UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE QUÍMICA CAMPUS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA JOAQUIM YUJI USUKURA KIM ENSINO DE EMPREENDEDORISMO: CONTRIBUIÇÕES PARA OS CURSOS DE CIÊNCIAS Araraquara 2023 JOAQUIM YUJI USUKURA KIM ENSINO DE EMPREENDEDORISMO: CONTRIBUIÇÕES PARA OS CURSOS DE CIÊNCIAS Tese Apresentada ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Química Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Fernando Costa Marques Araraquara 2023 K49e Kim, Joaquim Yuji Usukura Ensino de empreendedorismo : contribuições para os cursos de ciências / Joaquim Yuji Usukura Kim. -- Araraquara, 2023 261 f. : il. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Química, Araraquara Orientador: Rodrigo Fernando Costa Marques 1. Empreendedorismo. 2. Ensino superior - Finalidades e objetivos. 3. Estudo e ensino (Educação permanente). 4. Soft skills. 5. Capital intelectual. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Química, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dados Curriculares Dados Pessoais Nome: Joaquim Yuji Usukura Kim Nome em citações bibliográficas: KIM, J. Y. U.; KIM, JOAQUIM; KIM, JOAQUIM Y. U.; KIM, Joaquim Yuji Usukura Data de Nascimento: 05/08/1988 Nacionalidade: Brasileiro Naturalidade: Iguape – SP Endereço Profissional: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Instituto de Química de Araraquara Jardim Quitandinha – Araraquara, SP - Brasil CEP 14800-060 Endereço Eletrônico: joaquimusukura@gmail.com Formação Acadêmica/titulação 2016-2018 Mestrado em Química Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil. Título: Degradação de filtros solares selecionados, ureia e desinfecção de água de piscina por fotoeletrocatálise combinada com ozonização., Ano de Obtenção: 2018. Orientador: Maria Valnice Boldrin Zanoni. Coorientador: Guilherme Garcia Bessegato. Bolsista: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, Brasil. 2010-2015 Graduação em Bacharelado em Química Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil. Título: Determinação de Ozônio Indoor e Outdoor em creches da cidade de Araraquara: Utilizando Amostradores Passivos. Orientador: Maria Angélica Martins Costa. Formação Complementar Entrepreneurship School for Scientists and Engineers. (Carga horária: 40h). International Centre For Theoretical Physics, ICTP, Itália. Experiência Profissional e Didática 2020 – 2021 Instituto de Química Araraquara – UNESP Estágio docência na disciplina “Metodologia em Pesquisa Científica”. Supervisor: Prof. Dr. Rodrigo Fernando Costa Marques. 2020 – 2020 Instituto de Química Araraquara – UNESP Avaliador no “XXXII Congresso de Iniciação Científica da Unesp”, realizado nos dias 20, 21 e 22 de outubro e 24 e 25 de novembro de 2020. 2019 – 2019 Instituto de Química Araraquara – UNESP Avaliador no “XXXI Congresso de Iniciação Científica da Unesp”, realizado nos dias 17 e 18 de setembro de 2019. 2016 – 2017 Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) – Ibaté – SP Experimentos em Química Integrantes: Joaquim Yuji Usukura Kim (voluntário) / Angélica Redondo Silveira Serillo Temáticas: Ensino e aprendizagem. 2016 – 2016 Curso Unificado do Campus de Araraquara (CUCA) – UNESP Docente voluntário na disciplina de Química Produções Artigos completos publicados em periódicos KIM, JOAQUIM YUJI USUKURA; BESSEGATO, GUILHERME G.; DE SOUZA, BÁRBARA C.; DA SILVA, JOSIEL J.; ZANONI, MARIA VALNICE BOLDRIN. Efficient treatment of swimming pool water by photoelectrocatalytic ozonation: Inactivation of Candida parapsilosis and mineralization of Benzophenone-3 and urea. CHEMICAL ENGINEERING JOURNAL , v. 378, p. 122094-122104, 2019. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cej.2019.122094 http://lattes.cnpq.br/7183562937065886 https://doi.org/10.1016/j.cej.2019.122094 Trabalhos publicados em anais de eventos 1. COSTA, M. A. M.; KIM, J. Y. U. ; SOUZA, M. L. ; BORDIN, I. O. ; FRANSCISCO, K. ; CARDOSO, A. . ESTUDO DA CONCENTRAÇÃO DE OZÔNIO NO AR EM AMBIENTES INTERNOS E EXTERNOS DE ESCOLAS. In: XXI Congresso Brasileiro de Engenharia Química (XXI COBEQ), 2016, Fortaleza. Anais do Congresso Brasileiro de Engenharia Química, 2016. v. 1. 2. KIM, J. Y. U; MARQUES, R.F.C. Perception of the Araraquara population about entrepreneurship, education and science themes: a Free Words Association Test analysis. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO | CIEI 2018 'EDIÇÃO 2018 - UNIVERSIDADE EMPREENDEDORA', 2018, São Caetano do Sul. CONGRESSO INTERNACIONAL DE EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO | CIEI 2018. ISBN: 978-85-65212- 92-2: http://eventos.ufabc.edu.br/congressoempreendedorismo/index.php/certif icados-2018, 2018. v. 1. p. 11. Organização de eventos, congressos, exposições e feiras PEDROLLI, D. ; MARQUES, R. ; PRIMO, F. ; OLIVEIRA, O. ; KIM, JOAQUIM Y. U. ; VERAS, T. ; Bueno, G. . II Encontro de Empreendedorismo e Inovação (EI!). 2019. Agradecimentos Faz parte de toda a minha trajetória profissional e acadêmica, logo, os primeiros a agradecer, meus avós e minha mãe por todo o suporte incondicional e pelos sacrifícios feitos para que eu tivesse a oportunidade de estudar. Agradeço a minha esposa, Deisiane, pela parceria desde a graduação em que representamos juntos a classe estudantil da nossa época nos órgãos colegiados. Aprendi e aprendo mais sobre educação e a arte e sobre o mundo que existe fora do meu alcance. Também agradeço aos seus familiares que me acolheram no interior paulista. Ao meu orientador, Prof. Dr. Rodrigo Fernando Costa Marques, pela leveza e coragem em aceitar esse desafio de gerar um trabalho acadêmico partindo do zero para uma nova premissa para a pesquisa de ensino de empreendedorismo para dentro da área de atuação dos nossos colegas químicos. Às minhas orientadoras de mestrado e graduação, Profa. Dra. Maria Valnice Boldrin Zanoni e Profa. Dra. Maria Angélica Martins Costa, que sempre me apoiaram para ter maturidade profissional e acadêmica. Sempre acreditaram nas minhas capacidades, serei eternamente grato. Aos diversos colegas que sempre contribuíram cientificamente ou socialmente para que as pesquisas fossem concluídas com sucesso. Aos diversos funcionários técnico-administrativos do IQ que me auxiliaram e aconselharam desde o início da graduação e sempre mostraram um lado humano e dignificante de extrema importância dentro da instituição. Aos amigos da República A Rocha que dividiram comigo as incontáveis experiências de vida. Um agradecimento especial à Glaucia que nos aturou por tanto tempo. Por fim, agradeço a UNESP pela infraestrutura e pela trajetória que me propiciou, a CNPq e a CAPES pelas bolsas concedidas para a minha formação e a de outros milhares de colegas. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Quanta do latim Plural de quantum Quando quase não há Quantidade que se medir Qualidade que se expressar Fragmento infinitésimo Quase que apenas mental Quantum granulado no mel Quantum ondulado do sal Mel de urânio, sal de rádio Qualquer coisa quase ideal Cântico dos cânticos Quântico dos quânticos” Gilberto Gil, Quanta Resumo O trabalho tem como base explorar e analisar os aspectos do ensino de empreendedorismo na área Química e de outras frentes das ciências naturais. A pesquisa realizada teve foco em encontrar os conteúdos disciplinares adequados para implementação nas disciplinas de empreendedorismo frente à especificidade desses cursos. Esses conteúdos servem como uma orientação para a familiarização tanto do aluno quanto para o docente para que sejam supridas possíveis necessidades para a condução do conhecimento empreendedor relacionados à inovação com a utilização das áreas de conhecimento envolvidas na área de formação do aluno. Fez-se necessário a obtenção dos dados que fundamentem as possíveis defasagens existentes para o ensino de empreendedorismo. Para tal, foram realizadas pesquisas documentais sobre as influências presentes desde a percepção existente do ambiente para a inovação e empreendedorismo brasileiro em comparação a outros países, conforme está descrito nos relatórios de índices globais de desenvolvimento dessas áreas, agregados ao estudo das informações documentais contidas nos projetos pedagógicos de curso que definem a estrutura curricular e o perfil do egresso almejado. Em um segundo momento foram realizadas pesquisas quali-quantitativas do tipo levantamento acerca da percepção existente sobre o tema de inovação e empreendedorismo entre alunos, pesquisadores e docentes de diferentes áreas além da percepção da população local sobre a temática de empreendedorismo e inovação de uma cidade que possui uma universidade com cursos da área. A fundamentação teórica da pesquisa e do material proposto foram feitas com o suporte da ótica social presente na bibliografia de Norbert Elias (1965, 1969) e das discussões pedagógicas e curriculares abordadas por Basil Bernstein (1996). Os resultados e discussões foram obtidos com a utilização da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2009). Os resultados representam a necessidade de se contextualizar e recontextualizar o ensino de empreendedorismo nos cursos voltados para alunos as áreas distintas da administração de empresas. Foram propostos conteúdos que se conectam com universo de conhecimento e formação do aluno voltados para um entendimento de visão dos cientistas como empreendedores além de temas que ainda podem ser desafios para a carreira empreendedora como a questão legal e a captação de recursos. Abstract The research aims to explore and analyze the aspects of the entrepreneurial education in natural science areas. The research was focused to find out the proper content that can still neglected upon the specificities of each course. This content works in a way to guide the familiarization of the student and the professor to supply their needs in the path of the knowledge in entrepreneurship suitable for finding opportunities in innovation with involvement with student’s graduation area and respective scientific research projects. To meet this demand there is a need to grab the data that show the existing gaps in entrepreneurship teaching. For the accomplishment, the documentary research was made on the influences from the existing perceptions in national environment for entrepreneurship and innovation compared with other nations, as described in global development reports specifics for the subject. Added to the study of the info obtained from different documented institutional learning outcomes or guidelines from each course that structure the curriculum guide, syllabuses and alumni expectations. In a second moment, quali-quantitative research using a survey tool was made to describe the perception about entrepreneurship and innovation between students, researchers, and professors from different areas as well as the perception of local population from a city that has an educational institute with correlated courses. The theoretical background for the research was made with support from the social view inside the Norbert Elias bibliography and with the pedagogic discourse made by Basil Bernstein about the curricula. The results were discussed with the Content Analysis of Laurence Bardin (2009). In overall the results present the need of contextualization and recontextualization of the teaching of entrepreunership for students of non-business traditional courses. Thus, some contents were proposed to approximate the reality of knowledge and formation for the student commonly oriented to be a scientist for an entrepreneurial career, such as laws and fundraising aimed at their niche. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANPROTEC Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores BNCC Base Nacional Comum Curricular BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal De Nível Superior CCA Centro de Ciências de Araraquara CGEE Centro de Gestão e Estudos Estratégicos Cietec Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia CNE Conselho Nacional de Educação CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPI Comissão Parlamentar de Inquéritos DCN Diretriz Curricular Nacional DPO Discurso Pedagógico Oficial DRG Discurso Regulador Geral EC Emenda Constitucional e-MEC Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior ENBT Empresas Nascentes de Base Tecnológica ETT Escritórios de Transferência de Tecnologia FACIRA Feira Agro Comercial e Industrial da Região de Araraquara FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FGV Fundação Getúlio Vargas FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FMI Fundo Monetário Internacional FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico GCR Global Competitiveness Report GEI Global Entrepreneurship Index GEM Global Entrepreneurship Monitor GII Global Innovation Index GTC Global Talent Competitiveness Index IACP Idea and artefact-creation pedagogy IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICT Institutos de Ciência e Tecnologia ICTP International Centre for Theoretical Physics IEL Instituto Euvaldo Lodi IES Instituições de Ensino Superior IFSP Instituições Federais de Ensino Superior INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial ISCED Classificação Internacional Normalizada LOA Lei Orçamentária Anual matriz OCC Matriz de Orçamento de Outros Custeios e Capital MCTI Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações MEC Ministério da Educação MOOC Cursos On-Line Massivos Abertos NES Índice Nacional de Contexto do Empreendedorismo NIT Núcleos de Inovação Tecnológica OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico P&D Pesquisa e Desenvolvimento PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PEC Proposta de Emenda à Constituição PI Propriedade Intelectual PIB Produto Interno Bruto PIPE Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas PISA Programa Internacional de Avaliação De Estudantes PME Pequenas e Médias Empresas PPC Paridade do Poder de Compra PPC Projeto Pedagógico de Curso Prodesp Empresa de Informática do Governo do Estado de São Paulo QS Quacquarelli Symonds RDP Reprodução do Discurso Pedagógico SAIFR South American Institute for Fundamental Research SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SIOP Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento TRL Níveis de Prontidão Tecnológica UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista USP Universidade de São Paulo VaCP Value creation pedagogy VeCP Venture creation pedagogy LISTA DE FIGURAS Figura 1- Formação do cientista empreendedor a partir do reconhecimento da importância do ensino, pesquisa e extensão. .................................................... 20 Figura 2 - Ilustração do artigo de Eduardo Borba de Araújo de 1988. .............. 28 Figura 3. Gráfico com a sugestão de gestores das formas que mais contribuem para a arrecadação própria de recursos. ........................................................... 57 Figura 4 - Relação dos resultados de indicadores de competividade para o Brasil no GCR (2019). ........................................................................................ 71 Figura 5- Pesquisa com especialistas nacionais do GEM (2019). .................... 81 Figura 6 - Tempo médio em dias para a abertura de empresas no Brasil. Segundo relatório “Doing Business” do Banco Mundial. ................................... 84 Figura 7 - Performance econômica e eficiência governamental brasileira no IMD COMPETITIVENESS WORLD BOOK (2019). ................................................. 101 Figura 8- Desempenho da infraestrutura brasileira no IMD COMPETITIVENESS WORLD BOOK (2019). ................................................. 103 Figura 9 - Desempenho brasileiro em eficiência em negócios no IMD COMPETITIVENESS WORLD BOOK (2019). ................................................. 107 Figura 10 - Desempenho geral e por categorias brasileiro no GII (2020) entre 131 países. ....................................................................................................... 110 Figura 11 - Desempenho na categoria sobre as instituições nacionais no GII (2020). .............................................................................................................. 112 Figura 12 - Desempenho sobre o capital humano e pesquisa no GII (2020). . 113 Figura 13 - Desempenho sobre a sofisticação empresarial no GII (2020). ..... 116 Figura 14 - Desempenho sobre produtos intelectuais e tecnológicos no GII (2020). .............................................................................................................. 118 Figura 15 - Classificação do Brasil nos diferentes índices e relatórios globais. Classificação do Brasil nos diferentes índices e relatórios globais. ................ 121 Figura 16 - Desenho de pesquisa documental, utilizando o portal e-MEC para reconhecimento dos cursos de graduação das áreas especificadas. ............. 125 Figura 17 - Gráficos com o total de cursos de Bacharelado em Ciências Biológicas, Física e Química e quais destes possuem a disciplina de Empreendedorismo. Além da quantidade de disciplinas regulares da grade curricular. .......................................................................................................... 152 Figura 18 - Gráficos com o total de cursos de Bacharelado em Ciências Biológicas, Física e Química e quais destes possuem a disciplina de PI. Além da quantidade de disciplinas regulares da grade curricular ............................ 156 Figura 19 Nuvem de palavras com as respostas mais citadas. Autor. ............ 164 Figura 20 - Mapa mental que abrange algumas das áreas de pesquisa de ensino de empreendedorismo para o ensino superior. ................................... 184 Figura 21 - Semelhanças entre as etapas do método científico e do método empreendedor. ................................................................................................. 186 Figura 22 - Síntese de atividades de contextualização de um empreendimento utilizando o contexto de formação do aluno. ................................................... 189 Figura 23 - Representação o modelo "científico-empreendedor" que direciona o fazer empreendedor a partir da utilização da pesquisa científica. .................. 191 Figura 24 - Escalas de protindão tecnológica (Technology Readiness Level, TRL). ................................................................................................................. 194 Figura 25 – Etapas adaptadas da TRL nas fases 1 a 3. ................................. 195 Figura 26 - Etapas adaptadas da TRL nas fases 4 a 6. .................................. 197 Figura 27 - Etapas adaptadas da TRL nas fases 7 a 9. .................................. 199 file:///C:/Users/T-Gamer/Desktop/Versão%20para%20entrega.docx%23_Toc126792185 file:///C:/Users/T-Gamer/Desktop/Versão%20para%20entrega.docx%23_Toc126792190 file:///C:/Users/T-Gamer/Desktop/Versão%20para%20entrega.docx%23_Toc126792190 Figura 28 - Síntese de atividades de contextualização de um empreendimento. .......................................................................................................................... 200 Figura 29 - Formas de apoio à inovação. ........................................................ 218 Figura 30 - Modelos teóricos de estágios de um novo empreendimento (startup) conforme diferentes abordagens centradas no produto, companhia e estágios para financiamento. .......................................................................................... 220 Figura 31 - Fluxograma de recursos para empresas no Brasil, da fonte até a empresa investida. ........................................................................................... 227 Figura 32 - Entidades do setor público, programas e projetos para financiamento de empreendimentos ................................................................ 229 Figura 33 - Exemplos de grupos de investidores anjos brasileiros. ............... 233 Figura 34 - Relação de entidades do terceiro setor e sua atuação e projetos para financiamento de empreendimentos. ....................................................... 234 Figura 35 - Gráfico com as cidades onde residem os campi da UNESP, o número de patentes depositadas entre 2005 e 2017, o número de empresas financiadas pelo programa PIPE e quantos dessas empresas possuem pesquisadores principais ligados a UNESP. .................................................... 239 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Abordagens pedagógicas para o ensino de empreendedorismo ... 33 Quadro 2 – Habilidades específicas do itinerário formativo de Ciências da Natureza e suas Tecnologias com o eixo estruturante de empreendedorismo. 93 Quadro 3 - Trechos do PPC com algumas das menções da perfil do egresso de Ciências Biológicas relacionados à inovação. ................................................. 129 Quadro 4 -Trechos do PPC sobre as menções do empreendedrismo relacionados a atividade profissional em que o egresso deve atuar de maneira independente. ................................................................................................... 130 Quadro 5 - Trechos do PPC sobre as diferentes perspectivas de aprendizado para o empreendedorismo na formação do futuro egresso em Ciências Biológicas. ........................................................................................................ 133 Quadro 6 - Trechos do PPC com perfil do egresso em Química orientados para a geração de valor. ........................................................................................... 135 Quadro 7 - Trechos do PPC com perfil do egresso em Química orientados para a promoção do desenvolvimento local. ............................................................ 137 Quadro 8 - Trechos do PPC com perfil do egresso vinculados ao empreendedorismo. Autor. ............................................................................... 139 Quadro 9 – Autores e livros mais frequentes nas ementas de disciplinas de empreendedorismo .......................................................................................... 147 Quadro 10. Tópicos abordados nos planos de ensino de disciplinas de empreendedorismo nos cursos de Química .................................................... 151 Quadro 11 - Formas de benefícios contemplados pela Lei de Inovação. ....... 207 Quadro 12 - Relação de serviços prestados que dependem do regime jurídico da empresa prestadora. ................................................................................... 212 Sumário 1 Introdução ..................................................... Erro! Indicador não definido. 2 Questões de pesquisa e objetivos .............................................................. 21 2.1 Questões de pesquisa .......................................................................... 21 2.1.1 Objetivos Gerais ............................................................................. 22 2.2 Objetivos Específicos ............................................................................ 23 2.3 Empreendedorismo acadêmico ............................................................ 23 3 Fundamentação teórica .............................................................................. 26 3.1 O ensino de empreendedorismo: contexto histórico ............................ 26 3.2 O empreendedorismo como componente educacional ........................ 30 3.3 O contexto da universidade para introdução ao empreendedorismo – Extensão universitária .................................................................................... 37 3.3.1 Engajamento Social ....................................................................... 38 3.3.2 Educação Continuada .................................................................... 