UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO EM SERVIÇO SOCIAL CAMILA MEZA DOS SANTOS IMPACTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS EM CRIANÇAS DEVOLVIDAS APÓS A ADOÇÃO FRANCA 2022 CAMILA MEZA DOS SANTOS IMPACTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS EM CRIANÇAS DEVOLVIDAS APÓS A ADOÇÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharela em Serviço Social. Orientadora: Profª. Drª. Maria Cristina Piana. FRANCA 2022 S237i Santos, Camila Meza dos Impactos sociais e psicológicos em crianças devolvidas após a adoção / Camila Meza dos Santos. -- Franca, 2022 56 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Serviço Social) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Maria Cristina Piana 1. Criança. 2. Adoção. 3. Devolução. 4. Impactos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. CAMILA MEZA DOS SANTOS IMPACTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS EM CRIANÇAS DEVOLVIDAS APÓS A ADOÇÃO BANCA EXAMINADORA Orientadora: _________________________________________________________ Nome: Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Piana Instituição: Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Examinador 1: ________________________________________________________ Nome: Prof.ª Dr.ª Nanci Soares Instituição: Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Examinador 2: ________________________________________________________ Nome: Prof. Dr. Marcello Gallo Instituição: Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Franca,______ de _______________________ de 2022. Dedico este trabalho a todas as crianças em situação de acolhimento institucional, em especial aos que, hoje, já adultos/as vivenciaram a experiência da devolução no processo de adoção e aos que não tiveram acesso ao afeto familiar. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade de realização do meu primeiro grande sonho e por sua presença em todos os momentos vividos nesta trajetória. Agradeço, ao meu anjo, Elvira, que também posso, como um grande privilégio, chamá-la de Mãe. A ela eu agradeço todo apoio e dedicação em tornar tudo possível, agradeço todo o amor e carinho direcionado a mim nesses quatro anos e ao longo de minha vida. Obrigada por ter sonhado comigo este sonho. Agradeço a minha querida irmã, Carla, que sempre esteve ao meu lado me acolhendo com palavras de afeto e apoio. Agradeço ao meu pai, José Carlos, que me auxiliou e contribuiu muito para a concretização desta etapa. Agradeço a minha família afetiva, Viviani, minha segunda mãe, Valdecir, Gabrielli, José Henrique, Emanuelly e ao João, que foram estruturas de incentivo, apoio e amor. Foram eles que me ensinaram e ensinam que o amor de família vai além de laços de sangue. São eles também, as inspirações para este trabalho. Agradeço às minhas amigas que, sem sombra de dúvidas, fizeram deste ciclo inesquecível! Janaína, Izadora e Tainá foram mulheres essenciais nesta caminhada, fizeram da vida universitária longe do aconchego familiar, mais leve e prazerosa. Minhas “meninas super poderosas”, que quando as coisas ameaçavam ficar difíceis recorríamos à batata e ao sorvete da Marli e tudo voltava a ficar bem. Obrigada, meninas! Agradeço aos meus inseparáveis Amanda e Leonardo que foram recepção de idas e vindas de Franca e que são sinônimo de companheirismo e amizade. Agradeço às minhas supervisoras de estágio, que enriqueceram e me inspiraram na atuação profissional. Agradeço ao grupo PET (Programa de Educação Tutorial) de Serviço Social, que me permitiu acesso a lugares, conhecimentos e experiências como a de origem deste trabalho. Agradeço ao meu grupo de extensão (RE)Inventando a velhice e as minhas companheiras, que me possibilitaram tantas experiências que guardarei com muito afeto. Agradeço à minha orientadora, professora e também tutora do PETSS, carinhosamente chamada por Cris, que me auxiliou e ensinou muito. Por fim, agradeço a todos que estiveram ao meu lado, mesmo que de longe, me motivando, me apoiando e me ajudando, me fazendo acreditar que tudo daria certo do começo ao fim, a eles todo meu amor e gratidão. Deu tudo certo! “Por cada criança, por cada esperança que nadou, mas morreu na praia”. (Lucas Afonso, 2019) SANTOS, Camila Meza dos. Impactos sociais e psicológicos em crianças devolvidas após a adoção. 2022. 56 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2022. RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo principal compreender os impactos sociais e psicológicos na vida da criança devolvida após um convívio afetivo com a família substituta no processo de adoção. Para isso utilizou-se do método materialista histórico-dialético que propõe uma visão de totalidade do objeto estudado. Desta forma foi realizada uma pesquisa bibliográfica, através de monografias, artigos, livros e legislações que abordam e regulamentam a adoção. Inicialmente buscou-se compreender a história da infância no Brasil, enfatizando a criança privada da convivência familiar, destacando também o marco da instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que ressignificou essa história e trouxe a medida de adoção de forma regulamentada. Além disso, tornou-se necessário compreender a constituição das famílias adotantes e sua função primordial no desenvolvimento peculiar na vida das crianças adotivas. Para o entendimento e análise dos impactos sociais e psicológicos em crianças devolvidas no processo de adoção, investigou-se, principalmente, narrativas de crianças adotadas e crianças que passaram pelo processo de devolução. Por fim, analisou-se os fatores estruturais que possam desencadear-se na devolução de crianças adotadas, denunciando a negligência da atenção especializada na vida das crianças adotivas e buscando a construção de estratégias que visem o protagonismo da criança no processo de adoção, a fim de conter novas quebras de vínculos familiares. Palavras-Chave: Criança. Adoção. Devolução. Impactos. SUMÁRIO INTRODUÇÃO …………….………………………………………..…………….…………10 1 PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL ……………………………….12 1.1 Adoção à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).......................12 1.2 O trabalho da equipe psicossocial no processo de adoção…………………...18 1.3 A devolução de crianças adotadas…………………………………………………24 2 FAMÍLIAS ADOTIVAS DE CRIANÇAS…………………………….…………………...29 2.1 As diversas famílias no processo de adoção……………………...……………..29 2.2 Perfis de crianças solicitadas pelas famílias adotantes…………………….….34 2.3 A adoção de crianças pretas frente o racismo estrutural……………………...38 3 OS IMPACTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS NA VIDA DAS CRIANÇAS DEVOLVIDAS NO PROCESSO DE ADOÇÃO…………………………………………..42 3.1 A atuação fundamental da escola para proteção integral à criança adotada……………………………………………………………………………………….49 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………..