UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA CÂMPUS DE ILHA SOLTEIRA BRUNA EVELINE DOMINGOS PETRINI PROPOSTAS DE MECANISMOS DE COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO SETOR RURAL NAS BACIAS PCJ, VISANDO O INCENTIVO À ADEQUAÇÃO AMBIENTAL E RECOMPOSIÇÃO FLORESTAL Ilha Solteira 2024 Campus de Ilha Solteira PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E REGULAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS - PROFÁGUA BRUNA EVELINE DOMINGOS PETRINI PROPOSTAS DE MECANISMOS DE COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO SETOR RURAL NAS BACIAS PCJ, VISANDO O INCENTIVO À ADEQUAÇÃO AMBIENTAL E RECOMPOSIÇÃO FLORESTAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional e Gestão e Regulação de Recursos Hídricos – ProfÁgua, por meio da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Câmpus de São Paulo) como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Maurício Augusto Leite Ilha Solteira 2024 PETRINI PROPOSTAS DE MECANISMOS DE COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NO SETOR RURAL NAS BACIAS PCJ, VISANDO O INCENTIVO À ADEQUAÇÃO AMBIENTAL E RECOMPOSIÇÃO FLORESTALIlha Solteira2024 166 Sim Dissertação (mestrado)Outros cursosGestão e Regulação de Recursos HídricosNão FICHA CATALOGRÁFICA Desenvolvida pela Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação Petrini, Bruna Eveline Domingos. Propostas de mecanismos de cobrança pelo uso da água no setor rural nas bacias PCJ, visando o incentivo à adequação ambiental e recomposição florestal / Bruna Eveline Domingos Petrini. -- Ilha Solteira: [s.n.], 2024 166 f. : il. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Área de conhecimento: Instrumentos de Política de Recursos Hídricos, 2024 Orientador: Maurício Augusto Leite Inclui bibliografia 1. Sub-bacia do rio Corumbataí. 2. Cobrança pelo uso da água. 3. Adequação ambiental. P496p Elaborada por Raiane da Silva Santos - CRB-8/9999 Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos Coordenação Geral: Avenida Brasil Centro, 56 – Bairro: Centro – CEP: 15385-000 – Ilha Solteira – SP Fone: (18) 3743 1978 / (18) 3743 1000 Ramal 1317 - profagua@unesp.br www.feis.unesp.br/#!/pos-graduacao/profagua/ CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Proposta de cobrança pelo uso da água no setor rural nas Bacias PCJ, visando à adoção de mecanismo de proteção aos mananciais AUTORA: BRUNA EVELINE DOMINGOS PETRINI ORIENTADOR: MAURICIO AUGUSTO LEITE Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, área: Instrumentos de Política de Recursos Hídricos pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. MAURICIO AUGUSTO LEITE (Participaçao Virtual) Departamento de Fitossanidade, Engenharia Rural e Solos / Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - UNESP Prof. Dr. CARLOSSANDRO CARVALHO DE ALBUQUERQUE (Participaçao Virtual) Universidade do Estado do Amazonas - UEA Prof. Dr. DENIS HERISSON DA SILVA (Participaçao Virtual) Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI / Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo - SAA Ilha Solteira, 16 de setembro de 2024 AGRADECIMENTOS Devo a conclusão deste trabalho a muitas pessoas que, de diferentes maneiras, contribuíram para minha jornada no ProfÁgua. Primeiramente, agradeço ao meu orientador, Professor Maurício Augusto Leite, por sua generosidade em dedicar seu tempo e compartilhar seu vasto conhecimento, além de sua paciência e entusiasmo com que me guiou ao longo deste processo. Também agradeço ao meu querido companheiro de vida, Luis Fernando, pelas longas conversas, apoio incondicional e ideias que foram fundamentais para que eu pudesse ter êxito neste trabalho, principalmente nos momentos mais difíceis. Agradeço aos colegas brilhantes da turma 2022 do ProfÁgua, pela amizade, pela união, pelas trocas de experiências e por tornar as aulas virtuais mais leves, e os encontros presenciais inesquecíveis. Agradeço à Agência das Bacias PCJ por me possibilitar conciliar a vida profissional e acadêmica, em especial às equipes da Assessoria Ambiental e da Cobrança, setores em que pude atuar e me ofereceram suporte e inspiração para realizar este trabalho. Por fim, agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com este projeto, seja esclarecendo dúvidas, fornecendo dados e indicando materiais valiosos : Daniela Gomes e Alexandro Lúcio, da EMATER/MG; Denis Silva, da CATI; Ivens de Oliveira e Karla Romão, da Agência das Bacias PCJ; Clélia Nobre, da Agência Peixe Vivo; Henrique Bracale, da TNC; Professor Luis Antônio Coimbra Borges, da UFLA; Renato Gouveia, colega de turma do ProfÁgua, e tantos outros que, direta ou indiretamente, colaboraram para a realização deste trabalho. Ao Denis Silva e Professor Carlossandro da Albuquerque também agradeço por aceitarem a participar da banca de avaliação. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, agradeço também ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos - ProfÁgua, Projeto CAPES/ANA AUXPE Nº 2717/2015, pelo apoio técnico científico aportado até o momento. RESUMO O setor rural possui grande relevância econômica e representa uma significativa demanda no uso de recursos hídricos. No entanto, em alguns Comitês de Bacias Hidrográficas, ainda não há a incidência de cobrança pelo uso da água sobre este setor, como é o caso das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. O fator principal para esta situação é a resistência à cobrança por parte dos representantes do setor rural nos Comitês PCJ, devido à percepção de que a cobrança possa afetar os custos de produção, e à falta de reconhecimento pelos serviços ambientais prestados pelas propriedades. Por outro lado, a área rural concentra as áreas de vegetação nativa degradada que necessitam de recomposição e conservação, bem como há produtores rurais que já executam ações conservacionistas em suas propriedades, seja por força de legislação, seja voluntariamente ou por meio de programas de incentivo, como o PSA. Além disso, algumas intervenções de restauração possuem custo elevado, impossibilitando que principalmente pequenos produtores efetivem a adequação ambiental. A partir destes aspectos, este trabalho propõe mecanismos de cobrança para o setor rural, que considere o incentivo à adequação e conservação ambiental, por meio de modelos matemáticos. As simulações de cenários a partir dos modelos propostos demonstraram particularidades de acordo com a situação de adequação e conservação de cada propriedade. O Modelo 1 possui maior facilidade, porém incentivos limitados para avanços significativos na conservação, enquanto os Modelos 2 e 3 se mostraram mais eficazes em incentivar a adequação ambiental em propriedades com baixa cobertura vegetal, e em propriedades que estão próximas da plena adequação ambiental, respectivamente. Os resultados do trabalho mostraram como a integração entre cobrança, incentivos e investimentos em conservação pode inovar a gestão dos recursos naturais e promover a sustentabilidade. Palavras-chave: sub-bacia do Rio Corumbataí; cobrança pelo uso da água; adequação ambiental. ABSTRACT The rural sector is economically important and represents a significant demand for water resources. However, in some River Basin Committees, there is still no charge for water use in this sector, as is the case of the Piracicaba, Capivari and Jundiaí River Basins. The main factor for this situation is the resistance to charging by representatives of the rural sector in the PCJ Committees, due to the perception that the charge could affect production costs, and the lack of recognition for the environmental services provided by the properties. On the other hand, the rural area concentrates areas of degraded native vegetation that need to be restored and preserved, and there are also rural producers who already carry out conservation actions on their properties, either by law, voluntarily or through incentive programs, such as the PSA. In addition, some restoration interventions are expensive, making it impossible for small producers, especially, to carry out environmental adaptation. Based on these aspects, this paper proposes charging mechanisms for the rural sector that consider incentives for environmental adequacy and conservation, through mathematical models. The scenario simulations based on the proposed models demonstrated particularities according to the adequacy and conservation situation of each property. Model 1 is easier, but offers limited incentives for significant advances in conservation, while Models 2 and 3 proved to be more effective in encouraging environmental adequacy on properties with low vegetation cover, and on properties that are close to full environmental adequacy, respectively. The results of the paper showed how the integration of charging, incentives and investments in conservation can innovate the management of natural resources and promote sustainability. Keywords: Corumbataí River sub-basin; charging for water use; environmental adequacy. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Classificação das fontes de valor do meio ambiente. ................................ 22 Figura 2. Mapa de priorização para conservação, recuperação e restrição. ............ 48 Figura 3. Investimentos nas Bacias PCJ, desde 1994, por PDC. ............................. 54 Figura 4. Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. ................. 61 Figura 5. Localização e municípios pertencentes à Sub bacia do Rio Corumbataí. . 63 Figura 6. Modelos matemáticos M1, M2 e M3, representados por curvas contínuas que conectam os pontos extremos em cada uma das configurações crescente e decrescente. .............................................................................................................. 68 Figura 7. Quantidade e tipos de usos outorgados na sub-bacia do Rio Corumbataí. .................................................................................................................................. 75 Figura 8. Comportamento do valor do coeficiente K em relação ao seu respectivo parâmetro X nas configurações crescente e decrescente segundo o modelo M1, descrito matematicamente por uma função afim. ...................................................... 98 Figura 9. Comportamento do valor do coeficiente K em relação ao seu respectivo parâmetro X nas configurações crescente e decrescente segundo o modelo M2, descrito matematicamente por uma função quadrática com concavidade voltada para cima. .......................................................................................................................... 99 Figura 10. Comportamento do valor do coeficiente K em relação ao seu respectivo parâmetro X nas configurações crescente e decrescente segundo o modelo M3, descrito matematicamente por uma função quadrática com concavidade voltada para baixo. ....................................................................................................................... 101 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da Cobrança de domínio Federal pelo uso dos recursos hídricos nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. ..................................................................................................... 31 Quadro 2. Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da Cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio Paulista nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. .................................................................................. 38 Quadro 3. Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para captação, extração e derivação nas Bacias PCJ. .............................. 14 Quadro 4. Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para consumo nas Bacias PCJ. ................................................................. 15 Quadro 5. Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para diluição, transporte e assimilação de efluentes nas Bacias PCJ. ...... 16 Quadro 6. Bacias Interestaduais com cobrança implementada, e situação quanto à existência de cobrança para usos do setor rural. ...................................................... 20 Quadro 7. Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. .................. 23 Quadro 8. Equações de cálculo da cobrança de domínio da União nos CBHs do Rio Paranaíba, Rio Verde Grande e Rio Grande. ............................................................ 30 Quadro 9. Parâmetros propostos, descrição e cálculo. ............................................ 95 LISTA DE TABELAS Tabela 1. PPUs vigentes em 2023 e em 2024 da cobrança pelo uso da água em domínio da União nas Bacias PCJ. ........................................................................... 28 Tabela 2. Valores de Kt, considerando as diferentes tecnologias de sistemas de irrigação..................................................................................................................... 35 Tabela 3. PUBs vigentes da cobrança pelo uso da água em domínio do Estado de são Paulo nas Bacias PCJ. .............................................................................................. 36 Tabela 4. Valores de Ksistema, na cobrança da Bacia do Rio São Francisco. ............. 24 Tabela 5. Valores para Kmanejo solo, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. ..... 25 Tabela 6. Valores para Kmanejo irrigação, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. 25 Tabela 7. Valores para Krural, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. ............. 25 Tabela 8. Valores para Kcons irrig, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. ........ 26 Tabela 9. Valores de Kconsumo, na cobrança da Bacia do Rio Paraíba do Sul. .......... 27 Tabela 10. Valores de KAgropec, na cobrança da Bacia do Rio Paraíba do Sul. ......... 28 Tabela 11. Recursos financeiros investidos nas Bacias PCJ, desde 1994, por PDC e fonte de recurso. ....................................................................................................... 55 Tabela 12. Quantidade e tamanho dos imóveis rurais nas Bacias PCJ e na sub-bacia do Rio Corumbataí. ................................................................................................... 71 Tabela 13. Tipos, finalidades e volume total dos usos consuntivos na sub-bacia do Rio Corumbataí. ............................................................................................................... 73 Tabela 14. Quantitativos de outorgas e dispensas de outorga nas Bacias PCJ e na sub-bacia do Rio Corumbataí. ................................................................................... 74 Tabela 15. Tipos de uso e finalidades na sub-bacia do Rio Corumbataí. ................. 75 Tabela 16. Distribuição do número de propriedades e área das propriedades entre os municípios da sub-bacia do Rio Corumbataí, e valores de 1 Módulo Fiscal em cada município. .................................................................................................................. 77 Tabela 17. Porte das propriedades rurais selecionadas para o estudo. ................... 77 Tabela 18. Informações das propriedades selecionadas. ......................................... 78 Tabela 19 . Tipos, finalidades e volume total dos usos outorgados nas 42 propriedades selecionadas. ............................................................................................................ 79 Tabela 20. Volumes outorgados, por tipo de uso, nas propriedades rurais selecionadas. ............................................................................................................ 79 Tabela 21. Biomas existentes nas Bacias PCJ e na sub-bacia do Rio Corumbataí. 81 Tabela 22. Remanescentes florestais nas Bacias PCJ. ............................................ 82 Tabela 23. Remanescentes florestais na Sub-bacia do Rio Corumbataí. ................. 83 Tabela 24. Remanescentes florestais nas propriedades selecionadas. ................... 83 Tabela 25. Distribuição da área e porcentagem dos fragmentos de remanescentes florestais, por propriedade. ........................................................................................ 84 Tabela 26. Valores das áreas totais de APP, composição e APP a recompor. ........ 87 Tabela 27. Informações sobre RL existente, a recompor e vegetação nativa a recompor nas APPs e RL nas propriedades selecionadas. ...................................... 90 Tabela 28. Situação das propriedades quanto aos parâmetros analisados. ............. 95 Tabela 29. Valores cobrados no Cenário de Referência. ....................................... 104 Tabela 30. Cenários de cobrança obtidos para o parâmetro APPR com os Modelos M1, M2 e M3. .......................................................................................................... 107 Tabela 31. Cenários de cobrança obtidos para o parâmetro APPRL com os Modelos M1, M2 e M3. .......................................................................................................... 112 Tabela 32. Cenários de cobrança obtidos para o parâmetro VN com os Modelos M1, M2 e M3. ................................................................................................................. 117 Tabela 33. Cenários de cobrança obtidos para o parâmetro RF com os Modelos M1, M2 e M3. ................................................................................................................. 123 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AC – Área de Contribuição Agência das Bacias PCJ – Fundação Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico APA – Área de Proteção Ambiental APP – Área de Preservação Permanente AUP – Aglomeração Urbana de Piracicaba Bacias PCJ – Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí CAR – Cadastro Ambiental Rural CBH – Comitê de Bacias Hidrográficas CNARH - Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos Comitês PCJ – Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí Consórcio PCJ – Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí CRH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo PDRF – Plano Diretor de Recomposição Florestal PERH – Política Estadual de Recursos Hídricos PIB – Produto Interno Bruto PIP – Projeto Integral de Propriedade PMMA – Plano Municipal de Mata Atlântica e Cerrado PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos PPU – Preço Público Unitário PSA – Pagamento por Serviços Ambientais PUB – Preço Unitário Básico PUF – Preço Unitário Final RAP-PCJ – Rede de Áreas Protegidas das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí RL – Reserva Legal RMC – Região Metropolitana de Campinas RMSP – Região Metropolitana de São Paulo SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SMA – Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo UFESP - Unidade Fiscal do Estado de São Paulo UGRHI – Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14 2 OBJETIVOS ................................................................................................. 19 2.1 OBJETIVO GERAL ....................................................................................... 19 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................ 19 3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................ 21 4.1 VALORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS ................................................. 21 4.2 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS .............................. 24 4.3 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ 26 4.3.1 Cobrança de domínio da União nas Bacias PCJ ..................................... 27 4.3.2 Cobrança de domínio do Estado de São Paulo nas Bacias PCJ ............ 35 4.3.3 Deliberação CRH nº 101, de 09/09/2009, uma proposta de metodologia de cobrança para o setor rural no Estado de São Paulo .............................. 17 4.4 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO SETOR RURAL . ...................................................................................................................... 18 4.5 METODOLOGIAS DE COBRANÇA ............................................................. 19 4.5.1 Bacias Hidrográficas Interestaduais ......................................................... 19 4.5.1.1 Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ..................................................... 22 4.5.1.2 Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul .................................................... 26 4.5.1.3 Bacia Hidrográfica do Rio Doce .................................................................... 28 4.5.1.4 Bacias Hidrográficas do Rio Paranaíba, Rio Verde Grande e Rio Grande ....... ................................................................................................................ 29 4.5.2 Bacias Hidrográficas Estaduais ................................................................ 31 4.6 LEI Nº 12.651, DE 25 DE MAIO DE 2012, O “NOVO CÓDIGO FLORESTAL” . ...................................................................................................................... 33 4.7 CADASTRO AMBIENTAL RURAL - CAR ..................................................... 37 4.8 PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL – PRA ........................... 38 4.9 SERVIÇOS AMBIENTAIS E ECOSSISTÊMICOS ........................................ 39 4.10 SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA ................................................... 40 4.11 PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS ............................................ 42 4.11.1 Programa Produtor de Água ...................................................................... 42 4.12 Resolução SMA nº 32 de 03/04/2014 ......................................................... 44 4.13 PLANO DIRETOR PARA RECOMPOSIÇÃO FLORESTAL VISANDO À CONSERVAÇÃO DE ÁGUA NAS BACIAS PCJ........................................... 45 4.14 POLÍTICA DE MANANCIAIS DAS BACIAS PCJ (DELIBERAÇÃO Nº 238/2015 DE 23/10/2015) ............................................................................................ 49 4.14.1 Investimentos em Proteção dos Mananciais das Bacias PCJ pelos Comitês PCJ ............................................................................................... 52 4.15 CUSTOS DA ADEQUAÇÃO AMBIENTAL .................................................... 57 5 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................. 59 5.1 FONTES DE DADOS .............................................................................................. 59 5.2 ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................. 60 5.2.1 Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ............... 60 5.2.2 Sub-bacia Hidrográfica do Rio Corumbataí ............................................... 62 5.3 DETERMINAÇÃO DE PARÂMETROS E MODELOS MATEMÁTICOS PARA A DEFINIÇÃO DE COEFICIENTES E RESPECTIVOS PESOS ..................... 65 5.4 ELABORAÇÃO DE CENÁRIOS DE SIMULAÇÃO DE COBRANÇA .............. 69 6 RESULTADOS ............................................................................................. 71 6.1 SINTETIZAÇÃO DE DADOS ........................................................................ 71 6.1.1 Propriedades rurais .................................................................................... 71 6.1.2 Usos de recursos Hídricos ........................................................................ 72 6.1.3 Propriedades selecionadas para o estudo ............................................... 76 6.1.4 Remanescentes florestais ......................................................................... 