planejamento urbano sustentável na F A Z E N D A C A S C A T A - M A R Í L I A / S P função e resiliência socioambiental mariana de carvalho dias orientação: fernando sergio okimoto trabalho final de graduação unesp | arquitetura e urbanismo | presidente prudente | abril 2023 Mariana de Carvalho Dias Presidente Prudente 2023 Planejamento urbano sustentável na Fazenda Cascata – Marília/SP: função e resiliência socioambiental Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo, da Facul- dade de Ciências e Tecnologia da Universida- de Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, para a obtenção do título de bacha- relado. Orientador: Fernando Sérgio Okimoto D541p Dias, Mariana de Carvalho Planejamento urbano sustentável na Fazenda Cascata - Marília/SP : função e resiliência socioambiental / Mariana de Carvalho Dias. -- Presidente Prudente, 2023 208 p. : il., tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Fernando Sergio Okimoto 1. Cidades. 2. Espaços públicos. 3. Planejamento urbano. 4. Natureza. 5. Sustentabilidade. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Tecnologia – Campus de Presidente Prudente Curso de Arquitetura e Urbanismo FICHA DE AVALIAÇÃO/ TFG 1 - 1º. Semestre 2022 Aluno(a) Mariana de Carvalho Dias Título: PLANEJAMENTO URBANO SUSTENTÁVEL NA FAZENDA CASCATA - MARÍLIA/SP: FUNÇÃO E RESILIÊNCIA SOCIOAMBIENTAL NOTAS/ BANCA EXAMINADORA Nome Nota 1. Mariana Franzolin Valera 10,0 2. Fernando Sérgio Okimoto 10,0 Assinatura Orientador(a) Média 10,0 Observações da Banca: O trabalho apresentou uma excelente discussão teórica, ao buscar conectar várias frentes de debate, tanto através de uma leitura mais tradicional da história do urbanismo, passando pelo urbanismo modernista, adentrando a área de planejamento urbano, planejamento ambiental e conectando os estudos urbanos a teorias mais contemporâneas que agregam novas tecnologias e novas preocupações ambientais. Do ponto de vista de planejamento urbano, a aluna discorreu de forma exitosa sobre as legislações da cidade de Marília, o que resultou em uma leitura urbana aprofundada, que apresentam o objeto de análise escolhido (Fazenda Cascata) sob um olhar multidisciplinar e holístico, essencial para que as futuras proposituras no TFG 2 sejam assertivas. Um dos apontamentos feitos à aluna foi acerca dos desdobramentos da segregação urbana na sociedade brasileira e suas peculiaridades, enfatizando o cuidado ao se pensar espaços públicos na interface que se estabelece entre estes e os enclaves fortificados que se consolidam nas cidades. Outra orientação para o trabalho futuro é a perspectiva de se pensar a área de análise dentro de um Sistema de áreas livres, conectando essa região com os demais pontos da cidade. Presidente Prudente, 01 de novembro de 2022 FERNANDO SERGIO OKIMOTO:073271 98873 Assinado de forma digital por FERNANDO SERGIO OKIMOTO:07327198873 Dados: 2022.11.01 11:11:55 -03'00' Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Tecnologia – Campus de Presidente Prudente Curso de Arquitetura e Urbanismo FICHA DE AVALIAÇÃO/ TFG 2 - 2º. Semestre 2022 Aluno(a) MARIANA DE CARVALHO DIAS Título: PLANEJAMENTO URBANO SUSTENTÁVEL NA FAZENDA CASCATA – MARÍLIA/SP: FUNÇÃO E RESILIÊNCIA SOCIOAMBIENTAL NOTAS/ BANCA EXAMINADORA Nome Nota 1. Mariana Franzolin Valera 10,0 2. Carolina Lotufo B. Bartholomei 10,0 3. Fernando Sérgio Okimoto 10,0 Assinatura Orientador(a) Média 10,0 Itens Avaliados: I - Abrangência das pesquisas realizadas com relação aos objetivos do trabalho, considerando a sua atualidade; II - Pertinência e coerência dos resultados apresentados frente aos conceitos e objetivos do TFG; III - Abrangência, conteúdo e qualidade dos elementos teóricos e práticos; IV - Qualidade do texto e dos elementos gráficos apresentados; V – Organização e apresentação do trabalho. Observações da Banca: O trabalho da aluna foi considerado excelente, desde a escrita, os levantamentos, as análises e os resultados finais. A banca indica que seja encaminhada aos gestores de Marília/SP para avaliação e consideração. Aprovada. Presidente Prudente, 03 de maio de 2023 Mariana Franzolin Valera: participação virtual Carolina Lotufo B. Bartholomei Fernando Sérgio Okimoto orientador Fernando Sergio Okimoto:073271 98873 Assinado de forma digital por Fernando Sergio Okimoto:07327198873 Dados: 2023.10.20 20:05:04 -03'00' A g r a d e c i m e n t o s Agradeço, primeiramente, à Deus e todos aqueles que me guiam, por me darem forças e determinação para seguir aquilo que acredito e sonho. Agradeço ao meu professor, Fernando Sérgio Okimoto, pela orientação e apoio ao lon- go de toda a jornada de desenvolvimento do trabalho. Agradeço imensamente aos meus pais, meu irmão e toda minha família, que são mi- nha base e minha força. Em especial, agradeço à minha tia Stella, por me ajudar na análise dos dados estatísticos da pesquisa, como à minha prima Clara, por contribuir com o alcance de respostas ao formulário. Às minhas amigas Amanda, Andressa, Eloah, Giulia, Jaqueline, Maria Clara e Tainá, por estarem do meu lado ao longo de todo o processo, me apoiando e incentivando em cada escolha. Agradeço, também, a toda rede de apoio que obtive na cidade de Marília, principal- mente ao Luiz Eduardo Diaz por me auxiliar e proporcionar o conhecimento sobre o cenário urbano da cidade e me possibilitar a interação com diversos profissionais da área. Sendo assim, agradeço à Mariana Franzolin Valera e Guilherme Molinos, pelo diálo- go, ideias e contribuição com a temática. Ao André Cibantos, da ONG ORIGEM, pelos dados e pela visão ambientalista aqui adotada, sem a qual não se alcançaria o diag- nóstico final. Ao José Antônio de Almeida e Manoel Carlos Ortiz Lima pela abertura e disponibilidade dentro da Secretaria de Planejamento Urbano (SPU) de Marília. Ao Emílio Carlos Prandi, do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo, com a questão hídrica. Ao Sérgio Urbaneja de Brito e Bárbara Perão pela conversa, e ao Gi- roMarília, pela difusão da minha pesquisa. E, por fim, agradeço à UNESP, por contribuir com todo o conhecimento que obtive ao longo da graduação. R e s u m o A b s t r a c t O modo como as cidades são planejadas e produzidas desde a Era Modernista revela que o homem molda a natureza em seu favor e, com isso, afeta suas relações ecológi- cas e se distancia de ações e partidos sustentáveis. Nessa conjuntura, observa-se que muitos recursos naturais sofrem com a imposição do desenho urbano e têm, assim, sua biodiversidade prejudicada. Além disso, faz-se muito evidente, na contemporanei- dade, problemáticas da urbanização associadas com o individualismo e a exclusão so- cial, em que se tem a valorização do privado em detrimento do público. Em face disso, ao selecionar a Fazenda Cascata, na cidade de Marília-SP, como objeto de estudo, pro- pôs-se a avaliação do impacto deste padrão de planejamento na área, de modo a men- surar as modificações e o desequilíbrio proporcionado à diversidade biológica e social. Isto posto, intencionou-se, a princípio, compreender os problemas e as soluções que estão sendo adotadas para o planejamento urbano a partir de uma fundamentação teórica, cuja estruturação permeou o entendimento de modelos ultrapassados e seus impactos no meio, além de novas formas de se pensar as cidades através de partidos sustentáveis. Posteriormente, objetivou-se realizar uma análise crítica da inserção da malha urbana no município de Marília frente a sua hidrologia e a vegetação. Visou-se, também, o levantamento do Plano Diretor Urbanístico, para compreender as diretrizes e as intenções para o local. À vista disso, todo esse estudo contribuiu para a elaboração de um masterplan semiestruturado para a região, ao incorporar premissas e objetivos de desenvolvimento sustentável que promovem um espaço mais resiliente e inclusivo. Palavras-chave: natureza, cidades, planejamento urbano, sustentabilidade, Cascata. The way cities have been planned and produced since the Modernist Era reveals that man shapes nature to his advantage, thereby affecting his ecological relations and distancing himself from sustainable actions. In this situation, it can be seen that many natural resources suffer from the imposition of urban design and thus have their biodi- versity damaged. In addition, the problems of urbanization associated with individua- lism and social exclusion, in which the private is valued to the detriment of the public, are very evident in contemporary times. In view of this, by selecting Fazenda Cascata, in the city of Marília-SP, as the object of study, it was proposed to evaluate the impact of this planning pattern on the area, in order to measure the changes and the imbalan- ce caused to biological and social diversity. With this in mind, the first objective was to understand the problems and solutions being adopted for urban planning based on a theoretical foundation, the structuring of which permeated the understanding of ou- tdated models and their impact on the environment, as well as new ways of thinking about cities through sustainable ideals. Subsequently, the aim was to carry out a criti- cal analysis of the insertion of the urban grid in Marília in relation to its hydrology and vegetation. The aim was also to survey the Urban Master Plan in order to understand the guidelines and intentions for the area. In view of this, the entire study contribu- ted to the development of a semi-structured masterplan for the region, incorporating sustainable development premises and objectives that promote a more resilient and inclusive space. Keywords: nature, cities, urban planning, sustainability, Cascata. Figura 1: Diagrama de avaliação do desempenho do espaço público 40 Figura 2: Etapas do Placemaking 42 Figura 3: Serviços Ecossistêmicos (SE) 55 Figura 4: Tipologias de SbN 56 Figura 5: Remediação sistemática da construção de Cidades Esponjas 83 Figura 6: Aquecimento Solar Passivo 88 Figura 7: Inércia Térmica para aquecimento 88 Figura 8: Inércia Térmica para resfriamento 88 Figura 9: Sombreamento 89 Figura 10: Ventilação Natural 89 Figura 11: Resfriamento Evaporativo 89 Figura 12: Fotografia aérea da área de estudo – Fazenda Cascata 94 Figura 13: Recursos naturais presentes na área 94 Figura 14: Localização da coleta dos Aquíferos 95 Figura 15: Itambés localizados na área 96 Figura 16: Mapa de diretrizes viárias 99 Figura 17: Propostas para a Zona Leste 101 Figura 18: Macrozoneamento de Marília, com enfoque na Fazenda Cascata 102 Figura 19: Zoneamento de Marília, com enfoque na Fazenda Cascata 103 Figura 20: Definições dos usos e exemplos 104 Figura 21: Diretrizes para cada zona 105 Figura 22: Diretrizes para Parques Urbanos e vias verdes 110 Figura 23: Macrozoneamento proposto pela revisão do Plano Diretor 111 Figura 24: Zoneamento proposto pela revisão do Plano Diretor 113 Figura 25: Orientações para cada Zona 114 Figura 26: Permissibilidade de uso para a Macrozona de Expansão urbana 115 Figura 27: Permissibilidade de uso para a Macrozona Urbana 115 Figura 28: Área prevista para implantação de condomínios 116 Figura 29: Problemáticas ambientais da área 117 Figura 30: Lançamento de esgoto 118 Figura 31: Antes e depois da poluição da Represa Água do Norte 118 Figura 32: Perspectiva 1 do assoreamento 119 Figura 33: Perspectiva 2 do assoreamento 119 Figura 34: Presença de esgoto nas águas 119 Figura 35: Caminho percorrido pela terra proveniente da obra condominial 119 Figura 36: Denúncia ambiental para o Ministério Público 120 Figura 37: Projeto vencedor do concurso Parque Ecológico Cascata 121 Figura 38: Implantação do Parque da Cascata 122 Figura 39: Vista da lanchonete 123 Figura 40: Vista do lago 123 L I S T A D E F I G U R A S L I S T A D E F I G U R A S Figura 41: Vista do mirante 123 Figura 42: Projeto do Parque das Emeraldas 125 Figura 43: Proposta de novas vias para a Zona Leste 126 Figura 44: Localização da amostra que não reside em Marília 131 Figura 45: Bairros da amostragem 132 Figura 46: Parque Sanya Mangrove 141 Figura 47: Análise do