……………….52 REFERÊNCIAS………………………………………………………………………………54 10 INTRODUÇÃO A pesquisadora manifestou interesse pela temática desta pesquisa após uma visita realizada com o grupo do Programa de Educação Tutorial1 do curso de Serviço Social (PETSS) ao abrigo provisório para crianças “Recanto Esperança”, na cidade de Franca/SP no ano de 2019. Depois de conhecer mais sobre as condições da instituição visitada, a Assistente Social responsável lamentou a frequente devolução de crianças adotadas e este fato instigou a pesquisadora a pesquisar sobre a devolução que é recorrente no âmbito da adoção, porém pouco discutida. A devolução é resultado de vários fatores e falhas, a juíza Rocha (2003) explica que a devolução é consequência de uma adoção mal construída desde o início e que sua prevenção se daria a partir de uma melhor preparação das crianças e candidatos a pais adotivos. (ROCHA, 2003, p.93 in GHIRARDI, 2015, p.34). Diante disso, pensar e refletir sobre esse processo, o fenômeno da devolução e o que isso acarreta nas crianças devolvidas é indispensável, no que diz respeito ao desenvolvimento de traumas e danos psicológicos e sociais. Para a realização desta pesquisa foram utilizadas pesquisas realizadas com crianças e adotantes no âmbito da adoção e devolução, além disso as legislações que regulamentam a adoção e que tratam dos direitos das crianças e adolescentes, foram muito importantes para a compreensão da história social da criança no Brasil. Esta pesquisa, portanto, foi dividida em três seções. A primeira seção aborda inicialmente um pouco da história da infância e da criança abandonada no Brasil, além de realizar uma breve análise da adoção através do tão importante Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Vai também buscar entender o trabalho da equipe multiprofissional no processo de adoção, dando ênfase no trabalho da equipe psicossocial e sua importância para a garantia dos direitos das crianças adotadas. Para finalizar a primeira seção, foi feita uma aproximação ao conceito de devolução no processo de adoção. 1 De acordo com o Ministério da Educação “O PET é desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente, organizados a partir de formações em nível de graduação nas Instituições de Ensino Superior do País orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e da educação tutorial. O grupo PET, uma vez criado, mantém suas atividades por tempo indeterminado. No entanto, os seus membros possuem um tempo máximo de vínculo: ao bolsista de graduação é permitida a permanência até a conclusão da sua graduação e, ao tutor, por um período de, no máximo, seis anos, desde que obedecidas as normas do Programa”. 11 Na segunda seção, abordamos a importância da família para o desenvolvimento e proteção social da criança e a diversidade da constituição desta instituição em nossa sociedade. Ademais, será realizada uma análise dos dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) no que se refere ao perfil de crianças solicitadas pelos adotantes cadastrados no sistema. Para concluir o capítulo faremos uma aproximação ao conceito de devolução no processo de adoção. Na terceira e última seção, portanto, realizamos a análise dos impactos sociais e psicológicos na vida das crianças devolvidas após a adoção, sendo esses denominados como situações potencialmente traumáticas, o trauma da devolução poderá impactar na vida da criança em todos os aspectos, influenciando em seu modo de vida e sua maneira de se relacionar com outras pessoas, tendo que ser, de maneira efetiva, prevenido e evitado. Além disso, fizemos uma breve compreensão da atuação da rede protetiva da criança no enfrentamento dos preconceitos direcionados às crianças adotivas e sua inclusão na sociedade. Como considerações finais, a pesquisadora pontua algumas questões que considera centrais, que foram resultado da pesquisa realizada. Principalmente que os impactos sociais e psicológicos na vida das crianças devolvidas são, muitas vezes, traumáticas para estas, devido a quebra de vínculos que não é inédita na vida delas, por consequência a superação deste trauma será de extrema complexidade e importância. A rede de apoio e a equipe interdisciplinar devem ter condições de oferecer o acompanhamento integral da criança devolvida, sendo pontuada como uma necessidade e obrigatoriedade por parte da instituição que recebe a criança devolvida. Além disso, como conclusão tivemos a compreensão de como o ECA/99 é negligenciado, sobretudo pelo Estado, consequentemente vemos que a criança que vive às margens da sociedade, preta, pobre, institucionalizada, não alcança seu direito, tão fundamental para seu desenvolvimento, da proteção integral. 12 1 PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO NO BRASIL J: Não, nós nem sabia aliás o que era ser adotada ninguém contava pra gente, ninguém falou adotada, adotado… (tom baixo) (GUIMARÃES, 2008, p. 106). 1.1 Adoção à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) A adoção é uma medida que “viabiliza o acesso a maternidade/paternidade por outros meios que não o biológico” (GHIRARDI, 2015, p. 19), para as pessoas que desejam ou não podem conceber filhos biológicos, constitui-se, entretanto, uma política social utilizada para garantir o acesso do direito familiar e comunitário as crianças e adolescentes privados desse direito. Adotar é acolher, abrigar, cuidar, amar, proteger, identificar como um/a filho/a através da construção de laços afetivos, uma criança concebida por outros pais e que por algum motivo não puderam, não desejaram ou negligenciaram essa criança como filho/a. Porém, nem sempre a adoção foi utilizada para fornecer à criança essas condições essenciais, veremos ao longo desta discussão que a adoção é uma medida muito antiga e que para chegarmos nessa concepção que temos dela, hoje, passamos por transformações legislativas, sociais e culturais. Em consideração a isso, tendo como ponto de partida a adoção atravessada por uma mudança de concepção, faremos um breve histórico de como a criança era vista pela sociedade e Estado e o que motivou e marcou a redefinição da infância brasileira e, consequentemente, a adoção. No que tange aos direitos sociais até aqui conquistados, podemos afirmar que estes são advindos de grandes e incessantes lutas e movimentos sociais, não diferente, os direitos que hoje são garantidos às crianças e adolescentes também são resultados dessas lutas, tendo como norte o olhar para a infância que passou da visão de criança como uma “miniatura” de uma pessoa adulta, que exercia as mesmas atividades que era desempenhada pelos adultos, para uma criança como sujeito de direitos, em desenvolvimento peculiar e que necessita de uma proteção integral. Se