UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica PROJETO DE APRENDIZAGEM SOCIOEMOCIONAL PARA O CONTEXTO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: ESTUDO, INTERVENÇÃO PROFESSORAL E ANÁLISE Simone Pires de Souza Bauru 2023 I Simone Pires de Souza PROJETO DE APRENDIZAGEM SOCIOEMOCIONAL PARA O CONTEXTO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: ESTUDO, INTERVENÇÃO PROFESSORAL E ANÁLISE Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós- Graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Prof.ª Dra. Dagmar Ap. Cynthia F. Hunger. Bauru 2023 II III IV Dedico este trabalho a minha mãe, uma educadora de coração e de alma. V AGRADECIMENTOS A Deus pelo imenso amor e pela sua infinita graça. À Profª Dagmar, minha orientadora no programa de mestrado, que com paciência e carinho me acolheu, me orientou e me fez refletir e refletiu comigo nesse período, possibilitando que esse projeto pudesse ser realizado. Aos membros da banca de qualificação e de defesa, Prof. Dr. Melissa e Prof. Dr. Evandro, que muito contribuíram e engrandeceram este trabalho. À Valdinês Peruche e à Rosemeire D’Àvila, diretora e vice-diretora de escola, que oportunizaram que este projeto acontecesse. Aos professores da UNESP, que me proporcionaram aprendizagens e experiências ímpares para minha formação, em especial, agradeço à professora Dra. Eliana Zanata, pelo grande apoio. À amiga Flaviane, por caminhar comigo, segurando minha mão, pelo apoio e pelo incentivo ao longo de todo este caminho. À amiga Prof. Dra. Márcia Vianna por ser exemplo de força, de coragem e de muito amor. À amiga Dra. Ana Motta por me acompanhar, por me acolher e me incentivar. Aos professores, funcionários e alunos da escola que participaram direta ou indiretamente do projeto, viabilizando minha pesquisa. Por último, mas não por ordem de importância, agradeço, de forma muito especial, a todos da minha família que amo muito, de forma especial às minhas irmãs Tânia e Sandra. VI RESUMO Introdução: o cotidiano escolar público brasileiro é repleto de “violências” e “sucessos” educacionais no que diz respeito à atuação professoral, na formação estudantil de novas gerações de jovens adultos, aptos ao mundo do trabalho e enfrentamentos socioculturais. Questão problema de pesquisa: a atuação professoral-pesquisador(a), na perspectiva do ensino da aprendizagem socioemocional, por intermédio de um projeto escolar, diferencia na formação e posturas de adolescentes, especialmente, daqueles com perfis conflituosos pessoais e sociais e, concomitantemente, com dificuldades nos estudos? Hipótese: o ensino da aprendizagem socioemocional, por intermédio de projeto escolar e, de acordo com a atuação professoral-pesquisador(a), potencializa uma formação estudantil diferenciada, principalmente, aos estudantes com problemas emocionais. Objetivo: na presente pesquisa, foi o de analisar as potencialidades de um projeto em educação socioemocional, num contexto escolar de estudantes de 6º anos do Ensino Fundamental e, consequentemente, na possível ressignificação de perfis estudantis que se apresentam conflituosos e com dificuldades em relacionamentos interpessoais e de aprendizagens acadêmicas. Revisão da literatura e documental: abrangeu estudos nas áreas da saúde EMOCIONAL e educação escolar. Universo da pesquisa: abrangeu doze estudantes de uma escola estadual, situada na periferia de uma cidade do interior paulista, que apresentavam alguns comportamentos (brigas, xingamentos, assédios etc.), de acordo com registros escolares. Metodologia: qualitativa, estudo exploratório e pesquisa-ação, com intervenção da ora professora e pesquisadora do presente estudo de caso (grupo estudantil), realizada em seis encontros e desenvolvido o projeto de ações pedagógicas referentes ao ensino e à aprendizagem socioemocional. Análise e Discussão dos Dados: literatura científica e da educação, há tempos, apresentam dados de programas educacionais com resultados eficazes no que diz respeito ao ensino da aprendizagem socioemocional em contextos escolares. Nesse sentido, também, na presente pesquisa-ação foi constatada a potencialidade do projeto no âmbito da aprendizagem socioemocional, possibilitando ao referido grupo de adolescentes novas aprendizagens e, consequentemente, vislumbrou-se uma formação escolar diferenciada, ou melhor, o ensino da aprendizagem socioemocional como eficaz diretriz pedagógica escolar, professoral, estudantil e familiar. Considerações finais: urge concretizar políticas públicas escolares no campo da aprendizagem socioemocional, bem como, projetos políticos pedagógicos ressignificados e pesquisas interdisciplinares abrangentes, referentes à melhor educação para a saúde do corpo e sociedade brasileira. Produto Educacional: e-book “Crescer para transformar”. Palavras-chave: Escola. Ensino e Aprendizagem. Educação Física. Aprendizagem Socioemocional. VII ABSTRACT Introduction: The daily Brazilian public school is full of educational "violence" and "successes" with regard to teacher al- performance in the student formation of new generations of young adults able to work and sociocultural confrontations. Research problem question: does the teaching-researcher action, from the perspective of the teaching of socio-emotionial learning, through a school project, differentiate in the education and postures of adolescents, especially those with conflicting personal and social profiles and, concomitantly, with difficulties in studies? Hypothesis: the teaching of socio-emotional learning, through a school project and, according to the teacher- researcher, enhances a differentiated student education, mainly to students with emotional problems. Objective: in this research, it was to analyze the potentialities of a project in socio-emotional education, in a school context of 6th grade students of elementary school and, consequently, in the possible resignification of student profiles that present conflicting and with difficulties in interpersonal relationships and academic learning. Literature review: it has included studies in the areas of Emotional health and school education. Universe of the research: it included twelve students from a state school, located on the outskirts of a city in the interior of São Paulo, who presented some behaviors (fights, name-calling, harassment etc.), according to school documents. Methodology: qualitative, exploratory study and action research, with intervention of the professor and researcher of the present case study (student group), carried out in six meetings and developed the project of pedagogical actions related to teaching and socio-emotional learning. Data Analysis and Discussion: scientific literature and education have long presented data from educational programs with effective results regarding the teaching of socio-emotional learning in school contexts. In this sense, also, in this action research, the potential of the project in the context of socio-emotional learning was verified, enabling this group of adolescents to learn new and, consequently, a differentiated school education was envisaged, or rather, the teaching of socio-emotional learning as an effective pedagogical guideline for school, teacher, student and family. Final considerations: it is urgent to implement public policies in the field of socio-emotional learning, as well as re-meaning pedagogical political projects and comprehensive interdisciplinary research, related to the best education for the health of the Brazilian body and society. Educational Product: e- book “Grow to Transform”. Keywords: School. Teaching and Learning. Physical Education. Socio-Emotional Learning. VIII LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quadro-síntese de participantes e ocorrências 30 Quadro 2 - Quadro-síntese dos encontros entre pesquisadora e estudantes 45 IX LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS ASEC Associação pela Saúde Emocional de Crianças BNCC Base Nacional Comum Curricular CE Competências Emocionais EF Ensino Fundamental EM Ensino Médio IE Inteligência Emocional IAS Instituto Ayrton Senna LIV Laboratório Inteligência de Vida MEC Ministério da Educação e Cultura PCN Parâmetrro Curricular Nacional QE Quociente Emocional QI Quociente de Inteligência RS Rio Grande do Sul SEL Social Emotional Learning SP São Paulo TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido X SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 12 INTRODUÇÃO 14 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 17 CAPÍTULO 1 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL 18 1.1 Inteligência emocional e emoção 19 1.2 Inteligência emocional e as competências emocionais 22 1.3 Referenciais para projetos de aprendizagem socioemocional 25 1.4 Projeto de aprendizagem socioemocional em escola pública: uma ideia de sucesso 26 CAPÍTULO 2 METODOLOGIA 28 2.1 Tipo de pesquisa 28 2.2 Universo da pesquisa 29 2.3 Participantes da pesquisa 29 2.4 Técnica de coleta de dados 31 2.5 Análise dos dados 31 2.6 Método Pesquisa-ação 32 2.7 Coleta de dados 33 2.8 Resultados e discussão 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47 DESENHO DO PRODUTO 49 REFERÊNCIAS 54 APÊNDICE A – Capa do E-book 58 APÊNDICE B – História: Crescer para transformar 59 XI APÊNDICE C – Chegou a hora do quis 64 APÊNDICE D – Hora de verificar suas pontuações 66 APÊNDICE E – Verifique as pontuações e suas fases 67 APÊNDICE F – Passatempos 68 APÊNDICE G – Dicas para professores 70 12 APRESENTAÇÃO Sou professora de Português e de Inglês desde os dezenove anos de idade, ou seja, há 35 anos. No início de minha carreira, deparei-me, naturalmente, com alguns desafios: 1. a insegurança do domínio do conteúdo a ser trabalhado junto aos alunos; 2. o de saber me relacionar com eles; 3. o de saber me posicionar diante de algum confronto ou situação difícil e 4. de saber avaliar os estudantes, adequadamente. Porém, foi como coordenadora pedagógica de uma escola pública, vinte anos depois de formada, que me deparei com um dos meus maiores desafios: auxiliar/orientar professores a fazerem intervenções mais adequadas e efetivas, diante de comportamentos considerados inadequados, de crianças e de adolescentes, vistos como alunos-problema, em sala de aula e/ou fora dela. É considerada criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente, a pessoa entre doze e dezoito anos de idade, de acordo com o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL,1990, p. 13). No ano de 2019, nessa escola pública, localizada em um bairro de periferia de uma cidade do interior paulista, alguns estudantes eram encaminhados para a mediadora com uma certa regularidade, pois faziam uso de palavras agressivas, xingamentos entre si ou direcionados a professores e a outros funcionários; posturas desafiadoras e mal-educadas; descompromisso para com a própria aprendizagem e desrespeito para com a de colegas; descaso com materiais escolares e com o mobiliário das salas de aula e do pátio (mesas, bancos, lixeiras etc.). Tais atitudes podem ser consideradas como incivilidade, caracterizada como desrespeito às normas morais e de convivência (ABRAMOVAY, 2015; DEBARBIEUX; BLAYA, 2002, p.56). Diante disso, havia uma certa tensão, principalmente por parte dos professores, ao terem que trabalhar nas salas com tais estudantes, pois comentavam uns com os outros que antecipavam um certo sofrimento ao pensarem em como seria/estaria o ambiente das aulas, antes mesmo do início delas. Essa tensão era gerada, também, pela sensação de perda de autoridade devido à recorrência dos comportamentos de desrespeito e, por fim, alguns faziam uso de técnicas coercitivas, autoritárias, apresentando uma certa impaciência, mesmo uma certa inabilidade emocional. 