1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE THIAGO MOESSA ALVES INDÍGENAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA: CENOGRAFIA, ETHOS DISCURSIVO E IDEOLOGIA PRESIDENTE PRUDENTE - SP 2021 2 THIAGO MOESSA ALVES INDÍGENAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA: CENOGRAFIA, ETHOS DISCURSIVO E IDEOLOGIA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Linha de pesquisa: Processos formativos, ensino e aprendizagem. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Renata Junqueira de Souza PRESIDENTE PRUDENTE - SP 2021 3 4 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Presidente Prudente CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA TESE: Indígenas na literatura infantil e juvenil brasileira: cenografia, ethos discursivo e ideologia AUTOR: THIAGO MOESSA ALVES ORIENTADORA: RENATA JUNQUEIRA DE SOUZA Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Doutor em EDUCAÇÃO, pela Comissão Examinadora: Prof(a). Dr(a). RENATA JUNQUEIRA DE SOUZA (Participação Virtual) Departamento de Educação / Unesp, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Prof. Dr. ALBERTO ALBUQUERQUE GOMES (Participação Virtual) Departamento de Educação / Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente Profa. Dra. JOSETE MARINHO DE LUCENA (Participação Virtual) Centro de Ciências Humanas Letras e Artes / Universidade Federal da Paraíba Profa. Dra. ANDREIA DE OLIVEIRA ALENCAR IGUMA (Participação Virtual) UNIGRAN / Centro Universitário da Grande Dourados Profa. Dra. ELIANETH DIAS KANTHACK HERNANDES (Participação Virtual) Departamento de Administração e Supervisão Escolar e Programa de Pós-Graduação em Educação / Unesp, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Presidente Prudente, 31 de maio de 2021 Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente - Rua Roberto Simonsen, 305, 19060900, Presidente Prudente - São Paulo http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--educacao/CNPJ: 48.031.918/0009-81. 5 Com a aprovação no dia 31 de maio de 2021, torno-me o primeiro professor efetivo da Rede Municipal de Ensino de Naviraí-MS (REME) a obter o título de doutor. Como afirma a psicanalista infantil Melanie Klein, quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum tipo de paraíso. Assim ocorreu muitas vezes comigo, já que meu lugar de professor da Educação Básica sempre foi questionado por aqueles que insistem em dizer que “essas teorias não funcionam na prática” e que eu deveria lecionar em outros lugares que me pagassem mais e que aceitassem melhor meus ideais. Dedico, portanto, esta tese à REME de Naviraí, com o compromisso de permanecer lutando para que eu não seja único por muito tempo. 6 AGRADECIMENTOS [...] a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. (Manoel de Barros) Sou muito grato por ter podido participar dos muitos projetos relacionados ao Centro de Estudos em Literatura Infantil e Juvenil (CELLIJ/FCT/UNESP) durante minha formação no Doutorado em Educação. Em especial, agradeço às professoras Renata Junqueira de Souza e Elianeth Dias Kantack Hernandes, coordenadora e colaboradora do Cellij, respectivamente, por terem participado junto comigo de todos os momentos formativos, desde a seleção para ingresso no PPGE, realização de disciplinas, grupo de pesquisa, congressos e projetos de contação de histórias. Agradeço também aos mestrandos e graduandos em Educação e Pedagogia da FCT/UNESP que atuaram como contadores de história do Projeto A hora do conto – que tive a honra de coordenar em 2017 –, dos quais destaco Bia, Bela, Cássia e Gabi. Agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa, dos quais sobressalto os nomes de Marisa, Renata Bianchi, Sílvia, Berta e Gislene. Agradeço aos professores membros das bancas examinadoras da qualificação e defesa pelas contribuições prestadas: Alberto Gomes Albuquerque, Andreia de Oliveira Alencar Iguma, Josete Marinho de Lucena, Mariana Cortez, e, novamente, Renata Junqueira de Souza e Elianeth Dias Kantack Hernandes. Gratidão aos amigos ingressantes na turma de 2017 por tantas vivências e aprendizagens divididas nesses quatro anos: Andressa, Cláudia e Edimar. Há ainda amigos por quem tenho extrema admiração – além da amizade propriamente dita – e que palavras não são capazes de refletir minha gratidão e reverência. São eles: Marco, Telma, Klinger, Ana Caroline, Larissa, Viviane, Aline, Alex e Artur. A pandemia do Novo Coronavírus nos obrigou a viver em isolamento, mesmo assim, há pessoas que se fizeram presentes de modo muito especial, às quais também agradeço: Rayane, Mayra, Monique, Camila e, sobretudo, Wagner. Agradeço também a José Maria, Marta, Thaíse, Samuel, Mateus, Irene e Sueli pela família que formamos. Ainda sou grato ao Ricardo, Júlia e Clara por terem me integrado sempre que fui à casa da Prof.ª Renata. Por fim, agradeço à Carol, Maristela, Alessandra, Fabiana, Leonardo, Elayne, Carlos, Daiane e Elizangela por provarem que é possível fazer gestão educacional com competência, 7 ética e ciência. E ainda agradeço às equipes das escolas Flores, Marechal e Diomedes onde sou professor e construo a práxis pedagógica para a felicidadania. Muito obrigado por se encantarem pela vida e pela educação junto comigo. 8 “Eu gosto de pensar que estou ajudando o Brasil a desentortar seu pensamento. Gosto de pensar que estou ajudando o Brasil a olhar para os povos indígenas sem o crivo dos estereótipos, sem a venda da ignorância” (Daniel Munduruku) “Se estamos em um momento muito duro no Brasil, significa que a nossa luta também tem de endurecer”. (Nilma Lino Gomes) 9 ALVES, Thiago Moessa. INDÍGENAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA: CENOGRAFIA, ETHOS DISCURSIVO E IDEOLOGIA. 2021. 141f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Presidente Prudente – SP. RESUMO Esta tese está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP e à Linha de Pesquisa “Processos formativos, ensino e aprendizagem” que investiga a educação em diferentes contextos socioculturais. Nesse âmbito, a pesquisa teve por objetivo geral analisar ideologias e discursos sobre a temática indígena presentes na literatura direcionada à infância e à juventude no Brasil. A partir da problemática apresentada, definiu- se a seguinte pergunta de pesquisa: em que medida a Literatura Infantil e Juvenil na Era Pós- Moderna avançou em relação à Era Moderna e professou valores ideológicos relacionados aos pressupostos da Educação Intercultural? A investigação foi pautada na Análise de Discurso de linha francesa enquanto campo disciplinar, baseada epistemologicamente, metodologicamente e procedimentalmente em Dominique Maingueneau. Assim, foram utilizadas as categorias Cenografia e Ethos discursivo para análise das obras As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil; Itaí: o menino das selvas; Corumi, o menino selvagem; e O Karaíba, uma história do pré-Brasil. Busca-se, assim, defender a tese de que a Literatura Infantil e Juvenil Brasileira da Era Moderna reservou ao indígena ethe discursivos de selvagem e bom selvagem, com papéis bem delimitados em relação ao progresso da nação, já na Pós- modernidade, os autores estão desconstruindo esses ethe e colocando em seu lugar a diversidade imanente da cultura humana. A pesquisa obteve como resultado a reafirmação da Cena Englobante da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira nas quatro obras. Em relação à Cena Genérica, as obras As aventuras de Tibicuera, Itaí, e O Karaíba, foram consideradas Romance Juvenil e a obra Corumi, novela juvenil. No que tange ao ethos, as obras inscritas na Era Moderna apresentam ethe discursivos de mau selvagem, bom selvagem e civilizado aos personagens indígenas de acordo com o papel que desempenhavam no desenvolvimento econômico do país, conforme a visão dos enunciadores. A obra considerada Pós-Moderna dá ao indígena um ethos relacionado à ideologia anticolonial e marca a diversidade e a riqueza cultural dos povos indígenas. Por fim, destacaram-se influências ideológicas do pensamento colonial nas obras da Era Moderna e anticolonial nas obras Pós-Modernas. Palavras-chave: Educação intercultural. Lei 11.645/2008. Literatura Infantil e Juvenil. Literatura indígena. Discurso Literário. 10 ALVES, Thiago Moessa. INDIGENOUS IN BRAZILIAN CHILDREN AND YOUTH LITERATURE: SCENOGRAPHY, DISCURSIVE ETHOS AND IDEOLOGY. 2021. 141f. Thesis (Doctorate in Education) – São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. President Prudente – SP. ABSTRACT This thesis is linked to the Doctoral Program in Education of the Faculty of Science and Technology in the São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP and to the Research Line "Training processes, teaching and learning" which investigates education in different sociocultural contexts. In this context, the research had as general objective to analyze ideologies and discourses about the indigenous theme present in the literature directed to childhood and youth in Brazil. Based on the problem presented, the following research question was defined: to what extent has Children and Youth Literature in the Post-Modern Era advanced in relation to the Modern Era and professed ideological values related to the assumptions of Intercultural Education? The investigation was based on the French Discourse Analysis as a disciplinary field, based epistemologically, methodologically and procedurally on Dominique Maingueneau. Thus, the Scenography and Discursive Ethos categories were used to analyze the works As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil; Itaí: o menino das selvas; Corumi, o menino selvagem; e O Karaíba, uma história do pré-Brasil. The aim is, therefore, to defend the thesis that the Brazilian Children and Youth Literature of the Modern Era reserved to the indigenous ethe discursives of savage and noble savage, with well-defined roles in relation to the progress of the nation, on the other hand, in Postmodernity, authors are deconstructing these ethe and putting in their place the immanent diversity of human culture. The research resulted in the reaffirmation of the Englobing Scene of Brazilian Children's and Youth Literature in the four works. Regarding the Generic Scene, the works As Aventuras de Tibicuera, Itaí, and O Karaíba were considered Youth Novel and Corumi, a Youth Romance. With regard to ethos, works inscribed in the Modern Era present ethe discursives of bad savage, good savage and civilized to indigenous characters according to the role they played in the country's economic development, according to the vision of the enunciators. The work considered Post-Modern gives the indigenous an ethos related to the anti-colonial ideology and marks the diversity and cultural richness of the indigenous peoples. Finally, ideological influences of colonial thought in the works of the Modern Era and anti- colonial in the Post-Modern works were highlighted. Key words: Intercultural education. Brazilian Law 11,645/2008. Children and Youth Literature. Indigenous Literature. Literary Discourse. 11 ALVES, Thiago Moessa. INDÍGENAS EN LA LITERATURA INFANTIL Y JUVENIL BRASILEÑA: ESCENOGRAFÍA, ETHOS DISCURSIVA E IDEOLOGÍA. 