tratando do recorrente abandono familiar de crianças, até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o Brasil não possuía regras e 13 leis efetivas que protegessem as crianças, à exemplo disso temos a denominada roda dos expostos ou roda dos enjeitados (1726-1950), que foi um sistema utilizado por mais de 200 anos pelo Estado aliado a Igreja Católica como resposta ao abandono de crianças e ao grande índice de infanticídio da época, sendo mellhor explicada pela autora: A roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos enjeitados [...] Quase por século e meio a roda dos expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. (MARCILIO, 1997, p. 53) Ao serem colocados nas rodas dos expostos, os bebês abandonados eram direcionados às famílias caridosas dispostas a receberem essas crianças, com o objetivo, geralmente, de futuramente tê-las como mão de obra barata e não para fornecerem afeto e um lar digno. Ao serem definidas as motivações que levaram a implantação desta instituição destacamos o refreio do infanticídio, porém como ressalta Marcilio (1997) parte muito considerável dessas crianças abandonadas e acolhidas, ou não, por famílias substitutas não chegavam a maioridade, pois morriam precocemente. Ao trazer o exemplo da roda dos enjeitados/expostos, vê-se nitidamente o papel da Igreja e sua conexão com o Estado na história, as medidas tomadas para “proteção” da criança eram de cunho totalmente caritativo e ideologizador2, que não atendiam às necessidades das crianças enquanto sujeito de direitos. A roda dos expostos neste trabalho tinha como objetivo revelar como o Estado e a sociedade respondiam ao abandono de crianças e qual o olhar que estes tinham acerca da infância e não realizar uma reflexão profunda sobre este sistema. Na antiguidade, o objetivo da adoção era dar continuidade à família e não de encontrar uma família para as crianças abandonadas, modelo vigente na adoção chamada moderna (YAMA, 2004 apud GHIRARDI, 2015), essa adoção moderna institui a criança adotada a condição de filho, direcionando todos os direitos e deveres 2 Um dos principais objetivos da igreja era batizar a criança, como forma de purificá-la de seus pecados. 14 sem distinções com os/as filhos/as biológicos. Antes disso, a criança pobre e abandonada possuía a configuração de objeto/posse para a sociedade e famílias adotantes, a adoção trazia consigo benefícios em sua consumação, pois fornecia a essas famílias mão de obra escrava, como já citado. No período pós Ditadura Militar (1964-1985) e iniciado um processo de redemocratização no Brasil, o fim do silenciamento, da censura e violência permitiu a efervescência dos movimentos sociais. Com isso, os que lutavam por uma infância modificada puderam se organizar para reivindicar os direitos das crianças que historicamente foram tão maltratadas, essas lutas contribuíram para avanços legais e ressignificação da infância no país. Inicialmente, em 1988, com a instituição da Constituição Federal (CF/88) quando traz em seu art. 227 considerações que certificam a criança como indivíduo que necessita de cuidados e direitos assegurados, ademais responsabiliza as três instituições por esses deveres: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988) Rompendo com a visão de seres parcos de direitos, a CF/88 com o art. 227 encaminha para necessidade de uma legislação mais ampla voltada às crianças e adolescentes, sendo assim, em 1990 foi promulgado o ECA, um marco de uma vitória advinda de muitas e incessantes lutas dos movimentos sociais, é importante ressaltar que o ECA, assim como todos os direitos sociais, é resultado das movimentações e pressões populares às autoridades políticas. Ao se fazer a análise do documento,é evidente o que determina o ECA, quando logo em seu primeiro artigo ele traz: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” (BRASIL, 1990). Esta proteção integral, como sugere o nome, é a atenção especializada em todos os âmbitos da vida da criança; na educação, na saúde, na habitação, na família etc. Destarte, o ECA, assim como a CF/88, responsabiliza igualmente a tríade que tem o dever de promover 15 e garantir a proteção integral às crianças e adolescentes, sendo eles: a família, a sociedade e o Estado. O ECA em seu artigo 19 diz que: “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral” (BRASIL, 1990), revela-se com isso, a importância da família para o desenvolvimento da criança, seja ela natural3 ou substituta4. Destacamos também, que o ECA traz como excepcionalidade a família substituta, isso quer dizer que a criança só será tirada de seu ambiente familiar original em casos extremos em que foram esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança neste ambiente, condição observada pelo artigo 92 em seu princípio II do estatuto. Os dados que trazem os autores Moraes e Faleiros (2015) a respeito de uma análise da pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), evidenciam a irregularidade na retirada de crianças do ambiente familiar. [...] a pesquisa realizada pelo Ipea apontou que 50,1% das crianças e adolescentes foram abrigados por motivos relacionados à pobreza; 24,1% estavam acolhidos em função da situação de pobreza de suas famílias; 86,7% tinham família, sendo que 58,2% mantinham vínculos familiares, com contatos regulares, apenas 43,4% tinham processo na justiça e somente 10,7% estavam em condição legal de adoção. Isto posto, indica-se o Art. 23, que ressalta: “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar” (BRASIL, 1990), algo que aparentemente poderia ser óbvio, em um país onde a desigualdade social sobrepuja e a criminalização da pobreza se faz muito presente, principalmente destilada pelo Estado, torna-se necessário ser incluído e destacado. A respeito da colocação de crianças em famílias substitutas o ECA preconiza em seu artigo 28 inciso 5º 4 Família substituta é a comunidade decorrente da “guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente” (BRASIL, 1990) 3Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (BRASIL, 1990) 16 § 5 o A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência (BRASIL, 1990) Isso implica que a criança necessita, e é dever do Estado garantir, do acompanhamento profissional desde a retirada do seu seio familiar até a sua colocação em uma família substituta. Diante disso, reflete-se a relevância do trabalho interprofissional5, realizado neste caso, principalmente pela equipe psicossocial, composta por Assistentes Sociais e Psicólogos/as, a atuação destes será capaz, se estiver em conformidade com o que o estatuto coloca, de prevenir situações que a criança possa ser colocada em risco ou da retirada equivocada do seio familiar. Sendo então, a convivência familiar um direito e posta às condições de retirada da