terreno do Parque Sanya Mangrove 143 Figura 48: Ecótonos com diversos ambientes aquáticos 144 Figura 49: Planejamento do espaço do Parque Sanya Mangrove 144 Figura 50: Antes e depois da implantação do projeto Parque Sanya Mangrove 145 Figura 51: Detalhe do design de dedos entrelaçados dos ecótonos 145 Figura 52: Pavilhões do Parque Sanya Mangrove 146 Figura 53: Passarelas do Parque Sanya Mangrove 146 Figura 54: Parque Pantanal Liupanshui Minghu 148 Figura 55: Transformações no espaço do Parque Pantanal Liupanshui Minghu 148 Figura 56: Conexão entre passarelas e os espaços ecológicos do parque 150 Figura 57: Terraços alagáveis 151 Figura 58: Terraços alagáveis em diversos níveis 151 Figura 59: Análise para elaboração do projeto do Parque Pantanal Liupanshui Minghu 152 Figura 60: Vegetações do Parque Pantanal Liupanshui Minghu 152 Figura 61: Circuito de caminho para pedestres ao longo dos terraços 153 Figura 62: Plataformas com bancos no Parque Pantanal Liupanshui Minghu 154 Figura 63: Torre de observação no Parque Pantanal Liupanshui Minghu 154 Figura 64: Steel Rainbow 154 Figura 65: Campo de flores silvestres no parque 155 Figura 66: Bairro Hammarby Sjöstad 156 Figura 67: Exemplo de uso misto das edificações no bairro 158 Figura 68: Calçadas largas com áreas verdes 159 Figura 69: Vista aérea da integração dos edifícios com as áreas verdes no bairro 160 Figura 70: Áreas públicas entre os edifícios 160 Figura 71: Escotilhas 162 Figura 72: Bairro Vivapark Porto Belo 163 Figura 73: Integração Bairro Vivapark Porto Belo com a natureza 165 Figura 74: Setorização e Diagnóstico socioambiental 171 Figura 75: Pré Programa 173 Figura 76: Zoneamento permacultural 177 Figura 77: Masterplan - Fazenda Cascata 179 Figura 78: Parcela 1 181 Figura 79: Parcela 2 183 Figura 80: Parcela 3 185 L I S T A D E M A P A S L I S T A D E G R Á F I C O S | T A B E L A S Mapa 1: Localização da área de estudo 93 Gráfico 1: Gênero da amostra 130 Gráfico 2: Faixa etária da amostra 130 Gráfico 3: Escolaridade da amostra 130 Gráfico 4: Amostra residente em Marília 131 Gráfico 5: Regionalização da amostra mariliense 132 Gráfico 6: Avaliação da presença de espaços de lazer em Marília 133 Gráfico 7: Avaliação do conhecimento da área 133 Gráfico 8: Avaliação da utilização da área 134 Gráfico 9: Avaliação da utilização da área pela localização dos respondentes 134 Gráfico 10: Motivos da inutilização da área 135 Gráfico 11: Motivos da utilização da área 136 Gráfico 12: Problemáticas espaciais 136 Gráfico 13: Opinião sobre o crescimento de condomínios fechados na área 137 Gráfico 14: Desejos da população 138 Gráfico 15: Análise de adesão da área como espaço público 138 L I S T A D E F I G U R A S Figura 81: Parcela 4 187 Figura 82: Parcela 5 189 Figura 83: Parcela 6 191 Figura 84: Parcela 7 193 S u m á r i o 1 I n t r o d u ç ã o 1 2 2 R e f e r e n c i a l t e ó r i c o 1 5 2.1 Urbanização 16 2.1.1 Conceito e história 16 2.1.2 Degradação 23 2.1.3 Necessidade de Soluções 31 2.2 Planejamento urbano 32 2.2.1 Instrumentos 32 2.2.2 Problemas 34 2.2.3 Solução 36 2.3 Planejamento ambiental 48 2.3.1 Patrimônio ambiental 48 2.3.2 Preservação ambiental 49 2.3.3 A natureza como estruturante do desenvolvimento das cidades 53 2.3.4 Permacultura 59 2.4 Cidades sustentáveis 64 2.4.1 ODS da Agenda 2030 ONU 64 2.4.2 Smart Cities 72 2.4.3 Cidades Esponjas 80 2.4.4 Parques e Áreas Verdes das Cidades 83 2.4.5 Estratégias Bioclimáticas 87 2.5 Conclusão 3 R e c o r t e s o c i o e s p a c i a l 92 3.1 Fazenda Cascata – Marília (SP) 93 3.2 Pesquisa com moradores 127 3.2.1 Metodologia 127 4 R e f e r e n c i a l p r o j e t u a l 140 4.1 Parque Sanya Mangrove 141 4.2 Parque Pantanal Liupanshui Minghu 147 4.3 Bairro Hammarby Sjöstad 156 4.4 Bairro Vivapark Porto Belo 163 4.5 Conclusão 166 5 P r o p o s t a 167 6 P r o j e t o 169 R e f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s 195 A n e x o s 203 ANEXO A – Formulário 203 ANEXO B – Resposta aberta do formulário 205 91 15 01I n t r o d u ç ã o A temática da degradação am- biental e os problemas provenientes da urbanização vem sendo pauta constante no cenário global, o qual busca por mu- danças e melhorias na produção das ci- dades, a partir do alinhamento com ide- ais mais sustentáveis e justos. É nesse viés que a crise climática e as catástrofes am- bientais no meio urbano impulsionam e estimulam o meio acadêmico a desenvol- ver novas tecnologias e conceitos que, a partir da própria natureza, buscam o equilíbrio entre o natural e o artificial. Sabe-se, pois, que com a indus- trialização e os princípios modernistas, a natureza tornou-se submissa às escolhas dos seres humanos. O desenho urbano desenvolvimentista só trouxe retrocessos ao meio ambiente, de forma que não há respeito com as formas naturais, mas sim sua modelação para atingir interesses es- pecíficos. Nesse sentido, a biodiversidade do meio natural se torna oculta nas cida- des. Eles, para mais, potencializam o individualismo nas sociedades urbanas e exacerbam as diferenças e desigualdades socioespaciais em meio ao território. Pro- cessos segregacionistas e fragmentários nunca tiveram tanto destaque como na contemporaneidade. Nesse aspecto, o presente traba- lho intuiu o aprofundamento e enten- dimento da origem das problemáticas urbanas e a busca por mecanismos que revertam este cenário. O objetivo é ga- rantir o bem-estar social da presente e das futuras gerações e a manutenção e preservação dos serviços ecossistêmicos. Por isso, estruturou-se a mono- grafia de maneira que, num primeiro mo- mento, visou-se um panorama do pro- cesso da urbanização e dos instrumentos que norteiam o planejamento, bem como os problemas que cada um apre- senta, tanto nos aspectos sociais, como nos ambientais. Posteriormente, reali- zou-se uma aproximação com o assunto do meio ambiente para compreender como ele pode direcionar as escolhas na hora do projeto, como também reforçar a sua importância. Por fim, levantou-se para o debate as questões que estão permeando todas as conferências e reuniões do combate ao clima e às desigualdades sociais ao re- dor do mundo e instrumentos que pro- porcionam um melhor planejamento ur- bano. Foram abordados, portanto, temas como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030 da Organi- zação das Nações Unidas (ONU), Smart Cities, Cidades Esponjas, Permacultura, e a importância dos espaços públicos e da convivialidade urbana a partir da perspectiva de Parques e Áreas Verdes. Explorou-se, também, a temática do pla- cemaking, de estratpegias bioclimáticas e a ferramenta masterplan que induzem a novas formas de pensar sobre o territó- rio. Buscou-se, deste modo, compre- ender como atingir cidades ambiental- mente equilibradas, que valorizam seus 16 recursos naturais, e socialmente justas e inclusivas, ao colocar a escala humana como protagonista. Em vista disso, separou-se como objeto de estudo a área da Fazenda Cas- cata de Marília-SP, a qual dispõe de diver- sos recursos naturais, que estão correndo risco devido a expansão urbana da cida- de. Nesse sentido, teve-se como objetivo fazer uma análise e caracterização am- biental do meio a partir de seus recursos naturais e dos impactos da urbanização que se instala no local, bem como avaliar como os instrumentos de Planejamento Urbano norteiam e estabelecem as dire- trizes do desenho da cidade e sua relação com a população e com o meio ambien- te. Objetivou-se, de mesmo modo, cole- tar a opinião da comunidade sobre a área e sobres seus desejos a partir de um for- mulário, com vias de aplicar os ideais do placemaking e colocar em pauta a visão dos cidadãos sobre a dinâmica de produ- ção da região. Os resultados demonstram que o cenário é caótico e infeliz, pois desconsi- dera a natureza e tem caráter elitista, que caminha para a homogeneização e priva- tização da paisagem. Por isso, o objetivo deste trabalho foi o desenvolvimento de um masterplan semiestruturado, com aplicação das tecnologias sociais, am- bientais e projetuais estudadas, a fim de se atingir o desenvolvimento urbano sus- tentável da área e proporcionar à popu- lação de Marília um ambiente saudável, integrativo e de lazer na cidade. 02R e f e r e n c i a l t e ó r i c o 2.1 Urbanização 2.2 Planejamento urbano 2.3 Planejamento ambiental 2.4 Cidades Sustentáveis 2.5 Conclusão 18 19 2 . 1 . 1 C o n c e i t o e h i s t ó r i a O fenômeno da urbanização pos- sui caráter passível de reflexão. Caracteri- zá-lo, deste modo, implica constatar não só sua origem, mas também sua evolu- ção até os modelos contemporâneos. Deste modo, cabe analisar, nesta passa- gem, questões como o que faz de uma cidade uma cidade, seu surgimento, o entendimento do processo de urbaniza- ção e o processo histórico dos modelos refletidos na sociedade hodierna. Posto isto, ressalta-se, a princípio, que “a cidade é um objeto muito comple- xo e, por isso, muito difícil de se definir” (SOUZA, 2005, p. 24). Tal afirmação tem validade ao se refletir que cidades na Antiguidade e cidades Contemporâneas possuem similaridades, mesmo que em meio a inúmeras diferenças. Portanto, al- cançar uma definição exige encontrar o que se tem em comum entre essa imen- sa variação de casos concretos (SOUZA, 2005). Souza (2005, p. 5), nesse sentido, adverte que há inúmeras controvérsias na bibliografia sobre esta conceituação, o que faz com que em sua análise seja feita “uma aproximação, com forte dose de generalização embutida”. Nesse viés, ele destaca, primeiramente, uma defini- ção de Max Weber de 1921, que traz que “a cidade é, primordial e essencialmen- te, um local de mercado. Apesar de nem todo “local de mercado” ser uma cidade” (SOUZA, 2005, p. 25). Ou seja, a cidade é interpretada como um espaço de troca, de comércio. Posteriormente, tal sentido é ampliado com a contribuição de Walter Christaller, que introduz o conceito de “localidade central”, em termos de pensar uma cidade como um polo atrativo a ou- tros núcleos. Toda cidade é, do ponto de vista geoeconômico, isto é, das atividades econômicas vistas a partir da perspectiva espacial, uma localidade central, de ní- vel maior ou menor de acordo com sua centralida- de – ou seja, de acordo com a quantidade de bens e serviços que ela oferta, e que fazem com que ela atraia compradores apenas das redondezas, de uma região inteira ou, mesmo, de acordo com o ní- vel de sofisticação do bem ou serviço, do país inteiro e até de outros países. (SOUZA, 2005, p. 25) Deste modo, pode-se dizer que “as cidades são assentamentos humanos extremamente diversificados, no que se refere às atividades econômicas ali de- senvolvidas” (SOUZA, 2005, p. 26). Vale ressaltar, ademais, que tais atividades, a partir da perspectiva do uso do solo, estão associadas a uma produção não agrícola (manufatureira ou industrial) e 2 . 