu caráter pedagógico e didático? Ao longo dos anos, a educação brasileira vem sendo pensada sob variados aspectos e por abordagens divergentes, no que se refere à forma de compreender o homem, o papel da escola, os processos formativos e até mesmo os aspectos sociais e culturais. Dessa maneira, são observados novos desafios, novos conhecimentos capazes de influenciar e contribuir para o fazer pedagógico, 18 ocasionando, por sua vez, transformações nas propostas pedagógicas e visões de ensinar e aprender. Portanto, o objetivo central desta pesquisa consistiu em identificar até que ponto e de que maneira as TDICs estão presentes em três livros do professor de três livros didáticos de História. A escolha desses três livros foi feita tendo-se em vista o contexto micro e macro de alcance de cada obra. Foi essa primeira análise a responsável por influenciar minha decisão em selecioná-los. Sobre os livros mencionados, um deles é a obra Conecte live: História, dos autores Cotrim e Cotrim (2020), material escolhido por ser usado numa escola particular da cidade de Votuporanga -SP (onde resido e exerço a profissão docente), atendendo, assim, a um público caracterizado por ter um poder aquisitivo mais elevado, além de maior acesso às TDICs. Ademais, essa obra foi escrita por Gilberto Cotrim, autor conhecido pelos professores de História, justamente por elaborar vários livros didáticos dessa disciplina. Portanto, é uma obra amplamente utilizada entre os professores de História. No caso do segundo livro do professor, cujo título é Orientações didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio (SESI-SP, 2020), seu público são os professores e professoras de uma rede escolar que se encontra em todo o estado de São Paulo: o Serviço Social da Indústria (SESI). Por fim, o terceiro livro tem sido disponibilizado para os professores das escolas da rede estadual de São Paulo: História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano (SÃO PAULO, 2014). Com relação ao contexto micro do livro, Orientações didáticas do Movimento do Aprender – História: 1º ano Ensino Médio, a escolha foi feita por ser o material adotado nas escolas da rede SESI em que atuo como professora (Votuporanga e Fernandópolis). Dessa forma, é o livro que consiste também em minha ferramenta de trabalho, com o qual tenho maior familiaridade. Ainda sobre essa obra, do ponto de vista macro, seu alcance abrange todas as escolas da rede SESI do estado de São Paulo. É, pois, um livro utilizado por parcela considerável dos estudantes paulistas que se encontram matriculados no 1º ano do Ensino Médio. Sobre o livro História – Ciências Humanas - Ensino Médio – 1º ano, seu contexto micro também está ligado a ser o último e mais recente material produzido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para atender às aulas de 19 História. Desse modo, tal obra se constitui num recurso para as aulas de História, nas escolas que fazem parte da maior rede pública estadual de Educação do país. O trabalho foi desenvolvido com base na pesquisa documental e bibliográfica, por um viés qualitativo. Com referência à análise dos dados, reforça-se que esta foi realizada com base na metodologia qualitativa, por ter foco no caráter subjetivo e prezar pela singularidade do objeto de estudo. Inicialmente, fiz a leitura dos três livros dos professores, a fim de observar em que contexto e com quais objetivos as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação foram mencionadas. Escolhi trabalhar, nesta pesquisa, com os materiais empregados no 1º ano do Ensino Médio (EM), pelo fato de, nesse ano escolar, os alunos já terem estudado a disciplina História, durante os quatro anos finais do Ensino Fundamental II (EF) – 6º ao 9º ano. Além disso, o 1º ano EM representa o início do Ensino Médio, o que permite ao professor de História um aprofundamento de vários temas, conteúdos e assuntos relacionados a esse componente curricular. Finalmente, nesse momento da vida escolar, são vários os alunos que já estão familiarizados com as mais diversas tecnologias do período atual, como a internet e o celular, por exemplo. Dando continuidade a essa parte introdutória, é importante esclarecer alguns conceitos básicos que serão trabalhados e analisados, nesta investigação. Essa conceituação refere-se a um sentido mais atemporal para os termos. O primeiro deles é o de tecnologia. Ao longo dos momentos da história humana, as sociedades buscaram desenvolver estratégias, instrumentos, técnicas e ferramentas que possibilitassem melhorias ao modo de produção para a sobrevivência humana. Alguns exemplos do que resultou desse desenvolvimento são a produção do fogo e da roda, eventos que aconteceram há milhares de anos, em um determinado período da história da civilização humana. Conforme o filósofo Álvaro Pinto (2005), todas as sociedades desenvolveram tecnologias necessárias, com o objetivo de prover suas necessidades; assim, todas as sociedades humanas podem ser consideradas tecnológicas. Ainda que seja um termo abrangente, a tecnologia pode ser pensada como um conjunto de técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais domínios das atividades humanas. Dessa forma, podemos concluir que o termo tecnologia é utilizado para identificar desde os artefatos pré-históricos, como a descoberta do fogo ou a invenção da roda, até artigos mais atuais, como os celulares (LOPES; MONTEIRO, 2014). A própria linguagem consiste em uma tecnologia (LEITE, 2015), o que nos 20 ajuda a compreender que o lápis, a caneta, o papel, somente para citar algumas invenções, também são considerados frutos da tecnologia. Ainda conforme Lopes e Monteiro (2014), é fundamental romper com a equivocada concepção de que tecnologia se restringe aos mais recentes artefatos eletrônicos ou digitais, embora tal concepção seja amplamente disseminada. Outra concepção necessária para este trabalho refere-se ao ensino de História. Segundo Bezerra (2020), o primeiro objetivo do conhecimento histórico consiste na compreensão dos sujeitos e dos processos históricos, “[...] o desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tempos e espaços.” (BEZERRA, 2020, p. 42). Ampliando um pouco mais essa reflexão, o ensino de História está associado à ação executada entre o professor e seus estudantes, ao trabalhar em prol da produção do conhecimento histórico, para alcançar o objetivo mencionado anteriormente. Entendida como processo, a História procura aprimorar o exercício da problematização da vida social, como ponto inicial para a investigação produtiva e criativa, almejando identificar as relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de outros povos, observar as semelhanças e as diferenças, as solidariedades e os conflitos, as desigualdades e as igualdades que existem e existiam nas sociedades. Da mesma forma, cabe à História estabelecer comparações entre problemáticas de outros períodos e o atual, além de mobilizar o estudante, a fim de que ele se posicione de maneira crítica no seu presente e analise as possíveis relações com o passado (BEZERRA, 2020). Ainda relacionado a essa questão, no que se refere ao estudante, a ação de procurar compreender a realidade e participar ativamente, a partir de dados e informações ligadas ao seu cotidiano, proporciona que a escola seja considerada um espaço de conhecimento e reconhecimento, onde, por meio dos vários componentes curriculares, o estudante possa se reconhecer e se perceber como construtor de sua própria história, além de ser capaz de articular a sua individualidade à história coletiva. Para a concretização do objetivo