criança de sua família de origem, como se dão as condições de adoção das crianças no Brasil? A subseção IV da seção III do ECA trata diretamente da adoção, em art. 1º conceitua a adoção como “medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa” (BRASIL, 1990), após esgotados esses recursos a criança ou adolescente é encaminhado para um serviço da proteção social especial de alta complexidade, nomeado por serviço de acolhimento institucional para crianças e neste serviço a criança será acompanhada e encaminhada para a colocação em família substituta através da adoção. Outrossim, apresenta as condições atuais para candidatar-se a adotante, sendo as seguintes: é necessário que o candidato tenha mais de 18 anos de idade e que possua, pelo menos, 16 anos de diferença com o adotando. Em casos de adoção unilateral não se leva em consideração o estado civil, apenas na adoção conjunta, onde os candidatos deverão ser civilmente casados ou manter união estável. A adoção é excepcional e irrevogável, o que significa que após uma criança ser retirada de sua família de origem por motivações extremas que priorizem o bem estar e a segurança da mesma, não haverá meios legais para sua restituição. Uma vez que 5 É o trabalho realizado por mais de uma profissão, normalmente com formações que se complementam. A atuação interprofissional permite uma intervenção mais ampla e concisa dos profissionais, pois oferece duas ou mais visões do objeto estudado e trabalhado. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art7 17 uma criança esteja na condição de ser adotada, ela terá um lar a partir de uma nova família, apta a adotá-la. Em seu art. 46 o ECA traz mais um procedimento importante no processo de adoção que se refere ao estágio de convivência do adotando com a família adotante, que possui a seguinte descrição: “a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)” (BRASIL, 1990). Durante o período de convivência os adotantes possuem a guarda legal da criança, que é um instrumento jurídico de caráter provisório, destinado a regularizar a posse de fato. A guarda confere à criança a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito (art 33) e pode ser revogada a qualquer momento mediante a um ato judicial fundamentado no (art 35). Em relação ao vínculo a ser estabelecido entre a criança e o adulto, a guarda caracteriza-se por esse momento inaugural e, como tal, traz em seu âmago as instabilidades e delicadezas do encontro humano (GHIRARDI, 2015, p. 29). Além de ser um procedimento técnico da adoção, esse período de convivência entre as partes se faz fundamental para que haja a possibilidade de vínculo, como traz a autora. Porém, é necessário e imprescindível evidenciar que este período pode trazer ao processo de adoção elementos positivos, como também, negativos, caso a adoção não seja efetivada, pois irá gerar expectativas tanto na família adotante quanto na criança. Traz-se, portanto, mais uma vez, a responsabilidade que tem a equipe interprofissional envolvida para um desfecho bem sucedido da adoção, pois é através do acompanhamento e informações coletadas pela equipe interprofissional que a adoção se efetivará ou não. O § 4 o do art. 46 diz que: Estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência (BRASIL, 1990) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm#art7 18 Logo, o material produzido trará para o processo elementos de extrema importância para que esta seja finalizada com a certeza de que os direitos da criança serão garantidos pela família substituta. Entende-se, apoiando-se em um olhar sobre a infância como fase em peculiar desenvolvimento, a complexidade da adoção, que vai desde a retirada da criança de sua família de origem, até a efetivação de sua adoção. Dada essa complexidade, podemos, através da breve análise das legislações, sobretudo o ECA, a urgência do cumprimento das mesmas para que seja efetivo, em sua totalidade, o direito à convivência familiar, tão importante na vida das crianças para a garantia de todos os outros direitos. O processo realizado, que vai desde a chegada da criança nos serviços de acolhimento até a concretização da adoção, precisa ter em suas fases um trabalho minucioso e preciso, cujo os atuantes estejam preocupados e em conformidade com as legislações e compromissos, sem transigir brechas que possibilitem futuras ou imediatas falhas. 1.2 O trabalho das equipes psicossociais no processo de adoção. Anteriormente, citamos a importância do trabalho interprofissional no processo de institucionalização da criança e adoção, sabemos que o trabalho interprofissional envolve muitos profissionais como psicólogos/as, promotores/as, juízes/as, assistentes sociais, advogados/as, etc. Apesar da importância e necessidade de todas as atuações, faremos agora uma reflexão sobre o trabalho dos/as Assistentes Sociais e Psicólogos/as como equipe psicossocial, que irão atuar na preparação das famílias adotantes e influenciar, significativamente, na decisão judicial, por terem acompanhado de perto as famílias e crianças durante o processo de preparação e colocação da criança na família adotiva. Para entendermos melhor o processo, no qual tanto citamos, ele é iniciado no desejo das pessoas em ser pais/mães através da adoção, a partir disso o primeiro passo é realizar um cadastro no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) 19 colocando dados pessoais, estabelecendo um perfil da criança desejada e optando por ser adoção municipal6, estadual7 ou nacional8. Os/As candidatos/as à adoção, após os procedimentos burocráticos de envio de documentos e comprovações e tendo o cadastro validado, passam por uma preparação para a adoção para serem considerados habilitados para receber um/a filho/a adotivo/a. O desenvolvimento da preparação é feito através de cursos preparatórios, que são realizados pela equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude (VIJ), em uma série de encontros. Após a conclusão dessa preparação e aprovação pelo juiz, os candidatos passam a ser considerados habilitados à adoção e entram no cadastro de pretendentes. Em seguida, os candidatos já habilitados inscrevem-se para as entrevistas com a equipe técnica da VIJ, composta por psicólogos e assistentes sociais. Neste momento reforçam por meio do preenchimento de um formulário as características da criança que desejam adotar (sexo, idade, cor, condições de saúde etc.), apresentando suas expectativas e motivações em relação à adoção. (FALEIROS; MORAES, 2015, p. 26) Nesta etapa, a equipe psicossocial tem a oportunidade de conhecer a família e entender quais são suas expectativas em relação à adoção e dialogar sobre as particularidades de uma criança em serviço de acolhimento institucional9, além de estabelecer um vínculo com os candidatos à adoção. Os candidatos