NOEMI BIANCHINI AS AUSÊNCIAS DE CONHECIMENTOS MANIFESTOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS-ALUNAS DE CURSO NORMAL SUPERIOR Araraquara 2005 NOEMI BIANCHINI AS AUSÊNCIAS DE CONHECIMENTOS MANIFESTOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS-ALUNAS DE CURSO NORMAL SUPERIOR Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” como um dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Orientadora: Profª Drª Alda Junqueira Marin Eixo: Trabalho Educativo Linha de Pesquisa: Educação do Professor Araraquara 2005 NOEMI BIANCHINI AS AUSÊNCIAS DE CONHECIMENTOS MANIFESTOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS-ALUNAS DE CURSO NORMAL SUPERIOR Dissertação aprovada em 29 de Agosto de 2005 como um dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” pela seguinte banca: Orientadora: __________________________________________________ Profª Drª Alda Junqueira Marin Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/UNESP __________________________________________________ Profª Drª Paula Perin Vicentini Pontifícia Universidade Católica de São Paulo __________________________________________________ Profª Drª Luci Regina Muzetti Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara/UNESP Araraquara, 29 de Agosto de 2005. A Deus por ter-me concedido a coragem e a fé. À minha mãe Ondina por ter-me dado a Luz da vida. Ao meu companheiro Dante, pelo incentivo, compreensão e exemplo como pesquisador. Aos meus filhos pelas demonstrações de orgulho e compreensão ao meu trabalho. AGRADECIMENTOS Um carinho especial à Profª Dra Alda Junqueira Marin que com sua competente orientação ensinou-me a importância e a responsabilidade de se desenvolver um trabalho de pesquisa. Graças a sua confiança, dedicação e paciência pude realizar o sonho da pesquisa em educação; Especiais foram também as professoras doutoras Luciana Maria Giovanni e Luci Regina Muzzetti, às quais agradeço por todos os momentos de incentivo e aprendizagens; Inesquecíveis foram os momentos convividos com os professores e colegas da turma de Mestrado, especialmente com a amiga Márcia Regina Sambugari. Às tutoras e às professoras-alunas do Curso Normal Superior que com sinceridade e disponibilidade contribuíram com os dados dessa pesquisa. RESUMO As avaliações em âmbito nacional e internacional realizadas periodicamente junto aos alunos da educação básica e as pesquisas feitas pelos organismos oficiais com a finalidade de reunir e divulgar os mais atualizados indicadores sobre a educação brasileira revelam um cenário que evidencia grandes problemas quanto à aprendizagens escolares e culpabilização ora dos alunos, ora dos professores. Procurando colaborar para se compreender a realidade escolar brasileira, este estudo, que diz respeito ao tema da formação de professores, teve como objetivo principal investigar as lacunas de conteúdos na formação inicial das professoras-alunas que já têm uma formação realizada no âmbito do ensino médio e lecionam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental e que, no momento da pesquisa, estavam realizando o Curso Normal Superior. Para tanto parti de algumas questões, dentre as quais foram destacadas: A formação inicial do professor de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental é realmente falha e insuficiente para a prática eficiente do trabalho docente? Como se configuram tais falhas de formação? Os dados foram coletados em 2003 por meio de um questionário respondido por 410 professoras-alunas, cuja análise contribuiu para a construção do perfil sócio-econômico-cultural delas e de suas famílias em uma ampla região do estado de São Paulo. Foram realizadas entrevistas com 12 professoras-alunas e uma análise documental dos cadernos de 160 delas. O conceito de capital cultural proposto por Pierre Bourdieu constituiu base teórica para as reflexões sobre a relação entre herança familiar cultural e desempenho escolar e sobre o papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades sociais. As análises dos dados desta pesquisa apontaram lacunas nos conhecimentos de base para educação fundamental anteriores ao ingresso na formação das professoras- alunas do Curso Normal Superior: leitura, escrita e geometria são três pontos de interesse neste trabalho. Com essas constatações eu espero contribuir com o entendimento de algumas questões relacionadas com o desempenho dos alunos da educação básica brasileira apontados nas mais recentes pesquisas. Palavras-chave: formação inicial de professores; perfil sócio-econômico-cultural; capital cultural; lacunas de conhecimentos. ABSTRACT The national and international evaluations periodically made among students from basic education and the researches done by governmental organizations that bring together and make public the most recent data on brazilian education reveal problems related to learning and make clear that sometimes students are guilty for these results and sometimes the teachers are the ones guilty for these results. This study on teaching education tries to cooperate for the understanding of the reality of brazilian schools. The main goal was to investigate the knowledge lacks in the graduation of student-teachers. These student-teachers were professionals already, with a secondary school degree that certified them to work in early childhood education and elementary education; this degree was not a college one. During the research process they were attending the “Curso Normal Superior”. The main questions I had in the beginning were: the degree these teachers already had, which gave them the ability to work, was not enough for their teaching practice? And what shapes do these lacks in knowledge have and how do they appear during their studies? The informations were collected in 2003 by using a questionnaire answered by 410 student-teachers. The analysis of these questionnaires contributed to build their social-economic-cultural profile including their families in a wide region of the State of São Paulo, Brazil. There have been made 12 interviews with the student- teachers and 160 of their brochures have been examined, revealing elementary schools lacks knowledge. The “cultural capital” concept proposed by Pierre Bourdieu was the theoretical basis for all reflexions over the relationship between familiar cultural heritage and school efficiency and about the school function on reproducing and legitimating the social disparity. The analysis of informations from this research work showed us lacks in the basic knowledges to teach in elementary schools before attending the Curso Normal Superior: reading, writing and geometry, three points of interest in this work. With these results I hope to contribute for the understanding of some questions related to the efficiency of the brazilian elementary education students pointed out by the most recent researches. Key-words: teacher education; social-economic-cultural profile; cultural capital; knowledge lacks. LISTA DE TABELAS Tabela 01 Distribuição dos 115 artigos publicados em periódicos 35 Tabela 02 Distribuição dos 70 trabalhos apresentados nos GTs – FP – ANPED – 1992-1998 36 Tabela 03 Distribuição por tema principal CD-Rom – ANPED – 1981/1998 37 Tabela 04 Distribuição por componente curricular investigado. Educação Básica CD-Rom – ANPED – 1981-1998 37 Tabela 05 Distribuição por componente curricular investigado. Cursos de Formação de Professores - CD-Rom – ANPED – 1981-1998 38 Tabela 06 Distribuição dos 50 trabalhos apresentados nos GT08 – FP –ANPED- 1999-2003 40 Tabela 07 Referencial teórico apresentado nos 50 trabalhos no GT08-FP-Anped 1999-2003 40 Tabela 08 Tipologia apresentada nos 50 trabalhos nos GT08- FP- ANPED – 1999-2003 41 Tabela 09 Relação de cidades e turmas do Curso Normal Superior Fora de Sede 60 Tabela 10 Números do Pólo de Araraquara 62 Tabela 11 Limites do campo empírico 62 Tabela 12 Fração de classe à qual pertencem suas famílias 67 Tabela 13 Fração de classe à qual pertencem 67 Tabela 14 Condições de moradia 68 Tabela 15 Dependências de moradia 69 Tabela 16 Acesso aos bens de consumo 69 Tabela 17 Condições de moradia de suas famílias 70 Tabela 18 Dependências da moradia de suas famílias 71 Tabela 19 Instituição e âmbito de formação dos familiares 71 Tabela 20 Localidade de formação dos pais 73 Tabela 21 Fatos que impediram o acesso ao curso que gostariam de fazer 74 Tabela 22 Localidade da formação inicial das professoras-alunas 76 Tabela 23 Escolaridade e instituição freqüentada 76 Tabela 24 Exigências dos pais sobre os estudos 77 Tabela 25 Formação Profissional 79 Tabela 26 Intenção de formação profissional 80 Tabela 27 Opção pela profissão 80 Tabela 28 Condições que as impediram o acesso a outros cursos 80 Tabela 29 Condições que as impediram o acesso à formação superior 87 Tabela 30 Tempo de trabalho como professora 87 Tabela 31 Participação à seleção profissional 88 Tabela 32 Cargo que ocupa 88 Tabela 33 Tempo de serviço na rede municipal 89 Tabela 34 Série em que leciona 90 Tabela 35 Proporção de professoras-alunas, segundo acesso de suas famílias aos locais culturais 92 Tabela 36 Proporção de professoras-alunas , segundo acesso aos locais culturais, atualmente 92 Tabela 37 Proporção de professoras-alunas, segundo acesso e gosto pela leitura 93 Tabela 38 Proporção de professoras-alunas, segundo a pela preferência pela leitura 95 Tabela 39 Proporção de professoras-alunas, segundo o desempenho escolar. 99 Tabela 40 Proporção de professoras-alunas, segundo a preferência pelas disciplinas escolares 100 Tabela 41 Percentual de estudantes nos estágios de construção de competências Língua Portuguesa 2003 117 Tabela 42 Percentual de estudante nos estágios de construção de competências Matemática 2003 135 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Mapa relativo ao capital cultural escolar das professoras-alunas dos municípios de pequeno porte - Formação inicial (Entrevistas ) 82 Quadro 2 Mapa relativo ao capital cultural escolar das professoras-alunas dos municípios de médio porte - Formação inicial (Entrevistas ) 83 Quadro 3 Mapa relativo ao capital cultural escolar das professoras-alunas dos municípios de grandeporte - Formação inicial (Entrevistas ) 84 Quadro 4 Formação inicial e Perfil Sócio-Econômico-Cultural e Profissional das professoras-alunas do CNS e suas famílias 91 Quadro 5 Lembranças de contatos com a leitura (Análise documental- cadernos) 94 Quadro 6 Perfil Profissional das professoras-alunas do CNS 96 Quadro 7 Mapa relativo ao capital cultural familiar 147 LISTA DE SIGLAS CBIC = Câmara Brasileira da Indústria da Construção CNS = Curso Normal Superior FCLAr = Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara FPE = Fundo de Participação dos Estados FPM = Fundo de Participação dos Municípios FUNDEF = Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas Inaf = Indicador nacional de alfabetismo funcional INEP = Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPI = Imposto sobre produtos industrializados LDB = Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC = Ministério da Educação e Cultura NSEC = Nível Sócio Econômico Cultural dos alunos PIB = Produto Interno Bruto PISA = Programme for International Student Assessment PROFA = Programa de Formação de Professores Alfabetizadores Pnad = Pesquisa nacional de amostra por domicílio Saeb = Sistema de Avaliação da Educação Básica SARESP = Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo UNESCO = Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura UNESP = Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” USAID = United States Agency for International Development PABAEE = Programa de Assistência Brasileira Americana ao Ensino Elementar HEM = Habilitação