UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA Campus de Presidente Prudente REDES SOCIAIS TEMÁTICAS: O CASO DAS REDES SOCIAIS DE ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE EM PRESIDENTE PRUDENTE (SP) E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Luciano Antonio Furini Orientadora: Profa. Dra. Eda Maria Góes Presidente Prudente 2008 Tese elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental, da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do Título de Doutor em Geografia. 1 ���������� �� ������ �� ������� ������ �������������������� � ������������ ������� ����� ������ �� ������� ����!�� � ����� ���" ��������� �#�$%&�'(�)���������'����������'�������* F983r Furini, Luciano Antonio. Redes sociais temáticas: o caso das redes sociais de assistência à criança e ao adolescente em Presidente Prudente (SP) e suas representações sociais / Luciano Antonio Furini. - Presidente Prudente: [s.n.], 2008 255 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientadora: Eda Maria Góes Inclui bibliografia 1. Redes sociais. 2. Assistência social. 3. Representações sociais. 4. Infância e adolescência. 5. Presidente Prudente (SP). I. Autor. II. Título. III. Presidente Prudente – Faculdade de Ciências e Tecnologia. CDD (18.ed.)910 2 3 � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � ��������� � � Dedico este trabalho a vocês. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus Manifesto minha gratidão a todas as pessoas que colaboraram para a realização deste trabalho, e de forma particular: à Eda (orientadora desde a graduação), atenciosa e criteriosa soube orientar com dedicação, sempre incentivando e proporcionando condições para que a criatividade e a motivação estivessem presentes; ao Professor Raul, por todo apoio e auxilio na tese, participando da qualificação, contribuindo com diversas sugestões, e incentivando o tempo todo; à Professora Suzana por sua participação na defesa e atenciosa e valiosa contribuição na qualificação; à Professora Margarida Maria de Andrade por sua participação na defesa; ao Professor Jones Dari Goettert por sua participação na defesa; aos responsáveis pelo Curso de Pós Graduação em Geografia da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente, por proporcionarem excelente contexto para formação; aos responsáveis pelo CNPQ, pelos recursos financeiros investidos; aos responsáveis pela UNESP, pela qualidade de ensino público superior proporcionado; ao professor Eduardo César Marques, pelas informações fornecidas; aos professores da FCT/UNESP: Elizeu, Carminha, João Lima, César, Tadeu, João Osvaldo, Nivaldo, Rosângela, Margarete, Godoy, Arthur, Ruth, Tita, Fátima, Bernardo, Miguel, Claudemira, Arilda, Tomaz, Jayro ... aos funcionários da FCT/UNESP: Márcia, Ivonete e Erinate, Lúcia, Nair, Washington, César, Maria ... aos meus amigos do CEMESPP: Humberto, Everaldo, Oséias, Magaldi, Ana, Lika, Renilton, Renata, Regina, Fábio, Natália, Fernando, Rafael, Gabriel, Paula, Rose, ... aos meus amigos alunos da UNESP: Adriano, Adriana, Flávia, Claudia M., Silvia, Gisa, Edu, Loboda, Liz, Oscar, Claudia, Xisto, Priscila, Vitor, Roseane, Rosana, Marcelino, Sobrera, Alexandre, Cláudia, Fernanda, Jorge, Robson, Fabrício, Márcia, Kleber, Mazé, Régis, Ivan, Patrícia, Marcelo, Flávia E., Denise, Marcus Vinícius, ... 5 às professoras Valderes e Véra, das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente (SP); a todos que colaboraram com a pesquisa por meio de fornecimento de dados, respostas aos questionários e demais entrevistas: Lígia, Denise, Andréia, Fabiana, Alcione, Zélia, Simone Tomiazi, Ana Claudia, Edna, Ana Rosa, Maria José, Ana Maria, Roquiania, Maria Inês e Simone, entre outras da Secretaria Municipal de Assistência Social; Claudia do Núcleo TTERE e Comissão do PETI, Marisa do Lar dos Meninos, Roberta (ex) Casa do Pequeno Trabalhador, Maria Inês da Associação de Apoio ao Fissurado Lábio Palatal de Presidente Prudente e Região, Ana Paula do Projeto Degraus; Dirce, Patrícia, Irene e Rosângela do CMDCA; Maria Inês e Rosimeire do Conselho Tutelar; Vânia da Rede Criança Prudente; Luiz Antonio e Elizabeth, da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude; Ana Cristina, Ana Maria, Maria Auxiliadora, Maria Rosália e Selma da equipe técnica do Juizado de Justiça da Infância e Juventude; Inês e Maria Izelda da Fundação CASA; Mara da Polícia Militar; Cristina e Jaqueline do Palácio da Saúde. Jane da Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente. Ivone do Hospital Estadual, Clarice do CAPS, Janaína Hospital Universitário; Maria Helena e Iraní do CAA. Solange Plaza, Regina, Solange Ferreira e Rita do SAC, da Secretaria Municipal da Educação; Edmárcia e Annemarie da DRAD’s ... ao Oséias pelo auxílio na elaboração dos cartogramas, e ao Tiago pela ajuda na transcrição das entrevistas; aos familiares e amigos: Lucilene, Fernanda, Tiago, Ana Carolina, André, Marisa, Luiz Eduardo, Luis, Marcelo, Carol, Benilda, Eunice e Mário ... Muitas pessoas foram envolvidas neste trabalho, e deste envolvimento surgiram diversas amizades, Obrigado! 6 RESUMO A sociedade brasileira apresenta alto grau de desigualdade social, fazendo com que as condições de vida da população cheguem aos limites da precariedade e da indigência. A reversão dessa desigualdade social tornou-se objetivo de várias iniciativas governamentais e não-governamentais que oscilam entre um enfrentamento e um pseudoenfrentamento da questão, além dos diversos limites existentes quanto à eficiência ou eficácia destas iniciativas. Compreender esses limites e desmascarar os processos excludentes que eles encerram torna-se um desafio no período atual, pressupondo abordagem multidisciplinar e multimetodológica. Nesta tese sobre redes sociais temáticas procuramos demonstrar como essa abordagem geográfica consegue estabelecer essa integração multidisciplinar, correlacionando variáveis qualitativas e quantitativas em meio a elementos subjetivos e físicos dos grupos sociais pesquisados. Quando estabelecemos o objetivo de compreender como o tema da proteção integral à criança e ao adolescente se objetiva em meio a redes técnicas ou sociais no município de Presidente Prudente (SP), pretendemos também mostrar que esse processo é influenciado por intencionalidades presentes no espaço geográfico e assim tornar evidente que as políticas públicas que não consideram estas especificidades e abordagens semelhantes, ou são formas de manter a desigualdade social, ou ainda não atingiram níveis de elaboração, implantação, execução e resultados qualitativos e quantitativos compatíveis com o que a complexidade atual requer. Devido a essa característica atual, a tese se fundamenta nas redes e nas representações, enquanto categorias sociais intrínsecas ao espaço geográfico. Das redes derivam primordialmente as características organizacionais, estruturais e formais; nas representações, as características epistemológicas e temáticas são as primordiais. Ambas consideradas no contexto da historicidade do espaço. Os resultados da pesquisa demonstram que mesmo em ambientes controlados, como é o caso da assistência social, as redes sociais ocorrem e possuem potencialidades de autonomia e de transformação social, que devem ser valorizadas socialmente. Palavras chave: redes sociais; assistência social; representações sociais; infância e adolescência; Presidente Prudente (SP). 7 SUMMARY Brazilian society is characterized by a high degree of inequality, such that a large portion of the population lives in precarious conditions bordering on indigence. Reversing social inequality has been identified as the objective of various governmental and non- governmental agencies. With initiatives of questionable efficiency and efficacy, the agencies’ implementation tends to oscillate between true and pseudo-confrontation with the issues involved. A challenge at present, one requiring disciplinarily and methodologically diverse approaches, is that of revealing and understanding the processes of exclusion that their initiatives are meant to address. This thesis focuses on child welfare services to show how the geographic approach to studying thematically-specific social networks permits the integration of disciplines and methods, enabling qualitative and quantitative variables to be correlated through the analysis of the subjective and physical elements of the social groups researched. By establishing the objective of understanding how childhood and adolescent protection services function through social and professional networks in the city of Presidente Prudente, São Paulo, the thesis shows how these services are influenced by intentionalities present in geographic space. In this way, the thesis intends to turn self- evident the argument that public policies that fail to take into consideration these specificities are services bound to either maintain social inequality or have yet to reach their full level of elaboration, implementation and execution. The same can be said of alternative analytical approaches that neglect space. They are unable to produce comparable qualitative and quantitative results that are compatible with the requirements of such a complex reality. This thesis is supported by the idea that these social and professional networks and their representations are categories intrinsic to geographic space. From the networks arise primordially organizational, structural and formal characteristics. In the case of representations, these primordial characteristics are epistemological and thematic. Both of these material and immaterial elements of space are examined temporally, paying close attention to historical context. The research results demonstrate that even in controlled environments like those promoting social welfare services, social networks occur are relevant as they appear to possess the promise for autonomy and social transformation, outcomes that must be socially valued. Keywords: social networks; social work; social representations; infancy and adolescence; Presidente Prudente, São Paulo. 8 LISTA DE ABREVIATURAS CECs Centros de Educação para a Cidadania CEMESPP Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente CRAS Centros de Referência da Assistência Social CT Conselho Tutelar ECA Estatuto da Criança e do Adolescente FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor Fundação CASA Fundação Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente GEPAC Grupo de Empresários e Profissionais Amigos da Criança LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação LOAS Lei Orgânica da Assistência Social NACs Núcleos de Ação Comunitária PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PNAS Política Nacional de Assistência Social SMAS Secretaria Municipal de Assistência Social SUAS Sistema Único de Assistência Social 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES CARTOGRAMAS Cartograma 1 – Presidente Prudente (SP), 2006, Locais de Atendimento à Criança e ao Adolescente ........... 23 Cartograma 2 – Presidente Prudente (SP), 2006, Secretaria Municipal de Assistência Social, Atendimento à Criança e ao Adolescente ...................................................................................... 39 Cartograma 3 – Fluxos, Presidente Prudente (SP), 2006, Secretaria Municipal de Assistência Social, Atendimento à Criança e ao Adolescente ................................................................. 40 Cartograma 4 – Presidente Prudente (SP), 2006, Relação entre as Áreas de Exclusão Social e de Atendimento à Criança e ao Adolescente.................................................................. 43 Cartograma 5 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Alerta ...................................................................... 