13 Ao ter contato com a obra de Daniel Goleman, no programa de mestrado profissional, senti-me desafiada a buscar meios de, aplicando sua teoria, experenciar um projeto para o desenvolvimento da educação emocional; provocar mudanças de pensamentos e, consequentemente, de comportamentos em estudantes, partindo-se do pressuposto de que a educação emocional permite a compreensão e, consequentemente, intervenções mais adequadas em situações-problema. Diante disso, propus-me a estudar a inteligência emocional, seu conceito, conhecer mais das experiências exitosas de instituições educacionais e busquei desenvolver um projeto no segundo semestre de 2019, junto aos estudantes de 6º anos, cujos comportamentos eram considerados inadequados, a fim de verificar a real possibilidade de mudanças desses comportamentos, na tentativa de atuar sobre a realidade da escola em que trabalhava. O capítulo 1 contém um cenário resumido sobre Inteligência Emocional, e seus tópicos buscam contextualizar o leitor, levando-o ao entendimento dos principais conceitos. Em 1.1, são abordadas as relações entre a IE e as Emoções; no 1.2, são descritas as competências a serem desenvolvidas para favorecerem o desenvolvimento da IE e que foram trabalhadas no projeto de intervenção; em 1.3 foram feitas algumas considerações sobre a importância de programas educacionais e, em 1.4, a descrição do modelo de projeto voltado para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como possibilidades para os estudantes aprenderem a saber lidar com as emoções em situações diversas, em sala de aula ou fora dela. No capítulo 2 Metodologia, estão retratados os métodos utilizados para a aplicação, o perfil do público-alvo, análise e proposição de intervenções. Após esse capítulo, foram tecidas as considerações finais e apresentado o produto final, o e- book. 14 INTRODUÇÃO Daniel Goleman, em seu livro Inteligência Emocional, no Prefácio à Edição Brasileira (2012, p.19), discorre sobre a situação americana vivenciada na época do livro, com altos índices de violência, de criminalidade, de suicídio, abuso de drogas e outros indicadores, envolvendo, principalmente os jovens. Acreditava que a única maneira de minimizar tais situações seria uma nova forma das pessoas de agirem no mundo e propôs aos brasileiros que se atentassem para a situação do Brasil, que apontava para a emergência de uma alienação e pressão sociais que, se não contidas, poderiam levar a colapsos bastante sérios nas relações sociais. No Brasil, isso tem sido percebido a partir de dados que apontam o envolvimento de adolescentes com drogas, bebidas, sexualidade, fumo entre outros. Estatísticas comprovam um aumento significativo nos índices: nos últimos 10 anos, o consumo de drogas aumentou de 8,2% em 2009 para 12,1% em 2019; o de bebidas aumentou de 52,9% em 2012 para 63,2% em 2022, contudo diminuiu o uso de preservativo, segundo consta na revista online CARTA CAPITAL de 13/07/2022. Em 2020, aproximadamente, 380 mil partos foram de mães com até 19 anos, 14% de todos os nascimentos no Brasil e em 2019, sendo essa proporção de 14,7%; e, em 2018, de 15,5%. (UNFPA - Fundo das Nações Unidas para a População, 19/09/2022). A repercussão pessoal e social dos índices citados acima pode ser considerada um elemento importante para a compreensão de algumas situações que ocorrem dentro e fora de instituições educacionais e que têm resultado em problemas nas interações pessoais e comportamentais das pessoas; problemas familiares, fisiológicos e emocionais. Para ir ao encontro dessas demandas, algumas inciativas governamentais foram propostas. Em nível educacional, um exemplo dessas iniciativas é a da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz em seu bojo o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, como tema transversal. Cabe explicar que a BNCC é um documento do Ministério da Educação (MEC), de caráter normativo, voltado para a regulação da Educação Básica do Brasil que tem como objetivo principal nortear os elementos essenciais de aprendizagem que todos os alunos precisam desenvolver ao longo da sua trajetória escolar (BRASIL, 2017, p. 14) e considerados importantes, como parte do processo construído ao longo da vida. https://educacaoinfantil.aix.com.br/aprendizagem-socioemocional-dos-alunos/ 15 Essa normativa determina, que, ao mesmo tempo que se busca o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas, sejam desenvolvidas as socioemocionais em todas as instituições escolares. Apresenta como cerne de sua contribuição, o desenvolvimento pleno do aluno em suas diferentes dimensões formativas que envolvem aspectos sociais, culturais, educacionais, esportivos e de desenvolvimento de competências socioemocionais (BRASIL, 2017, p.14). A proposta de se trabalhar para auxiliar na formação do indivíduo, além do aspecto cognitivo, é bem desafiadora, pois, diante de um mundo globalizado e tecnológico, as competências, principalmente as socioemocionais, são reconhecidamente necessárias, pois as pessoas têm que estar aptas a gerenciarem a si mesmas, os conhecimentos e as emoções em relações diversas, em diferentes grupos, assumindo seus lugares na sociedade, de forma responsável e com discernimento. As contribuições para a formação plena do indivíduo, que pressupõe garantir o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões: intelectual, física, afetiva, social e cultural (BRASIL, 2017, p. 16), a princípio, podem começar na família (GOLEMAN, 2012, p. 208), necessitando, também, do auxílio da escola, onde, desde a mais tenra idade, os estudantes passam várias horas de suas vidas. Portanto, faz-se importante a escola prezar por um ambiente que corrobore com a saúde mental e física dos estudantes e funcionários (ABED, 2014, p. 7), pois uma "escola suficientemente boa", com "professores suficientemente bons". Cada escola acaba sendo uma alternativa para auxiliar a sociedade no enfrentamento de seus revezes, pois cada uma reflete um recorte social dos acontecimentos do Brasil e do mundo, como o aumento do índice de maus comportamentos nos estudantes e na urgência de se trabalhar as competências socioemocionais prescritas pela BNCC (BRASIL, 2017, p. 10). Além do fato de que se espera que a instituição escolar também possa ser promotora de saúde, por meio da melhoria de suas potencialidades para um ambiente saudável para se viver, se aprender e se trabalhar, fazendo face às diferentes exigências sociais, fomentando uma verdadeira comunidade educativa. Nesse sentido, a Inteligência Emocional (IE), definida pelos psicólogos Mayer e Salovey, citados por Franco (2007, p.76), como “um conjunto de habilidades mentais que permitem perceber e conhecer o significado de padrões das emoções, e 16 raciocinar e resolver problemas a partir deles.”, pode ser considerada uma forma premente para essas instituições. Diante de tal realidade, baseando-se em conceitos da Inteligência Emocional (IE) encontrados, também, na obra de Daniel Goleman (2012), pensou-se numa forma de se poder colaborar com uma escola de periferia de uma cidade do interior paulista, para o desenvolvimento de um projeto de intervenção com crianças e adolescentes, estudantes de sextos anos, entre 11 e 13 anos, com a possibilidade de alteração de seus comportamentos. Essa proposta visava poder envolver a promoção da saúde emocional, física e mental, refletindo em melhores relações dos estudantes consigo mesmos e com outros, com vistas a resultados acadêmicos positivos e à repercussão disso em um futuro pessoal e profissional. A opção da intervenção, por meio de um projeto, justifica-se pelo fato de ser um modelo de ensino que permite ao estudante ser confrontado com questões e problemas que exigem uma mobilização individual e cooperativa, na busca de soluções, resultando na mudança de pensamentos e atitudes (BENDER, 2014, p. 9). Algumas perguntas surgiram diante desse desafio: É viável trabalhar com a IE para atuar sobre comportamentos? Quais instrumentos da IE podem auxiliar nas intervenções desses comportamentos? Quais resultados podem ser esperados? A fim de que tais indagações sejam esclarecidas ao longo deste estudo, faz-se importante salientar que o objetivo deste projeto foi o de analisar as possibilidades de um projeto em educação socioemocional para o contexto escolar de estudantes de 6º anos do Ensino Fundamental e as implicações de um projeto na aprendizagem estudantil de uma intervenção pedagógica na perspectiva socioemocional, tendo como produto um livro/ebook com conteúdo socioemocional para crianças e adolescentes. 17 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Daniel Goleman (2012) aponta, em sua obra, um dos problemas que presenciara nos EUA de pessoas que estavam se distanciando umas das outras, aumentando o abismo entre elas, caminhando para um individualismo cada vez mais acentuado; crises existenciais, levando a doenças psicológicas e emocionais, sendo que isso era um paradoxo, pois, em caso de crise, o importante seria, o apoio mútuo, a aproximação entre as pessoas e o controle emocional diante de tantas situações- problema. Chama a atenção para o fato de que o Brasil estava seguindo esses mesmos passos e que, a exemplo positivo dos EUA, o Brasil poderia começar a desenvolver programas de alfabetização emocional, visando a IE, em que o foco seria o desenvolvimento de competências socioemocionais, com repercussões intrapessoais e interpessoais. O autor enfatiza ainda que as competências consolidam os conhecimentos, as habilidades e as atitudes que formam o indivíduo, capacitando-o a pensar, a sentir, a agir e a interagir com a vida de forma que a veja como de sucesso. Isso, embora inserido numa sociedade que desafia e que muda a todo momento, requerendo competências socioemocionais que levem a uma postura afetiva, ética, social e politicamente satisfatória. Nessa sociedade, em que muitos aspectos determinam muitos comportamentos, o autocontrole, a automotivação e a empatia tornam-se competências imprescindíveis, podendo assegurar que o indivíduo tenha sucesso ou não. O trabalho para o desenvolvimento da Inteligência Emocional, no contexto escolar, pode ser considerado um desafio, haja vista que falta uma compreensão aprofundada do que vem a ser a Inteligência Emocional e sua repercussão dentro e fora da escola; de como se pode fazer uso da mesma, principalmente em situações de conflitos, de forma a colaborar com o estabelecimento de interações relacionais mais tranquilas e minimizando a ocorrência de comportamentos inadequados, uma das principais queixas daqueles que atuam na educação, atualmente. Daí a proposta de Daniel Goleman fazer tanto sentido, ao se propor uma forma particular de programa de IE, a fim de poder ser desenvolvido e colocado em prática, na tentativa de dirimir problemas comportamentais de crianças e adolescentes, em uma escola de periferia de uma cidade do interior de SP. 18 CAPÍTULO 1 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL Para Daniel Goleman (2012, p. 11), a ideia de se trabalhar a IE na escola é cientificamente possível, pois pode ajudar as crianças a aperfeiçoarem sua autoconsciência e confiança, a controlarem suas emoções e impulsos perturbadores e aumentarem sua empatia resulta, não só em um melhor comportamento, mas também em uma melhoria considerável no desempenho acadêmico. Algumas alterações positivas de alguns padrões de comportamentos foram comprovadas em experiências norte-americanas que fizeram uso de técnicas do escopo da IE. Pesquisas e programas de intervenção individuais e em grupos sociais são citadas por Goleman (2012), envolvendo adictos (p. 127); crianças com traumas (p. 226); pacientes em tratamento médico (p. 188); meninas grávidas que foram abusadas ou não sexualmente; entre outros. No Brasil, nas duas últimas décadas, projetos passaram a ser desenvolvidos com foco na IE, (GONZAGA E MONTEIRO, 2011, p. 225). Dentre eles podem ser citados: 1. Programa Escola da Inteligência (EI), idealizado pelo médico, psiquiatra e escritor Dr. Augusto Cury, tendo como intuito desenvolver habilidades socioemocionais em estudantes de todas as idades; 2. Projetos em comunidades escolares: O Colégio João Paulo I (RS), com o Clube da Empatia, um projeto voltado aos alunos do Ensino Fundamental, Anos Iniciais e Finais e o Colégio Cathedral (MT), projeto para desenvolver competências socioemocionais, focado no autoconhecimento e autocuidado na Pandemia de Covid-19. Ambos os colégios receberam o prêmio do ano de 2021 em “Escolas que Inspiram”, na Plataforma de Educação SAS, na categoria Iniciativas Socioemocionais que buscam desenvolver competências socioemocionais (PLATAFORMA DE EDUCAÇÃO, 2021). 3. Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC) que, desde 2016, desenvolve um projeto voltado para pais, professores e para crianças, em São Paulo. 4. Laboratório Inteligência de Vida (LIV), programa de educação socioemocional elaborado para ser desenvolvido em escolas do Brasil. A exemplo desses projetos citados, espera-se que o programa de intervenção aplicado e demonstrado neste estudo, possa somar-se às ações que buscam 19 contribuir para a multiplicação de boas práticas em instituições escolares, auxiliando na promoção da saúde emocional, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (1998), pode ser definida como “um estado de bem-estar onde o indivíduo realiza suas próprias habilidades, lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz de contribuir com a sociedade”. 1.1 Inteligência emocional e emoção Qualquer um pode zangar-se - isto é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa - não é fácil. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) Muitas pessoas pensam que as emoções estão ligadas a momentos, situações ou a campos específicos da vida: nas relações familiares, nas escolares, de trabalho, nas amorosas, em situações difíceis ou de alegria, entre outras. Para Goleman (2012, p. 24), as emoções auxiliam na compreensão de mundo, na significação que se faz da vida, nas interações e em alcançar propósitos. Elas se referem a sentimentos, a seus pensamentos distintos e a algumas ações que são determinadas pela emoção. Mas, o que é emoção, afinal? Quais suas implicações na vida de uma pessoa? Daniel Goleman conceitua emoção, a partir do dicionário britânico Oxford English Dictionary, a raiz da palavra emoção se encontra no latim “movere”, que significa mover, acrescida do prefixo e-, que significa afastar-se. Juntando-se os significados, pode-se dizer que emoção é um movimento de afastamento ou um agir imediato. Goleman (2012) salienta a importância das emoções e como elas podem auxiliar ou prejudicar as pessoas, colocá-las em situações difíceis; provocar alterações corporais e fisiológicas: gestos, expressões faciais e corporais involuntárias, arritmia, disritmia, respiração ofegante, cor da pele, entre outras. As emoções também podem alterar os humores e influenciar comportamentos, sendo estes um dos principais motivos deste estudo, pois alguns comportamentos de estudantes foram considerados as razões principais de situações problemáticas em sala de aula pelos seus professores. Para Franceschi (2016), o controle das emoções pode contribuir para a promoção de bons relacionamentos e uma melhor compreensão entre as pessoas, no https://kdfrases.com/frase/138426 https://kdfrases.com/frase/138426 https://kdfrases.com/frase/138426 https://kdfrases.com/autor/aristóteles 20 sentir, no pensar, no refletir e no agir de forma mais equilibrada e consciente, além de favorecer habilidades que contribuem para a resiliência, paciência, consistência, carisma, organização, entusiasmo e poder de decisão. Woyciekoski e Hutz, (2009, p. 3), citando Brackett, Nezlek, Schütz e Salovey (2004), salienta que as emoções alimentam funções comunicativas e sociais, além de conterem informações sobre os pensamentos e intenções das pessoas. Nesse sentido, ao longo de sua obra, Goleman (2012) aponta que, para o adequado gerenciamento das emoções, é imprescindível que se desenvolva a Inteligência Emocional (IE), pois, a partir dela, podem ser alcançados resultados positivos, da pessoa para consigo mesma (competências intrapessoais) e dela para com os outros (competências interpessoais). Santos (2000, p. 46), explica que a Inteligência Emocional: envolve a capacidade de perceber acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual. Goleman (2012, p. 211), pontua ainda que, para se obter o êxito esperado na formação de uma sociedade engajada com a transformação, ela deve estar engajada com o ensino da IE, desde a infância em diante, salientando a relevância das ações da família, da escola e de outras instituições. Um outro aspecto é apontado por Camargo (2004, p. 16) é que “a emoção constitui função inseparável da cognição e da aprendizagem”, sendo, assim, significativa dentro do processo educacional. para o ensinar e o aprender. Daí a IE ser considerada um campo complexo, pois colocou em questionamento a teoria da predominância do Quociente de Inteligência (QI) sobre toda e qualquer outra habilidade ou competência que a pessoa apresentasse, sendo que a proeminência do QI era considerada critério de excelência na vida de uma pessoa e isso era inquestionável. O QI, refere-se à capacidade intelectual, cognitiva da pessoa, relaciona-se com a idade mental e cronológica da pessoa, podendo ser medido (GOLEMAN, 2012, p. 13). No ensino da IE, “o aspecto cognitivo (QI) é de grande relevância”, salienta Goleman (2012, p.13), que procura relacionar o cérebro racional com o cérebro emocional, explicando que o QI é uma forma de inteligência herdada geneticamente, 21 que não pode ser alterada, mas, ao contrário dele, o Quociente Emocional (QE) pode ser desenvolvido e pode servir de consolo para estudantes dotados de um baixo QI na fase escolar, mas que podem ter uma performance pessoal e social de sucesso em sua vida profissional. Daniel Goleman aponta em sua obra que a IE pode proporcionar aos estudantes um desenvolvimento de competências emocionais muito importantes como: autoconsciência, autocontrole, consciência social, empatia e habilidade de gerenciar relacionamentos, que podem reverberar ao longo de suas vidas, auxiliando- os a: • gerenciar as emoções; • controlar pensamentos; • impedir o arrebatamento da razão pelas emoções; • proporcionar um equilíbrio entre razão e emoção; • desenvolver um autocuidado físico, além do mental e emocional; • auxiliar no direcionamento de ações; • atingir objetivos e metas; • administrar sentimentos para tomadas de decisão; • adequar comportamentos e linguagens (verbais e não-verbais); • desenvolver aptidões sociais. Ele explica que a IE determina o potencial para se aprender os fundamentos do autodomínio e afins, e que a competência emocional reflete o quanto desse potencial é dominado e revertido em capacidades profissionais, completado com habilidades subjacentes. Assim sendo, as relações intensificam a importância das competências emocionais quando se consegue compreender a manifestação delas, implicando necessariamente no seu uso para o controle de emoções e sentimentos. Nesse sentido, a IE pode implicar no desenvolvimento e no uso do discernimento (distinguir certo e errado, adequado e inadequado); de valores morais (desenvolvimento da moralidade); da empatia (tentar ter o olhar do outro); da cooperação (relacionar-se com o outro e em grupo); da autodisciplina (organização); do autodomínio (gerência de reações e respostas) etc. o que pode se manifestar positiva ou negativamente. Neste último caso, em forma de analfabetismo emocional manifestando-se por meio de agressões físicas, demonstrações de afeto distorcidas, 22 abusos sexuais, hábitos alimentares insalubres, sedentarismo, vícios, entre outros (GOLEMAN, 2012, p. 249). De acordo com Almeida (2009, p. 8), as emoções podem ser aliadas do sucesso de uma pessoa, contanto que sejam administradas pela IE, com suas competências e habilidades colocadas em prática e que o conhecimento adquirido pelos estudantes pode ser um amparo necessário para assegurar a administração das emoções em sala de aula ou fora dela. Pensou-se, portanto, no desenvolvimento da IE para auxiliar na compreensão e na escolha de formas de se poder intervir junto a crianças e adolescentes que apresentam certas limitações na administração de algumas emoções, sendo percebidas em sala de aula, por meio de comportamentos considerados por seus professores como inadequados. Tal proposta é corroborada por Corcoran e Tormey (2013, p. 35), ao citarem Battistich et al. (2000), afirmando que as escolas, onde se desenvolveram programas com foco no desenvolvimento de relações estáveis, emotivas e de apoio, apresentaram redução no consumo de drogas, no comportamento antissocial e aumento de atitudes pró-sociais. Sousa e Dias (2011, p. 96), citando Wood, Parker & Keefer (2009), apoiam a ideia de uma educação que valoriza o desenvolvimento emocional que se reflete num comportamento adaptativo inteligente e que promove o sucesso pessoal e o bem- estar geral. 1.2 Inteligência emocional e as competências emocionais A aprendizagem emocional é primordial para a Inteligência Emocional, que se faz necessária para uma vivência em sociedade na demanda dessa “habilidade para controlar os sentimentos e emoções em si mesmo e nos demais, discriminar entre elas e usar essa informação para guiar as ações e os pensamentos” (MAYER, DIPAOLO e SALOVEY, 1990, p. 189). A IE pode começar a ser desenvolvida, adequadamente, ou não, desde a tenra idade, a princípio, na relação emocional com a família e, posteriormente, em diversos contextos (GOLEMAN, 2012, p. 25). Nesse percurso, o indivíduo é capaz de desenvolver competências emocionais que o auxiliam em seu desenvolvimento intrapessoal e interpessoal, corroborando para uma existência mais exitosa. 23 A inteligência emocional determina nosso potencial para aprender os fundamentos do autodomínio e afins, nossa competência emocional mostra o quanto desse potencial dominamos de maneira que ele se traduza em capacidades profissionais (Ibidem, p. 25). Compreende-se, nesse sentido, que as pessoas dotadas de uma potencialidade emocional podem dispor de uma fonte indispensável de orientação, motivação e força de vontade, podendo desenvolver a IE em qualquer fase da vida, mas isso depende das competências emocionais, consideradas como a chave principal para isso. Aparício (2020, p. 2) define Competência Emocional como algo que permite dar resposta às exigências do contexto social, ajudando a criança e o adolescente a lidar com os desafios nos vários ambientes em que interagem, permitindo ainda reconhecer como a comunicação das emoções e sentimentos afetam as relações. A aprendizagem das competências emocionais, socialmente relevante, permite aos estudantes desenvolverem formas de responderem às exigências de diferentes contextos, reconhecendo como fazê-lo adequadamente. Esta ideia é corroborada na introdução da BNCC (BRASIL, 2018, p. 1) em que competência emocional é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Nesse sentido, espera-se que ocorra o desenvolvimento de competências socioemocionais que corroborem para o desenvolvimento da IE nos estudantes, ao longo de sua vida acadêmica e que isso possa repercutir em sua vida futura como cidadão e como trabalhador. Em se pensando em um contexto profissional, de acordo com o Dr. Guy Le Boterf, professor da Universidade Sherbrooke, Quebec, Canadá (1995), citado em Fleury e Fleury (2001, p. 183), competência é um saber agir responsável e que é reconhecido pelos outros, que implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional determinado. As competências emocionais designam um aprendizado de habilidades essenciais que são diretamente ligadas às respostas dadas pelo organismo, diante um estado emocional, com a função de administrar as emoções e poder expressá-las adequadamente, mediante o contexto e como elas podem impactar outras pessoas. 