Específica para o Magistério CEFAM = Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério OCDC = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico APÊNDICES Apêndice A - Grade Curricular do Curso Normal Superior Apêndice B - Competências a serem desenvolvidas no Curso Normal Superior Apêndice C - Avaliação-Verificação dos Instrumentos – CNS Apêndice D - Questionários aplicados nesta pesquisa Apêndice E - Roteiro da entrevista realizada SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................014 Capítulo 1 – A formação de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil.........................................................................................................................................023 1.1- Breve Retrospectiva da formação de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil de meados do século XIX aos dias atuais ...........................................023 1.2. Pesquisas sobre a formação dos professores .....................................................................028 1.2.1. O que algumas pesquisas sobre a formação dos professores vêm revelando ................028 1.2.2. O que algumas revisões sobre pesquisas vêm revelando e ocultando............................032 1.3. A legislação da educação brasileira, documentação complementar e a formação de professores ................................................................................................................................042 Capítulo 2 - O Curso Normal Superior ....................................................................................051 2.1 . O cenário nacional e alguns determinantes da proposta e seus desafios ..........................051 2.2. A proposta de formação de professores fora de sede ........................................................053 2.3 A proposta do Curso Normal Superior ..............................................................................055 2.3.1. Os agentes e os componentes didáticos..........................................................................055 2.3.2.As novas tecnologias como conceito revolucionário de formação profissional..............056 2.3.3. Matriz Curricular ............................................................................................................058 2.3.4. O Modelo Didático .........................................................................................................058 2.4. A distribuição do Curso Normal Superior.........................................................................060 2.5. O Pólo de Araraquara ........................................................................................................061 2.5.1. Mapeando as professoras-alunas do Pólo de Araraquara ...............................................062 Capítulo 3 – Quem eram os professores-alunos do Curso Normal Superior (perfil sócio- econômico-cultural) .................................................................................................................064 Capítulo 4 – Lacunas em relação à formação inicial................................................................101 4.1- Retomando o percurso ......................................................................................................101 4.2. A análise dos dados ...........................................................................................................105 4.2.1 – A opção pela formação .................................................................................................105 4.2.2 – As lacunas da formação inicial ....................................................................................109 4.2.2.1 – Língua Portuguesa .....................................................................................................109 4.2.2.2 – Matemática ................................................................................................................127 Capítulo 5 – Regularidades e singularidades na formação das professoras-alunas..................144 5.1. Professora-aluna G1 : “Não queria trabalhar na roça" .....................................................148 5.2. Professora-aluna G2 : “eu tive paixão depois, quando ia pra casa das minhas tias”...então eu peguei" ............................................................................................................153 5.3. Professora-aluna G3: “...E isso, bem, no começo era... um terror, a gente dava borboleta no estômago, como diz o outro, ficava naquela aflição [riso]. Agora não, agora a gente tira isso de letra ..................................................................................................157 5.4. A professora-aluna G4: “...é diferente quando aquilo se torna significativo para você.” .......................................................................................................................................160 5.5.Professora-aluna M1: “...então eu aprendi...eu não preciso ser artista pra ensinar arte” .........................................................................................................................................163 5.6. Professora-aluna M2 “E você tem que dar uma de artista, uma de louca na hora pra você contornar aquela situação. Mas tem coisas que foge.” ...................................................168 5.7. Professora-aluna M3: “Nossa, tem tanta coisa que eu tenho que ler para recuperar o tempo perdido...” .....................................................................................................................174 5.8. Professora-aluna M4: “...você começa a ver o aluno com outros olhos...” .......................177 5.9. Professora-aluna P1: “... Eu não tinha noção nenhuma, hoje eu vejo quanta coisa errada eu fiz!” ...........................................................................................................................179 5. 10. Professora-aluna P2 : “Eu falo que a Matemática, pra mim, eu acho que ela não foi ensinada” .............................................................................................................................182 5.11. Professora-aluna P3 : “Porque eu não gosto muito de ler, eu sou sincera, eu não gosto. Com o curso eu estou lendo mais.” ...............................................................................185 5.12. Professora-aluna P4: “ eu adorava! Eu não via a hora de chegar sábado pra ela ir contar historinha” .....................................................................................................................187 Considerações Finais ................................................................................................................192 Referências Bibliográficas .......................................................................................................203 14 INTRODUÇÃO A má formação dos alunos vem sendo investigada ao longo das últimas décadas e diferentes relações têm sido estabelecidas com: suas famílias, a formação dos professores, os programas do governo para a educação, as exigências do mercado de trabalho, o desenvolvimento da tecnologia, a mídia entre outros aspectos e instâncias. As pesquisas nas universidades e fora delas, nos organismos internacionais e nacionais têm se voltado para esses temas, estudando-os individualmente ou tentando relacioná-los em busca de respostas. Um exemplo de levantamento bibliográfico relativo a tais estudos focalizando o rendimento dos alunos está em Monteiro (2000), quando aponta as diversas esferas de interferência sobre o rendimento e a dedicação de muitos estudiosos ao assunto. Apesar do grande número de trabalhos concluídos, continuamos diante do caos: alunos analfabetos ao final da educação básica,conforme os resultados das estatísticas oficiais, profissionais inaptos para o mercado de trabalho ao final da graduação ou da formação acadêmica. Neste trabalho tenho como objetivo compreender facetas da formação dos professores, não para responsabilizá-los pelo fracasso da escola, mas para tentar entender de que modo eles se apresentam com lacunas de formação, frutos desta sociedade que exclui e não dá conta de formar a todos com igualdade. O objeto e as questões de pesquisa O objeto de pesquisa construído para este estudo, diz respeito ao campo temático da formação de professores, recortado pelo sub-tema da formação inicial, mais especificamente, sobre facetas da formação de professores que já estão em efetivo exercício, ou seja, que já têm uma formação realizada no âmbito do ensino 15 médio e lecionam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental e quais as relações que essas professoras-alunas estabeleceram consigo, com os outros e com o conhecimento ao longo de sua trajetória escolar. Para isto parti de algumas questões, dentre as quais destaco: A formação inicial do professor de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental é realmente falha e insuficiente para a prática do trabalho docente? Como se configuram tais falhas de formação? Meu interesse por tais questões surgiu quando, em contato com essas professoras-alunas, percebi que algumas tinham muitas dificuldades na leitura e interpretação dos textos, no relacionamento com os colegas em trabalhos de grupo, nas atividades de pesquisa, enquanto outras se destacavam pela postura crítica em relação às leituras, nas apresentações dos seminários, nos exemplos relacionados à prática educativa. Parti da realidade vivida por essas professoras, que já tinham uma formação inicial no âmbito do ensino médio e participavam, no momento da pesquisa, de uma formação inicial no âmbito do ensino superior que, para além da certificação legalmente exigida, deve auxiliá-las em seu desenvolvimento profissional. Qual a explicação, então, para o fato de algumas professoras-alunas apresentarem tantas dificuldades na leitura e interpretação dos textos, no relacionamento com os colegas, nas atividades de pesquisa, enquanto outras se destacavam pela postura crítica em relação às leituras, nas apresentações dos seminários, nos exemplos relacionados à prática educativa, nas práticas de estudos se, na maioria das vezes, o curso médio que freqüentaram era do mesmo tipo? 16 Após delimitar o cenário e as questões para este estudo, destaco a relevância desta pesquisa com a importância de aprofundarmos estudos sobre a formação dos professores, principalmente por tratar-se de uma situação recente, com período de duração delimitado, pois somente poderão participar desses programas, professores formados no magistério médio e em efetivo exercício. Durante disciplinas cursadas no programa de Pós-graduação, quais sejam, Educação do Professor: Concepções e Alternativas e A Perspectiva Sociológica de Pierre Bourdieu sobre a Realidade Social e Escolar, algumas leituras sobre a Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu, direcionaram-me para reflexões sobre a relação entre herança familiar cultural e desempenho escolar e sobre o papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades sociais. O conceito de capital cultural proposto por Pierre Bourdieu, foi de grande importância e ajudou-me a encontrar pistas para focalizar as perguntas deste estudo. Em Os três estados do capital cultural, publicado em 1979, Bourdieu desenvolveu o conceito de capital cultural com o objetivo de romper com os pressupostos do sucesso e fracasso escolar como conseqüência das aptidões naturais, ou seja, do dom para os estudos. Para o autor, “o rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família”, ou seja, do que ele define como o mais oculto investimento educativo: “a transmissão doméstica” da herança cultural. (BOURDIEU, 1979a, p.73-74). Inúmeras críticas têm sido feitas à Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu, principalmente em relação aos limites de sua teoria sobre a educação, reprodução e legitimação das diferentes frações de classes sociais. Contudo, opto por concordar com Nogueira e Nogueira (2002), estudiosos da teoria de Bourdieu, quando escrevem: 17 Bourdieu nos forneceu um importante quadro macrossociológico de análise das relações entre o sistema de ensino e a estrutura social. Esse quadro precisa, no entanto, ser completado e aperfeiçoado por análises mais detalhadas.Faz-se necessário, em especial, um estudo minucioso dos processos concretos de constituição e utilização do habitus familiar, bem como uma análise mais fina das diferenças sociais entre famílias e contextos de escolarização.(NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p.35) e, por esta razão, tomei como referencial teórico para minha pesquisa a Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu, sobretudo o conceito de capital cultural o qual pode auxiliar na compreensão das diferenças iniciais observadas. Segundo Nogueira e Nogueira (2004, p.59) Bourdieu nega o caráter autônomo do sujeito e o considera como resultado de uma bagagem socialmente herdada. Explicar, portanto, o fracasso escolar requer uma análise das condições de apropriação de conhecimentos, ou seja, das relações que o sujeito estabelece consigo, com os outros e com o conhecimento. Essa relação com o conhecimento é algo central na formação dos professores decorrente, como afirma Giovanni (2000), de uma atitude que deve marcar sua profissão, ou seja, a marca do estudo. Quais as relações com o conhecimento que essas professoras-alunas tiveram a oportunidade de vivenciar e no que essas relações interferiram dificultando a aquisição dos conhecimentos necessários à sua formação e à sua atuação junto às crianças? Tais questões deverão ser respondidas, tendo em vista a confirmação ou não de uma hipótese inicial: as professoras-alunas manifestam dificuldades no desempenho durante as atividades de Curso Normal Superior1,por apresentarem um 1 O curso Normal Superior onde estudam as professoras-alunas objeto desse estudo é oferecido por uma instituição do interior do estado de São Paulo. Esta pesquisa não tem como objeto de estudo a instituição e o curso oferecido por ela, portanto optou-se por não revelar o nome da mesma. 18 capital cultural com lacunas de formação em relação aos conteúdos escolares. Essas professoras mantiveram relações problemáticas com os conhecimentos escolares de base ao longo de sua experiência de vida e escolar. O objetivo central deste estudo, portanto, foi o de identificar os conteúdos falhos na formação anterior, e quais as relações dos problemas manifestos no decorrer do Curso Normal Superior, pelas professoras já em exercício, alunas desse curso em relação a sua vida familiar e escolar pregressa. Procedimentos Metodológicos e etapas da pesquisa A pesquisa aqui apresentada teve como campo empírico o Curso Normal Superior Fora de Sede oferecido por uma instituição superior de ensino do interior do estado de São Paulo. Este trabalho abrangeu análise bibliográfica, incluindo dados da pesquisa realizada com os periódicos, além da bibliografia específica a este objeto de estudo. A análise documental teve como material básico a análise de documentos oficiais, dos portifólios e auto-avaliações feitas ao longo do Curso acima citado. A visão oficial ocorreu por meio dos documentos definidores da política educacional da Secretaria de Estado de São Paulo e das políticas Nacionais de Educação e o Projeto Político Pedagógico do Curso Normal Superior. Os portifólios e auto-avaliações constituíram documentos gerados pelos alunos. Paralelamente, foi realizada investigação por meio de dois instrumentos. Construí um questionário estruturado, com o objetivo de traçar o perfil das professoras-alunas efetivas ou em exercício da função docente em alguns municípios do Estado de São Paulo e que estavam cursando o Curso Normal Superior. O Instrumento de coleta de dados da pesquisa buscava informações relativas a: 19 Identificação Pessoal: dados pessoais, formação escolar, formação profissional. Identificação da família: situação familiar na infância, dados dos pais, irmãos, avós paternos e maternos. Para Bourdieu, “o rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família”, ou seja, do que ele define como o mais oculto investimento educativo: “a transmissão doméstica” da herança cultural. (BOURDIEU, 1979a, p.73-74). Bourdieu (1975) considera, também, que condições espaciais e urbanísticas diferenciadas podem ser relevantes para a obtenção dos resultados escolares, pois as possibilidades de acesso a bens culturais e lingüísticos nas grandes cidades provavelmente podem ser mais disponíveis do que as dos provincianos. Levando em conta esta hipótese do autor, trabalhada em alguns de seus estudos, selecionei para as entrevistas três municípios com condições diferenciadas de acesso à cultura, com dimensões e populações diferenciadas para observar qual a relação do local de residência dessas professoras-alunas com o capital cultural apresentado por elas. Posteriormente, tendo como base o referencial teórico proposto, foi construído um roteiro semi-estruturado para as entrevistas, que após ter sido testado em estudo preliminar, seguindo-se as orientações de Bogdan e Biklen (1994) e reflexões do próprio Bourdieu (2003), foi reavaliado e reconstruído para dar melhor estrutura a uma conversa intencional dirigida às professoras, com o objetivo de obter informações que contribuíssem para atender às intenções e objetivos do estudo proposto neste trabalho de pesquisa. 20 Em seguida, fiz a leitura crítica dos relatórios, cadernos e auto-avaliações feitos ao longo do curso, com o objetivo de identificar fatos e relatos que apoiassem e evidenciassem ou não as hipóteses iniciais. Sendo este estudo de natureza empírica e por se considerar que condições espaciais e urbanísticas diferenciadas poderiam ser relevantes para a obtenção dos resultados, selecionei, inicialmente três cidades de porte diferenciado: a primeira com aproximadamente 73 mil habitantes, a segunda que possui cerca de 30 mil habitantes e a terceira com menos de 18 mil habitantes2. Depois de selecionadas as salas, foram indicadas quatro professoras-alunas de cada sala pelas tutoras. Tomei, portanto, como corpus para este estudo que tem como objetivo a compreensão aprofundada das questões já citadas, 12 alunas do Curso Normal Superior, de três municípios de diferentes dimensões. Foram feitas entrevistas com essas professoras-alunas que se destacavam ou não, nas atividades do dia-a-dia, em sala de aula. Para tanto alguns indicadores, descritos abaixo, foram fundamentais para que se compreendesse como se constitui o capital cultural das professoras-alunas pesquisadas e quais as relações com o conhecimento que elas tiveram a oportunidade de vivenciar e no que essas relações interferiram para a aquisição ou não dos saberes necessários à sua formação. São eles: Qual é a origem social destas professoras-alunas? Qual é a profissão dos pais? Em que instituições de ensino estudaram? Qual o tamanho de suas famílias originárias e atuais ? (nº de filhos do casal) 2 Fonte :http://www.planejamento.sp.gov/home/ind/MunAno.asp?Mun=216 21 Que informações tinham sobre cursos oferecidos na cidade e região? Havia pretensão de cursar algum deles? Se sim, por que não o fizeram? Além da família, com quem relacionavam-se? A quais atividades culturais tinham acesso? Quais os hábitos de lazer? Tinham dificuldades na escola? Se sim, em relação a quê? O que pensam e sentem as professoras-alunas sobre sua formação? Quais as relações que as professoras-alunas tiveram oportunidade de vivenciar ao longo da convivência escolar e de que forma essas relações contribuíram ou não com o sucesso ou fracasso escolar? Quais as suas expectativas em relação a formação em nível superior? Em que medidas as ações e conteúdos propostos pelo curso corresponderam às necessidades e prioridades desses profissionais? Organização e análise dos dados coletados Após a coleta iniciou-se a análise dos dados documentais e gerados.Parte deles foi organizada em quadros e tabelas. Parte dos dados, os bibliográficos, foram organizados no capítulo 1 abordando questões de formação de professores a partir de estudos realizados traçando um cenário anterior e atual, incluindo aspectos da legislação. O cenário é novamente retomado no capítulo 2, agora na perspectiva nacional geral para situar o curso de formação de professores que constitui o campo empírico desta pesquisa. No capítulo 3, ao analisar os resultados da investigação realizada por questionário estruturado, pretendeu-se complementá-los com os dados coletados nas entrevistas e na análise dos cadernos para se traçar o perfil sócio-econômico-cultural 22 das professoras-alunas efetivas ou em exercício da função docente em alguns municípios do Estado de São Paulo, que estavam cursando o Curso Normal Superior e de suas famílias explicitando-se as regularidades obtidas. No Capítulo 4 se encontram os dados cujas análises revelam a consecução do objetivo principal deste estudo, ou seja, as lacunas de conhecimentos que se manifestam em ausências de conteúdos escolares na formação inicial das professoras-alunas do Curso Normal Superior e suas relações com o contexto educacional brasileiro. O quinto capítulo retoma os dados das 12 professoras-alunas explorando-os de modo individual. Trata-se de um capítulo que além de abordar, reafirmando, as regularidades desse professorado, focalizam-se as singularidades, ou seja, de que modo as circunstâncias de vida de cada uma conduziu as trajetórias e influências diversificadas apesar das influências comuns da fração de classe, porém com algumas nuances dadas por diversa articulação na socialização familiar e na vida escolar. Nas considerações finais são retomadas as questões e apontados novos questionamentos surgidos. 23 Capítulo 1 – A formação de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil. Por se tratar de um estudo que tem como objetivo principal a compreensão de como se constitui a formação do professor que se prepara para atuar nas séries iniciais da Educação Básica no Brasil, decidiu-se construir este capítulo com os objetivos de compreender os modos de pensar sobre a formação desses professores desde as primeiras instituições que a ela se dedicaram os primeiros anos da república brasileira, contemplar as mais recentes mudanças na legislação educacional brasileira e, também apresentar uma revisão dos estudos e pesquisas mais recentes desenvolvidos e publicados sobre o tema. 1.1 - Breve Retrospectiva da formação de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil de meados do século XIX aos dias atuais. As grandes expectativas, sobre o tema da formação dos professores, declaradas atualmente por educadores em geral, dizem respeito à superação do despreparo do professor e sua relação com a crise na educação brasileira. Contudo, uma retomada de posicionamentos de estudiosos da História da Educação, pode nos ajudar a observar que a preocupação com o problema da formação de professores, seus conhecimentos e sua prática, é, historicamente, muito mais antiga do que se pode imaginar. Destaco, portanto, a importância desta breve retrospectiva do tema, uma vez que, sem essa informação, o problema da escola que exclui, do ensino que não prepara, da formação precária dos professores, podem parecer recentes e estar relacionados, por exemplo, somente a fatos como a democratização do ensino, sobretudo a partir da década de 1970, ou como efeito da Lei de Diretrizes e Bases da 24 Educação (4024/61) e da Lei 5692/71 ou devido à municipalização do ensino, à influência estrangeira dos referencias teóricos e práticos, à prática de professores leigos ou não habilitados, à feminização da profissão, à precária formação inicial dos professores, à distância entre teoria e prática, à desqualificação do professor, entre outros. Voltei no tempo, em busca de explicações, e encontrei dados apresentados por Tanuri (1979), sobre as primeiras escolas normais brasileiras estabelecidas por iniciativas das províncias, após o Ato Adicional de 1834. Naquela época o ensino superior era alvo da preocupação do Governo Central, contudo os demais níveis ficavam a cargo das províncias e, como resultado, as escolas normais - encarregadas da formação dos professores para as séries iniciais - ficavam à mercê da instabilidade financeira das regiões. É também de Tanuri (2000) o texto que descreve que, antes mesmo da institucionalização do ensino primário e da multiplicação das escolas normais, as primeiras iniciativas para formação de professores para o ensino em escolas primárias, conviveram com a necessidade de seleção de pessoas habilitadas3, pois as instituições formadoras nunca foram suficientes para capacitar e suprir as escolas com a quantia necessária desses profissionais. (p.14) Em 1823, um decreto criou a primeira maneira de formar professores no Brasil em instituições formadoras como as corporações militares; era a escola de ensino mútuo4, que se preocupava muito mais com a prática que com a formação teórica. 