habilitados esperam pelo estudo do cadastro psicossocial de crianças abrigadas e então são convocados para uma nova entrevista, respeitando-se sua ordem de inscrição. Uma vez encontrada a criança que melhor se encaixa no perfil estabelecido 9 Os serviços de acolhimento institucional é a nomenclatura que substitui os antigos termos “abrigos” e “orfanatos”. (FALEIROS; MORAES, 2015, p. 28), sendo assim, é o serviço que acolhe a criança em situação de abandono ou que teve seus direitos cerceados pela família de origem, e, portanto, retirada do mesmo. “Os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes integram os Serviços de Alta Complexidade do Suas, sejam eles de natureza público-estatal ou não-estatal” (FALEIROS; MORAES, 2015, p. 31) 8 Nacional: Aceita adotar em seu município, em todos os outros municípios de seu estado e também em outros estados, podendo ser em todos os estados do país ou somente alguns, à sua escolha. Neste caso, se o pretendente reside, por exemplo, na cidade de São Paulo e escolheu o perfil Nacional, selecionado também os estados do Paraná e Minas Gerais, e uma criança compatível com seu perfil fica disponível para adoção no estado do Espírito Santo, este pretendente não entrará na fila para aquela criança. (SNA, 2019) 7 Estadual: Aceita adotar em seu município e também em todos os outros municípios de seu estado. Neste caso, se aparecer uma criança disponível à adoção em outro estado, mesmo com perfil compatível, este pretendente não entrará na fila para aquela criança. (SNA, 2019) 6 De acordo com o SNA quando o/a candidato/a seleciona a opção municipal aceita adotar apenas em seu município. Mesmo que apareça uma criança dentro do seu perfil em outro município qualquer, este pretendente não entrará na fila para aquela criança 20 pelos candidatos, é feita uma aproximação entre as partes, no sentido de estabelecer vínculos de afinidade entre um e outro. (FALEIROS; MORAES, 2015, p. 26) Frente a isso, observamos que a equipe psicossocial tem uma atuação primordial no processo de colocação da criança em uma família adotiva e possuem um trabalho essencial para a prevenção de possíveis falhas no processo, como a devolução, já que estão presentes durante todo o processo. Faremos, portanto, uma análise de como a atuação da equipe psicossocial interfere, ou não, na devolução de crianças adotadas. Ghesti-Galvão (2008) afirma que o agente psicossocial deve funcionar, em todas as etapas desse processo, como um mediador entre o afeto e a lei, promovendo acolhimento, informação e formação às pessoas interessadas em adotar, entendendo que dessa forma será possível promover mudanças nas idealizações, representações e comportamentos. (SILVA; CASSARINO-PEREZ; SARRIERA; FRIZZO, 2017, p. 611) Posto a essencialidade do trabalho psicossocial, vemos que a falta de concursos públicos e contratação de profissionais, causam uma sobrecarga imensa nos profissionais atuantes já que, muitas vezes, trabalham com a equipe reduzida ou incompleta. A necessidade de citar este fato, vem de como isso pode afetar negativamente o processo de adoção, um profissional com muitas demandas tendo que lidar com muitas questões e casos, tem uma grande possibilidade de cair em um trabalho mecanicista e pouco crítico. Frente aos desafios que este trabalho enfrenta no processo de adoção, a devolução de crianças na tramitação da adoção, é um fato a ser ressaltado. A devolução ocorre quando os/as adotantes resolvem devolver a criança adotada, em estágio de convivência, onde possuem a guarda da criança ou quando já finalizada a adoção, nesses casos a criança retorna a instituição de acolhimento. Isto irá gerar um novo trauma na criança, que demandará, posteriormente, um acompanhamento profissional mais aprofundado. O psicólogo judiciário Walter Gomes de Sousa, descreve no trecho seguinte como esse desafio é desencadeado durante sua experiência profissional: 21 Nessa situação específica, o procedimento psicossocial de mediar o retorno dos adotandos ao acolhimento institucional é via de regra cercado de muita consternação e pesar, especialmente quando eles experimentaram vinculação afetiva sem a concomitante reciprocidade por parte dos postulantes desistentes. Os desarranjos emocionais provocados pela interrupção da adoção são equivalentes aos impactos gerados no passado pela ruptura de vínculos com a família biológica. Sem qualquer tergiversação, a desistência em adoção é na verdade uma nova experiência de rejeição e abandono a ser computada no repertório de vida de crianças e adolescentes. Além de os profissionais da Justiça Infantojuvenil terem que lidar com o sofrimento e a dor experimentados pelos adotandos devolvidos, é necessário saber conduzir com cautela e controle técnico os aspectos processuais envolvendo os postulantes desistentes, sobretudo quando estes se mostram incapazes de elaborar autocrítica e inclinam-se a apresentar frágeis justificativas de culpabilização dos adotandos e da equipe psicossocial da Justiça Infantojuvenil pelo insucesso da adoção. Manter equidistância técnica e continência emocional é a melhor estratégia a ser adotada diante desses casos, destacando sempre que a equipe técnica procura agir em cumprimento às determinações judiciais e com o objetivo de fornecer subsídios aos magistrados para o embasamento de suas decisões. Nesse particular, nunca é demais assinalar que os profissionais que compõem o quadro psicossocial da Justiça Infantojuvenil não se arredam de observar atribuições e competências impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código de Ética e Conduta do TJDFT10. (SOUSA, 2018) Destaca-se, que Sousa (2018) afirma que a criança experiencia novamente a rejeição e o abandono, assim como o de sua família biológica. Diante disso, a equipe psicossocial, novamente, atua de forma insubstituível, pois é esta quem terá o papel de reparar, mesmo que minimamente, os impactos gerados na criança. Outro fato, é que a devolução nos faz pensar que no processo houve falhas, falhas que de repente, podem ser resultadas de uma má preparação tanto das crianças quanto dos adotantes. Logicamente, não existe um procedimento técnico pré estabelecido tão correto que irá funcionar em 100% dos casos de adoção, porém a equipe psicossocial alinhada, possui de forma conjunta formação e competências que se complementam, sendo inteiramente capazes de fazê-la com eficácia inquestionável. O/A Assistente Social por sua formação fundamentalmente crítica possui a atribuição de analisar criticamente as particularidades sociais, culturais e econômicas dos contextos que tanto as crianças, quanto os/as adotantes estão inseridos. A partir desta análise o/a Psicólogo/a terá artifícios para realizar uma análise psicológica 10 TJDFT- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 