41 3.3.3 Transferência de Conhecimento e Tecnologia .............................. 44 3.4 As divergências acadêmicas sobre a universidade empreendedora ... 48 3.5 Autonomia universitária e a realidade político-econômica no Brasil .... 53 3.6 Legitimidade das universidades ........................................................... 58 4 Contexto para a pesquisa documental ....................................................... 62 4.1 Referenciais teóricos ............................................................................ 63 4.1.1 O discurso pedagógico de Basil Bernstein .................................... 63 4.1.2 A sociologia de Norbert Elias ......................................................... 65 4.2 Procedimentos metodológicos .............................................................. 67 4.2.1 Desenho de pesquisa - Pesquisa documental ............................... 67 5 Análise de dados dos indicadores globais .................................................. 69 5.1 The Global Competitiveness Report (2019) ......................................... 70 5.2 Global Entrepreneurship Monitor – Empreendedorismo no Brasil (2019) 76 5.2.1 Pesquisa com população adulta .................................................... 77 5.2.2 Pesquisa com especialistas nacionais ........................................... 80 5.2.3 Apoio Financeiro ............................................................................ 81 5.2.4 Políticas Governamentais – Efetividade das políticas públicas e Burocracia e impostos ................................................................................ 82 5.2.5 Programas Governamentais .......................................................... 86 5.2.6 Educação e capacitação ................................................................ 87 5.2.7 Pesquisa e Desenvolvimento ......................................................... 95 5.2.8 Capacidade empreendedora e Normas culturais e sociais ........... 97 5.3 IMD World Competitiveness World Book (2019) .................................. 99 5.4 Global Innovation Index (2020) ........................................................... 109 5.5 Considerações parciais ....................................................................... 120 6 Análise de Projeto Pedagógico de Curso (PPC): Cursos de Ciências biológicas, Física e Química ............................................................................ 122 6.1 Procedimentos para obtenção de dados ............................................ 123 6.2 Resultados .......................................................................................... 126 6.2.1 Diretrizes Curriculares Nacionais e Projetos Pedagógicos de Curso 126 6.3 Perfil do Egresso ................................................................................. 128 6.3.1 Ciências Biológicas ...................................................................... 128 6.3.2 Física ............................................................................................ 133 6.3.3 Química ........................................................................................ 135 6.4 Multidisciplinaridade ............................................................................ 140 6.5 Relações interpessoais ....................................................................... 141 6.6 Extensão universitária ......................................................................... 144 6.7 Bibliografias recomendadas ................................................................ 146 6.7.1 Ementa e planos de aula ............................................................. 150 6.8 Disciplinas de Empreendedorismo ..................................................... 151 6.9 Disciplinas de Propriedade Intelectual e de Inovação ........................ 155 6.10 Considerações parciais ................................................................... 157 7 A compreensão do empreendedorismo dentro das comunidades locais 160 7.1 Metodologias ....................................................................................... 160 7.2 Empreendedorismo: Percepção dos residentes locais ...................... 163 7.2.1 Resultados e Discussão ............................................................... 163 7.2.2 Considerações parciais ................................................................ 174 7.3 Entrepreneurship School for Scientists and Engineers ...................... 176 7.3.1 Motivações ................................................................................... 177 7.3.2 Papel da universidade .................................................................. 177 7.3.3 Barreiras para a implementação do ensino de empreendedorismo no meio acadêmico ................................................................................... 179 7.3.4 Feedback dos participantes sobre a escola ................................. 180 7.3.5 Considerações parciais ................................................................ 181 8 Recontextualização do ensino de empreendedorismo – Contribuições curriculares ....................................................................................................... 183 8.1 O cientista empreendedor ................................................................... 185 8.2 O conhecimento legal para a prática do empreendedorismo na ciência. Lei da Inovação e Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação; Lei do Bem e Marco legal das startups. .................................................................. 200 8.2.1 Lei da Inovação e Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação 202 8.2.2 Incentivos fiscais e a Lei do Bem ................................................. 210 8.2.3 O marco legal das startups .......................................................... 215 8.3 Captação de recursos ......................................................................... 217 8.3.1 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ......... 231 8.3.2 PIPE ............................................................................................. 237 9 Considerações Finais................................................................................ 241 10 Perspectivas ........................................................................................... 243 18 1 Introdução Com as várias atribuições existentes para as universidades e demais Institutos de Ciência e Tecnologia (ICT) para atuarem como como protagonistas e agentes de transformações sociais e econômicas, que são esperadas por diferentes segmentos da sociedade, é importante compreender o papel da comunidade científica e como estabelecer uma cultura empreendedora nessas instituições para transferir os conhecimentos, tecnologias e inovações para a sociedade. Para implementar uma cultura empreendedora em determinada instituição é necessário a formação de cientistas empreendedores com a capacidade de gerar valor para as pessoas fora da academia (LACKÉUS, 2020); como a presença desses cientistas empreendedores na instituição tem papel de influência na formação de novos empreendedores, é gerado um ciclo virtuoso (STUART; DING, 2006). No quadro de pesquisadores podem surgir aqueles que empreenderão por motivação própria se valendo do aprendizado e da experimentação de como funciona a estruturação e manutenção de um empreendimento. Entretanto, é possível simplificar e estimular esse processo com a formação acadêmica com a implementação de disciplinas de empreendedorismo e dos projetos de estímulo e de divulgação do empreendedorismo na academia. Mesmo que essa formação não seja uma garantia de sucesso para um empreendimento, deve suportar a amenização dos riscos e o entendimento das fases e dificuldades que poderão surgir. Então, com o surgimento das demandas das disciplinas de empreendedorismo torna-se necessário também o desenvolvimento gradual da pesquisa na área de ensino de empreendedorismo, principalmente para áreas que historicamente possuem uma formação acadêmica tradicional e não têm a proximidade com as áreas de geração e administração de negócios. Como é o caso de parte dos cursos de graduação como Ciências Biológicas, Física e Química, pertencentes ao bloco de ciências naturais, matemática e estatística. O estímulo para a promoção do empreendedorismo nas diversas áreas de conhecimento vai ao encontro da promoção de políticas públicas e institucionais para estimular o empreendedorismo no país. 19 Dentro do contexto das áreas de conhecimento que usualmente formam futuros acadêmicos e pesquisadores é necessário disponibilizar os conhecimentos que facilitem o processo de ensino-aprendizado de empreendedorismo. Assim, é necessário propiciar ao docente, em uma perspectiva de ensino, as formas e os conteúdos para que os alunos compreendam a possibilidade de formação como cientistas empreendedores tanto para empreenderem com projetos particulares ou para o empreendedorismo acadêmico. Contudo é necessário, primeiro, pontuar tanto os aspectos gerais e específicos que são pertinentes para o ensino de empreendedorismo como as que se referem a área específica de formação desse cientista representando as diferentes camadas e especificidades dentro dessas temáticas. Também é importante elencar a importância dos benefícios da formação de egressos empreendedores o seu papel e a importância na geração de valores para a sociedade por meio da transferência de conhecimento, tecnologia e inovação. Em consequência, aumentar a conscientização da importância da existência das instituições de ensino e de pesquisa para toda a população, que além do seu papel formativo têm grande importância na geração de conhecimentos e tecnologias para a sociedade, para continuar o fortalecimento da legitimidade e da autonomia institucional. As especificidades necessárias para criar disciplinas capazes de formar profissionais capacitados a serem cientistas empreendedores, como descrito na Figura 1, devem considerar as questões próprias de ensino, pesquisa e extensão e em quais momentos ocorre a intersecção entre as temáticas para propor os conteúdos pertinentes. Essas conexões são necessárias para que o aluno possa obter e utilizar os conhecimentos gerados na pesquisa científica para empreender junto com a universidade. 20 Figura 1- Formação do cientista empreendedor a partir do reconhecimento da importância do ensino, pesquisa e extensão. Fonte : Autor 21 2 Questões de pesquisa e objetivos Para a melhor compreensão das questões de pesquisa e dos objetivos a serem traçados é necessário levantar as informações sobre o envolvimento do empreendedorismo com a área de ensino superior e a pesquisa, levando em consideração os aspectos institucionais, políticos e sociais que se convergem para a configuração do contexto da pesquisa. Para os acadêmicos ainda existem muitos desafios institucionais a serem discutidos e superados para que se possa estabelecer um ambiente propício para que dissemine e se aceite a atuação das instituições de ensino superior (IES) como universidades empreendedoras. Dentre os desafios estão envolvidos a relação entre as instituições de ensino e de pesquisa, a sociedade e os entes da administração pública. Assim, a elaboração do problema de pesquisa foi voltada inicialmente pelo princípio básico da existência da universidade, o ensino. 