3 A Lei de 15/10/1827,estabeleceu que tal habilitação seria feita por meio de exames de seleção para mestres e mestras e os normatizou nos arts 7º e 12 . (TANURI, 2000) 4 No método de ensino mútuo a responsabilidade do ensino é dividida entre o professor e os monitores, visando a democratização das funções de ensinar. (TANURI, 2000) 25 A influência estrangeira e externa ao campo pedagógico na metodologia de ensino já podia ser observada na primeira Escola Normal, a criada no Rio de Janeiro em 1835, na utilização do método Lancaster5. O caráter transplantado do modelo europeu, mais especificamente do francês, vinha para dar continuidade à hegemonia da classe senhorial que encontrava-se no poder. ( TANURI, 2000, p.63) Muitas outras tentativas de formas, locais e conteúdos para preparar o professor primário para a prática docente foram descritas por Tanuri (2000) em seus estudos sobre a História da Formação de Professores mas, em sua maioria, as mudanças propostas não tinham, como objetivo, a qualidade da formação do professor e sua profissionalização. Nas primeiras Escolas Normais criadas em São Paulo, em 1846, assim como nas criadas no Rio de Janeiro, em 1835; em Minas Gerais, em 1840; na Bahia, criada em 1836 e instalada em 1841, já era possível observar a deficiência de recursos financeiros provinciais, a descontinuidade administrativa e a baixa procura pelo curso por interessados, certamente ocasionada pela falta de interesse pela profissão que, desde então, era mal remunerada e desvalorizada pela sociedade. Considerando-se que as exigências para cursar as escolas normais eram: ser cidadão brasileiro, ter 18 anos, saber ler e escrever e, juntando-se ao que afirma Tanuri (2000) sobre o ensino apoucado, limitado ao conteúdo das escolas primárias que se espalhou pelas províncias brasileiras, mais a trajetória “incerta e atribulada” dessas instituições de ensino, pode-se imaginar quem era o profissional apto a ensinar as primeiras letras naquela época. 5 O Método Lancaster recebeu este nome porque foi sistematizado por J.Lancaster (1778-1838) e era utilizado pelas corporações militares para instruir os oficiais da Tropa de Linha que seriam responsáveis por dar lições aos irmãos d’arma e às outras classes de cidadãos. (TANURI, 2000) 26 As Escolas Normais, por seu desprestígio, chegaram a ser rejeitadas pelos Presidentes das Províncias e Inspetores de Instituição como local para qualificação dos profissionais docentes e, o modelo holandês e austríaco de formação por meio do Professor adjunto passou a ser considerado ideal por ser um modelo mais aconselhável e econômico. Este modelo de formação previa que as pessoas interessadas em ser professores deveriam se empregar como auxiliares de professores em exercício e por meio da observação, sem nenhuma base teórica, aprendessem a profissão docente. (TANURI, 2000, p.65) A Escola Normal de São Paulo foi extinta em 1867, por funcionar em situação precária. O mesmo aconteceu com escolas normais dos outros estados. Todas as escolas normais existentes nos primeiros 50 anos do Império foram consideradas como “ensaios rudimentares e mal sucedidos” de formação de professores. No final do século XIX, movimentos internacionais, principalmente o da França, desde o século XVIII, que defendiam, entre outras coisas, a igualdade de oportunidades e a democratização do ensino, influenciaram e agravaram, ainda mais, a crise do Regime Imperial, no Brasil, sedimentando o caminho da República. Nesse contexto, os republicanos, com seus ideais democráticos, viam a popularização do ensino primário como indispensável para o desenvolvimento social e econômico da nação brasileira. Difundia-se a crença de que “um país é o que a sua educação o faz ser”. (TANURI, 2000, p.66). No âmbito da Província de São Paulo, desde 1874, a obrigatoriedade do ensino consagrada em legislação, criou a necessidade de formação de docentes para 27 atuarem nas escolas de ensino primário e as escolas normais passaram a ser reclamadas de modo mais enfático. É importante observar que foi a partir desse momento que, no Brasil, a escola pública passou a ser a instituição responsável, o local específico, para promover a formação e a certificação daqueles que desejassem exercer a função docente. Assim, o processo de democratização do ensino público que, desde então, - cerca de um século - vinha sendo desenvolvido timidamente, foi intensificado a partir de 1970 com a Lei 5692/71 e em 1988 de acordo com a Constituição Brasileira o ensino fundamental tornou-se obrigatório, gratuito e direito público. Em 1996, segundo dados publicados no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2000) a taxa de Escolarização Líquida da faixa etária de 7 a 14 anos já atingia 90,8% e 1998, 95% da população da mesma faixa etária. O crescimento do número de matrículas promoveu, simultaneamente, o crescimento do número de concluintes do Magistério no período de 1988 a 1996. Assim dos jovens que concluíram o âmbito do ensino médio, 52% optaram pela profissão docente. (BRASIL, 2000) Desde os últimos anos do regime monárquico, a mulher era proclamada por políticos e pensadores da educação como profissional ideal para o ensino brasileiro. Este fato justificava-se na continuidade de seu papel como mãe e educadora exercido no lar, na possibilidade de conciliação de suas funções domésticas e profissionais e no desinteresse da classe masculina pela prática docente, uma vez que esta não era uma profissão bem remunerada. Dados revelados nesta pesquisa, como veremos, e em recente pesquisa realizada pela UNESCO (2004, p.67) revelam que essas previsões se confirmaram, pois a feminização da profissão docente é realidade em nosso país. 28 O objetivo deste item foi o de apontar, ainda que de modo muito breve, que os problemas da formação de professores no Brasil como, por exemplo, a influência estrangeira, a feminização do ensino, a prática de professores leigos, a desqualificação dos docentes, entre outros, não são acontecimentos das últimas décadas. Penso que eles nasceram com as primeiras tentativas de educação para todos e que formar bem os professores para o ensino primário e proporcionar uma educação de qualidade para todos, não era, de fato, intenção dos governantes desde a primeira escola normal. 1.2. Pesquisas sobre a formação dos professores 1.2.1. O que algumas pesquisas sobre a formação dos professores vêm revelando. Apresento, agora, uma análise da produção de alguns educadores, os quais, ao longo dos anos, denunciaram a importância de mudanças nos rumos da educação, via melhor qualificação dos professores. Houve um critério para crivar os estudos, qual seja, aqueles mais voltados à temática aqui relatada. A compilação de dados, em ordem cronológica, de uma seleção de artigos nos periódicos Cadernos de Pesquisa e na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos relativos aos problemas enfrentados pela educação brasileira no período de 1940 a 1992, nos revela um cenário mais abrangente que passo a descrever, apontando, sobretudo, o lócus dessa formação, como ela deveria se realizar e algumas definições legais sobre o tema. Na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, encontram-se estudos realizados por Mantovani (1947), em que ela já defendia a formação do professor com fins definidos dentro do campo da Pedagogia. Segundo a autora, a má formação teórica do professor o estava levando a “soluções vacilantes e absurdas” 29 [...] se os homens que têm em suas mãos a orientação suprema ou a direção técnica da educação conhecessem melhor os princípios teóricos resolveriam com maior acerto os problemas práticos [...] (MANTOVANI, 1947. p. 442 ). Bastide (1948, p.21), na Universidade de São Paulo afirmava que o grande problema que se apresentava era [...] “o saber onde se deve fazer esta educação dos educadores”, pois para ele não havia uma instituição preparada para a formação dos educadores. Bastide, com essa afirmação, pretendia defender a idéia de que a formação do educador deveria ter como fundamentos essenciais a Psicologia da Educação complementada pela Sociologia da Educação Mais adiante, no mesmo artigo, o autor falava da necessidade do professor reconhecer a importância de sua profissão: “[...] Há a necessidade de se formar professores conscientes de suas responsabilidades”, professores que conseguissem penetrar o centro de interesse de seu aluno, que fossem capazes de serem reconhecidos como amigos por seus alunos e por suas famílias. (p.23-33). Na XIV Conferência Internacional de Instrução Pública de Genebra, 1951, convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura e pelo Bureau Internacional de Educação, reuniram-se 49 países e no documento final encontra-se a preocupação com a má formação do professor das séries iniciais: “ [...] a formação normal do pessoal docente deve ser sempre incentivada e a mais completa, tanto do ponto de vista da cultura geral como do ponto de vista da formação profissional propriamente dita [...]”.(Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos nº 47 , jul/set 1952, p.109). Esse documento também menciona a necessidade da formação continuada “[...] a formação acelerada seria apenas temporária e possibilidades de aperfeiçoamento (estágios, missões pedagógicas, cursos de férias, etc) deveriam ser oferecidas a todos os professores [...]” (p.109) 30 Gatti, Rovai e Paro (1977, p 75), num estudo sobre os cursos de formação de professores no ensino de 2º grau (antigos cursos normais), revelaram que a maioria dos entrevistados considerou o curso inadequado à formação do professor primário; falho quanto à duração; falho quanto ao aspecto prático. Sobre o mesmo tema, Fusari e Cortese (1989) afirmavam que “[...] não há adequação entre os conteúdos ministrados no curso de Habilitação ao Magistério e as reais necessidades de formação do professor”. Outro estudo realizado por Gatti e Bernardes (1977) já podia detectar as dificuldades das formandas do curso magistério no âmbito do segundo grau, em relação à adequação de atitudes e habilidades nas atividades propostas para o ensino de Matemática e Língua Portuguesa entre outras. Sobre a formação de profissionais para atuar na educação de crianças das camadas populares, Brandão (1982), igualmente, refletia sobre a inadequação dos currículos para a formação dos professores: [...] As diferentes disciplinas que compunham os currículos desses cursos eram oferecidas com base em compêndios e receituários, onde eram generalizados princípios pedagógicos que raramente emergiam de uma percepção crítica da realidade. Assim, dificilmente eram dados subsídios aos futuros professores para conhecer a diversidade das situações/clientelas presentes hoje na escola primária do Brasil. (BRANDÃO, Z., 1982, p.55) E Brandão complementava dizendo que a superficialidade da formação dos professores seria a causa da “ciência de segunda mão” que era oferecida aos alunos nas escolas públicas e que os impedia de aprender os conceitos mais elementares da ciência. O texto de Silva e Davis (1993, p.31), complementa, de outro modo, tais dados, ao fazerem uma revisão da produção brasileira e latino-americana sobre a 31 formação de professores para as séries iniciais, em torno de três eixos – o perfil do professor, quem o forma e como é formado. As autoras apontaram a necessidade de revisão das estruturas institucionais e para a urgência de um professor que além de agente integrador da escola com a comunidade, seja “calibrador da pertinência cultural da educação”. Encontram-se em Marin (1996, p.159), algumas reflexões sobre a formação básica de professores, resultado de um trabalho de pesquisa que se iniciou na década 1980, na região de Araraquara – SP, que vêm ratificar os dados acima citados. Nesse trabalho, Marin afirma que: [...] de fato, a situação geral das nossas escolas de formação de professores, tem algo profundamente errado. Inicialmente pensamos que esse quadro fosse fruto da conjuntura dos últimos anos, com a democratização das oportunidades nas escolas de 1º e 2º graus e da abertura desenfreada de escolas de formação. Mas, não. Verificamos que as questões relativas à qualidade de ensino e à formação de professores fazem parte de uma realidade que vem ocorrendo há muito tempo, em outros contextos e outras conjunturas.(MARIN, 1996, p.159) Ainda no mesmo estudo a autora diz sentir-se intrigada, diante dos dados obtidos em pesquisas realizadas sobre os cursos de magistério,acrescidos de dados relativos a alunos dos cursos de didática aplicada ao ensino superior e faz as seguintes reflexões: [...] se os professores, de diferentes graus escolares, têm tido dificuldades há muito tempo, e não apenas nas últimas décadas; se os cursos de formação básica de professores têm tido dificuldades em formar bem os professores, há muitas décadas e não apenas nos últimos tempos; [...] Penso que estamos, historicamente, profundamente equivocados em nossa atuação como professores. Mas em que ou onde estará o equívoco? (MARIN, 1996, p.161) Nesta mesma linha de raciocínio pode-se citar, ainda, Marcelo (1998) em sua pesquisa sobre a formação de professores onde cita Fenstermacher 32 [...] Assim, se inicialmente a pergunta que nos fazíamos era: o que é um ensino eficaz?, pouco a pouco aparecem outros problemas como: o que os professores conhecem? Que conhecimento é essencial para o ensino? e, continua, afirmando que se inicialmente a preocupação centrava-se na formação inicial, ultimamente os estudos sobre os professores em exercício devem ser percebidos como necessidade indiscutível. Desde a década de 1940, portanto, como se pode observar, encontram-se, no Brasil e no exterior, reflexões que denunciam a falta de conhecimento teórico que subsidie a prática docente, a ambigüidade da definição sobre da base teórica em que se deve fazer a formação dos educadores, a necessidade de se formar professores conscientes de suas responsabilidades, a inadequação entre os conteúdos ministrados e as reais necessidades de formação do professor e a preocupação com a capacitação continuada. Verifica-se, também, que nas últimas décadas foram realizados vários estudos voltados a investigar os processos de formação dos professores e há inúmeras propostas que os acompanham. Esses pesquisadores, porém, nos apontam a falta de informações mais precisas sobre a inadequação da formação dos educadores como, por exemplo: em quais aspectos os cursos são falhos? Quais necessidades desses alunos não são supridas na formação para a sua atuação prática? O que é um ensino eficaz? O que os professores conhecem? Que conhecimento é essencial? 1.2.2. O que algumas revisões sobre pesquisas vêm revelando e ocultando Essa necessidade urgente de estudos que ajudassem a compreender, de modo mais abrangente e aprofundado os problemas da educação, no Brasil e em vários outros países, fortaleceram o campo de pesquisas sobre a formação de professores e fizeram crescer o número de revisões sobre o tema. 33 São muitos os pesquisadores contemporâneos (ANDRÉ, SIMÕES, CARVALHO e BRZEZINSKI,1999; BORGES, 2001; BORGES e TARDIF 2001; LÜDKE e MOREIRA, 1999; LÜDKE e MOREIRA e CUNHA, 1999; MARCELO,1998; NUNES, 2001; TARDIF, LESSARD e GAUTHIER, 2001; ZEICHNER,1998; entre outros) que têm se preocupado em acompanhar o desenvolvimento dos estudos e têm apontado as tendências de pesquisa sobre a formação de professores. Segundo Zeichner (1998) houve uma grande mudança na metodologia das pesquisas nos últimos 15 anos, pois alterou-se o campo indo de estudos quantitativos/positivistas para qualitativos, com ampla variedade de metodologias para investigar variadas questões e temas sobre a formação docente. O autor apresenta quatro categorias de pesquisas como tendências nos Estados Unidos da América: as pesquisas descritivas, as pesquisas conceituais e históricas, os estudos sobre a natureza e o impacto das atividades de formação de professores e os estudos sobre aprender a ensinar e apresenta, ainda , os estudos feitos sobre o construtivismo, sobre a prática reflexiva; pesquisas sobre formação de professores vindos de países diferentes, entre outros. Apesar do progresso de tais pesquisas nos EUA, nos últimos anos, segundo o mesmo autor, elas ainda preservam seu caráter paroquial, ou seja, a incapacidade de reconhecer e mencionar trabalhos realizados fora da América do Norte. Desta forma, o fácil acesso a tais estudos pode contribuir para o uso inadequado dos resultados por outros países, principalmente os da América Latina. Ao se analisar e ao se interessar pelos dados proclamados nesses países não se pode deixar de considerar os recursos disponibilizados pelas universidades norte americanas envolvidas nessas pesquisas, os contextos pesquisados, as condições sociais dos indivíduos (tanto dos 34 pesquisadores quanto dos pesquisados), os interesses e a realidade sócio-política- cultural de cada país, pouco apropriados para as realidades brasileiras; há que se ter tais cuidados. Do estudo de Marcelo (1998) vale destacar, ainda, os novos rumos das pesquisas sobre formação de professores em vários países. Ele apresenta três grandes tendências. São elas: pesquisas sobre o pensamento do professor, sobre a formação inicial dos professores e sobre o desenvolvimento profissional do professor. Apesar do grande número de estudos, o autor destaca limites para os resultados como, por exemplo: o reduzido número de amostras pesquisadas diante da diversidade de contextos; os contextos de pesquisas são definidos de formas muito variadas e dificultam comparações para a construção de um referencial teórico e critérios para avaliação do processo de aprender a ensinar; mesmo com um grande número de estudos, não existe um conhecimento significativo e sólido sobre o tema; o uso indiscriminado de termos para caracterizar “crenças e imagens” dos professores, faz com que os resultados das pesquisas não possam ser comparados. No Brasil, a realidade do campo de pesquisa sobre a formação dos professores, não é muito diferente das descritas por Zeichner (1998) e Marcelo, (1998). Certamente, a influência dos brasileiros que fazem seus mestrados, doutorados, pós-doutorados em outros países, somada ao fácil acesso, inclusive via internet, aos estudos publicados, muito têm influenciado os pesquisadores brasileiros, como podemos verificar nos referenciais teóricos citados em “O Estado da Arte da Formação de Professores no Brasil”, elaborado por André, et al. (1999). O trabalho tem como base de análise 284 dissertações e teses defendidas nos programas de pós- graduação, no país, de 1990 a 1996, 115 artigos publicados em dez periódicos da área, de 1990 a 1997 e pesquisas apresentadas no GT de Formação de Professores da 35 Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), de 1992 a 1998. O estudo desenvolvido pelas pesquisadoras revela que o tema de maior interesse foi a formação inicial (curso normal, licenciaturas e pedagogia), 76% ou 216 dos trabalhos defendidos, seguido pelo tema formação continuada (análise das propostas, programas e cursos, processos de formação em serviço, prática pedagógica) estudado por 14,8% ou 42 dos pesquisadores e, finalmente, o tema identidade e profissionalização docente que corresponde a 10% ou 26 do total das pesquisas. Apesar do crescimento do campo de pesquisa sobre a formação de professores, também no Brasil, nos últimos anos, (quase 300 trabalhos citados no parágrafo anterior) as metodologias usadas que geralmente referem-se a questões pontuais, a realidades locais, a relatos pessoais, enfim a realidades e a contextos únicos levam a resultados que pouco têm contribuído para visões mais abrangentes que possam alimentar a evolução de estudos sobre os temas citados. Tabela 1 Distribuição dos 115 artigos publicados em periódicos Tema Nº de trabalhos apresentados % Identidade e profissionalização docente Formação continuada Formação inicial Prática pedagógica. 33 30 27 25 28,7 26,0 23,5 22,0 Fonte: André, et al. (1999) 36 Na tabela 1 pode-se verificar como foram distribuídos os 115 artigos. Em relação aos artigos publicados em periódicos, as autoras destacaram um equilíbrio no interesse pelos temas estudados. Segundo André, et al. (1999), os 70 trabalhos apresentados no GT de Formação de Professores da ANPED estão classificados da seguinte forma: Tabela 2 Distribuição dos 70 trabalhos apresentados nos GTs - FP- Anped - 1992-1998 Tema Nº de trabalhos apresentados % Formação inicial 29 41 Formação continuada 15 22 Identidade e profissionalização docente 12 17 Prática pedagógica. 