1 U r b a n i z a ç ã o de comércio e oferecimento de serviços. Além disso, ela é um local de “gestão do território” e tem a cultura como um im- portante produtor do espaço urbano e responsável pela projeção da importân- cia de uma cidade para fora de seus limi- tes físicos, assim como o poder (SOUZA, 2005). As primeiras cidades, nessa con- juntura, surgiram a partir de um “proces- so de passagem da produção de subsis- tência para uma produção de alimentos visando também o comércio externo, assim como para o surgimento da ma- nufatura especializada” (SOUZA, 2005, p. 44), somatizado, ainda, ao aumento po- pulacional. Com base nisso, os primeiros registros que se tem de assentamentos com características urbanas são Jericó e Çatal Hüyük, no Oriente Médio. Além disso, faz-se importante destacar que a proliferação de cidades ao redor do mundo teve relação não só com inovações técnicas, que permitiram o ex- cedente alimentar através da agricultura, como também com mudanças culturais e políticas vinculadas a ordem social. A regra foi a de que o surgimento das primeiras ci- dades se desse entrelaçado com o aparecimento de formas centralizadas e hierárquicas de exercício do poder; e, com efeito, foi justamente a formação de sistemas de dominação, com monarcas e seus exér- citos, que permitiu, ao lado das inovações técnicas, uma crescente extração de excedente alimentar, sobre o fundamento da opressão dos produtores diretos (SOUZA, 2005, p. 47). Diante do exposto, extrai-se que as primeiras cidades surgem por meio de transformações sociais nos âmbitos eco- nômico, tecnológico, político e cultural. São, nesse viés, assentamentos perma- nentes e complexos que abrigam uma ampla população de pessoas. À vista disso, ao compreender a estrutura de uma cidade e ter em men- te o movimento e processo migratório das pessoas do ambiente rural para uma estrutura urbana ao longo dos séculos, alcança-se a terminologia “urbanização”. Para fins elucidativos, urbanização fica aqui entendida, deste modo, como o au- mento exponencial da população das ci- dades em detrimento da população rural, com efeitos diretos no desenho, setoriza- ção e tamanho das mesmas. Nesse contexto, cabe ressaltar que ao longo de toda a História, as cida- des aumentaram em número, como tam- bém sofreram diversas transformações. Com base nisso, não concerne aqui um intenso panorama de todas as suas fases e modelos, mas sim uma aproximação e entendimento daqueles que influencia- ram os moldes adotados e refletidos na atualidade. Sendo assim, é importante dissertar sobre os impactos da Revolução Industrial e do Modernismo nessa cons- trução. No que tange a primeira, é de se referir que, do ponto de vista quantitati- vo, a industrialização “é quase imediata- mente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades, por uma drenagem dos campos em be- 20 21 nefício de um desenvolvimento urbano sem precedentes.” (CHOAY, 1992, p. 3). Com isso, diversos impactos em sua estru- tura foram atingidos. Pensando, a princí- pio, da perspectiva dos moldes europeus, “a transformação dos meios de produção e transporte, assim como a emergência de novas funções urbanas, contribuem para romper os velhos quadros, frequen- temente justapostos, da cidade medieval e da cidade barroca” (CHOAY, 1992, p. 4). Destarte, cria-se uma nova ordem, cujas características podem ser elenca- das como Primeiro, a racionalização das vias de comunica- ção, com abertura de grandes artérias e a criação de estações. Depois, a espacialização bastante ati- vada dos setores urbanos (quarteirões de negócios do novo centro, agrupados nas capitais em torno da Bolsa nova Igreja; bairros residências na periferia destinados aos privilegiados). Por outro lado, são criados novos órgãos que, por seu gigantismo, mu- dam o aspecto da cidade; grandes lojas (...), grandes hotéis, grandes cafés (...), prédios para alugar. Final- mente, a suburbanização assume uma importância crescente: a indústria implanta-se nos arrabaldes, as classes médias e operária deslocam-se para os subúrbios e a cidade deixa se der uma entidade es- pacial bem delimitada (...) (CHOAY, 1992, p. 4). Sob essa ótica, entende-se que, além do impacto na vida dos seres hu- manos, a industrialização acarretou em uma nova dinâmica socioespacial pro- funda e em uma nova estrutura das ci- dades. Tendo isso em vista, constata-se a dinamicidade em suas formas e em sua constituição. Compreende-se, portanto, que suas transformações são contínuas e estão sempre em movimento. Isto posto e seguindo a lógica de mudanças, é fundamental versar de ma- neira breve, em vista de sua complexi- dade, sobre o movimento Modernista e seu impacto nas infraestruturas urbanas. Salienta-se, nesse sentido, que ele esteve diretamente atrelado aos reflexos da in- dustrialização e, em sua faceta urbana, contribuiu para a remodelação das cida- des a partir de um planejamento estrutu- rado, o qual foi disseminado pela Carta de Atenas, de 1933. Benevolo (2001), diante desse ce- nário, traz em seus apontamentos sobre a urbanística do Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM), os pa- rágrafos de conclusão da carta, que ex- pressam as reflexões e intenções daquele momento. Com isso, capta-se o propósito de proporcionar um novo ordenamento das cidades a partir de sua reorganização, a qual tem vistas de satisfazer as necessi- dades de seus habitantes. De acordo com o descrito, (...) Os pontos-chave da urbanística consistem nas quatro funções: morar, trabalhar, divertir-se (no tempo livre), circular. Os planos determinarão a es- trutura de cada um dos setores atribuídos às quatro funções-chave e fixarão sua respectiva localização no conjunto. O ciclo de funções quotidianas: morar, trabalhar, divertir-se (recuperar-se) será regulado pela urbanística com a mais rigorosa economia de tempo, considerando a moradia no centro das pre- ocupações urbanísticas e como ponto de partida de toda avaliação...É necessário e urgente que cada cidade estabeleça seu programa, promulgando as leis que permitem sua atuação. (...) (BENEVOLO, 2001, p. 513). À vista disso, fica claro o intento de um novo paradigma a partir da setori- zação da cidade. Esse zoneamento, nesse viés, implica em uma ordem rigorosa e geométrica que governe o espaço e es- tabeleça um nível de eficácia equivalente ao da atividade produtora. Em outras pa- lavras, considera-se a cidade industriali- zada como um instrumento de trabalho e “para que a cidade possa preencher essa função de instrumentalidade, deve ser “classificada”, analisada; cada função deve ocupar uma área especializada” (CHOAY, 1992, p. 22) e sua ordenação “correspon- de rigorosamente o espaço dissociado, mas geometricamente composto, da ci- dade-espetáculo” (CHOAY, 1992, p. 23). Em outro plano, faz-se importan- te dissertar sobre a circulação na era mo- dernista, a qual foi concebida como uma função separada, mas determinante nos projetos subsequentes. Choay (1992, p. 22) traz a explicação de Le Corbusier que diz “as auto-estradas (...) recortarão o es- paço de acordo com a rede mais direta, mais simplificada, inteiramente ligada ao solo...mas perfeitamente independente dos edifícios ou imóveis que podem es- tar a maior ou menor proximidade”. Nes- se diapasão, extrai-se a reflexão de que a ordem circulatória regida pelo automó- vel individual se torna predominante e, além disso, norteadora da posição de um grande número de projetos. Diante do que foi apresentado, resta claro os caminhos percorridos pelo urbanismo nos dois últimos séculos. Cabe, por conseguinte, a partir daqui discorrer sobre a influência desses con- textos na urbanização brasileira e, pos- teriormente, levantar problemáticas que levaram à sua degradação e que exigem mudanças na forma de se pensar as cida- des. Posto isto, é fundamental versar sobre tal influência na mudança do cená- rio econômico brasileiro no final do sécu- lo XIX, pautado na economia agroexpor- tadora e de industrialização incipiente. Nesse período, consoante Ferreira (2005, p. 5), “imperou (...) uma visão de que as ci- dades não poderiam ser a expressão do atraso nacional frente ao modernismo das grandes cidades europeias”. Sendo assim, as primeiras inter- venções urbanas tiveram por objetivo criar uma nova imagem das cidades, ali- nhadas às produções europeias. Visavam, pois, ocultar das vistas dos estrangeiros e de si mesmos, as populações mais vulne- ráveis socialmente. Isto posto, “as refor- mas urbanas criaram uma cidade “para inglês ver”” (RIBEIRO; CARDOSO, 1981 apud FERREIRA, 2005, p. 5). Compete enfatizar, nesse sentido, que já naquele momento as cidades pro- moviam “uma sistemática de segregação social: simplesmente reproduzia-se na cidade a mesma diferenciação social re- sultante da hegemonia das elites que se verificava nos latifúndios” (FERREIRA, 2005, p. 5). Consequentemente, é nesse período que se tem registro dos primei- ros cortiços e da ocupação em morros, 22 23 marcada pela diferenciação socioespa- cial, os quais, nesse movimento de “mo- dernização”, foram destruídos. Nesse processo e nas demais intervenções de ur- banização no Rio no início do século passado, em que morros foram desmontados, aterros criados, e a natureza bastante modificada para a constru- ção da capital, não havia sequer possibilidade de contestação por parte da população atingida, e os propósitos de uma “higienização social” estavam muito pouco escondidos. A população pobre foi sis- tematicamente expulsa dos cortiços e dos morros centrais, deslocando-se invariavelmente para locais distantes – menos valorizados – ou mesmo para ou- tros morros (FERREIRA, 2005, p. 8) Nessa conjuntura, é importante refletir sobre a diferenciação urbana e a produção social do espaço, pois elas se- rão determinantes na era industrial bra- sileira. Há de se elucidar, portanto, que o espaço urbano é fruto de uma produção do trabalho social, em que seu valor é de- terminado por sua localização. Ferreira (2005) explica tal argumento se apoian- do na ideia de que terrenos com vista pri- vilegiada, ou situados em locais de fácil acesso e/ou com boa proteção, tornam- -se mais valiosos. Deste modo, as cidades brasilei- ras concentravam suas elites em bairros centrais privilegiados, onde tinham boa infraestrutura, concentração de transpor- tes e onde acontecia a vida urbana e co- mercial nascente (FERREIRA, 2005). Com isso, conclui-se que A localização será tanto mais interessante quanto houver um significativo trabalho social para produ- zi-la, ou seja, para torná-la atrativa dentro de uma determinada aglomeração urbana. Assim, fica evi- dente, que a localização urbana é fruto de um tra- balho coletivo, e não pode ser individualizada: ela dependerá sempre da aglomeração em que se situa, ou seja, do entrono urbano na qual está, e da inter- venção do Estado para construí-la e equipá-la de tal forma que ela ganha interesse (FERREIRA, 2005, p. 6). As elites, nesse contexto, a partir de sua influência sobre a máquina pú- blica, rende benefícios a si mesma ao conseguir direcionar os investimentos do Estado segundo seus interesses de valorização (DEÁK, 2001 apud FERREIRA, 2005). Diante disso, é possível compre- ender a lógica de diferenciação espacial pela localização, a qual ganha toda sua dimensão com a intensificação da indus- trialização e a ascensão das classes mais abastadas (FERREIRA, 2005). Isto é, a exacerbação da divisão social e da luta de classes é expressa cada vez mais territorialmente, de modo que as classes dominantes dispõem da contí- nua apropriação dos setores mais valori- zados. Sob esse prisma, há a exclusão das classes mais baixas ao atribuí-las bairros isolados e menos privilegiados, em ter- mos ambientais e de salubridade (FER- REIRA, 2005). O processo de urbanização in- dustrial, nesse viés, potencializou o pri- vilégio espacial da elite e fez com que crescessem bairros proletários com pés- simas condições de habitabilidade nas periferias. Além disso, com o passar dos anos, mais especificamente com fim da segunda guerra mundial, o país passou a também se destacar na atividade terciá- ria, com o surgimento de diversas corpo- rações. Estas nortearam o processo de “urbanização corporativa”, que “consti- tui um receptáculo das consequências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que es- tes são orientados para os investimentos econômicos, em detrimentos dos gastos sociais” (SANTOS, 1993, p. 95). Ou seja, as cidades passam a portar enormes carên- cias com relação ao emprego, às habita- ções (para população de baixa renda), ao transporte, ao lazer, à água, ao esgoto, à educação e à saúde. A urbanização corporativa, para mais, proporciona cidades espraiadas. Nelas, “há interdependência do que po- demos chamar de categorias espaciais relevantes desta época: tamanho ur- bano, modelo-rodoviário, carência de infraestruturas, especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da popu- lação” (SANTOS, 1993, p. 95). Com isso, constata-se a desconexão dos espaços e uma intensa segregação, norteada, prin- cipalmente, pelos detentores do capital. Nesse viés, percebe-se as influências do modernismo na concepção das cidades industriais e mercantis a partir de sua setorização, como também pela valori- zação do automóvel em detrimento