central, este texto foi dividido em três partes que se interligam e “conversam” entre si. O Capítulo 1 - Democratização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação no contexto escolar brasileiro: utopia ou realidade? - analisa a conceituação das gerações X, Y, Z e Alpha, das quais fazem parte os professores e os alunos dos dias atuais. Do mesmo modo, 21 pontuou-se uma crítica a respeito justamente dessa definição de gerações X, Y, Z e Alpha, a partir de autores como Duran (2008) e Nascimento (2014). Por meio de uma revisão bibliográfica baseada em alguns autores, como Levy (2010), Duran (2008), Nascimento (2014) e Mill (2020), discutiu-se a relação entre as TDICs e a democratização do ensino. Ademais, a possível inclusão ou exclusão tecnológica vivenciada pelos alunos foi um aspecto igualmente estudado, além de esse capítulo destacar o contexto escolar que foi profundamente impactado pela pandemia COVID-19. Alguns materiais utilizados para atingir esses objetivos são a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documentos que trazem algumas informações relacionadas à apropriação das tecnologias em sala de aula. Como esta pesquisa é elaborada por uma professora de História que se propõe analisar livros didáticos dessa disciplina, no Capítulo 2 - O ensino de História no Brasil: retrospectiva e complexidades - a proposta é apresentar uma breve retrospectiva sobre o ensino de História no Brasil, desde seu período colonial. Nessa “viagem ao túnel do tempo”, cuja metodologia consistiu em uma revisão bibliográfica de certos autores, como Bittencourt (2011), Fonseca (2003) e Nadai (2021), foram observadas as principais metodologias, recursos, além das mudanças e permanências que a História sofreu, ao longo de sua existência como disciplina ou até mesmo antes disso (como, por exemplo, no período histórico identificado como Brasil-Colônia). Também nessa parte, são discutidas algumas possibilidades e desafios do ensino de História, no período mais atual, considerando a adoção das TDICs como recurso técnico pedagógico para auxiliar a apropriação do saber histórico, ainda que tenhamos alunos que não possuem acesso às tecnologias digitais. Com relação ao Capítulo 3 - A utilização das TDICs a partir de uma análise do material de apoio ao professor de três livros didáticos de História -, por meio da análise documental dos materiais didáticos já citados, o objetivo foi identificar o uso do livro didático no 1º ano do EM, com práticas que aproveitem as TDICs, no contexto das aulas de História. Alguns dos autores analisados nesse capítulo são Nascimento (2014), Bittencourt (2009), Bonilla (2018) e Fonseca (2017). Pelo fato de esta pesquisa abordar as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, esse capítulo reflete, de forma bem resumida, sobre as políticas públicas educacionais 22 brasileiras, no que se refere à implantação e à disseminação da tecnologia, nas escolas. Ainda no Capítulo 3, problematizam-se aspectos referentes ao Programa Nacional do Livro Didático, principal responsável por avaliar e disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias para as escolas públicas brasileiras. Da mesma forma, uma discussão sobre o livro didático de História é proposta. Por fim, verificaram-se de que modo tais obras relacionam a apropriação das TDICs pelo professor com a aprendizagem discente e qual a contribuição desses materiais para a construção do saber histórico do estudante. Finalizando a pesquisa, as Considerações finais reúnem as observações e reflexões alcançadas, baseadas em todo o estudo e a análise realizados no decorrer deste trabalho. Aqui, cabe também o reconhecimento do caráter parcial e incompleto deste texto, uma vez que muitos outros autores e aprofundamentos poderiam ter cooperado para a reflexão. A partir disso, observou-se a existência de certas lacunas referentes aos materiais analisados relacionadas à utilização das TDICs, no ensino de História. Uma delas diz respeito ao fato de que as sugestões direcionadas aos professores propõem aos alunos o uso das tecnologias somente na posição de consumidores e não como os próprios produtores de conhecimentos históricos. Gostaria de finalizar a introdução, reforçando que conhecer a história humana é uma das minhas paixões e ensinar História é o meu ofício. Assim, meu singelo desejo é que este trabalho auxilie aqueles que, assim como eu, fazem do ensino de História a sua profissão e a sua missão. Espero também que o processo-produto desta investigação proporcione aos seus leitores múltiplas considerações sobre as questões aqui contempladas. Encerro esta Introdução convidando você, leitor ou leitora, a mergulhar na leitura deste trabalho e a refletir sobre o que está registrado nas próximas páginas. 23 CAPÍTULO 1 - DEMOCRATIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR BRASILEIRO: UTOPIA OU REALIDADE? Este capítulo tem por objetivo problematizar aspectos relacionados à democratização das Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação, como, por exemplo, a característica ora excludente, ora includente das tecnologias. Considerando que este trabalho objetiva observar a utilização das TDICs, no ensino de História, particularmente a maneira pela qual os livros do professor as mencionam, em suas sugestões aos docentes, vale a pena uma reflexão sobre a democratização ou não das TIDIC, no ambiente escolar. Para essa finalidade, foi realizada uma revisão bibliográfica de artigos científicos e livros, cujos autores debatem e analisam o papel das tecnologias, na sociedade atual e no âmbito educacional, como, por exemplo, Levy (2010) e Libâneo (2006). Também foram analisados alguns artigos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e as competências quatro e cinco da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017, as quais mencionam especificamente a utilização das tecnologias em sala de aula. Para essa análise, foram priorizadas publicações de autores que escreveram seus artigos e/ou livros a partir de 1996 (ano da promulgação mais recente da LDB), no idioma português (Brasil). Tais buscas foram realizadas na plataforma Scielo e Google Acadêmico, sendo empregadas como palavras-chave inclusão e exclusão digital, Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, LDB, BNCC, pandemia e ensino remoto na pandemia. Tendo em vista as diferentes gerações que coexistem no âmbito escolar brasileiro (representadas pelos estudantes e professores, por exemplo), este capítulo começará identificando tais gerações, do ponto de vista mais geral e também educacional. Depois disso, contemplará algumas informações a respeito do avanço tecnológico que ocorreu ao longo do século XX, no Brasil. Baseado em algumas conclusões que foram observadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), efetuada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o acesso dos brasileiros à Internet e ao telefone móvel celular para uso pessoal e o acesso à televisão, serão identificadas lacunas na pesquisa sobre o uso desses recursos tecnológicos com fins pedagógicos. Finalmente, problematizar- se-á a relação entre as TDICs e a democratização do ensino, com a consequente 24 inclusão ou exclusão tecnológica dos alunos, além de relacionar essa problematização com o contexto ocasionado pela pandemia COVID-19. Para tal, faz-se necessário explicar ao leitor o ponto de partida ou o conceito que atravessará todo o texto: o termo Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs). O referido termo costuma ser empregado como uma referência aos mais variados dispositivos eletrônicos e