10 14 Revisão de literatura 04 06 Fonte: André, et al. (1999) A análise dos dados das duas tabelas revela um grande interesse dos pesquisadores em conhecer como tem sido a formação do professor (inicial, continuada, sua prática, sua identidade com a profissão) e evidencia lacunas de estudos sobre a formação de professores para atuar, quer seja no ensino superior, na educação de jovens e adultos, no ensino técnico e rural, em movimentos sociais ou com crianças em situação de risco. Raros são, também, os trabalhos que focalizam as tecnologias no ensino e o papel da escola no atendimento às diferenças e à diversidade cultural. Ao final, entretanto, as autoras do estudo, André, et al. (1999), concluem que apesar desse crescimento há escassez de dados empíricos sobre a formação de professores para referenciar práticas e políticas educacionais. Estudos realizados por Marin, Bueno, Sampaio (2005) pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) revelam que as 40,3% das 37 dissertações e teses contidas no CD-Rom da ANPEd, no período de 1981 a 1998, tinham como objeto de estudo a escola, os saberes, os alunos e os professores. Ou seja, dos 8687 trabalhos analisados, cerca de 3500 tinham como foco de investigação a escola básica. Os temas de maior interesse apontados pela pesquisa foram: Tabela 3 Distribuição por tema principal CD - Rom – Anped – 1981/1998 Tema Principal Nº de trabalhos apresentados % Componentes curriculares 926 17,89 Organização do trabalho escolar 836 16,15 Prática Docente 752 14,53 Formação Docente 640 12,44 Fonte: Marin, Bueno, Sampaio (2005) As disciplinas que suscitaram maior interesse nas pesquisas com o tema dos componentes curriculares foram as centrais na educação fundamental Tabela 4 Distribuição por componente curricular investigado Educação Básica - CD-Rom – Anped – 1981-1998 Componentes Nº de trabalhos apresentados Matemática 250 Português 168 Ciências 150 Fonte: Marin, Bueno, Sampaio (2005) Ainda sobre o tema componentes curriculares, os estudos que incidiram sobre os cursos de formação de professores aparecem com um número total de 63 pesquisas e destacam o interesse por três componentes Tabela 5 Distribuição por componente curricular investigado Cursos de Formação de Professores - CD-Rom – Anped – 1981-1998 Componentes Nº de trabalhos apresentados Didática 21 38 Psicologia 16 Estágio Supervisionado 09 Fonte: Marin, Bueno, Sampaio (2005) O campo empírico que mais de destacou nesses estudos foi o ensino fundamental, com um total de 1496 trabalhos, que representam 38,75 % do total das teses e dissertações apresentadas no período estudado. Um desdobramento, feito por Marin e Zapparoli (2005), da análise dos dados da pesquisa relatada anteriormente, revela que dos quase 3500 trabalhos sobre a escola como tema, apenas 227, ou seja, 2,6% do total tinham como foco de pesquisa os aspectos sociais. Levando-se em conta o contexto sócio-econômico brasileiro, no qual estão inseridas as instituições de ensino e seus agentes, responsáveis pela educação básica, penso que o número de pesquisas focalizando as questões sociais na escola pode ser considerado inexpressivo e destaco a importância deste estudo aqui apresentado por sua relação direta com aspectos sociais. Outra contribuição importante para este trabalho é a dos estudos realizados por Tardif, Lessard, Lahaye, (1991) em um artigo em que relatam duas pesquisas que tiveram como objetivo dois pontos importantes. O primeiro ponto queria saber como se constitui o saber docente e o segundo, perguntava qual a relação do professor com estes saberes. As conclusões apontaram para a idéia de que o professor possui um saber plural. Tal saber é composto e proveniente de diferentes fontes, quais sejam, as disciplinas, a formação profissional, o currículo e a experiência, porém, os docentes não foram considerados como produtores destes saberes e, sim, como meros “executantes atomizados do trabalho capitalista”. Os intelectuais produzem os conhecimentos para que os professores instruam seus alunos. (p.223) 39 Nunes (2001) traça um breve panorama da pesquisa sobre saberes docentes e formação de professores e refere-se aos saberes da experiência. Contudo, destaca que não se pode esquecer, ao se fazer essas análises, das condições em que essa experiência se constrói. Para se estudar os saberes da experiência, deve-se levar em conta o contexto em que ele é construído, ou seja, deve-se levar em conta a experiência de vida pessoal do professor que é resultado da influência das questões culturais e pessoais e conclui deixando algumas indagações para encaminhamentos futuros, dentre as quais destaco: Existe um “conhecimento de base” a ser considerado na formação do professor? Sabendo dos limites desta revisão bibliográfica sobre a formação de professores e para finalizá-la no momento, incluo os dados divulgados por Lima, Ramalho, Terrazan, Garrido, Brzezinski, Nuñez, Passos, Ribas (2003), que ao fazerem uma análise crítica dos trabalhos apresentados na ANPED de 1999 a 2003, consideraram urgente a definição do campo de conhecimentos sobre formação de professores para as inscrições dos trabalhos no GT da ANPED. A falta de definição de conhecimentos estudados pelo campo tem dificultado a análise e a compilação de dados dos trabalhos apresentados. Segundo Lima et al (2003), de 1999 a 2003, foram apresentados 50 trabalhos no GT 08 – Formação de Professores e conforme se pode observar na tabela 6, os temas Formação Inicial e Formação Continuada, continuaram demonstrando maior interesse de pesquisa. Tabela 6 Distribuição dos 50 trabalhos apresentados nos GT 08-FP - Anped -1999-2003 Descritores % de trabalhos apresentados Formação Inicial 32,7 Formação Continuada e desenvolvimento profissional docente 23,7 Saberes docentes e aprendizagem profissional 18,2 40 Profissionalização docente e identidade profissional 7,3 Profissionalização e socialização docente 3,6 Formação de professores 3,6 Outros∗ 10,9 Fonte: Lima, et al (2003) Foram apresentados, também, dados sobre o referencial teórico usado nas pesquisas: Tabela 7 Referencial teórico apresentado nos 50 trabalhos no GT08-FP-Anped 1999- 2003 Autores Nº de trabalhos apresentados Nóvoa, Perrenoud, Schön, Tardif, Zeichner Em mais de 10 Candau, Freire, Gimeno Sacristan, Pérez Gómez, Pimenta De 6 a 10 Alarcão, Bourdieu De 2 a 5 Fonte: Lima,et al (2003) Ao se analisar os dados observa-se a coerência dos temas pesquisados em relação ao referencial teórico. São, também, os autores que oferecem um acesso mais fácil às suas idéias por terem várias pesquisas traduzidas e publicadas no Brasil. Lima et al (2003) destacam a metodologia usada nos trabalhos. Confirma-se, por esses dados, a opção por pesquisas qualitativas, também apresentada por Zeichner, (1998). Tabela 8 Tipologia apresentada nos 50 trabalhos nos GT08- FP- ANPED – 1999-2003 Tipo de trabalho % de trabalhos Análise de depoimentos 20,0 Análise de casos 12,8 Levantamentos 11,0 Fonte: Lima et al (2003) ∗ Temas que não se encaixaram nos descritores ou poderiam ter sido inscritos em outros GTs, como por exemplo, o GT de Didática ou o GT de Currículo. 41 Além desses aspectos apontou-se que os temas menos abordados foram: a dimensão política da formação de professores e a base de conhecimentos (disciplinar e pedagógico) dos professores. Entre outros, os temas não abordados foram: a valorização da carreira, as condições de trabalho do professor, apoios à formação de professores, movimentos organizados, formação e gênero, lugar/papel da Formação Inicial no continum da Formação de Professores, Ensino Profissionalizante. Algumas questões finais colocadas pelos pesquisadores foram quanto ao escopo dos trabalhos apresentados e os poucos sujeitos pesquisados. Nas apresentações dos trabalhos, nos GTs, fica difícil captar a produção das dissertações e teses, porque seus autores apresentam dificuldades em reduzi-las. Lima et al (2003) deixam algumas questões para serem pensadas. São elas: por que algumas temáticas importantes para a formação de professores não estão aparecendo entre os trabalhos apresentados na ANPED, se em algumas universidades elas têm sido desenvolvidas e pesquisadas? Seria por que as pessoas não sabem a que campo pertencem suas pesquisas ou por que não há uma definição dos conhecimentos do campo Formação de Professores? Seria importante contemplar todos os inscritos para apresentarem seus trabalhos na ANPED? Esta revisão bibliográfica, ainda que possa não ser exaustiva, não deixa dúvidas de que o tema formação de professores está ainda com muitas lacunas, muitos problemas ocultados a serem enfrentados, definidos, discutidos e analisados pelas pesquisas. Certamente isso ocorre por ser um foco acadêmico recentemente reconhecido como importante para a compreensão e conseqüente melhoria do ensino. Desta forma, penso que essa revisão revela a importância de meu estudo, uma vez que se volta para acréscimos de informação sobre profissionais que já estando em 42 exercício, retornam aos estudos para obter uma formação em ensino superior possibilitada por instituições a partir da necessidade de cumprir legislação, como se pode constatar a seguir. 1.3. A legislação da educação brasileira, documentação complementar e a formação de professores Não se deve esquecer que, paralela e simultaneamente a esses problemas apontados pelas pesquisas, encontra-se a legislação e seus correlatos estabelecendo metas, parâmetros e orientações para a organização da educação no interior da qual a formação de professores tem, sempre, sofrido algumas alterações quanto à composição curricular, destinação e locus em que deve ocorrer. O artigo escrito por Weber (2000) nos prepara para uma leitura menos ingênua da legislação educacional quando nos alerta para o seu caráter prescritivo e indutivo. Dentre os decretos-leis federais promulgados de 1942 a 1946, conhecidos como Leis Orgânicas do Ensino, encontra-se o decreto-lei n.8530, de 2/1/1946 – A Lei Orgânica do Ensino Normal que não foi responsável por grandes inovações; ele apenas possibilitou a organização e divisão do ensino para formar professores em dois ciclos. O primeiro ciclo, que funcionava em Escolas Normais Regionais, formava os regentes do ensino primário em quatro anos contemplando em seu currículo as disciplinas de cultura geral. As disciplinas de Psicologia e Pedagogia eram estudadas apenas na última série do curso, assim como a Didática e a Prática de Ensino. O segundo ciclo formaria o professor primário, em dois anos, nas Escolas Normais e nos Institutos Superiores de Educação e, juntamente com as disciplinas de cultura geral, previa os Fundamentos da Educação, a Prática e a Metodologia de Ensino. 43 Durante a década de 1950, um acordo entre o MEC, o INEP e a USAID que foi a responsável pela implementação do PABAEE, que tinha como objetivo a modernização do ensino primário, deixou como resultado um ensino voltado para questões técnicas e metodológicas, ou seja, um ensino tecnicista. Nos anos de 1960, período em que todas as atenções estavam voltadas ao desenvolvimento industrial, à urbanização e à crescente demanda por vagas no ensino público, a Lei 4024/61 (BRASIL, 1962), caracterizou-se por sua inspiração liberalista. Seu enfoque estava voltado para a qualidade de ensino, para os fins ideais da educação, para as aspirações individuais e para a cultura geral. Contudo, segundo Tanuri (1970), o que de mais importante aconteceu, após a lei, foi a descentralização administrativa e a flexibilização curricular. A formação de professores para as séries iniciais foi regulamentada por dois artigos: o Art.54 que determinava que o curso ginasial feito em quatro anos habilitaria para a regência do ensino primário e o Art. 58 que determinava que o curso colegial, realizado em três anos, também habilitaria para a regência no ensino primário. Além da carga horária, os currículos desses cursos também eram diferentes, contudo habilitavam para a mesma função. Segundo Weber (2000) tais cursos foram oferecidos indiscriminadamente e contribuíram para “acentuar diferenças” entre os professores formados em diferentes estados, na zona rural e na zona urbana. Nessa época, os cursos de Pedagogia começaram a ser cogitados como a forma ideal para preparar os professores para as séries iniciais. A Lei 5692/71 (BRASIL, 1971) consolidando uma prática que já vinha sendo implementada desde a década de 1950, caracterizou-se por sua tendência tecnicista. Nela observa-se a ênfase na quantidade de especializações oferecidas, nos métodos e 44 técnicas específicos para cada profissionalização, na necessidade da formação profissional característica de uma sociedade industrializada. Mais uma vez, enquanto a necessidade por docentes era ainda maior que o número de profissionais aptos a ensinar, no artigo que trata da formação de professores, conforme o texto da LDB de 1971, destacado em negrito, pode ser observada uma brecha na lei: estudos adicionais garantiriam a docência em outros níveis de ensino. Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício de magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª á 4ª séries, habilitação específica de 2º grau, b) no ensino de 1º grau, da 1ª á 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau, obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena. §1º Os professores a que se refere a alínea a poderão lecionar na 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau, mediante estudos adicionais cujos mínimos conteúdos e duração serão fixados pelos competentes Conselhos de Educação. §2º, Os professores a que se refere a alínea b poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino de 2º grau mediante estudos adicionais correspondentes, no mínimo, a (um) ano letivo. (NISKIER, 1996. p.112) (grifo nosso) O Art. 38 da mesma lei, já anunciava a necessidade de atualização dos professores em exercício ao prever que “os sistemas de ensino estimularão, mediante planejamento apropriado, o aperfeiçoamento e a atualização constantes dos seus professores e especialistas de educação.” (NISKIER, 1996. p114) Atualmente, a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, A Lei nº 9394/96, estabelece a urgência da capacitação dos docentes, nela denominados 45 como profissionais da educação, responsáveis pela formação de crianças, jovens e adultos. Diante das transformações sociais, científicas e tecnológicas reconhece-se a necessidade de uma mudança no papel da escola e do professor. Aponta-se que não há dúvidas da necessidade de se buscar novos modelos de formação docente para garantir a melhoria da qualidade do ensino. Novamente torna-se urgente estabelecer metas e parâmetros de organização da educação a serem seguidos pela totalidade da nação, e, é exatamente isso que a Nova Lei 9394/96 faz em seu Artigo 87 : Das Disposições Transitórias: Art.87 – É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. §1º - A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a declaração Mundial sobre Educação para todos (SAVIANI,1999,p.187) Outras inovações desta lei são encontradas no Título VI: Dos Profissionais da Educação: Art 61 – A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando terá como fundamentos: I – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades; Art 62 – A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Art 63 – Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental [...] (SAVIANI,1999,p.181) 46 Percebe-se, nesses artigos, um reflexo das pesquisas sobre a formação de professores como, por exemplo, a formação em nível superior para os profissionais da educação básica, que inclui os professores das séries iniciais; a associação entre teoria e prática, inclusive nos cursos de formação continuada, certamente com o intuito de acabar com aqueles cursos que eram oferecidos de acordo com a especialização dos pesquisadores das universidades e não de acordo com as necessidades de formação dos professores; um local para formar o professor – os Institutos Superiores de Educação, uma vez que as pesquisas apontavam muitas críticas aos cursos de Pedagogia que não formavam nem o teórico para dedicar-se à pesquisa, nem o prático que precisava atuar adequadamente em sala de aula. Na legislação atual, portanto, todos os profissionais que quiserem lecionar, futuramente, nas primeiras séries do ensino básico, ou seja, na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, deverão, preferencialmente, fazer o Curso Normal Superior6. É oportuno lembrar que se encontra na lei, no Art 62, a brecha para o professor que não tem a formação ideal, pois, ao final, o artigo aceita que será admitida a formação em nível médio, na modalidade Normal, para lecionar na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. Estas decisões têm causado muita polêmica, pois as universidades públicas defendem que é no curso de Pedagogia que se deve formar o profissional para as séries iniciais e a lei deixa os professores atuais e futuros em dúvida. 6 O Curso Normal Superior foi instituído inicialmente como o curso exclusivo para formar professores para a educação infantil e para as quatro primeiras séries do ensino fundamental pelo Parecer nº 970/99 da Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, fundamentando o Decreto Presidencial nº 3276/99, de 6 de dezembro de 1999, alterado, posteriormente, pelo Decreto nº 3554 de 7 de agosto de 2000, para explicitar a preferência pelo Curso Normal Superior . 47 Depois de sancionada a nova lei, o documento aprovado em maio de 2000, estabelecendo a Proposta de Diretrizes para Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior, do Conselho Nacional de Educação previu que: [...] só a existência de professores preparados e comprometidos com a aprendizagem dos alunos pode dar sustentação, a médio e longo prazos à reforma da educação básica. [...] a distância entre o perfil do professor que a sociedade atual exige e o perfil que a realidade criou até o momento são indicadores da urgente necessidade de investimento e preocupação com a formação de professores. (BRASIL, 2000) Paralelamente, de acordo com a Resolução CP N.º 1, de 30 de setembro de 1999 (BRASIL, 1999) que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, considerados os Art. 62 e 63 da Lei 9.394/96, vão sendo criadas tais instituições, de caráter profissional, visando a formação inicial, continuada e complementar para o magistério da educação básica, No Art.1, § 1º encontram-se inovações importantes propostas em relação à formação dos alunos § 1º Os cursos e programas dos institutos superiores de educação observarão, na formação de seus alunos: I - a articulação entre teoria e prática, valorizando o exercício da docência; II - a articulação entre áreas do conhecimento ou disciplinas; III - o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e na prática profissional; IV - a ampliação dos horizontes culturais e o desenvolvimento da sensibilidade para as transformações do mundo contemporâneo. (SAVIANI,1999) Outra preocupação oportuna dessa resolução está no art.4º, pois ali se prevê a integração dos conteúdos curriculares: Art. 4º Os institutos superiores de educação contarão com corpo docente próprio apto a ministrar, integradamente, o conjunto dos conteúdos curriculares e a supervisionar as 48 atividades dos cursos e programas que ofereçam.(SAVIANI, 1999). E, ainda no Art 4º, § 1º, inciso III, encontra-se a exigência de experiência comprovada na educação básica, de metade do corpo docente, que vai lecionar nos Institutos Superiores de Educação: § 1º, O corpo docente dos institutos superiores de educação, obedecendo ao disposto no Art. 66 da LDB, terá titulação pós- graduada, preferencialmente em área relacionada aos conteúdos curriculares da educação básica, e incluirá, pelo menos”: I - 10% (dez por cento) com titulação de mestre ou doutor; II - 1/3 (um terço) em regime de tempo integral; III - metade com comprovada experiência na educação básica.(SAVIANI, 1999) Integrando o Instituto Superior de Educação – ISE, mas não somente, temos a referência ao Curso Normal Superior que destina-se à formação de professores, para atuarem na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, conforme prevê o artigo 62 da Lei 9394/96. O Curso Normal Superior tem, como uma de suas principais preocupações apregoadas, a superação das rupturas na formação dos docentes para a educação infantil e para o ensino fundamental características do sistema anterior. A argumentação central é a de que se trata de curso pensado a partir das demandas de melhoria da educação escolar das crianças e das discussões recentes sobre as especificidades do trabalho profissional do professor. Seu maior desafio, portanto, é promover transformações efetivas nas práticas curriculares da formação de professores, procurando superar a insatisfação generalizada com os modelos vigentes até o momento. Como se pode observar nesses destaques de alguns artigos e incisos da nova lei da educação brasileira, Lei 9394/96, estão contempladas mudanças importantes, 49 aparentemente as reclamadas em estudos e proclamadas como a solução para a qualificação dos docentes e, conseqüentemente, para a melhoria do ensino. Como decorrência dessas exigências, no âmbito do estado de São Paulo a Deliberação 12/2001 (SÃO PAULO, 2001) criou o Programa Especial de Formação de Professores para formar, no âmbito do ensino superior, os professores em efetivo exercício. Como o número de professores a serem formados chegava à casa dos milhões em todo território nacional, optou-se, nessa deliberação, pela formação fora de sede com recursos de tecnologia, conforme está previsto no Art.87, §3º, inciso III da Lei federal. É importante lembrar que mesmo possuindo uma habilitação ou formação inicial no âmbito do ensino médio, considero nesta pesquisa que, ao fazerem o ensino superior, esses professores que já exercem a profissão docente, farão o segundo curso de formação inicial porque receberão a certificação com duas habilitações no âmbito do ensino superior: para lecionar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Pode-se dizer que se estabelece, neste momento, um novo estado do debate sobre a formação inicial e continuada dos professores: dado que esses professores já cursaram o Curso Normal, a Habilitação Específica para o Magistério- HEM ou o Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério- CEFAM, no âmbito do ensino médio e já possuem alguns anos de prática docente, como se constitui o conhecimento deles? Tal cenário sobre os estudos e propostas de formação docente e os questionamentos que acompanham os dados apontam, portanto, para a relevância de estudos que focalizem questões sobre a formação desses professores com destaque 50 para sua relação com os conhecimentos já adquiridos, sobretudo aqueles a que têm que se dedicar ensinando. 51 Capítulo 2 - O Curso Normal Superior Neste capítulo são apresentados alguns determinantes da proposta do Curso Normal Superior constitutivo do campo empírico do estudo traçando um cenário breve. A seguir, a proposta é apresentada em linhas gerais quanto à sua estrutura e implementação no Estado de São Paulo. 2.1 . O cenário nacional e alguns determinantes da proposta e seus desafios Com a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), instala-se nos professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental um desconforto profissional ocasionado pelas exigências, declaradas em diversos artigos Art 87 – Sobre a década da educação; que delega ao Conselho Nacional de Educação a missão de fazer cumprir diretrizes e metas para os próximos dez anos, a partir da publicação da Lei 9394/96. Art 62 – Sobre a Formação preferencial para os docentes que pretendem atuar na Educação Básica, ou seja, os docentes interessados em lecionar na Educação Básica deverão possuir, preferencialmente, nível superior. Desta forma, os professores que não possuem tal formação deverão buscá-la. Art 63 – Sobre os Institutos Superiores de Educação como locus para a formação e sobre o Curso Normal Superior como o curso que habilitaria docentes para atuarem na Educação Infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Este artigo, em particular, tem sido um dos centros dos debates, uma vez que pôs em dúvida a habilitação oferecida nos cursos de Pedagogia para os docentes que desejassem lecionar neste âmbito do ensino. O desconforto ao qual me referi surgiu com as diferentes interpretações da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96) as quais, ainda hoje, 52 deixam sem respostas os que perguntam: ao final da década da educação, qual será a formação exigida dos profissionais da educação que desejarem lecionar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, nos municípios e no estado? Os professores efetivos perderão suas salas de aula se não fizerem o Curso Normal Superior? Estas e outras questões ainda ficam sem resposta, apesar do passar do tempo e do avançado estado do debate sobre as exigências da nova lei e algumas tentativas de regulamentação. Depois de sancionada a nova lei, a Proposta de Diretrizes para Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior, foi aprovada em Maio de 2000 pelo Conselho Nacional de Educação. Paralelamente, de acordo com a Resolução CP N.