54 Cartograma 6 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Criança Cidadã ....................................................... 57 Cartograma 7 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Criança Cidadã: Núcleo Monte Alto ...................... 58 Cartograma 8 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Sentinela ................................................................ 61 Cartograma 9 – Presidente Prudente (SP), 2006, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) ....... 64 Cartograma 10 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Renda Cidadã Fortalecendo a Família ................. 68 Cartograma 11 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Jovem Cidadão ..................................................... 69 Cartograma 12 – Presidente Prudente (SP), 2006, Projeto Ação Jovem ......................................................... 70 10 QUADROS Quadro 1 – Órgãos e grupos de iniciativa governamental relacionados à proteção integral da criança e do adolescente, Presidente Prudente (SP), 2006........................................................................... 36 Quadro 2 – Relação dos programas e projetos de iniciativa governamental voltados à criança e ao adolescente, desenvolvidos ou acompanhados pela SMAS, Presidente Prudente (SP), 2006 . 47 Quadro 3 – Relação dos programas e projetos de iniciativa não-governamental, acompanhados pela SMAS de Presidente Prudente (SP), 2006.............................................................................. 48 Quadro 4 – Setor de saúde: relação de órgãos e grupos públicos e privados que atendem à criança e ao adolescente em Presidente Prudente (SP), 2006...................................................................... 77 Quadro 5 – Relação das entidades de iniciativa não-governamental voltadas à criança e ao adolescente, Presidente Prudente (SP) ........................................................................................................ 82 Quadro 6 – Relação das organizações e projetos inscritos no CMDCA de Presidente Prudente (SP), 2006 ... 93 Quadro 7 – Organizações cadastradas na Rede Criança Prudente, 2006.......................................................... 98 Quadro 8 – Elementos da organização interna da representação social de infância, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006..................... 153 Quadro 9 – Elementos da organização interna da representação social de adulto, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006..................... 159 Quadro 10 – Elementos da organização interna da representação social da assistência social, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006 .... 161 Quadro 11 – Elementos da organização interna da representação social da assistência social, segundo a faixa etária (2006) ................................................................................................................. 164 Quadro 12 – Elementos da organização interna da representação social de redes sociais, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006 .......... 166 Quadro 13 – Elementos da organização interna da representação social do trabalho, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006 .......... 169 Quadro 14 – Elementos da organização interna da representação social do Estado, evocados por um grupo de assistentes sociais da rede de proteção à criança e ao adolescente em 2006..................... 171 Quadro 15 – Modernidade (características gerais), definida a partir dos processos de territorialização e desterritorialização, incorporando os aglomerados de Exclusão ........................................... 179 11 FIGURAS Figura 1 – Mapa conceitual cujas categorias geográficas lugar social, formação socioespacial e redes sociais permitem apropriação intersubjetiva da luta dos sujeitos sociais ................................ 20 Figura 2 – Proteção integral à criança e ao adolescente, segundo o caráter paliativo das políticas públicas de assistência social, Presidente Prudente (SP) ..................................................................... 112 Figura 3 – Sociograma da rede de proteção à criança e ao adolescente ........................................................ 184 Figura 4 – Sociograma da rede: grau de conectividade ................................................................................. 185 Figura 5 – Sociograma da rede: grau de proximidade ................................................................................... 190 Figura 6 – Sociograma da rede: grau de intermediação................................................................................. 191 Figura 7 – Sociograma da rede: posição do setor .......................................................................................... 192 Figura 8 – Sociograma da rede: fronteiras..................................................................................................... 193 Figura 9 – Sociogramas da rede centrada no profissional de maior grau de conectividade .......................... 194 Figura 10 – Sociograma da rede: grau de centralidade................................................................................... 197 GRÁFICOS Gráfico 1 – Projeto Alerta segundo o mês de registro do início ou reinício das atividades, 2006 ................. 110 Gráfico 2 – Justiça: intensidade de contatos formais entre setores, 2006 ...................................................... 200 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Relação dos núcleos de atendimento da SMAS, voltados ao atendimento de crianças e de adolescentes, Presidente Prudente (SP), 2006 ..................................................................... 49 Tabela 2 – Projeto Alerta: casos mais comuns atendidos, Presidente Prudente (SP), 2006 ............................ 52 Tabela 3 – Relação dos tipos de atendimentos do Projeto Sentinela, Presidente Prudente (SP), 2006 ........... 59 Tabela 4 – Locais de denúncia dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e de adolescentes, Presidente Prudente (SP), 2006 ........................................................................................... 60 Tabela 5 – Aspectos da educação básica no município de Presidente Prudente (SP), 2006 ............................ 85 Tabela 6 – Setores representados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Presidente Prudente (SP) ..................................................................................................... 89 Tabela 7 – Dados comparativos do Relatório de Atendimento do Conselho Tutelar, biênio 2004/2005 ........ 96 Tabela 8 – Número de parcerias estabelecidas por locais de atendimento agregadas por setor, 2006 .......... 199 Tabela 9 – Setores destinatários de ofícios emitidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social, 2006 .................................................................................................................................. 201 12 SUMÁRIO Introdução ........................................................................................................................14 Capítulo I – A Proteção Integral à Criança e ao Adolescente ....................................28 1.1 A consolidação estatutária da proteção integral ..........................................................31 1.2 A subcultura assistencial na territorialização da proteção integral à criança e ao adolescente ...............................................................................................37 1.3 Entidades: exemplos de assistência social no setor das entidades privadas ...............79 1.4 Assistência social em órgãos públicos ligados ao setor de justiça .............................82 1.5 Órgãos governamentais participativos ligados à assistência social .............................87 Capítulo II – Infância e Adolescência Distantes da Proteção Integral ....................103 2.1 Infância e adolescência: um contexto para políticas públicas ..................................105 2.2 O futuro adulto da infância educada .......................... ...............................................108 2.3 O surgimento e o desaparecimento da infância .........................................................116 2.4 A fantasia na infância ................................................................................................117 2.5 Por que preservar a infância e a adolescência?..........................................................118 Capítulo III – A Política dos Saberes ...........................................................................122 3.1 A ideologia mapeada .................................................................................................127 3.2 Idéias e saberes ..........................................................................................................134 3.3 Tendências ao epistemicídio......................................................................................136 Capítulo IV – Representações Sociais ..........................................................................145 4.1 Teoria das Representações Sociais ............................................................................146 4.2 Teoria do Núcleo Central...........................................................................................150 4.3 Representação social de infância ...............................................................................152 4.4 Representação social de adulto ..................................................................................158 4.5 Representação social da assistência social.................................................................160 4.6 Representação social de redes sociais........................................................................165 4.7 Representação social do trabalho...............................................................................168 4.8 Representação social do Estado.................................................................................170 4.9 A constituição do tema “proteção integral à criança e ao adolescente” no âmbito representacional .................................................................................172 13 Capítulo V – Redes Sociais............................................................................................177 5.1 A Análise de Redes Sociais e a dinâmica social da proteção à criança e ao adolescente.....................................................................................................182 5.2 As relações sociais na sinergia da rede social............................................................183 5.3 O contexto formal imediato da rede social e as parcerias setoriais ...........................198 5.4 Redes sociais: entre o controle e a autonomia ...........................................................201 5.5 Redes sociais temáticas..............................................................................................203 5.6 Redes sociais: limites.................................................................................................211 5.7 Redes sociais: possibilidades .....................................................................................212 5.8 O espaço geográfico reticulado..................................................................................215 5.9 As possibilidades de ação e de conhecimento a partir do espaço geográfico reticulado .......................................................................................................220 Conclusão .......................................................................................................................228 Bibliografia .....................................................................................................................238 