2021. 141 f. Tesis (Doctorado en Educación) – Universidad Estatal Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Presidente Prudente – SP. RESUMEN Esta tesis está vinculada al Programa de Posgrado en Educación de la Facultad de Ciencia y Tecnología de la Universidad Estadista Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP y a la Línea de Investigación “Procesos formativos, enseñanza y aprendizaje” que investiga la educación en diferentes contextos socioculturales. En este contexto, la investigación tuvo como objetivo general analizar ideologías y discursos sobre el tema indígena presentes en la literatura dirigida a niños yjóvenes en Brasil. A partir del problema presentado, se definió la seguiente pregunta de investigación: ¿En qué medida la Literatura Infantil y Juvenil en la Era Posmoderna avanzó en relación con la Era Moderna y profesó valores ideológicos relacionados con los supuestos de la Educación Intercultural? La investigación se basó en elAnálisis del Discurso francés como campo disciplinar, basado epistemológica, metodológica y procedimentalmente en Dominique Maingueneau. Así, se utilizaron las categorías Escenografía y Ethos Discursivo para analizar las obras de Las aventuras de Tibicuera: que también son las de Brasil; Itaí: el niño de las selvas; Corumi, el niño salvaje; y El Karaíba, una historia del pre-Brasil. Así, se busca defender la tesis de que la Literatura Infantil y Juvenil Brasileña de la Era Moderna reservó a los indígenas y a los discursivos estoqueños de salvajes y buenos salvajes, con roles bien delimitados en relación con el progreso de la nación, ya en posmodernidad, los autores están deconstruyendo estos ethe y poniendo en su lugar la diversidad inmanente de la cultura humana. La investigación obtuvo como resultado la reafirmación de la Escena Abarcadora de la Literatura Infantil y Juvenil Brasileña en las cuatro obras. En relación con la Escena Genérica, las obras Las aventuras de Tibicuera, Itaí y O Karaíba fueron consideradas Romance Juvenil y la obra Corumi, una novela juvenil. Con respecto al ethos, las obras inscritas en la Era Moderna presentan las discursivas de personajes salvajes, buenos salvajes y civilizados a indígenas según el papel que desempeñaron en el desarrollo económico del país, según la opinión de los enunciadores. La obra considerada posmoderna da a los indígenas un ethos relacionado con la ideología anticolonial y marca la diversidad y riqueza cultural de los pueblos indígenas. Finalmente, las influencias ideológicas del pensamiento colonial se destacaron en las obras de la Era Moderna y anticolonial en las obras posmodernas. Palabras-clave: Educación intercultural. Ley Brasileña 11.645/2008. Literatura Infantil y Juvenil. Literatura Indígena. Discurso Literário. 12 ALVES, Thiago Moessa. TE´ÝI ÑE´ẼPORÃHAIPYRE MITÃ HA MITÃRUSU BRASILEIRA PE: CENOGRAFIA, ETHOS ÑEMOÑE´Ẽ HA TEMIANDU´APO. 2021. 141f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Presidente Prudente – SP. MOMBYKYKUE1 Ko mba´e pytyvo rã oῐPrograma de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP ndive. Kova oῐ hina Tapé mombe´urã ha´eva mba´echapa jejapo va´erã teko mbo´e ha teko mbo´epy, omombe´u avei teko mbo´e opaichagua rehegua. Peicha ko ñemombe´u, ohechauka mba´echagua tesamondopa umi haihára oguereko ha´eva ñemombe´upy ava reko rehegua. Ñemombe´u ha´eva avá mitakuera ha avá mitã guasu kuera rehegua. Upeicha oῐgui tuicha ñe´ẽ há ñeporandu ko jechaukapy ohechaukata mba´echagua tesamondopa umi haihara aradu pyhyihára yma guare, kokuehete guare ha ko´anga gua oguereko há mba´eichapa ha´ekuera ohecha ha ohenoi ñemombe´u ava reko rehegua. Oῐ heta jehaipyre mombe´u py ha umi karai ombohera: As aventura do Tibicuera, Curumi (mita pochy), O Karaíba, itai. Koina upeicha umi ymave guare he´i umi mombe´upy ava mba´ehá, ha uperire ouva katu ja he´ima ko´ava ñemombe´upy omombe´uha opaichagua reko. Upeicha umi jehaipy tekorehegua ombohéra karaikuera ymave guare ñemombe´u literária. Ambueve guare katu já omboherama umi mombe´upy romance. Upeicha umi haihara karai kuera omoi há he´i umi ava mombeupýre iporaha ha umia ojapoha avei tuichaiterei Brasil rekore. Ñe´ẽngáva Ndavoka: Tekombo´e Arandukuaaita rehegua. Tekome´ẽ11.645/2008. Ñe´ẽporãhaipyre mitã ha mitãrusu. Ñe´ẽporãhaipyre te´ýi. Ñemoñe´ẽ ñe´ẽporãhaipyre. 1 Resumo em Língua Guarani. 13 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Érico Veríssimo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Figura 2 – As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . 78 Figura 3 – Thales Castanho de Andrade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 Figura 4 – Itaí, o menino das selvas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Figura 5 – Jerônymo Barbosa Monteiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Figura 6 – Corumi, o menino selvagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Figura 7 – Daniel Munduruku. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Figura 8 – O Karaíba: uma história do pré-Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Figura 9: Tibicuera com ethos de selvagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Figura 10: Tibicuera com ethos de bom selvagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 Figura 11: Tibicuera com ethos de civilizado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 14 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Descritor “Educação intercultural”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Quadro 2: Descritor “Lei 11.645/2008” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Quadro 3: Descritor “Daniel Munduruku” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Quadro 4: Autores e obras do Período Pré-Lobatiano com temática indígena. . . . . . . . . . 52 Quadro 5: Autores e obras da Época Moderna com temática indígena. . . . . . . . . . . . . . . 54 Quadro 6: Enquadramento genérico das obras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Quadro 7: Extensão das obras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1 CONSTITUIÇÃO DE UM OBJETO DE PESQUISA SOBRE LITERATURA, EDUCAÇÃO, INTERCULTURALIDADE E DISCURSO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.1 A MINHA CAMINHADA, OU DAS TRAVESSIAS QUE FIZ PARA DEFINIR UM OBJETO DE PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.2 AS PESQUISAS DE OUTREM QUE DIALOGAM COM ESTA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2 A TEMÁTICA INDÍGENA NA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 2.1 HISTORIOGRAFIA E IDEOLOGIA DA/NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3 DISCURSO: TEORIA E MÉTODO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.1 A ERA DAS CERTEZAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.2DAS RUPTURAS, OU DE COMO OS ALICERCES COMEÇARAM A TRINCAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 4 DOS AUTORES E DAS OBRAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 4.1 ÉRICO VERÍSSIMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 4.2 AS AVENTURAS DE TIBICUERA: QUE SÃO TAMBÉM AS DO BRASIL. . . . . . . . 85 4.3 THALES CASTANHO DE ANDRADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 4.4 ITAÍ, O MENINO DAS SELVAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.5 JERONYMO BARBOSA MONTEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 4.6 CORUMI, O MENINO SELVAGEM. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 4.7 DANIEL MUNDURUKU. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 4.8 O KARAÍBA, UMA HISTÓRIA DO PRÉ-BRASIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 5 DISCURSO LITERÁRIO: CENOGRAFIA E ETHOS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 17 INTRODUÇÃO2 Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar “o perigo de uma história única”. [...] quando comecei a escrever, por volta dos sete anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido, apesar do fato de que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma única história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a escritores como Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da literatura. Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia. Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são [...]. Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente [em] histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A “única história cria estereótipos”. E o problema com estereótipos não é que eles sejam 2 Optei por utilizar o verbo conjugado na primeira pessoa do singular por entender que não existe imparcialidade na linguagem. Escrever é desnudar-se e tomar partido. A Análise de Discurso e seus métodos são, com efeito, puramente interpretativos, o que não invalida o caráter científico da pesquisa. 18 mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história. Claro, África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis violações no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a uma vaga de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. [...] Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida[...]. Eu gostaria de finalizar com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso3 (Chimamanda Ngozi Adichie). Chimamanda Adichie, ao palestrar para a plataforma TED Talks sobre “A essência das coisas não visíveis” enfatiza os riscos da repetição de únicas histórias e como isso marca negativamente a leitura que fazemos sobre o outro. A íntegra da palestra aqui destacada em epígrafe mostra como a linha que difere o EU do OUTRO é marcada por padrões dominantes que destacam como positivas as características como a riqueza e o pertencimento ao continente europeu em detrimento da pobreza e de fazer parte da África. Apesar de relatar um contexto muito específico – no caso, sua vida particular na Nigéria – indutivamente, associo o relato de Adichie ao contexto brasileiro, já que, assim como no continente africano, as Américas também foram colonizadas durante séculos por países europeus e, com efeito, aqui no Brasil tanto o eurocentrismo, como o neoliberalismo, também predominam, bem como na Nigéria. Da mesma forma, em terras tupiniquins, há também uma linha invisível que divide as pessoas e lhes atribui marcas positivas ou negativas. 