24 Para este estudo, adotou-se a definição de Goleman (2012, p. 15), que, por influência de seu mentor na graduação, David McClelland, psicólogo em Harvard, começou a chamar de competência a cada termo que compõe a estrutura dos aspectos fundamentais para o desenvolvimento adequado do QE. Goleman amplia a compreensão e aponta as competências emocionais responsáveis pela IE: 1) Autoconsciência: definida como a aptidão de reconhecer e nomear emoções e sentimentos, seus impactos na vida; autovalorização, com senso preciso de forças e limitações; autoconfiança; clareza de propósitos e de valores, entre outros; proporciona um mergulhar no conhecimento do próprio potencial; 2) Autocontrole ou Autorregulação: refere-se à capacidade para controlar os estados emocionais, de forma assertiva e concreta evitando, assim, uma vivência com base nos instintos primários, relações tranquilas para a construção de uma autoimagem positiva; adaptando-se ao seu entorno; 3) Consciência Social: a capacidade de saber se relacionar socialmente, de analisar situações e saber corrigi-las da melhor forma e de liderar e cooperar; 4) Empatia: definida como a habilidade em compreender as diferenças e diferentes pontos de vista, com respeito, tolerância, colocar-se no papel do outro; 5) Habilidade de gerenciar relacionamentos: refere-se à interação com o outro, à capacidade de lidar com o outro, a gerenciar conflitos, saber estar em grupo e reconhecer as emoções no outro. Percebe-se que as competências emocionais são independentes, porém, são interdependentes, uma se relaciona com a outra, numa rede hierarquizada, podendo ser utilizadas profissionalmente ou academicamente; sendo muito necessárias como elementos-chave da IE; apresentando características próprias e, uma não consegue substituir a outra (FRANCO, 2015, p. 340). Nesse sentido acaba tornando-se Woyciekoski e Hutz, (2009, p. 3) citam a importância das competências emocionais para as interações sociais, de acordo com Lopes, Brackett, Nezlek, Schütz e Salovey (2004), em que as emoções alimentam funções comunicativas e sociais, além de conterem informações sobre os pensamentos e intenções das pessoas. 25 Quanto à quantificação real de competências existentes, Goleman (2012 p. 15), afirma haver mais de vinte competências, as quais foram levantadas por ele, em seus estudos e isso pode ser um dos fatores que fazem da Inteligência Emocional um tema que, aparentemente, parece simples, mas que é muito complexo. 1.3 Referenciais para projetos de aprendizagem socioemocional Daniel Goleman apontou a necessidade de se encontrar meios de minimizar as crises que ocorriam nos EUA, na época de lançamento de seu livro (1995), e apontou em seu prefácio, que o Brasil também já vivenciava problemas, tais quais os dos EUA e de países desenvolvidos: uma tendência ao individualismo, gerando uma grande competitividade entre as pessoas, isolamento social, desintegração da vida em comunidade e nas relações sociais. Ele criticava esse problema que considerava paradoxal, pois isso estava acontecendo quando se exigia o inverso disso, quando havia a necessidade de cooperação e envolvimento entre indivíduos, seguido de um crescente desconforto emocional, principalmente entre as crianças, que mereciam uma atenção especial por se encontrarem em uma fase da vida, preparatória para a vida adulta (GOLEMAN, 2012, p.19). Ao longo de sua obra, o autor descreveu alguns programas que objetivavam o desenvolvimento da Inteligência Emocional como uma forma que pudesse capacitar diferentes tipos de pessoas, profissional e educacionalmente, com diferentes idades, em diferentes lugares, mas que apresentavam déficit emocional, no manejo interpessoal e intrapessoal. Dentre esses programas, estão três exemplos descritos e que podem ter sido considerados referências para a adoção de metodologias/técnicas de intervenções: 1º exemplo: Programa com molestadores, voltado para o desenvolvimento da empatia: Foi utilizada uma técnica psicológica da Gestalt Terapia, role playing (interpretação de papéis), em que o objetivo era fazer com que o indivíduo compreendesse melhor o sofrimento do molestado. Suas histórias deviam ser relatadas por eles mesmos, mas se fazendo passar pelas vítimas, imaginando os sentimentos delas, após assistirem a vídeos com depoimentos das próprias vítimas. Dessa forma, foi despertado o reforço na motivação no controle dos impulsos. Como resultado, para os que foram submetidos a esse tratamento, ocorreu apenas metade 26 da taxa de crimes posterior à libertação em relação aos que não participaram do programa. (Ibidem, p. 129). 2º exemplo: Pesquisas da Universidade de Washington, com pais reconhecidos como competentes e capacitados emocionalmente: Os pais foram considerados os mais competentes e eficazes na ajuda com os altos e baixos emocionais dos filhos, tendo bom relacionamento, afeição e menos tensão. Os filhos, por conseguinte, se mostravam, também mais hábeis em lidarem com as próprias emoções que outros cujos pais não apresentavam tanta habilidade no lidar com os filhos (Ibidem, p. 208- 209). 3º exemplo: Uma intervenção com uma adolescente de 16 anos com depressão: Ela apresentava autoestima baixa, cansaço emocional, não conseguia se relacionar com amigos ou namorados, com quem mantinha relações sexuais com o intuito de permanecerem com ela, porém em vão. Passou por um programa experimental na Universidade de Columbia, que consistia em auxiliá-la a se sentir mais confiante; a ter uma autoestima mais fortalecida; a impor limites sexuais; a fazer amigos, envolver-se e demonstrar sentimentos. Os resultados desses programas foram positivos o que motivou que outros programas pudessem ser criados e desenvolvidos nos EUA (GOLEMAN, 2012, p. 299), muitos deles, inspirados na teoria da Inteligência Emocional de Goleman, voltados para várias áreas da sociedade. Foram desenvolvidos programas com possibilidades de reabilitação para criminosos; de comunicação efetiva; de cursos para treinamento sobre diversidade; com pacientes e médicos; com distorção mental de crianças agressivas; com pessoas socialmente marginalizadas; com depressivos e/ou viciadas; com pessoas abusadas sexualmente, entre outros. Verificou-se, por fim, que os programas que focavam em competências socioemocionais estavam entre os que realmente auxiliavam no desenvolvimento pessoal dos envolvidos, observando-se variações de pessoa para pessoa, na eficiência de cada programa. Um outro aspecto percebido foi que houve uma conexão entre as instituições escolares com aspectos da vida dos estudantes, sendo um dos eixos a serem considerados de valor a contribuir para seu desenvolvimento. 1.4 Programa de aprendizagem socioemocional em escola pública: uma ideia de sucesso 27 A partir da leitura e do estudo da obra Inteligência Emocional de Daniel Goleman (2012), o sucesso dos programas citados, que tinham como objetivo principal desenvolver a Inteligência Emocional (IE), chamaram bastante a atenção da pesquisadora, sendo um deles o SEL – Social and Emotional Learning, que significa Aprendizado Social e Emocional, utilizado até como modelo de êxito em escolas. Ele focava, além dos aspectos socioemocionais, o desempenho acadêmico dos estudantes, passando a ser requisito curricular em vários distritos dos EUA (GOLEMAN, 2012, p.10). Mesmo sendo uma experiência de um outro país (EUA), buscou-se, a exemplo dele, desenvolver um projeto que se aproximasse, de um modelo de SEL, partindo-se da realidade vivenciada numa escola brasileira de periferia, mas que poderia ser a realidade de qualquer outra, das demais escolas da Diretoria de Ensino, do interior de São Paulo, na qual estava inserida. Isso porque, em reuniões de professores ou de gestores, envolvendo escolas da cidade e da região, a queixa sobre os maus comportamentos de estudantes, tanto de Ensino Fundamental, como de Ensino Médio, era assunto sempre abordado. Nessa referida escola, as queixas sobre os comportamentos envolviam, principalmente, 15 estudantes, entre 11 e 13 anos de idade, das três salas de 6º anos do EF. A prevalência de ocorrências desses 15 alunos, envolviam comportamentos de desrespeito para com professores e colegas; quebra de acordos; bullying; passeios pela classe em momentos impróprios, desrespeito aos horários de entrada e de saída da sala de aula; entre outros, como se verificou por meio de registros dos professores, encaminhados à equipe gestora. De acordo com Araújo (2008, p. 5), projeto é uma palavra derivada do latim projectus, que significa algo como um jato lançado adiante e que pode ser compreendido, também, como uma estratégia de ação que pode impulsionar os envolvidos a saírem de uma condição para outra. A ideia do desenvolvimento do projeto pareceu ser bastante desafiadora para a pesquisadora que compartilhava da responsabilidade dos professores, pela busca de estratégias e de possibilidades para uma mudança ou transformação da realidade percebida, principalmente em sala de aula, durantes as aulas. A opção por uma metodologia em que a pesquisadora pudesse participar de todo o processo, foi significativa para a ampliação de seu arcabouço de conhecimentos e de experiências profissionais. 28 CAPÍTULO 2 METODOLOGIA Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida por um sujeito, cujo olhar vasculha lugares, muitas vezes, já visitados. Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais (DUARTE, 2002, p.140) Neste capítulo, são apresentados os procedimentos metodológicos selecionados a partir da finalidade desta pesquisa. Faz-se importante retomar o objetivo que é analisar as possibilidades de um projeto em educação socioemocional para o contexto escolar de estudantes de 6º anos do Ensino Fundamental e as implicações de um projeto para intervenção pedagógica na perspectiva socioemocional, tendo como produto um livro/ebook com conteúdo socioemocional para crianças e adolescentes. Para Anastasiou (1997, p. 93), etimologicamente, a palavra método vem do grego, sendo composta pela composição de metá, que quer dizer através, para e de ódos, que quer dizer caminho. Sendo esse termo considerado como um caminho por meio do qual pode-se chegar a um determinado fim. Na sequência, estão descritos, os tipos de pesquisa utilizados, o universo da pesquisa, o público-alvo, o instrumento de coleta de dados e os procedimentos adotados para análise e apresentação dos dados coletados. 