81 6.1.5 Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) .............. 85 6.2. PARÂMETROS PROPOSTOS ..................................................................... 93 6.3 COEFICIENTES E MODELOS PROPOSTOS ............................................. 96 6.4 SIMULAÇÃO DE CENÁRIOS ..................................................................... 103 7 DISCUSSÃO .............................................................................................. 127 8 CONCLUSÕES .......................................................................................... 131 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 132 14 1 INTRODUÇÃO A água é um elemento essencial para a sobrevivência da humanidade e para a manutenção da vida no planeta Terra. Apesar da abundância na superfície terrestre, não está distribuída de forma equitativa: estima-se que 97,5% da água existente no mundo encontra-se nos mares, não sendo apropriada para uso humano direto ou agricultura. Dos 2,5% de água doce, a maior parte está concentrada nas geleiras calotas polares, e somente 0,3% constituem-se em água doce dos rios e lagos efetivamente disponíveis para uso (Tundisi, 2003; Augusto et al., 2012). Somado a isto, o crescimento demográfico, o desenvolvimento econômico acelerado visto nas últimas décadas e a alteração dos padrões de consumo, são os principais responsáveis pelo aumento da exploração antrópica sobre os recursos hídricos. As Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacias PCJ) possuem extrema importância para o abastecimento de água de uma vasta região, incluindo a Região Metropolitana de Campinas e parte da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Além disso, a região das Bacias PCJ sustenta importantes atividades econômicas, incluindo agricultura, pecuária, indústrias e serviços, que dependem da disponibilidade de água, em quantidade e qualidade adequadas, para sua continuidade. As Bacias PCJ também abrigam áreas de significativa biodiversidade, fundamentais para a proteção dos recursos hídricos e a manutenção dos ecossistemas. Nos últimos anos, os períodos de estiagem mais prolongadas, combinados ao aumento demográfico, ocupações desordenadas e uma gestão adaptando-se ao enfrentamento das mudanças climáticas, acarretaram episódios de crise no abastecimento hídrico. Dentre os eventos mais notáveis, está a crise hídrica observada em 2014-2015 no Estado de São Paulo, que causou impactos diretos à população, com vazões abaixo da média que inviabilizaram a manutenção dos níveis normais dos reservatórios. Consequentemente, a crise afetou a disponibilidade de água para usos múltiplos, ocasionando em cortes no abastecimento público, impactou serviços ecossistêmicos e setores econômicos relacionados, comprometeu da geração de energia elétrica, gerou prejuízos econômicos na agricultura e na produção industrial, 15 afetou o uso recreativo e turístico dos corpos hídricos, a navegabilidade e a produção industrial (Soriano et al., 2016; Ambrizzi; Coelho, 2018 Victor et al., 2018). Nas Bacias PCJ, a crise hídrica também gerou conflitos de uso, levando ao racionamento do abastecimento de água em diversos municípios nas Bacias PCJ e à redução da vazão captada para o Sistema Cantareira para abastecimento da RMSP (Bueno; Pera, 2014; Silva; Samora, 2019). A Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, reconhecida como Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH (Brasil, 1997) representa um importante avanço na gestão de recursos hídricos no Brasil e instituiu importantes conceitos, como a implementação de um modelo técnico e sistêmico de integração participativa e gestão compartilhada e descentralizada, a adoção a bacia hidrográfica como unidade de gestão e a utilização de instrumentos econômicos. A cobrança pelo uso de recursos hídricos é um instrumento de gestão que possui, entre outros objetivos, promover a racionalização do uso da água e gerar recursos financeiros para a aplicação em ações de melhoria da própria bacia onde os recursos foram arrecadados (Porto; Porto, 2008). A PNRH descreve em seu Art. 1º, inciso V que a bacia hidrográfica é a unidade territorial de gestão dos recursos hídricos, sendo pertinente que a cobrança seja aplicada de forma equitativa em todos os setores usuários, considerando as demandas e particularidades (Brasil, 1997). Nas Bacias PCJ, a cobrança foi implementada em 2006 sob domínio da União, e a partir de 2007 no domínio do Estado de São Paulo, esta última por meio da Lei nº 12.183, de 29 de dezembro de 2005 (São Paulo, 2005), regulamentada pelo Decreto nº 50.667, de 30 de março de 2006 (São Paulo, 2006), ambos ainda em vigor. As disposições transitórias da Lei nº 12.183/2005 previam que os usuários urbanos e industriais estariam sujeitos à cobrança a partir de janeiro de 2006, enquanto os demais usuários, incluindo os rurais, estariam sujeitos à cobrança a partir de janeiro de 2010. Uma minuta de Decreto foi aprovada em 2009, pela Deliberação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH nº 101/2009, de 09 de setembro de 2009 (São Paulo, 2009), com previsão para implementação no ano seguinte (Silva et al., 2009). Sua efetiva implementação, no entanto, dependeria de aprovação pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio de Decreto, o que não ocorreu desde então. A proposta, contudo, contemplava apenas um coeficiente de abatimento, que considera o tipo de tecnologia empregada na irrigação, e atribuía aos Comitês de Bacia 16 Hidrográfica a responsabilidade de definir os valores desse coeficiente, sem especificar a metodologia a ser adotada para essa definição. E com isso, os usos rurais seguem sem cobrança implementada em cursos d'água sob jurisdição do Estado de São Paulo, nas Bacias PCJ até a atualidade. O setor rural é um setor representativo quanto ao uso de recursos hídricos nas Bacias PCJ. No entanto, a introdução da cobrança no setor ainda enfrenta como desafio os conflitos de interesse entre os diversos setores envolvidos, representados nos Comitês PCJ (Silva et al., 2007). Por outro lado, uma parte significativa das áreas que precisam ser conservadas ou restauradas, especialmente aquelas prioritárias para o abastecimento público, encontram-se nas áreas particulares de imóveis rurais. No entanto, um desafio para o desenvolvimento de projetos de restauração florestal destinados à proteção dos mananciais de abastecimento é garantir o envolvimento efetivo desses proprietários na preservação da vegetação que protege os corpos hídricos, além dos custos associados à restauração de áreas já degradadas (Padovezi et al., 2012). Neste sentido, o proprietário rural é a figura essencial no processo de adequação ambiental em escala local, uma vez que majoritariamente, os passivos ambientais encontram-se nas propriedades rurais. Cabe ressaltar que apenas o modelo de instrumentos de comando e controle podem ser repressivos, e se apresentam insuficientes para efetividade e garantia da adequada proteção ambiental e gestão de recursos hídricos de forma sustentável (Ferreira, 2014). O uso apropriado da terra e a observância da legislação ambiental na manutenção e preservação da vegetação nativa é essencial para a proteção dos mananciais, e consequentemente para a melhoria da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos (Figueiredo et al., 2005). Neste sentido, torna-se fundamental o papel do produtor rural que adota práticas conservacionistas que possam garantir o suprimento hídrico em regiões onde estão localizados os mananciais de abastecimento. As aplicações de dispositivos de incentivo com a redução do preço final a ser pago pela cobrança é previsto em legislação. Em algumas bacias hidrográficas onde a cobrança encontra-se instituída, são observados diversos tipos de coeficientes, que se aplicam à necessidade de cada região, de acordo com a bacia hidrográfica em questão. Como exemplos, podem se citados coeficientes ponderadores que variam seu peso de acordo com a classe de enquadramento do corpo hídrico onde é realizado 17 o uso, com a porcentagem de remoção de carga orgânica dos lançamentos de efluentes, de acordo com a tecnologia de irrigação empregada, entre outros. O principal fator de entrave à implementação da cobrança para o setor rural nas Bacias PCJ é o receio por parte dos produtores com relação ao aumento dos custos de produção, que poderão inviabilizar as atividades produtivas, principalmente para pequenos produtores, tornando suas atividades pouco rentáveis e competitivas no mercado (Mota, 2004). Vale destacar que a legislação acerca da cobrança, tanto em domínio da União quanto em domínio do Estado de São Paulo, prevê a isenção da cobrança para volumes considerados insignificantes, bem como para pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural, quando independer de outorga de direito de uso. Com isso, a cobrança se aplicaria apenas aos volumes superiores dos considerados insignificantes. Embora a adequação ambiental possa envolver custos iniciais aos produtores rurais, os benefícios a longo prazo, tanto econômicos quanto ambientais, tendem a compensar os investimentos. Além disso, políticas públicas e programas de incentivo, como o Pagamento por Serviços Ambientais, podem ajudar a reduzir os custos para os produtores e apoiar a transição para práticas mais sustentáveis (Pagiola et al., 2013; Nogueira Junior et al., 2022). Em suma, a longo prazo, a adequação ambiental pode ser vista como um investimento que traz retorno tanto para o produtor quanto para o meio ambiente. De acordo com Padovezi et al. (2012), parte significativa das áreas ciliares a serem restauradas se encontra em posse de proprietários rurais particulares, áreas onde também se localizam mananciais para abastecimento público, e estão sujeitas a pressões por alterações no uso do solo. Contudo, a ausência de engajamento destes é um dos principais fatores limitantes para o desenvolvimento de projetos de restauração florestal em larga escala. Também deve ser considerado o fato de que muitos produtores rurais já realizam boas práticas de uso da água em suas propriedades, voluntariamente ou por estarem sujeitos às exigências legais acerca da adequação ambiental das propriedades rurais. Neste sentido, a implementação da cobrança poderá promover a racionalização do uso dos recursos hídricos por este setor. Adicionalmente, a incorporação de incentivos à adequação ambiental e à recomposição de vegetação aos mecanismos de cálculo poderá representar uma inovação para a gestão dos recursos hídricos, pois 18 poderá estimular a adoção de práticas sustentáveis em propriedades rurais, contribuindo para a conservação dos recursos hídricos e a proteção do meio ambiente e o alinhamento com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 6 (Água Potável e Saneamento), 14 (Vida na Água) e 15 (Vida Terrestre). Com base no exposto, é pertinente considerar a adoção de um mecanismo diferenciado, e até mesmo compensatório, de cobrança para usos rurais, com o intuito de promover a gestão equitativa e uso racional da água, ao mesmo tempo em que se estimula que um maior número de propriedades seja adequado ambientalmente, beneficiando proprietários que já executem práticas ambientais. Além disso, um mecanismo diferenciado de outros setores, que reconheça as particularidades do setor agrícola e os esforços de proprietários que executam boas práticas pode ser um fator favorável para superar a resistência do setor rural à implementação da cobrança pelo uso da água. 19 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL O estudo tem por objetivo geral propor coeficientes ponderadores aplicáveis à metodologia de cálculo da cobrança pelo uso de recursos hídricos para o setor rural, visando o incentivo a ações que promovam a adequação ambiental e a conservação de remanescentes florestais. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Obter os dados de outorga, Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP) e o georreferenciamento de propriedades rurais da sub- bacia do Corumbataí; - Elencar propostas de parâmetros diferenciados a serem incorporados à cobrança pelo uso de recursos hídricos aplicáveis aos usuários do setor rural, com base na adequação ambiental de propriedades rurais e na conservação de renascentes florestais; - Utilizar modelos matemáticos para o cálculo de coeficientes ponderadores baseados no nível de adequação de APP, RL e remanescentes de vegetação existentes nas propriedades rurais; - Propor coeficientes ponderadores a serem incluídos na metodologia atual da cobrança, atribuindo pesos de acordo com o nível de preservação e de adequação ambiental, visando incentivar proprietários rurais a aderirem à adequação ambiental e promoverem conservação dos remanescentes florestais em suas propriedades; - Realizar simulações de cenários, considerando o cálculo da cobrança com os parâmetros e coeficientes propostos, demonstrando os impactos nos valores de cobrança, em comparação à metodologia atual de cálculo; Cabe ressaltar que o presente estudo não possui como objetivo propor uma “metodologia ideal”, mas apresentar cenários de cobrança pelo uso dos recursos hídricos, baseados nos parâmetros e modelos de coeficientes ponderadores propostos, que possam ser considerados em uma metodologia de cobrança que 20 venha a ser implementada pelos Comitês PCJ para o setor rural, de acordo com o comportamento que se desejar incentivar. 21 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 VALORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS A manutenção de processos produtivos em geral depende, em maior ou menor grau, dos recursos naturais. À medida que aumentam as demandas, motivadas pelo crescimento do consumo de bens e serviços, da industrialização, da urbanização, bem como da demografia e a expectativa de vida, intensifica-se a utilização e degradação dos recursos ambientais. Surgem então, entre os sujeitos interessados, os conflitos em torno do uso dos recursos, que por sua vez vão se tornando cada vez mais escassos (Hartmann, 2010). A degradação ambiental gera custos que, quando não compensados pelos geradores, se tornam externalidades para o sistema econômico com um todo. A existência de tais externalidades requer intervenções governamentais, que podem fazer uso de instrumentos distintos como a determinação dos direitos de propriedade, o uso de normas ou padrões, instrumentos econômicos, as compensações monetárias por danos, dentre outros dispositivos (Seroa da Motta, 1997). A valoração ambiental é um conjunto de métodos e técnicas utilizadas para atribuir valor econômico a recursos e serviços ambientais, às mudanças ocorridas neles e aos efeitos que tais alterações no bem-estar humano, com objetivo de prevenir a degradação dos recursos ambientais antes que ela ultrapasse o limite da irreversibilidade (Nogueira Júnior et al, 2022). Tais valores podem ser diretos ou indiretos, monetários ou não monetários, e são essenciais para a tomada de decisões em políticas ambientais, gestão de recursos naturais e conservação. A valoração ambiental busca quantificar os benefícios proporcionados pelos ecossistemas, como água limpa, ar puro, polinização, regulação climática, entre outros, e os custos associados à sua degradação ou perda (Pearce, 1993; Romeiro et al., 1997). De acordo com Garcia e Romeiro (2013), o sistema de preços somente existe para os bens e serviços produzidos pelo sistema econômico, e não se aplica aos bens e serviços ecossistêmicos, que por sua vez são considerados bens públicos, ou seja, são caracterizados pela não exclusividade e não rivalidade, e por isso não existem mercados, para a sua maioria. Além disso, o usuário, na maioria dos casos, não reconhece os serviços ecossistêmicos como “produtos” passíveis de “precificação”; 22 consequentemente, não estaria disponível a pagar pelo seu “consumo” (Garcia; Romeiro, 2013). Ao atribuir um valor econômico aos recursos ambientais, é possível incluir esses valores em análises econômicas e decisões de mercado, permitindo uma gestão mais sustentável e equilibrada. Conforme aborda Pearce (1993), métodos de valoração ambiental incluem a estimativa de preços através de funções de produção, a criação de mercados hipotéticos para determinar a disposição a pagar da população, e a análise de custos evitados ou substituídos. Essas abordagens ajudam a demonstrar a importância dos recursos ambientais e a justificar investimentos em conservação e recuperação. De acordo com a abordagem discutida em Romeiro e Maia (2011), para a economia ambiental, valorar o meio ambiente envolve principalmente a atribuição de um valor monetário aos recursos ambientais. Estes recursos possuem um valor econômico que decorre da utilidade que oferecem (valor de uso). No entanto, para os recursos ambientais que não apresentam um valor de uso aparente, mas pelos quais os agentes econômicos ainda estão dispostos a pagar, considera-se que eles possuem um “valor de existência”. A Figura 1 sintetiza a visão da economia ambiental sobre as fontes de valor do meio ambiente: Figura 1 - Classificação das fontes de valor do meio ambiente. 23 Fonte: Romeiro e Maia (2011). Conforme observado por Martins e Venâncio (2003), a valoração dos recursos hídricos consiste na atribuição de um valor monetário à água, que se reflete através de impostos, taxas ou preços públicos cobrados tanto pelo uso quanto pela contaminação desse recurso. A cobrança pelo uso de recursos hídricos é considerada uma forma de valoração econômica direta, pois atribui um valor monetário explícito ao uso da água, bem como está relacionado à disposição a pagar dos usuários, incentivando o uso eficiente e sustentável, e promover a conservação dos recursos hídricos ao refletir os custos de sua extração e tratamento. A preservação dos recursos naturais, embora desejável do ponto de vista ambiental, acarreta um custo social e econômico que deve ser distribuído entre os diversos agentes que usufruem dos benefícios. Toda conservação gera um custo de oportunidade das atividades econômicas que poderiam estar sendo desenvolvidas na área de proteção, representando, portando, as perdas econômicas em virtude das restrições de uso dos recursos ambientais (Romeiro; Maia, 2011; Garcia; Romeiro, 2013). A conservação dos recursos naturais nas propriedades rurais está diretamente relacionada a este conceito. 24 Neste sentido, a valoração dos recursos naturais é uma ferramenta crucial para promover a gestão sustentável dos recursos e informar a formulação de políticas ambientais. Apesar dos desafios, a aplicação de métodos de valoração pode trazer importantes benefícios econômicos, sociais e ambientais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a preservação dos ecossistemas para as gerações futuras. 3.2 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS Conforme definem Porto e Porto (2008), a cobrança pelo uso dos recursos hídricos consiste em um instrumento de gestão de recursos hídricos, bem como um instrumento de incentivo econômico, o qual visa orientar para a valorização de bens e serviços ambientais, de acordo com sua oferta e escassez. Os principais objetivos da cobrança na Política Estadual de Recursos Hídricos, conforme a legislação do Estado de São Paulo, estão alinhados com os objetivos da PNRH: reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água e; obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos Planos de Recursos Hídricos. No Estado de São Paulo, a Lei nº 12.183/2005, dispõe sobre a cobrança pela utilização dos recursos hídricos de domínio do Estado de São Paulo, e é regulamentada pelo Decreto nº 50.667/2006. De acordo com o que justificam Santin e Goellner (2013), a cobrança não é um imposto, mas sim um preço condominial fixado a partir de um pacto entre os usuários de água e os Comitês de Bacia Hidrográfica - CBH, e seu produto arrecadado possui destinação definida no Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica de origem. Conforme destaca Granziera (2011), a cobrança caracteriza-se juridicamente como preço público, já que sua fonte de exploração se trata de um bem de domínio público, e possui natureza negocial, cabendo ao detentor do domínio estabelecer o respectivo valor. A cobrança também está pautada por princípios ambientais e econômicos, conhecidos como princípio do poluidor-pagador e o princípio do usuário- pagador. Milaré (2007) afirma que a cobrança deve ser considerada um instrumento de gestão das águas mais do que uma fonte arrecadatória de recursos, até porque, muitas vezes o produto da arrecadação da cobrança será insuficiente para o 25 financiamento de todos os programas previstos nos planos de recursos hídricos, mas ainda assim, ela deverá incentivar o uso racional da água, induzindo a economicidade na captação e a purificação no lançamento. Considerando o aspecto econômico, o objetivo da cobrança deve ser o de determinar um preço que induza o uso eficiente da água, o que ocorreria de fato quando o preço cobrado ao usuário para lançar um m³ de efluente bruto em um rio, por exemplo, fosse igual ao seu custo para tratar este mesmo m³ de efluente (Reis; Lanna, 2005). Segundo Porto e Porto (2008), a aplicação da cobrança como instrumento econômico deve ser amplamente discutida e compartilhada dentro do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), de modo que seja vista como um incentivo e não apenas como um meio de arrecadação ou imposição de penalidades. Quanto ao ordenamento territorial, a cobrança pode ser entendida e aplicada como instrumento de política pública, principalmente quando levado em consideração o caráter estruturante da atividade econômica da água, fortemente impulsionador de desenvolvimento, e ao mesmo tempo assegurador de qualidade de vida das comunidades de uma bacia hidrográfica (Brasil, 2006). Os mecanismos da cobrança atualmente vigentes para o cálculo do valor a ser pago pelo usuário são compostos por bases de cálculo, preços unitários e coeficientes ponderadores/multiplicadores, que são representados por uma equação e são propostos pelos CBHs (Carvalho et al., 2011). As bases de cálculo são o componente da estrutura dos mecanismos de cobrança, quantificam o uso da água. Para efeito, são considerados como usos da água passíveis de cobrança os volumes de captação e de consumo de águas superficiais e subterrâneas e a carga orgânica poluidora na diluição de efluentes (Magalhães Filho et al., 2015). Estes usos da água podem ser caracterizados de forma direta ou indireta, sendo que de forma direta, o parâmetro utilizado é a vazão (medida em m³), e na forma indireta, podem-se utilizar parâmetros como a carga poluente lançada (DBO5,20), a área irrigada (ha ou km²) ou a energia produzida (MW ou KW). A legislação prevê que os coeficientes ponderadores aplicados no cálculo sigam alguns critérios, como por exemplo, as características e o ponto de utilização, a época da retirada, a disponibilidade hídrica do local, as condições socioeconômicas do usuário, entre outros, que possam impactar no valor final da cobrança. Tais 26 coeficientes, de acordo com Magalhães Filho et al. (2015), devem considerar características de diferenciação para atribuição de pesos para esses coeficientes, como o tipo de usuário, a finalidade do uso, e até características do local e temporal, ou seja, vulnerabilidade do manancial (áreas de recarga de aquíferos, zonas de crescimento urbano e industrial), períodos de escassez e sazonalidade. De acordo com Goulart Júnior et al. (2010), podem ser utilizados critérios específicos para a definição do valor da cobrança considerando a localização da utilização do recurso hídrico, classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo d'água, a disponibilidade hídrica local, o grau de regularização assegurado por obras hidráulicas, a vazão captada em seu regime de variação e o consumo efetivo. 