tecnológicos, dentre os quais se inclui a smart tv, o celular, o computador, o tablet e o notebook. Considerando-se que a sigla TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) costuma estar relacionada às tecnologias como a televisão e o rádio, por exemplo, são vários os pesquisadores que utilizam o termo Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação para aludirem às tecnologias digitais (BARANAUSKAS; VALENTE, 2013). Neste trabalho, será usado o termo TDICs, para referir-se a computador, tablet, celular, smartphone ou qualquer outro dispositivo que permita a navegação na internet, além da própria internet. As tecnologias digitais de informação e comunicação envolvem “[...] técnicas, instrumentos, métodos que permitem obter, transmitir, reproduzir, transformar ou mudar a informação.” (TORTAJADA; PELÁEZ, 1997, p. 207, apud KENSKI, 2003, p. 06). Os verbos utilizados pelos autores sinalizam formas de lidar com as tecnologias. No âmbito educacional, a relação estabelecida entre as TIDC e o ensino se apresentam como “[...] uma ação voltada para a incorporação de práticas diferenciadas na sala de aula, bem como, oportunizar aprendizagens em que o aluno possa buscar nos recursos tecnológicos digitais a interatividade, necessária para ampliar seus conhecimentos.” (SANTOS; RODRIGUES, 2017, p. 4). Ora, é importante pontuar que, para uma discussão em torno desse tema, deve-se ter em mente que a tecnologia está inserida num determinado grupo social, o qual, por sua vez, é o responsável pelo desenvolvimento e estabelecimento dessa mesma tecnologia. Ou seja, a tecnologia está implantada numa sociedade dentro de um determinado contexto histórico, deve ser analisada enquanto um objeto e, também, como algo que é resultado da interação do indivíduo com ela. A tecnologia transforma a sociedade e o ser humano e é transformada por ela. Assim, é importante considerar que a tecnologia não deve ser vista como a solução mágica para os desafios e dificuldades da educação brasileira, já que os avanços tecnológicos não são neutros e podem ser perversos ou benéficos, conforme Mill (2020). Um exemplo dessa “perversidade” associada à tecnologia e 25 afins é observada na exclusão que ela proporciona para aqueles que não têm acesso a ela. Todavia, ao analisar e problematizar o acesso e uso das TDICs, há que se ponderar a influência dos recursos tecnológicos sobre a maneira como os indivíduos e suas gerações aprendem ou ensinam, na sociedade moderna (MILL, 2020). É interessante pontuar que existe um debate que permeia justamente essa influência das tecnologias, nos indivíduos e na sociedade. Enquanto alguns autores reforçam uma divisão geracional, tendo como divisor de águas a influência tecnológica, como, por exemplo, Marc Prensky (2001), outros estudiosos argumentam sobre os riscos de se pensar que toda uma geração seja influenciada da mesma forma pelo uso das tecnologias (DURAN, 2008). Dada a relevância das TDICs e sua influência no contexto educacional, no ensino de História, para este trabalho, a próxima seção apresentará a visão dos que caracterizam as várias gerações que coexistem no contexto moderno e sua relação com a tecnologia. Da mesma maneira, será apontada, resumidamente, a concepção de alguns autores que criticam a ideia de que uma geração é influenciada, mais ou menos da mesma forma, pelas tecnologias. 1.1 Analisando o conceito de gerações digitais: X, Y, Z e Alpha Ao longo dos últimos anos, observa-se que a educação tem passado por diversas transformações. Algumas delas são ocasionadas pelas mudanças que os próprios estudantes têm vivenciado. Dentre essas transformações, percebe-se a inserção cada vez maior das tecnologias digitais, na vida cotidiana da sociedade atual. Ao se tratar de educação no período contemporâneo, é fundamental ter em mente com qual geração essa comunicação se desenvolve, seja no caso dos docentes, gestores etc., seja no caso dos estudantes. Por isso, esta primeira seção se propõe caracterizar historicamente e educacionalmente, de forma bem sucinta, a concepção de que cada geração, a partir da geração X, sofre o impacto das tecnologias de uma determinada maneira. Com efeito, o ponto de partida é a geração X, pois é a geração da qual fazem parte a maioria dos professores inseridos no contexto escolar atual. 26 O aparecimento de novas classes genealógicas acarretou uma profunda transformação na maneira pela qual as pessoas agem e consomem produtos e serviços, o que reflete abertamente nas escolas, empresas e na sociedade em geral. Para Lulio (2016), são justamente nesses locais que as diversas gerações se encontram e, portanto, apresentam diferenças em padrões de comportamento, atitudes e interesses. Por sua vez, certos autores, como Pati (2016), reforçam que o reconhecimento das características gerais de cada geração propicia um olhar mais direcionado, possibilitando a compreensão de como cada geração se inclina a pensar e agir, e, consequentemente, o entendimento dos padrões comportamentais e de interesse dentro do espaço escolar, visto que, independentemente da geração, as pessoas possuem motivações distintas. O conceito de geração utilizado aqui refere-se, hoje em dia e sociologicamente, a um grupo de pessoas nascidas em um período de tempo semelhante (15 anos, no limite superior), as quais partilham uma idade e um estágio de vida comparáveis. Além disso, esses indivíduos foram influenciados por um período de tempo específico e por seus eventos, tendências e desenvolvimentos (MCCRINDLE, 2014). Explicitado esse aspecto, serão apresentadas brevemente algumas características, do ponto de vista geral e educacional, das gerações X, Y, Z e Alpha. Essas gerações foram escolhidas, por terem vivido e estarem vivenciando os impactos e as transformações ensejadas pelas tecnologias digitais. Com relação à Geração X, ela compreende os nascidos entre 1965 e 1979 (MCCRINDLE, 2014), e sua identificação é baseada no título do romance de Douglas Coupeland – Generation X: Tales for an Accelerated Culture – lançado em 1991. Conforme Ramal (2000), os indivíduos dessa geração caracterizam-se por uma maior rebeldia em relação à geração anterior, ainda que de forma omissa, sendo que muitos se abrigavam em manifestações musicais, principalmente no período ditatorial brasileiro (TOLEDO, 2012). É uma geração marcada pela busca dos seus direitos e liberdade, por um individualismo mais aflorado, por maior competitividade e por um maior ceticismo em relação ao governo (VELOSO et al., 2016). No âmbito educacional, a Geração X se distingue por forte respeito e valorização da educação. Essa atitude se estende ao professor, sendo este visto como um grande incentivador e fonte de inspiração (CHERUBIN, 2012). A família era o que se denomina atualmente conservadora ou tradicional, composta pelo pai e 27 pela mãe, tendo a figura paterna no topo da hierarquia. A escola era responsável pela instrução e transmissão dos conhecimentos, os quais, por sua vez, eram aprendidos de forma linear, por meio da palavra impressa (PEREIRA, 2020). A próxima geração a ser contemplada é a subsequente Geração Y, nascida nos anos 1980 e finalizada por volta dos anos 1994/1995 (RAMAL, 2000; MCCRINDLE, 2014). O contexto histórico dessa geração está relacionado a um grande crescimento tecnológico, proveniente dos avanços relacionados à Guerra Fria e à nova revolução industrial. Portanto, para os autores mencionados, é uma geração cuja prioridade é estar conectada, por isso, as pessoas que fazem parte dela preferem computadores a livros, interagem muito nas redes sociais e estão sempre à procura de