ANEXOS .......................................................................................................................247 14 INTRODUÇÃO 15 A sociedade brasileira é caracterizada pelas desigualdades sociais, em várias escalas. Paisagens revelam contrastes nas formas de ocupação do solo, regiões apresentam disparidades na capacidade produtiva, cidades contextualizam extrema diversidade intra-urbana e interurbana, lugares contrapõem resquícios culturais variados e os brasileiros representam todas estas diferenças em meio à formação da memória coletiva e aos agrupamentos sociais aos quais pertencem, subjetivando as desigualdades sociais segundo tais representações. A condição de vida dos brasileiros está sempre ameaçada pela instabilidade social e suas conseqüências econômicas, políticas e culturais, entre outras, em que a justiça social é descaracterizada e perde o sentido, transformada em acessório complementar à dominação imposta. Neste contexto, surgem diversas formas de enfrentamento das desigualdades sociais ou de suas conseqüências, fazendo emergir questionamentos sobre suas intencionalidades e os resultados por elas alcançados. É em meio a essa complexidade que as redes sociais se formam buscando alcançar diferentes objetivos. Compreender como as redes sociais caracterizam-se enquanto importante mediador, tanto no âmbito teórico, ao revelar as formas de organização socioespacial, quanto na prática, ao potencializar transformações sociais, é o que buscamos neste trabalho. A relação entre esfera pública e privada no Brasil guarda aspectos bastante específicos, embora se insira num contexto global de certa homogeneidade quanto à forma de organização social. No Brasil da segunda metade do século XX, após um período que vai da fase do autoritarismo ditatorial, nas décadas de 1960 e 1970, passando pela fase da redemocratização, na década de 1980, até a fase de abertura e flexibilização, na década de 1990, as relações entre as esferas pública e privada no trato da questão social oscilam entre as concepções que apontam a centralidade do Estado (seguridade social), do mercado ou de um suposto terceiro setor1, como ambientes adequados ao enfrentamento das desigualdades sociais. No início do século XXI, encontramos aspectos relacionados a estas três 1 Considerando o Estado como primeiro setor e o mercado como segundo setor, teóricos buscam cunhar o terceiro setor como o social, distanciando analiticamente e estrategicamente o Estado e o mercado das responsabilidades sociais. Montaño (2003) revela várias debilidades da noção de terceiro setor e considera sua construção teórica e sua aplicação prática como uma estratégia para desresponsabilizar o Estado e o capital da ação social. 16 supostas fases. A estrutura hierárquica, com os excessos burocráticos dos órgãos públicos, guarda aspectos da primeira fase. O ímpeto transformador de tendência à criação de espaços de participação popular, guarda aspectos da segunda, e o surgimento de diversos tipos de organizações não-governamentais é herança da terceira. Em meio a esse conjunto de fatores, as relações entre esfera pública e privada ganham novo contorno. Pessoas e instituições estabelecem relações contraditórias, segundo as quais, instituições de ímpeto participativo perdem força nas mãos de pessoas com perfil autoritário, segundo moldes hierárquicos; pessoas de ímpeto participativo são como que adestradas, devido ao tipo de organização da instituição a que pertencem ou a burocracia que enfrentam para atuar. Deste modo, uma das características do período atual é a velocidade dos avanços tecnológicos em meio a ambientes que abrigam concomitantemente hierarquia e tradição. Essa realidade contemporânea gerou modos de organização passíveis de assimilar esta velocidade das transformações, tais como alguns tipos de redes sociais. Os canais de comunicação2 em rede estabelecem uma lógica no espaço geográfico que constitui uma linguagem diferenciada. Esta nova linguagem encerra tendências à perpetuação do acúmulo de informações, saberes e poder em prol dos que detém, controlam ou manipulam a comunicação, impedindo, por meio de reestruturações, que as iniciativas tradicionais contrárias a essa lógica possam realizar transformações significativas. É certo que a corrupção das estruturas participativas, por meio das lógicas hierárquica, burocrática ou de tendência ao fortalecimento dos grupos de interesses, ocorre no âmbito social. As redes sociais temáticas, caso alcancem uma tendência à autonomia3, surgem como âmbitos possíveis de superação desta limitação. Estabelecemos algumas referências básicas por meio de recortes e delimitações que permitiram conhecer as quantidades e qualidades próprias da rede e do segmento populacional pesquisado. Assim, para construir nosso objeto de pesquisa procedemos da seguinte forma. Primeiro, identificamos o fenômeno da proteção da criança 2 A comunicação em questão é ampla e implica um emaranhado de conexões com diversos tipos de emissores, receptores, canais e objetos. 3 Propomos a noção tendência a autonomia, como processo contínuo de busca, no qual o acesso às condições de superação das novas desigualdades sociais é possível, sem recorrência a favores de grupos que exploram a sociedade, mas por meio de conquistas alternativas que envolvam a participação popular na reconstrução do social. Essa postura implica conflitos, já que encerra repartição de poder em uma sociedade voltada à acumulação deste. Deste modo, a escala do individual entra em atrito com a escala do social, o que inviabiliza concepções de autonomia plena, já que a inconstância, própria do social, confere o grau de contradição que impossibilita a estabilização da autonomia conquistada. 17 e do adolescente na escala municipal numa cidade média. Em seguida, transformamos esse fenômeno em objeto analisável por meio da utilização do âmbito temático, no qual foi considerado enquanto um tema que pode ser delimitado, tornando-se passível de correlação. A partir daí, pudemos analisar as particularidades do tema por meio de três perspectivas mais amplas. A primeira perspectiva está relacionada à complexidade ideológica, na qual os limites da noção de ideologia encerram problemas que procuramos considerar por meio da abordagem epistemológica, com base na hipótese de que existe algo na sociedade que é irrepresentável e que a maior aproximação em relação a ele se dá pelo grau de certeza do conhecimento contido nos saberes espacializados. A segunda perspectiva se relaciona ao posicionamento dos agentes que atuam em relação ao tema, que procuramos abordar por meio da Teoria das Representações Sociais e da Teoria do Núcleo Central, utilizando a perspectiva do Grupo MIDI4 para comparar as representações de um mesmo grupo. Inserimo-nos deste modo na perspectiva que trata do conteúdo cognitivo das representações sociais. A terceira perspectiva se efetiva por meio da análise de redes sociais. Embora diversos estudos concordem que não existe uma teoria das redes sociais, a análise de redes sociais, enquanto uma estratégia ampla de investigar a estrutura social pode ser utilizada na pesquisa de diversas questões sociais (MARTELETO, 2001, p. 72). Nas três perspectivas, as relações sociais são centrais. Na primeira, a mediação social tem o tema como unidade de correlação com as formas de geração, imposição, assimilação, aceitação, recusa ou eliminação de saberes sociais. Na segunda, a unidade é o campo representacional do grupo de envolvidos em relação ao tema. Já na terceira, a unidade são as redes de contatos pessoais no contexto do tema. Os procedimentos utilizados, tais como o uso de questionários, entrevistas, pesquisa documental e observações baseiam-se em princípios e pressupostos que, entre outras características, buscam identificar direcionamentos, processos, fluxos, ações, estrutura e transformações das redes sociais, além de sua ligação intrínseca com as 4 Sá (1998) aponta três macro-tendências nas pesquisas relacionadas à Teoria das Representações Sociais: a primeira busca dar conta da gênese histórica de uma representação que pode ser conseguido por meio da perspectiva de Serge Moscovici ou Denise Jodelet; a segunda busca comparar as representações de grupos diferentes ou do mesmo grupo e refere-se à perspectiva estrutural do Grupo MIDI, com Jean Claude Abric; a terceira busca saber como as inserções sociais concretas dos sujeitos condicionam suas representações, o que pode ser conseguido por meio da perspectiva de Willen Doise. 18 representações sociais. A proposta contida no Estatuto da Criança e do Adolescente relativa à proteção social é questão prioritária nesta pesquisa, pois está diretamente relacionada com as redes sociais temáticas que buscamos identificar. A questão central da pesquisa tangencia a identificação das redes sociais, suas gêneses e transformações. Alguns princípios se mostram coerentes com as perspectivas adotadas: as pessoas produzem representações sociais influenciadas pelo espaço vivido, como o das redes sociais, e também estão inseridas em redes sociais influenciadas por representações sociais deste espaço vivido; as redes sociais pressupõem o predomínio de fluxos que podem ultrapassar as limitações das hierarquias próprias das relações pessoais em ambientes institucionais; o estudo das redes sociais é importante para a compreensão da real função das políticas públicas direcionadas a criança e ao adolescente; para uma melhor compreensão do grau de organização em rede é fundamental conhecer a influência das representações sociais – relativas ao universo da proteção integral – produzidas pelos segmentos da população envolvidos; dois ou mais processos ou fenômenos conjugados podem formar uma auto-organização – como numa sinergia em que algo superior é gerado e que permite superar e ultrapassar limites impostos. Assim, uma organização de nível superior pode surgir e significar, por exemplo, uma rede de proteção que além de articular vários profissionais de programas e projetos, produzindo em conjunto algo que é superior à soma das partes, incrementar, ainda mais, a crítica ao modo de enfrentamento das questões suscitadas a partir da rede. Esses princípios nos levam as seguintes questões, acerca da realidade a ser pesquisada, as quais possibilitam conhecer algumas particularidades: Quais aspectos da proteção integral da criança e do adolescente são alcançados? Quais aspectos desta proteção integral não são alcançados? Quais áreas poderiam ser impulsionadas? No município de Presidente Prudente, existe rede de proteção integral à infância e adolescência? Quais os pontos cegos da tentativa de implantação da rede on-line no município, ou seja, o que não é considerado, mas é relevante quando se busca organiza-la? Qual dimensão é mais, ou menos, contemplada na lógica atual de estabelecimento das atividades direcionadas aos assistidos pelas políticas de proteção integral (lúdico, lazer, autonomia, preparação para o trabalho)? A lógica da ruptura presente na atual formação familiar confere quais novos elementos aos trabalhos da assistência social? A rede de proteção integral pode ser uma organização de nível superior, mesmo sendo intencionalmente estabelecida? É possível 19 interferir na formação de uma rede para conferir padrões de autonomia e aleatoriedade? Até que ponto as ações assistenciais impedem ou programam a organização em redes? Como as redes se articulam nas diferentes escalas? Em Presidente Prudente (SP), existe uma rede integrada que articule as diversas redes sociais? Buscando responder essas questões estabelecemos os procedimentos, orientados por algumas proposições, descritos em seguida. Sendo a rede social que pesquisamos a da proteção integral à criança e ao adolescente no município de Presidente Prudente (SP), a pesquisa tangencia tanto a proposta de análise em redes sociais temáticas pelo pesquisador, quanto o grau empírico de proteção efetiva do objeto. A delimitação do campo de análise considera o envolvimento do sujeito pesquisador com o fenômeno e a apreensão empírica do objeto pesquisado. A conceituação de redes sociais temáticas é proposta teórica e os limites da proteção integral à criança e adolescente constitui o âmbito de análise. As redes sociais temáticas configuram a possibilidade de transformações sociais, frente a ambientes controlados, quando possuem tendência à autonomia e não fomentem outras formas de exploração e de geração das desigualdades sociais. As barreiras tradicionais que impedem mudanças objetivas contra as desigualdades sociais caracterizam-se por uma capacidade de adaptação e reestruturação perante as tendências à transformação. Revestir o tradicional com roupagem moderna e desenvolvimentista é recurso comum no Brasil. Propomos que a visibilidade proporcionada por redes sociais temáticas pode inviabilizar parte das estratégias de controle social que impedem tais mudanças. Consideramos que a Figura 1 apresenta a informação e a capacidade de comunicação como algo implícito à produção do espaço. Produzir espaço, no âmbito das redes sociais, implica superar a lógica da produção do espaço, na qual às escalas locais estão distantes dos processos decisórios. 