de outros modais de transporte. É em vista destes ideais moder- nistas, propagados no planejamento ur- bano de cidades ao redor do mundo, que Jacobs (2011), em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, faz uma forte críti- ca a este modo de se pensar e produzir o espaço urbano. Segundo ela, sua análise “é uma ofensiva contra os princípios e os objetivos que moldaram o planejamento urbano e a reurbanização modernos e or- todoxos” (JACOBS, 2011, p. 6). Isto posto e dentre todas as pro- blemáticas expostas em sua dissertação, vale apontar uma que está voltada ao foco das intervenções urbanas. Ela res- salta que a dinâmica capitalista norteia o desenvolvimento de alguns setores em detrimento de outros, não priorizando questões mais urgentes e de cunho so- cial, por exemplo. O raciocínio econômico da reurbanização atual é um embuste. A economia da reurbanização não se baseia unicamente no investimento racional atra- vés de subsídios públicos, como proclama a teoria da renovação urbana, mas também em vastos in- voluntários subsídios, arrancados de vítimas locais indefesas. E os resultados da elevação de impostos nesses lugares, auferidos pelas municipalidades em resultado desse “investimento”, são uma miragem, um gesto lamentável e contraditório em relação às somas de dinheiro público cada vez maiores neces- sárias para combater a desintegração e a instabili- dade que emanam da cidade cruelmente abalada. Os meios que a reurbanização planejada utiliza são tão deploráveis quanto seus fins. (JACOBS, 2011, p. 7) Ademais, ela fala que a perpetu- ação das teorias modernistas desconsi- dera as percepções e vivências dos seus 24 25 próprios habitantes. Nesse contexto, o planejamento urbano que é feito com base em suposições do que se deve ser uma cidade e o que deve ser bom para as pessoas, desconsidera, deste modo, uma realidade concreta (JACOBS, 2011). Sendo assim, não há indagações e questionamentos com relação ao mode- lo, o que leva, então, ao erro de ignorar as pessoas e suas reais necessidades e desejos, como centro do projeto. “A pseu- dociência do planejamento urbano e sua companheira, a arte do desenho urbano, ainda não se afastaram do conforto ilu- sório das vontades, das superstições co- nhecidas, do simplismo e dos símbolos e ainda são se lançaram na aventura de investigar o mundo real.” (JACOBS, 2011, p. 12). A ideia, então, é questionar, é vol- tar o olhar para a escala humana. Precisa- -se, nessa perspectiva, observar seus re- flexos no espaço, seus comportamentos e sua expressão, bem como ouvi-la e in- teragir com ela para, assim, proporcionar através dos projetos, maior vivacidade e dinamicidade. A resposta é humanizar e não setorizar. Ou seja, não é, a princípio, olhar por cima e definir, sem parâmetros, como as coisas devem ser, mas sim, olhar de perto as relações humanas e seus mo- vimentos no espaço urbano para a toma- da de decisões. Com base nisso, o artigo de Marcos (2016) traz uma fala que se ali- nha muito com o supracitado Jacobs demonstra que antes de mudar uma cidade ou intervir nela é preciso conhecê-la a fundo, e isso implica entender onde está sua vitalidade, como os vizinhos a utilizam, o que apreciam nela, que ati- vidades são realizadas nas ruas, como brincam as crianças, que parques são bons e por que são mais cheios que outros, quais são as boas dimensões e os porquês; em definitivo entendê-las e aprender a vivenciá-las. Para isso é preciso ir às ruas, falar com as pessoas, deduzir a maravilhosa teia de relações, vínculos e contatos que uma cidade cria entre seus habitantes. (MARCOS, 2016) Além disso, vale destacar aqui, de forma resumida, as ideias defendidas por Jacobs para mudar a dinâmica de planejamento. Ela traz que ruas seguras são aquelas com muitas pessoas e mo- vimento constante. Dispõe de quadras compactas e numerosas esquinas, bem como edifícios com vistas para a calçada, a fim de se atingir o maior número possí- vel de olhos na rua. Nesse sentido, reco- menda-se a mistura de usos, a prioridade e valorização dos pedestres e uma maior atenção para o projeto do espaço públi- co como meio de se atingir cidades mais vivas (JACOBS, 2011). Nesse diapasão, percebe-se a coerência das críticas feitas por Jacobs (2011) ao urbanismo modernista e ao seu reflexo na urbanização e planejamento urbano da contemporaneidade. Nota-se, também, a validade de suas falas, que elucidam a decadência e a degradação das cidades. 2 . 1 . 2 D e g r a d a ç ã o 2 . 1 . 2 . 1 S e g r e g a ç ã o e f r a g m e n t a ç ã o s o c i o e s p a c i a l c o m b a s e s n o d i r e i t o à c i d a d e Tendo em vista tudo o que foi dissertado no tópico anterior, um dos pi- lares primordiais de ser ressaltado aqui diz respeito à segregação socioespacial e sua posterior evolução à fragmentação socioespacial. Nesse sentido, cabe, nes- sa passagem, entender sua estruturação nas metrópoles e cidades médias brasi- leiras e, com isso, levantar as consequên- cias expressas espacialmente. Primeiramente, faz-se importan- te esclarecer o termo socioespacial ado- tado. De acordo com a bibliografia base desta seção, (...) escolhemos o termo socioespacial para adje- tivar o substantivo, a fim de torná-lo mais preciso, no sentido de enfatizar que esse processo só pode ser entendido nas articulações e codeterminações entre condições sociais e condições espaciais, tan- to quanto se expressa social e espacialmente. Isso nos parece muito importante, na medida em que damos relevo à natureza geográfica desse concei- to, ou seja, não é possível pensar numa segregação apenas social, visto que ela sempre é expressa e de- terminada espacialmente. (SPOSITO, GÓES, 2013, p. 287) Nessa conjuntura, é possível com- preender o aspecto geográfico do termo. Em vista disso, retoma-se a análise feita no tópico anterior, correlacionada à di- ferenciação espacial pela localização, e elucida-se que desde muitos anos há o mecanismo de segregação na estrutura física das cidades. Vale ressaltar, além dis- so, que o cenário debatido anteriormen- te era obtido através de uma separação imposta aos pobres, o qual é um fator problemático e ainda presente na con- temporaneidade. Entretanto, tendo em vista que este já foi explicitado, compete versar, a partir dos parágrafos subsequentes, so- bre outra forma de segregação nas cida- des, que é o da autossegregação. Sposito e Góes (2013, p. 288) explicam que “trata- -se, no nosso caso de estudo, de processo que é a expressão da vontade daqueles que decidem se separar do restante da cidade”. Mas antes de se aprofundar nes- se processo, é fundamental deixar claro que segregação e autossegregação são facetas de um mesmo processo e se dife- renciam entre si a partir do ponto de vista que a separação se estabelece (SPOSITO; GÓES, 2013). Enquanto aquela é estabelecida a partir da decisão de uma maioria - em termos políticos, econômicos, culturais e religiosos - de separar a minoria espacial- mente, por razões de diferentes ordens, mas sobretudo socioeconômica; esta acontece através da escolha e opção dos grupos com melhores condições de se isolar em relação ao conjunto da cidade (SPOSITO; GÓES, 2013). Logo, constata-se que ambos os processos são, ao mesmo tempo, produto e produtores de diferen- 26 27 ças e desigualdades, que levam ao não reconhecimento do direito equitativo de todos à cidade e à indiferença e into- lerância em relação ao outro. “De acordo com Souza (2003, p. 83), a “...convivência favorece a tolerância; a segregação rea- limenta a intolerância”” (SPOSITO; GÓES, 2013, p. 288). Sob esse prisma, percebe- -se que a coletividade e a diversidade se encontram ameaçadas. Adentrando-se, então, na ques- tão da autossegregação, é fundamental enfatizar que tal estruturação foi alimen- tada, ao longo dos anos, por uma cons- trução midiática em torno da inseguran- ça, a qual impulsionou o movimento de reclusão da classe média/alta. Nesse viés, as autoras reiteram que viram “nos depoi- mentos de nossos entrevistados pois, a despeito de muitos deles reconhecerem a existência de problemas sociais em cuja base se localiza o que caracterizam como “violência urbana”, consideram (...) que é preciso se proteger do outro” (SPOSITO; GÓES, 2013, p. 288). Deste modo, tem-se o isolamento como uma solução “pseudo-escapista” que realimenta as tensões que marcam a cidade hodierna, principalmente nas metrópoles (SOUZA, 2000 apud SPOSITO; GÓES, 2013). Ele, para mais, é impulsiona- do pelos seguintes fatores: 1) uma paisagem urbana crescentemente marcada pela pobreza e pela informalidade, inclusive nas áreas centrais e nos bairros residenciais privilegia- dos mais tradicionais; 2) a deterioração das condições gerais de habitabi- lidade e qualidade ambiental nos bairros residen- ciais privilegiados tradicionais, devido a congestio- namentos, poluição do ar etc.; 3) a busca por uma maior ‘exclusividade’ social; 4) eventualmente, a procura de novos espaços resi- denciais que apresentassem amenidades naturais; e 5) o aumento objetivo da criminalidade violenta e de problemas associados a estratégias de sobrevi- vência ilegais (como as ‘balas perdidas’ quando de tiroteios entre quadrilhas rivais de traficantes de drogas, a desvalorização de imóveis situados próxi- mos às favelas etc.), e também da ‘sensação de in- segurança’ vinculada, com maior ou menor dose de realismo, à criminalidade objetiva. (SOUZA, 2000, p.197 e 199 apud SPOSITO; GÓES, 2013, p. 289). À vista disso, constata-se o defi- nhamento da civilidade e a erosão da ci- dadania a partir da afirmação de que “... os ‘condomínios exclusivos’ ameaçam o fortalecimento de valores de civilidade e solidariedade cidadã, uma vez que são ambientes de socialização que, a um só tempo, pressupõem e reforçam um des- compromisso com a cidade como um todo” (SOUZA, 2008, p. 74 apud SPOSITO; GÓES, 2013, p. 289-290). Essa exclusividade, aliás, associa- -se à autossegregação em termos de que os enclaves formados são caracterizados pela homogeneidade social e pelos altos níveis de segurança, que repelem o mun- do externo. Conclui-se, então, que esse movimento “nada mais é do que um re- curso estratégico que visa administrar a separação consumada nos territórios do urbano” (SEABRA, 2004, p. 194 apud SPO- SITO; GÓES, 2013, p. 292). Isto posto, resta claro a dinâmica adotada pelas classes média/alta nas me- trópoles. O necessário, agora, é compre- ender seus reflexos nas cidades médias. Com base nisso, as autoras ressaltam que a resposta a isso pode ser obtida a partir da óptica do capitalismo, que através de seus meios de produção, reproduz pa- drões já aceitos e conseguem atingir a ló- gica mercadológica em diversas escalas. É reproduzido, no mesmo sentido, os dis- cursos da violência e da distinção social, que influenciam conscientemente ou in- conscientemente sua adesão por parte da população (SPOSITO; GÓES, 2013). Nesse sentido, percebe-se que os processos de segregação e autossegre- gação se tornaram produtos do mercado e estão associados diretamente a valori- zação e desvalorização de certas áreas, como também ao impulsionamento de valores neoliberais, ao exacerbar o indi- vidualismo da sociedade. Nesse enredo, portanto, constata-se que o valor econô- mico associado a esses processos faz com que sua remodelação seja constante, a fim de agradar e conquistar seus consu- midores. É nesse percurso que tal remode- lação, ao inserir dentro dos muros dos residenciais fechados comércio, lazer e trabalho, contribui para o surgimento de um novo processo, entendido como frag- mentação socioespacial. Sposito e Góes (2013) destacam uma caracterização feita por Salgueiro (2001) sobre a “cidade frag- mentada em construção” que diz: - é um território policêntrico onde se assiste à perda da hegemonia do ‘centro’ e à multiplicação de “no- vas centralidades”; - aparecem áreas mistas, muitas vezes megacom- plexos imobiliários que reúnem habitação, comér- cio, escritórios e lazer, ou comércio, indústrias e serviços, sinal evidente de negação do zoneamento funcional associado à cidade