3.3 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ Os Comitês PCJ foram o segundo CBH a implementar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos em rios de domínio da União, em 2006. A instauração da cobrança nos Comitês PCJ foi um dos principais temas debatidos, e sua implementação foi precedida de um projeto piloto iniciado pelo Consórcio PCJ, criado a partir da articulação de alguns municípios, o que destaca o pioneirismo das Bacias PCJ (Demajorovic et al., 2015). A Agência das Bacias PCJ é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos e com estrutura administrativa e financeira próprias. A entidade possui atribuição de prestar apoio na execução das políticas planejadas pelos Comitês PCJ, sendo responsável por gerenciar os recursos financeiros arrecadados com a cobrança, de forma que os projetos deliberados pelos Comitês PCJ sejam executados (Santi et al., 2019). Ressalta-se que a Cobrança está implementada há mais de 15 anos nas Bacias PCJ, portanto, é pertinente a avaliação sobre o cumprimento de seus objetivos, mecanismos eventualmente obsoletos e a identificação de lacunas ainda não preenchidas pela legislação, visando ao fortalecimento e maior eficiência do instrumento. Neste sentido, a ausência de uma cobrança para os usos com finalidade rural em domínio Estadual Paulista nas Bacias PCJ é uma lacuna que ainda necessita ser trabalhada. 27 Nas Bacias PCJ, particularmente, há a existência de águas de domínio da União e dos Estados. Tal característica implica em uma sistemática complexa na gestão e na operacionalização da cobrança, devido às peculiaridades jurídico- institucionais relativas aos recursos hídricos no Brasil em cada Estado da Federação (Silva et al., 2009). Uma das dificuldades consiste na gestão e operacionalização da cobrança, já que no caso do domínio Federal é realizada a operacionalização, cadastro de usos e emissão de boletos pela ANA, e no caso do domínio Estadual Paulista é realizado pela Agência das Bacias PCJ. Segundo a FABH-PCJ (2014), com o início do processo de instalação da cobrança, um número considerável de usuários passou a efetuar melhorias na eficiência dos usos, fazendo com que na implantação efetiva da cobrança Federal em 2006 e em domínio estadual em 2007, várias outorgas fossem atualizadas com a redução do volume captado, bem como muitos usuários optaram por implantar medidores de vazão, garantindo uma maior eficiência no uso. Quanto à metodologia de cálculo, os critérios, preços unitários e coeficientes também seguem regras distintas na Cobrança de domínio da União e na Cobrança de domínio Estadual, conforme será detalhado nos itens subsequentes. Com relação aos usos de finalidade rural, atualmente há cobrança apenas em rios de domínio da União, enquanto que em domínio Estadual ainda não há uma metodologia de cobrança aprovada, sendo cobrados apenas os usos de finalidade urbana, industrial e de abastecimento público. Tais incompatibilidades entre a operacionalização, regras e metodologias de cálculo da cobrança em domínio da União e do Estado podem acarretar ineficiência na gestão de recursos hídricos, já que os usuários podem optar em fazer uso em um determinado corpo hídrico para não sofrerem cobrança, gerando conflitos de demanda. Apesar de se tratar de domínios distintos, a bacia hidrográfica é única, e é a unidade territorial de gestão, em que os conflitos relacionados à disponibilidade e qualidade da água são os mesmos, independentemente do seu domínio, e por isso, não há sentido em distinguir os critérios de gestão dos recursos hídricos em virtude do seu domínio. 3.3.1 Cobrança de domínio da União nas Bacias PCJ 28 São definidos pelo art. 20 da Constituição Federal de 1988, inciso III, como Bens da União: “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. As Bacias PCJ possuem corpos hídricos que atravessam os Estados de São Paulo e de Minas Gerais e que, portanto, são de domínio da União. Os mecanismos de cobrança em domínio da União, nas Bacias PCJ foram estabelecidos, inicialmente, na Deliberação Comitês PCJ nº 25, de 21 de outubro de 2005, e sua implementação aprovada por meio da Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH nº 52, de 28 de novembro de 2005, posteriormente tendo sua ratificação e aprovação por meio da a Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ nº 78, de 05 de dezembro de 2007 e a Resolução CNRH nº 78, de 10 de dezembro de 2007, respectivamente. São cobrados os usos de captação, consumo, lançamento de efluentes e transposição de bacia de usuários sujeitos à Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos com captação de água superior a 5 m³/dia. Os Preços Públicos Unitários – PPU praticados foram atualizados em 2016, por meio da Deliberação Comitês PCJ nº 160, de 12 de dezembro de 2012, aprovados por meio da Resolução CNRH nº 155 de 09de julho de 2014. Após, a Resolução CNRH nº 192, de 19 de dezembro de 2017, estabeleceu procedimentos para atualização dos PPU a partir de índices econômicos. A partir de 2019, os PPU passaram a ser atualizados anualmente com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA do ano anterior, conforme estabelecido pela Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ nº 298, de 28 de junho de 2018, aprovada pela Resolução CNRH nº 204, de 16 de outubro 2018. Os PPU atuais, praticados em 2023 e em 2024 estão representados na Tabela 1. Tabela 1. PPUs vigentes em 2023 e em 2024 da cobrança pelo uso da água em domínio da União nas Bacias PCJ Tipos de Usos Unidade Valores dos PPUs Vigentes em 2023 Vigentes em 2024 Captação de água bruta R$/m³ 0,0171 0,0179 Consumo de água bruta R$/m³ 0,0344 0,0360 29 Tipos de Usos Unidade Valores dos PPUs Vigentes em 2023 Vigentes em 2024 Lançamento de efluentes (DBO5,20) R$/Kg 0,1718 0,1801 Transposição de bacia R$/m³ 0,0258 0,0270 Fonte: FABH-PCJ (2024). Nas Bacias PCJ, a cobrança pelo uso da água em domínio da União é realizada pela ANA. Os recursos arrecadados são integralmente repassados à Agência das Bacias PCJ, que é responsável por desembolsar os recursos nas ações previstas no Plano de Recursos Hídricos da bacia e conforme as diretrizes estabelecidas no plano de aplicação, ambos aprovados pelos Comitês PCJ. Quanto aos mecanismos vigentes de cálculo, a cobrança de domínio Federal nas Bacias PCJ segue ao estabelecido pela Deliberação dos Comitês PCJ nº 25/2005, e consideram como bases de cálculo:  Qcap: volume anual de água captado dos corpos hídricos;  Qtransp: volume anual de água captada e transposta para outras bacias;  Qlanç: volume anual lançado nos corpos hídricos;  Qcons: volume anual de água consumido do corpo hídrico (diferença entre o volume captado e o lançado); e  CODBO: carga orgânica lançada no corpo hídrico. O valor total que cada usuário de recursos hídricos deverá pagar referente à cobrança pelo uso da água será calculado de acordo com a seguinte equação básica geral: ValorTotal = (Valorcap + Valorcons + ValorCO + ValorPCH + ValorRural + Valortransp) x KGestão (1) Em que:  Valorcap: valor total anual da cobrança pela captação;  Valorcons: valor total anual da cobrança pelo consumo;  ValorCO: valor total anual da cobrança pela carga de DBO5,20 lançada;  ValorPCH: valor total anual da cobrança para geração de energia elétrica, por  meio de Pequenas Centrais Hidrelétricas;  ValorRural = valor total anual da cobrança pela captação e pelo consumo de água para os usuários do setor rural; 30  Valortransp =valor total da cobrança referente aos volumes de água que forem  captados e transpostos das Bacias PCJ para outras bacias;  KGestão = coeficiente que leva em conta o efetivo retorno às Bacias PCJ dos recursos arrecadados pela cobrança do uso da água nos rios de domínio da União para as Bacias PCJ, sendo considerado valor de KGestão igual a 1 (um). Cada parâmetro de cálculo da cobrança de domínio da União possui mecanismos específicos, que incluem equações e coeficientes ponderadores, conforme apresentado no Quadro 1. 31 Quadro 1 - Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da Cobrança de domínio Federal pelo uso dos recursos hídricos nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Fator cobrado Equação Definições e coeficientes Valorcap (quando não existir medição) = Qcap out x PPUcap x Kcap classe Qcap out = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo valores da outorga ou verificados pelo organismo outorgante; Kcap classe= coeficiente que leva em conta a classe de enquadramento do corpo d´água no qual se faz a captação, sendo: - 1,0 para corpo d’água de classe 1; - 0,9 para corpo d’água de classe 2; - 0,9 para corpo d’água de classe 3; - 0,7 para corpo d’água de classe 4. Valorcap (quando Qcap med/Qcap out for maior ou igual a 0,7) = (Kout x Qcap out + Kmed x Qcap med) x PPUcap x Kcap classe Qcap med = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo dados de medição; Kout = peso atribuído ao volume anual de captação outorgado (adotado 0,2); Kmed = peso atribuído ao volume anual de captação medido (adotado 0,8). Valorcap (quando Qcap med/Qcap out for menor que 0,7) = [Kout x Qcap out + Kmed x Qcap med + Kmed extra x (0,7x Qcap out - Qcap med)] x PPUcap x Kcap classe Kmed extra = peso atribuído à diferença entre 0,7 Qcap out e Qcap med (adotado 1). Valorcons = Qcons x PPUcons = (1 - Coeficiente de retorno) x Qcap 32 Fator cobrado Equação Definições e coeficientes ValorRural = (Valorcap + Valorcons) x Kt Kt = coeficiente que leva em conta as boas práticas de uso e conservação da água no imóvel rural onde se dá o uso de recursos hídricos. ValorCO = CODBO x PPUDBO x Klanç classe CODBO = carga anual de DBO5,20 efetivamente lançada, em kg/ano; Klanç classe = coeficiente que leva em conta a classe de enquadramento do corpo d'água receptor. CODBO = CDBO x Qlanç Fed CDBO = Concentração média anual de DBO5,20 lançada, em kg/m³; Qlanç Fed = Volume anual de água lançada, em m³/ano. ValorPCH = (0,2 x GHnominal + 0,8 x GHefetivo) x TAR x Kgeração GHnominal = energia gerada anual, em MWh, segundo capacidade nominal da PCH; GHefetivo = energia anual, efetivamente gerada, em MWh, pela PCH; TAR = valor da Tarifa Atualizada de Referência, em R$/MWh, relativa à compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos, fixada anualmente por Resolução da ANEEL; Kgeração = adotado igual a 1. 33 Fator cobrado Equação Definições e coeficientes Valortransp = (Kout x Qtransp out + Kmed x Qtransp med) x PUBtransp x Kcap classe Kout = peso atribuído ao volume anual de transposição outorgado Kmed = peso atribuído ao volume anual de transposição medido; Qtransp out = volume anual de água captado, em m³, em corpos d´água de domínio da União, para transposição para outras bacias, segundo valores da outorga; Qtransp med = volume anual de água captado, em m³, em corpos d´água de domínio da União, nas Bacias PCJ, para transposição para outras bacias, segundo dados de medição.  Adotadas mesmas regras para Qcap out e Qcap med Fonte: CBH PCJ (2005). 