20 Figura 1 – Mapa conceitual cujas categorias geográficas lugar social, formação socioespacial e redes sociais permitem apropriação intersubjetiva da luta dos sujeitos sociais Fonte: Guimarães (2003, p. 19). Esse mapa conceitual (Figura 1) remete a uma síntese de escalas, na qual redes sociais e representações sociais redefinem a produção do espaço. O poder de decisão e a capacidade de agir estariam circunscritos a capacidade de transitar entre escalas, e esta capacidade é intrínseca às redes sociais, que implicam caminhar junto. A capacidade das redes sociais de ultrapassar as fronteiras hierárquicas pode, em alguns casos, dissolver os limites socioespaciais criados no modo atual de organização da sociedade. A lógica organizacional ocorre hoje também por meio de redes técnicas. Esta lógica, ao gerar objetos e estruturas que respondem ao comando organizacional, prevalece sobre forças alternativas que atuem limitadas a lógicas organizacionais anteriores. As redes sociais temáticas podem enfrentar essa lógica respondendo com velocidade e abrangência mais adequadas. Embora o ser humano se insira sempre num determinado AAAAAAAAAAAAAAA 21 contexto, se ele não se representar contextualizado, suas ações serão restritas. As redes sociais temáticas podem permitir tal representação da contextualização. Durante o mestrado nos aproximamos da temática das políticas públicas destinadas ao enfrentamento das desigualdades sociais (FURINI, 2003), quando pudemos dissertar sobre os processos sociais excludentes e os casos de vulnerabilidade extrema, caso da população de rua pesquisada. Esta aproximação ocorreu também durante a participação no grupo de pesquisa Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas (CEMESPP)5, que possibilitou o acesso ao projeto Rede Local de Atenção à Criança e ao Adolescente no Município de Presidente Prudente (SP), elaborado no ano de 1999, com a formulação de uma proposta ainda em vigor, com apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a despeito das barreiras e dificuldades na sua implantação. A forma de enfrentamento das desigualdades sociais passa a ser central a partir de então, o que nos aproximou do tema da proteção integral à criança e adolescente em escala local. Buscamos responder as questões anteriormente apresentadas por meio dos seguintes procedimentos: identificar os núcleos e projetos de iniciativa governamental e não governamental que se relacionem a proteção integral à criança e ao adolescente ou que, na parcialidade própria, contribua para o tema; analisar os resultados alcançados por alguns atendimentos a criança e ao adolescente; comparar o direcionamento (dos gestores, assistentes sociais, educadores sociais) com as recentes tendências em relação ao trato da questão da infância; mapear os setores censitários de atuação das entidades / projetos / programas; identificar os níveis de inanição institucional de algumas entidades / projetos / programas; identificar as representações sociais inerentes às redes sociais pesquisadas; identificar as influências das lógicas mais relevantes e suas matrizes discursivas nas redes sociais pesquisadas. Foi por meio do setor da assistência social que iniciamos as pesquisas. Num primeiro momento, após a leitura de bibliografia afim, realizamos visitas à Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), Divisão Regional da Assistência e Desenvolvimento Social – (DRADS SP), Departamento de Serviço Social da Associação Toledo de Ensino e Ministério Público – Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do 5 O CEMESPP é composto por professores e alunos da graduação e pós-graduação de diversas áreas (Geografia, Estatística, Engenharia Ambiental, Arquitetura e Fisioterapia, entre outros) da UNESP/FCT/ Presidente Prudente. 22 município. Em seguida, a partir de pesquisa na SMAS, tivemos acesso a todos os programas e projetos relacionados ao tema e visitamos os núcleos de assistência social do município, realizando entrevistas. Pesquisamos também outros setores que incluem assistentes sociais entre seus profissionais, sempre mantendo a assistência social como eixo principal. Participando de algumas reuniões em órgãos públicos, colhendo dados na pesquisa documental e realizando observações de campo, formamos uma base geral de dados. Como podemos observar no Cartograma 1, em vários locais ocorrem atendimentos à criança e ao adolescente na cidade, aplicamos o questionário de coleta de dados (ANEXO A) em trinta e oito locais6, buscando compreender, entre outros aspectos, os contatos mantidos entre eles. Após o preenchimento do questionário, procedíamos com a pesquisa documental. Em geral, as visitas e pesquisas de campo foram momentos que possibilitaram correlacionar informações e descobrir novos contatos. Além do que, em muitos lugares, os atendimentos se davam em meio à pesquisa, revelando-se um ambiente propício para realização das observações de campo. 6 Considerando uma classificação em setores por nós estabelecidos, foram aplicados 20 questionários em núcleos ligados a SMAS, 6 ligados à saúde, 4 aos órgãos ou associações que chamamos de participativos, 3 entidades privadas, 3 do setor da justiça e 2 do setor da educação (a classificação por setores será especificada mais adiante). 23 24 De acordo com as abordagens escolhidas, realizamos vários tipos de entrevistas. Colhemos depoimentos orais temáticos (ANEXOS D, E, F e G), com base em Meihy (2000), buscando conhecer o universo do profissional envolvido e sua relação com a temática pesquisada. Esses depoentes foram escolhidos de acordo com sua localização na rede e de acordo com o projeto, setor, órgão público, entidades privadas ou organizações governamentais, que representavam: pessoas relacionadas à SMAS, ao Conselho Tutelar, ao CMDCA, as Entidades Privadas (Núcleo TTERÊ de Realização Profissional, Casa do Pequeno Trabalhador e Serviço de Obras Sociais (SOS)), Rede Criança Prudente, Comissão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Na SMAS foram entrevistadas três diretoras, uma de cada um dos departamentos de Ação e Atenção Comunitária, de Atenção à Família e de Atenção a Organizações Não-governamentais (ONG’s) e Organizações Governamentais (OG’s). Além das três diretoras da SMAS, foram entrevistadas as representantes dos projetos Criança Cidadã e Alerta, o primeiro devido ao grande número de atendidos e de núcleos no município, o segundo em virtude de revelações surgidas durante as observações. Outras entrevistas estão ligadas à Teoria das Representações Sociais, mais especificamente a Teoria do Núcleo Central, como a Técnica de Evocação Livre (ANEXO B). Buscamos, desse modo, identificar as representações sociais relativas a alguns temas que compõem a pesquisa. Para a Análise de Redes Sociais, realizamos o teste de centralidade e conectividade, tanto para identificar quais pessoas eram centrais em relação à proteção integral à criança e ao adolescente no município, quanto para conhecer qual a constituição da rede social quanto à forma, estrutura e graus de conexões (ANEXO C). Na pesquisa documental realizada, identificamos os tipos de enfrentamento contido nas políticas públicas por meio de programas e projetos, órgãos e diretrizes. Foram analisados ofícios, relatórios, relação de atendimentos e de atendidos, de acordo com o local pesquisado. As observações de campo também foram muito importantes. Somente quando participamos efetivamente de reuniões e acompanhamos atendimentos nos núcleos dos projetos ou nos órgãos públicos é que pudemos entender aspectos da existência de distância entre diretrizes, relatórios dos atendimentos e atendimentos efetivos. Em vários 25 locais, tivemos que voltar mais de uma vez e em alguns, como o CMDCA e a SMAS7, tivemos que permanecer por longos períodos. Outras áreas, tais como saúde, educação, trabalho e cultura foram consideradas nas inter-relações com a assistência social. Trabalhos específicos, relacionados à proteção integral a criança e ao adolescente nestas áreas ocorrem no município, contudo, somente nos detivemos aos contatos destes com o setor da assistência social. Ademais, tanto o Conselho Tutelar, quanto o CMDCA, são órgãos cuja criação e composição tem o setor da assistência social como central, ora devido aos encaminhamentos mais comuns para essa área, ora devido ao fato de que os profissionais mais envolvidos na questão já passaram por este setor ou com ele mantém vínculos. No entanto, pesquisas relativas a esses outros setores em relação ao tema podem contribuir significativamente para compreensão de outros aspectos relativos à problemática. Na área da Seguridade Social, as políticas públicas objetivadas no espaço urbano revelam uma rede articulada cujas ações se direcionam para áreas que apresentam maiores carências infra-estruturais e baixo poder aquisitivo da população. A vivência do espaço urbano é também transformada por essas políticas, que influenciam diretamente vários segmentos populacionais. O espaço urbano brasileiro é caracterizado por intensas mudanças, sua produção envolve segregação e fragmentação constante. No que se refere às políticas públicas, o espaço geográfico de uma cidade média, como Presidente Prudente (SP) – cuja população é de aproximadamente 204 mil habitantes8 –, poderia ser amplamente conhecido por profissionais que tratam da questão social, pois não se trata de grandes cidades, que possuem enormes áreas a serem pesquisadas e atendidas, além de relações mais complexas. É relevante pensarmos nisto, pois Presidente Prudente é mais pesquisada que muitas cidades médias do Brasil e, mesmo assim, quando perguntamos aos profissionais que tratam da proteção integral à criança e ao adolescente sobre a quantidade de crianças passíveis de proteção na cidade, essa informação não comparece de forma evidente. Independente de qual seja a real função da assistência social, conhecer e divulgar estes dados parece ir ao encontro de barreiras próprias da política local. A publicação e divulgação das carências da cidade não interessam aos governantes, 7 A SMAS, além de gerir os diversos núcleos assistenciais direcionados a crianças e aos adolescentes no município e enviar funcionários para participar de conselhos e comissões, realiza vários tipos de atendimento na própria sede da secretaria. 8 População estimada para o ano de 2005. No censo 2000, a quantidade de pessoas residentes no município era de 189.186 hab. (CENSO, 2000). 