industrial; - surgem enclaves socialmente dissonantes no seio de tecidos com uma certa homogeneidade morfo- social, base de uma nova organização em que há contigüidade sem continuidade; - cresce a dessolidarização do entorno próximo por- que os indivíduos e actividades participam cada vez mais em redes de relações (movimento e troca de informações) à distância, fonte dos fluxos comple- xos que cruzam o território, e que no geral não va- lorizam nem se exercem na proximidade imediata porque as novas acessibilidades libertaram muitas localizações dos constrangimentos da proximida- de... (SALGUEIRO, 2001, p. 116 apud SPOSITO, GÓES, 2013, p. p. 304). Dado o exposto, as autoras abor- dam, ainda, que o destacado no texto corresponde a realidades encontradas em cidades médias do interior paulis- ta, como Marília, Presidente Prudente e São Carlos, revelando uma nova lógica de estruturação do espaço urbano. Sen- do assim, as autoras atestam que a frag- mentação é um processo posterior ao da segregação, e é, ao mesmo tempo, mais complexo. Ele embute em si, além do uso re- sidencial, a existência de uma policentra- lidade e a descontinuidade territorial. “O resultado dessas transformações é a ge- ração de uma geometria espacial de flu- xos mais complexa e menos apoiada nos espaços de inserção imediata de diferen- tes sujeitos sociais nas cidades” (SPOSITO, GÓES, 2013, p. 305). Logo, vale realçar que as transfor- mações espaciais advindas dos processos 28 29 supracitados põem em questão o “Direito à Cidade”, termo cunhado por Lefebvre, em 1968. No que tange, pois, essa temá- tica, Oliveira e Borges (2018) dissertam sobre ela ao introduzir a ideia do autor de que a cidade é uma construção social, na medida em que ela sofre transformações concomitantemente às mudanças nas bases da sociedade e de suas relações no espaço. Isto significa que “a cidade é uma projeção da sociedade sobre um local, história e obra de uma história, de pes- soas e grupos que realizam essa obra em condições históricas e das relações so- ciais que existem nela” (LEFEBVRE, 2001 apud OLIVEIRA; BORGES, 2018). Sendo assim, constata-se que os processos descritos moldaram o espaço de acordo com seus interesses, de ma- neira que “essas transformações da vida cotidiana modificaram a realidade urba- na, não sem tirar dela suas motivações. A cidade foi ao mesmo tempo o local e o meio, teatro e arena dessas interações complexas” (LEFEBVRE, 2001, p. 57 apud OLIVEIRA; BORGES, 2018). Ademais, Oliveira e Borges (2018) prosseguem seu raciocínio para deba- ter sobre o “Direito à Cidade” ao fazerem uma reflexão sobre a reforma urbanística de Paris, que muito se assemelha com os processos segregacionistas aqui descri- tos, e que foi responsável por afastar os pobres dos centros de convívio da classe dominante. Eles atestam que este novo ordenamento territorial do tecido urba- no acarretou na anulação do espaço pú- blico como local da vida social. Diante disso, são suprimidos os encontros e confrontos da diversidade e da pluralidade na vida urbana. Tal fato põe em questão o direito à cidade, que é compreendido “como um apelo, uma exigência, como o direito à vida urbana, condição de um humanismo e de uma democracia transformados, renovados. Direito aos locais de encontro e de trocas (...) direito à produção do espaço urbano como uma construção coletiva.” (LEFEB- VRE, 2001 apud OLIVEIRA; BORGES, 2018). O direito à cidade, nessa conjun- tura, pode ser interpretado como o direi- to de usufruir do espaço urbano em cole- tividade, o que vem sendo negado pela segregação e autossegregação. Assim, infere-se que Reivindicar o direito à cidade, por conseguinte, equivale a reivindicar alguma forma de poder con- figurador sobre o processo de urbanização, sobre o modo como as cidades são feitas e refeitas, a fim de moldar o espaço urbano de acordo com as neces- sidades da sociedade, e não de uma minoria (HAR- VEY, 2014 apud OLIVEIRA; BORGES, 2018). Destarte, desfecha-se essa passa- gem com a reflexão de que os processos descritos acima interferem na construção e desenvolvimento de cidades mais jus- tas e inclusivas. Adverte-se, de mesmo modo, que se esses movimentos não fo- rem combatidos em sua raiz, o direito à cidade nunca será uma realidade na so- ciedade brasileira e os espaços públicos estarão cada vez mais fadados ao fracas- so. 2 . 1 . 2 . 2 C i d a d e s d e s u m a n i z a d a s Tendo em vista as problemáticas geradas pela perpetuação de princípios modernistas no planejamento urbano atrelados, ainda, a doutrina do automó- vel, fez-se significativo trazer para o de- bate a desumanização das cidades atra- vés da perspectiva do documentário “La escala humana” (2014) e de sua associa- ção com o livro “Cidade para Pessoas”, de Jan Gehl (2013). Isto posto, serão abor- dados aspectos que discordam da forma como as cidades vem sendo ordenadas e produzidas, como também sinais e dese- jos por mudança, além de sugestões aos urbanistas. A princípio, cabe discorrer aqui uma fala do documentário que diz “His- toricamente, temos vivido juntos” (LA ES- CALA HUMANA, 2014), o que demonstra e faz refletir, com base também no que foi exposto na passagem anterior, a respeito da mudança de tal cenário ao longo dos anos. Com base nisso, cria-se um panora- ma a partir da reflexão de Karl Marx sobre o ser humano ser um ser social, ou seja, sobre ele estar fadado a viver em socie- dade; e consegue-se, a partir de tal afir- mação, captar a mudança desse padrão na sociedade contemporânea, tendo em vista que a influência do modernismo e do capitalismo impulsionaram o indivi- dualismo e a negação aos espaços públi- cos e à sua convivialidade. Sendo assim, a partir da setoriza- ção da cidade, criou-se uma grande sepa- ração de tudo. As casas foram pensadas como máquinas para viver, sendo que seus espaços foram diminuídos e volta- dos para poucas pessoas ou simplesmen- te para uma só. Os carros, símbolo de mo- dernidade e poder aquisitivo, nortearam o planejamento urbano e contribuíram para maiores distâncias e isolamentos, influenciando diretamente nos contatos sociais, de maneira que agora ninguém conhece bem ninguém (muitas vezes não se conhece nem os próprios vizinhos). Sob esse prisma, percebe-se como a dinâmica da vida urbana e suas relações foram afetadas por esse movi- mento e como a escala humana, nesse sentido, foi negligenciada e esquecida. Para mais “as ideologias dominantes do planejamento – em especial, o modernis- mo – deram baixa prioridade ao espaço público, às áreas de pedestres e ao pa- pel do espaço urbano como local de en- contro dos moradores da cidade” (GEHL, 2013, p. 3). Potencializaram, assim, o de- senvolvimento de edifícios mais indivi- dualizados, isolados, autossuficientes e indiferentes com o externo. Seguindo esse viés, nota-se atra- vés do primeiro capítulo do documentá- rio ‘La Escala Humana’ (2014), intitulado “Primeiro demos formas as nossas cida- des, agora nossas cidades dão forma a nós mesmos”, a construção de cidades que apresentam a valorização do au- 30 31 tomóvel em detrimento das pessoas, influenciam no modo de viver daquela sociedade e, na maioria das vezes, repe- le a vida nas ruas de forma a aumentar o individualismo e a negação à coletivida- de. Tudo isso, para mais, acarreta em uma maior insegurança, pois quanto menos pessoas na rua, maior será o sentimento de desconforto e medo. Em geral, reforça-se o potencial para uma cidade segura quando mais pessoas se movimentam pela cidade e permanecem nos espaços urbanos. Uma cidade que convida as pessoas a caminhar, por defi- nição, deve ter uma estrutura razoavelmente coesa que permita curtas distâncias a pé, espaços públi- cos atrativos e uma variedade de funções urbanas. Esses elementos aumentam a atividade e o senti- mento de segurança dentro e em volta dos espaços urbanos. Há mais olhos nas ruas e um incentivo maior para acompanhar os acontecimentos da ci- dade, a partir das habitações e edifícios do entorno (GEHL, 2013, p. 6). Como forma de intervir no espaço público e reverter esse cenário, com in- tuito de trazer vivacidade e proporcionar o encontro entre as pessoas, o documen- tário, em seu segundo capítulo, “Meça o que te importa”, traz para a discussão a importância da valorização dos pedestres na hora de se planejar os espaços (LA ES- CALA HUMANA, 2014). Gehl (2013) refor- ça essa questão em seu livro ao dizer que áreas para pedestres deviam ser encara- das como uma política pública urbana para desenvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis, com intuito de garantir a função social do espaço como um local democrático e de encontro. Nessa conjuntura, o caso de Nova Iorque, inspirado no sucesso das inter- venções realizadas nas ruas exclusivas para pedestres em Copenhague, buscou medir, além do tráfego de carros, o tráfe- go de pessoas. Com isso, obteve-se uma amostra de que as pessoas representam 90% do movimento na Times Square, e os carros, 10%, o que levou a proposição e definição de uma nova forma de se lo- comover na cidade, tendo em vista que o direcionamento do planejamento tinha indo para o lado errado (LA ESCALA HU- MANA, 2014). Esta pesquisa demonstra uma forma interessante de agir e intervir nas cidades, pois leva em consideração a opi- nião de seus usuários e a real dinâmica espacial, deixando de lado a pressuposto modernista de um ideal do que se fazer. Sendo assim, o documentário demonstra, no caso da cidade de Nova Iorque, que o projeto pensado para a modificação da estrutura viária foi baseado na opinião de mais de oito milhões de pessoas, tendo sua aprovação por grande parte, mas por outro lado, resistências, como por exem- plo o caso do taxista que desaprova uma das ideias de intervenção devido isto in- fluenciar e afetar a rotina diária dos cita- dinos (LA ESCALA HUMANA, 2014). Como se não bastasse, vale desta- car um fato muito interessante da estra- tégia adotada no caso acima, que é o da experimentação. Ou seja, antes da efeti- vação real do projeto, buscou-se, através de experimentos, a adesão dos cidadãos à ideia pensada. Sendo assim, estes foram executados por meio do fechamento de ruas com cones e sinalizações, como tam- bém a partir da instalação de mobiliários, visando observar se as pessoas iriam ade- rir e quais observações teriam a respeito. O objetivo era proporcionar a experiência de vivenciar na cidade um cenário dife- rente, ou seja, de como a vida poderia ser se os espaços fossem desenhados para as pessoas e não impostos previamente (LA ESCALA HUMANA, 2014). À vista disso, o resultado obtido foi aprovação de 74% das pessoas e a comprovação de que com a diminuição de carros e o aumento da preocupação para com o pedestre, há o aumento do fluxo de circulação de pessoas e a sua permanência nos locais, há a diminuição de acidentes e, consequentemente, há o aumento de vida na rua (LA ESCALA HUMANA, 2014). Deste modo, a ideia de cidade muda pois percebe-se que é fun- damental e mais importante pensar nas pessoas e em sua qualidade de vida, do que nos carros, que são meros coadju- vantes nesse contexto. Por fim, suscita-se a fala presen- te em “La escala humana” (2014) para os urbanistas de que “podemos convidar as pessoas”, a qual revela e reforça a ideia apresentada anteriormente de que pro- jetos voltados para a dimensão huma- na reforçam a função social do espaço e da cidade como local de encontro, bem como convida as pessoas a caminharem, sentarem, pararem, ouvirem e falarem. Outra abordagem que comprova a força de tal ação foi verificada na cida- de de Melbourne (Austrália), em inter- venções realizadas no centro da cidade, antes considerado “morto” (LA ESCALA HUMANA, 2014). As ruas deste espaço eram desagradáveis e inseguras, o que levou ao planejamento de uma área de transição suave para melhorar a qualida- de espacial e gerar maior vitalidade para o meio. Ruas com transição suave têm influência marcante sobre os padrões de atividade e a atratividade do espaço urbano. As fachadas transparentes, acolhe- doras e movimentadas dão ao espaço