tecnologias desenvolvidas recentemente. Ainda sobre a Geração Y, a escrita digital se popularizou e se tornou mais aceitável, seja por meio de computadores, seja por intermédio dos futuros smartphones. Da mesma forma, o compartilhamento de fotos e de fatos, principalmente pelas redes sociais, tornou-se extremamente popular (PEREIRA, 2020). A distância física e geográfica entre as pessoas diminuiu consideravelmente, com o advento e o fortalecimento dos relacionamentos proporcionados pelas redes sociais. No contexto da educação, as mudanças em relação às gerações anteriores foram relevantes, já que os indivíduos da Geração Y nasceram em meio a uma mudança tecnológica brusca, com a globalização fazendo parte de seu dia a dia. Nesse cenário, desenvolve-se também uma modalidade de EAD, que se utiliza de metodologias e recursos particulares: o “Novo Telecurso 2° Grau”, que foi ao ar na TV aberta, em 1986 (RAMAL, 2000). Do mesmo modo, a chegada da internet e de videoaulas em plataformas de vídeos (ou até mesmo em rede sociais) já apontava para suas inúmeras possibilidades como forma de aprendizado. Sobre as videoaulas citadas anteriormente, é importante pontuar que, quanto mais curtos e resumidos, mais atrativos tais vídeos se tornam para essa geração (TOLEDO, 2012). O autor também enfatiza que, para se ensinar a essa geração, é imprescindível embasar-se em informações atuais e acontecimentos recentes, pois vários são os indivíduos da Geração Y que podem acessar os conhecimentos atuais, em tempo real. Nesse ponto, cabe abrir um parêntesis e mencionar a importância de o professor de História se desprender da visão tradicional dessa disciplina e se apropriar de uma metodologia que parta do presente, a fim de se trabalhar o 28 passado. Retomando a discussão sobre a Geração Y, os professores mais novos do contexto atual brasileiro são representantes dessa geração. Prosseguindo, do final dos anos 1990 e início do século XXI até o final da primeira década deste século, tem-se o período em que nasceram os representantes da Geração Z, dos chamados “nativos digitais”1 (PRENSKY, 2001). A geração anterior, marcada pela revolução tecnológica, experimentou todos os frutos desse progresso; já no caso das pessoas que fazem parte da Geração Z, elas nasceram e cresceram num contexto no qual os frutos da revolução tecnológica estavam sendo vivenciados mais intensamente. Araújo (2020) afirma que essa é a geração em que a tecnologia é totalmente natural, e a vida sem ela não é uma opção a se considerar. O próprio nome da geração vem do termo zapping, de zapear, mudar de canal, “navegar” entre canais, fator que caracteriza os jovens dessa geração, os quais, por sua vez, ainda frequentam ou estão se formando na faculdade ou na escola (FEIXA; LECARDI, 2010). Para a Geração Z, o processo de aprendizado não está restrito apenas à sala de aula, como para as gerações anteriores. O fácil acesso à informação faz com que o grande desafio da Geração Z seja outro: como tratar a informação (ARAÚJO, 2020). Igualmente, os estudantes dessa geração almejam cada vez mais ter acesso a informações globalizadas. Tais pessoas ingressaram na escola com múltiplas distrações convidativas, na área da tecnologia, o que tem sido desafiador para o professor dentro da sala de aula (MATOS, 2018). Os autores aludidos apontam que, para esses jovens, a escola tende a não representar um ambiente estimulante, o que demanda uma adaptação com respeito às suas necessidades. É importante ressalvar que, com toda essa conectividade e globalização, o professor, o qual, nas gerações anteriores, era a fonte de inspiração e de conhecimento para os estudantes, atualmente tem sido exigido a exercer a função maior de mediador do conhecimento. Aqui, é importante reconhecer que mediador não deve ser entendido como sinônimo de alguém que não é produtor. Tendo em vista todas essas mudanças identificadas nas linhas anteriores, o ensino tradicional tem vivenciado múltiplas transformações, com a implementação de metodologias que associem as tecnologias, assim como a participação do estudante, de maneira mais ativa, em sua própria aprendizagem (TOLEDO, 2012). 1 Expressão utilizada para identificar os indivíduos que nasceram a partir de 1990. 29 Nesta pesquisa, é importante assinalar que, ao se abordar as tecnologias, o objetivo não é ridicularizar ou desvalorizar a importância do professor, mas reforçar a relevância da ação e autonomia dos estudantes, e o papel fundamental do docente, nesse processo (ARAÚJO, 2020). Distinguidos por viverem numa sociedade em que um dos avanços significativos da tecnologia é a Inteligência Artificial (IA), os nascidos a partir de 2010 marcam uma nova geração, a Geração Alpha, termo usado pela primeira vez por Mccrindle (2011). Tal nome veio de uma sequência empregada para o alfabeto grego, após o fim do alfabeto romano, considerando que a geração anterior era a Z. Conforme alguns autores, como Beraldo (2015), para os nascidos na Geração Alpha o conhecimento tecnológico é algo inerente, quer pelo acesso que as pessoas dessa geração têm à tecnologia, quer pelo próprio conhecimento acerca dela. Por sua vez, o crescimento cada vez maior no número de usuários conectados evidencia o importante papel do tratamento das informações (DESJARDINS, 2018). Estímulos visuais, auditivos e multissensoriais fazem parte da realidade desses indivíduos. Do ponto de vista do contexto educacional escolar, existe a necessidade de reformulação na formação do estudante da atualidade, de sorte que ele se torne um indivíduo capaz de abordar a variedade de informações e conhecimentos advindos do mundo digital, de maneira crítica e apropriada, sem deixar de lado aspectos fundamentais, como embasamento e referência. Certamente, a participação do professor de História no desenvolvimento desse processo adquire um caráter fundamental. Em virtude de uma extensa discussão sobre as transformações que a adoção das TDICs proporciona (ou não), nas metodologias educacionais, a Geração Alpha ingressa num ambiente escolar cujo debate está permeado por meios e abordagens educativas relacionadas à utilização das TDICs, no contexto escolar, na maioria dos casos, pensadas e praticadas pelas gerações anteriores (BERALDO, 2015). Além disso, conforme McCrindle (2014) e Wolfinger (2009), a Geração Alpha iniciou seus estudos mais cedo, o que acarreta num período maior de educação mais formal para essa geração, se comparada com as anteriores. Ainda que, nos parágrafos anteriores, se tenham abordado, dentre outras questões, a popularização e a adesão cada vez maior das gerações X, Y, Z e Alpha ao uso e apropriação das tecnologias, existe ainda uma parcela de indivíduos dessas mesmas gerações que não possui acesso aos recursos tecnológicos e nem 30 às TDICs. Quer dizer, uma parcela dos estudantes das gerações Z e Alpha e dos professores que fazem parte das gerações X e Y não possuem o acesso mínimo ao desenvolvimento tecnológico e da cultura digital. Da mesma forma, dentro daquilo que é convencionado identificar como geração, os indivíduos se relacionam com as tecnologias de maneiras diferentes, com objetivos distintos e quantidade de acessos maiores ou menores entre si. Por isso, cabe ainda, nesta seção, uma discussão levando em conta que os indivíduos de cada geração se apropriam das tecnologias de forma diferente. Os modos de uso das tecnologias podem mudar significativamente de um contexto para o outro, de uma pessoa para a outra, e até para a mesma pessoa, num contexto diferente. Ou seja, os variados usos das TDICs “[...] podem instilar processos de desenvolvimento plurais, razão pela qual é preciso considerar os sujeitos, os contextos, as práticas e os motivos que regem a utilização das TICs.” (DURAN, 2008, p. 14). Logo, tal apropriação constitui um processo que se relaciona, dentre outros aspectos, a questões culturais e até mesmo de hábitos familiares, sociais e individuais. É justamente sobre esse debate ligado à democratização das TDICs, no ambiente da sala de aula, que a próxima seção vai se debruçar. Ao se refletir sobre temas relacionados a possíveis inclusão e exclusão, deve-se atentar para variadas dimensões. Tendo em vista que essa pesquisa se propõe analisar a maneira pela qual três livros do professor direcionados às aulas de História se apropriam das TDICs, é importante também discutir a democratização das tecnologias, no contexto educacional. 