3 Palestra proferida por Adichie na Conferência Anual – TED Global em julho de 2009. Oxford. Reino Unido. Traduzida por Erika Barbosa e publicada no Portal Geledés – Instituto da Mulher Negra. Disponível em: https://www.geledes.org.br/chimamanda-adichie-o-perigo-de-uma-unica-historia/ https://www.geledes.org.br/chimamanda-adichie-o-perigo-de-uma-unica-historia/ 19 No caso brasileiro, o eurocentrismo aliado à ideologia colonial subalternizam os povos originários, assim como sua ciência e arte enquanto enaltecem os modus vivendi de origem europeia, o que resulta na difusão de uma única história sobre os povos indígenas, que frequentemente posicionam os nativos como incapazes e improdutivos. Assim como aponta Adichie, há outras histórias que também precisam ser contadas. O Brasil é um país de grande extensão territorial onde vivem povos oriundos de todos os continentes, mas onde a diversidade não é valorizada. Desse modo, como fruto persistente da colonização europeia, as narrativas que remontam a outros lugares e outras formas de ser são silenciadas. Assim, mesmo em ambientes escolares, seguimos reproduzindo padrões estabelecidos nas únicas histórias a que temos contato e ficamos vulneráveis a eles, como aponta Adichie. É, portanto, da constatação de que todos os povos e, do mesmo modo, suas maneiras de ser, podem existir na literatura, assim como de que histórias podem ser usadas para capacitar e humanizar é que decorre esta pesquisa. Parto, deste modo, de conclusões a que chegaram teses e dissertações produzidas a respeito da educação intercultural que apontam a escola como espaço hostil e preconceituoso ao indígena4 e também do postulado por Candido (2011) de que a Literatura desperta reflexão, afinamento das emoções e percepção da complexidade do mundo e, por isso, humaniza o leitor. A partir dessas premissas, busco defender a tese de que a Literatura Infantil e Juvenil Brasileira da Era Moderna reservou ao indígena ethe5 discursivos de selvagem e bom selvagem, com papéis bem delimitados em relação ao progresso da nação. Na Pós- modernidade, os autores estão descontruindo esses ethe e colocando em seu lugar a diversidade que emana da cultura humana. Em virtude da tese que se pretende defender, elegi como questão de pesquisa: em que medida a Literatura Infantil e Juvenil na Era Pós-Moderna6 avançou em relação à Era Moderna e professou valores ideológicos relacionados aos pressupostos da Educação Intercultural? A busca pela compreensão da pergunta de pesquisa apontada leva à definição do objetivo geral da pesquisa que é analisar ideologias e discursos sobre a temática indígena presentes na literatura direcionada à infância e à juventude no Brasil. 4 As teses e dissertações a que me refiro são descritas no Capítulo I. 5 Plural de ethos. 6 Sou consciente de toda polêmica envolvendo o conceito de pós-modernidade, entretanto, no campo dos estudos culturais e interculturais existe uma aceitação já bastante estabelecida vinda de publicações como Hall (2011). Apoio-me também na divisão histórica da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira feita por Coelho (1995). 20 O objetivo geral desdobra-se em objetivos específicos, quais sejam: - Promover a Literatura como materialidade discursiva capaz de contribuir para o reconhecimento e valorização da diversidade como fonte democrática de aprendizagem na perspectiva da justiça social; - Revisitar o panorama da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira para visualizar historicamente a temática indígena em tensão com o eurocentrismo e avaliar o percurso histórico da questão indígena na Literatura Infantil e Juvenil Brasileira; - Perceber influências provenientes das ideologias colonial e anticolonial nas obras infantis e juvenis de temática indígena; - Analisar discursivamente a Cenografia e o Ethos presentes em: As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil, de Érico Veríssimo; Itaí, o menino das selvas, de Thales Castanho de Andrade; Corumi, o menino selvagem, de Jeronymo Barbosa Monteiro; e O Karaíba: uma história do pré-Brasil, de Daniel Munduruku. Em linhas gerais, além da defesa da tese, também pretendo contribuir com os esforços gerados para a construção de uma educação antirracista no Brasil, assim como cooperar com a efetivação da Lei 11.645 (BRASIL, 2008) que inclui o estudo das histórias e culturas afro-brasileira e indígena no currículo da Educação Básica. Há ainda pouco material específico disponível na escola, assim como há lacunas no conhecimento científico sobre a literatura de temática indígena e também na formação de professores relacionadas ao que a Lei 11.645 (BRASIL, 2008)dispõe, conforme apontam estudos realizados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, História, Letras e Artes: diversidade sociocultural, relações étnico-raciais em países de Língua Portuguesa – NEPEHLA liderado pela Professora Nilma Lino Gomes na UFMG7. Há que se considerar também que a ascensão do mercado editorial literário brasileiro destinado às crianças foi impulsionada por políticas governamentais de distribuição de livros (Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE e Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, por exemplo), bem como, pelo histórico de direitos sociais implantados nas últimas três décadas (Constituição Federal – CF/1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/1996 e Lei 11.645/2008). Assim, um novo cenário cultural começa a se constituir no Brasil e dele emergem autores literários que apresentam estética diferenciada dos padrões até então impostos. É o caso de autores indígenas que têm se 7 A título de exemplificação podemos citar GOMES, 2019. 21 dedicado à Literatura Infantil e Juvenil, dos quais posso destacar o paraense Daniel Munduruku, além de Cristiano Wapichana, Graça Graúna, Olívio Jekupê, Yaguarê Yamã, entre outros. Munduruku foi, talvez, o primeiro a ser reconhecido pelo mercado editorial e pela crítica, no campo da literatura. Possui mais de 50 obras publicadas para infância e juventude, nas quais a cosmologia indígena é predominante, o que lhe rendeu prêmios como o Jabuti (2017) e inserção em programas como o PNBE e PNAIC, fato que garantiu a presença de suas obras nas escolares e impulsionou minha escolha de utilizar um de seus livros em nossa pesquisa – a obra intitulada O Karaíba: uma história do pré-Brasil, ilustrada por Mauricio Negro, da Editora Melhoramentos (MUNDURUKU, 2018). A partir da obra de Munduruku, durante a trajetória da elaboração desta pesquisa, entrei em contato com a produção de outros autores que escreveram a temática indígena. Uma varredura histórica levou-me a uma série de outros autores e obras, dos quais alguns foram selecionados para este estudo. No intuito de responder à pergunta de pesquisa, assim como cumprir os objetivos propostos, elenquei, juntamente com O Karaíba: uma história do pré-Brasil, as obras: As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil, de Érico Veríssimo (VERÍSSIMO, 1978), Itaí, o menino das selvas, de Thales Castanho de Andrade (ANDRADE, 1956); assim como Corumi, o menino selvagem, de Jerônymo Monteiro (MONTEIRO, 1992). *** A princípio, intencionava desenvolver uma tese que consistia em uma pesquisa de tipo intervenção pedagógica (DAMIANI et al, 2017) utilizando as estratégias metacognitivas de leitura (SOUZA et al, 2010) como abordagem de ensino para avaliar a compreensão de leitura dos alunos da Rede Municipal de Ensino de Naviraí-MS. Todo o estudo estava pautado nas obras de Daniel Munduruku. Tive, porém, de abandonar a proposta motivado pela instituição do isolamento social, que impossibilitou a realização de aulas presenciais devido à pandemia de Covid-19. Com necessidade de reestruturação da pesquisa, já havia percebido a abismal diferença entre os discursos mobilizados pela literatura de Munduruku frente as narrativas sobre a temática indígena publicadas em outros períodos históricos. Desse modo, optei por trazer a questão do discurso literário indígena para o centro do debate e, assim, 22 desenvolvi o interesse por perceber os distintos discursos sobre a questão indígena nas obras infantis e juvenis, ao longo do tempo. Para tanto, decidi me apoiar na Análise de Discurso de linha francesa, para compreender os percursos gerativos de sentido operados pelos autores das obras que aqui tomamos como corpus analítico. Assim, é possível perceber de que modo certos discursos sobre o indígena são produzidos em dadas condições sócio-histórico-ideológicas que desejo recuperar no processo de análise. Diferente da Análise de Conteúdo difundida no Brasil pautada por Bardin em que as categorias de análise são criadas a posteriori pelo pesquisador, por tratar-se aqui de Análise de Discurso na perspectiva de Maingueneau, tomei como dispositivos de análise as categorias específicas que, neste caso, são dadas a priori, quais sejam a Cenografia e o Ethos discursivo. A Análise de Discurso atua, então, como base disciplinar, epistemológica, metodológica e procedimental. O relatório da pesquisa foi estruturado em cinco seções, de modo que a primeira se dedica a expor a construção do problema de pesquisa. Na segunda seção, a Literatura Infantil e Juvenil de temática Indígena brasileira é abordada, dos seus primórdios na Era Moderna até a Pós-Modernidade, com destaques às obras de Érico Veríssimo, Thales de Andrade, Jeronymo Barbosa Monteiro e Daniel Munduruku. Na terceira seção estão expostas as bases das teorias do discurso que sustentam a análise. Na quarta seção, discorro sobre os autores e obras destacadas para, finalmente, registrar na quinta seção, a análise das obras. 23 1 CONSTITUIÇÃO DE UM OBJETO DE PESQUISA SOBRE LITERATURA, EDUCAÇÃO, INTERCULTURALIDADE E DISCURSO “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas Que já têm a forma do nosso corpo E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares É o tempo da travessia E se não ousarmos fazê-la Teremos ficado para sempre À margem de nós mesmos” (Fernando Teixeira de Andrade). Inicio a escrita desta tese a partir do pensamento do professor e poeta Fernando Teixeira de Andrade para refletir sobre os resultados desta investigação e sobre as relações com os temas que aqui são abordados com a intenção de construir a contextualização necessária ao primeiro capítulo, ao mesmo tempo em que me posiciono e revelo quem sou frente às questões em tela. A atitude responsiva a partir do poema se dá no pensamento de que, tanto quanto a aprovação em banca avaliadora na defesa da tese, importa também, a trajetória que me leva até esse rito de passagem. Trajetória que vai me transformando e constituindo como professor e pesquisador e construindo um objeto de pesquisa durante a travessia desse caminho até chegar ao momento da defesa. Quanto à defesa, espero que não seja um ponto final, mas um empoderamento necessário para que eu atue com mais propriedade nos espaços educativos que ocupo a respeito da luta dos povos indígenas por equiparação de direitos e condições de vida, sobretudo no que tange à educação. Este estudo aborda vários campos teóricos que aqui se inter-relacionam: literatura infantil e juvenil, interculturalidade e discurso. Peço, então, licença para falar sobre minha trajetória pessoal, sobre minhas travessias, de modo a explicar como cheguei até esta investigação e porque ela se faz importante para mim e para meus pares professores e pesquisadores. 