2.1 Tipo de pesquisa Para esta pesquisa de intervenção com estudantes, o método qualitativo foi definido como a melhor abordagem para se alcançar a finalidade proposta, pois, de acordo com Sampieri, Collado e Lúcio (2006, p. 07), o método qualitativo “consiste em compreender um fenômeno social complexo”, não tendo como ênfase a medição das variáveis envolvidas no fenômeno, mas, sim, em sua compreensão. Minayo (2000b, p. 21) explica que a pesquisa qualitativa trabalha com a grande quantidade de significações, aspirações, crenças, valores e atitudes dos envolvidos, neste trabalho, em especial, colabora para uma compreensão mais próxima de certos fenômenos sociais de importância significativa para a subjetividade, possibilitando à pesquisadora, que participa da pesquisa, compartilhar suas percepções e representações, realçando valorosamente o conteúdo apresentado pelos sujeitos. 29 Um outro aspecto positivo da pesquisa qualitativa é o de que o pesquisador, ao definir a pesquisa qualitativa, consegue adentrar na realidade dos estudantes e do fenômeno estudado, vivenciando os contextos, sendo estes considerados ricos de informações complementares (TRIVIÑOS,1987, p. 109) e úteis na análise da dinâmica do processo educacional e na sua estrutura como um todo, flexibilizando o processo de investigação, podendo, ainda, revelar aspectos e processos ocultos (ZANETTI, 2017, p. 159). 2.2 Universo da pesquisa O estudo foi feito numa escola de periferia de uma cidade do interior paulista que atuava em três segmentos: Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio, nos três períodos, manhã, tarde e noite. A proposta pedagógica da escola baseava-se nos pressupostos que direcionavam as suas práticas para a garantia da aprendizagem com qualidade para todos os estudantes. Propunha-se a promover uma formação reflexiva, crítica e autônoma, com o desenvolvimento de valores, competências e habilidades, tendo a escola como um espaço de aprendizagem, envolvendo estudantes, professores e funcionários, em geral. Estudantes de três salas de 6º anos do Ensino Fundamental II foram indicados para participarem da pesquisa, a fim de se poder colaborar com a proposta pedagógica da escola, haja vista seus comportamentos causavam um grande desconforto, principalmente em professores, com quem tinham maior contato, bem como em funcionários e gestores. As intervenções foram feitas na própria escola, numa de suas salas de aula, abordando temas relacionados a questões do dia a dia, que envolviam seus comportamentos, ocorridos em sala de aula ou fora dela. As narrativas de professores, constantes nas ocorrências registradas e guardadas nos prontuários dos estudantes, serviram de ponto de partida para o direcionamento temático dos encontros, bem como para a compreensão da queixa, sob o ponto de vista dos professores. 2.3 Participantes da pesquisa Foram convidados para participarem desta pesquisa 15 estudantes de três salas de 6º anos, entre 11 e 13 anos de idade, de uma escola estadual situada na 30 periferia de uma cidade do interior paulista que apresentavam o maior número de ocorrências dentre os estudantes das três salas. Desses quinze estudantes convidados, oito eram meninos e sete eram meninas, porém somente doze deles concordaram em participar do programa, sendo cinco meninos e sete meninas. A razão da não participação de três estudantes não foram identificadas, porém algo pensado era a possibilidade de haver desinteresse por parte deles pelo conteúdo proposto, devido à falta de sincronia com as preocupações reais deles ou por entenderem como uma intromissão em sua intimidade. Os estudantes que decidiram participar do projeto, colaboraram com a presença e com a participação neste estudo com falas e depoimentos, ativamente. De acordo com o que foi relatado pelos professores, lido nos registros de ocorrências que haviam sido entregues à mediação da escola, referentes ao primeiro semestre de 2019, e, o que foi verificado pelas falas dos próprios estudantes participantes, chegou-se ao resultado representado pelo quadro Quadro 1 - Quadro-síntese de participantes e ocorrências. Sexo MASCULINO FEMININO Quantidade 05 07 Motivos de ocorrências predominantes xingamentos; violência física e verbal; desrespeito para com professores e colegas; depredação de patrimônio violência física e verbal; xingamentos; desrespeito para com professores e colegas; depredação Motivos de ocorrências de menor quantidade desacato; brincadeiras; descompromisso com a aprendizagem Depredação de patrimônio desacato; brincadeiras; descompromisso com a aprendizagem Quantidade Total de ocorrências 60 36 Nele constam os perfis dos estudantes que concordaram em participar do programa divididos em masculino e feminino; as quantidades gerais das ocorrências pesquisadas e quais eram os motivos delas. Quanto aos estudantes do sexo masculino, prevaleceu, em ordem decrescente os xingamentos; a violência física e verbal; o desrespeito; a depredação de patrimônio; o desacato e o desafio a professores; as brincadeiras em momentos inoportunos e o descompromisso com o conteúdo ensinado, totalizando sessenta ocorrências. Quanto às estudantes do sexo feminino, em ordem decrescente, apareceram violência física e verbal; os xingamentos; o desrespeito; a depredação de patrimônio; 31 o desacato e desafio a professores; as brincadeiras e o descompromisso com o conteúdo ensinado, totalizando trinta e seis ocorrências. Como se pode perceber, os que mais apareceram, em quantidade foram os xingamentos, a violência verbal e física, o desrespeito para com professores e colegas e a depredação do patrimônio. As ocorrências, para os professores, eram uma última tentativa para que os estudantes parassem com alguns comportamentos, pois a gestão, após receber a ocorrência, chamava os alunos para conversarem e, se necessário, chamava os responsáveis e/ou aplicava algum tipo de sanção. 2.4 Técnica de coleta de dados A técnica, a princípio, foi a de análise de documentos, pois foram levantadas e analisadas as ocorrências fornecidas pela escola, envolvendo os estudantes do projeto. Por ser uma informação dada por envolvidos houve a necessidade de serem analisadas e complementadas por outro tipo de técnica. Nesse sentido a pesquisa- ação proporcionou maior coleta de dados, o que permitiu à pesquisadora ampliar as informações obtidas. Foi pedido aos professores das salas de 6º anos do EF, a partir do problema levantado, que fizessem um registro de como entendiam comportamentos inadequados, que serviu para ampliar a compreensão da pesquisadora sobre as ações para contribuir com a IE, a serem desenvolvidas nos encontros com os estudantes e na proposição de possibilidades de intervenção para os professores. Pensou-se num projeto em que os estudantes pudessem ser auxiliados em seu desenvolvimento emocional, considerando-se que a escola pode ser considerada mais um espaço, junto a outros, como: família, igreja, televisão, redes sociais etc.; capazes de colaborar com o desenvolvimento da IE. Sobre o projeto, surgiu um questionamento: Quais as possíveis implicações de projetos, em aprendizagem socioemocional para escolares, especialmente àqueles com registros de ocorrências por alguns comportamentos? Com a finalidade de poder ir ao encontro dessa questão e para a compreensão poder ser ampliada e aprofundada, foi realizada a busca por textos de apoio, bem como a análise da realidade da escola. 2.5 Análise dos dados 32 A análise dos dados foi feita a partir das etapas descritas por Bardin (1995, p. 19) que a concebe como “uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação.". A organização dos dados se deu, a princípio, com a utilização de técnicas de leituras flutuantes, a pré-análise e a exploração do material. Na sequência, foram correlacionados com a literatura específica da área com a finalidade de reagrupar os dados obtidos, categorizando-os, mediante impressões e opiniões que tanto convergiam como divergiam, a partir do tema estudado. Ao longo de todo processo, procurou-se a precisão das relações entre o global e o local sobre o fenômeno, buscando-se resultados os mais fidedignos possíveis, por meio de reflexão. Por fim, pretendeu-se compreender e interpretar os dados de forma a delinear um panorama confiável da importância da Inteligência Emocional. 2.6 Método Pesquisa-Ação A pesquisa-ação foi utilizada como estratégia de método pela pesquisadora, pois ela mesma desenvolveu o projeto em uma instituição escolar. Para Tripp (2005, p. 445): A pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos, [...] O projeto foi pensado partindo-se da necessidade exposta por professores de como procederem junto a estudantes que apresentavam alguns comportamentos, em sala de aula, e pelo fato de estarem cansados de tentarem ter sucesso ao conversarem com esses estudantes. Depois de ter contato com a obra de Daniel Goleman no mestrado, pareceu à pesquisadora que o projeto seria uma boa maneira de se poder colocar em prática um modelo de intervenção com foco nas competências socioemocionais, para o desenvolvimento da IE, junto a esses alunos, em especial. O projeto foi planejado para ser desenvolvido em quatro meses, tendo-se em vista a disponibilidade da pesquisadora e dos estudantes, pois ele seria desenvolvido no período em que a pesquisadora e os estudantes estivessem na escola. 33 No 1º mês, foram levantadas as queixas dos professores e as informações sobre os comportamentos dos estudantes; no 2º mês, foi elaborado um planejamento de ações que envolviam desde o convite de participação e esclarecimento sobre o projeto, até o encerramento dos encontros; e, nos 3º e 4º meses, houve o desenvolvimento das ações em seis encontros com os estudantes, com anotações feitas pela pesquisadora, após os encontros. A aplicação do projeto foi pensada com o intuito de que, por meio de seus aspectos positivos, pudesse contribuir como uma boa prática para também ser replicada por outras instituições escolares. 2.7 Coleta de dados A princípio, foi levantado e identificado o problema vivenciado por professores de uma escola estadual, localizada na periferia de uma cidade do interior paulista. Os professores se lamentavam, constantemente, junto à coordenação, a respeito das dificuldades que enfrentavam com alguns estudantes que apresentavam problemas de comportamento em sala de aula e, de acordo com outros funcionários, fora dela, também. A pesquisadora verificou quais eram os comportamentos por meio de ocorrências feitas pelos professores ao longo do primeiro bimestre de 2019, identificou quais eram os estudantes com maior quantidade de ocorrências e os motivos delas. A exemplo do que fora exposto na obra de Daniel Goleman, da mesma forma que estudantes precisam alcançar um determinado nível de competência em matemática e linguagem, faz-se necessário dominar competências socioemocionais fundamentais para a vida. Ao longo do estudo, foram respeitadas as Resoluções 196/96 e 466/2012, com referência à ética em pesquisa com humanos e, conforme, aprovação de projeto de número 2.650.194. 