da cidade uma escala humana ótima exatamente onde têm mais peso: de perto e ao nível dos olhos. (GEHL, 2013, p. 81) Sendo assim, realizou-se um ma- peamento para entender as problemá- ticas do local e, com base nisso, pensar em métodos de intervenção para gerar maior atratividade ao pedestre. A saída foi modificar as fachadas inativas para fachadas ativas, abrindo-se os edifícios para o espaço das ruas de pedestres, bem como dispondo de cafeterias, por exem- plo, para tornar o ambiente mais seguro e acolhedor, com maior fluxo de pessoas e mais “olhos na rua” (LA ESCALA HUMA- NA, 2014). Dado o exposto, buscou-se, ao tra- zer o documentário “La escala humana” (2014) para o debate da desumanização das cidades, em conjunto com os apon- 32 33 tamentos de Gehl (2013), comprovar que um planejamento urbano impositivo e voltado para automóveis está totalmente ultrapassado e equivocado. Nesse diapa- são, o caminho para cidades mais justas e inclusivas está baseado em propostas para o espaço público urbano com base num maior foco na necessidade das pes- soas. Agora, no início do século XXI, podemos perceber os contornos dos vários e novos desafios globais que salientam a importância de uma preocupação mui- to mais focalizada na dimensão humana. A visão de cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis tornou-se um desejo universal e urgente. Os quatro objetivos-chave – cidades com vitalidade, seguran- ça, sustentabilidade e saúde – podem ser imensa- mente reforçados pelo aumento da preocupação com pedestres, ciclistas e com a vida na cidade em geral. Um grande reforço desses objetivos é uma in- tervenção política unificada por toda a cidade para garantir que os moradores sintam-se convidados a caminhar e pedalar, tanto quanto possível, em co- nexão com suas atividades cotidianas. (GEHL, 2013, p. 6) 2 . 1 . 2 . 3 D e g r a d a ç ã o a m b i e n t a l Em última análise sobre as ques- tões decadentes da urbanização, com- pete a este trabalho levantar conteúdos correlacionadas com o processo de de- gradação ambiental nas cidades contem- porâneas. Deste modo, é fundamental para o entendimento da complexa rela- ção entre o artificial e o natural, realizar a distinção entre ambos, ou seja, entre o meio ambiente urbano e o meio ambien- te natural. Sendo assim, explicita-se que en- quanto àquele diz respeito ao ambiente construído das cidades, este trata da na- tureza em si, a qual, de acordo com Pe- reira (2001, p. 34), “está desaparecendo das cidades, sobrepujado pelas formas concretas de ocupação do território (rios canalizados, vegetação derrubada, solo impermeabilizado, entre outros)”. Sob esse prisma, apreende-se que ao anali- sar o padrão de urbanização, a natureza está oculta. Nesse sentido, ela se torna o substrato material da vida urbana, ao ser moldada a partir da lógica de produção espacial das cidades. Destarte, conclui-se, então, que a natureza se torna um produto a favor dos desejos e intenções dos seres humanos, ou seja, ela é submetida a eles ao invés de condicioná-los. Diante desse contex- to, pode-se dizer que “a cidade é uma das obras do homem que, apropriando-se da natureza, a transforma de tal maneira que a faz ‘simbolicamente’ desaparecer como tal” (RODRIGUES, 1998, p. 111 apud PEREIRA, 2001, p. 35). Nesse viés, depre- ende-se que os problemas ambientais estão intrínsecos a produção do espaço urbano. Estão correlacionadas direta- mente à sociedade industrial, a qual in- terviu e vem intervindo sobre a natureza de forma egoísta. Essa intervenção, conforme os apontamentos de Marques (2015), acar- retaram na destruição de extensas matas vegetais que protegiam o solo, esterili- zando-as; no esvaziamento de manan- ciais; no afastamento da fauna nativa; ou seja, o ser humano, por suas ambições, decorrentes de interesses próprios, in- clinou-se à exploração e degradação de seus meios de conservação. As cidades, portanto, tornam-se um campo consumidor de grandes quan- tidades de energia e matéria, ao mesmo tempo que produtor de um equivalente montante de resíduos e poluição. Seus impactos extrapolam seus limites geo- gráficos e podem ser mensurados pela pegada ecológica, que demonstra esta relação de consumo predatório sobre os recursos naturais (HERZOG, ROSA, 2010). Isto posto, afirma-se que as ações antropogênicas vinculadas aos meios de produção capitalista abusam da nature- za, com intuito de alcançar o máximo pa- drão de desenvolvimento. Além disso, a forma como moldam suas cidades preju- dica o meio ambiente no sentido de que os materiais utilizados e o desenho urba- no contribuem para diversos problemas atrelados ao aquecimento global. Nota- -se, pois, uma urbanização despreocupa- da e irresponsável nos últimos séculos. [...] desde o século XIX um número crescente de cien- tistas, e nos últimos 40 anos a comunidade cientí- fica em peso, vêm advertindo que os desequilíbrios ambientais como um todo [...] decorrem preponde- rantemente da ação dos homens sobre o meio am- biente. Não cessam de alertar para o fato de que o aumento desses desequilíbrios e a ultrapassagem desses limites já estão acarretando rupturas nos ecossistemas capazes de produzir [...] uma radical mudança de estado nas coordenadas da biosfera que propiciavam a vida no planeta tal como a co- nhecemos e dela podemos desfrutar (MARQUES, 2015, p. 14). Nessa conjuntura, entende-se, a partir dos argumentos levantados, que a lógica de urbanização necessita ser mo- dificada. Dados ao redor de todo o glo- bo comprovam e corroboram para tal afirmação ao relatar a crescente da crise climática, de problemáticas ambientais e dos impactos que vem sendo gerados devido a incessante exploração e altera- ção dos meios naturais. Desta maneira, deve-se buscar novos paradigmas de produção do espaço urbano, alinhados com a natureza e pensados com base nela. 2 . 1 . 3 N e c e s s i d a d e d e S o l u ç õ e s À face do exposto de todas as pro- blemáticas relacionadas com a urbaniza- ção, cabe aqui a reflexão sobre a necessi- dade de se alcançar um novo urbanismo. Deste modo, busca-se um novo paradig- ma que consiga incorporar a participação popular no desenvolvimento das cida- des, que respeite o meio ambiente natu- ral e o incorpore em seu planejamento. Nesse viés, almeja-se um novo modelo que apresente maior solidariedade social e ambiental. Faz-se importante, assim, levar esse debate para toda a população. Fazer com que ela entenda e fique a par dos 34 35 mecanismos que vem sendo aplicados e se mobilize em busca de mudanças. É fundamental que o meio acadêmico e profissional da área se alinhe com pautas sociais e ambientais para se desvincular das ações em curso. Com isso, acredita- -se que um novo urbanismo deve agir com intuito de cessar a retroalimentação dos processos segregacionistas, ao im- pulsionar a convivialidade e vivacidade em espaços públicos tendo a escala hu- mana como protagonista, e incorporar a natureza como norteadora dos projetos, como aquela que dá os direcionamentos e os meios para realizar as intervenções urbanas. 2 . 2 P l a n e j a m e n t o U r b a n o 2 . 2 . 1 I n s t r u m e n t o s No que toca o conteúdo debatido no primeiro capítulo deste trabalho, foi possível constatar o desenvolvimento de uma urbanização problemática e exclu- dente. Todo esse cenário, nesse sentido, acarretou em diversas mobilizações so- ciais em torno da questão urbana no Bra- sil, em busca de mudanças e melhorias na base de seu planejamento (FERREIRA, 2005). Isto posto, versar sobre as con- quistas obtidas na Constituição Federal de 1988, com os artigos 182 e 183, e na Lei 10.257, sobre o Estatuto da Cidade, são fundamentais para compreender o norteamento que se desejou dar ao pla- nejamento urbano. (...) os defensores da Reforma Urbana se mobiliza- ram para garantir a aprovação, na Constituição e posteriormente no Estatuto da Cidade, de ins- trumentos que permitissem dar às prefeituras um instrumental para exercer algum controle sobre as dinâmicas de produção da cidade (...) (FERREIRA, 2005, p. 16) No que tange, nesse viés, a pri- meira, concebe-se que a introdução do princípio “função social da propriedade urbana” proporcionou o debate sobre imóveis que se beneficiam de infraestru- tura urbana custeada pelo poder público e que permanecem vazios, contribuindo para a especulação imobiliária. Assim, conforme explicita Ferreira (2005, p. 16), “exercer a função social da propriedade não é nada além de dar-lhes uso”. Sob esse prisma, a partir da elucidação de problemas correlacionados a moradia, mediante um cenário caótico de desi- gualdades expressas fisicamente no terri- tório, foi colocado em pauta mecanismos para combater esse quadro, demonstran- do avanços dentro da política urbana. Todavia, falar em progresso efeti- vo dentro do planejamento das cidades brasileiras é versar sobre a conquista do Estatuto da Cidade. Esta afirmação tem seu peso na medida em que a legislação formulou políticas urbanas com viés mais social, ao propor a participação e inclusão popular nas decisões do planejamento territorial, e ao fortalecer a gestão demo- crática e a promoção do direito à cidade e sua função social (OLIVEIRA; LOPES; SOU- ZA, 2018). Esta lei, desta forma, contribuiu na busca pela democratização do solo urbano e da cidade como um todo a par- tir de diversos instrumentos jurídicos e urbanísticos de ordenação e ocupação do solo. Ela, sob esse prisma, “estabele- ce normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da se- gurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental.” (BRA- SIL, 2001). Além disso, seu caráter social veio como grande destaque e inovação den- tro do direito urbanístico brasileiro, pois tem como intenção proporcionar o con- trole social da população sobre as deci- sões municipais, “por meio do compar- tilhamento e da delegação de poderes quanto ao futuro de toda uma comuni- dade.” (OLIVEIRA; LOPES; SOUZA, 2018). Com isso, a participação pública apresenta como benefício o acolhimento dos interesses coletivos, o que possi- bilita o ajustamento da atuação da administração pública às efetivas necessidades da população: econômicas, sociais, ambientais, entre outras. Essa estratégia de gestão inclusiva proporciona também a democratização e a legitimação da atuação ad- ministrativa, além de impulsionar a formação da consciência cívica e política da sociedade em suas relações com o poder público. (OLIVEIRA; LOPES; SOUZA, 2018) Outro mecanismo de importância significativa dentro do Estatuto é o Plano Diretor, o qual é entendido, de acordo com o Art. 40 da lei, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (...) é parte integrante do processo de planejamento municipal (...)” (BRASIL, 2001). Ele determina, por- tanto, que em cada município seja feito um plano que norteie seu ordenamento, desenvolvimento e crescimento, de ma- neira, também, que sejam regulamen- tados os instrumentos urbanísticos pro- postos pelo próprio Estatuto. Entretanto, ao passar para o plano municipal tal responsabilidade, por mais consequências positivas que isso traga, alguns pontos negativos podem ser no- tórios. Os pontos positivos estão rela- cionados com o fator de diferenciações de realidades, que são notórias entre os municípios brasileiros. Então passar para a esfera municipal tais direcionamentos garante um gerenciamento e direciona- mento mais coeso, como também uma maior aproximação com o cidadão (FER- REIRA, 2005). A questão negativa é que ao atribuir a regulamentação de instru- mentos urbanísticos aos Planos Diretores de cada cidade, “estabelece-se uma nova disputa essencialmente política no ní- vel municipal, e conforme os rumos que 36 37 ela tome, esses instrumentos podem ser mais ou menos efetivados” (FERREIRA, 2005, p. 19). Diante disso, entende-se que por mais progressista que tenha sido a conquista desses instrumentos, diversas problemáticas estão atreladas a sua efeti- vação e combate às desigualdades socio- espaciais. Consoante os apontamentos deste último autor, os dispositivos da po- lítica urbana só terão eficácia se no mo- mento em que estiverem sendo criados, tenha uma vontade política de reverter o cenário iníquo. Sem essa vontade política, que implica em políti- cas de governo claramente dispostas a enfrentar os privilégios das classes dominantes, os instrumentos urbanísticos podem servir apenas como maquia- gem demagógica, sem muito poder para mudar o quadro urbano brasileiro. Vale notar que a briga é longa, e, até agora, tem sido difícil (FERREIRA, 2005, p. 17). 