34 No caso dos mecanismos vigentes para cálculo da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, a Deliberação dos Comitês PCJ nº 25/2005 estabeleceu inicialmente o “KRetorno” para o cálculo do volume consumido dos usos com finalidade irrigação. Após atualização do mecanismo, por meio da Resolução ANA nº 124, de 16 de dezembro de 2019, o mecanismo passou a ser chamado “Coeficiente de Retorno”, e passou a ser aplicado a todas as finalidades de uso para o cálculo do consumo. Tal coeficiente considera a parcela do volume captado que retorna ao corpo hídrico, atribuído a cada ponto de interferência do tipo captação, o qual varia de 0 a 1. Os valores variam por finalidade de uso, conforme definido pela Resolução nº 124/2019, a saber: I - igual a 0,80 para as finalidades Consumo Humano e Mineração - Extração de Areia/Cascalho em Leito de Rio; II - igual a 0,00 para as finalidades Irrigação, Criação Animal e Mineração - Outros Processos Extrativos; III - para as finalidades Abastecimento Público, Indústria, Aquicultura em Tanque Escavado, Termoelétrica e Outras, sequencialmente: a) as informações registradas no CNARH – Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos; ou b) o coeficiente de retorno informado pelo usuário no REGLA - Sistema Federal de Regulação de Usos; ou c) coeficiente de retorno igual a 0,80 para a finalidade Abastecimento Público e igual a 0,00 para as finalidades Indústria, Aquicultura em Tanque Escavado, Termoelétrica e Outras. Outro coeficiente utilizado no cálculo da cobrança em domínio Federal, específico para o uso rural, trata-se do “KRural”, o qual leva em conta as boas práticas de uso e conservação da água no imóvel rural onde se dá o uso de recursos hídricos, e é estabelecido pela Deliberação do Comitês PCJ nº 25/2005. A mesma Deliberação estabeleceu o valor de KRural igual a 0,1 (um décimo), durante os dois primeiros anos da cobrança. Na revisão do mecanismo, por meio da Deliberação nº 78/2007, o coeficiente passou a ser denominado “Kt”, sendo que para os usuários de recursos 35 hídricos que não se enquadram dentre os irrigantes, o valor do Kt permaneceu igual a 0,1, ressalvada nova proposta dos Comitês PCJ. Para os usuários de irrigação, o Kt visa levar em conta a tecnologia do sistema de irrigação adotada, atribuindo pesos distintos a cada tecnologia, conforme a Tabela 2. Na ausência da informação do sistema de irrigação, é adotado o valor de Kt igual a 0,5 (cinco décimos). Tabela 2 - Valores de Kt, considerando as diferentes tecnologias de sistemas de irrigação. Sistema de irrigação Kt Gotejamento 0,05 Micro aspersão 0,10 Pivô central 0,15 Tubos perfurados 0,15 Aspersão convencional 0,25 Sulcos 0,40 Inundação 0,50 Fonte: Deliberação dos Comitês PCJ nº 78/2007. 3.3.2 Cobrança de domínio do Estado de São Paulo nas Bacias PCJ Definem-se como águas de domínio do Estado, pela Constituição Federal, art. 26, inciso I: “as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”. Em 2006, foi aprovada pelos Comitês PCJ a cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio do Estado de São Paulo, por meio da Deliberação Conjunta nº 48, de 28 de setembro de 2006 que entrou em vigor a partir de janeiro de 2007, com valores de cobrança equivalentes aos cobrados pelos usos nas águas de domínio da União (Eça; Fracalanza, 2010). A cobrança em domínio do Estado de São Paulo nas Bacias PCJ teve início nas Bacias PCJ em 2007 para os setores industrial e urbano, após a aprovação do Decreto nº 50.667/2006 que regulamentou os dispositivos da Lei nº 12.183/2005, bem como após a aprovação da fixação dos preços unitários, por meio do Decreto nº 51.449, de 29 de dezembro de 2006. Para os usos rurais, no entanto, a cobrança foi protelada para iniciar a partir de janeiro de 2010, sob a premissa da aprovação de decreto de regulamentação dos dispositivos da Lei n. 12.183/2005, e da aprovação 36 por meio de decreto estadual, de preços unitários propostos pelos Comitês PCJ (Silva, et al., 2007). Os Preços Unitários Básicos – PUBs de cada bacia Hidrográfica são propostos pelos CBH correspondentes e posteriormente referendados pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CRH. Os PUBs atualmente vigentes nas Bacias PCJ foram atualizados em 2016, conforme proposta dos Comitês PCJ por meio da Deliberação Comitês PCJ nº 160/2012. A Deliberação dos Comitês PCJ nº 211, de 26 de setembro de 2014, definiu que a aplicação dos novos PUBs, propostos pela Deliberação nº 160/2012 deveria ocorrer somente e imediatamente após a data de publicação de Decreto do Governador do Estado de são Paulo, conforme previsto pela Lei nº 12.183/2005. Desta forma, em 2015 foi publicado o Decreto Estadual nº 61.430/2015, de 17 de agosto de 2015, aprovando os referidos valores. A partir de então, os PUBs da cobrança Estadual não foram novamente atualizados, até o momento. Assim sendo, os preços atuais praticados são os mesmos, desde 2016, e estão representados na Tabela 3. Tabela 3 - PUBs vigentes da cobrança pelo uso da água em domínio do Estado de são Paulo nas Bacias PCJ Tipos de Usos Unidade Valores dos PUBs Captação, Extração e Derivação R$/m³ 0,0127 Consumo de água bruta R$/m³ 0,0255 Lançamento de carga orgânica (DBO5,20) R$/kg 0,1274 Fonte: FABH-PCJ (2024). Os mecanismos de cálculo da cobrança no Estado de São Paulo seguem as disposições da Lei nº 12.183/2005. O Decreto nº 50.667/2005 regulamenta dispositivos da referida Lei, e determina que os PUFs – Preços Unitários Finais a serem cobrados para cada base de cálculo – captação, consumo e lançamento de efluentes, serão obtidos por meio da multiplicação dos PUBs por Coeficientes Ponderadores. 37 Por fim, os PUFs são multiplicados pelo volume total anual de água bruta captado, pelo volume de água bruta consumido e pela carga orgânica total anual do efluente lançado. Dessa forma, tem-se que: ValorTotal = (VcapPUFcap + VconsPUFcons + CODBOPUFDBO) (2) Em que: - Vcap = volume total anual captado, derivado ou extraído, por uso, em corpos d’água; - Vcons = volume total anual consumido, por uso, decorrente de captação, derivação ou extração em corpos d’água; - CODBO = valor médio anual da carga orgânica, em Kg, presente no efluente final lançado, por lançamento em corpos d’água. Cada parâmetro de cálculo da cobrança de domínio do Estado de São Paulo possui mecanismos específicos, que incluem equações e coeficientes ponderadores, conforme apresentado no Quadro 2. 38 Quadro 2 - Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da Cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio Paulista nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí Fator cobrado Equação/Definições e coeficientes Vcap = (Kout x Qcap out + Kmed x Qcap med) x PUFcap Qcap out = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo valores da outorga ou verificados pelo organismo outorgante; Qcap med = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo dados de medição; Kout = peso atribuído ao volume anual de captação outorgado (adotado 0,2 quando existir edição e 1 quando não existir medição); Kmed = peso atribuído ao volume anual de captação medido (adotado 0,8 quando existir edição e 0 quando não existir medição). PUFCap = PUBCap x (X1 x X2 x X3 x X5 x X6 x X7 x X13) Vcons = Qcons x PUFcons PUFCons = PUBCons x (X1 x X2 x X3 x X5 x X6 x X7 x X13) Qcons = FC x Vcap FC = Fator de Consumo aplicado sobre o volume captado, derivado ou extraído FC = ((VCapT - VLançT) / VCapT) VCapT = volume de água anual captado, derivado ou extraído total, em m³, igual ao Vcap acrescido do demais volumes de água utilizados. VLançT = volume de água anual lançado total, acrescido dos demais volumes de água lançados pelo empreendimento. 39 COLanç = CODBO x PUFLanç CODBO = carga de DBO5,20 efetivamente lançada, em kg/ano. CODBO = DBO5,20 x VLanç DBO5,20 = concentração de DBO5,20, em mg/L. VLanç = volume de água lançado, em m³/ano PUFLanç = PUBLanç x (Y1 x Y3 x Y4) Fonte: CBH-PCJ. 14 A Lei nº 12.183/2005 estabelece um limite para o PUF a ser cobrado pela captação, derivação e extração, correspondente a 0,001078 UFESP – Unidade Fiscal do Estado de São Paulo. Além de propor os valores para os PUBs, os CBH devem propor pesos a serem atribuídos para cada coeficiente ponderador, de acordo com as características específicas de cada uso da água, bem como utilizando como critério a realidade e criticidade da bacia hidrográfica. A partir da multiplicação dos PUBs por esses diversos coeficientes, obtém-se o Preço Unitário Final – PUF. Os PUF, por sua vez, são multiplicados pelas bases de cálculo, a saber, o volume captado, volume consumido e a massa da carga orgânica lançada. Os Comitês PCJ, por meio de sua Deliberação Conjunta nº 48/2006 aprovaram a proposta para implementação da cobrança em domínio Paulista nas Bacias PCJ, bem como definiram as classificações, valores e condicionantes para os coeficientes ponderadores para captação, extração e derivação (Quadro 3), consumo ( Quadro 4) e diluição, transporte e assimilação de efluentes (Quadro 5). Quadro 3. Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para captação, extração e derivação nas Bacias PCJ Característica considerada CP Classificação Valor a) natureza do corpo d'água. X1 superficial 1 subterrâneo 1,15 b) classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo d'água no local do uso ou da derivação, conforme Decreto Estadual nº 10.755, de 22 de novembro de 1977. X2 classe 1 1 classe 2 0,9 classe 3 0,9 classe 4 0,7 c) disponibilidade hídrica local (Vazão Total de Demanda / Vazão de Referência). Vazão de Ref = Vazão Q7,10 + Vazão Potencial dos aquíferos (confinados e semi). Local= UGRHI 05 X3 muito crítica (acima de 0,8) 1 d) volume captado, extraído ou derivado e seu regime de variação. X5 sem medição 1 com medição Conforme art. 7o Deliberação nº 048/2006 e) Consumo efetivo ou volume consumido X6 1 f) finalidade do uso. X7 Sistema Público 1 Solução Alternativa 1 Indústria 1 15 Característica considerada CP Classificação Valor g) transposição de bacia X13 Existente 1 Não existente 1 Fonte: Deliberação dos Comitês PCJ nº 48/2006. O coeficiente ponderador X5, definido no inciso I do art. 12 do Decreto nº 50.667/2006, para captação varia em função dos volumes outorgados e medidos, de acordo comas as condicionantes e equações a seguir: I) quando V Cap Med V Cap Out ≥ 0,7: X5 =1 II) quando V Cap Med V Cap Out < 0,7: X5 = 1 + 0,7 x V Cap Out - V Cap Med 0,2 x V Cap Out + 0,8 x V Cap Med (3) Quadro 4. Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para consumo nas Bacias PCJ Característica considerada CP Classificação Valor a) natureza do corpo d'água. X1 superficial 1 subterrâneo 1 b) classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo d'água no local do uso ou da derivação – Decreto Estadual nº 10.755/1977. X2 classe 1 1 classe 2 1 classe 3 1 classe 4 1 c) disponibilidade hídrica local (Vazão Total de Demanda / Vazão de Referência). Vazão de Ref = Vazão Q7,10 + Vazão Potencial dos aquíferos (confinados e semi). Local = UGRHI 05 X3 muito crítica (acima de 0,8) 1 d) volume captado, extraído ou derivado e seu regime de variação. X5 sem medição 1 com medição 1 e) Consumo efetivo ou volume consumido X6 1 f) finalidade do uso. X7 Sistema Público 1 Solução Alternativa 1 Indústria 1 g) transposição de bacia. X13 Existente 0,25 Não existente 1 Fonte: Deliberação dos Comitês PCJ nº 48/2006. 16 Quadro 5 - Características, classificação e valores dos coeficientes ponderadores definidos para diluição, transporte e assimilação de efluentes nas Bacias PCJ Característica considerada CP Classificação Valor a) classe de uso preponderante do corpo receptor. Y1 classe 2 1 classe 3 1 classe 4 1 b) carga lançada e seu regime de variação; Padrão de Emissão (§ 2º artigo 12 do Decreto 50.667/2006). Obs. Remoção de carga orgânica. Y3 >95 % de remoção Conforme art. 8o >90 a ≤95 % de remoção >85 a ≤90% de remoção >80 a ≤85% de remoção = 80% de remoção c) natureza da atividade. Y4 Sistema Público 1 Solução Alternativa 1 Indústria 1 Fonte: Deliberação dos Comitês PCJ nº 48/2006. No caso do coeficiente Y3 para lançamento, o mesmo é calculado em função da percentagem de remoção (PR) de carga orgânica (DBO5,20) dos efluentes bruto e tratado (final), em cada ponto de lançamento, conforme segue: I) para PR = 80%: Y3 = 1; II) para 80% < PR < 95%: Y3 = 31 - 0,2 x PR 15 (4) III) para PR  95%: Y3 = 16 - 0,16 x PR (5) As legislações citadas atualmente vigentes que regulamentam os mecanismos de cálculo da cobrança de domínio Paulista nas Bacias PCJ não prevê mecanismos específicos para a cobrança dos usos com finalidade rural. Em 2008, foi discutida no âmbito da Câmara Técnica de Cobrança (na época subordinada à Secretaria de Meio Ambiente – SMA) uma minuta de Decreto para a regulamentação da cobrança pela utilização de recursos hídricos do domínio do Estado de São Paulo para usuários rurais. Sua redação foi concluída em agosto de 2009, conforme estipulado pela Lei 12.183/2005. A minuta foi aprovada em setembro de 2009, tanto pela Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos e Institucionais/SMA, 17 quanto em reunião Plenária do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, com previsão para implementação no ano seguinte (Silva et al., 2009). Para efetiva implementação, porém, a proposta deveria ter sido aprovada pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio de Decreto, o que não ocorreu desde então. 