2.8 Resultados e Discussão Professores de uma escola estadual de periferia de uma cidade do interior de SP, em 2019, compartilhavam com o grupo de professores e com a coordenadora (pesquisadora deste estudo), em reuniões semanais, chamadas de Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), suas angústias e reclamações, envolvendo, em especial, estudantes dos 6º anos do EF, por causa de problemas disciplinares que 34 eram fontes de perturbação do processo de ensino e de aprendizagem em sala de aula. Sobre isso, Aquino (1996, p. 7) afirma que: [...] há muito, os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Faz-se importante salientar que esses obstáculos pedagógicos acabam influenciando negativamente as interações em sala de aula e, as interações estando comprometidas, não é estabelecido um bem-estar emocional no ambiente, tornando a efetivação do processo de ensino e de aprendizagem algo quase impossível. Para ir ao encontro dessa necessidade, surgiu a ideia do projeto e, como primeiro passo, era necessário saber como os professores entendiam os comportamentos que identificavam como inadequados (CI), conceitualização e representações. Por meio de registros escritos, formalmente autorizados pelos professores para divulgação, ficou esclarecido que eles entendiam que os comportamentos que chamavam de inadequados eram aqueles expressos por meio de: violência física e verbal; brincadeiras em momentos inoportunos; gritos; xingamentos; desrespeito aos direcionamentos dados aos alunos e palavrões, entre os mais citados. Comparando-se as respostas dadas pelos professores e pelos estudantes participantes, por meio de registros escritos e formalmente autorizados para divulgação pelos seus responsáveis, constatou-se que houve congruência quanto ao que são comportamentos inadequados: brincadeiras em momentos inoportunos; gritos; xingamentos; desrespeito aos direcionamentos dados aos alunos; palavrões, entre outros. Isso mostrou, portanto, que os estudantes tinham ciência de que seus comportamentos não eram bem aceitos pelos professores, pelos funcionários e pelos gestores da escola. O planejamento do projeto se deu, tendo como principal foco o desenvolvimento da Inteligência Emocional por meio de competências socioemocionais. No primeiro encontro com os estudantes, a proposta do projeto foi apresentada; com seus objetivos; a quantidade de encontros (seis); o tempo de cada encontro (cinquenta minutos) e a finalidade deles (desenvolvimento da IE para auxiliar nas mudanças de comportamentos). Foi dada a oportunidade de decidirem participar ou 35 não, de acordo com seus interesses e liberalidade de aprenderem sobre um tipo especial de inteligência (IE). Após o aceite verbal de doze estudantes, seis meninos e seis meninas, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), direcionado a seus responsáveis, autorizando-os a participarem do projeto. Buscou-se elaborar o termo numa linguagem acessível e objetiva, sendo explicado que era uma obrigação para o exercício profissional e para a pesquisa que envolvia seres humanos e representava o respeito à autonomia dos participantes (BIONDO-SIMÔES, 2007, P. 183). Um roteiro com os encontros foi elaborado, onde foram levados em conta as atividades a serem desenvolvidas; o tempo de duração de cada encontro; as competências socioemocionais que seriam trabalhadas, considerando-se a possibilidade de os alunos saírem das salas de aula, ao mesmo tempo, sem haver choque com avaliações ou atividades especiais. No segundo encontro, os objetivos eram: verificar a responsabilidade dos estudantes, por meio da entrega do TCLE; verificar se havia cooperação entre eles para a elaboração das regras, em duplas, para os encontros. Nesse dia, alguns alunos se esqueceram de levar o TCLE assinado e os que o tinham entregado, se manifestaram, chamando-lhes a atenção pela falta de responsabilidade. A pesquisadora apenas pediu para que, quem não tinha entregado, entregasse no próximo encontro, pois não queria dar prosseguimento numa conversa que poderia envolver questões que pudessem intimidar ou constranger os estudantes que haviam esquecido o documento diante do grupo, pois essa questão, além de uma postura ética e de respeito da pesquisadora para com os estudantes, envolvia o artigo 232 do Estatuto da Criança e o do Adolescente (ECA), sob a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, que trata da proibição de submeter uma criança ou um adolescente, sob a autoridade de um adulto, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento. Na sequência, foi pedido que os estudantes se agrupassem em duplas a fim de elaborarem as regras que teriam que ser seguidas nos encontros. O intuito de serem em duplas foi para que percebessem o outro; os pontos de vista diferentes; treinassem a arte de se relacionarem (GOLEMAN, 2012, p. 291). Todas as duplas produziram listas em que apareceram bastantes proibições: não usar celular, não falar palavrões, não ficar pedindo para ir ao banheiro, levantar a mão quando quiser falar, entre outras proibições. 36 Essas propostas pareceram à pesquisadora terem sido elaboradas de forma automática, sem muita reflexão, como que determinadas por outras pessoas, modelos assimilados de fora para dentro. Isso pode ser um traço da heteronomia, facilmente detectável nessa faixa etária, ao que Piaget, citado por Pascual (1999, p. 6), explica ser percebida na relação entre os sujeitos, baseada no respeito unilateral, sob coerção. Araújo (2018, p. 2) corrobora com essa ideia, explicando que: A palavra heteronomia tem origem grega (hetero, significa outro, diferente; e nomia significa lei, regra) e pode ser definida como conduta ou norma que não provêm da razão ou da lei moral. Por conseguinte, heteronomia é a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros, ou à vontade de uma coletividade, não pertencentes à razão e às leis morais, como uma imposição de forma coercitiva, independente da vontade do indivíduo, e exterior a ele, opondo-se à autonomia da norma moral. A heteronomia consiste, portanto, em a pessoa ser governada pelo que está fora dela e não pelo que pode ser resultado de uma reflexão pessoal, mas essa forma de agir não é considerada a ideal para o desenvolvimento moral da criança e do adolescente que deveriam avaliar as regras e o que lhes é determinado, pensando no grupo, de forma cooperativa, respeitosa e empática. A pesquisadora considerou importante perceber esse fato, a fim de poder pensar em intervenções apropriadas como forma de corroborar com o desenvolvimento da autonomia que apresenta um conceito contrário ao da heteronomia. A autonomia, “tem origem grega (auto - eu, próprio; nomos - lei, regra, domínio, governo) e significa governo próprio, autodeterminação, autogestão. Envolve a conotação de liberdade, de escolha individual, livre de coação.” (ARAÚJO, 2018, p. 2). Ao término, a pesquisadora lembrou os alunos: “Tragam o TCLE, no próximo encontro, por favor!”. Os participantes se despediram, alguns abraçaram a pesquisadora e se despediram. No terceiro encontro, as competências socioemocionais focadas eram: valores morais, proatividade e respeito. A princípio, foi pedido que fizessem a leitura das regras elaboradas por eles mesmos, no encontro anterior, esperando-se que eles tivessem a oportunidade de propor ideias, ouvir os comentários, refletir analiticamente sobre elas e mudarem de ideia, se fosse o caso, porém não foi o que ocorreu. Foi solicitado que verbalizassem aquilo que poderiam fazer ao longo dos encontros. Isso gerou um pouco de dificuldade, pois se diziam envergonhados em 37 falar diante de um grupo com estudantes de outras classes, por isso precisaram da mediação da pesquisadora que procurava incentivá-los. Ao término da leitura das regras elaboradas por eles, chegaram a algumas conclusões: poderiam falar nos encontros; se levantar; se expressar com certa liberdade e que havia bastantes coisas que lhes eram lícitas fazerem, mesmo em suas salas de aula, mas era importante fazê-las sempre com respeito. Foi bem importante terem chegado a essas conclusões por si mesmos, pois entende-se, dessa forma, que a heteronomia vai sendo deixada para dar lugar à autonomia, à reflexão e a um autogoverno. Essa atividade pareceu ser interessante para os estudantes, pois ouviam atentos uns aos outros. A pesquisadora questionou-os sobre a importância de cada regra proposta para o bom andamento dos encontros, relacionando-as com a importância das regras para a sala de aula e para outros grupos, lembrando-os de que o cumprimento delas ou não podiam gerar consequências. Os estudantes, nesse momento, citaram algumas consequências que ocorriam na escola, como: magoarem a si mesmos; magoarem colegas, professores, funcionários e até mesmo seus pais ou responsáveis; deixarem de aprender; não irem bem nas provas; os pais ou responsáveis sempre serem chamados à escola etc. Outras perguntas foram feitas pela pesquisadora, tentando problematizar as certezas que os estudantes aparentavam ter, principalmente, ao chamarem a atenção uns dos outros: - Nós podemos mandar uns nos outros? - Sim. Responderam alguns estudantes, enquanto outros responderam que não. - Por quê? - Os professores podem mandar no aluno. - disse um e os outros concordaram. - Um aluno não pode mandar em outro aluno. – disse outro e os outros concordaram. Uma estudante foi exceção e disse: “Quando um aluno faz bagunça a gente pode mandar ele ficar quieto, sim!”. Os demais concordaram e disseram que, se fosse preciso, poderiam mesmo. A pesquisadora, pediu para que não respondessem, mas que só pensassem na pergunta: “Chamar a atenção não é papel do professor?”. Esperou que eles refletissem e continuou: - As pessoas têm o direito de falar? Quando? Como devem falar? 38 - Tem e devem falar com respeito, sempre, disse uma estudante. Todos os outros participantes assentiram com a cabeça, concordando com a resposta dada por uma participante. - Como gostamos de ser tratados? Como temos tratado as pessoas que estão sempre conosco? Os participantes responderam em unanimidade que gostavam de tratar bem as pessoas e serem bem tratados. - Como as pessoas podem gostar de serem tratadas por nós? Isso torna os lugares agradáveis? Por quê? Como resposta, três estudantes de uma mesma sala de aula falaram que um professor estava reclamando que havia estudantes que não estavam tratando bem seus colegas e professores e que isso não era legal para ninguém, pois todos queriam ser bem tratados. O principal intuito da pesquisadora ao fazer tais perguntas era o de fazer os estudantes refletirem e que, por meio da contradição com o conhecimento parcial e equivocado que o aluno leva consigo, possibilitar a superação desse estágio de desenvolvimento (VASCONCELLOS, 1992, p. 12). A pesquisadora sugeriu perguntas que os remetem a alguns dilemas vivenciados por eles, buscando levá-los à reflexão, a ouvir o outro e a conclusões reflexivas. Algumas repostas dadas pelos estudantes poderiam ter sido consideradas socialmente e moralmente adequadas naquele momento, porém, depois, ainda no encontro, alguns estudantes voltaram-se uns para os outros, apontando-se como descumpridores de regras em sala de aula e nos pátios. A pesquisadora permitiu que debatessem as próprias falas, pois houve um e outro estudante que fizeram pontuações que acabaram por estabelecer um consenso. Por exemplo: “Você fala isso, mas faz outra coisa na sala, com o professor! É certo isso?”; “Você coloca apelido em todo mundo! Eu fico triste, não gosto disso! E, com certeza, você também não. Gosta?”; “Respeito é bom e todo mundo gosta!”, dentre outros comentários. Ao final, a pesquisadora perguntou se conseguiriam resumir as regras em uma palavra só. Os alunos, a princípio, tiveram um pouco de dificuldade, mas conseguiram chegar à palavra respeito que, para Boff (2006, p. 54), é como “uma ética mínima que deve ser assumida por todos” e ele ainda acrescenta que “o respeito supõe reconhecer o outro em sua alteridade e perceber o seu valor”. 39 A pesquisadora questionou: “Respeito é importante para você?”, apontando para cada um dos estudantes que assentiam positivamente com a cabeça. “É importante na sala de aula? Por quê?”