2.1 Questões de pesquisa Os norteadores para qual caminho o processo de ensino-aprendizado de um determinado curso ou disciplina deve se pautar são orientados pelas diretrizes estipuladas pelos órgãos reguladores oficiais e pelos próprios regimentos e propostas pedagógicas dos conselhos dos diferentes cursos de graduação. Então, foram atribuídos como questões de pesquisa tópicos que relacionados aos cursos de graduação, a formação dos alunos e a implementação e incorporação de atividades de desenvolvimento da inovação e do empreendedorismo. Como a quantidade e diversidade de cursos no país é grande foi necessário a delimitação do estudo em uma área especifica para garantir a exequibilidade da pesquisa. Foi feito a escolha dos cursos em bacharelado em Ciências Biológicas, Física e Química representando áreas de conhecimentos importantes das Ciências Naturais. Esses cursos foram escolhidos como uma maneira significativa e representativa da possibilidade de formação de cientistas empreendedores pautados no uso do conhecimento científico e da inovação para empreender, 22 visto que são cursos que costumam pautar a formação de profissionais voltados para a área acadêmica. Pode ser considerado para este trabalho como questões de pesquisa: • Como é o ambiente de empreendedorismo e inovação no Brasil comparado com outros países e quais são as necessidades e desafios para serem compreendidas nas disciplinas de empreendedorismo? • Nos documentos institucionais como são apresentadas as propostas institucionais para desenvolvimento dos alunos para o empreendedorismo e para a inovação? • Como as disciplinas de empreendedorismo são estruturadas para esses cursos? • Quais são os conteúdos pertinentes que podem ser implementados e direcionados para os alunos desses cursos de ciências naturais selecionados? • Como ocorre a promoção do empreendedorismo de base científica voltado para a inovação a partir das leis, iniciativas e políticas públicas e institucionais? • Como é a percepção da sociedade perante a legitimação das universidades como gerador de conhecimento, inovação e tecnologia? 2.1.1 Objetivos Gerais O presente trabalho tem como objetivo investigar e destacar os desafios para a promoção do empreendedorismo em ambiente acadêmico, principalmente relacionado ao ensino de empreendedorismo, seja devido às próprias condições já estabelecidas em âmbito nacional como nos contextos institucionais. Assim, encontrar formas de contribuir com o ensino de empreendedorismo nas instituições de ensino e pesquisa com foco nos cursos da área de ciências naturais como Ciências Biológicas, Física e Química direcionados para o empreendedorismo de inovação utilizando a transferência dos conhecimentos produzidos. 23 2.2 Objetivos Específicos • Avaliar os desafios para o desenvolvimento da inovação e do empreendedorismo a partir da análise de relatórios e indicadores internacionais que podem dar uma base para a estruturação e o direcionamento de esforços para melhoria do ensino de empreendedorismo; • Analisar os projetos pedagógicos de curso e as estruturas curriculares dos cursos de bacharelado da área de ciências naturais dos cursos de ciências biológicas, física e química para encontrar qual a relação desses documentos com a proposta de formação acadêmica voltada para a inovação e para o empreendedorismo; • Encontrar iniciativas em benefício para estabelecimento da cultura empreendedora e de inovação no país; • Entender a percepção de diferentes atores frente aos temas que englobam o empreendedorismo, o ensino de empreendedorismo e a universidade; • Propor diferentes conteúdos para serem abordados nas disciplinas de empreendedorismo contextualizadas dentro da realidade dos alunos. 2.3 Empreendedorismo acadêmico Os cientistas podem realizar grandes feitos, respeitando sempre o método científico, além da produção do conhecimento teórico e experimental, como o exemplo do químico e microbiologista Louis Pasteur (1822 – 1895) que tem seu papel na história da ciência incontestável, uma mente brilhante que foi muito além do fazer ciência. Pasteur esteve aberto a resolver problemas da sociedade, envolver-se nas políticas públicas e captar recursos para o desenvolvimento da ciência (DE MASI, 1999). A sua trajetória foi marcada como um legítimo empreendedor, que mesmo diante das dificuldades da época procurou soluções para o bem-estar da população. Pasteur idealizou a criação de um instituto internacional voltado para o ensino e a pesquisa. Junto a uma comissão formada com a Academia de Ciências da França lançaram uma subscrição pública para angariar fundos. Em 24 14 de novembro de 1888, dois anos após sua idealização, foi inaugurado o Instituto Pasteur. Com a estrutura disponível os membros do instituto conseguiram tratar mais de 45 mil casos de raiva em pouco mais de 30 anos. Os esforços realizados por Pasteur resultaram em geração de valor, independente do viés voltado a geração de lucros ou não. Ao mesmo tempo que gerava valor para a população que se beneficiava dos diferentes tratamentos criados no Instituto, a comunidade científica também recebia uma contrapartida de valor ao receber o reconhecimento e estímulo pela sociedade para a importância da sua existência. Esse modelo de empreendedorismo que se envolve com as instituições de pesquisa e de ensino superior é conhecido como empreendedorismo acadêmico e está associado a toda as etapas de transição de uma pesquisa para além do desenvolvimento do conhecimento culminando na inovação tecnológica e geração de valor. Os empreendedores acadêmicos tornam suas bagagens teóricas e práticas em ferramentas para desenvolver e promover o conhecimento adquirido na forma de inovação gerando produtos e serviços de valor agregado (MEYERS; PRUTHI, 2011). É importante ressaltar que o processo de transferência de tecnologia para comercialização é apenas uma das formas presentes do empreendedorismo acadêmico. Wadhwani et al. (2017) considera o empreendedorismo acadêmico como a busca de formas de geração de valores pertencentes a produção, aplicação e transmissão do conhecimento acadêmico. O termo valor é concebido no lugar da geração de riqueza ou fortuna do empreendedorismo clássico (SECUNDO et al., 2017). Esses valores são oportunos tanto para aplicação para o fortalecimento interno da instituição como para áreas não acadêmicas como o setor público, indústrias e comércio (WADHWANI et al., 2017). Como exemplo de geração de valor, além da criação de empresas que buscam trazer soluções inovadoras, os empreendedores acadêmicos podem estar envolvidos na geração de redes de colaboração (networking), criação de estrutura seja física ou curricular para o ensino externo, firmar grupos de pesquisa intra ou interinstitucional, trazer infraestrutura para instituição e 25 recursos de oriundos fundos privados ou de órgãos internacionais (DE SILVA, 2016). Permanece identitário às instituições de ensino e pesquisa o dever de valorizar a produção e a disseminação do conhecimento científico e humanístico. Contudo, o desenvolvimento da academia contribui e recebe contribuições do contexto social, econômico e político em que as instituições estão inseridas. Uma instituição de ensino superior público com alto potencial de empreendedorismo acadêmico fornece um ambiente favorável e suficiente para que ocorra o auxílio para a promoção do conhecimento e da ciência e tecnologia respeitando as finalidades formativas que as universidades têm. Uma das condições que possibilitam a existência desse ambiente favorável é o desenvolvimento e o acúmulo do capital intelectual contido nas universidades que podem ser analisados sob os aspectos do capital humano, organizacional e social (SECUNDO et al., 2017). O capital humano está relacionado às competências individuais e conhecimento tácito profissional dos membros que estruturam a universidade. O capital organizacional contém os recursos intangíveis, presente na acumulação de conhecimento em bancos de dados e repositórios, projetos de pesquisa, infraestrutura de pesquisa, articulação administrativa e cultura institucional. Enquanto, o capital social está na capacidade de gerar valor e prestígio institucional, as universidades mais renomadas e bem avaliadas despontam como referência no que envolve o ensino superior se estabelecendo como modelos a serem seguidos, pois exercem influência a nível regional podendo ter ações vinculadas ao poder público e ao setor privado. As instituições com elevado capital intelectual têm maior potencial de atrair jovens talentosos, que são motivados pelas possibilidades futuras como profissional. Usufruem da infraestrutura e do currículo formativo da universidade que possibilita a formação de alunos de graduação e pós graduação com conhecimentos e habilidades para serem bem sucedidos independente da área de atuação de escolha (MEYERS; PRUTHI, 2011). As universidades públicas brasileiras têm capital intelectual reconhecido frente a qualidade das instituições. Visto que a população também é mantenedora dessas instituições via arrecadação pública, é de bom senso que se espere que o capital intelectual dessas universidades possa se converter em 26 benesses para a própria população, além do dever intrínseco de formação profissional das universidades. Assim, uma das opções existentes é a conversão desse capital intelectual em retorno econômico à sociedade, utilizando as ferramentas de transferência de tecnologias para a comercialização e produção de inovação. Além disso, também é possível gerar valor para sociedade aplicando os conhecimentos científicos na promoção do bem-estar para a população em situação de vulnerabilidade pela transferência de tecnologia social e empreendedorismo social (MAIR; MARTÍ, 2004). Existem várias definições para os empreendedores sociais, entre elas podem ser considerados como empreendedores sociais pessoas que: a) tenham empresa com iniciativas para gerar valores sociais sem fins lucrativos; b) desenvolvem empresas análogas ao empreendedorismo comercial buscando o lucro com parcerias envolvendo o setor público, privado e/ou instituições sem fins lucrativos que trabalham cooperativamente para o desenvolvimento social; c) empreendem individualmente gerando empreendimento para aliviar problemas sociais e catalisar transformações sociais. Além disso, o empreendedorismo acadêmico pode e deve concatenar com o desenvolvimento do empreendedorismo social, uma maneira de empreendedorismo que apesar de também poder ter fins lucrativos apresenta como essência a geração de novas perspectivas para resolver problemas sociais como a educação, meio-ambiente, desigualdade e pobreza, saúde e a justiça social. 3 Fundamentação teórica 3.1 O ensino de empreendedorismo: contexto histórico O empreendedorismo no meio acadêmico é compreendido pelas instituições de ensino e pesquisa formadoras de empreendedores, que também podem se configurar como universidades empreendedoras e universidades inovadoras. Essas universidades empreendedoras surgem no momento em que 27 as universidades incorporaram institucionalmente a responsabilidade de contribuir com o desenvolvimento social e econômico (ETZKOWITZ, 1998). O processo de formação de empreendedores inicialmente ocorre com a necessidade de criação de novos empreendimentos. Até então os cursos de ensino superior eram voltados para a formação de mão-de-obra para o setor privado e público (FILION, 2000). Não existia uma iniciativa para que os egressos usassem seus conhecimentos na área para a criação de novos negócios. Com a utilização do sistema de propriedade intelectual (PI) as universidades americanas iniciaram o processo de incorporação do modelo de universidade empreendedora no início do séc. XX. Esse processo foi sustentado por políticas institucionais de patenteamento de pesquisas, de transferência de tecnologia, criação de novas empresas e de parcerias entre universidade e indústria (DALMARCO; HULSINK; BLOIS, 2018). Os registros das primeiras disciplinas de empreendedorismo foram datados na década de 1940. Seguido por um aumento considerável nos anos 1970. Nessa década existiam aproximadamente 100 escolas de negócios e de administração oferecendo a disciplina com foco na criação de negócios (RONSTADT, 1987). No início dos anos 1980 o ensino de empreendedorismo era considerado como uma atividade voltada fundamentalmente para alunos que possuíssem o interesse no curso de administração de empresas (HÄGG; GABRIELSSON, 2019). Existia ainda uma grande dificuldade na estruturação das disciplinas de empreendedorismo já que eram poucos os pesquisadores e acadêmicos da área (GABRIELSSON et al., 2020). Apesar da área estar em um estágio inicial de desenvolvimento nos anos 1980 há uma presença considerável de registros de trabalhos científicos voltados para a área de educação para o empreendedorismo. No artigo brasileiro de pesquisa bibliográfica apresentado por Araújo (1988), o autor revisa os trabalhos da época voltados para o “ensino de entrepreneurship”, Figura 2, com exemplos de pesquisadores norte-americanos e canadenses com a abordagem de novos métodos de ensino de empreendedorismo. 