1.2 Democratização das TDICs relacionada ao processo de ensino- aprendizagem Antes da evolução das TDICs, o processo de desenvolvimento tecnológico passou por várias fases e invenções, que se tornaram de grande importância para toda a sociedade. Um exemplo dessa inovação foi a criação de um jornal, no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal publicado no país, no dia 10 de setembro de 1808, que trouxe a tecnologia atinente ao uso da imprensa. 31 Posteriormente, o desenvolvimento tecnológico permitiu a criação do rádio2, da televisão3, do computador4, o acesso à internet5 e o celular6, somente para mencionar alguns recursos. Nas últimas décadas do século XX, nota-se o alcance cada vez mais rápido das tecnologias, por um número maior de usuários. Conforme o artigo “How Long Does It Take to Hit 50 Million Users?”7, foram necessários 50 anos para que o telefone chegasse ao número de 50 milhões de usuários. No caso da televisão, esse período diminuiu para 22 anos. O celular demorou cerca de 12 anos para alcançar o mesmo número de usuários. Esse período de alcance foi ainda menor, no que se refere ao acesso à internet, 7 anos. No caso específico do jogo virtual PokemonGo, foram suficientes apenas 19 dias para que seu alcance atingisse a marca de 50 milhões de usuários (VISUAL CAPITALIST, 2018). Essas informações reforçam a velocidade de acesso e alcance da tecnologia, no entanto, ao refletirmos sobre o contexto educacional, alguns questionamentos podem ser levantados: qual tem sido, de fato, o impacto desse alcance e acesso tecnológico para a educação? Ou, ainda: será que a escola tem possibilitado um ambiente democrático, para o alcance e acesso dos alunos às tecnologias? Qual é o papel das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação para a democratização do saber? No que tange ao componente curricular História, objeto de estudo desta pesquisa, cabe uma última indagação: como as tecnologias podem auxiliar os alunos na aprendizagem dos processos históricos, de forma inclusiva e não excludente? É importante considerar que a tecnologia pode democratizar o acesso aos saberes, além de possibilitar a elaboração de novas metodologias, novas práticas pedagógicas (MELO, 2015). Todavia, deve-se levar em conta também que a inclusão de um recurso tecnológico, nas atividades em sala de aula, por si só não garante que tais elementos auxiliem o processo de ensino-aprendizagem (MILL, 2013). 2 A primeira transmissão no Brasil ocorreu no dia 07 de setembro de 1922, por conta do primeiro centenário da independência. 3 Transmitida pela primeira vez em território brasileiro, em 18 de setembro de 1950, pela TV Tupi. 4 O primeiro computador projetado e construído no Brasil foi colocado em funcionamento em 24 de julho de 1974, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP. 5 Feito em 1988 pela primeira vez, por iniciativa da comunidade acadêmica de São Paulo - FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro - UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro e LNCC - Laboratório Nacional de Computação Científica. 6 Vendido pela primeira vez no Brasil, na década de 1990. 7 Disponível em: https://www.visualcapitalist.com/how-long-does-it-take-to-hit-50-million-users/. Acesso em: 10 nov. 2020. 32 Com relação à sociedade brasileira, no decorrer das últimas décadas, verificou-se como o alcance das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação têm avançado, acarretando uma série de mudanças sociais, econômicas, culturais e educacionais. Para aprofundar a discussão, tendo-se em vista o propósito desta pesquisa, identificar-se-ão algumas informações apontadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir das conclusões observadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios8 (PNAD). Ressalta-se que, a partir de 2005, o acesso à Internet e ao telefone móvel celular para uso pessoal e o acesso à televisão são tomados como temas suplementares e especiais, pesquisados pelo IBGE, corroborando assim a relevância desse tema para a sociedade atual. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, notam-se alguns dados interessantes, a respeito do acesso e uso da Tecnologia Digital da Informação e Comunicação, no Brasil. Um desses dados refere-se ao quarto trimestre de 2017, cujo tema aborda a Tecnologia da Comunicação e Informação, especificamente no que concerne ao acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para utilização pessoal, considerando a faixa etária a partir de 10 anos de idade ou mais (IBGE, 2017, p. 1). O fato de a utilização da internet vir crescendo rapidamente, nos domicílios brasileiros, é corroborado pelo resultado dessa pesquisa do IBGE. No ano de 2016, a Internet era usada em 69,3% dos domicílios permanentes brasileiros, sendo que tal percentual aumentou para 74,9%, em 2017. Quanto às Grandes Regiões (Norte, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste), os dados da pesquisa sinalizam para esse crescimento. Todavia, a pesquisa indicou que aproximadamente 17.687 mil domicílios no Brasil ainda não empregavam a Internet, em 2017. Dentre os principais motivos do não acesso, destacaram-se: falta de interesse em acessar a Internet (34,9%), serviço de acesso à Internet caro (28,7%), nenhum morador sabia usar a Internet (22,0%), o serviço de acesso não estava disponível na área do domicílio (7,5%) e a circunstância de o equipamento eletrônico para o acesso ser um item caro (3,7%). Ainda relacionado a essa percentagem de não acesso, observa-se um crescimento do número de usuários (IBGE, 2017, p. 07). 8 A pesquisa que será apontada neste texto é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que substituiu a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), encerrada em 2017, a qual publicou os dados de 2015. 