26 mas apenas o que a cidade faz em beneficio aos moradores, durante sua gestão. Essa constatação remete à história de Presidente Prudente, e às características a ela relacionadas. A cidade de Presidente Prudente, localizada ao oeste do Estado de São Paulo, surgiu após a instalação da estrada de ferro Sorocabana, a qual, entre outros objetivos, buscou criar um corredor de escoamento da produção cafeeira no início do século XX. Em 1914, iniciou-se o tráfego de trens e com isto a ocupação intensa da região, denominada Alta Sorocabana. Neste período, as relações políticas baseavam-se no coronelismo e a criação de Presidente Prudente foi feita pelos esforços dos coronéis Goulart e Marcondes e pela pressão do grande desenvolvimento econômico que ia alcançando a região (ABREU, 1972). Ao longo de suas fases econômicas (fase do pastoreio, fase do café, fase da policultura e pecuária), Presidente Prudente atraia população da Alta Sorocabana e de outros estados. Em razão da sua posição estratégica e de suas características econômicas, tornou-se influente no sul do Mato Grosso e norte do Paraná. Já na década de 60, milhares de pessoas passavam anualmente pela cidade e não conseguindo ali se estabelecer, a maioria era reencaminhada para outras localidades (LEITE, 1972). As pesquisas realizadas sobre a década de 60, desenvolvidas por Abreu (1972), já registram a presença de grande número de desempregados e empregados informalmente, delineando o quadro dos bairros periféricos da cidade no âmbito das atividades econômicas. Segundo o mesmo autor, o compadrismo permeava as relações sociais. Em relação ao Estado de São Paulo, a região de Presidente Prudente é uma das menos desenvolvidas economicamente no que tange ao prisma do desenvolvimento tecnológico. Possui um número reduzido de indústrias, grandes áreas de pecuária extensiva e está atrasada no estabelecimento de estruturas básicas para a implantação de sistemas informacionais mais avançados, mesmo assim, caracteriza-se como cidade média, devido às funções intermediárias que exerce nas relações entre as cidades da rede urbana a que pertence (SPOSITO, M. E. B., 2005, p. 107). Estas funções estão relacionadas aos estabelecimentos comerciais e de serviços que se instalaram no município, com destaque para os estabelecimentos de ensino. Neste trabalho, procuramos caracterizar o fenômeno objetivado e o objeto teorizado sob aspectos epistemológicos. Assim, no primeiro capítulo, apresentamos a 27 proteção integral à criança e ao adolescente no âmbito da assistência social em Presidente Prudente (SP), identificando o objetivo das políticas relacionadas ao tema, a forma com que os profissionais envolvidos interpretam e atuam em relação a esse objetivo e quais ações que efetivamente chegam aos que foram classificados como beneficiários. O segundo capítulo discute aspectos da ontologia da infância. Segundo a bibliografia consultada, a infância existe devido a condições históricas e está atravessando uma fase nunca experimentada, na qual a historicidade atual lança novos desafios ao âmbito infantil. Esta aproximação da constituição da infância permite problematizar os direcionamentos das políticas relacionadas a faixas etárias específicas. No terceiro capítulo, relacionamos Estado, mercado e sociedade, como um todo, ao tema das políticas de proteção integral à criança e ao adolescente. Partindo da noção de ideologia e relacionando-a com a epistemologia, chegamos à teoria das representações sociais, relação que permite identificar possibilidades de conhecimento do universo pesquisado e consequentemente caminhos alternativos que se configuram ou podem se configurar na realidade socioespacial de cidades médias. O quarto capítulo aborda as representações sociais formadas por profissionais que fazem parte da rede social temática. A teoria das representações sociais e a teoria do núcleo central são utilizadas para identificar tais representações e, consequentemente, correlacioná-las com os demais resultados do trabalho. Por fim, o quinto capítulo trata das redes sociais temáticas, enquanto ambientes propícios ao enfrentamento das questões sociais que atualmente apresentam alta complexidade. A partir da identificação da gênese e abrangência da rede social temática é possível compreender como a mesma está influenciada por tipos de controle ou possui tendência à autonomia, ou ainda se ela está em processo de passagem de uma para outra. A rede social temática, embora configure a parcialidade, apresenta vínculos verticais e horizontais, o que permite tratar de sua constituição interna e de suas relações externas, insere-se assim na abordagem geográfica como âmbito multi-escalar de articulação com território, lugar, região e paisagem. Nas considerações finais, algumas tentativas de síntese são realizadas, ora mostrando a coerência encontrada na abordagem, ora propondo procedimentos compatíveis com os resultados. 28 CAPÍTULO I A PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE 29 A gênese das políticas sociais ocorre na Alemanha do século XIX, quando Bismarck oscilava entre tornar ilegais muitas organizações de trabalhadores e instituir leis, como as de acidentes de trabalho, seguro doença, proteção a invalidez e proteção a aposentadoria. A consolidação da intervenção do Estado na economia, em âmbito mundial, só ocorreria no pós 1929, com o enfrentamento da crise, descartando, assim, a aplicação radical do preceito liberal de não intervenção estatal (GRANEMANN, 2006, p. 14). Para Rezende (2006, p. 35), os direitos sociais só passaram a ser reconhecidos em meio à crise dos anos de 1929-1930, quando a ampliação desse papel social do Estado torna-se inevitável frente à dimensão da crise, e mais ainda, no contexto estabelecido após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação do Estado de Bem Estar. Teria existido, dessa maneira, uma tensão no cerne do Estado, em que a forma de utilização dos recursos dos impostos colocaram a questão referente à concentração e distribuição da riqueza. Rezende (2006) busca mostrar que a tensão é real e pode ser comprovada, quando, por um lado, segmentos do capital empreendem estratégias para maiores investimentos na área da economia, em detrimento das políticas sociais e, por outro lado, os trabalhadores se organizaram pela conquista de direitos. Caracteristicamente, as políticas sociais ocupam um âmbito de atrito entre a ordem pretendida e a efetiva complexidade existente. No Brasil, os benefícios sociais conquistados do período após a Segunda Guerra Mundial não prevaleceram. Pobreza e desigualdade ganham visibilidade a partir de 1960-1970 e alcançam maiores proporções, a partir da crise da década de 1980. É nesse contexto que o desinvestimento estatal em políticas sociais consolida-se, com as políticas neoliberais, e é relacionado, por pesquisadores do serviço social, ao aumento de fenômenos como “o de crianças e adolescentes em conflito com a lei, população em situação de rua e a violência urbana” (SOUZA, 2006, p. 84). Embora os problemas ligados à questão da infância e da adolescência apresentem índices alarmantes no Brasil do final do século XX, já em 1927, uma forma de controle foi instituída, enquanto Código de Menores, tendo como seu autor e primeiro juiz Mello Matos. Os princípios do código eram estabelecidos a partir da noção de situação irregular, que “considerava os menores como objeto de medidas judiciais quando encontrados em situação irregular” (TÔRRES; SOUZA FILHO; MORGADO, 2006, p. 102, grifo do autor). Com base nesses princípios, ações assistencialistas e repressivas permearam 30 a política de atendimento à infância em grande parte do século XX, no Brasil, e objetivaram instituições emblemáticas dos respectivos períodos: O Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado em 1941, e a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem), criada em 1964, após o golpe militar, com o objetivo de substituir o SAM, são os exemplos emblemáticos da visão e da prática de atendimento às crianças e aos adolescentes que predominaram (guardadas pequenas diferenças não substantivas) durante o período compreendido entre a era Vargas e a ditadura militar recente, amparados pelo Código de Menores. (TÔRRES; SOUZA FILHO; MORGADO, 2006, p. 104) A partir do movimento de luta no período pós 1974, organizações não- governamentais, igrejas e universidades, geram projetos alternativos, como uma manifestação contra a política oficial de atendimento, ora denunciando a precariedade do atendimento, ora valorizando as potencialidades das crianças e dos adolescentes. Mostrava-se importante, naquele momento, garantir, constitucionalmente, elementos para a definição do paradigma da Proteção Integral como norteador de uma nova forma de conceber a política de atendimento à infância/adolescência. Era fundamental que as crianças e os adolescentes deixassem de ser vistos como menores em situação irregular – e, portanto, objeto de medidas judiciais – e passassem, pelo menos no plano legal, a ser considerados sujeitos de direitos, portanto cidadãos. As forças sociais que defendiam essa proposição estavam concentradas em nível nacional. Foi essa articulação que propiciou a aprovação do Artigo 227 na Constituição Federal de 1988. Após a promulgação da Constituição, as organizações da sociedade civil que participaram do processo constituinte influenciando a área da criança e do adolescente se articularam com setores progressistas da Magistratura, do Ministério Público e do Poder Executivo, defensores da doutrina de Proteção Integral, para elaborar e articular a aprovação da Lei Complementar aos Artigos 227 e 228 da Constituição, que viria a ser chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8069/90). (TÔRRES; SOUZA FILHO; MORGADO, 2006, p. 107, grifos do autor) Destacando que, ainda hoje, são precipitadas e equivocadas as análises que buscam condenar o ECA, estes autores, apontam alguns espaços potenciais de alternativas, que o ECA possibilitou, como o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA) e o Conselho Tutelar (CT). No entanto, é preciso enfatizar desde já, que o uso mágico da palavra direitos não garante isonomia em muitos casos, apenas encobre, sob ilusionismo, o assistencialismo cultivado. A mistura entre discursos por direitos e práticas de controle é muito comum. Esse distanciamento, entre discurso e prática, parece ser mais recorrente em cidades como Presidente Prudente (SP), que situam-se distantes dos focos mais tensos de reivindicações. Para Santos, B. S. (2006), direito, juntamente com ciência, formam os dois grandes motores da racionalidade moderna ocidental. Ele sugere considerar a existência de outras racionalidades (SANTOS, B. S., 2006, p. 13). A nosso ver, um dos limites da noção 31 de direito é a não observância de sua negação, o não-direito, e sua gênese projetiva desligada da prática. A consideração do não-direito, implica, no caso dos profissionais que buscam efetivar direitos, uma luta ampla e não residual, como ocorre quando se focaliza direitos mais acessíveis. A gênese projetiva desligada da prática é relevante, pois confere ao direito uma forma modelar de aplicação que, em muitos tipos de atendimento, está distante da realidade do atendido. 