22 ampla, apoiada nas condições externas e subjetivas das pessoas em questão. Após a análise de ambos a partir de suas perspectivas de formação, os profissionais, em conjunto, podem definir os meios utilizados para cada caso, estabelecendo as melhores formas de preparação das partes, do encontro com as crianças e, finalmente, o parecer11 sobre cada caso. As equipes psicossociais trabalham de diferentes formas nas diferentes comarcas12, “o fato de não existir um protocolo de atuação implica também na falta de consenso sobre o papel do psicólogo e do assistente social nesse contexto” (SILVA; CASSARINO-PEREZ; SARRIERA; FRIZZO, 2017, p. 618), há equipes que trabalham de forma conjunta e há as que possuem um trabalho mais dividido e individualizado, tem equipes que trabalham de forma mais técnica sem o estabelecimento de vínculo e há equipes que acham imprescindível o vínculo no processo. A falta de procedimentos padronizados ditam que as equipes possuem autonomia na execução do trabalho. Se tratando do trabalho individualizado, podemos refletir que este restringe o trabalho de equipe psicossocial, deixando de lado o que o ECA preconiza. A atuação coletiva no caso da adoção se faz necessária pela complexidade dos casos, para que ambos os profissionais estudem, discutam e reflitam a respeito das particularidades postas por cada caso, assim terão maior fundamentação, para decidirem, conjuntamente, os caminhos que serão melhor utilizados. Na pesquisa realizada pelo/as autor/as Silva, Cassarino-Perez, Sarriera e Frizzo (2017), o/as pesquisador/as entrevistaram sete Psicólogos e onze Assistentes Sociais judiciários de diferentes cidades e comarcas, em uma das falas dos profissionais um Assistente Social se posiciona a respeito do trabalho em equipe e aponta uma grande problemática: [...] a importância atribuída por eles ao trabalho em conjunto, principalmente entre psicólogos e assistentes sociais integrantes da mesma equipe técnica. Em alguns relatos o trabalho interdisciplinar foi apontado como fundamental, especialmente nos casos de maior complexidade, citando novamente os casos de adoções tardias: “Vai depender da dupla. Tem umas que gostam de trabalhar em conjunto, 12 Segundo o dicionário da língua portuguesa, comarca é uma circunscrição judiciária (área territorial), sob a jurisdição de um ou mais juízes de direito. 11 Parecer na adoção é o instrumento técnico utilizado como ferramenta para subsidiar a decisão judicial, é onde os profissionais, no caso, especificam suas análises e conclusões acerca de um caso, colocando suas perspectivas de profissionais que acompanharam e analisaram de perto as famílias e as crianças. 23 outras não, que preferem trabalhar sozinhas, separadas, o que eu acho bem complicado” (AS1)13. Nesta e em outras falas, foi possível observar que a interdisciplinaridade se dava muito mais em função da afinidade existente entre os profissionais do que pela percepção da necessidade de um trabalho integrado. Em muitos casos, como já mencionado, a sobrecarga do trabalho cotidiano faz com que os profissionais dividam as funções e atuem de forma individualizada e somente em casos que considerem mais graves, como no caso das adoções tardias, recorram um ao outro, o que é de fato muito controverso, proveniente principalmente de condições postas pela própria instituição que não são respaldadas pelo Estado. O que mais uma vez, nos coloca a refletir, qual o olhar que o Estado contemporâneo tem sobre nossa infância? Terá este superado o olhar da criança objetificada e insignificante? Seguindo, no capítulo III no item “d” do art. 10 do Código de Ética do Assistente Social diz que é dever do profissional “incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar” (BRASIL, 1993), atrelado a isso destacamos a problemática citada pelo AS¹, quando diz que a interdisciplinaridade se dava muito em função da afinidade entre os profissionais, um profissional que se pauta em ter afinidade ou não com sua equipe interprofissional, não é, entretanto, um profissional que se pauta em seu código de ética. No Serviço Social sabemos que é imensamente valorizado o trabalho coletivo e interdisciplinar, no entanto, sabemos que as formações destes profissionais, ainda possuem resquícios do assistencialismo e conservadorismo enraizados desde sua gênese. Isso implica diretamente na atuação profissional, fazendo com que surjam situações como a aqui colocada. Torna-se necessário, portanto, uma formação norteada e mais comprometida com o Código de ética e o Projeto Ético-Político da profissão. Retomando, para finalizarmos a reflexão da temática deste item, concluímos que “a preocupação com a fase de colocação e com a preparação dos candidatos parece refletir não só a importância atribuída ao seu trabalho para o sucesso da adoção, como também a responsabilidade conferida à função que cumprem [...] (SILVA; CASSARINO-PEREZ; SARRIERA; FRIZZO, 2017, p. 617), ou seja, a função dos profissionais de intermediar o acesso das crianças ao direito do convívio familiar, 13 AS1 - Na pesquisa utilizada como referência, AS1 sinaliza a fala do primeiro Assistente Social entrevistado. 24 de forma com que esse processo seja o mais benéfico possível para esta criança, é uma responsabilidade atribuída aos mesmos durante todo procedimento, portanto, o insucesso da adoção também pode ser considerado responsabilidade desta equipe. 1.3 A devolução de crianças adotadas Ao dizer a palavra devolução, remete-se, na esmagadora maioria das vezes, a algo material que precisa retornar ao seu estado de origem, de onde ele veio ou a quem ele pertence, dificilmente remete-se ao imediato a devolução de crianças no âmbito da adoção. No caso da devolução no procedimento de adoção devolver a criança significa retornar a criança adotada ao serviço de acolhimento institucional, que acaba se tornando seu lugar de origem. Pensar na devolução de seres vivos, como animais, é estranhamente doloroso, mas pensar na devolução de crianças adotadas não é só violento, mas também indispensável. Não à toa que esta palavra “devolução” no âmbito da adoção é, muitas vezes, encoberta, sendo utilizada outras nomenclaturas para defini-la, como: [...] “guarda que não avançou para uma adoção”, “desencontro entre as partes”, “que não houve adaptação entre as partes”, “que não havia preparo para adotar” ou que “não houve sucesso na adoção”. [...] A devolução gera recusa na estrutura judiciária portadora de um discurso condenatório e passa a representar fracasso não apenas da adoção em curso, mas também fracasso do trabalho dos profissionais ligados à seleção de candidatos, o que pode justificar a necessidade de negar a relevância de sua ocorrência. (GHIRARDI, 2015, p. 35-36) Isso faz com que as devoluções sejam ocultadas e invisibilizadas, tornando- se