33 No período de referência dos últimos três meses do ano de 2017, na população de 181.070 mil pessoas de 10 anos ou mais de idade do Brasil, verificou- se que 69,8% acessaram a Internet, o que demonstra considerável aumento, se comparado ao índice do ano anterior (64,7%). Esse crescimento pode ser notado em todas as Grandes Regiões, conforme o informativo do IBGE. A pesquisa vai corroborar que o uso das tecnologias mais recentes, como é o caso da Internet, tem adesão mais rápida entre os jovens. No grupo etário de 10 a 13 anos, o percentual de pessoas que acessaram a internet foi de 71,2%, sendo que, nos grupos de 14 a 17 anos e de 18 a 19, ocorreu um sucessivo avanço, nesse sentido (IBGE, 2017, p. 7). Outro dado importante dessa pesquisa, concernente ao objetivo deste estudo, refere-se ao acesso à Internet nos domicílios brasileiros. Conforme a investigação, as finalidades que mais se destacaram foram a de enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail (94,2% das pessoas de 10 anos ou mais de idade que utilizaram a Internet, no período de referência em 2016). Houve um crescimento, nesse aspecto, já que, no período destacado, em 2017, a percentagem foi para 95,5%. O maior avanço no percentual das pessoas que usaram a rede para se comunicar por chamada de voz ou vídeo foi justamente na população de 10 anos ou mais de idade, que aumentou de 73,3% (2016) para 83,8% (2017). Da mesma maneira, aconteceu um crescimento no índice que indica a utilização da Internet para a finalidade de assistir a vídeos, inclusive programas, séries e filmes: de 76,4% para 81,8%. Ainda atinente à pesquisa da PNAD, uma observação que vale a pena mencionar é o fato de que não foram apontados percentuais sobre o uso da internet para fins escolares e educacionais, demonstrando assim uma lacuna na observação desse possível dado, ou o pouco acesso por parte das pessoas, principalmente dos grupos etários até 19 anos – os quais se encontram em fase escolar, da internet com objetivos escolares. Investigar tais situações adquire uma importância considerável, sobretudo com a discussão cada vez mais frequente sobre a presença da tecnologia, no contexto educacional e escolar. Outra pesquisa relevante é a que Castaman e Rodrigues (2020) realizaram, com 121 alunos que cursaram a unidade curricular de Filosofia, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFAR). Foi perguntado aos alunos se eles acessavam a internet como um recurso direcionado à aprendizagem, e o 34 resultado da pesquisa indicou que somente 51,6% dos estudantes utilizavam essa tecnologia para fins de aprendizagem. Tal percentual indicou, para os autores da pesquisa, que, além do acesso à internet, é fundamental que os estudantes vejam nas TDICs uma possibilidade e estratégia de estudo e aprendizagem. Além disso, observou-se um grande desafio: embora a maioria dos estudantes empregue as TDICs, vários acessam somente para fins de entretenimento. Essa situação evidencia que, nem sempre, as novas gerações, a priori, conseguem lidar com as tecnologias, aproveitando-as para fins educacionais. Dessa maneira, é urgente e importante incentivar e potencializar a utilização das TDICs como um recurso teórico eficaz de aprendizagem para os estudantes, com o objetivo de que eles se apropriem das tecnologias, tendo em vista o seu próprio aprendizado (SANCHO, 2006). Apesar de mostrar o crescimento cada vez maior da utilização da tecnologia, por parte dos brasileiros, as investigações mencionadas sinalizam para o grande número de pessoas que não possuem o acesso à tecnologia. Conforme Echalar, Araújo e Echalar (2020), o debate sobre exclusão/inclusão digital começou nos anos 1990 e tem avançado enquanto política. Antes de prosseguir nessa reflexão, cabe aqui pontuar que, ao se abordar uma democratização maior das TDICs, é necessário pensar também nos aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e até mesmo pedagógicos. Esses aspectos perpassam uns pelos outros, não sendo possível isolá-los, ao se efetuar essa análise. Da mesma forma, outro ponto a ser destacado é que as próprias categorias inclusão e exclusão digitais, numa análise dialética não se separam, pois estabelecem uma relação dialética, constituindo-se, portanto, também em duas faces de uma mesma moeda (DURAN, 2008). Para essa autora, ao se refletir sobre o binômio inclusão/exclusão digital, é imperioso estar atento ao problema que reside na disseminação e na aceitação indiscriminada de perspectivas de abordagem que se referem à inclusão como um mero problema tecnológico, desconsiderando o aspecto humano – o que, para Duran, seria o “analógico”. Ainda relacionado a esse debate, digno de nota é que os recursos tecnológicos não devem ser tomados como única condição para a superação da desigualdade social, cuja natureza é humana. Possuir um computador ou celular não significa necessariamente ser desenvolvido, até porque inclusão não é sinônimo de posse. Certamente, nos dias atuais, as TDICs exercem um papel fundamental nas 35 mais diversas instâncias da sociedade, incluindo aqui a escolar, prometendo as mais variadas contribuições para a inclusão social, escolar e voltada à aprendizagem do estudante. Todavia, Duran (2008) enfatiza que seus rumos não são neutros e nem unidirecionais, tendo em vista que a criação, o desenvolvimento e a utilização das TDICs estão associados aos projetos humanos. Muito se tem debatido sobre democratização das tecnologias, além da exclusão e inclusão digitais, na sociedade atual. No entanto, a pesquisa e a discussão a respeito desses temas continuam inesgotáveis, além de cada vez mais atuais e pertinentes. O avanço e o crescimento do acesso à tecnologia proporcionam a reflexão sobre o surgimento de um novo modelo de democratização no século XXI, pois aqueles que não possuem acesso à informação podem se encontrar à margem dessa nova sociedade. Vários autores, como Valente (apud DURAN, 2006), enfatizam a necessidade de ações educacionais acompanharem o acesso à tecnologia. Ainda conforme esse autor, os professores e educadores precisam possibilitar condições para que ocorra a construção de conhecimento relacionado a aspectos técnicos, conteúdos disciplinares e também para a resolução de problemas dos contextos dos estudantes. Sobre esse aspecto, Duran (2006, p. 40) afirma que [...] é preciso que as ações implementadas possam propiciar o envolvimento das pessoas em práticas comunitárias de aprendizagem no intuito de revelar os pensamentos e os sentimentos dos envolvidos e os potenciais que porventura possam ter sido negligenciados por elas próprias ou pela sociedade na qual se inserem. De acordo com Nascimento (2014), refletir nas questões citadas anteriormente não significa negar a importância das discussões sobre inclusão e exclusão digital, mas pensar nessa mesma discussão, conduzindo-a para além do acesso. Assim, os termos exclusão e inclusão digitais serão usados, nesta seção, para identificar, grosso modo, uma forma de seletividade relacionada a uma divisão entre aqueles indivíduos, os quais, entre outras situações, não possuem acesso à informação e aos recursos, nem o domínio técnico e simbólico do instrumento – ou não tiveram a oportunidade de desenvolver as competências necessárias para a sua utilização, e aqueles que a têm, de forma mais constante ou em abundância (TEIXEIRA; BRANDÃO, 2003; DURAN, 2008; NASCIMENTO, 2014). Embora a seletividade ligada a esses dois termos seja tida por vários autores, como Duran 36 (2008), Warschauer (2006), dentre outros, como problemática em vários aspectos, para os fins desta pesquisa, achou-se melhor utilizar os termos inclusão e exclusão. A seletividade envolvendo as TDICs pode ser percebida no contexto escolar e educacional, o que reforça a importância de a escola tornar-se um lugar efetivo de democratização do acesso às tecnologias e de apropriação das habilidades e competências do saber tecnológico, aliado aos componentes curriculares propostos na BNCC. Ao se analisar o advento das tecnologias, ao longo da história humana, verifica-se o seu caráter excludente. Essa reflexão pode ser considerada a partir do momento em que se compreende a tecnologia de um modo mais amplo, como resultado das ações de um determinado grupo social (MILL; JORGE, 2013). Lévy (2010) aponta esse caráter excludente da tecnologia, ao discutir a cibercultura9, salientando que, a cada avanço nos sistemas de comunicação, algum tipo de exclusão é ocasionada. O autor vai exemplificar com a própria invenção da escrita, ao constatar que “[...] não havia iletrados antes da invenção da escrita.” (LÉVY, 1999 apud MILL, 2013, p. 63). Dessa maneira, é necessário ser parcimonioso com o discurso de que a tecnologia vai salvar a educação e resolver todos os seus problemas e demandas, pois, sem uma apropriação crítica quanto à sua utilização em sala de aula, a tecnologia, ao invés de diminuir, pode ampliar as desigualdades (MILL, 2013). Logo, é fundamental que se traga o tema das tecnologias digitais da informação e da comunicação para outro debate que não seja a “[...] da simples, genérica e falsa afirmação de que é democratizante por essência e que estamos numa sociedade do conhecimento para todos.” (SAHB; ALMEIDA, 2016, p. 69). No contexto observado no tópico anterior, é oportuno reforçar que somente ter o acesso, por si só, não representa um elemento de superação desse novo modelo de inclusão ou exclusão digital. Para Teixeira e Brandão (2003), é fundamental que as informações acessadas sejam sistematizadas, analisadas, discutidas, apropriadas, aplicadas ou descartadas, com o objetivo de possibilitarem a construção efetiva de conhecimento e no contexto educacional, da aprendizagem. 