1.1 A consolidação estatutária da proteção integral Levando em conta as desigualdades sociais existentes na sociedade brasileira, e a vulnerabilidade a que grande parcela da população está sujeita, analisamos as políticas públicas destinadas à criança e ao adolescente, em meio ao contexto local de um município brasileiro. Partimos do pressuposto de que o adulto sadio, trabalhador, responsável, integrado a uma família, é a base das disposições gerais relativas à ordem social9 no Brasil, é também o modelo a ser atingido pelas faixas etárias inferiores. A infância é tratada como o estágio para se tornar adulto e não como uma fase em si. A maioria das atividades relacionadas à criança e ao adolescente são futuristas. O presente é ausente e o futuro é presente. No caso estudado, a prioridade de atendimento e proteção às crianças e aos adolescentes, expressa a busca pela construção de uma sociedade melhor, menos desigual e com menor vulnerabilidade. No âmbito da ordem social, essa prioridade implica o seguinte silogismo: premissa a) todo ser social em desenvolvimento será um adulto ideal se for protegido; premissa b) a criança é um ser social em desenvolvimento; premissa c) a criança deve ser protegida. Os dispositivos legais relacionados à seguridade social, educação, cultura, desportos e família são os que tratam diretamente da questão da proteção à criança e ao adolescente. Além da seguridade social, outros setores, como os da economia, segurança pública e política, também apresentam relações importantes com a questão. No âmbito da assistência social, a proteção social é dividida em básica e especial. A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação 9 O texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Título VIII, trata da Ordem Social na qual a Seguridade Social está contida. 32 de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos − relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras). (BRASIL, PNAS, 2004, p. 34) A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. (BRASIL, PNAS, 2004, p. 39) A territorialização da assistência social no Brasil ocorreu em concomitância com as tensões que nortearam as relações entre desiguais, próprias da sociedade brasileira. A assistência social, por mais que tenha transformado seu modo de ação e de conceber as causas das desigualdades sociais, ainda carrega o estigma do assistencialismo, e, por vezes, práticas assistencialistas. Ministério do Desenvolvimento Social, Secretarias Estaduais de Assistência e Desenvolvimento Social, Divisões Regionais de Desenvolvimento e Assistência Social, Secretarias Municipais de Assistência Social, Núcleos de Assistência Social e Postos de Assistência Social no interior de outras instituições, como Hospitais ou projetos educacionais específicos, formam o eixo estrutural, que atinge as diversas escalas geográficas, no âmbito das políticas públicas de assistência social no Brasil. Forma-se deste modo uma instância de poder que territorializa não somente a assistência, mas, também, uma contradição, na qual a espacialidade da assistência social depende em grande parte do fracasso da sociedade, enquanto instância geradora de isonomia. Elegemos a assistência social como eixo desta abordagem por ser o setor que se revelou mais central na articulação formal com outros setores relacionados à proteção integral. Além disso, o mesmo executa ações assistenciais de iniciativa governamentais, o que, de certa maneira, implica na continuidade do nosso trabalho, desenvolvido no mestrado (FURINI, 2003), no qual tratamos de ações assistenciais de iniciativa não governamentais. A distância entre assistência social ideal e assistência social real é acentuada, pois, o objeto questões sociais implica realidades idealizadas em uma infinidade de opções, tornando a elaboração e execução das políticas públicas um desafio constante e repleto de significados. Nesse abismo entre o ideal e o real, muitas vezes, os diversos profissionais envolvidos no processo são ignorados, como se não fossem sujeitos de um processo. Buscando contribuir para a reversão desse quadro, esse trabalho pretende mostrar nuances das diversas potencialidades de representação e ação de profissionais, envolvidos 33 com a assistência social. Contudo, no aspecto profissional, não basta ao serviço social recusar a tradição herdada da caridade organizada, mostrando como um saber superior, que o serviço social se diferencia, como profissão, pelo fato da caridade organizada não possuir “ação planejada, frente à contradição estrutural da sociedade capitalista” (REZENDE, 2006, p. 30). O fato do Estado ser, para esses defensores, o criador “de um conjunto de instituições prestadoras dos tipos de serviço que viessem suprir as necessidades de natureza social da grande maioria da sociedade excluída do acesso à riqueza” (REZENDE, 2006, p. 34) – ações que proporcionarão, a partir do final do século XIX, segundo esta autora, as condições históricas e também materiais que, a partir daquele momento determinaram toda a emergência do serviço social – traz em si a concepção de Estado como espaço vazio ocupado pelo capital, o que desqualifica a opção por ação planejada, enquanto elemento superior à caridade organizada. Enquanto ação planejada, ela ocorreria, em grande parte, sob desígnios controlados, o que não a torna superior à caridade organizada. Deste modo, a concepção de Estado passa a ser importante nessa abordagem, como veremos no terceiro capítulo. Inicialmente, preferimos identificar o Estado enquanto espaço de múltiplas tensões no qual, inclusive, a atuação dos profissionais da área da assistência social deve ser considerada em contextos mais amplos, em que os grupos de interesses, os capitais, e as elites influenciam nas representações sociais, gerando saberes controladores, porém passíveis de superação. O potencial alternativo do serviço social não está na natureza mesma do âmbito profissional, mas nos contra-saberes surgidos a partir da falência de saberes estabelecidos. Falência que, parte dos profissionais, não somente do serviço social, transformam em luta por alternativas em direção a equidade social. O enfrentamento das questões sociais no Brasil, por meio da assistência social, remete ao caráter sempre inacabado das formas de intervenção: De sua inclusão no tripé da seguridade social à sua transformação, de fato, em mecanismo de acesso da população excluída aos bens e serviços coletivos resta à assistência social um longo caminho a percorrer. Sua implementação como parte do processo de descentralização política administrativa, é marcada pelas diferenças políticas e ideológicas que caracterizam as administrações públicas no Brasil. (SOUZA, 2006, p. 87) O texto da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovado em 2004, busca implementar a concepção de assistência social como política pública e de 34 direito social, com os pressupostos da territorialização, descentralização e intersetorialidade. A PNAS foi aprovada como sendo a materialização das diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social e o Conselho Nacional de Assistência Social cumprem as deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília, em dezembro de 2003. Oficialmente “expressa exatamente a materialidade do conteúdo da Assistência Social como pilar do Sistema Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social” (BRASIL, PNAS, 2004, p. 8). No bojo da PNAS, a principal deliberação foi a proposta de implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), “requisito essencial da LOAS para dar efetividade à assistência social como política pública” (BRASIL, PNAS, 2004, p. 10). O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) propõe a regularização e organização, em todo o território nacional, das ações socioassistenciais que norteiam esses novos pressupostos da assistência social. A proteção integral da criança e do adolescente se estabelece como campo privilegiado neste contexto de reelaboração da assistência social. Todavia, a proposta do SUAS prioriza a matricialidade sócio-familiar, o que nos permite abordar as redes sociais de proteção integral à criança e adolescente, porém observando a possível constituição mais abrangente das redes sócio-assistenciais propostas no SUAS e que buscam superar a focalização por meio da centralidade da família com políticas de cunho universalista. É importante observar que embora se mude o tema, a centralidade temática permanece, mesmo que com temas mais amplos. Ademais, é provável que a simples ampliação da abordagem para o âmbito da família implique a existência de sub-temas. O costume de ocorrer apenas mudanças nominais de projeto e programas, continuando a tratar a problemática da forma anterior à mudança, está ainda presente, contudo, a estrutura a ser implantada pelo SUAS pode mudar, ao menos em parte, essa prática. O SUAS encontra-se em fase de divulgação no município de Presidente Prudente. Sua objetivação implica mudanças representacionais e organizacionais. A partir do SUAS, os setores de informação, avaliação e monitoramento, passam a ser tratados como setores estratégicos de gestão, no sentido de que eles não sejam circunstanciais e sim constitutivos e indispensáveis para todas as fases do processo. Deste modo, busca classificar 35 como eixo estruturante de ação, a matricialidade sociofamiliar e assim, superar a focalização. A superação da focalização é tema de relevância, visto que vai ao encontro da universalização do atendimento. A centralidade da família superaria a focalização em situações de risco de segmentos específicos, desde que relacionada ao coletivo e não ao individual. Trata-se, portanto, de um avanço, pois diminui a possibilidade de discriminação por segmento. Identificamos a atuação, norteada pelo prisma da focalização, dos órgãos públicos do município que se relacionam à temática da proteção integral à criança e ao adolescente. A integração entre estes órgãos ocorre de acordo com as demandas, mas alguns vínculos já apontam para a formação de um campo de ações no qual a visibilidade do tema pode trazer transformações profundas que ultrapassem os limites hierárquicos-burocráticos. Dentre os órgãos e grupos listados no Quadro 1, pesquisamos os que apresentavam maior centralidade em relação ao tema. Classificamos como órgãos e grupos governamentais, aqueles cuja iniciativa e manutenção ficam a cargo de uma ou mais das instâncias municipais, estaduais e federais e como órgãos e grupos governamentais participativos, aqueles que, embora recebam recursos governamentais, guardam em sua criação e gestão formas participativas e parcerias, mesmo que também estejam ligados a uma ou mais esferas de governo. O fato de pesquisarmos redes sociais é condicionante na priorização dos aspectos conectivos entre eles. Porém nos detivemos mais naqueles que apresentaram maior atuação ou foram mais citados pelos entrevistados no âmbito da temática. Além disso, em geral, observamos que esses órgãos e grupos enceram realidades bastante controladas, mesmo aqueles que têm caráter participativo. As possibilidades de transformação ocorrem quando esse controle é abalado e uma das formas de fazê-lo é questionar essas realidades. Contrapor os aspectos relativos ao propósito da criação destes órgãos, com o que realmente eles realizam e o que os funcionários pensam realizar por meio deles, são objetivos que buscamos atingir com esse trabalho. Pensamos ser a correlação entre estas três instâncias, uma forma reveladora dos limites atuais existentes na formulação, execução e nos resultados das políticas públicas relativas à proteção integral da criança e do adolescente. 36 Quadro 1 – Órgãos e grupos de iniciativa governamental relacionados à proteção integral da criança e do adolescente, Presidente Prudente (SP), 2006 GOVERNAMENTAIS 1. Ambulatório Regional de Saúde Mental 2. Câmara Municipal 3. Companhia Prudentina de Desenvolvimento (Prudenco) 4. Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) 5. Divisão Regional da Assistência e Desenvolvimento Social (SP) 6. Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) P. Prudente 7. Juizado de Direito Infância e Juventude 8. Ministério Público – Promotoria de Justiça da Infância e Juventude 9. Polícia Militar 10. Secretaria Municipal da Cultura e Turismo 11. Secretaria Municipal da Saúde 12. Secretaria Municipal de Assistência Social 13. Secretaria Municipal de Educação 14. Secretaria Municipal Esportes GOVERNAMENTAIS PARTICIPATIVOS 1. Comissão do “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil” 2. Conselho Municipal Anti-Drogas (COMAD) 3. Conselho Municipal da Assistência Social 4. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente 5. Conselho Tutelar 6. Grupo de Empresários e Profissionais Amigos da Criança (GEPAC) 7. Rede Criança Prudente 8. Rede Social São Paulo Pesquisa e organização dos dados: Luciano Antonio Furini. Fonte: Entrevistas/Pesquisa documental. Apresentaremos a seguir uma análise das ações de proteção integral à criança e ao adolescente por profissionais inseridos em diversas áreas cuja a assistência social possui algum tipo de vínculo, seja por meio de ações realizadas por assistentes sociais, seja por ações realizadas por outros profissionais que interagem com o serviço 37 social. Muitos profissionais se relacionam com a assistência social para pesquisar, planejar, gerir ou executar ações de proteção, o que permite estabelecermos uma classificação. 1.2 A subcultura assistencial na territorialização da proteção integral à criança e ao adolescente Para efeito de análise, classificamos sete setores10: a) assistência social, por se tratar de setor fortemente ligado ao tema, pesquisamos tanto a Secretaria Municipal de Assistência Social, quanto os vários projetos por ela desenvolvidos; b) educação, no qual pesquisamos dois projetos que envolvem assistentes sociais; c) saúde, em que pesquisamos alguns Hospitais e núcleos de saúde que também possuem assistentes sociais em seus quadros profissionais; d) entidades privadas, no qual pesquisamos apenas duas entidades, já que havíamos realizado pesquisa anterior com diversas delas e, neste trabalho, buscamos especificidades da ação dos assistentes sociais, profissionais comumente empregados nestas entidades; e) justiça, que engloba órgãos como o Juizado de Justiça da Infância e Juventude, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude e a Fundação Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente (Fundação CASA) 11; f) participativos, no qual incluímos o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o Conselho Tutelar, a Rede Criança Prudente, a Rede Social São Paulo e a Comissão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; e g) universidades, incluído para compreendermos aspectos da proximidade entre pesquisadores e seus respectivos trabalhos e os profissionais que planejam e executam políticas públicas. A Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) é o órgão público que executa os programas e projetos de assistência social no município, de acordo com o Conselho Municipal de Assistência Social, o Fundo Municipal de Assistência Social e a Política Municipal de Assistência Social. Sua atuação é condição necessária para a realização dos repasses federais e estaduais, de acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Considerando os projetos a que tivemos acesso, a Secretaria Municipal de Assistência Social de Presidente Prudente atendia, em 2005, aproximadamente 2.330 10 Setores relativos ao universo de proteção encontrado, embora, em alguns casos, guardem relação com os setores tradicionais do município, como educação, saúde e assistência social. 11 A antiga Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM) passa a se chamar Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA). A mudança na denominação ocorreu no final de 2006. É evidente que o novo nome ainda não extinguiu velhas práticas. Os núcleos da FEBEM, espalhados no Estado de São Paulo, sempre foram lugares onde ocorreram agressões física e psicológica aos adolescentes ali presos. 38 crianças e adolescentes diretamente, sendo que destes cerca de 620 recebiam algum tipo de auxílio financeiro por meio dos projetos. Já o Programa Bolsa Família do governo federal, ao qual não tivemos acesso12, concedeu bolsa para mais de 5.000 famílias no município no ano de 2005. Nos Cartogramas 2 e 3 podemos observar uma síntese dos atendimentos à crianças e adolescentes realizados pela SMAS, no que se refere as áreas de domicílio dos atendidos e aos fluxos estabelecidos nestes atendimentos, a partir dos setores censitários. Os deslocamentos que crianças e adolescentes realizam para serem atendidos se concentram nas proximidades dos CRAS e dos núcleos de atendimento da SMAS, contudo, diversos deslocamentos entre áreas distantes ocorrem, indicando ausência de atendimento em determinadas áreas, ou dificuldades na organização dos atendimentos, revelando limites na abrangência dos atendimentos. 12 Buscamos dados do Programa Bolsa Família do governo federal, tanto na SMAS, quanto no Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), ambos não forneceram. O representante do órgão municipal alegou que o banco de dados não disponibiliza os dados, já o representante do MDS alegou que somente seria possível por meio de convênio, o que não poderia ser viabilizado naquele momento. 39 40 41 A focalização é característica na atuação da SMAS e mesmo quando a família é priorizada, o intuito é proteger a criança e o adolescente. Os poucos recursos destinados à população de rua13, em comparação aos recursos destinados à criança e adolescente, são exemplos de que ao adulto, pouco é oferecido na tentativa de restituir o convívio social dos mesmos. Podemos questionar se a prioridade de atendimento à criança e ao adolescente, em detrimento do adulto e do idoso, não configura uma orientação para o trabalho. É como se os diversos projetos buscassem satisfazer o mercado, dando pouca atenção aos que não apresentam condições de se inserir diretamente no mesmo. Essas considerações nos levam a perguntar, se a instituição da Assistência Social não seria a cristalização da vulnerabilidade social no Brasil. Se a demanda implica assistência social, a assistência social também pode implicar demanda. Como afirma Nasciutti (2005), uma instituição, “enquanto mediador entre o que é da ordem social e cultural e o que é da ordem do indivíduo/sujeito/ator” (NASCIUTTI, 2005, p. 124), tem potencial para ser centro de mudanças, mas também instrumento de controle. Isso já é de conhecimento de muitos estudiosos, contudo, o que nós destacamos é a representação que se constrói da instituição. Uma ação institucional pode não só atuar no local - onde o problema ocorre – e sobre as pessoas atingidas, como também, dissimular as representações sociais relacionadas ao problema, por meio de ações paliativas, amenizando suas conseqüências simbólicas. Desse modo, podemos mostrar que para as instituições que atendem casos de carência e vulnerabilidade social, pode ocorrer uma inversão comprometedora quando lutam por manter os atendimentos, mesmo que estes não sejam adequados para a erradicação ou tendência a erradicação do problema. Ultrapassar esta visão limitada remete à superação de limites ligados ao âmbito representacional, ao qual nos referimos acima. O contexto social de muitas pessoas em situações menos abastadas é permeado por casos de uniões instáveis entre cônjuges, mães jovens, morte prematura, limitações físicas ou mentais, violência, carência material, pouca possibilidade de mobilidade urbana e interurbana, conjuntura reproduzida por desigualdades sociais próprias do Brasil. Neste ponto, podemos notar que parcelas da população carente são ignoradas por limites na estrutura de enfrentamento da questão. Deixar parcelas de 13 A SMAS recebe recursos municipais, estaduais e federais para atender ao migrante e população de rua – pessoas que utilizam as ruas como local de moradia. 42 vulnerabilizados à margem, sem atendimento e atenção especial, torna-se algo instituído. Os indicadores sociais, enquanto modo de divulgação das informações socioespaciais, podem abonar projetos ineficazes de enfrentamento da questão, quando apresentam dados parciais ou sobrevalorizados. A importância dos indicadores sociais é destacada na PNAS, o que demonstra um reconhecimento de que existem dificuldades nesse aspecto. Por um lado, não conferimos à Assistência Social o crédito de configurar uma política pública que busca a alternativa participativa e justa. Buscamos evidenciar que as bases representacionais em que a assistência social se apóia devem ser reavaliadas, o que pode propiciar transformações na competência e abrangência deste setor. Por outro lado, não concebemos a assistência social como um campo de controle do Estado para manter o poder em determinado modo de produção. Diversos tipos de atendimentos deste setor são ações que estarão presentes em diversas formas de organização das sociedades. O que não é admissível, neste caso, é a exceção se tornar a regra. A pessoa recebe uma ajuda e, em geral, desconhece a lógica global e local em que essa ajuda se insere. Esse desconhecimento pode impedir um posicionamento crítico, que direcione forças a contestação e a participação ampla em movimentos sociais. Como podemos identificar no Cartograma 4, as áreas de média e alta exclusão da cidade (ANEXO H) não são atendidas com a mesma intensidade por projetos da SMAS, revelando existir um descompasso entre uma possível demanda e a efetiva oferta de benefícios direcionados à criança e ao adolescente. 43 44 No Brasil, os recursos para a assistência social partem das esferas de governo federal, estadual e municipal. Organizações não governamentais (ONG’s) também contribuem com recursos. O orçamento para questões sociais relacionadas à assistência social é formado pela política dos mínimos sociais, o que faz com que, embora os indicadores sociais apontem os segmentos e as áreas mais carentes de recursos, os atendimentos se limitam aos recursos que se tem e não aos recursos que deveria ter. Abre-se aqui uma questão central, até que ponto é importante aumentar os recursos para a assistência social? Saber os limites das ações da assistência social é um desafio, ademais, vários projetos nessa área poderiam ser programados para acabar, como sugere Demo (2003, p. 109). Para este autor, à medida que as populações assistidas atinjam certa autonomia, os projetos que as apoiavam devem desaparecer. A concentração de parcos recursos governamentais evidencia o caráter paliativo dos programas e projetos sociais, os quais, muitas vezes, atendem somente uns poucos privilegiados que conseguiram ter acesso à informação. Essas ações assistenciais são pontuais, idealizadas por um pensamento social limitado a fatores de controle social e não condizentes com os mais simples princípios de universalização e abrangência dos trabalhos. Devido a sua forma, intensidade e influência, a assistência social pode ser considerada a legenda do mapa da exploração mundial. Ao acessarmos os dados e metodologias implementadas, conseguimos vislumbrar vários aspectos das conseqüências dos processos excludentes que circulam mundialmente, mesmo quando as ações não são abrangentes ou eficientes. A gama de projetos, programas e funcionários envolvidos na assistência social revela a intensidade e abrangência das ações. Além da respectiva forma de enfrentamento da questão, tal estrutura de enfrentamento pode consumir grande parte dos recursos, antes destes chegarem ao destino final. Estima-se que em alguns casos, cerca de oitenta por cento dos recursos são destinados aos gastos-meios (informação verbal)14. Entre os profissionais envolvidos diretamente no trato da questão, identificamos assistentes sociais, professores, educadores sociais, psicólogos, motoristas, cozinheiras, encarregados de serviços gerais, policiais, vigias, advogados, administradores 14 Em palestra proferida no Simpósio de Serviço Social realizado na Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente (SP), com o tema: Terceiro Setor, proferida em 13/05/2004, Carlos Montaño, mostrou que grande parte dos recursos destinados às políticas de assistência social é utilizada para manter a estrutura da assistência, o que, de certo modo, faz com que projetos de transferência direta de renda, como no caso do Programa Bolsa Família, sejam mais eficazes neste sentido. 