2 . 2 . 2 P r o b l e m a s Baseando-se, assim, no pressu- posto de que para se atingir mudanças na questão urbana, não são só necessários instrumentos, como também vontade e articulação política, constata-se que após anos de sua aprovação no Congresso Na- cional “as desigualdades presentes no Brasil urbano continuam as mesmas da época em que o Estatuto da Cidade era bravamente discutido e enormemente desejado por toda uma geração de arqui- tetos e urbanistas” (RODRIGUES, 2016). Ou seja, a vontade política continuou valorizando a elite e deixando as classes econômicas mais baixas de escanteio. Rodrigues (2016), nesse viés, ex- põe uma série de situações que levou o Estatuto a falhar na luta por um espaço urbano mais igualitário no país. Primeira- mente, ele cita problemáticas vistas com a elaboração dos Planos Diretores. Em termos quantitativos, ele atingiu as ex- pectativas ao alcançar o cenário de 2000 cidades com o documento. Contudo, do ponto de vista qualitativo, afirma-se que os planos são fracos e não trataram de diversos assuntos importantes para sua operacionalização. Isto significa, portanto, que pouco foi direcionado para cenários de comba- te às desigualdades socioespaciais, por exemplo. “Os Planos Diretores pouco fi- zeram para a enorme parte da popula- ção excluída da chamada “cidade formal”. Na prática, os planos se distanciaram da realidade urbana periférica, e não impe- diram a fragmentação das políticas pú- blicas urbanas.” (FERREIRA, 2005, p. 19). Melhor dizendo, a tradição urbanística brasileira permaneceu apoiada à ratifica- ção da hegemonia das classes dominan- tes no território. Como convém a um país onde as leis são aplicadas de acordo com as circunstâncias, o chamado Plano Diretor está desvinculado da gestão urbana. Discur- so pleno de boas intenções mas distante da prática. Conceitos reificados, reafirmados em seminários internacionais, ignoram a maioria da população. A habitação social, o transporte público, o sanea- mento e a drenagem não têm o status de temas im- portantes (ou centrais, como deveriam ser) para tal urbanismo. O resultado é: planejamento urbano para alguns, mercado para alguns, lei para al- guns, modernidade para alguns, cidade para alguns... (MARICATO, 2000, p. 124-125, grifo nosso). As falhas da política urbana, nessa conjuntura, estão atreladas a fatos endó- genos e exógenos à legislação urbanís- tica (ALMEIDA, 2015 apud RODRIGUES, 2016). Em se tratando destes, cabe dizer, num primeiro plano, sobre a incapacida- de do planejamento urbano de lidar com a questão regional, isto é, de se articular com os municípios vizinhos para criar e pensar as cidades através de um sistema, de modo a não impactar negativamente as infraestruturas urbanas ofertadas pe- los vizinhos (RODRIGUES, 2016). Num segundo plano, Rodrigues (2016) cita sobre a “primazia do valor de troca sobre o valor de uso da terra urba- na”. Isto implica numa situação de não utilização de diversos instrumentos do Estatuto por estes afrontarem o direito de propriedade, encarado, ainda, como absoluto no país. O terceiro fato é a instabilidade política que assume os governos mu- nicipais. Devido as políticas não serem pensadas como ações de Estado, mas sim ações de governo, o antagonismo de grupos políticos que assumem o po- der dificulta a aplicação de diretrizes das legislações urbanísticas municipais. Isto posto, ações com viés mais social podem ser cortadas dependendo da vertente e das prioridades daqueles que assumem o mandato. Além disso, há ainda a cons- tante disputa entre os poderes executivo, legislativo, movimentos sociais e empre- sariado (RODRIGUES, 2016). O quarto ponto é “a falta de arti- culação de grupos comunitários em con- traposição à pressão exercida de forma orquestrada pelos setores produtivos por novos espaços voltados para suas atividades.” (RODRIGUES, 2016). Nesse contexto, devido os grupos comunitários serem pouco articulados e não participa- rem efetivamente da gestão do plano, os interesses econômicos acabam por ditar a produção do espaço e muitas vezes contradizem o previsto no próprio plano, levando à fragilidade da legislação urba- nística (RODRIGUES, 2016). O último fato exógeno está asso- ciado ao ponto anterior, no que diz res- peito a gestão da aplicação da legislação urbanística. De acordo com Rodrigues (2016) a fragilidade do processo partici- pativo na operacionalização das diretri- zes e objetivos listados no documento, leva ao seu esquecimento e não efetiva- ção. Adentrando-se nos fatores endó- genos, vale considerar, a princípio, sua complexidade. Tendo em vista a burocra- cia e do fator de que cada instrumento é regulamentado por outro dispositivo complementar, é gerada uma difícil in- terpretação pelos interessados e pelo público no geral. Deste modo, “isto gera maior dificuldade para licenciar empre- endimentos e atividades urbanas, o que 38 39 acaba por incentivar as irregularidades no parcelamento, uso e ocupação do solo local” (ALMEIDA, 2015 apud RODRIGUES, 2016). Além disso, há uma falta de arti- culação e compatibilização das políticas, em especial entre os planos diretores e as políticas setoriais. Aqueles, nesse contex- to, não são entendidos como norteado- res dos investimentos públicos e acabam se tornando em um “plano discurso, que muito diz, mas pouco realiza” (ARANTES; VAINER; MARICATO, 2000 apud RODRI- GUES, 2016). Por fim, traz-se para a discussão os obstáculos da operacionalização do plano relacionados com a adoção de pa- râmetros elitistas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Rodrigues (2016), nes- sa questão, afirma que em sua maioria é feita uma idealização da cidade, descon- siderando, portanto, a realidade local. Este fato implica diretamente na legisla- ção urbanística e se afasta do praticado pelos cidadãos, levando a definição de duas cidades, em que “a legalidade aten- de aos interesses de uma elite, que vê o preço das suas propriedades elevado, e exclui a maioria do acesso aos serviços e infraestrutura urbanos.” (RODRIGUES, 2016). Deste modo, pode-se dizer que (...) os avanços econômicos, legais e institucionais verificados nos últimos anos no país, em especial com a aprovação do Estatuto da Cidade, não foram suficientes para amenizar as desigualdades ainda presentes no espaço urbano (ARANTES, 2013 apud RODRIGUES, 2016). Este raciocínio permite dizer que as cidades brasileiras foram produzidas para gerar lucros para as pessoas jurídicas e não para acomodar a vida das pessoas físicas, que seria uma completa transgressão daquilo preconizado pelo Estatuto da Cidade, ou à clássica noção de direito à cidade (LEFEBVRE, 2001 apud RODRIGUES, 2016). Constata-se, pois, que apesar de inovador, o Estatuto da Cidade não está conseguindo dar respostas às questões urbanas na sociedade brasileira. Compre- ende-se, também, que o Plano Diretor deixa lacunas com relação a organização das cidades e a falta de participação po- pular nos projetos é determinante para a hegemonia das elites, a qual intensifica uma grande diferenciação e desconexão entre os espaços urbanos. Assim, faz-se necessário buscar por soluções. 2 . 2 . 3 S o l u ç ã o 2 . 2 . 3 . 1 M a s t e r p l a n Em face das problemáticas expos- tas anteriormente, é necessário buscar desenvolver uma gestão urbana que di- minua a desigualdade e amplie a cida- dania. Para isso, de acordo com Maricato (2000, p. 179), é preciso incluir a partici- pação popular nas decisões do plane- jamento, bem como criar um Plano de Ação, ao invés de um único Plano Diretor. Nesta seção, cabe debater meios de se chegar neste último; já na seção sobre o placemaking será melhor debatida a pri- meira questão. Isto posto, entende-se, aqui, que um Plano de Ações dá destaque para di- retrizes relacionadas a: Controle e orientação de investimentos; criação de um serviço especial de fiscalização de uso e ocupa- ção do solo; enfoque integrado das ações sociais, ambientais e econômicas; detalhamento de planos executivos, específicos, das prioridades: habitação, transportes públicos e meio ambiente (incluindo sa- neamento básico e drenagem) (MARICATO, 2000, p. 179) Isto é, “o Plano de Ação pode ser um contraponto ao Plano Diretor, essen- cialmente normativo. Ele pode incluir uma proposta normativa (a busca de uma normativa cidadã ou aplicável para todos), mas deve incluir também ações, operações, investimentos.” (MARICATO, 2000, p. 81). Deste modo, este plano in- dica uma maior aproximação e um maior contato com as diferentes escalas da ci- dade e demonstra como se deve agir. En- tende-se ser fundamental planejar cada setor de forma integral, além de conecta- da com as demais áreas. Nessa conjuntura, ao levantar meios de se alcançar e concretizar um Plano de Ações, constatou-se que um instrumento dentro do planejamento ur- bano que auxilia no estabelecimento de direcionamentos futuros é o masterplan. De acordo com Moreira (2021), “o master- plan é uma ferramenta de planejamento físico-espacial de uma cidade ou parte dela – como um bairro, uma vizinhança, ou até mesmo de um complexo arquite- tônico de grande escala”. Além disso, a autora destaca que essa ferramenta tam- bém pode ser entendida como “um con- junto organizado de decisões tomadas por uma pessoa ou um grupo de pesso- as sobre como fazer algo no futuro.” (DI- CIONÁRIO CAMBRIDGE apud MOREIRA, 2021). Sendo assim, compreende-se, à nível urbano, que este instrumento irá trazer recomendações e propostas a par- tir de uma análise complexa da área e de seu entorno, bem como de seu contexto social e ambiental. Possibilidades de sua aplicação são diretrizes específicas para as tipologias das edificações, definição de fluxos e de usos, organização espacial, equipamentos, sistemas de transporte, disposição de áreas públicas e distribui- ção de áreas verdes. (MOREIRA, 2021; SO- MOS CIDADE, 2022). Diante disto, nota-se que o mas- terplan é uma ferramenta adaptável a di- versos contextos e escalas, a depender de sua finalidade. Ademais, ele pode, dentro de suas diretrizes e orientações, “estabe- lecer ações prioritárias na sua implemen- tação, a partir, por exemplo, da subdivi- são em fases.” (MOREIRA, 2021). Nessa conjuntura, adotá-lo como instrumento projetual e de planejamento dentro da cidade é promissor e é um contraponto ao Plano Diretor. Questões como expan- são e regeneração urbana, por exemplo, a partir de uma visão organizada e holís- tica de um masterplan, contribuem para 40 41 cidades mais justas e sustentáveis. Nesse diapasão, a aplicação e de- monstração do sucesso de se adotar um planejamento focado em áreas específi- cas da cidade, com direcionamentos cla- ros e bem determinados, pode ser vista no capítulo de Referencial Projetual, com o projeto do Bairro Hammarby Sjöstad, de Estocolmo, que dispõe de um planeja- mento dividido em översiktplan (zonea- mento em longo prazo) e detaljplan (pla- no detalhado para cada bairro). Ou seja, será comprovado que se o planejamen- to urbano brasileiro, ao prosseguir com o Plano Diretor para uma organização macro da cidade, e adotar o masterplan como um projeto que incorpora formas de se intervir detalhadamente em cada bairro, isto é, na escala micro, será possí- vel criar um cenário de melhor organiza- ção do espaço urbano, com vias de torna- -lo mais justo, inclusivo e sustentável ao longo do tempo. 2 . 2 . 3 . 