1.1 A MINHA CAMINHADA, OU DAS TRAVESSIAS QUE FIZ PARA DEFINIR UM OBJETO DE PESQUISA Sou nascido no final da década de 1980, em Naviraí, interior do Mato Grosso do Sul. Filho de pais assalariados. Estudei toda a Educação Básica em escola pública. Apesar de 24 residir em um bairro periférico da cidade, meus pais nunca me matricularam na escola que havia em frente a nossa casa porque a consideravam violenta e, assim, minha primeira travessia tinha um sentido literal já que eu realmente atravessava a cidade para chegar a uma escola posicionada geograficamente em uma região mais valorizada. Por outro lado, havia também um sentido conotativo, já que tive de deixar de me comportar como uma criança marginal e portar-me como alguém “do centro”. Apesar desse deslocamento, quando relembro meu cotidiano enquanto aluno da Educação Básica, são raríssimas as lembranças de contato com a Literatura. A pouca literatura que me foi oferecida era sempre baseada nos textos clássicos europeus adaptados às crianças e jovens. Em casa, a Literatura era ainda mais escassa: basicamente, as únicas histórias que li foram as narrativas bíblicas. A precária bagagem literária que tinha na adolescência, não me impediu de ingressar na graduação em Letras logo após concluir o Ensino Médio. Isso porque a habilitação era em Língua Inglesa e eu tinha um filtro afetivo (KRASHEN, 1982) baixo da língua devido à grande exposição aos produtos culturais dos países anglofônicos a que fui submetido, enquanto sujeito globalizado. Um ponto que considero relevante destacar é que, no curso de Letras, a habilitação se direciona para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Isso fez com que, naquele momento, eu estudasse os grandes clássicos da Literatura Brasileira e Europeia, poucos exemplares de Literatura Juvenil e nada a respeito Literatura Infantil e da criança pequena. Da mesma forma, a influência eurocêntrica apagou a Literatura Africana e Indígena do currículo que cursei na graduação. Como resultado dessa formação e somado à ausência de leitura na infância, fui levado por muito tempo depois de graduado a acreditar que a Literatura Infantil era um subproduto d'A LITERATURA, algo menor, menos relevante, talvez nem literário. Do mesmo modo, acreditei que a boa Literatura era proveniente unicamente de países europeus, sobretudo Alemanha, França, Inglaterra, Espanha e Portugal e, com efeito, isso se refletiu na minha prática pedagógica enquanto professor de Língua Portuguesa e Inglesa na Educação Básica por algum tempo. Antes de concursar-me como professor de Língua Inglesa na Rede Municipal de Ensino de Naviraí-MS (REME), atuei durante certo tempo em escolas particulares da cidade e como professor substituto nas redes estadual e municipal. Isso me fez circular por outros espaços do município que eu pensava conhecer, vivenciar outras realidades e lecionar a alunos muito diversos uns dos outros. Aos poucos, fui percebendo a presença de alunos 25 indígenas e, posteriormente, notei não serem poucos. Somente na REME de Naviraí, no Ensino Fundamental, em 2019, foram matriculados 83 alunos declarados indígenas de etnia Guarani e Kaiowá8. O Estado do Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil (IBGE, 2012; IBGE, 2016). Em primeiro, figura o Estado do Amazonas. Naviraí é um município situado ao sul do Mato Grosso do Sul. Está a 358 km da capital do estado, Campo Grande, faz fronteira com o estado do Paraná e está a 128 km de Salto del Guairá, no Paraguai. O local em que está compreendida pertencia ao Paraguai antes da Guerra e é chamado de Grande Território Guarani pelos indígenas, uma vez que compreende o território transnacional (Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai, Paraguai) em que os indígenas desta etnia habitam. No município, conforme levantamento realizado por Chamorro (2015, p. 312), há 50 famílias Guarani e Kaiowá, o que soma 222 indígenas dessas duas etnias falantes da Língua Guarani que residem em acampamentos em beira de estrada, acampamentos urbanos, em fazendas, e na periferia da cidade. Os municípios circunvizinhos a Naviraí, contam com aldeias e reservas indígenas estabelecidas, mas Naviraí não. Por muito tempo, isso me fez ter a impressão de que não havia população indígena na cidade, entretanto há. Ocorre que os espaços em que eu habito não são frequentados por eles. As crianças indígenas residem em outros bairros que não o meu e estudam em escolas em que eu não estudei. Foi a partir da minha prática pedagógica que comecei a problematizar a presença ignorada dessas pessoas na cidade e a exclusão das crianças indígenas no cotidiano escolar. Hoje, com olhar crítico, constato a presença indígena não só no nome do município, Naviraí, mas também nas ruas da cidade, ou seja, eles sempre estiveram presentes, mas eu não os enxergava. Assim como suas histórias, eles também são apagados enquanto atores sociais. Percebi isso ao ler Candau (2008, p. 31). A autora afirmou que “os ‘outros’, os diferentes, muitas vezes estão perto de nós, e mesmo dentro de nós, mas não estamos acostumados a vê- los, ouvi-los, reconhecê-los, valorizá-los e interagir com eles”. Eu, por meu turno, li a autora, remoí e me ressignifiquei frente às opressões que me cercam, bem como frente à minha ascendência indígena até então apagada de minha história. Há, na questão da presença indígena em Naviraí, um fenômeno que merece estudo científico apropriado: às margens do Córrego Tejuí, a 10 km da cidade, está sendo formado 8 Levantamento do autor junto à Gerência Municipal de Educação e Cultura. 26 um acampamento indígena e isso tem feito o número de Guarani e Kaiowá aumentar significativamente no município. Levei essas inquietações comigo quando cursei o Mestrado em Letras na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Integrei a área de concentração em Linguística e Transculturalidade e tomei as dissertações produzidas por mestres indígenas na mesma universidade como meu corpus de pesquisa. Meu objetivo era “compreender o processo da formação da identidade indígena no Mato Grosso do Sul” (ALVES, 2014, p. 15). Na dissertação, discorro brevemente sobre como os grupos indígenas de Mato Grosso do Sul se inseriram em programas de formação específicos para professores indígenas criados pela Secretaria de Educação do estado e pela UFGD, como passaram a substituir professores não indígenas nas escolas das aldeias, abordo como os mestres indígenas estudados se inseriram nos Programas de Pós-Graduação da UFGD e, finalmente, disserto sobre o papel relevante que a presença desses professores especializados nas escolas das aldeias tem se consubstanciado em importante fator de resistência, luta por direitos historicamente negados, e ressignificação de suas culturas frente aos jovens no processo educativo. Uma das coisas que pude concluir no estudo é que a conquista da pós-graduação por parte desses professores indígenas os faz entrarem na ordem do discurso (FOUCAULT, 2012), ou seja, tornam-se sujeitos “autorizados” a falar academicamente sobre sua cultura e história. É preciso confessar que esse apontamento foi gerador de crise uma vez que, ao perceber a presença de indígenas na academia, comecei a questionar a pertinência de problematizar essa questão uma vez que sendo eu um homem negro, poderia roubar o alcance da voz do povo que intenciono defender, dada a tenuidade da linha que separa a questão. Afastei-me um pouco da temática, mas meu ingresso como professor substituto da Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí (CPNV), me reaproximou dos estudos interculturais. Um pouco depois, minha formação em Letras levou-me a lecionar no curso de Pedagogia da mesma instituição, o que me aproximou sobremaneira da Literatura Infantil e despertou-me o desejo de pesquisar a literatura para a infância e juventude num processo de doutoramento em EDUCAÇÃO. Por isso, a travessia de um Programa de Pós-Graduação (PPG) em Letras para um PPG em Educação. Opção que sempre preciso justificar aos interlocutores. A meu ver, entretanto, esse deslocamento não é uma ruptura, já que, ao entrar na Linha de Pesquisa em “Processos Formativos, Ensino e Aprendizagem”, no Grupo de Pesquisa “Formação de 27 Professores e as Relações entre as Práticas Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário” e no “Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil” – estes dois últimos liderados pela Professora Dr.ª Renata Junqueira de Souza – sinto-me muito confortável por continuar estudando questões de leitura e discurso, assim como fazia desde a graduação, desta vez, tendo a Literatura como objeto de análise. A travessia aqui, mais uma vez, ganha um sentido literal, já que, sendo eu um sul- mato-grossense, tinha de me deslocar à Presidente Prudente-SP para entrar em contato com tudo isso. Neste ponto, vale muito a pena abrir mais um parêntese mencionar o quão linda e inspiradora é essa viagem porque atravesso a fronteira MS/SP pela barragem do Rio Paraná, o que proporciona sempre uma gratificante paisagem que nunca contemplei da mesma forma. Para além da paisagem, outro ganho significativo desses deslocamentos foi a oportunidade que tive de, participando das atividades acadêmicas no campus universitário de Presidente Prudente, aprofundar os conhecimentos sobre as estratégias metacognitivas de leitura (GIROTTO; SOUZA, 2010) enquanto abordagem do texto literário capaz de formar leitores que compreendem o que leem, inclusive no nível discursivo. O ingresso na REME de Naviraí pelo concurso de Professor de Língua Inglesa levou- me a exercer a função de Coordenador Pedagógico de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Arte na Gerência Municipal de Educação e Cultura9. Nesta função, promovi formação de professores e desenvolvi projetos de ensino para a rede. As observações empíricas que pude fazer dão conta de que os livros literários são subutilizados em muitos espaços educacionais, e algumas obras, sequer foram manuseadas. O olhar já aguçado sobre a presença de indígenas na escola fez-me pensar o ensino de Literatura a partir de obras com temática indígena, ou mesmo escrita por indígenas. Interrogava-me sobre a forte contribuição que estas narrativas oferecem para ampliar a lente que utilizamos para ler o mundo (FREIRE, 1989) de forma a abandonar a visão única oferecida pelo eurocentrismo e passar a enxergar a realidade utilizando outras óticas, afinal de contas, Rubem Alves acertou ao sustentar que “[...] o ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido” (2005, p. 23). Cheguei a esta investigação inspirado pelos estudos sobre o discurso e interculturalidade iniciados no Mestrado, assim como na perspectiva da educação como promotora de justiça social. É por acreditar na possibilidade de transformação por meio da 9 Órgão equivalente à Secretaria de Educação em outros municípios de Mato Grosso do Sul. 28 educação que busco engrossar o coro que anseia por justiça social, tanto no sentido difundido por Raws (2003 e 2008), quanto por Fraser (2002): - Raws teoriza sobre o alcance da justiça social por meio de distribuição de recursos e oportunidades. O autor discorre principalmente sobre o viés econômico. Quando o trago para esta discussão, o associo com a oportunidade de um jovem aluno indígena, ou descendente, ter a literatura proveniente de sua cultura como um capital cultural digno de se transformar em objeto de ensino na escola; - a produção de Fraser parte deste ponto e explicita o reconhecimento da diversidade e valorização cultural de grupos subalternizados como forma de justiça cultural. Enfatiza assim a utilização e promoção de símbolos dessas culturas. É a busca por este tipo de valorização das culturas do sul global em âmbito educacional que me levou inicialmente a estudar o todo da obra de Daniel Munduruku e, mais tarde, as demais obras de temática indígena que aqui destaco: - As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil, de Érico Veríssimo; - Itaí, o menino das selvas, de Thales de Andrade; - Corumi, o menino selvagem, de Jeronymo Monteiro; - O Karaíba: uma história do pré-Brasil, de Daniel Munduruku. Como aponto nas minhas experiências empíricas enquanto formador de professores na Reme de Naviraí-MS, poucas vezes a literatura está presente nas salas de aula, quiçá a literatura de temática indígena. Com a pandemia, diante da impossibilidade de desenvolvimento da pesquisa de intervenção educacional que pretendia realizar, optei então em desenvolver um estudo discursivo, sobretudo pela divergência entre ideologias e discursos nas obras selecionadas. É a partir desta trajetória pessoal que levanto as confluências entre os temas mencionados: Literatura Infantil e Juvenil, interculturalidade e discurso e, assim, construo a pergunta de pesquisa: Em que medida a Literatura Infantil e Juvenil na Era Pós-Moderna avançou em relação à Era Moderna e professou valores ideológicos relacionados aos pressupostos da Educação Intercultural? 