3.3.3 Deliberação CRH nº 101, de 09/09/2009, uma proposta de metodologia de cobrança para o setor rural no Estado de São Paulo A Deliberação nº 101/2009 aprova, conforme previsto pelas disposições transitórias da Lei nº 12.183/2005, uma minuta de Decreto, para regulamentação da cobrança pelos usos rurais em domínio do Estado de São Paulo, nas Bacias PCJ. A referida minuta traz como definição de usuários rurais “as pessoas físicas e jurídicas que utilizam recursos hídricos nas atividades agrícola, pecuária, aquicultura e produção florestal”, bem como estabeleceu como critérios de isenção, a utilização de água para uso domésticos de propriedades ou pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural quando independer de outorga pelo direito de uso, vazões ou acumulações de volume de água sejam consideradas insignificantes, conforme critérios dos CBHs, e também os micros e pequenos produtores rurais, conforme critérios determinados nos Planos de Bacias, observando-se a disponibilidade e as demandas de cada Bacia. Dentre as definições, a Deliberação nº 101/2009 também descreve as categorias de usuários rurais, a saber: “I – Agricultor: que desenvolva qualquer atividade agrícola desde o preparo do solo ea produção de mudas até a colheita e a embalagem da produção própria; II – Pecuarista: que desenvolva qualquer atividade de criação animal, intensiva ou extensiva, desde a infra-estrutura física e preparo do solo para formação de pastagem até o preparo e acondicionamento da sua produção; III – Aquicultor: que desenvolva quaisquer atividades de criação e de multiplicação de organismos aquáticos, incluindo o preparo e a embalagem da produção própria e/ou para consumo local. 18 IV – Produtor florestal: que desenvolva qualquer atividade desde o preparo do solo e a produção de mudas até a extração do sub-produto, ou do produto em si, e o preparo da produção própria para comercialização”. Contudo, com relação aos mecanismos de cálculo da cobrança, a Deliberação não estabelece mecanismos diferenciados de acordo com a categoria de usuário rural ou uma equação específica para o setor. A fórmula geral de cálculo, portanto, ainda seria a mesma utilizada para os demais setores usuários, a saber: ValorTotal = (VcapPUFcap + VconsPUFcons + CODBOPUFDBO) (6) Contudo, o único mecanismo específico para usos rurais, proposto pela Deliberação, trata-se de um coeficiente a ser multiplicado pelo volume de consumo, denominado Kc, que considera a eficiência tecnológica dos sistemas agropecuários utilizados na atividade rural. No entanto, ao contrário do que é verificado na metodologia da cobrança de domínio da União e de outras Bacias, não é fixado um peso a cada tipo de tecnologia, porém atribui aos respectivos CBHs a responsabilidade pela definição dos valores em função de suas peculiaridades e especificidades, conforme é estabelecido no Anexo I da referida Deliberação “O Valor de Kc será definido pelos respectivos CBHs em função de suas peculiaridades e especificidades, levando em consideração as técnicas agropecuárias utilizadas”. O coeficiente seria aplicado ao cálculo do volume consumido, da seguinte forma: Vcons = (Vcap - Vlanç) x Kc (7) Em que pese o fato que os CBHs são as entidades competentes para determinar os preços a serem cobrados e valores para os coeficientes ponderadores, dado a sua notável ciência sobre a realidade da respectiva bacia hidrográfica, a ausência de valores norteadores pode atravancar o processo de implementação da cobrança no setor rural em algumas bacias hidrográficas, principalmente por conta dos conflitos de interesse em torno do tema. 3.4 COBRANÇA PELO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO SETOR RURAL A implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos representa um desafio adicional no setor rural. De acordo com Prado et al. (2017), as informações sobre os usos rurais, incluindo irrigação e dessedentação de animais, em termos de 19 demanda e seus impactos na qualidade da água, são as mais fragmentadas e precárias nos sistemas de informação, tornando a implementação dos instrumentos de gestão, como outorga e cobrança, difícil e lenta. Com relação à outorga pelo direito de uso, os usos da água no meio rural são os menos regularizados. As ações previstas nos planos de recursos hídricos ainda são insuficientes para assegurar a proteção dos mananciais no meio rural. A implementação da cobrança pelo uso da água no setor enfrenta resistência, especialmente devido a preocupações de produtores com potenciais impactos econômicos e a disponibilidade de pagamento, além de existirem incertezas sobre os benefícios gerados pela aplicação dos recursos da cobrança (Prado et al., 2017). De forma geral, a resistência do setor rural à cobrança se dá por sua percepção da cobrança pelo uso da água como um custo adicional, que poderia inviabilizar a produção em virtude do aumento dos custos, que poderiam ser repassados aos consumidores (Ferreira; Oliveira-Filho, 2021). 3.5 METODOLOGIAS DE COBRANÇA Na sequência, serão destacadas metodologias de cobrança atualmente existentes em algumas bacias hidrográficas nas bacias interestaduais, destacando-se os mecanismos existentes para a cobrança no setor rural. 3.5.1 Bacias Hidrográficas Interestaduais Atualmente, a cobrança está implementada em seis Comitês de Bacias Interestaduais (Paraíba do Sul, PCJ, São Francisco, Rio Doce, Paranaíba e Verde Grande). Em todos, existe a cobrança por usos agropecuários e/ou rurais, considerando metodologias específicas. No Quadro 6, são apresentadas as Bacias Interestaduais com cobrança implementada, estados de abrangência, ano de implementação, legislação que estabelece a cobrança e seus mecanismos na Bacia e Resolução de aprovação expedida pelo CNRH. 20 Quadro 6 - Bacias Interestaduais com cobrança implementada, e situação quanto à existência de cobrança para usos do setor rural Bacia Hidrográfica Estados de abrangência Ano implementação Legislação que estabelece mecanismos Aprovação/Regulamentação Cobrança de usos rurais Paraíba do Sul São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais 2003 Deliberação CEIVAP nº 218/2014 Resolução CNRH nº162/2014 Sim PCJ São Paulo e Minas Gerais 2006 Deliberação Comitês PCJ nº 25/2005; Deliberação Comitês PCJ nº 78/2007; Deliberação Comitês PCJ nº 298/2018 Resolução CNRH nº 52/2005; Resolução CNRH nº 78/2007; Resolução CNRH nº 204/2018 Sim São Francisco Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe 2010 Deliberação CBHSF nº 94/2017 Resolução CNRH nº 199/2018 Sim Doce Espírito Santo e Minas Gerais 2011 Deliberação CBH-Doce nº 26/2011; Deliberação CBH- Doce nº 69/2018 Resolução CNRH nº 123/2011; Resolução CNRH nº203/2018 Sim Paranaíba Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal 2017 Deliberação CBH Paranaíba nº 61/2016; Deliberação CBH Paranaíba nº 115/2020 Resolução CNRH nº 220/2020 Sim Verde Grande Bahia e Minas Gerais 2017 Deliberação CBH Verde Grande nº 50/2015; Deliberação CBH Verde- Grande nº 96/2022 Resolução CNRH nº 171/2015; Resolução CNRH nº 235/2022 Sim 21 Bacia Hidrográfica Estados de abrangência Ano implementação Legislação que estabelece mecanismos Aprovação/Regulamentação Cobrança de usos rurais Grande São Paulo e Minas Gerais 2023 Deliberação CBH Grande nº 82/2023 Resolução CNRH nº 239/2023 Sim Fonte: ANA (2024), e legislações dos Comitês Bacias Hidrográficas interestaduais. 22 3.5.1.1 Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Uma das mais importantes bacias hidrográficas do Brasil, a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco abrange uma vasta área de aproximadamente 640 mil Km², que compreende seis estados brasileiros (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás), além do Distrito Federal. A bacia é uma das principais áreas de produção agrícola irrigada do país, com culturas como a cana-de-açúcar, frutas tropicais e outras culturas de alto valor econômico. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos foi instituída no Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF em 2010. Os mecanismos de cobrança, bem como os valores aplicados, foram consolidados na Deliberação CBHSF nº 94, de 25 de agosto de 2017, que foi posteriormente aprovada pela Resolução CNRH nº 199, de 28 de junho de 2018. Tal regulamentação estabelece a cobrança sobre o uso de captação, consumo e lançamento de efluentes para todos os usuários que possuem Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos e que realizam captações superiores a 4,0 l/s. Além disso, a cobrança referente à transposição do rio São Francisco está integrada no valor da captação da água, garantindo que os custos dessa operação sejam adequadamente incorporados. No CBHSF, os mecanismos são estabelecidos pela Deliberação CBHSF nº 94/2017. A cobrança pelos usos rurais e de irrigação utiliza coeficientes ponderadores específicos, conforme definido pela mesma Deliberação. O valor total da cobrança de cada usuário é definido pela equação geral apresentada a seguir (8). A equação geral da cobrança do CBHSF possui a mesma estrutura da equação geral da cobrança nas Bacias PCJ, já apresentada. Valortotal = (Valorcap + Valorcons + ValorLanç + ValorPCH + Valortransp) x Kgestão (8) Os valores praticados para cada parâmetro de cobrança na Bacia do Rio São Francisco são obtidos por equações e coeficientes ponderadores, conforme apresentado na. Serão destacados aqui apenas os fatores que possuem algum indicador relacionado às finalidades rural e irrigação, sendo que os demais mecanismos de cálculo, bem como os valores dos PPU podem ser conferidos na Deliberação nº 94/2017. 23 Quadro 7 - Equações, coeficientes e variáveis das bases de cálculo da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Fator cobrado Equação Definições e coeficientes Valorcap (quando não existir medição) = Qcap out x PPUcap x Kcap Qcap out = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo valores da outorga ou verificados pelo organismo outorgante; Kcap = coeficiente que considera objetivos específicos a serem atingidos mediante a cobrança pela captação de água Valorcap (quando houver medição) = {Kout x Qcap.out + Kmed x Qcap.med + Kmed extra x [0,70 x (Qcap.out - Qcap.med]} x PPUcap x Kcap Qcap med = volume anual de água captado, em m³/ano, segundo dados de medição; Kout = peso atribuído ao volume anual de captação outorgado; Kmed = peso atribuído ao volume anual de captação medido. Kmed extra = peso atribuído ao volume anual outorgado e não utilizado (adotado 1 quando Qmed/Qout < 0,7). Valorcons = Qcons x PPUcons x Kcons Kcons = coeficiente que leva em conta os objetivos específicos a serem atingidos mediante a cobrança pelo consumo de água (= Kcap, exceto para irrigação) Qcons = (Qcap - Qlanç), exceto para irrigação Fonte: CBHSF, 2017. No caso, Kcap é um coeficiente geral, que considera objetivos específicos a serem atingidos mediante a cobrança pela captação de água, conforme definido pela Deliberação, e é calculado por: Kcap = Kclasse x Keficiência x Krural (9) Dessa forma, o Kcap considera o resultado de outros coeficientes, em que: - Kclasse: considera a classe de enquadramento do corpo d’água onde ocorre a captação; - Keficiência: avalia a eficiência do uso da água, com valores específicos para setores como indústria, mineração, saneamento e irrigação; - Krural: leva em conta as particularidades dos usuários do meio rural, como a aquicultura e a dessedentação animal, com valores diferenciados. 