9 Para Lévy (1999, p. 15), a “[...] cibercultura expressa o surgimento de um novo universal, diferente das formas que vieram antes dele no sentido que ele se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer.” Segundo esse autor, o conceito de cibercultura reúne relações sociais, produções artísticas, intelectuais e éticas da humanidade. Outro ponto importante concerne à articulação da cibercultura por intermédio de redes interconectadas de computadores. Além disso, “[...] quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 1999, p. 17). 37 No caso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, seu papel de destaque está ligado particularmente à ênfase da informação. Destarte, tudo o que potencialize a sua utilização e acesso consiste num elemento essencial nesse processo, no qual a informação insurge como matéria-prima e a tecnologia como um meio de interagir sobre ela. Consequentemente, as TDICs podem ser pensadas como [...] estratégia integrada num pensamento e prática pedagógica, que visem desenvolver competências de acesso e utilização crítica da informação que, no cotidiano, chega aos jovens de forma imediata, não filtrada e com níveis de autenticidade e qualidade muito variados. (TRINDADE; RIBEIRO, 2016 apud TRINDADE, 2020, p. 89). Geralmente, a exclusão digital pode ser abordada “[...] sob dois aspectos em separado, embora um interfira no outro: exclusão do acesso a equipamentos e Internet; e exclusão do conhecimento digital.” (COSTA, 2020, p. 72). Ainda segundo essa autora, um dado que vale a pena ser mencionado diz respeito ao índice de exclusão digital, o qual está mais associado às questões socioeconômicas de cada cidadão, ou seja, à desigualdade social e econômica que persistiu na história do Brasil, o que antecede a existência do atual mundo digital. Pode-se afirmar que uma das características muito importantes das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação é a diminuição da “distância” entre o ser humano e algo que lhe pode ser muito precioso: a informação, o conhecimento. No entanto, ao se examinar a maneira pela qual as TDICs têm impactado a sociedade, no âmbito educacional, nota-se que o acesso às tecnologias da informação pode representar tanto um elemento motivador da aprendizagem do aluno quanto de exclusão individual, social ou escolar (SILVA, 2000). Quanto a essa discussão, Sancho (2006) sinaliza que as tecnologias não devem direcionar as práticas docentes, mas precisam ser pensadas em relação às condições estruturais dos recursos tecnológicos, de realidade escolar, do ponto de vista social, físico, político e econômico, com a organização curricular e, também, como auxiliam na discussão desse aspecto. Da mesma forma, a autora reforça a necessidade de se pensar na inserção desses recursos nas condições de trabalho e na formação dos professores. Além disso, deve-se atentar para o fato de que as tecnologias podem ser adotadas em diferentes perspectivas pedagógicas, por isso a relevância de se pensar na concepção de educação. 38 No contexto brasileiro, é possível identificar que, ao mesmo tempo que existe um grande número de pessoas completamente excluídas do mundo digital, há uma considerável quantidade de indivíduos que estão incluídos, de forma significativa, neste mesmo cenário. Sobre esse novo modelo de exclusão e inclusão, Silva (2000, p. 31) enfatiza que “[...] ela reproduz a velha separação entre o topo e a base da pirâmide, desta vez como ‘inforicos e infopobres’; a referência de base é o domínio do ‘novo alfabeto’.” Isso posto, o autor indica a eminência de um novo analfabetismo funcional para o século XXI: o tecnológico, o digital. Para diminuir e combater esse “analfabetismo funcional tecnológico”, a escola adquire um papel fundamental. Justamente por ser uma instituição criada com o objetivo de propiciar a construção do conhecimento, a escola tem uma função primordial na sua democratização, a qual, por sua vez, constitui uma ação concreta não somente como um ato de cidadania, mas também para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária (ECHALAR; ARAÚJO; ECHALAR, 2020), capaz de possibilitar ao ser humano o contato com um ambiente motivador de sua aprendizagem, um ambiente que propulsiona o desenvolvimento intelectual, individual, social e crítico do aluno, que são resultados do acesso e da democratização do conhecimento, particularmente se a escola age como um elemento ativo desse processo. Nesse aspecto, Lévy (2010) ressalta que a tecnologia existente no contexto da cibercultura estabelece novos modelos de apropriação do conhecimento e de construção dos saberes. O Núcleo Gestor de Internet, no Brasil, afirma que é possível distinguir dois níveis de exclusão digital, no país. O primeiro está relacionado ao acesso e às variáveis mais decisivas nesse quesito, como renda familiar, por exemplo. Já o segundo nível de exclusão concerne à utilização mais qualificada, como os fatores socioculturais, os quais intervêm nas desigualdades, quanto às competências, habilidades e utilização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação. No segundo nível, embora os usuários tenham acesso, eles não conseguiram ampliar as competências, habilidades e maneiras efetivas de uso das TDICs (CETIC, 2019). Cunha, Silva e Silva (2020) assinalam que essa diferenciação tem sido uma tendência nas pesquisas mais recentes sobre esse tema. Ainda para esses autores, a premissa que norteia tais estudos é que somente o acesso ou a possibilidade não significam necessariamente a inclusão digital e nem a melhoria de vida efetiva dos 39 usuários, o que por sua vez, não diminui a importância de políticas públicas que garantam o acesso à internet, como um direito relevante atual. Conforme Mill et al., a relação entre educação e tecnologia é extremamente rica, importante e diversa, tendo em vista o papel fundamental da tecnologia para que o ensino e aprendizagem favoreçam o processo de socialização dos indivíduos, particularmente no que concerne à “[...] organização e veiculação de informações/conhecimentos, bem como em termos educacionais.” (2018, p. 07). Nesse sentido, vale a pena mencionar as conclusões a que Falcão e Mill (2013) chegaram sobre a apropriação da tecnologia: para tais autores, a tecnologia pode e deve ser explorada como forma de transformação pedagógica, em prol da melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem. É imprescindível que as escolas se apropriem socialmente das TDICs, com o objetivo de “[...] abrir