29 1.2 AS PESQUISAS DE OUTREM QUE DIALOGAM COM ESTA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS [...] a tese [...] constitui um trabalho original de investigação, com o qual o candidato deve demonstrar ser um estudioso capaz de fazer progredir a disciplina a que se dedica. [...] se trata precisamente de investigação original, em que é necessário saber com segurança aquilo que disseram sobre o mesmo assunto outros estudiosos, mas em que é preciso sobretudo «descobrir» qualquer coisa que os outros ainda não tenham dito. Quando se fala de «descoberta», especialmente no domínio dos estudos humanísticos, não estamos a pensar em inventos revolucionários como a descoberta da divisão do átomo, a teoria da relatividade ou um medicamento que cure o cancro: podem ser descobertas modestas, sendo também considerado um resultado «científico» um novo modo de ler e compreender um texto clássico, a caracterização de um manuscrito que lança uma nova luz sobre a biografia de um autor, uma reorganização e uma releitura de estudos anteriores conducentes ao amadurecimento e sistematização das ideias que se encontravam dispersas noutros textos. Em todo o caso, o estudioso deve produzir um trabalho que, em teoria, os outros estudiosos do ramo não deveriam ignorar, porque diz algo de novo (UMBERTO ECO, 2007, p. 28- 29). Inspiro-me em Umberto Eco para iniciar esta seção. O livro citado na epígrafe tornou-se um clássico da pesquisa no Brasil e explica muito didaticamente o que é uma tese e o que se espera dela. Particularmente, entendo a tese como um gênero de texto compreendido entre as esferas do relatar e do argumentar. Isso porque, enquanto relato uma pesquisa realizada, seus métodos e resultados, preciso persuadir meus pares de que o trabalho é válido e que traz contribuições e inovação ao campo de pesquisa, ao mesmo tempo em que necessito ser compreensivo a um leitor leigo. É preciso, pois, construir um diálogo com outros estudos já realizados, por isso, nesta seção, relato outras teses e dissertações já construídas nos campos de conhecimento que se entrecruzam nesta pesquisa, com intuito de seguir o conceito do círculo bakhtiniano de que um enunciado sempre remete a outro enunciado em uma relação dialógica (BAKHTIN; VOLÓCHINOV, 2014), ao mesmo tempo em que cumpro o postulado por Eco na epígrafe de apresentar e defender um estudo inédito. Recorro então a duas ferramentas importantes ao pesquisador brasileiro: o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 30 (Capes) e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Outro banco de dados utilizado é o do “Grupo de Pesquisa Formação de Professores e as Relações entre as Práticas Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário”, do qual faço parte, para complementar a busca no caso de alguma pesquisa não figurar no quadro do CTD/Capes e BDTD. Escolha objetivada porque esta tese é produto das atividades deste grupo sediado na FCT/UNESP e logicamente coaduna com as demais teses realizadas no mesmo contexto. Nas ferramentas de busca de teses e dissertações, utilizo as palavras-chave do resumo desta investigação como descritores de pesquisa, a saber: - Educação intercultural; - Lei 11.645/2008; - Discurso literário – e variações (Ethos discursivo e Cenografia); - Literatura indígena – e variações (Literatura infantojuvenil indígena, Literatura juvenil indígena, Literatura infantil indígena, Literatura intercultural, Literatura com temática indígena, Literatura Infantil com temática indígena, Literatura Juvenil com temática indígena, Literatura Infantojuvenil com temática indígena, Literatura Infantil e Juvenil com temática indígena). Pesquisei também os autores e obras selecionadas. A partir dos resultados encontrados na busca, utilizei critérios de filtro: pesquisas produzidas em PPGs em Educação, defendidas a partir de 2008 – ano da publicação da Lei 11.645– até 2018. A cada descritor, as teses e dissertações encontradas foram tabeladas e brevemente descritas a fim de construir o diálogo necessário com este trabalho e mostrar em que ponto traz inovação. O descritor “Educação intercultural” mostra 292 resultados no CTD/Capes e 126 na BDTD. Devido à grande quantidade de trabalhos encontrados mesmo após a aplicação do filtro, foram excluídas pesquisas que abordam outros países como cenário da interculturalidade que não o Brasil, assim como teses e dissertações aplicadas a outros componentes curriculares que não a Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental. É o caso frequente de trabalhos sobre ensino de História influenciados pela Lei 11.645/2008. Pesquisas sobre educação em empresas ou outros espaços não escolares também não estão listadas. Os resultados do filtro aplicado aparecem no Quadro 1 em 27 teses e dissertações. 31 Quadro 1: Descritor “Educação intercultural” Local Natureza IES Ano Autoria Orientação Título CTD/Capes Tese UFPA 2018 Antonio Luiz Parlandin dos Santos Ivany Pinto Nascimento Representações sociais de professores do ensino fundamental sobre educação étnico-racial e as implicações em sua prática pedagógica: por uma pedagogia decolonial e intercultural CTD/Capes Dissertação UFMT 2018 Andre Wanpura de Paula Beleni Saléte Grando Escola Apyãwa: da vivência e convivência da educação indígena à educação escolar intercultural CTD/Capes Dissertação FURB 2018 Claudeney Licinio Oliveira Adolfo Ramos Lamar O currículo na perspectiva decolonial: um estudo de caso em uma escola de Uruará, Pará, Brasil CTD/Capes Tese UFRGS 2018 Cledes Markus Maria Aparecida Bergamaschi As contribuições da concepção indígena do Bem Viver para a Educação intercultural e descolonial CTD/Capes Dissertação UFMT 2018 Arlete Marcia Pinho Falcão Beleni Saléte Grando Concepções de criança e infância de professoras e professores indígenas: os desafios da educação intercultural CTD/Capes Dissertação UFRGS 2018 Ana Lúcia Castro Brum Magali Mendes de Menezes Caminhos para uma educação intercultural libertadora: a busca de um diálogo CTD/Capes Dissertação UEMG 2017 Maria Regina Lins Brandão Veas Karla Cunha Pádua Histórias indígenas e suas potencialidades para a educação intercultural: um estudo na Aldeia Muã Mimatxi CTD/Capes BDTD Dissertação UNILASALLE 2017 Fernanda Fontes Preto Gilberto Ferreira da Silva Formação de professores, interculturalidade e educação indígena: contribuições descoloniais no espaço da escola regular CTD/Capes Tese UNILASSALE 2017 Pablo Eugênio Mendes Gilberto Ferreira da Silva Epistemologia outra e educação intercultural como alternativa descolonial CTD/Capes Dissertação UFMT 2017 Patrícia Dias Darci Secchi Educação intercultural e colonialidade: uma análise do currículo da Aldeia-Escola Zarup Wej da terra indígena 32 Zoró CTD/Capes Tese UCDB – Campo Grande/MS 2015 Genivaldo Frois Scaramuzza Adir Casaro Nascimento “Pesquisando com Zacarias Kapiaar”: concepções de professores/a indígenas Ikolen (Gavião) de Rondônia sobre a escola CTD/Capes Dissertação UEMT 2015 Ademilde Aparecida Gabriel Kato Ilma Ferreira Machado Diversidade sociocultural: concepções de professores de uma escola pública do Estado De Mato Grosso CTD/Capes Tese UFES 2014 Ozirlei Teresa Marcilino Erineu Foerste Educação escolar Tupinikim e Guarani: experiências de interculturalidade em aldeias de Aracruz, no estado do Espírito Santo CTD/Capes Dissertação UFGD 2014 Emne Mourad Boufleur Renato Nésio Suttana Diversidade cultural e interculturalidade: desafios de escolas públicas na fronteira Brasil Paraguai CTD/Capes Dissertação UCDB 2014 Eliel Benites Adir Casaro Nascimento Oguata pyahu (uma nova caminhada) no processo de desconstrução e construção da educação escolar indígena da Reserva Indígena Te’ýikue CTD/Capes BDTD Dissertação FURB 2013 Tais Aline Eble Adolfo Ramos Lamar A literatura marginal/periférica e o sarau como práticas de educação intercultural no Sarau Dos Mesquiteiros: um estudo de caso em São Paulo 2012/2013 CTD/Capes Tese UFSC 2012 Claudio Luiz Orço Reinaldo Matias Fleuri Educação intercultural e a desconstrução da subalternidade indígena Kaigang CTD/Capes Tese UFSC 2012 Maria Conceição Coppete Tania Stoltz Educação intercultural e sensibilidade: possibilidades para a docência CTD/Capes Tese UFPE 2012 José Ivamilson Silva Barbalho Rosângela Tenório de Carvalho Discurso como prática de transformação social: o político e o pedagógico na educação intercultural Pankará CTD/Capes Tese UFRGS 2011 Neodir Paulo Traversini Laetus Mario Veit Ação comunicativa & educação indígena intercultural e emancipatória: encontro entre dois mundos possíveis? 