º 1, de 30 de setembro de 1999 (BRASIL,1999) que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, considerados os Art. 62 e 63 da Lei 9.394/96, tais instituições vão sendo criadas com caráter profissional, visando à formação inicial, continuada e complementar para o magistério da educação básica. Como decorrência dessas exigências da lei 9394/96 e do grande número de profissionais que precisariam de formação superior, como já apontei, no âmbito do estado de São Paulo, a Deliberação 12/2001 (SÃO PAULO, 2001) criou o Programa Especial de Formação de Professores para formar, no âmbito do ensino superior, os professores em efetivo exercício. Optou-se pela formação fora de sede com recursos de tecnologia, conforme está previsto no Art.87, §3º, inciso III da Lei Federal, levando-se em conta o grande número de profissionais sem a formação exigida pela nova lei, também nesse estado. A instituição universitária responsável pelo curso oferecido às professoras- alunas focalizadas neste estudo, por ser uma fundação dedicada ao ensino, por estar 53 jurisdicionada ao Conselho Estadual de Educação, por já ter instalado o seu Instituto Superior de Educação no ano de 2002, tinha a possibilidade de usar as mesmas deliberações, ou seja, as Deliberações 12 e 13 para oferecer a formação superior aos professores em exercício nas prefeituras do estado de São Paulo. Criou, então, o Curso Normal Superior Fora de Sede com Recurso de Tecnologia. 2.2. A proposta de formação de professores fora de sede O projeto do Curso Normal Superior (CNS) foi idealizado por uma empresa prestadora de assessoria educacional em parceria com a instituição universitária, com o objetivo de suprir as demandas do atual contexto educacional brasileiro, e apoiada na legislação federal e correlatos conforme explicitado. Teve como ponto de partida o cenário nacional, seus determinantes sócio- econômicos e a necessidade de se pensar novas alternativas para formar professores para a educação infantil e para as séries iniciais do ensino fundamental num país de dimensões continentais e com um grande número de professores com formação inadequada ou leigos para o exercício da profissão docente. Alguns dos determinantes apontados no projeto do CNS foram: as transformações sociais promovidas mundialmente pelo avanço tecnológico, que exigem uma revisão nos sistemas de ensino para que os mesmos possam responder às expectativas e demandas educacionais da sociedade do conhecimento; no Brasil, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), a municipalização, a criação do FUNDEF (Fundação para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental), a formulação de Diretrizes e Parâmetros Curriculares para a Educação Básica, a introdução da tecnologia da informação nas escolas, entre outras. Essas medidas 54 impuseram ao país uma ampla discussão sobre os fins da educação, sobre a necessidade de uma reforma de seu sistema de ensino, sobre a formação inicial e continuada dos professores, sobre os currículos, sobre os enfoques metodológicos e sobre o locus de formação dos profissionais da educação. (SÃO PAULO, 2002) O projeto aponta, ainda, o que considera como “algumas características da atual demanda de Formação de professores no Brasil” (SÃO PAULO, 2002, p.10). Com a universalização do ensino, segundo censo de 2001, 50 milhões de crianças, jovens e adultos freqüentavam as escolas brasileiras. Cerca de 2.400.000 professores ensinavam na educação básica. Destes, pelo menos 200 mil não possuíam nem mesmo o curso médio e 800 mil não possuíam formação superior específica para as áreas nas quais atuavam. Esses números revelavam que “qualquer iniciativa de formação de professores para a Educação Básica no Brasil deveria partir do conceito de uma oferta em larga escala num país diverso” (SÃO PAULO, 2002, p11). O Projeto do Curso Normal Superior caracteriza a necessidade de novas modalidades de formação trazendo dados apresentados em www.unirede.br, site oficial do Unirede ProDocência, um consórcio das universidades federais: A necessidade de formação de professores da rede pública em exercício no Brasil é gigantesca: 830.883 das séries iniciais; 233.446 das 5ª a 8ª séries do fundamental; 51.432 do ensino médio. Um incrível número de 1.115.761[...] Mantendo-se a atual estrutura de oferta de vagas no ensino presencial brasileiro, o país precisaria de 80 anos para formar todos os professores em exercício sem curso de graduação [nível superior] (SÃO PAULO, 2002, p.12). No estado de São Paulo 46,1% dos docentes que lecionavam de 1ª a 4ª série, em 2002, não possuíam ensino superior.(SEADE, 2002) 55 Tendo como pano de fundo o cenário descrito por meio de números revelados em recentes pesquisas, os parceiros colocaram como desafio no projeto do CNS, “levar em conta a necessidade de formação de grande número de professores em prazos relativamente curtos”; “criar uma metodologia de ensino superior de caráter profissional que possa ser aplicada em larga escala, em padrões de qualidade”; “criar um sistema de formação de professores que seja sustentável por meio de materiais que podem ser ajustados e adaptados a diferentes circunstâncias que venham a ocorrer na área de formação de professores”. (SÃO PAULO, 2002, p.12) 2.3 A proposta do Curso Normal Superior 2.3.1. Os agentes e os componentes didáticos Segundo o projeto do CNS, o modelo didático implementado traz um novo conceito de ensinar a distância. A metodologia proposta faz uso de: aula presencial com o apoio de um professor-facilitador (o tutor), diversos profissionais, vídeos, material impresso e WEB. Há diversos profissionais envolvidos com o processo de formação de professores via Curso Normal Superior. Os Docentes universitários são responsáveis pela gravação das aulas televisivas e pelo acompanhamento (via e-mail ou 0800) do processo de formação universitária, inclusive a orientação ao TCC. Os Coordenadores pedagógicos têm a função de monitorar administrativa e academicamente o processo de formação universitária nos pólos e são responsáveis pela capacitação dos supervisores e tutores. 56 Supervisores fazem parte da equipe administrativa do Centro Universitário e são responsáveis pela supervisão do ensino nos pólos desempenhando tarefas pedagógicas, gerenciais e administrativas. Os Tutores têm a função de acompanhar diária e presencialmente os professores-alunos nas atividades acadêmico-pedagógicas, bem como realizar controle de freqüência e avaliações. Participam de capacitações mensais. O tutor deve ser um professor-facilitador. Para o exercício de suas competências espera-se que tenha uma formação superior prévia que será atualizada permanentemente por meio de materiais, reuniões de estudo e encontros de orientação. Há uma secretaria e suporte técnico via 0800 composta por funcionários administrativos envolvidos nas funções administrativas do curso e responsáveis por suporte técnico. 2.3.2.As novas tecnologias como conceito revolucionário de formação profissional O projeto do CNS levando em consideração que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) vêm se tornando mais acessíveis e amigáveis define pela utilização das mesmas de modo diversificado e flexível como está previsto nas diretrizes nacionais para a formação inicial de professores em nível superior , e pelo conjunto de diretrizes e parâmetros curriculares para a Educação Básica produzidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação e Cultura. (SÃO PAULO, 2002, p.15) A opção por aulas gravadas em vídeos deveu-se às suas características de replicabilidade e descontextualização. São utilizadas com o objetivo de desencadear discussões ou introduzir conteúdos curriculares a serem complementados com 57 leituras, com a WEB ou discutidos nas aulas presenciais. Podem também ilustrar conceitos, problematizar ou sensibilizar os alunos para temas relevantes para sua formação profissional. Considerado como principal recurso didático e elo de convergência entre os outros meios, o material escrito estrutura, sequencia e organiza a aula presencial. O material impresso utilizado no primeiro ano do curso com o objetivo de desenvolver as competências da educação básica é composto por oito fascículos do Ofício de Professor- Aprender mais para ensinar melhor (Programa de aprendizagem para professores dos anos iniciais da Educação Básica), material editado pela Editora Abril e o material impresso utilizado a partir do sétimo mês do curso, com o objetivo de desenvolver as competências pessoais e sócio-culturais e as competências profissionais foi desenvolvido pela empresa prestadora de assessoria educacional contratada pela instituição. O material impresso foi desenvolvido pela empresa com o objetivo de subsidiar as atividades que serão responsáveis pelo desenvolvimento das competências pessoais e sócio-culturais e as competências profissionais.Ver Apêndice A. A WEB é considerada no projeto do CNS como “poderoso recurso para dar acesso à informação”, pois “supera e distingue-se de tudo o que já foi usado tanto no ensino presencial como nas outras mídias (livros, vídeos, CD-rom, vídeo-aulas ou vídeo conferências)” e porque “permite acessar simultaneamente dados muito diferentes, estabelecer relações com tudo o que está disponível na rede mundial, criando assim um conhecimento em rede, cuja construção por meios convencionais é muito mais demorada e difícil.” (SÃO PAULO, 2002,p.23) 58 2.3.3. Matriz Curricular A matriz curricular foi desenvolvida em âmbitos e áreas que têm como objetivo desenvolver competências. Matriz Curricular Âmbito Área Linguagens e Códigos Ciências Humanas Das Competências da Educação Básica Aprender mais para ensinar melhor Ciências da Natureza Gestão Educacional Conhecimentos para compreender, se inserir e agir no mundo educacional. Gestão Pedagógica Conhecimentos que fundamentam a gestão da aprendizagem e do cotidiano da escola Das Competências Profissionais Aprender a conhecer e a fazer Gestão das Práticas de Ensino Conhecimentos que fundamentam a transposição didática Das competências Pessoais e Sócio-Culturais Aprender a ser e a conviver Gestão do Desenvolvimento Pessoal Recursos instrumentais da cultura letrada e ter acesso a bens culturais para o desenvolvimento pessoal e exercício profissional Fonte: Documento Norteador dos Aspectos Técnicos e Institucionais da Parceria As competências7 apresentadas no projeto do CNS são: Competências gerais, Competências profissionais, Competências pessoais e da educação básica. 2.3.4. O Modelo Didático A dinâmica do CNS segue um curso ou ciclo de aprendizagem para o qual são convocados os componentes didáticos descritos em suas diferentes funções e objetivos de aprendizagem. O ciclo inclui três grandes fases e cada uma delas pode ser desdobrada se o conteúdo assim exigir. (SÃO PAULO, 2002, p.25). 7 Competências a serem desenvolvidas no CNS, ver Apêndice B 59 Desencadeia Introduz Problematiza Motiva Sensibiliza Informa Desenvolve Contextualiza Relaciona Analisa Reflete Aplica Compartilha Sistematiza Sintetiza Organiza Formata/apresenta Avalia e auto- avalia Compartilha Vídeo-aula Material Escrito Web Aula Presencial Material Escrito Web Aula Presencial Material Escrito Web Fonte: Documento Norteador dos Aspectos Técnicos e Institucionais da Parceria Os quadros descrevendo a din