2 D i r e i t o d e p r e e m p ç ã o Na presente subseção de soluções para o planejamento urbano, convém dissertar a respeito do instrumento do “direito de preempção”, presente no Esta- tuto da Cidade. Ele foi selecionado como uma solução às problemáticas dentro do planejamento urbano por ser um exem- plo de como pode haver a participação social em decisões de cunho coletivo na cidade, ou seja, na delimitação de áreas que são de interesse comum entre a po- pulação. Isto posto e consoante o Artigo 25 da lei, ele “confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação one- rosa entre particulares.” (BRASIL, 2001). Sendo assim, ele será exercido, conforme afirma o Artigo 26, sempre que o Poder público necessitar de áreas para: I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e co- munitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou pro- teção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico; (BRASIL, 2001, grifo nos- so) Destarte, o processo participativo pode direcionar e contribuir para a deli- mitação de áreas de interesse na cidade. Diversos debates podem ser criados para o entendimento de zonas que podem comportar espaços públicos de interes- se histórico, cultural ou paisagístico pela população. Sob essa tônica, este movimento de dar voz ao público e efetivar suas de- cisões através da aplicação deste instru- mento, vai de encontro com a tolerância do Poder Público às ações de imobiliárias e grandes empresários, os quais visam seus próprios interesses e excluem os de- sejos da sociedade civil. Deste modo, este é um confronto importante e necessário para desestruturar a relevância do Poder Público diante de tais ações, tornando a população um agente presente na pro- dução das cidades. 2 . 2 . 3 . 3 P l a c e m a k i n g No que pesa a participação popu- lar nas decisões do planejamento urba- no, faz-se relevante trazer para a constru- ção teórica desta monografia a temática sobre o placemaking, que diz respeito a produção do espaço a partir dos usuá- rios. Isto posto, aprofundar-se-á nos prin- cípios disseminados pela organização Project for Public Spaces (PPS), tendo em vista sua importância dentro da temática, uma vez que ela “atua no planejamento e concepção de espaços públicos educan- do e ajudando as pessoas a criar e man- ter seus espaços (...) e também atua como uma espécie de hub do movimento (...)” (HEEMANN; SANTIAGO, 2015, p. 5). Deste modo, faz-se importante entender qual é a fundamentação do pla- cemaking. De acordo com o artigo do PPS (2007), extrai-se que ele é uma ferramen- ta que, tendo como objetivo melhorar es- paços urbanos, utiliza da opinião pública para reimagina-los e reinventa-los cole- tivamente, levando em consideração as identidades físicas, culturais e sociais que definem um lugar. Ou seja, “é centrado em observar, ouvir e fazer perguntas às pessoas que vivem, trabalham e se di- vertem em determinado espaço, a fim de entender suas necessidades e aspirações (...)” (PPS, 2007, tradução nossa, grifo nos- so). Isto acarreta em uma análise espacial que não foca apenas em componentes isolados, mas sim em suas combinações e reflexos no meio. Portanto, entende-se que a visão e colaboração da comunidade são essen- ciais para o processo de placemaking, e, além disso, favorecem maior conectivida- de e sentimento de pertencimento com os espaços urbanos. Por isso, compati- bilizar análises geográficas, ambientais, urbanísticas e, sobretudo, sociais, contri- buem para a promoção de lugares bem sucedidos e harmônicos dentro das cida- des. Este sucesso, no que tange aspec- to social – o qual é a questão central desta seção - proporciona espaços de troca, de encontro, de diversidade e de palco para a vida pública. Nesse sentido, a bibliogra- fia afirma que é possível medi-lo a partir de quatro qualidades fundamentais, que analisam as relações da escala humana com a cidade, e são definidas como: aces- sível; ativo; confortável; e sociável 1. Essas características podem ser interpretadas como: acessível no sentido de comportar e proporcionar a chegada e locomoção segura de todas as pessoas; ativo no que diz respeito no oferecimen- to de diferentes atividades e usos para o espaço, bem como sua efetiva utilização por uma população diversa; confortável 1 PPS: O que faz um lugar de sucesso. Disponível em: https://www.pps.org/article/grplacefeat 42 43 ao dispor de lugares para sentar e de ter uma vista agradável, de maneira a torna- -lo convidativo e inclusivo; e sociável ao gerar um local de encontro e de intera- ção (HEEMANN; SANTIAGO, 2015). Tais aspectos são dispostos em um diagrama criado pela PPS, de forma a auxiliar na análise e avaliação da qualidade do es- paço público, a partir de alguns atributos que asseguram as quatro principais ca- racterísticas (Figura 1). À vista disso, ao captar os atribu- tos que conformam espaços públicos de qualidade à população e que ajudam num diagnóstico espacial, requer-se, também, a assimilação de como alcança- -los. O PPS, nessa conjuntura, levanta 11 princípios do placemaking que auxiliam em seu desenvolvimento. O primeiro deles, “o especialista é a comunidade”, fala sobre incorporar ao planejamento espacial a visão dos moradores do local de intervenção. Eles podem contribuir para “insights valiosos sobre os usos do espaço e até levantar os principais problemas ou a importância do local para quem é da região” (HEEMANN; SANTIAGO, 2015, p. 54). Logo, isto implica num senso de propriedade comunitária, tendo em vista que o projeto não partirá de suposições, mas sim de interpretações reais e concretas daqueles que ali vivem. O segundo, “crie um lugar, não um design”, demonstra que para se al- cançar a vitalidade dos espaços, é funda- mental introduzir elementos físicos que convidem as pessoas e as façam se sentir confortáveis, como por exemplo assen- tos, paisagismo e um padrão de circula- ção ativo de pedestres, ou seja, mais pes- soas na rua. “O objetivo é criar um lugar que tenha um forte senso de comunida- Figura 1: Diagrama de avaliação do desempenho do espaço público. Fonte: Heemann; Santiago, 2015, p. 20. de, um visual confortável e também que garanta atividades durante todos os dias da semana, em todos os horários” (HEE- MANN; SANTIAGO, 2015, p. 56). O terceiro, “procure parceiros”, diz respeito à colaboração de diversos setores, como arquitetos e urbanistas, cidadãos e empresas locais, para o de- senvolvimento do projeto no futuro. É inestimável, desta maneira, o processo de brainstorming e do suporte que eles podem oferecer para fazer com que o projeto seja um sucesso e saia do papel (HEEMANN; SANTIAGO, 2015). O quarto, “você pode ver muito ao observar”, disserta sobre uma avalia- ção sobre sucessos e fracassos no espa- ço público. Isto é, observar se as pessoas o utilizam ou não, como elas utilizam, o que funciona e o que não funciona e o que elas gostam. Com isso, é possível encontrar os melhores caminhos de in- tervenção e compreender as faltas e os pontos positivos que o espaço apresenta (HEEMANN; SANTIAGO, 2015). O quinto, “tenha uma visão”, re- vela que é necessária a preocupação de que as pessoas que vivem e trabalham em determinada área sintam orgulho e identificação com ela, de modo que en- volvê-las nas decisões e considerar seus sonhos e desejos é o caminho para se ter a visão adequada para o espaço. Isso pode ser proporcionado a partir de três pontos essenciais: “saber quais atividades podem ser oferecidas no espaço; definir as intervenções que vão tornar o espa- ço mais confortável e atrativo; garantir que tudo seja feito para que o lugar seja um espaço importante para as pessoas” (HEEMANN; SANTIAGO, 2015, p. 61). O sexto, “simples, rápido e bara- to”, é um princípio que diz que devido a complexidade de intervenção nos espa- ços públicos, é recomendado, no início, realizar melhorias de curto prazo que po- dem ser refinadas ao longo dos anos. Al- guns exemplos são: cafés ao ar livre, arte pública e hortas comunitárias (PPS, 2022; HEEMANN; SANTIAGO, 2015). O sétimo, “triangulação”, trata sobre um processo que estimula a inte- ração entre desconhecidos (WHYTE apud PPS, 2022). Isso pode ser proporcionado a partir da escolha de disposição de ele- mentos no espaço público, de forma que ao conectá-los, evitando usos limitados, é possível gerar o encontro entre as pes- soas (HEEMANN; SANTIAGO, 2015). O oitavo, “eles sempre dizem ‘isso não pode ser feito”, demonstra os obstáculos a serem enfrentados no cam- po das intervenções urbanas, com o setor público e o setor privado. Um exemplo disso é: Um engenheiro de tráfego, por exemplo, pode di- zer que é impossível fechar uma rua apenas para o trânsito de pedestres – porque seu trabalho é facilitar o trânsito de carros e não criar lugares de convivência social. Fazer implementações de pe- quena escala com a comunidade pode demonstrar a importância desses “lugares” e ajudar a superar os obstáculos. (HEEMANN; SANTIAGO, 2015, p. 64) 44 45 O nono, “a forma dá suporte à função”, surge com intuito de direcionar a escolha do desenho urbano a partir da visão e desejo da população para o es- paço, bem como de leituras prévias rea- lizadas. Em outras palavras, “as ideias da comunidade e de potenciais parceiros, a compreensão de como os outros espaços funcionam, a experimentação, e a supe- ração de obstáculos e opositores vão ser- vir para construir o conceito do espaço” (HEEMANN; SANTIAGO, 2015, p. 65). O décimo, “dinheiro não é o problema”, diz que pelo envolvimento da comunidade e de outros parceiros na elaboração do projeto, pode-se dispor de uma redução nos custos. Além disso, o entusiasmo com o processo faz com que os benefícios se sobressaiam com relação aos gastos (HEEMANN; SANTIAGO, 2015). O décimo primeiro e último prin- cípio, “você nunca terminou”, elucida a dinamicidade da comunidade, que está sempre mudando e se adaptando a no- vos costumes e necessidades. Por isso, pensar em projetos flexíveis e suscetíveis a essas mudanças é o que constrói bons espaços públicos e boas cidades (HEE- MANN; SANTIAGO, 2015). Sob esse prisma, tendo em vista os princípios do placemaking, questio- na-se sobre o processo de sua aplicação. Como é possível, a partir do entendimen- to do que é esta ferramenta, efetua-la no planejamento urbano. Consoante o PPS (2017), são necessárias cinco etapas (Fi- gura 2). A primeira, diz respeito sobre a definição do local de intervenção e as partes interessadas da comunidade para Figura 2: Etapas do placemaking. Fonte: PPS, 2017. Adaptado pela autora, 2022. seu desenvolvimento. Isto exige uma reunião com representantes do setor pú- blico, privado e cívico – moradores, em- presas, organizações culturais, religiosas ou educacionais, de maneira a torna-los vozes ativas e parceiros durante o proces- so. De acordo com o PPS (2017), as ques- tões a serem consideradas no alcance das partes são: 1. Quem está interessado em que as coisas mudem? 2. Eles estão dispostos a participar de alguma for- ma usando seus talentos ou fundos? 3. Existem fundos existentes que poderiam ser usa- dos para fazer melhorias ou programar o espaço? 4. Existem organizações existentes que poderiam fornecer gerenciamento de longo prazo para o es- paço? (PPS, 2017, tradução nossa) A segunda etapa é a avaliação do espaço e a identificação dos problemas. Nesse viés, é feito um balanceamento dos pontos positivos e negativos do es- paço e como ele vem sendo usado, a fim de alcançar um diagnóstico que norteie melhoras. Um workshop que envolva a comunidade e consiga extrair opiniões e visões diversas do espaço é um meio interessante de se alcançar uma análise fundamentada e expressiva. Outra forma é a partir de um engajamento online para aqueles que não possam comparecer pessoalmente (PPS, 2017). A terceira envolve a criação de uma visão do local por meio do diagnós- tico obtido na segunda etapa. Ele inclui, portanto, a definição dos objetivos com- partilhados pelas partes interessadas; a definição de uso e do público alvo; uma descrição sobre como será o espaço; um plano conceitual sobre como ele pode ser projetado, viabilizado e implementa- do; análise de projetos semelhantes para avaliar seu desempenho; e, por fim, um plano de ação para estabelecer melho- rias de curto e longo prazo (PPS, 2017). A quarta, confo