33 CTD/Capes BDTD Dissertação FURB 2011 Ereni Radeck Ernesto Jacob Keim Interculturalidade: um desafio para a educação indígena CTD/Capes BDTD Dissertação PUC – Curitiba/PR 2011 Paola Cristine Marchioro Hanna Ana Maria Eyng Educação intercultural: limites e possibilidades no enfrentamento das violências nas escolas de educação básica CTD/Capes Tese UERJ 2010 Aura Helena Ramos Elizabeth Fernandes de Macedo Significações em disputa na constituição do discurso curricular de Educação em Direitos Humanos CTD/Capes BDTD Tese UFSCar 2010 Raquel Moreira Roseli Rodrigues de Mello Diversidade cultural e educação escolar: perspectiva comunicativo-dialógica para o trabalho pedagógico CTD/Capes Dissertação UCDB – Campo Grande/MS 2009 Simone Figueiredo da Cruz Antonio Jacob Brand A criança Terena: o diálogo entre a educação indígena e a educação escolar na Aldeia Buriti BDTD Dissertação UFSCar 2008 Eliana Marques Ribeiro Cruz Emília Freitas de Lima Percepções das crianças sobre currículo e relações étnico raciais na escola: desafios, incertezas e possibilidades BDTD Dissertação UFSCar 2008 Cristiane Ferreira Fontenele Emília Freitas de Lima Histórias de vida de professores que desenvolvem práticas docentes multiculturais Fonte: Elaborado pelo autor (2019) 34 A tese de Antonio Luiz Parlandin dos Santos (2018) mostrou que as representações sociais dos professores do Ensino Fundamental sobre a educação étnico-racial apresentam perspectivas ambíguas que em alguns momentos podem reproduzir o racismo, o preconceito e discriminação racial via educação. É um trabalho que corrobora a premissa que utilizo nesta tese de que a escola reproduz preconceitos e estereótipos historicamente construídos a respeito do indígena. André Wanpura de Paula (2018) faz em sua dissertação um estudo sobre a Escola Apyãwa no Estado de Mato Grosso. Relata a proposta da escola de adotar moldes seculares de educação escolar indígena. O estudo revela que é possível romper com o modelo eurocentrado e implantar elementos étnicos na vivência escolar já que, no caso da Escola Apyãwa, isso é uma realidade. O estudo de Claudeney Licinio Oliveira (2018) centra-se em observar o currículo de uma escola em Uruará, no Pará, para compreender como é construído a partir de uma perspectiva decolonial. As análises realizadas por Oliveira (2018) mostram um currículo em que predominam as características coloniais, por outro lado, as ações não prescritas, como ações socioculturais tendem à interculturalidade e aproximam-se de uma perspectiva decolonial. Patrícia Dias (2017) analisa o currículo de uma escola indígena do povo Zoró no Mato Grosso. Dias (2017), assim como Oliveira (2018), conclui que há elementos coloniais e interculturais no currículo da escola que observa. Para Dias (2017) o currículo escolar do povo Zoró é adequado já que busca valorizar a cultura, os saberes e costumes da comunidade. Emne Mourad Boufleur (2014) investiga a interculturalidade a partir do currículo de escolas situadas na fronteira entre Brasil e Paraguai no Município brasileiro de Ponta Porã- MS. A dissertação revela o papel da interação entre os membros da comunidade escolar para construir um currículo que valorize a diversidade cultural, principalmente em uma região de fronteira como a de Ponta Porã em que muitas culturas entram em contato umas com as outras. Ereni Radeck (2011), da mesma forma que Oliveira (2018), Dias (2017) e Boufleur (2014), centra o estudo da interculturalidade no currículo escolar e evidencia no início da primeira década do Século XXI as dificuldades na implementação da interculturalidade na educação. 35 Aura Helena Ramos (2010) investiga as diretrizes curriculares para Educação em Direitos Humanos a partir de um questionamento das prescrições pautadas em modelos eurocentrados. Para a autora, a noção de direitos humanos é expressão da diferença. Simone Figueiredo da Cruz (2009) disserta sobre a escolarização da criança Terena, na Aldeia Buriti, em Dois Irmãos do Buriti-MS. À época da pesquisa, foi concluído que o currículo escolar não atendia às diferenças locais, apesar do esforço para valorizar a cultura Terena junto às crianças. O currículo é também abordado na dissertação de Eliana Marques Ribeiro Cruz (2008). A pesquisa lança luz sobre a percepção de crianças no currículo experienciado em uma escola pública de São Carlos-SP. Apesar de ouvirem um discurso sobre igualdade, as crianças pesquisadas vivenciam situações de discriminação e racismo dentro da escola. Um ponto a que damos destaque dentre as conclusões de Cruz (2008) e que utilizaremos como pressuposto para esta tese é que as representações mentais que as crianças constroem sobre povos indígenas são próximas às da época da colonização. Cledes Markus (2018) desenvolve uma tese a partir do conceito indígena de Bem- Viver e propõe incorporá-los ao escopo teórico da educação intercultural e descolonial. O pesquisador destaca a possibilidade de uso de metodologias como roda de conversa, silêncio, intuição, diálogo e aprender a fazer junto. Arlete Márcia Pinho Falcão (2018) analisa os desafios da educação intercultural ao investigar as concepções de criança e infância de professores indígenas. A dissertação conclui que as concepções de infância expressam a construção sociocultural e histórica de cada povo indígena, bem como que a educação escolar indígena, a alfabetização e a garantia de uma educação intercultural na escola são preocupações que permeiam as dinâmicas formas de perceber a criança e a infância indígena. Genivaldo Frois Scaramuzza (2015) pesquisou concepções de professores indígenas Ikolen (Gavião) de Rondônia-MT sobre a escola. O autor encontra concepções diversas dos pressupostos oficiais eurocentrados. Os docentes pesquisados ampliam o sentido de escola ao articular a educação com a comunidade e rompem padrões ao exercer uma educação intercultural, crítica e decolonial. Ademilde Aparecida Gabriel Kato (2015) também investiga concepções de professores. A dissertação aborda a diversidade sociocultural de alunos e a forma como professores a encaravam. A pesquisa revela que professores atribuem fracasso escolar a “problemas de procedência” dos alunos e reconhecem um choque entre a cultura escolar e dos 36 alunos. Kato (2015) assevera que não há adaptações curriculares e que o aluno percebe a divergência entre as propostas da escola e as necessidades da sua vida prática. Ana Lúcia Castro Brum (2018) cria um diálogo construtivo entre os conceitos de educação intercultural e educação libertadora. A pesquisa é realizada com povos Guarani e Kaigang no contexto da Ação Saberes que proporciona troca de experiências e construção de materiais pedagógicos para o processo de alfabetização. A pesquisadora identificou um rico diálogo intercultural libertador nas ações observadas. A dissertação de Maria Regina Lins Brandão Veas (2017), guardadas as especificidades, apresenta um diálogo muito singular com esta tese na medida em que utiliza histórias registradas pelos Pataxó da Aldeia Muã Mimatxi em Minas Gerais para trabalhar a interculturalidade. A autora percebe que o contato com as histórias garante a preservação e transmissão de valores e costumes, assim como a afirmação de modos de relacionamento com o outro e com o meio, proporciona também o protagonismo indígena no processo educativo e aproximação entre gerações e culturas diversas. Fernanda Fontes Preto (2017) parte da interculturalidade para pensar a formação inicial e continuada de professores. Os apontamentos de Preto constatam que as formações não são suficientes e não oferecem subsídios necessários para que os docentes lidem com as questões indígenas. A tese de Maria Conceição Coppete (2012) constrói um diálogo entre educação intercultural e a possibilidade de desenvolver uma prática pedagógica da sensibilidade durante um curso de formação continuada de professores. O princípio da educação intercultural, quando aplicado às formações de professores, como observou Coppete (2012), potencializa o desenvolvimento da sensibilidade e da aprendizagem em perspectiva multidimensional. Cristiane Ferreira Fontenele (2008) analisa histórias de vida e de formação de professores que desenvolvem práticas docentes intermulticulturais na rede municipal de São Carlos-SP. São várias instâncias e momentos que constituem a vida e a formação das professoras pesquisadas, que passam a adotar novos procedimentos de ensino e novas relações interpessoais na escola a partir das vivências das professoras pesquisadas. A tese de Pablo Eugênio Mendes (2017) aponta para os deslocamentos epistemológicos necessários para a educação intercultural e descolonial. Mendes assinala sobre a superação e ruptura com os ecos ainda atuais da colonialidade eurocêntrica que sustentam dominação, exclusão, exploração e racismo na América Latina e destaca o papel da 37 educação na construção de outros modos de ser e saber a partir de pluralidades de concepções políticas, éticas, científicas e culturais. O doutoramento de Ozirlei Teresa Marcilino (2014) resultou em tese que aborda a revitalização de culturas indígenas a partir da escolarização. Toma como contexto no município de Aracruz-ES os povos Tupinikim e Guarani. Conclui que a escola em contexto indígena é local de vivências e encontro entre o tradicional e o contemporâneo. Eliel Benites (2014) analisa a trajetória de uma escola indígena na Reserva Te’ýikue em Caarapó-MS. A pesquisa mostra que a construção da escolarização na aldeia engloba espaços alternativos como estratégia de subversão do currículo. Assim como Marcilino (2014), entende a escola como espaço de encontro e reconstituição de saberes e valores. A dissertação de Tais Aline Eble (2013) é mais uma das pesquisas que merece destaque na convergência entre propostas de estudo. A autora, assim como eu, pretendeu mostrar a relevância da Literatura na solidificação da educação intercultural. Eble (2013) cria um recorte de literatura considerada marginal e analisa especificamente os saraus organizados pelo Grupo Mesquiteiros em São Paulo-SP. Os resultados direcionam para o entendimento de que a literatura marginal resgata e reconstrói as identidades culturais, além de ampliar vozes silenciadas. Claudio Luiz Orço (2012) elabora em seu doutoramento uma investigação sobre como a identidade Kaingang pode deixar de ser representada como subalterna a partir da descolonização das práticas escolares. Realiza a pesquisa em Ipuaçu-SC e conclui basicamente que o povo pesquisado por Orço (2012) busca viver de forma autônoma e que os professores têm uma corresponsabilidade na conquista desta autonomia. José Ivamilson Silva Barbalho (2012) pesquisa a educação intercultural promovida por povos indígenas do nordeste brasileiro, mais especificamente de etnia Pankará. É realizado um estudo de Análise de Discurso Crítica, basicamente amparado em Fairclough, em que se explicita a prática de professores Pankará a partir do lugar social requerido à educação. O pesquisador entende que os professores desta etnia adotam discursos e práticas de transformação social que possibilitam o desenvolvimento de sistemas de educação alternativos. Os discursos analisados apontam para ampla consciência política e compromisso com valores democráticos populares que, quando aplicados à educação, pretendem construir uma sociedade cada vez mais justa, solidária e livre de exploração e dominação. Neodir Paulo Traversini (2011) pesquisa a interculturalidade a partir da filosofia da linguagem, amparado na Teoria da Ação Comunicativa habermasiana. Traversini (2011) 38 argumenta que, em situação de interculturalidade, a ação comunicativa é a estratégia mais apropriada, no qual se problematiza a mediação entre o mundo ameríndio e seu entorno. Raquel Moreira (2010) sustenta sua tese, assim como Traversini (2011), na Teoria da Ação Comunicativa habermasiana. A pesquisa foi realizada nos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública em São Carlos-SP e mostra a preocupação da docente observada em abordar a diversidade. São destacadas as dificuldades em discorrer sobre preconceito, discriminação e racismo em sala de aula. A postura dialógica adotada pela professora, por outro lado, foi fundamental para construir a interculturalidade e valorizar a diversidade. Paola Cristine Marchioro Hanna (2011) entende que a negação da diversidade nas escolas, fruto da hegemonização de uma lógica homogeneizante, é geradora de violência no espaço escolar. Propõe então a interculturalidade como base para superação de conflitos. (R)existem no Brasil 225 povos indígenas (IBGE, 2012), falantes de mais de 150 idiomas. Isso reflete uma inenarrável variedade de formas de ser e infinita diversidade e riqueza de conhecimento e cultura. Os trabalhos aqui apresentados sobre o descritor “Educação Intercultural” dedicam-se a temas como currículo, formação de professores, filosofias de linguagem, metodologias de ensino, alfabetização e letramento, educação libertadora, concepções e representações de professores e alunos sobre o indígena, epistemologias opostas ao modelo eurocêntrico, revitalização das culturas indígenas, uso da literatura, valorização de identidade étnica, entre outros, entretanto, representam uma ínfima porção de todo conhecimento acumulado pelos povos indígenas do Brasil e que necessitam de investigação acadêmica. A pesquisa pelo descritor “Lei 11.645/2008” mostrou 55 resultados no CTD/Capes e 16 trabalhos inscritos na BDTD. Este descritor figura em PPGs variados como Antropologia, Arte, Serviço Social, Ciências da Religião, História, Letras, Linguística, Literatura e Interdisciplinar. Além dos critérios de filtragem já descritos, neste caso, foi necessário aplicar outro, uma vez que a Lei 11.645/2008 complementa a Lei 10.639/2003. Ambas possuem alto grau de importância no contexto do progresso brasileiro na construção de uma educação nacional antirracista, mas o texto desta incluiu a história e cultura afro-brasileira enquanto aquela obriga o estudo da história e cultura afro-brasileira E INDÍGENA. Por esse motivo, durante a busca pelo descritor “Lei 11.645/2008” aparecem pesquisas que se referem à lei em questão, mas tratam do recorte racial afro-brasileiro, que, neste caso, não dialoga diretamente com a presente tese. Neste caso, não serão relatadas aqui. 39 Quadro 2: Descritor “Lei 11.645/2008” Local Natureza IES Ano Autoria Orientação Título CTD/Capes Dissertação UEL 2018 Danielle Krislaine Pereira Sandra Regina Ferreira de Oliveira “Falaram que aqui era um deserto, mas estamos vivos e estamos aqui”: Caminhos para o ensino da história e cultura indígena na escola “FÓG AG TÓG TÁG KI TI KUPRÃ Nῖ HE JÁ Nῖ VẼ HE Mῦ, HÃRA ẼG TÓG RῖNRῖR NỸTῖ KỸ ẼG TÓG ῦRI KI NỸTῖ”: ẼPRY TỸEG KÃ GRAN RA TO VÊ ME EG CULTURA TÓ KÃR KỸ KAINGA AG ESLA TÓ' CTD/Capes Dissertação UEMG 2018 Natalia Novaes Karla Cunha Padua Ensino de história e cultura indígena em práticas pedagógicas de uma professora do Ensino Fundamental I CTD/Capes BDTD Dissertação UFSE 2018 Tathiana Santos Soares Marizete Lucini História e cultura dos povos indígenas na formação de professores em Pedagogia na Universidade Federal De Sergipe CTD/Capes BDTD Tese UNESP 2018 Maria Cristina Floriano Bigeli Carlos da Fonseca Brandão Ensino de História e Cultura Indígena: os discursos do Currículo São Paulo faz Escola (2014-2017) e dos docentes de História CTD/Capes BDTD Dissertação UEFS 2015 Gleice Keli Barbosa Souza Glaucia Maria Costa Trinchão Paulo “Os esquecidos da história” e a Lei 11.645/08: continuidades ou rupturas? Uma análise sobre a representação dos povos indígenas do brasil em livros didáticos de história CTD/Capes BDTD Dissertação UFMT 2014 Vanúbia Sampaio dos Santos Darci Secchi Expressões identitárias no espaço escolar: um estudo com estudantes indígenas de escolas públicas urbanas de Ji-Paraná, Rondônia CTD/Capes Dissertação ULBRA 2014 Daniela Bolsoni Bittencourt João Carlos Amilibia Gomes O que se ensina sobre sujeitos marcados como outros na Revista National Geographic Brasil Fonte: Elaborado pelo autor (2019). http://bdtd.ibict.br/vufind/Author/Home?author=Santos%2C+Van%C3%BAbia+Sampaio+dos http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=%22Secchi%2C+Darci%22 http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFMT_fd306ad8706716321420f03c950759cb http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFMT_fd306ad8706716321420f03c950759cb http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFMT_fd306ad8706716321420f03c950759cb 40 Danielle Krislaine Pereira (2018), em sua dissertação, busca avanços para o ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental. A partir de diálogos com povos Guarani, Kaigang e Xetá revela caminhos em prol de uma educação que define como mais potente e satisfatória e proporciona conhecimentos significativos. Do mesmo modo, Novaes (2018), Soares (2018), Bigeli (2018) e Souza (2015) também dedicam seus estudos a implementarem a Lei 11.645/2008 no componente curricular História tomando como corpus o livro didático, discurso de professores e suas práticas pedagógicas. A pesquisa de Soares (2018) teve por objetivo compreender como se dá a formação do professor que leciona nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ao debruçar-se sobre o cenário de Sergipe, conclui que a formação inicial é incipiente no que tange às questões relacionadas à Lei. Indutivamente, amplio as conclusões de Soares ao contexto nacional e as aproveito como premissa para o desenvolvimento desta tese. A dissertação de Vanúbia Sampaio dos Santos (2014) aborda a presença de estudantes indígenas do povo Arara e Gavião que estudam nas escolas urbanas em Ji-Paraná – RO. Ao final da pesquisa, a autora assevera que a escola é um ambiente hostil ao estudante indígena e que os invisibiliza e os submete a situações de preconceito e violência. Este é mais um estudo importante para a constituição desta tese, uma vez que, assim como nas demais pesquisas, parto da conclusão de que a escola é um ambiente hostil e reprodutor de preconceitos direcionados ao indígena para justificar o estudo discursivo da Literatura Infantil e Juvenil. O estudo de Daniela Bolsoni Bittencourt (2014) toma a Revista National Geographic como corpus para compreender a partir da semiótica e estudos culturais a representação de sujeitos considerados como “outros”. As conclusões apontam que, em relação ao padrão eurocêntrico, aqueles tidos como outros são colocados em posição de déficit. A revista, portanto, ao estabelecer um padrão, colabora para naturalizar estereótipos. No Grupo de Pesquisa “Formação de Professores e as Relações entre as Práticas Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário” (UNESP/CNPq), não foram produzidas teses e/ou dissertações que abordem a Lei 11.645 (BRASIL, 2008). A publicação da lei impulsiona fortemente a produção intelectual a respeito da interculturalidade por incluir obrigatoriamente o estudo da cultura e história indígenas no currículo das escolas brasileiras, tornando-se um marco político-educacional. Apesar de pontuar em seu texto o ensino da história afro-brasileira e indígena, ao abordar também a cultura dessas matrizes que formaram o Brasil, a lei abre espaço para a transversalidade educacional, o que pode ser http://bdtd.ibict.br/vufind/Author/Home?author=Santos%2C+Van%C3%BAbia+Sampaio+dos 41 amplamente abordado em todos os componentes curriculares. O estudo do descritor aponta, por outro lado, uma produção mais amadurecida no campo da História e seu ensino, o que evidencia a necessidade de sistematizar academicamente a contribuição que a Literatura, principalmente a infantil e juvenil, pode oferecer no processo ainda tímido de efetivação da Lei 11.645/2008. O descritor “Literatura indígena” apresenta 47 resultados na busca pelo CTD/Capes e 26 na BDTD. A maior produção relacionada a este descritor está basicamente espalhada em programas de Letras, Literatura, Linguística, Estudos da linguagem e Antropologia. Os filtros aplicados diminuíram o resultado para 0 (zero), inclusive quando voltamos o olhar para o Grupo de Pesquisa “Formação de Professores e as Relações entre as Práticas Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário”. O mesmo ocorre quando são pesquisados os descritores “Literatura infantojuvenil indígena”, “Literatura juvenil indígena”, “Literatura infantil indígena”, “Literatura intercultural”, “Literatura com temática indígena”, “Literatura Infantil com temática indígena”, “Literatura Juvenil com temática indígena”, “Literatura Infantojuvenil com temática indígena”, “Literatura Infantil e Juvenil com temática indígena”, o que, mais uma vez, evidencia a necessidade de sistematização dos estudos no campo da literatura produzida por indígenas, ou com temática indígena, no campo da Educação, sobretudo aquela direcionada à juventude e à infância. O surpreendente resultado 0 (zero) abre questionamento se “Literatura indígena” e as variações apresentadas são descritores que resumem bem a proposta desta tese, uma vez que não foram utilizadas pelos meus pares estudiosos em Educação. Após reflexões, decidi que sim, afinal é exatamente o que este estudo se propõe a fazer quando elege a temática indígena para desenvolver a análise discursiva. A insistência em utilizar o descritor “Literatura indígena” para esta tese, mesmo que não apresentando resultado em PPGs de Educação nos levou a pesquisá-lo em outros programas em que há tradição de estudo do descritor. De modo geral, há pesquisas sobre autores não-indígenas que escreveram sobre a temática indígena como José de Alencar. Há também uma tendência em pesquisar a temática indígena em acervos bibliográficos de programas como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), onde figuram autores indígenas que se destacaram no mercado editorial, como Daniel Munduruku. A esse exemplo, pode-se citar a dissertação de Dornelles (2017), realizada no PPG em Letras da UFGD em que são estudadas as representações indígenas em obras literárias no acervo do PNBE 2014. 42 Outra forte tendência observada diz respeito a estudos que abordam questões discursivas e de representação do indígena em obras literárias, assim como propostas de ensino envolvendo letramento literário e abordagens do texto na sala de aula, mas que não dão enfoque à produção para a infância e juventude. O descritor Discurso literário rende mais de 50 mil teses e dissertações nas bases de dados, entretanto, a aplicação dos filtros de pesquisa em programas de educação mostrou duas dezenas de teses e dissertações que, em sua maioria, se propunham a estudar gêneros de discurso sociais, ou outros discursos constituintes que não o literário. Há apenas uma exceção, a dissertação de Josiane Oliveira Rabelo na Universidade Tiradentes cujo título foi “A construção da subjetividade feminina: uma reflexão a partir dos contos de fadas dos Irmãos Grimm”. A pesquisadora analisou os contos Cinderela, Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho e constatou o apontamento de padrões de feminilidade estabelecidos de forma subliminar pelo discurso literário do Século XIX na Europa. O trabalho pautou-se basicamente em Foucault e Nietzsche. Mais uma vez, recorremos a outras estratégias para encontrar nas bases de dados outras pesquisas que pudessem dialogar com esta, dado que apenas uma tese apareceu na busca por Discurso Literário. Pesquisamos, deste modo, por Ethos discursivo e Cenografia, categorias importantes para análise do discurso literário que utilizo. Assim, o termo Ethos discursivo não apresentou resultado. Já a busca por Cenografia resultou na tese de Aline Akemi Nagata Prado realizada em 2016 na Universidade de São Paulo sob o título “Esse jogo daria um ótimo livro: uma análise da literatura gamer e da constituição de práticas de leitura em narrativas transmidiáticas”. A pesquisa utiliza os conceitos da Análise de Discurso, de Maingueneau, para entender as novas formas de narrar e de ler na literatura transmidiática. Utiliza, portanto, textos considerados literários que surgem a partir dos jogos Assassin’s Creed, Resident Evil e Startcraft. Além dos termos chave utilizados no resumo, fizemos buscas também pelos nomes dos autores e obras aqui estudadas. O descritor “Érico Veríssimo” resultou em duas pesquisas em ambas as bases de dados. A dissertação de Roselusia Teresa Pereira de Matos foi defendida em 2010 na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Eliane Peres. Foi intitulada “Representações da docência em romances de Erico Verissimo: a personagem Clarissa”. A pesquisa toma a personagem Professora Normalista Clarissa nos romances 43 iniciais de Veríssimo para construir a representação de docência. A professora de Veríssimo é leitora, questionadora e escritora. Michele Ribeiro de Carvalho produziu a dissertação “Memórias de Erico Verissimo: primeiras leituras ao Solo de Clarineta (1912-1922)”. A pesquisa foi orientada pela Prof.