28 Figura 2 - Ilustração do artigo de Eduardo Borba de Araújo de 1988. Fonte: (ARAÚJO, 1988). Inicia-se ainda nessa década o enaltecimento das características e habilidades empreendedoras e os questionamentos se essas habilidades são inatas ou podem ser ensinadas (BURCH, 1986). O interesse na área criou uma base de discussão acadêmica com perguntas sobre o processo de ensino ainda a serem respondidas. Como, por exemplo, quais as métricas a serem utilizadas para mostrar a relevância da área, quem seriam os alunos e o professores, assim como quais seriam os conteúdos e o currículo a serem utilizados (MCMULLAN; LONG, 1987). Como consequência, a década sucessora é marcada pelo aumento da formação de professores especializados em empreendedorismo os quais muitos possuíam experiência prévia como empreendedores ao mesmo tempo que estavam envolvidos com a academia (MCMULLAN; LONG, 1987; GABRIELSSON et al., 2020). No mesmo período ocorre uma grande disseminação dos cursos de empreendedorismo na Europa Ocidental em países como Inglaterra, França e Holanda. Contudo, boa parte das universidades que implementaram esses cursos eram estatais e possuíam pouco vínculo e interesse de participação no setor privado. Nessa estrutura as universidades europeias não se apropriavam 29 do empreendedorismo de maneira institucionalizada (DALMARCO; HULSINK; BLOIS, 2018). Era uma prática comum em muitas universidades europeias que as invenções criadas dentro das instituições e com a utilização dos diferentes recursos que estas disponibilizavam acabavam sendo de propriedade intelectual integral dos pesquisadores (DALMARCO; HULSINK; BLOIS, 2018). Não existia, por parte das universidades, a tradição de patentear e licenciar as invenções dos seus pesquisadores. O modelo de cooperação de tripla hélice entre indústria, universidade e setor privado também era pouco efetivo (WRIGHT, 2007). Ao longo dos anos a organização política em relação ao ensino de empreendedorismo tem avançado no continente europeu. Segundo a Comissão Europeia (2016) em 2003 foi proposto o primeiro plano de ação continental para o desenvolvimento do empreendedorismo, na qual incluía o ensino de empreendedorismo como um item fundamental da pauta. Assim, no ano de 2015 foi reportado um conjunto de dados e resultados mostrando o impacto das estratégias e medidas tomadas para o ensino de empreendedorismo. Com a consolidação do ensino de empreendedorismo nos Estados Unidos e no Oeste Europeu a partir do fim dos anos 1990 ocorre o aumento da disseminação do ensino de empreendedorismo para o resto do mundo. A implementação ocorreu de maneira similar em países de economia emergente do Leste Europeu, Ásia e América Latina, incluindo o Brasil nesse processo (DALMARCO; HULSINK; BLOIS, 2018). A introdução do ensino de empreendedorismo no Brasil data inicialmente de 1981 na Fundação Getúlio Vargas (FGV) na disciplina de “Novos Negócios” no curso de Especialização em Administração para graduados. Conseguinte, a partir de 1989 são criados grupos de pesquisa sobre empreendedorismo em diferentes universidades e projetos de incubação de empresas por órgãos governamentais como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (LIMA RIBEIRO; OLIVEIRA; DE ARAUJO, 2014). Com a disponibilidade das disciplinas de empreendedorismo para os alunos de administração de empresas ainda existia uma lacuna para os alunos de outras áreas de conhecimento. Os marcos históricos da introdução de disciplinas de empreendedorismo para alunos de outras áreas como de engenharias e ciências é pouco conhecida (STANDISH-KUON; RICE, 2002), 30 apesar de nos anos 80 ser relatado a existência de várias escolas de engenharia que ofereciam a disciplina para os seus alunos (RONSTADT, 1987). A promoção ensino de empreendedorismo no Brasil não é um item exclusivo a ser discutido no ensino superior, é possível encontrar o despertar do interesse em geração e conhecimento empreendedor no aprendizado escolar pelo próprio Ministério da Educação (MEC) que tem como uma de suas atribuições o dever de incentivar e fomentar as práticas inovadoras e divulgação dos casos de sucesso nas escolas (BRASIL, 2018). Mesmo escolas da educação básica da rede pública apoiadas por programas governamentais já apresentam aulas de empreendedorismo na sua grade curricular, além da presença de programa de capacitações de ex-alunos como o INOVA CPS do Centro Paula Souza no estado de São Paulo (SAES; MARCOVITCH, 2020). 3.2 O empreendedorismo como componente educacional As discussões sobre os elementos pedagógicos do ensino de empreendedorismo são recentes. O ensino de empreendedorismo passou por uma transição de um ensino clássico com aulas exclusivamente expositivas focadas em conceitos teóricos para uma prática de ensino baseada no aprendizado ativo centrado no aluno (ISMAIL; SAWANG; ZOLIN, 2018). Diferente das disciplinas tradicionais dos currículos dos cursos de ciências naturais, o empreendedorismo, segundo Neck e Greene (2011) não pode ser instituído como um processo em que o conhecimento é linear e previsível, como no estudo de fenômenos físicos ou químicos, por exemplo. Ou seja, seguir fielmente as etapas de criação de um empreendimento não significa que os resultados serão positivos. Ainda segundo Neck e Greene o ensino de empreendedorismo vem ao encontro da utilização de métodos para aprendizado. Os métodos são ensináveis e aprendíveis, mas dependem do empenho pessoal, pois além do entendimento e aquisição do conhecimento é necessário ação, utilização e aplicação. As disciplinas e cursos de empreendedorismo usualmente comutam em ter um currículo estruturado em processos, ao estímulo ao aprendizado 31 experimental, da interdisciplinaridade, utilização de redes de estímulo ao empreendedorismo e a contribuição para o desenvolvimento da economia local (LACKÉUS; WILLIAMS MIDDLETON, 2015). Segundo Pittaway et al. (2019), as produções cientificas sobre o estudo dos elementos pedagógicos da área de ensino em empreendedorismo tendem a seguir o padrão de cinco questionamentos básicos estruturados em questionamentos inicialmente descritos por Fayolle e Gailly (2008): “O que?” (conteúdo), “para quem?” (audiência), “porque?” (objetivos), “como?” (métodos pedagógicos) e “para que?” (avaliações e métricas). Também são compreendidos nos estudos de ensino de empreendedorismo questões relacionadas aos conhecimentos básicos empreendedores divididos em três aspectos (MIDDLETON; DONNELLON, 2020): 1. “o que saber” (know what), que são os conhecimentos genéricos na criação de novos empreendimentos (planejamento, teoria da legitimidade, recursos e análise de mercado); 2. “como saber” (know how), é o conhecimento detalhado do processo e das fases de criação de uma empresa; 3. e o “porque saber” (know why) nos quais estão relatadas às habilidades individuais lógicas e emocionais necessárias para a ação empreendedora. Essas três abordagens, mesmo que pertinentes, acabam por muitas vezes se desconectando das áreas de ensino consolidadas, que estudam questões pedagógicas e métodos de aprendizado e se caracterizando mais como pesquisas direcionadas para as definições pontuais sobre o empreendedorismo. Enquanto a questão da abordagem do ensino de empreendedorismo pode ser contextualizada com quatro aproximações diferentes presentes nas teorias e filosofias pedagógicas para o ensino (BELL, 2021). Então, segundo Bell (2021), o ensino de empreendedorismo parte inicialmente da vertente do Behaviorismo, que incita a memorização de conhecimento técnico pela repetição, reforço e a aplicação de testes para verificar o aprendizado. Nesse molde o foco é voltado para o aprendizado do que 32 se trata o empreendedorismo em si, o processo de criação e criatividade são suprimidos. Em sequência é considerado o ensino de empreendedorismo baseado no Cognitivismo que considera o aprendizado como um processo cognitivo, no que tange o ensino de empreendedorismo considera os cursos que além da aquisição do conhecimento técnico também estimulavam a análise e pensamento crítico sobre determinados problemas e suas situações. Esse estímulo cognitivo é voltado para o reconhecimento da necessidade de fazer as melhores tomadas de decisão para um empreendimento. Já as disciplinas de empreendedorismo que compreendem o aluno como protagonista construtor do seu conhecimento pautado na prática e na experimentação está associada ao Construtivismo. O aluno deve compreender os contextos e utilizar suas experiências pessoais para criar soluções empreendedoras (BELL, 2021). As disciplinas de empreendedorismo atuais têm recorrentemente incorporado muitos dos elementos desse modelo construtivista de ensino relacionados a aprendizado baseados em projetos, aprendizado ativo e aprendizado por resolução de problemas (GABRIELSSON et al., 2020). Por fim, em uma abordagem focada no desenvolvimento pessoal do aluno utilizam-se recursos do Humanismo, é uma linha de ensino em que se busca a promoção ao respeito com as interações interpessoais. É uma abordagem que presa pela utilização de habilidades que gerem valores e não sejam focadas simplesmente no lucro, dessa forma possibilita a implementação das disciplinas de empreendedorismo mesmo em cursos que tradicionalmente se opõe a ideia de se empreender. É uma abordagem que busca dinamizar o engajamento do aluno com a realidade e com o mundo fora da sala de aula para que este aluno use suas competências para empreender e implementar diferentes melhorias (BELL, 2021). Além disso, segundo Lackéus (2020), o ensino de empreendedorismo divide-se especificamente em três diferentes abordagens para a execução em sala de aula, que estão apresentadas no Quadro 1. 