. Todos responderam afirmativamente, mas não explicaram o porquê, ao que a pesquisadora respeitou, pois já era o final do encontro. Despediram-se da pesquisadora e saíram animados. No quarto encontro, as competências socioemocionais em foco eram: autocrítica e autocontrole. Entende-se, de acordo com o dicionário Houaiss (2011) que a autocrítica é o “ato de reconhecer os próprios erros e acertos, defeitos e qualidades” (p. 98); crítica é uma “análise; exame; julgamento” (p. 247) e autocontrole é o “domínio sobre as próprias emoções e reações” (p. 98). Logo no início do encontro, algumas alunas disseram: “Dois estudantes foram chamados na direção por causa dos comportamentos na sala de aula!”. A pesquisadora não comentou sobre a fala delas para não estimular que ficassem expondo uns aos outros, para evitar a delação de colegas e, dessa forma corroborar para que o ambiente fosse mais acolhedor e respeitador diante das diferenças, com o intuito de mostrar que "o respeito é o sentimento fundamental da vida moral" (PIAGET, 1994, p. 304). E que “o clima e o envolvimento social onde decorrem as interrelações entre experientes e inexperientes ou entre professores e alunos etc., contribui de forma crucial para a aprendizagem”, pois só nesses ambientes as emoções positivas podem influenciar nas interações dinâmicas (FONSECA, 2021, p. 371). Assim sendo, a pesquisadora buscava sempre criar um ambiente de equilíbrio, em que predominassem as intuições e as emoções da pesquisadora e dos estudantes pudessem ser expressos, colaborando para uma atmosfera pedagógica de confiança e de conforto que contribuísse para a construção de competências sociais e emocionais que permitissem melhores experiências interacionais. Na sequência, a pesquisadora entregou uma folha a cada um, onde era perguntado o que era comportamento inadequado para eles. Foi pedido para citarem situações em que tiveram um mau comportamento e as consequências deles. Depois do tempo que lhes foi dado para responderem, em roda, os participantes compartilharam o que entendiam por comportamento inadequado, sendo, de modo geral: coisas erradas que faziam ou falavam. Citaram alguns comportamentos inadequados em sala de aula, como: conversa em hora errada; discussão com colegas e professores; deixarem de fazer as lições; levantarem em 40 momentos inoportunos etc. E como as consequências das más ações foram citados: ocorrências; os pais ou responsáveis foram chamados à escola; castigos em casa pelos responsáveis, entre outros. A atividade tinha o propósito de, por meio de perguntas reflexivas, levá-los a pensar sobre a adequação e inadequação de algumas atitudes e que pudessem chegar a uma conclusão crítica sobre suas próprias ações e suas consequências, pois, de acordo com Fonseca (2021, p. 17), faz-se necessário colocar perguntas relevantes, saber questionar e dispor de instrumentos mentais analíticos, a fim de se criar condições críticas para o desenvolvimento, aprofundamento e criação do conhecimento. Foi perguntado se eles queriam que as consequências das atitudes não acontecessem, principalmente aquelas que determinavam que teriam que ficar de castigo em casa, ou que um jogo poderia ser tirado, ou que não compareceriam à escola, fazendo atividades em casa. Os estudantes disseram que não gostariam de passar por aquilo de novo e disseram que procurariam não fazer mais o que tinham feito. De acordo com o depoimento de uma das estudantes: “Minha mãe não me deu nenhum castigo, apenas conversou. Ela disse que eu ficaria sem amigos se eu continuasse a xingar e a brigar na escola.”. Embora não tenha sido o melhor argumento a ser utilizado, a intervenção dessa mãe foi considerada a mais apropriada diante das outras, podendo ser considerada a mais próxima de uma educação voltada para o desenvolvimento da IE. Isso pareceu muito positivo para a pesquisadora, pois se espera que os pais e ou responsáveis atuem como os principais preparadores emocionais, orientando e ensinando as crianças e os adolescentes, no sentido de encontrarem meios apropriados para reconhecerem, a expressarem suas emoções e sentimentos e a resolverem problemas (FONSECA, 2021). O encontro foi encerrado após os depoimentos dos estudantes, por causa do horário. No quinto encontro, a competência emocional em foco era a empatia que pode ser compreendida, de acordo com Pavarino, Del Prette e Del Prette (2005, p. 129), “[...] como a capacidade de apreender sentimentos e de se identificar com a perspectiva do outro, manifestando reações que expressam essa compreensão e sentimento”. https://blog.psicologiaviva.com.br/adolescentes/ 41 Alguns alunos comentaram sobre uma aluna que havia sido duramente repreendida pelo professor em sala de aula por causa de seu mau comportamento. A aluna deu de ombros e disse para a pesquisadora e para seus colegas que fazia o mesmo em sua casa. Os outros alunos olharam para a pesquisadora para procurar em seu rosto ou comportamento, uma reação. A pesquisadora optou por não comentar e começou a lhes contar sobre uma situação em que um estudante, numa aula, queria que a professora lhe desse atenção e como isso não aconteceu, ele começou a xingar a professora de surda. Os dez estudantes presentes logo deram os seus pareceres: três alunos disseram que o estudante da situação estava correto, os outros sete, disseram que ele estava errado, mas que a professora, também estava. Foi dito a eles que a professora era, na verdade, quase surda de um ouvido e que, realmente, não tinha ouvido o aluno lhe chamando. Os três estudantes que apoiaram o aluno, disseram que ele continuava certo, pois era a professora que devia ter contado de sua quase surdez e outros se uniram a eles. Os demais estudantes continuaram dizendo que os dois estavam errados. Foram questionados pela pesquisadora se um dos possíveis motivos pelos quais a professora não falava para todos de sua quase surdez poderia ser porque poderia sentir vergonha e sofrimento. Um e outro responderam que sim. Quando foi perguntado a eles se tinham algumas dores emocionais ou problemas, as respostas foram variadas, uns disseram ter algumas dores e que os colegas as usavam para feri-los emocionalmente, tirando sarro, colocando apelidos, praticando bullying entre outras atitudes ruins. Duas das garotas, começaram a chorar e, quando a pesquisadora lhes perguntou sobre o porquê do choro, explicaram que era por se sentirem rejeitadas pelos colegas. Uma delas explicou que era porque tinha os lábios grandes e a outra por ser feia e pobre. A pesquisadora entendeu que estavam passando por um momento de vida em que a imagem de si mesmas estava sendo construída e que ainda passariam por outras etapas conturbadas do desenvolvimento. Por outro lado, a pesquisadora ficou satisfeita com o fato de as alunas terem conseguido se expressar com uma certa liberdade, pois demonstraram se sentir em um espaço de segurança, de cuidado e de conforto (FONSECA, 2016, p. 380). 42 As mesmas estudantes, em outros momentos, anteriores aos encontros, já haviam confidenciado à pesquisadora que sofriam com as realidades que enfrentavam no ambiente familiar. Para a estudante que sofria por ter lábios grossos, sua mãe não lhe dava a mesma atenção que dava aos seus outros três irmãos menores e à outra irmã que, segundo ela, havia se suicidado e da qual sentia muita saudade. A pesquisadora entendeu que, muito de sua má postura na escola, poderia ser reflexo de sua dinâmica familiar, determinando uma certa inabilidade em administrar e em resolver conflitos, controlar emoções e expressar diferentes sentimentos que a afligem (DESSEN E POLONIA, 2007, p. 23). A pesquisadora se surpreendeu quando um aluno se solidarizou empaticamente com as garotas que choravam e disse a elas que não chorassem, pois todos tem uma dor, ao que todo o grupo assentiu com a cabeça. Ele completou sua fala, contando que ele usava óculos desde ‘sempre’, sem gostar de usá-los, mas que acabou se acostumando com eles e acabou por não ligar quando os outros zombavam dele, dizendo que ele era quatro olhos. De acordo com a definição de empatia por Pavarino, ao citar Del Prette e Del Prette (2005, p. 129), esse estudante demonstrou empatia ao identificar-se com a perspectiva de sofrimento das garotas e a capacidade de apreender seus sentimentos e compreendê-los. Naquele momento, um outro estudante também acolheu as colegas que choravam, dizendo palavras de incentivo e força. O tempo se esgotou e o sinal soou, indicando que era para saírem para o intervalo. A pesquisadora parabenizou as estudantes por terem sido sinceras por expressarem o que sentiam e aos estudantes que demonstraram empatia por elas. Os alunos saíram com ares de satisfação da sala. No sexto encontro, as competências emocionais eram: proatividade, autocontrole e empatia. Foi explicado aos estudantes o que é ser proativo, de acordo com Crant (2000, p. 436), que define os comportamentos de pessoas proativas como aqueles que buscam oportunidades de mudanças, visando a melhorias, mostrando iniciativa, antecipando e solucionando problemas; pessoas proativas são ativas; perseveram até alcançar seus objetivos. 43 A pesquisadora explicou que uma pessoa proativa é aquela que ouve o outro, pensa, reflete e toma decisões mais adequadas, com inteligência emocional, controlando suas emoções para resolver as situações. Contou para os estudantes que um garoto foi xingado de fraco por um colega num jogo de futebol e que, ao contrário do que muitos fazem, ele se virou para o colega e disse que não gostou do que ele havia dito. O colega pediu desculpa e ficaram bem. A pesquisadora perguntou se a relação entre os garotos teria voltado ao normal se eles não tivessem conversado e se acertado. Uma estudante não titubeou e respondeu: - Não. As pessoas têm que conversar para resolver os problemas. A pesquisadora concordou com a estudante e, na sequência, explicou a eles que o contrário de ser proativo é ser reativo e que a pessoa reativa não consegue controlar seus impulsos; ela apresenta dificuldades para solucionar situações tidas como difíceis. Os reativos são guiados pelos sentimentos, circunstâncias, condições e ambiente, sem controle emocional. A ampliação da compreensão sobre o autocontrole emocional era importante para que os estudantes pudessem perceber que, ao conhecerem e controlarem as emoções, seria maior a probabilidade de lidarem com as situações de forma mais positiva e produtiva, ampliando e otimizando, também, as habilidades sociais. A pesquisadora deu mais dois exemplos de modos diferentes de agir em uma situação escolar, com o intuito de eles poderem se identificar com algum dos estudantes, empaticamente. Em um dos exemplos, ela contou que alguns alunos não terminaram as atividades dadas pelo professor em sala de aula, no tempo estipulado para isso. O professor lhes informou que, conforme combinado, eles teriam que terminá-las em poucos minutos. Um dos estudantes ficou irritado por achar que não daria conta da atividade e começou a jogar o caderno e a xingar alto. Um outro estudante, que também não havia cumprido com o combinado, abaixou a cabeça e começou a fazer as atividades para tentar terminá-las a tempo. Após esses dois exemplos, a pesquisadora pediu para que refletissem e que identificassem qual situação foi solucionada de forma proativa e qual foi a de forma reativa. Todos os participantes demonstraram ter refletido e entendido o significado de cada uma e as identificou corretamente. A pesquisadora solicitou ainda que relatassem duas situações em que teriam dado respostas reativas e proativas em sala de aula e quais foram as consequências 44 de cada uma. Foi analisada cada resposta apresentada por eles e eles realmente perceberam a adequação e inadequação de cada tipo de respostas dadas por eles nas situações vivenciadas. Chegaram à conclusão, também, de que a maioria de suas respostas no dia a dia eram reativas. Foram questionados sobre como era o clima da classe e a sensação que ficava depois de um estudante ter respondido grosseiramente a um outro colega ou a um professor e eles concluíram que teria sido melhor se as respostas tivessem sido proativas porque as consequências teriam sido diferentes. Duas garotas, percebendo que o sinal já estava quase soando para saírem, compartilharam espontaneamente com o grupo, que tinham pensado sobre algumas conversas de encontros anteriores e perceberam que seus comportamentos tinham que ser melhorados. Disseram que tinham começado a tentar mudar suas atitudes até em suas casas, principalmente com seus pais. A pesquisadora, sorrindo, elogiou as duas estudantes pela iniciativa de procurarem mudar os seus comportamentos e lhes disse que, certamente, as consequências daquilo seriam muito positivas. A pesquisadora quis demonstrar, dessa forma, que havia um elo de afeto entre ela e os estudantes, manifestado por meio de sua postura e de sua comunicação verbal, pois, de acordo com Souza et al (2020, p. 394), as demonstrações afetivas não se limitam ao carinho pelo contato físico, “mas também podem ser manifestadas por meio de elogios e de atenção às sugestões dos escolares, bem como os ouvindo quando expressarem suas opiniões.”