ª Dr.ª Márcia Cabral da Silva, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2016. A investigação resgatou as leituras que Veríssimo realizou enquanto criança na cidade de Cruz Alta-RS. A obra autobiográfica Solo de Clarineta foi uma importante fonte de pesquisa. Os resultados evidenciam o papel dos mediadores de leitura na formação do leitor. A obra As aventuras de Tibicuera: que são também as do Brasil não resultou em dissertações e teses nos bancos de dados pesquisados. O descritor “Daniel Munduruku” apresenta no CTD/Capes 25.845 resultados de pesquisas realizadas em PPGs de Educação, Antropologia, Letras, Estudos de Linguagem, Literatura... Após a aplicação dos filtros mencionados, restaram 3 trabalhos. Na BDTD, apresenta 8 resultados de trabalhos realizados em programas de mesma natureza. Após filtragem, uma dissertação foi selecionada, conforme apresenta o Quadro 3: 44 Quadro 3: Descritor “Daniel Munduruku” Local Natureza IES Ano Autoria Orientação Título CTD/Capes Dissertação UECE 2017 Joilson Silva de Souza Fátima Maria Leitão Araújo Temática indígena na escola: saberes experienciais de docentes em história na rede pública municipal de Fortaleza-CE. CTD/Capes Dissertação UCS 2014 Liliane Melo do Amaral Flávia Brocchetto Ramos Educação para a diversidade: acervos complementares do PNLD/2010. CTD/Capes Dissertação UFRGS 2011 Luana Barth Gomes Maria Aparecida Bergamaschi Legitimando saberes indígenas na escola. BDTD Dissertação UFRN 2005 Maria de Fátima Araújo Maria da Conceição Xavier de Almeida A Fogueira do conhecimento: religação de saberes e formação. Fonte: Elaborado pelo autor (2019). 45 A dissertação de autoria de Joilson Silva de Souza (2017) teve por objetivo a compreensão da constituição dos saberes que envolvem a prática de professores de História em Fortaleza-CE. A pesquisa toma Daniel Munduruku não como autor literário, como é a proposta nesta tese, mas como teórico indigenista importante para o campo da educação intercultural. As conclusões de Souza (2017) apontam para os saberes mobilizados pelos professores de História, a formação continuada que recebem da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza e que a temática indígena é trabalhada a partir do material didático disponível. A pesquisa de Liliane Melo do Amaral (2014) analisa a representação de identidades culturais no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2010 para os 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. Avalia também a contribuição dos títulos para a educação para a diversidade, entre eles, a obra Kabá Darebu, de Daniel Munduruku. Dentre as conclusões a que a autora chegou, é possível destacar que a educação para a diversidade é potencializada pelas obras tomadas como corpus da pesquisa e que a mediação do professor é importante para a compreensão dos alunos, assim como na construção de suas identidades na relação uns com os outros. Luana Barth Gomes (2011) investiga saberes ameríndios em escolas não indígenas. A pesquisadora pretendeu verificar a concepção da comunidade escolar em relação à temática indígena quando há presença constante de ameríndios nessas escolas. Gomes (2011) utilizou o livro Meu avô Apolinário: um mergulho no rio da (minha) memória, de Daniel Munduruku, para ministrar oficinas aos alunos. A autora concluiu que a escola em que fez a pesquisa possibilitou interação respeitosa entre culturas, promovendo valorização de conhecimentos e modos de ser indígenas. O trabalho de Maria de Fátima Araújo (2005) centra-se em instigar o exercício da reflexão para que professores transformem suas práticas em sala de aula. O banquete dos deuses, de Daniel Munduruku, é utilizado para estimular as indagações que a pesquisadora direciona aos docentes. Como resultado, Araújo (2005) aponta que a reflexão sobre a experiência leva o sujeito a projetar novas configurações do conhecimento a partir da religação entre vida, ideias e práticas pedagógicas. O descritor da obra O Karaíba não frutificou em resultados nas plataformas utilizadas. Da mesma forma, as pesquisas por Jeronymo Barbosa Monteiro e por Corumi, o menino selvagem também não foram exitosas. 46 A busca pelo descritor Thales Castanho de Andrade resultou na tese “A coleção de leitura escolar: Série Thales de Andrade (1928-1964) – reflexões sobre a leitura escolar no Brasil”, desenvolvida em 2011 por Cleila de Fátima Siqueira Stanislavski no Doutorado em Educação do Câmpus de Marília da Unesp. A pesquisa utilizou as obras Ler brincando, Espelho, Vida na roça, Trabalho, Saudade, Campo e cidade e Alegria, todas de Thales de Andrade para analisar a constituição de um modelo de leitura escolar instituído pelas obras do autor. No Grupo de Pesquisa “Formação de Professores e as Relações entre as Práticas Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário” (UNESP/CNPq), esta é a primeira tese/dissertação a respeito dos autores e obras selecionados. A procura por pesquisas que convergem com esta tese, a nossos olhos, reforça a necessidade e inediticidade deste estudo, uma vez que os objetivos aqui propostos se mostram únicos, tanto no grupo de pesquisa do qual emerge, quanto nos principais bancos de dados de teses e dissertações do país. 47 2 A TEMÁTICA INDÍGENA NA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA [...] das 1300 línguas que supostamente existiam no território [brasileiro] no momento da chegada dos portugueses, em 1500, cerca de 170 ainda são faladas no país, das quais apenas cerca da metade já foi basicamente investigada e descrita por etnólogos e linguistas. Há, portanto, um quadro urgente e amplo de registro e pesquisa ainda por realizar, para que cheguemos a ter um conhecimento menos lacunar da literatura desses povos. De modo geral, entretanto, podem-se considerar, no universo da comunicação verbal indígena, duas grandes séries de práticas discursivas que, manifestando e gerando sentidos e efeitos conjugadamente sociais e estéticos, podem ser consideradas formadoras de um patrimônio literário: as narrativas e os cantos. (Cláudia Neiva de Matos) O levantamento das teses e dissertações produzidas sobre Literatura Indígena apresentado no capítulo anterior mostra que os estudos foram realizados basicamente em programas de Letras e Literatura e que abordam as várias manifestações da Literatura Nacional existentes. Em alguns casos específicos, como a dissertação de Dornelles (2017) apontada como exemplo, as pesquisas abordam textos literários direcionados à infância, entretanto, não na mesma quantidade em que há estudos sobre Literatura Infantil e Juvenil em programas de Educação. Zilberman e Lajolo (1993, p. 254) discorrem brevemente sobre esta questão ao pontuar que, a partir do conjunto de obras de Literatura Infantil publicadas à época de 1930, iniciou-se um rascunho de uma Teoria da Literatura Infantil, mas que esta não foi desenvolvida por profissionais de Letras, mas por pedagogos. Dentre as mais de 55.000 teses e dissertações produzidas sobre Literatura Infantil e Juvenil produzidas em PPGs de Educação, nenhuma abordou a temática indígena, o que nos fez arriscar dizer que falta no campo da educação– e talvez possamos nos atrevera dizer que também no campo da Literatura de forma geral – uma sistematização dos estudos sobre a Literatura Infantil e Juvenil com temática indígena. Quando Candido (2000) investigou a formação da Literatura Brasileira, asseverou que esta somente se estabelece enquanto um sistema a partir do Arcadismo e Romantismo, entre 1750 e 1880 devido ao conjunto de obras que se formou, bem como à interação autor- obra-público. Observou que o processo formativo que apresentara se diferenciava dos livros 48 de história da literatura, mas pontuou que “[...] nessa matéria, tudo depende do ponto de vista [...]” (2000, p. 23). O sociólogo e crítico literário percebe a Literatura como [...] um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns aos outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contato entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade (CANDIDO, 2000, p. 23). Este capítulo pretende revisitar o panorama da Literatura Infantil e Juvenil brasileira para visualizar historicamente a temática indígena. Diante da ausência de um compêndio específico de Literatura Infantil e Juvenil com a temática indígena, utilizo a produção existente sobre a Literatura Infantil e Juvenil para pinçar obras com temática indígena para mostrar que, de acordo com o que estabelece Candido, há um conjunto de obras suficiente para sustentar que há muitas narrativas indígenas, mas que ainda não estão sistematizadas academicamente. Cabe ainda dizer qual não é a intenção. Apesar de pontuar as lacunas existentes na Literatura Infantil e Juvenil de temática indígena, para este momento, não pretendo esgotar este assunto. O que intenciono é compreender a evolução do tema na historiografia literária nacional para poder mensurar possíveis mudanças discursivas na produção da temática na transição entre as eras Moderna e Pós-Moderna. Pretendo me apoiar ainda em Candido para sustentar que há uma Literatura que aborda a questão indígena bastante robusta. Para crítico literário ganhador de quatro Prêmios Jabuti, Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em tal sistema, ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária, - espécie de transmissão da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um todo. É uma tradição, no sentido completo do termo, isto é, transmissão de algo entre os homens, e o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento, e aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição não há literatura, como fenômeno de civilização (CANDIDO, 2000, p. 24). 49 Com efeito, quando se trata de Literatura com temática indígena, o sentido da palavra tradição é grandemente expandido, uma vez que, a exemplo da obra de Daniel Munduruku, muito do que está sendo publicado, são registros escritos de narrativas que são transmitidas de geração a geração oralmente entre os povos indígenas, um verdadeiro patrimônio como pontua o texto destacado na epígrafe do capítulo. As narrativas muito frequentemente relatam a cosmologia indígena precedente à colonização e, para além dos atributos estéticos que as qualificam como lit