33 Quadro 1 – Abordagens pedagógicas para o ensino de empreendedorismo Abordagem Conceito Referências Geração de ideias (Idea and artefact-creation pedagogy IACP) Baseado no conceito de empreendedorismo a partir de oportunidades SHANE, 2003 Criação de valor (VaCP – Value-creation pedagogy) Baseado no conceito de empreendedorismo a partir da criação de valor BRUYAT; JULIEN, 2001 Criação de empreendimentos ( Venture creation pedagogy – VeCP) Baseado no conceito de empreendedorismo a partir da criação de novos empreendimentos GARTNER, 1989 Fonte: Autor, adaptado de Lackéus. (LACKÉUS, 2020) Na abordagem IACP os estudantes são estimulados a trabalharem em grupo para criar algo em torno de ideias compartilhadas entre si a partir de um determinado tema aos quais foram estimuladas previamente. Nessa abordagem podem ser criados dispositivos, planos, apresentações e protótipos. Para a VaCP, o estímulo aos estudantes é feito para que estes criem algo a partir dos seus conhecimentos próprios e que represente a geração de valor com foco em grupos fora do seu próprio ambiente. Basicamente, os estudantes são instruídos a identificar problemas e criar soluções para pessoas que têm alguma necessidade a ser sanada, recorrendo a uma aproximação da concepção humanista de educação. Por fim, a VeCP é focada para a criação de negócios, os estudantes são estimulados a projetar parcial ou integralmente a concepção de um negócio. Ainda que essa abordagem pareça ser pragmática para a finalidade das disciplinas de empreendedorismo, o autor ressalva que essa abordagem costuma ser pouco integrativa para alunos que não fazem parte de cursos orientados para administração ou negócios por não abranger o contexto formativo do aluno. Essas três abordagens têm como fundamento a utilização do aprendizado ativo dos alunos, mas possuem focos de aplicação distintos, formando tipos de conhecimentos e habilidades diferentes, contudo a formulação de uma disciplina 34 de empreendedorismo pode transitar entre as três abordagens. Então, o papel do docente e do propósito institucional são imprescindíveis para o perfil de formação do aluno. Por princípios as atividades docentes no ensino básico e superior apresentam características próprias que se assemelham em partes com as habilidades atribuídas aos empreendedores sociais ao terem a possibilidade de trazer mudanças e transformação em seu ambiente. O corpo docente pode ser um vetor desenvolvedor dos alicerces culturais e estruturais dentro de uma instituição de ensino elevando a capacidade empreendedora dos seus alunos a partir de um processo metafórico de transição da alfabetização para o empreendedorismo para o letramento ao empreendedorismo. Ou seja, não basta a oferta de disciplinas de empreendedorismo para criar uma cultura empreendedora. São comparações importantes a se fazer já que a alfabetização está relacionada ao aprendizado do ato de ler e escrever, ou seja, de identificar e reconhecer as letras e em suas diferentes combinações na formação das palavras. O letramento está associado ao uso e articulação dessas palavras tanto da interpretação na leitura como na transmissão coerente de informações na escrita de um texto. Ambos os processos devem ser indissociáveis, pois há alfabetizados não letrados e analfabetos com letramento (SALDANHA, 2007). Dentro da composição da proposta de uma disciplina deve ser entendido se os alunos apenas assimilarão quais os códigos e sinais presentes nas disciplinas de empreendedorismo, ou seja, se o propósito é que os alunos reconheçam os conceitos básicos para entender do que se trata em si o empreendedorismo e seus saberes próprios como as definições de vale da morte e pivotagem preenchendo também um plano ou modelo de negócios de maneira que lhe seja conveniente para a conclusão da disciplina. A outra possibilidade existente é de que os alunos também estarão preparados e aptos a utilizar as ferramentas e informações de maneira crítica para moldar um negócio fora do ambiente de sala de aula, entendendo as limitações e as necessidades de remodelamento de um modelo de negócios quando for necessário e a ação dos fatores externos à sua própria vontade. Além disso é preciso que esses alunos também tenham a capacidade de utilizar os conhecimentos de empreendedorismo para as diferentes situações no seu 35 contexto social, mesmo que estas estejam apenas relacionadas as questões de convivência, com a consciência de que estão utilizando das diferentes habilidades interpessoais. Dessa forma, para que os alunos de graduação e pós-graduação tenham contato com os conhecimentos empreendedores, que sejam alfabetizados e letrados para o empreendedorismo, é essencial que os docentes também entendam a dinâmica do empreendedorismo sob uma ótica pedagógica e didática nessas disciplinas. Para que o professor contribua com o aprendizado de seus alunos deve fazer as mediações necessárias com julgamentos ponderados das diversas situações complexas encontradas dentro da sala de aula e no ambiente escolar ou acadêmico, buscar por oportunidades para melhorias no ensino e aprendizado dos alunos, assim como ter proatividade e estar aberto às inovações da área para buscar soluções e implementá-las (CHAND, 2006). Nesse contexto a pesquisa em ensino de empreendedorismo é importante, ainda que incipiente, por apresentar material suficiente para um aperfeiçoamento inicial da prática pedagógica nessas disciplinas. Gibb e Price (2014), por exemplo, organizaram em sua obra um compendio de atividades a serem utilizadas em disciplinas de empreendedorismo conforme os objetivos de aprendizado. Neste trabalho os autores utilizam de nove composições formativas sendo estas o desenvolvimento de comportamento, habilidades e atitudes empreendedoras; criação de empatia para vida empreendedora; valores chave; motivação para carreira empreendedora; estruturação de empresas; competências gerais; base para criação de startups; e a organização de relacionamentos. Para a execução de cada um desses eixos de formação os autores combinam 44 atividades diferentes, como por exemplo, o uso de elevator pitch, brainstorming, speed networking, estudos de caso, debates, entre outros. Assim, conforme a proposta a ser expressa em uma disciplina de empreendedorismo o docente deve escolher os métodos e atividades necessárias para cumprir seus objetivos e criar engajamento entre os alunos. Ainda que, de maneira geral os docentes do ensino superior têm pouco ou nenhum treinamento pedagógico durante sua formação acadêmica (BECHARD; GREGOIRE; GRÉGOIRE, 2002). 36 Um dos desafios para o docente definir os métodos pedagógicos e os conteúdos, mesmo que os utilize de forma involuntária, a serem incorporados em sua aula é a questão institucional, entender como determinado curso de graduação ou mesmo pós-graduação compreende a necessidade da existência da disciplina de empreendedorismo em sua grade curricular. Se a instituição não apresenta um propósito claro é comum que o docente procure adaptar suas aulas com inspirações externas (WRAAE; WALMSLEY, 2020) podendo criar um distanciamento frente a realidade e necessidade dos discentes ou mesmo a utilização de metodologias, materiais e conteúdo que não criem apropriação pelos alunos. Mesmo para docentes não formados na área de administração e negócios a escassez de recursos e inexperiência no assunto não devem ser vistos como um empecilho, mas como uma possibilidade e oportunidade de encontrar parcerias e auxílios externos para complementar a formação dos alunos e estabelecer novas redes de contatos e cooperações para a troca de experiências entre as partes. A utilização dessas redes para os alunos na educação para o empreendedorismo dá a oportunidade para que tenham contato com aspectos profissionais referentes ao despertar de habilidades empreendedoras para a vida pessoal e profissional, a empregabilidade no mercado de trabalho e a possibilidade de criação de novas empresas a partir do conhecimento gerado em sua trajetória acadêmica (RUSKOVAARA et al., 2015). Trazer o aluno para os diferentes ambientes em que se empreende. Como em startups, também é uma forma de orientação pedagógica, assim como é feito o processo de alfabetização e letramento em que são criados espaços de aprendizado para as crianças em que a organização das salas, as regras e a rotina são impactantes para o aprendizado (SALDANHA, 2007). As propostas dos conteúdos ainda são um grande desafio na elaboração das disciplinas de empreendedorismo para áreas diferentes da administração. Há a necessidade de maior produção científica para melhoria do ensino de empreendedorismo, principalmente para áreas que podem ser promissoras como as de ciências naturais e que abranjam as especificidades relacionadas às condições políticas, econômicas e sociais do país em que essas disciplinas serão ministradas. 37 3.3 O contexto da universidade para introdução ao empreendedorismo – Extensão universitária Para compreender melhor a relação entre empreendedorismo e as universidades no Brasil e no mundo é preciso considerar como foram estabelecidos o conceito de extensão universitária. Esse desenvolvimento ocorreu de maneira particular em cada país, região ou continente com contextos históricos e sociais diferentes. Tanto que a terminologia utilizada pode variar conforme a língua em uma relação de sinonímia, no português é compreendido como extensão universitária, em inglês “third mission” e em espanhol “vinculación” (NUNES GIMENEZ; MACHADO BONACELLI, 2021). Mesmo sendo um tema de discussão contemporâneo, não há uma definição clara do que seria a terceira missão em sentido global (PIIRAINEN; ANDERSEN; ANDERSEN, 2016). Mas, de maneira geral, a terceira missão pode ser compreendida como a utilização e exploração do conhecimento e recursos acadêmicos fora do seu próprio ambiente. Nas universidades brasileiras a terceira missão é apresentado como extensão universitária e é item fundamental do tripé do ensino superior, que também é composto pelo que seria a primeira missão, o ensino, e a segunda missão, a pesquisa. O termo terceira missão na produção cientifica nacional se volta mais exatamente para a questão da relação comercial existente na extensão universitária A extensão universitária tem grande peso da comunidade estudantil em sua execução, pois estas são executadas primordialmente pelos alunos de graduação com tutoria de docentes, o aluno tem a possibilidade de entrar em contato com a sociedade e utilizar parte dos seus saberes aprendidos durante a graduação. Lembrando que docentes e pós-graduandos também podem prestar serviços diretos para a comunidade. A normatização da extensão nas universidades brasileiras está prevista na Resolução no 7, de 18 de dezembro de 2018, publicada pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2018) e as informações o artigo terceiro do capítulo I (Da concepção, das diretrizes e dos princípios) define que: 38 A Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo- se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa. O artigo 7o ainda define que essa interação entre a IES e a sociedade deve estar vinculado à formação do aluno. Enquanto, no artigo 4o prevê que o mínimo tempo em que os alunos precisam se dedicar às atividades de extensão é de 10% do total da carga horária do curso. Existem diversas formas de desempenhar as diferentes formas de atividades extensionistas sejam a partir da formulação e execução de programas, projetos, cursos e oficinas, eventos ou ainda prestação de serviços. Na resolução ainda é considerado que nesse processo é esperado que ao participar de atividades de extensão os alunos se imbuam de uma formação que os tornem cidadãos críticos e responsáveis. Os pesquisadores da área consideram diferentes formas das dimensões que compõe a terceira missão ou extensão universitária no ensino superior, mas basicamente flutuam entre a questão social e econômica envolvidas com a universidades (LAREDO, 2007; MONTESINOS et al., 2008; COMPAGNUCCI; SPIGARELLI, 2020). Segundo autores como Montesinos et al. (2008) e Berghaeuser e Hoelscher (2020) consideram que a terceira missão é composta em três grandes dimensões diferentes voltadas para o campo social, da transferência de conhecimento e de tecnologia (inovação) e da educação continuada. 3.3.1 Engajamento Social No campo social, no que se refere à extensão, a instituição oferece serviços sem custos ou com valores baixos equivalentes aos custos dos recursos utilizados no atendimento, mas que representam valores inferiores se comparados com os serviços prestados no mercado convencional. O público atendido pode ser de todas as idades e serviços podem estar relacionados desde os cuidados educacionais da primeira infância até a recreação e melhoria de qualidade de vida para os idosos. 