um fator que dificulta ou impede a urgência da adesão de estratégias para prevenção. Quando censuramos e omitimos a existência de algo, cria-se a falsa ideia de que não precisa ser combatido, isso só acontece com questões que não geram incômodo para os que escondem. É mais fácil negligenciar a existência da devolução do que responsabilizar-se e ter que criar meios para preveni-la. Através disso, “as devoluções ocorrem no âmbito do judiciário em número maior do que lembrado” (GHIRARDI, 2015, p. 35), sendo algo frequente e pouco discutido devido a falta de dados levantados, as devoluções precisam ser evidenciadas e tratadas como uma falha no processo, não imputando a equipe 25 interprofissional envolvida, mas atribuindo a responsabilidade do insucesso da adoção e oferecendo-os mecanismos para um trabalho preventivo e crítico. Ao tratar a devolução de crianças adotadas como uma problemática decorrente de uma falha do processo, automaticamente, responsabiliza-se os envolvidos - pais/mães e profissionais, sendo inadmissível culpabilizar comportamentos e a subjetividade da criança adotada. Quando tem-se os responsáveis conscientes, tem-se também o cuidado para que não ocorra a devolução. Para que haja esse cuidado, é preciso pensar nas possibilidades de motivações das devoluções. Além da colocação da criança em uma família não preparada para recebê-la, no que diz respeito a uma família que mesmo com os encontros com a equipe psicossocial e cumprimento dos protocolos estabelecidos, estando juridicamente apta para receber uma criança, ainda assim não estão preparadas do ponto de vista social e psicológico. Nesse sentido, existem fatores a serem considerados: A guarda é a modalidade de vínculo mais vulnerável para a ocorrência de devoluções, por ser revogável. Acrescenta que a colocação de crianças maiores em famílias não preparadas funciona como campo para surgimento de conflitos, dificultando o estabelecimento de vínculo afetivo. Sugere também que a guarda de avós ou pessoas da família é um fator de risco para a devolução, por não levar em conta o desejo de adotar. Realça que a ligação afetiva da criança com a família de origem é um fator que a predispõe ao fracasso da colocação em nova família substituta. Frassão (2000) conclui que o fator preponderantemente como motivo da devolução liga-se a dificuldade do pais adotivos em lidar com o comportamento hostil da criança e a devolução é compreendida como um modo dos pais se virem livres dos conflitos com a criança (FRASSÃO, 2000 apud GHIRARDI, 2015, p. 37) Por esses motivos, para que aconteça a identificação prévia desses fatores, a ponto de prevenir os traumas e sofrimentos gerados pela devolução, que abordaremos melhor subsequente, a equipe profissional envolvida precisa de tempo e condições oferecidas pelas instituições de trabalharem todos os pormenores até permitirem a colocação da criança em uma família adotiva, isto significa que os profissionais precisam de lugares adequados, equipes completas, instrumentais e tempo hábil para o trabalho com as famílias. Ademais, a relação de confiança com os/as adotantes é fundamental para que estes sintam-se confortáveis para ser sinceros acerca de suas inseguranças e medos, 26 com a finalidade de poderem superá-las antes do contato direto com a criança. Isso, nos faz retomar a importância do vínculo entre a equipe e a família candidata, pois ele irá permitir a troca sincera de expectativas e anseios. Como vimos na análise da adoção pelo ECA, a adoção é irrevogável, então o que permite que a devolução ocorra e seja tão recorrente? De acordo com Ghirardi (2015, p. 30) A única possibilidade inserida na lei para que a devolução ocorra é durante o estágio de convivência. A devolução da criança é também chamada no âmbito do Judiciário de restituição, quando se dá antes de ser proferida a sentença de adoção, ou seja, durante o período da guarda. A despeito da irrevogabilidade da adoção, devoluções ocorrem como um fato e as razões para que o Judiciário tramite a sua ocorrência dizem respeito às tentativas de proteger a criança de maus-tratos eventuais recebidos pela família que a rejeita, de acordo com a Juíza Rocha Matos. “Os pais que devolvem a criança denunciam com seu ato que não se sentem legitimados em relação ao exercício da paternidade/maternidade daquele filho, apesar da sentença judicial que lhes propiciou esse direito” (GHIRARDI, 2015, p.33). Isso nos mostra que a adoção vai além das determinações jurídicas, nos revela que é fundamental o envolvimento e estabelecimento de vínculos entre os responsáveis pelo sucesso de uma adoção (pais/mães e profissionais). A decisão de adotar, pode-se dar por inúmeras motivações que são subjetivas e particulares de cada família, portanto, esse processo não é meramente técnico e burocrático, envolve questões afetivas e sentimentais que são inerentes ao processo e que o fazem muito mais complexo. Isto abre brechas para que haja imprevistos no processo, imprevistos que poderão ser evitados e melhor trabalhados, antes que a devolução seja a resolução dos problemas, por exemplo, quando os adotantes ainda estão inseguros em relação ao exercício da paternidade/maternidade, quando ainda não estão preparados para lidarem com os preconceitos em relação a adoção ou quando não desconstruíram a ideia de um filho perfeito, tudo isso, deve estar muito bem resolvido antes mesmo do estágio de convivência, para que a criança, posteriormente, não sofra com a quebra de um vínculo. Acontece que, quando a criança é colocada como centro da adoção, situações de risco devem ser evitadas para que estas não sejam prejudicadas, pensando desta 27 forma, os pais candidatos à adoção precisam receber orientações de que estas crianças não atenderão, totalmente, suas expectativas previamente estabelecidas no campo do imaginário. Quando uma adoção “não dá certo” é necessário pensar nos motivos que levaram essas famílias ou respectivos filhos a não processarem o verdadeiro encontro. Poderemos então visualizar não apenas uma resposta, mas várias. Em geral, a primeira coisa que pensamos é quem foi o culpado da devolução e não quais os motivos que suscitaram esse desencontro. (FALEIROS; MORAES, 2015, p. 123) Pensando através disso, quando pais/mães adotivos vão comunicar a decisão de devolver a criança, precisam se posicionar e justificar as questões que os levaram a tomar tal decisão, de acordo com uma antiga matéria realizada pela revista Época, intitulada “Rejeitados”: As justificativas dos pais para a devolução, por sua vez, chocam pela banalidade e pelo descompromisso. Uma menina abria a geladeira de noite sem pedir licença. Outra insistia em usar o nome antigo, recusando aquele dado pelos pais adotivos. Um garoto foi mandado de volta para a creche porque a nova mãe, que não podia ter filhos, conseguiu engravidar. 