24 Para usuários do setor Irrigação, o Keficiência é calculado pela seguinte equação: Keficiência = Ksistema x Kmanejo (10) Em que Ksistema é o coeficiente visa diferenciar a cobrança conforme o método de irrigação adotado pelo usuário, e os valores são os definidos na Tabela 4. Tabela 4 - Valores de Ksistema, na cobrança da Bacia do Rio São Francisco Método de Irrigação Ksistema Gotejamento 0,10 Gotejamento subterrâneo - tubo poroso 0,10 Tubos perfurados 0,15 Micro aspersão 0,10 Aspersão por sistema pivô central com Lepa 0,10 Aspersão por sistema pivô central 0,15 Aspersão por sistema deslocamento linear 0,10 Aspersão por sistema em malha 0,15 Aspersão por sistema autopropelido 0,15 Aspersão por sistema convencional 0,15 Sulcos abertos 0,30 Sulcos interligados em bacias 0,20 Sulcos fechados 0,20 Sub-irrigação 0,30 Inundação 0,30 Fonte: CBHSF (2017). O coeficiente Kmanejo trata-se de um coeficiente que leva em consideração o manejo do solo e o manejo da água utilizada, e é dado pela equação: Kmanejo = Kmanejo solo x Kmanejo irrigação (11) Sendo que, Kmanejo solo leva em consideração o manejo do solo empregado, sendo adotados os valores informados na Tabela 5. 25 Tabela 5 - Valores para Kmanejo solo, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Manejo do Solo Kmanejo solo Com plantio direto ou plantio convencional com práticas conservacionistas de solo: curva de nível, barraginha (cacimba), tratamento de estradas rurais e outras. 0,8 Plantio convencional sem práticas conservacionistas 1,0 Fonte: CBHSF (2017). O coeficiente Kmanejo irrigação leva em consideração as práticas adotadas para o planejamento da irrigação, sendo considerados os valores apresentados na Tabela 6. Tabela 6 - Valores para Kmanejo irrigação, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Manejo da Irrigação Kmanejo irrigação Monitora variáveis climatológicas ou nível de umidade do solo, de forma contínua, para fins de planejamento e operação do sistema. Em caso de fiscalização o usuário declara que mantem registros de todas as variáveis monitoradas, bem como mantém todos os equipamentos devidamente aferidos e em pleno estado de operação. 0,7 Não declarou ou não utiliza nenhuma técnica de manejo no planejamento ou operação do sistema de irrigação. 1,0 Fonte: CBHSF (2017). Verifica-se, pelas informações supracitadas que, na Bacias do Rio São Francisco, o coeficiente Keficiencia considera se o usuário adota práticas conservacionistas do solo e maneja adequadamente a água na irrigação. Entretanto, embora diferencie entre usuários que adotam ou não tais práticas, não distingue os diferentes tipos de práticas adotadas. Por sua vez, o Krural, aplica valores diferenciados para usuários do meio rural, refletindo as particularidades desses usuários em relação aos demais. Os valores de Krural são apresentados na Tabela 7. Observa-se que, neste caso, é aplicado o coeficiente de forma a valorizar o uso rural, pela sua finalidade em si. Tabela 7 - Valores para Krural, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Segmento/Setor Krural Aquicultura e Dessedentação Animal 0,10 Demais Setores 1,0 Fonte: CBHSF (2017). 26 A Bacia do Rio São Francisco também aplica um coeficiente diferenciado, denominado Kcons irrig, que visa quantificar o volume de água consumido (Qcons) na irrigação, conforme equação apresentada anteriormente na Erro! Fonte de referência não encontrada.. Neste caso, Kcons irrig é dado em função sistema de irrigação adotado, conforme é apresentado na Tabela 8. Tabela 8. Valores para Kcons irrig, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Método de Irrigação Kcons irrig Gotejamento 0,90 Gotejamento subterrâneo - tubo poroso 0,90 Tubos perfurados 0,85 Micro aspersão 0,90 Aspersão por sistema pivô central com Lepa 0,90 Aspersão por sistema pivô central 0,85 Aspersão por sistema deslocamento linear 0,90 Aspersão por sistema em malha 0,85 Aspersão por sistema autopropelido 0,85 Aspersão por sistema convencional 0,85 Sulcos abertos 0,70 Sulcos interligados em bacias 0,80 Sulcos fechados 0,80 Sub-irrigação 0,70 Inundação 0,70 Fonte: CBHSF (2017). Observa-se, no caso da cobrança pelos usos com finalidade e rural nas Bacias PCJ, a utilização de vários coeficientes que visam práticas agrícolas mais sustentáveis e o uso eficiente da água, especialmente em um contexto de escassez hídrica. Dentre os coeficientes aplicado, há um coeficiente que incentiva a adoção de práticas de conservação do solo, porém sem diferenciar os valores de acordo com a prática adotada. 3.5.1.2 Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul No caso da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, os mecanismos e valores atuais de cobrança são estabelecidos pelo Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP, por meio de sua Deliberação CEIVAP 27 nº 218, de 25 de setembro de 2014 e Deliberação CEIVAP nº 259, de 05 de abril de 2018. São cobrados os usos de captação, consumo e lançamento de efluentes de usuários sujeitos à Outorga com captação de água superior a 1,0 l/s. A regra geral de cálculo na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul é expressa pela seguinte equação: (Valorcap + Valorcons + ValorDBO) x KGestão (12) Para o caso específico de uso voltado à irrigação, existe um mecanismo diferenciado de cálculo que incide sobre a parcela de consumo de água. Neste caso, o valor a ser cobrado pelo consumo é dado pela seguinte equação: Valorcons = Qcap x PPUcons x Kconsumo (13) O coeficiente Kconsumo é determinado com base na eficiência da tecnologia empregada nos sistemas de irrigação, de acordo com os valores de referência estabelecidos na Resolução ANA nº 707, de 21 de dezembro de 2004. A Tabela 9 abaixo apresenta os valores de Kconsumo para diferentes tecnologias de irrigação: Tabela 9 - Valores de Kconsumo, na cobrança da Bacia do Rio Paraíba do Sul Tecnologia de irrigação Kconsumo Gotejamento 0,95 Micro aspersão 0,90 Pivô Central 0,85 Tubos perfurados 0,85 Aspersão convencional 0,75 Sulcos 0,60 Inundação 0,50 Não informado 0,95 Fonte: CEIVAP (2014). Além do mecanismo de cobrança aplicado à irrigação, a captação e o consumo de água pelos usuários dos setores de agropecuária e aquicultura estão sujeitos a um mecanismo específico de cálculo, conforme a equação abaixo: ValorAgropec = (Valorcap + Valorcons) x KAgropec (14) Sendo que KAgropec é o coeficiente que leva em conta as boas práticas de uso e conservação da água na propriedade rural onde se dá o uso de recursos hídricos, sendo adotados os valores apresentados na Tabela 10. 28 Tabela 10. Valores de KAgropec, na cobrança da Bacia do Rio Paraíba do Sul Tecnologia de irrigação KAgropec Gotejamento 0,05 Micro aspersão 0,1 Pivô Central 0,15 Tubos perfurados 0,15 Aspersão convencional 0,25 Sulcos 0,4 Inundação 0,5 Não informado 0,5 Não irrigante 0,1 Fonte: CEIVAP (2014). 3.5.1.3 Bacia Hidrográfica do Rio Doce Os mecanismos e valores atuais de cobrança estão estabelecidos na Deliberação CBH-Doce nº 69, de 12 de junho de 2018 e na Deliberação CBH Doce nº 93, de 13 de maio de 2021. São cobrados os usos de captação, transposição e lançamento de efluentes de usuários sujeitos à Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos com captação de água superior a 1,0 l/s no trecho mineiro e 1,5 l/s no trecho capixaba. Diferentemente dos Comitês anteriores, na Bacia do Rio Doce não há cobrança pelo consumo de água. A equação básica da cobrança é a que segue: Valortotal = (Valorcap + Valorlanç + Valortransp + ValorPCH) x Kgestão (15) No caso da Bacia do Rio Doce, há um coeficiente diferenciado do ´cálculo pela captação, conforme equação apresentada abaixo: Valorcap = Qcap x PPUcap x Kcap (16) O coeficiente Kcap, por sua vez, é calculado por: Kcap = Kcap classe x Kt (17) Sendo Kt o coeficiente que leva em conta a natureza do uso e/ou as boas práticas de uso e conservação da água. O CBH Doce adota Kt igual a 1, exceto para os usos agropecuários para os quais Kt é igual a 0,05. A Deliberação CBH Doce nº 93/2021 prevê que o Kcap classe e o Kt devem ser aperfeiçoados futuramente, por meio de nova Deliberação do Comitê. 29 3.5.1.4 Bacias Hidrográficas do Rio Paranaíba, Rio Verde Grande e Rio Grande Os CBHs das bacias do Rio Paranaíba, Rio Verde Grande e Rio Grande foram os últimos a implementar a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União em suas respectivas bacias hidrográficas. Os mecanismos de cobrança atualmente em vigor nessas bacias foram instituídos pelas Deliberações CBH Paranaíba nº 115, de 19 de agosto de 2020, CBH-Verde Grande nº 96, de 07 de junho de 2022 e CBH Grande nº 82, de 22 de setembro de 2023, respectivamente. Similar à Bacia do Rio Doce, esses três Comitês não aplicam a cobrança pelo consumo de água, limitando-se à cobrança pela captação de água bruta e pelo lançamento de efluentes. As equações de cobrança nestas três bacias hidrográficas são apresentadas no Quadro 8, que resume os mecanismos aplicados. Nestas Bacias, não há também coeficientes específicos para usos com finalidade rural. Neste caso, há diferenciação de PPU de acordo com a finalidade do uso, sendo que para usos com finalidade rural são aplicados menores valores. 30 Quadro 8. Equações de cálculo da cobrança de domínio da União nos CBHs do Rio Paranaíba, Rio Verde Grande e Rio Grande CBH Equação geral de cálculo da cobrança Equação de cálculo para Valorcap e ValorLanç Equação específica para usos rurais Paranaíba Valortotal = ((Valorcap + Valorlanç) - 500) x Kgestão Valorcap = Qcap x PPUcap Não há Valorlanç = CODBO x PPUlanç Verde Grande Valortotal = Valorcap + Valorlanç Valorcap = Qmed x PPUcap ou Valorcap = Qout x PPUcap Valorcap = [(Qout + Qmed) / 2] x PPUcap ValorLanç = CODBO x PPULanç - Grande Valortotal = Valorcap + Valorlanç Valorcap = QMed x PPUcap ou Valorcap = [(QOut + QMed) / 2] x PPUcap Não há Valorlanç = CODBO x PPUlanç Fonte: CBH Paranaíba (2020); CBH Verde Grande (2022); CBH Grande (2023). De forma geral, os comitês de bacias hidrográficas que implementaram a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União adotaram mecanismos que, de algum modo, diferenciam os usuários do setor rural dos demais. Essa diferenciação pode ocorrer por meio da aplicação de coeficientes específicos, que visam incentivar práticas conservacionistas ou comportamentos desejados, ou por meio da redução direta dos PPUs aplicados ao setor rural. A Bacia do Rio São Francisco, em particular, apresenta uma grande quantidade de coeficientes ponderadores específicos para os usos rurais. Isso pode ser explicado pela representatividade significativa dos usos rurais dentro da bacia, o que demanda uma abordagem mais complexa e diferenciada na cobrança para atender às diversas necessidades e incentivar boas práticas. Nos demais CBHs, verificou-se uma tendência à simplificação dos mecanismos de cobrança ao longo dos anos, com a redução de coeficientes e fatores de cálculo considerados. Embora essa simplificação torne o processo de cobrança mais transparente e fácil de ser aplicado, pode também diminuir a eficácia dos incentivos voltados para comportamentos sustentáveis, especialmente no setor rural. A ausência de uma diferenciação mais detalhada pode limitar a capacidade de promover práticas conservacionistas ou de uso eficiente da água. 3.5.2 Bacias Hidrográficas Estaduais A cobrança estadual incide sobre os corpos d’água considerados de domínio estadual.