39 Essa dimensão também representa os contratos públicos entre universidade e órgãos locais auxiliando em prestações de auxílios sociais, culturais e de cuidados médicos (LAREDO, 2007). Pode ser feito ainda consultoria e parceria na implementação de políticas públicas em áreas como educação, saúde e segurança pública. As universidades podem disponibilizar as dependências da instituição ou criar espaços dedicados para atender o público como museus, bibliotecas e complexos poliesportivos. As universidades da América Latina seguem a tendência de ter uma forte presença em projetos de extensão com viés social estabelecidos em um rico contexto histórico de reinvindicações estudantis (FREITAS NETO, 2011; APPE et al., 2017). No ano de 1918 ocorreu a reforma universitária de Córdoba, na Argentina. Como muitas outras universidades a Universidade de Córdoba era regida por padrões conservacionistas e sob intervenção direta do clero local. O descontentamento do corpo discente com a administração exercida por esse clero era público, com uma demanda de várias reinvindicações de mudanças na estrutura acadêmica e na administração da instituição (FREITAS NETO, 2011). O clero cerceado por essas demandas respondeu com medidas retaliativas, como proibir que alunos da classe média pudessem frequentar a universidade. Por fim, ocorreu o fechamento da Universidade pela administração e consequente ida dos estudantes às ruas em inúmeros protestos. Entre as reivindicações dos alunos estavam a participação dos alunos nas tomadas de decisões administrativas, a liberdade de cátedra, a assistência social aos estudantes, autonomia universitária, universidade aberta ao povo e extensão da Universidade e difusão da cultura universitária. Com apoio do governo e intervenção do ministro da educação foi concebido a reforma institucional na Universidade conforme as reinvindicações dos alunos. Esse movimento teve repercussão por toda a América Latina, inclusive no Brasil, pela luta da autonomia universitária. É importante que para compreender a inclusão da discussão sobre a extensão da universidade para a sociedade e sua função social era necessário primeiro que a sociedade pudesse acessar o ensino superior. 40 Como visto, uma das pautas reivindicas pelos alunos era a própria extensão universitária. O estabelecimento dessa pauta teve influência do primeiro Congresso Internacional de Estudantes Americanos. O congresso foi realizado em 1908 na cidade de Montevidéu. A fim de discutir o papel da Universidade na sociedade em que a discussão central rodeou o tema da extensão universitária. Em 1949 no Primeiro Congresso de Universidades Latino-americanas foi ratificado a função social da Universidade a partir da utilização do termo que ficou conhecido como responsabilidade social universitária. Para o melhor entendimento dessa função social, Bernheim (2017) enumerou princípios e objetivos que devem nortear a responsabilidade social universitária que foram estabelecidos no Segundo Congresso de Universidades Latino-americanas, que ocorreu em 1972 no México. O autor explicita que a universidade deve ter autonomia para contrapor os valores de uma sociedade tradicional conservadora e contribuir nas transformações sociais. Como por exemplo, permitir que o ingresso ao ensino superior ocorra em igualdade de condições para todos. Assim, ocorreria uma real participação social de todos os cidadãos. Essa difusão permitiria que a extensão universitária contribuísse de maneira efetiva na disseminação de elementos técnicos, científicos e culturais para toda a comunidade. Esse contexto de surgimento e desenvolvimento da extensão universitária na América Latina foi fundamental para enraizar a necessidade de direcionamento da extensão universitária para as questões sociais e a tentativa de redução das desigualdades sociais (ORTIZ-RIAGA; MORALES-RUBIANO, 2011). No Brasil um dos nomes proeminentes na defesa da responsabilidade social universitária foi o ex-ministro da educação Darcy Ribeiro (*1922 – †1997), que escreveu o livro “A Universidade Necessária” (RIBEIRO, 1982) apontando a necessidade da universidade ser o caminho para que efetivamente ocorram transformações na sociedade. O próprio MEC incorporou a responsabilidade social nos critérios de análise do desenvolvimento institucional do Instrumento de Avaliação Institucional Externa para o recredenciamento de cursos existentes e credenciamento de novos cursos (INEP, 2017). O indicador 2.1 do documento 41 representa a missão, objetivos, metas e valores institucionais do curso é considerado a avaliação mais positiva (conceito 5) para o curso que contemple os itens descritos da seguinte maneira: A missão, os objetivos, as metas e os valores da instituição estão expressos no PDI, comunicam-se com as políticas de ensino, de extensão e de pesquisa (esta última, considerando a organização acadêmica), traduzem-se em ações institucionais internas, transversais a todos os cursos, e externas, por meio dos projetos de responsabilidade social. (INEP, 2017, p.11). A responsabilidade social, por si só é um indicador próprio (2.5) em que considera que o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e as políticas institucionais devem compreender o desenvolvimento econômico e de responsabilidade social, como descrito no instrumento de avaliação institucional: Há alinhamento entre o PDI e as políticas institucionais para o desenvolvimento econômico e social, considerando a melhoria das condições de vida da população e as ações de inclusão e empreendedorismo, articulando os objetivos e valores da IES, e a promoção de ações reconhecidamente exitosas ou inovadoras. (INEP, 2017, p. 12). 3.3.2 Educação Continuada A educação continuada (lifelong learning) de alunos, egressos e da comunidade não acadêmica é outra dimensão da extensão universitária. Nesse contexto as universidades oferecem o conhecimento produzido dentro da academia com objetivo de atualização profissional ou mesmo simplesmente disponibilizar novos conhecimentos às pessoas interessadas. A educação continuada é ofertada em três diferentes eixos formativos (BERGHAEUSER; HOELSCHER, 2020). São estes os programas de educação avançada, de educação para certificação e educação informal. No Brasil os programas de educação avançada são representados pelos programas de pós-graduação para o público profissional, como por exemplo os programas voltados para os profissionais de educação básica. No Brasil são oferecidos na forma de mestrado e doutorado profissional stricto sensu e regulamentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela portaria no 60, de março de 2019. A portaria apresenta como objetivo a qualificação e capacitação de profissionais para práticas avançadas, inovadoras e transformadoras dos 42 processos de trabalho. Também, a transferência de conhecimento para a sociedade para desenvolvimento local, regional e nacional. A educação para a certificação serve como aperfeiçoamento profissional a curto prazo para profissionais específicos de determinada área que buscam por melhorias na atuação profissional e no currículo. Por fim, a educação não-formal é destinada a toda a comunidade na forma de cursos abertos de curta duração (cursos livres e cursos de extensão universitária), oficinas, palestras, seminários e eventos temáticos. Segundo a Classificação Internacional Normalizada (ISCED) que é o documento oficial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para classificação dos diferentes níveis de formação educacional, os cursos de educação não-formal normalmente não qualificam os alunos para uma titulação ou certificação, a não ser que exista uma validação própria do sistema educacional do país. Conforme o contexto social do país a educação não-formal pode ser utilizada para aquisição de conhecimentos socioculturais, para o aperfeiçoamento no trabalho e de desenvolvimento pessoal (UNESCO, 2012). Apesar do ensino não-formal ser menos categórico do que a educação tradicional, os conteúdos de educação não-formal devem ser planejados seguindo um objetivo formativo, assim como ocorre na educação formal (UNESCO, 2012). As universidades conseguem disponibilizar cursos não-formais por meio dos cursos de extensão universitária. Esses cursos se dividem nas modalidades de aperfeiçoamento profissional, atualização dos conhecimentos na área de atuação ou de divulgação de conhecimento de determinada área. A proposta de oferecimento de cursos de educação continuada pelas instituições de ensino superior segue os movimentos de interesse da governança pública em relação às necessidades do mercado de trabalho (MCLEAN, 2008). Esse movimento é de contemporaneidade em que ocorrem as mudanças dos meios de produção, na economia e da sociedade. No Brasil é possível visualizar essa mudança imposta por diferentes fatores sociais e econômicos com a crescente oferta de cursos de educação continuada por ensino a distância por instituições de ensino privadas e do terceiro setor. 43 A oferta de cursos gratuitos por esses tipos de instituições têm dentre diferentes objetivos a possibilidade de gerar visibilidade institucional, fornecer os créditos como disciplinas aproveitáveis em cursos de graduação ou pós- graduação pagos ou ainda de monetizar a venda dos certificados de conclusão que não são disponibilizados para alunos não pagantes (MOURA; SOUZA, 2017). Mesmo que o objetivo dos cursos de extensão universitária das universidades públicas seja a colaboração na formação aberta ao público em geral ainda existe o desafio de encontrar dados, informações estruturadas e publicações científicas para a compreensão do impacto desses cursos não- formais como forma de melhoria e requalificação profissional para as pessoas sem a formação acadêmica tradicional. Contudo, há a possibilidade de se realizar um paralelo entre os cursos de extensão universitária com os cursos on-line massivos abertos (MOOC) os quais sejam gratuitos, assim como a maioria dos cursos de extensão universitária. Nas MOOC a maioria dos usuários dessas plataformas são alunos os quais possuem graduação em nível superior (PINA; STEFFENS, 2015) e ainda há uma baixa taxa de conclusão com uma correlação negativa de aluno- equivalente em relação a quanto maior for o número de módulos e horas para a conclusão do curso (JORDAN, 2014). Não é incongruente se as atividades de extensão universitária de educação continuada não possuam adesão significativa da comunidade sem vínculos a priori com a academia. As MOOC também são utilizadas por diversas universidades públicas, que possuem plataformas digitais dedicadas para esse serviço, com vistas a providenciar e criar conteúdo aberto para a comunidade não acadêmica. Entretanto, esses cursos ainda se apresentam no modelo instrucionista (vertente que utiliza da instrução com a utilização de computadores) e individualista conhecido como xMOOC (JUNIOR et al., 2020) em que existe pouca ou nenhuma interação entre os alunos participantes. Os conteúdos costumam ser engessados e liberados periodicamente para os alunos. Além da dificuldade de acessibilidade devido a necessidade de acesso a um dispositivo com acesso à internet. Ainda sobre as MOOC, com a pandemia do COVID-19 ocorreu influência em mudanças na forma de aprendizado devido as restrições das interações 44 sociais resignando as pessoas para as vias digitais como forma de ter acesso ao ensino e trabalho. Nesse contexto o período de adaptação das escolas, universidades e empresas deu oportunidade para que as MOOC tivessem um expressivo aumento no número de usuários podendo a longo prazo causar mudanças no perfil dos alunos. 