. Tinha em vista, também, o fato de que “A criança deseja e necessita ser amada, aceita, acolhida e ouvida para que possa despertar para a vida da curiosidade e do aprendizado” (SALTINI, 2008, p. 100). Constatou-se que os estudantes se sentiram valorizados e acolhidos pela pesquisadora, podendo sair dessa experiência de forma mais consciente de si, de suas emoções, sentimentos e dos outros, sendo capazes de transformarem a si e ao ambiente, assumindo uma posição mais crítica, reflexiva e afetiva. A pesquisadora parabenizou e agradeceu a todos por terem aceitado seu convite para participarem do projeto, despediu-se e abraçou a todos, entregando um bombom para cada um. Buscou-se sintetizar esses seis encontros por meio do quadro abaixo, sendo este um elemento gráfico utilizado para converter o texto em imagem, agilizando a compreensão de algumas informações compartilhadas; sistematizando e organizando 45 os dados numéricos, referentes à quantidade de encontros, de estudantes; dos objetivos e as atividades desenvolvidas. Quadro 2: Quadro-síntese dos encontros entre pesquisadora e estudantes Encon- tros Nº partici- pantes Objetivos de cada encontro Atividades realizadas 1 15 Apresentar a proposta do projeto com seus objetivos; a quantidade de encontros (seis); o tempo de cada encontro (cinquenta minutos) e a finalidade de proporcionar situações para o desenvolvimento da IE para auxiliar nas mudanças de comportamentos Foi apresentado o projeto: objetivos, duração, finalidade, o convite para a participação e entrega do TCLE. 2 08 Verificar a responsabilidade dos estudantes, por meio da entrega do TCLE; verificar se havia cooperação entre eles para a elaboração das regras, para os encontros |Foram recolhidos os TCLEs; foi proposto que elaborassem regras, por escrito, para os encontros, em duplas. 3 11 Propor situações para o desenvolvimento das competências socioemocionais: valores morais, proatividade e respeito Foram compartilhadas as regras elaboradas no encontro anterior com comentários reflexivos sobre cada uma e sua necessidade. 4 12 Propor situações a fim de proporcionarem a reflexão a respeito das competências socioemocionais: autocrítica e autocontrole. Foram questionados sobre o que era comportamento inadequado e quais já haviam cometido, numa roda de conversa e de autorreflexão. 5 10 Proporcionar situações em que se compreenda e se reflita sobre a empatia A pesquisadora contou sobre um caso a fim de que os estudantes se posicionassem favorável ou não a uma atitude cruel de um estudante para com sua professora que não ouvia direito. 6 08 Propor a reflexão sobre circunstâncias envolvendo as competências emocionais: proatividade, autocontrole e empatia e encerrar o projeto. Foram apresentadas situações em que foi explicado proatividade e reatividade nas relações a fim de se lidar com um dilema emocional. Foi encerrado o projeto com devolutiva pela pesquisadora e despedida. Por fim, pode-se dizer, pela análise dos relatos dos encontros que atividades com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais, com crianças e adolescentes, podem ser modelos enriquecedores para professores e para outros profissionais da educação, como oportunidades de proporcionar reflexões críticas e possíveis para alterações de comportamentos negativos e/ou para a manutenção de 46 comportamentos considerados positivos, levando-se em conta que os comportamentos podem impactar no ambiente e no rendimento escolar, de forma positiva ou negativa. Espera-se, portanto que essa experiência possa servir, também, de estímulo e como material de pesquisa para outras experiências que envolvam projetos de alfabetização emocional, expressão esta utilizada por Goleman (2012, p. 247). 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo sobre programas de intervenção para o desenvolvimento da IE, de crianças e de adolescentes, entre 11 e 13 anos, numa escola de periferia de uma cidade do interior paulista, permitiu as reflexões e as considerações deste tópico. A princípio, retomou-se o objetivo desse estudo que foi o de analisar as possibilidades de um projeto em educação socioemocional para o contexto escolar de estudantes de 6º anos do Ensino Fundamental e as implicações de um projeto na aprendizagem estudantil de uma intervenção pedagógica na perspectiva socioemocional, O desenvolvimento da IE, por meio de um projeto no ambiente escolar, justificou-se pelo fato de a escola ser considerada um espaço importante e rico para discussões, estudos e acolhimento, além de possibilitar situações de desenvolvimento de crianças e adolescentes, que compõem um segmento da educação que merece um olhar diferenciado pelas suas particularidades. Ademais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), sugere-se que as escolas desenvolvam práticas voltadas para o desenvolvimento de competências que objetivem capacitar o estudante a compreender seu papel cidadão, social e político, conhecendo seus direitos e deveres políticos, civis e sociais, e assumir uma postura, no dia a dia, solidária, cooperativa, repudiando injustiças, respeitando o outro e exigindo ser respeitado (BRASIL, 1997, p. 9). A escola, portanto, pode proporcionar uma atmosfera emocional que pode corroborar com o desenvolvimento pessoal do estudante, além do cognitivo, com oportunidades para interações significativas, num ambiente de harmonia e de paz (COLUMA, 2007, p. 432). Quanto aos conteúdos abordados neste estudo, houve uma consonância entre a dinâmica; o ambiente e os perfis dos estudantes, levando-se em consideração e respeitando-se que o desenvolvimento da IE pode ocorrer de formas diferentes e em momentos diferentes, num continuum, envolvendo diversos fatores, entre eles aspectos hormonais e físicos que afetavam os estudantes e seus contextos familiares, culturais e socioeconômicos. A ideia de um processo continuum do desenvolvimento das competências é apresentada por Zabala & Arnau (2010, p. 40) ao afirmarem que não envolve o tudo ou o nada, mas é um processo. 48 Os resultados do projeto indicam pistas de que o que se esperava para o desenvolvimento de competências para a IE, foram positivos e isso foi percebido pelo fato de as meninas desse grupo de participantes mostrarem-se dispostas e estarem abertas às reflexões, comunicando-se e participando ativamente dos encontros. O momento crucial foi quando duas delas verbalizaram que a experiência no projeto as levou a buscarem mudanças de comportamentos e de atitudes na escola e até mesmo com seus familiares. Quanto aos outros participantes, de forma geral, também demonstraram interesse ao longo dos encontros, mas um estudante se destacou, chamando a atenção da pesquisadora num dos encontros, quando demonstrou uma empatia espontânea para com colegas participantes. Em resumo, pode-se concluir que este projeto permitiu algumas constatações como: a identificação de interfaces entre alguns comportamentos e a aprendizagem de competências relacionadas à IE; a de se perceber que o projeto pode ser um modelo a ser utilizado por educadores, colaborando para o despertar de atitudes socialmente habilidosas e respondentes; a auxiliar, por meio das competências socioemocionais, o desenvolvimento da IE e que pode ser utilizado por pais ou responsáveis que se interessam pela educação socioemocional de seus filhos. 49 DESENHO DO PRODUTO O produto educacional consiste em um ebook em que são apresentadas situações que as personagens vivenciam e o(a) leitor(a), criança ou adolescente, após a leitura, pode responder a um quiz que aborda competências socioemocionais como: autoconhecimento, empatia, respeito, ética, cooperação, entre outros, que auxiliam numa reflexão crítica, visando à Inteligência Emocional. 1 Título do produto Crescer para transformar 2 Resumo do produto O e-book é um instrumento pedagógico desenvolvido para crianças e/ou adolescentes, estudantes e professores dos anos finais do EF, podendo ser utilizado por estudantes mais velhos, adaptando-o. A história é de uma lagarta que passa por situações que lhe parecem ser grandes problemas, envolvendo questões intrapessoais (autoestima, autocontrole, cuidados com o corpo, entre outras) e interpessoais (empatia, cooperação, respeito, entre outras). Mais tarde, em sua fase no casulo, ela passa a refletir sobre como suas atitudes, pensamentos e sentimentos haviam sido disfuncionais, enquanto lagarta, e que precisa alterá-los, pois começa a perceber as consequências negativas deles. Ao final da fase no casulo, ela desperta como borboleta, como resultado de um processo de amadurecimento que, para ela, não foi somente físico, mas também emocional, percebendo que podia ser feliz consigo mesma e com aqueles com quem convivia. Ao término da história, o(a) leitor(a) pode responder a um quiz que, de acordo com as pontuações referentes às respostas dadas, o resultado obtido lhe confere um título simbólico, referente ao nível de maturidade emocional em que se encontra: o título de lagarta que representa alguém que não possui uma autoimagem positiva; não enfrenta adequadamente algumas situações consideradas complicadas por não saber lidar com as emoções e acaba sofrendo. O título de casulo, daquele que está em processo de reflexão e de aprendizado; que busca o autoconhecimento; faz uma autocrítica, a fim de conquistar um amadurecimento emocional e, por último, o título 50 de borboleta, que consegue lidar com alguns pensamentos e situações considerados complicados, de forma considerada adequada, num processo de amadurecimento. Após o quiz, há outras atividades e passatempos que podem ser utilizados por educadores em salas de aula, a fim de colaborarem com aulas que tenham em vista o desenvolvimento de competências socioemocionais. 3 Diagnóstico Local Numa escola estadual de periferia, de uma cidade grande do interior paulista, a queixa de professores, funcionários e gestores se devia a algumas situaçõ