45 de empresa, contadores, além de diversos técnicos e estagiários de diferentes áreas. Embora os assistentes sociais e educadores sociais somem maior número, a gama de profissões demonstra a diversidade de posturas implícitas nos atendimentos. No caso dos assistentes sociais, o grau de dedicação aos trabalhos burocráticos implica uma inversão de valores. Muitas vezes, o assistente social, em meio a tal situação, se vê impedido de atuar em outras iniciativas que busquem a emancipação efetiva dos atendidos. Indagados sobre o grau de autonomia que possuem para atuar, alguns dizem não possuir esta autonomia e outros dizem ter autonomia, mas destacam que é uma autonomia relativa aos recursos disponíveis e as responsabilidades do órgãos públicos ou entidades aos quais pertencem. Em geral, nota-se certo enquadramento, próprio das relações trabalhistas, em que os funcionários cumprem as atribuições do seu cargo, o que é ainda mais agravado pela forma com que os profissionais interpretam os objetivos das políticas e a postura dos políticos vencedores. O espaço de atuação é, então, caracterizado pelas representações sociais em relação aos atendidos, aos políticos vencedores, aos recursos disponíveis e à competência da área profissional. São limites que o enfrentamento do tema não consegue ultrapassar, no âmbito das particularidades de cada segmento, restando à rede social temática a possibilidade de superação, já que esta pode superar estes limites, caso a interface dos contatos produza visibilidade temática e assim exija ações mais amplas a partir de participações mais espontâneas. A execução das políticas de assistência social no município envolve a objetivação de diversos programas por meio de núcleos de atendimento, localizados em diversos bairros da cidade. Esta proximidade com as famílias constitui-se em estratégia importante, pois permite ao profissional envolvido maior inserção e comprometimento com os casos de vulnerabilidade. Como frisamos, a família é o âmbito de atuação privilegiado, mesmo na questão da infância e adolescência. Pensamos que para além de proteger a família, é necessário proteger a familiaridade. Em várias famílias, o grau de reciprocidade entre consangüíneos e agregados é muito baixo. Padrastos e enteados, avós e netos, mães e filhos, todas essas relações em meio a situações em que os membros da família, ou mesmo amigos, apresentam problemas graves de dependência química, implicam um estranhamento que desencadeia constantes rupturas dos laços sociais. Esse contexto de desestruturação das 46 redes sociais espontâneas, devido a uma série de fatores sociais, implicou, historicamente, na elaboração de diversos tipos de enfrentamento da questão, objetivados em políticas públicas. Acesso é uma palavra chave do serviço social, pois toda luta social e efetivação de políticas públicas nessa área passa pela possibilidade de acesso aos bens e serviços, muitas vezes barrados pela riqueza acumulada. No cerne dessa possibilidade de acesso encontra-se a capacidade social da população agir. Na concepção de autores do serviço social, a efetivação do acesso implica que o usuário se objetiva entre ser público alvo ou sujeito de direito (REZENDE, 2006, p. 41). Em geral a efetivação do acesso é de natureza interveniente, que ocorre quando os órgãos públicos ou entidades atingem o público alvo, e não recorrentes, que se dão quando o acesso aos direitos ocorre por meio de denúncia, a partir do potencial sujeito de direito, em seu contexto informativo. A grande quantidade de programas e projetos, planejados e executados nas diversas escalas geográficas, apontam para uma carência de articulação nos diferentes níveis. Em Presidente Prudente (SP), identificamos 21 projetos de iniciativa governamental e 36 de iniciativa não-governamental, cadastrados na SMAS, relacionados à criança e ao adolescente, mas que guardam semelhanças em suas áreas de atuação. Observamos que a territorialidade dos programas e projetos influencia sobremaneira a execução e efetivação dos mesmos. Os Centros de Educação para Cidadania e os Núcleos de Ação Comunitária15 comportam diversos programas e projetos, assim, alguns bairros são atendidos com vários projetos, enquanto outros não são abrangidos. Segundo diretoras da SMAS, os atendimentos priorizam os bolsões de pobreza. 15 Os Centros de Educação para Cidadania (CECs) e os Núcleos de Ação Comunitária (NACs) constituem locais que, segundo os objetivos, buscam dar atenção às necessidades objetivas e subjetivas da população atendida. A partir de 2006, novas denominações trouxeram novas propostas de atendimento, surgindo assim os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), que serão desenvolvidos em núcleos antigos, sob nova denominação. 47 Quadro 2 – Relação dos programas e projetos de iniciativa governamental voltados à criança e ao adolescente, desenvolvidos ou acompanhados pela SMAS, Presidente Prudente (SP), 2006 Fonte: SMAS de Presidente Prudente (SP). Pesquisa e organização dos dados: Luciano Antonio Furini. Obs: a SMAS desenvolve também programas e projetos para adultos. Nome 1. Ação Jovem 2. Alerta 3. Apoio e Orientação Familiar 4. Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência 5. Atenção Especial 6. Auxílio Gás 7. Bolsa Família 8. Centros de Educação para Cidadania 9. Comissão Local de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente. 10. Complemento à Escola e à Família 11. Criança Cidadã 12. Educação Profissional Encaminhamento p/ Mercado 13. Enfrentamento da Pobreza 14. Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) 15. Família Ação 16. Jovem Cidadão 17. Núcleos de Ação Comunitária 18. Prestação de Serviço a Comunidade 19. Proteção Especial à Criança e Adolescente 20. Renda Cidadã Fortalecendo a Família 21. Sentinela 48 Quadro 3 – Relação dos programas e projetos de iniciativa não- governamental, acompanhados pela SMAS de Presidente Prudente (SP), 2006 Nome 1. Acolher 1 2. Acolher 2 3. Acreditar 4. Adolescente Aprendiz 5. Atendimentos terapêuticos pedagógicos 6. Caminhar 7. Canguru 8. Casa da Criança 9. Casa do Brinquedo 10. Combate a evasão escolar 11. Creches 12. Crescer 13. Crescer e Aprender 14. Criando Asas 15. Dignidade 16. Educação para o trabalho 17. Educando 18. Escola de educação 19. Espaço amigo 20. Esperança 21. Esquadrão da Vida 22. Extensão comunitária 23. Inclusão social da pessoa com deficiência 24. Interação 25. Jovem do Futuro 26. Mão Amiga 27. Pessoa portadora de deficiência 28. Profissional 29. Promoção à família 30. Restabelecimento de vínculos familiares 31. Ser livre 32. SOS Bombeiros no Resgate da Cidadania 33. Talentos de hoje líderes de amanhã 34. Terapêutico 35. Vivências terapêuticas 36. Zona azul Fonte: SMAS de Presidente Prudente (SP). Pesquisa e organização dos dados: Luciano Antonio Furini. Utilizando as noções de escala de origem e escala de impacto, de Santos, M. (2002), podemos afirmar que o desvendar das particularidades da escala de origem, quando do planejamento, e da escala de impacto, quando da execução, é relevante neste trabalho. Resta saber se a proposta dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) é uma nova forma de atendimento ou apenas um novo nome para antigas formas, já 49 que, conforme mostramos anteriormente, costumam ocorrer diversas mudanças nominais, porém, não afetando significativamente as formas de atendimento. Conforme vemos na Tabela 1, a maioria dos núcleos de atendimento da SMAS levam o nome dos bairros, projetos, ou estabelecimentos em que foram instalados. A quantidade de projetos realizados nos mesmos varia de acordo com a localização e a estrutura existente. Tabela 1 – Relação dos núcleos de atendimento da SMAS, voltados ao atendimento de crianças e de adolescentes, Presidente Prudente (SP), 2006 Núcleo Número de Funcionários Alexandrina 7 Ana Jacinta 2 Augusto de Paula 9 Brasil Novo 4 Cambuci 9 CECAP* 4 Cidade da Criança – Projeto Aquarela 8 Distrito de Montalvão 2 Itapura * Itatiaia – PETI 4 Jequitibás 3 Monte Alto 1 Morada do Sol 11 Nochete 8 Núcleo da SMAS** 78 Núcleo do Projeto Alerta 6 Núcleo do Projeto Sentinela 8 Sabará 3 São Pedro 2 Sesi 2 Vale das Parreiras* 6 Vila Iti 8 Total 185 Fonte: SMAS de Presidente Prudente (SP). Pesquisa e organização dos dados: Luciano Antonio Furini, 2006 (dados referentes a 2005). * Núcleo instalado em entidade não-governamental. ** Na SMAS ocorrem outros tipos de atendimento não relacionados diretamente com crianças e adolescentes. 50 Os núcleos caracterizam-se como espaços renitentes, pois, por meio deles os profissionais envolvidos insistem em desenvolver o projeto, mesmo que os objetivos propostos nos projetos não estejam sendo atingidos a contento. Diversas políticas públicas são metamorfoseadas ao chegarem nessa escala de impacto, onde o atendimento se consolida. Em geral, as diversas políticas implementadas, por meio de programas e projetos, encontram viabilidade em poucas ações assistenciais. Repasse de recursos, estabelecimento de regras, atividades de qualificação profissional e lazer controlado são quase a maioria das ações ou atividades, mesmo que os objetivos do projeto estabeleça atividades mais elaboradas. A SMAS estabelece uma relação entre projetos (ações assistenciais) e núcleos (locais/objetos assistenciais) em que alguns núcleos desenvolvem vários projetos e alguns projetos possuem um núcleo próprio. Os projetos Sentinela e Alerta, por exemplo, possuem núcleos próprios. É comum na política de assistência social se chamar de projeto algo que está em execução, o que permite pensarmos que se trata de simples continuidade no processo de execução do projeto, ou que, a perspectiva futurista das ações torna o projeto enquanto meio, num fim em si, não alcançando resultados específicos, mas controlando sob o rótulo do atendimento executado, possíveis transformações na forma de atendimento. Projeto Alerta e a objetivação das medidas sócio-educativas: o Projeto Alerta foi criado em 1997, no município de Presidente Prudente (SP), em parceria com a FEBEM, executa o cumprimento das medidas sócio-educativas por meio da SMAS. Após o registro da ocorrência e a decisão do Juizado de Justiça da Infância e Juventude, com acompanhamento da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude local, a respectiva equipe técnica do FÓRUM realiza os encaminhamentos. As medidas sócio-educativas observadas no projeto foram a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). A LA consiste em atendimento semanal individual, podendo ocorrer participação em oficinas ministradas por estagiários e sua duração é, em geral, de 6 meses. Pesquisas mostram que a metodologia utilizada na LA não apresenta bons resultados sendo que, entre os fatores negativos, está: [...] o contexto da violência presente na comunidade onde geralmente vive o jovem que tende a neutralizar o efeito que ela poderia ter. Responsabiliza-se também esta violência pelo número cada vez maior de jovens assassinados no período do cumprimento da medida. Segundo a Febem, nos últimos anos cresceu 68% o número de mortes de jovens em LA, passando 81 em 1997 para 136 em 1999. (IBCCRIM, apud TOREZAN, 2004, p. 154) 51 As assistentes sociais responsáveis relataram casos de adolescentes do Projeto Alerta de Presidente Prudente (SP) que foram enviados a FEBEM ou que morreram. A PSC é realizada em órgãos públicos ou entidades não-governamentais com duração, em geral, entre 2 e 4 meses. Um dos entraves do atendimento é que “a presença de jovens infratores num ambiente de trabalho, como escolas, creches e hosp