3.3.3 Transferência de Conhecimento e Tecnologia A transmissão de conhecimento e tecnologia para a sociedade é considerada a última das três dimensões, (MONTESINOS et al., 2008) essa dimensão tem conexão direta com o conceito de universidade empreendedora e com a importância do ensino de empreendedorismo para discentes e pesquisadores. A transferência de conhecimento, tecnologia e inovação, seja ela no âmbito da pesquisa de base ou aplicada, é de suma importância para a desenvolvimento da sociedade sob aspectos de interação social, cultural ou econômica. Mesmo com a aparente obviedade dos benefícios destinados para a população com o conhecimento produzido na academia, este mesmo conhecimento ainda pode estar restrito e não reconhecido por falta de comunicação ou interação entre as partes. Os próprios membros da academia podem desconhecer quais são os caminhos, peculiaridades e as estruturas que facilitam a disponibilidade das tecnologias criadas dentro da sua instituição para a sociedade. Assim, é importante que, como característica do conceito de terceira missão, a população possa ter tanto o entendimento público da ciência (public understanding of science) como a o engajamento público da ciência e tecnologia (public engagement with science and technology) (PREDAZZI, 2012). Uma amostra da intersecção entre o engajamento público com a ciência e o papel das ICT na produção científica para benefício da população ficou evidente durante o pico de casos da pandemia da COVID-19. A própria população fez suporte para que os pesquisadores de diferentes ICT no Brasil e no mundo concluíssem suas pesquisas para a criação das vacinas em curto prazo, com subsequente pressão às autoridades públicas para 45 a aquisição de vacinas na tentativa do controle da pandemia. Durante essa fase também foi perceptível o engajamento contínuo dos pesquisadores com a sociedade trazendo informações e desmistificando informações falsas sobre a doença e sobre as vacinas. A própria difusão sobre as medidas de prevenção de disseminação e contaminação pela COVID-19 teve influência pelo engajamento de familiares que prezavam pelo bem-estar de seus parentes. Mesmo entre a população considerada de menor risco as iniciativas para diminuir o índice de contágio se davam pela conscientização da informação trazida por familiares com a finalidade de evitar a contaminação das pessoas classificadas como grupo de risco (MARINTHE et al., 2022). O mesmo ocorreu com a conscientização para a vacinação, as informações dos órgãos competentes e dos cientistas eram repassadas por familiares para que as pessoas mais relutantes pudessem ter um entendimento melhor sobre a necessidade da vacina (FRANCIS; MASON; OCCA, 2022). Ainda que por outro lado foi usual o processo de desinformação e negacionismo por parte da população com o agravante de reforço de informações compartilhadas por figuras e autoridades públicas. Dentro dessa perspectiva de interação entre sociedade e cientistas é crucial que a população entenda o papel dos pesquisadores e dos cientistas na sociedade e se conscientizem também das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores. Principalmente para alunos de pós-graduação em que estão em processo formativo. No qual, uma quantia significativa destes se quer recebem alguma forma de auxílio, ou seja, não são bolsistas, mas contribuem efetivamente na produção científica do país. Mesmo para os bolsistas há questões conflituosas, em que estes pesquisadores possuem diversas obrigações como a necessidade na maioria dos casos de dedicação exclusiva à pesquisa, mas não são contemplados com direitos trabalhistas e previdenciários. Haja vista, somente no ano de 2017 (Lei nº 13.536, de 15 de dezembro de 2017) foi concedido o direito das bolsistas de pós-graduação o direito de afastamento por maternidade ou adoção, visto que a lei de licença maternidade existe desde 1943 com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.536-2017?OpenDocument http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.536-2017?OpenDocument 46 Outro ponto de grande importância a se saber, tanto para a sociedade como quanto para a as políticas públicas, é a questão dos pós-graduandos egressos e as taxas de emprego formal entre mestres e doutores. Os dados publicados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão vinculado ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) no relatório da entidade de 2020 sobre mestres e doutores no Brasil apresentam o panorama sobre essa questão (CGEE, 2020). Assim, para o ano de 2017 o número de doutores desempregados foi de mais de 63 mil pessoas, o equivalente a 27,7% dos doutores titulados no Brasil para o período. Enquanto, no mesmo ano os Estados Unidos apresentaram taxa de desemprego para doutores na ordem de 1,5%. Outro dado importante é que dos doutores empregados em atividade formal, 75% encontram-se na área de educação e somente 1,3% na indústria. Além dos benefícios que a transferência de tecnologia e inovação podem gerar como ganho para a sociedade em questão de qualidade de vida e de geração da economia, também é necessário entender o benefício que os pesquisadores e cientistas podem ter com a questão de empregabilidade para mestres e doutores. Além da geração de empreendimentos independentes das ICT para que essa classe de profissionais possa gerar renda para si como empreendedores. Esse processo de transferência envolve a possibilidade de utilizar a investigação e o trabalho científico como solução para problemas fora do meio acadêmico. Assim, colateralmente a transferência de tecnologia incorpora a conceituação de inovação clássica abordada na obra de Joseph Schumpeter (1961) sobre a estruturação do empreendedorismo. O processo de incorporação da inovação nas universidades passou por um processo cronológico evolutivo no meio acadêmico (LINK; VAN HASSELT, 2019; KNUDSEN; FREDERIKSEN; GODUSCHEIT, 2021) na qual incialmente as produções científicas eram utilizadas por outros setores em parcerias de licenciamento ou venda de patentes. Atualmente, existem universidades que possuem estrutura para viabilizar várias das etapas da transferência de tecnologia e da geração de empreendimentos. A universidade dita empreendedora recebe a alcunha devido a atuação pela inovação com funções de destaque na sociedade revalorizando e 47 estimulando as atividades de ensino e pesquisa a partir das suas atividades para o empreendedorismo (SAM; VAN DER SIJDE, 2014). Essas universidades (VEGA-GÓMEZ; MIRANDA GONZÁLEZ; PÉREZ- MAYO, 2020) são alicerçadas por políticas públicas e institucionais que contribuem para a redução de burocracia e criação de uma infraestrutura própria para inovar e criar empresas spin off com auxílio da instituição. Os grupos técnicos que compõem os núcleos de inovação tecnológica (NIT) próprio de cada instituição fazem o intermédio para auxiliar na viabilidade desses diferentes processos burocráticos de transferência de conhecimento das universidades que têm a pretensão de serem empreendedoras. Para o entendimento mais apropriado das universidades empreendedoras devem ser considerados os tópicos voltados para as formas possíveis de transferência de tecnologia pelas universidades. Existem diversos modelos de transferência de tecnologia (KNUDSEN; FREDERIKSEN; GODUSCHEIT, 2021) dentre eles podem ser citados: a) Modelo de Stanford: voltado para a venda de contratos de licenciamento de tecnologias por via de um NIT; b) Modelo de laboratório: a universidade disponibiliza por meio de contratos ou parcerias o oferecimento de equipamentos e infraestrutura de pesquisa dos quais a indústria convencionalmente não possui; c) Modelo de spillover (transbordamento) de conhecimento (ACS et al., 2009): em que terceiros encontram nas pesquisas acadêmicas a possibilidade de transformar o conteúdo da pesquisa cientifica em inovação; d) Modelo spin-out: a universidade utilizando as competências do seu NIT prospecta e investe nas invenções criadas pelos seus pesquisadores que tenham alto potencial e viabilidade técnica para serem geridas em startups. e) Modelo de incubação: na qual a universidade possui infraestrutura própria de desenvolvimento de inovação que conecta os alunos, pesquisadores e empresas. Entre esses modelos vale destacar a possiblidade das instituições administrarem formas de obter receita própria oriundas do empreendedorismo por meio de contratos com membros externos da academia. Essa receita pode ser gerada a partir de desenvolvimento e prestação de serviços para sociedade, 48 indústria, outras instituições ou mesmo para alumni (COMPAGNUCCI; SPIGARELLI, 2020) Nas atividades, nesse eixo, podem ser consideradas as consultorias e serviços técnicos para a indústria e para os órgãos públicos, registros de patentes, exploração de PI, contratos e desenvolvimento de pesquisas por parcerias (LAREDO, 2007; COMPAGNUCCI; SPIGARELLI, 2020). Há possibilidade de geração de receita por via de incentivo direto para que os membros da academia gerem um empreendimento próprio com o conhecimento produzido na academia a partir de estímulos e de auxílio na criação e incubação de empresas spin-offs acadêmicas. Patttnaik e Pandey (2014) a partir da revisão de literatura sobre as spin-offs acadêmicas sintetizou em quatro tópicos quais seriam as características que definem o termo: 1) A princípio uma spin-off universitária naturalmente deve ter sua criação vinculada à membros de uma ou mais universidades; 2) a empresa originada deve ter registro jurídico próprio não vinculado à instituição; 3) a spin-off deve utilizar o conhecimento produzido pela academia; 4) e, a spin-off deve gerar renda própria e comercializar suas tecnologias, produtos e serviços. 3.4 As divergências acadêmicas sobre a universidade empreendedora Ainda que pareça evidente os benefícios da extensão universitária nos moldes mencionados, há um confrontamento dicotômico sobre a atuação da universidade no seu processo de transferência de tecnologia como extensão e fonte de arrecadação de recursos com a questão dos propósitos aos quais a universidade pública deve servir, são pontos que não podem ser negligenciados para considerar uma efetiva gestão universitária. Pois, essencialmente o desenrolamento desse embate tem o poder de influenciar nas tomadas de decisão das políticas institucionais internas pró ou contra as atividades de empreendedorismo na universidade. Nedeva (2008) define a existência de duas diferentes alas, sendo que a primeira são dos acadêmicos que tratam as parcerias e a transferência de conhecimento e tecnologia para o setor privado como uma ameaça à autonomia 49 universitária. Enquanto, a outra considera a terceira missão como uma oportunidade de dar papel de protagonismo para as universidades na promoção da atividade socioeconômica. Para que seja entendido melhor esse assunto no Brasil, é necessário compreender a formação das universidades brasileiras e os modelos de universidade conforme o curso político em desenvolvimento. O contexto brasileiro apresenta grande complexidade visto que a história das universidades brasileiras é tardia e recente quando comparados a de outros países (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007). Os primeiros cursos superiores no Brasil foram criados a partir de 1808 com a chegada da família real portuguesa. Com a inauguração das primeiras universidades a partir da década de 1910. Esses marcos são distantes quando comparados com o surgimento das primeiras vilas coloniais do início do século XVI. A exemplo, outros países que também tiveram origem pelo colonialismo como Argentina (1516), Austrália (1788) e Estados Unidos (1607) tiveram um processo muito mais ágil na formação e estabelecimento do seu ensino superior. As primeiras universidades criadas nesses países foram, respectivamente, Universidade de Córdoba (1613), Universidade de Sydney (1850) e Universidade de Harvard (1636). Essa vagarosidade para a criação de cursos superiores no Brasil está relacionada as políticas impostas pela coroa portuguesa (PAULA, 2009) para a colônia brasileira. Mesmo após a chegada da corte portuguesa e a necessidade de formação de profissionais das diversas áreas foi negado a formação de universidades devido a relação que se estabeleceu com a França após as invasões francesas em Portugal. Pois, o modelo napoleônico de ensino superior estipulava a formação de escolas isoladas e profissionalizantes. Mesmo após a criação da primeira universidade carioca, a Universidade do Rio de Janeiro em 1920, as características do modelo napoleônico perduraram com foco na formação profissionalizante dissociando o ensino da pesquisa, e ainda sob forte domínio do Estado. Enquanto, em São Paulo a Universidade de São Paulo (USP) fundada em 1934, teve uma forte influência do modelo de universidade alemã (humboldtiana) (PAULA, 2002) na qual possuía direcionamento para a produção de pesquisa cient