novos horizontes de interação e de desenvolvimento aos indivíduos, possibilitando ao ambiente escolar a superação de sua condição de reprodutor para assumir seu papel de produtor de novos conhecimentos.” (TEIXEIRA; BRANDÃO, 2003, p. 3-4). Para isso, é necessário ponderar que a circunstância de a escola possuir computadores e uma rede de internet não garante, por si só, um desenvolvimento significativo na busca pela aprendizagem do aluno e pela construção da cidadania. Aprofundando mais a discussão, dependendo do uso a favor de quem, de que ou mesmo para quê, as TDICs podem servir como recursos para essas práticas alienantes ou humanizantes, retomando aqui aspectos voltados à pedagogia freiriana (FREIRE, 2005). Por isso, as potencialidades tecnológicas proporcionadas pelas TDICs não devem ser simplesmente inseridas em sala de aula, contudo, é necessário “[...] discuti-las, problematizá-las e analisar as intenções latentes que as perpassam” (VELOSO, 2020, p. 66), apropriando-se dessas potencialidades tecnológicas para a aprendizagem do estudante. Numa sociedade cada vez mais plural, inclusiva e participativa, a tecnologia pode apresentar-se como elemento auxiliador da aprendizagem do aluno, já que tão importante quanto o assunto ou conteúdo em si é a maneira pela qual ele é construído com o aluno. Todavia, é imperioso refletir, analisar e avaliar essa construção, de sorte a proporcionar ao aluno a apropriação não somente dos temas e conteúdos, mas de “[...] uma forma de liberdade ilimitada, a emancipação humana, que abre a perspectiva de autoconstrução para o gênero humano, tendo como ponto 40 de partida a base material da sociabilidade [...] ” (ARNONI, 2018, p. 26). Paralelamente a essa discussão, é necessário vencer os desafios e dilemas, para que haja de fato uma democratização das TDICs, com a consequente inclusão digital dos alunos, no contexto escolar. Alguns desses desafios têm sido vivenciados pelas personagens escolares – professores, alunos, gestão, somente para citar alguns exemplos –, nesta conjuntura de ensino remoto, em virtude da pandemia mundial causada pelo vírus da COVID- 19. É justamente a análise do contexto de exclusão/inclusão digital, no contexto do ensino pandêmico, o objeto de estudo da próxima seção. 1.3 A pandemia COVID-19 e o ensino remoto: inclusão ou exclusão escolar? Antes de examinar os desafios e as possibilidades vivenciadas pela educação, no contexto da pandemia COVID-19 e a sua relação com este trabalho, é oportuno resumir o contexto histórico com que a humanidade se deparou, com o vírus que iria acarretar uma série de mudanças sanitárias, econômicas, sociais, educacionais, políticas, entre outras, na sociedade atual. No final de 2019, mais especificamente em 31 de dezembro desse ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recebeu um alerta sobre a iminência de vários casos de pneumonia, numa cidade da província de Hubei, na República Popular da China, chamada Wuhan. Esses casos estavam relacionados a uma nova cepa de coronavírus que ainda não havia sido identificada em seres humanos, fator confirmado pelas próprias autoridades chinesas (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DE SAÚDE apud PALÚ, 2020). No período de aproximadamente um mês, em 30 de janeiro de 2020, a OMS relatou que o surto ocasionado pelo vírus denominado COVID-19 representava uma grave “Emergência de Saúde Pública” de caráter internacional, tendo em vista o rápido avanço e contaminação do vírus. A caracterização desse vírus como uma pandemia pela OMS ocorreu na data de 11 de março de 2020, ou seja, menos de três meses depois das primeiras notificações para a agência de saúde internacional (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE apud PALÚ, 2020). Num esforço para tentar conter o avanço do vírus, vários países adotaram medidas de isolamento social e fechamento das instituições escolares. Com relação ao Brasil, a Portaria nº 343 (BRASIL, 2020a), datada de 17 de março de 2020, e a 41 Medida Provisória nº 934 (BRASIL, 2020b), de 1º de abril de 2020, substituíram as aulas presenciais por meios digitais e tecnológicos, o que configurou a mudança do ensino presencial pelo remoto, mediado pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Essa substituição das aulas presenciais por aulas mediadas pela tecnologia, em caráter excepcional, teve o objetivo de diminuir as consequências prejudiciais do processo de ensino e aprendizagem, em face da crise sanitária causada pelo contexto pandêmico. No caso da Educação Básica, a mudança do ensino presencial para o remoto impactou mais de 48 milhões de alunos, dentre os quais 81% frequentam instituições públicas (ANUÁRIO, 2019). O Conselho Nacional de Educação (CNE), no dia 28 de abril de 2020, publicou um parecer, favorecendo a reorganização do calendário escolar e a possibilidade de contagem de atividades não presenciais para a finalidade de cumprimento da carga horária mínima atual (COSTA; NASCIMENTO, 2020). Dessa maneira, não se afastaria totalmente o contato dos estudantes com os temas, os assuntos, os conceitos e o conjunto de conteúdos dos quais eles precisam se apropriar, no transcorrer do curso e nas unidades curriculares básicas, conforme argumentam Castaman e Rodrigues (2020). Essa é, portanto, uma mudança que atingiu não somente a Educação Superior, mas particularmente a Educação Básica, que não possuía tradição e nem experiência na Educação a Distância e, muito menos, na modalidade remota. Sobre a mudança sofrida pela Educação Básica, nesse contexto, Ribeiro Junior et al. (2020) assinalam que o ensino remoto foi a única solução encontrada pelo governo brasileiro para garantir a continuidade da educação, nas escolas do Brasil, embora cada estado tenha deliberado como essas atividades deveriam ser realizadas. De modo semelhante, é importante observar que a EaD (Educação a Distância) é uma modalidade com referências próprias, constituindo-se também em campo de pesquisa e de estudo. No caso do ensino remoto, ele surgiu no contexto emergencial. Neste trabalho, não serão discriminadas as possíveis diferenças teóricas e metodológicas entre Educação a Distância (EaD) e Ensino Remoto, todavia, é oportuno salientar que se utilizará o termo ensino remoto, para identificar o novo formato escolar praticado em virtude do caráter excepcional da pandemia. Tal formato escolar pode ser definido como uma “[...] modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico de professores e alunos e foi adotada de 42 forma temporária nos diferentes níveis de ensino por instituições educacionais no mundo inteiro.” (BEHAR, 2020, s.p.). Ainda sobre tais considerações, Costa (2020) enfatiza que há uma semelhança entre o ensino remoto praticado no contexto de pandemia e o EaD, no que concerne a uma educação mediada pelos recursos tecnológicos, embora os princípios do ensino remoto persistam sendo os mesmos da educação presencial. Em todo caso, o contexto educacional do ensino remoto acarretou desafios para os professores, alunos e famílias afetadas pela pandemia, tendo em vista que vários docentes não estavam preparados para o trabalho em plataformas digitais e, da mesma maneira, os estudantes necessitavam de um período de adaptação para esse novo momento da educação brasileira (RIBEIRO JUNIOR et al., 2020). De modo pior, as transformações provocadas pelo ensino remoto evidenciaram desigualdades que, antes da pandemia, pareceriam disfarçadas pelo acesso ao ensino presencial. As desigualdades sociais, tecnológicas e econômicas se tornaram mais nítidas, conforme mencionam Costa e Nascimento (2020).