'Os pais chegam aqui responsabilizando a criança pelo fracasso da adoção. Como se a culpa fosse dela ou uma herança da família biológica', conta a assistente social Luziclaire Silva, de Campo Grande. (MAGESTE; LEAL; NAVES, 2003, online) Vemos que as justificativas como cita a matéria são, na maioria das vezes, banais. E que denunciam a falta de preparo dos pais/mães adotivos/as, que muitas vezes não conseguem lidar com a complexidade da adoção, se apegando a questões que poderiam facilmente ser resolvidas e não entendendo que na realidade os responsáveis são eles pela não adaptação e aceitação com seus/as filhos/as. O/A filho/a adotivo/a possui história e raízes que antecedem a adoção e que não devem ser esquecidas, omitidas ou criminalizadas pelos pais/mães, pois negar a história da criança é negar a sua existência. Uma outra questão muito valorizada em nossa sociedade é a questão genética das famílias e a semelhança dos filhos/as com seus respectivos pais/mães. Por isso, os/as adotantes devem estar preparados para lidarem com a não semelhança com seus filhos/as, principalmente no enfrentamento dos preconceitos envoltos no ato de adotar. 28 Indo de encontro com isso, Weber (2003, p. 23) diz que: Há alguns anos, o Projeto Genoma tenta mapear os genes humanos e correlacioná-los com comportamentos. Mesmo quando esta tarefa estiver concluída, será muito difícil determinar com certeza o quanto de um traço de personalidade é fruto da genética e em que proporções [...] Nas famílias adotivas, se o comportamento da criança está “de acordo” com o que os pais adotivos esperam, eles acabam acreditando no sucesso à sua educação; mas se algo não vai bem, muitas vezes, e até de maneira não consciente, colocam a responsabilidade nos genes do “outro”, no “sangue ruim” que esta criança pode ter trazido. A questão genética, principalmente, precisa ser uma questão bem resolvida com os/as adotantes, como Weber (2003) discorre: é mais fácil culpabilizar a influência da genética de seu/sua filho/a do que entender que seus próprios comportamentos os influenciam. Além disso, o fato da criança ter convivido com outras crianças e locais e ter vivenciado experiências, muitas vezes, ruins, deve ser levado em conta quando comportamentos inesperados aparecem. Como afirma Ghirardi (2015, p.42) “a devolução é experimentada pelos pais adotivos como sendo a última saída para ultrapassar os conflitos com a criança”. Os/as adotantes, portanto, podem enxergar muitos motivos para devolver a criança no estágio de convivência ou após a adoção, porém o que queremos deixar nítido é que esses fatores, mesmo que somados, não justificam a quebra de vínculo na devolução de uma criança adotada. Principalmente, quando colocamos a criança como o sujeito que irá sofrer com esta ação, a adoção é sobretudo o meio possível de dar à uma criança privada da convivência familiar o direito de ter uma família, um lar e o afeto que o serviço de acolhimento institucional não tem condições de oferecer, e não causar mais um trauma nesta criança. Esse processo, entretanto, não pode ser pensado como uma tentativa de atender as expectativas de candidatos a adoção em relação à filiação, que perante ao aparecimento de problemas inesperados possam desfazer a ação. 29 2 FAMÍLIAS ADOTIVAS DE CRIANÇAS L: Por que uma criança é adotada? Y: Porque as crianças precisa de ter família. (GUIMARÃES, 2008, p. 106) 2.1 As diversas famílias no processo de adoção A convivência familiar e comunitária, como cita o art. 227 da CF/88, além de ser direito da criança é primordial para seu desenvolvimento. Ao tratar sobre adoção, devolução e crianças é indispensável discutir sobre as relações familiares, que são tão importantes para o desenvolvimento da criança como sujeito de direitos. A família é uma das instituições responsáveis em garantir os direitos da criança e garantir afeto familiar, que irá possibilitar um desenvolvimento voltado para questões essenciais, como a escolaridade; por exemplo. Ademais, “de acordo com Vicente (2000, p.47- 59) a história de vida da criança tem início dentro da história da família, de sua comunidade e de sua nação” (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 45). Segundo o Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC) a família é conceituada como a comunidade formada a partir de vínculos afetivos, não importando o tipo de família ou se a família é natural ou adotiva. Deste modo, o plano coloca que muitas pessoas podem ser consideradas “família”, considerando a realidade da família extensa, que é: [...] uma família que se estende para além da unidade pais/filhos e/ou da unidade do casal, estando ou não dentro do mesmo domicílio: irmãos, meio-irmãos, avós, tios e primos de diversos graus.A diferença entre “família”, como rede de vínculos, e como “domicílio” também tem um importante caráter operacional no interior de programas e serviços sociais, pois há vínculos que definem obrigações legais entre pessoas que não moram no mesmo domicílio e que são reconhecidas e se reconhecem como “família”, como no caso de crianças e adolescentes que não residem com pelo menos um de seus pais. (PNCFC, 2006, p. 24) 30 Apoiando-se nisso, os vínculos afetivos são as bases essenciais para uma família ser constituída. Esta instituição é tão importante para o desenvolvimento da criança que foi colocado pelo ECA como um direito fundamental. Considerar todos os vínculos instituídos durante sua infância e adolescência, sejam eles familiares ou institucionais, é uma tentativa de resgatar a história individual da criança, processo esse que tende a facilitar a construção dessa nova filiação em adoção. Para isso entendemos que para toda boa vinculação, seja ela adotiva ou biológica, é necessária a introdução da criança em uma história familiar, da qual ela necessariamente precisa sentir-se como parte integrante (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 46). Tendo em vista a importância dos vínculos afetivos, isto é, da família, precisamos pensar sobre as concepções familiares e as questões que as rodeiam na adoção, já que, tratamos aqui de crianças que são privadas desse direito. Iniciamos a discussão sobre famílias, através do ponto inicial: refletindo em que contexto e sociedade estamos inseridos/as, para então pensarmos a constituição dessas famílias e seu papel na proteção das crianças em situação de acolhimento institucional e adoção. As concepções de família não devem ser analisadas fora do contexto, elas estão relacionadas com os fatores macro sociais, como por exemplo: economia (empregos); política (atuação do estado); religião (crenças e regras). Portanto, família não é uma realidade que tem uma existência independente da sociedade. (GUIMARÃES, 2008, p. 27) Sabemos que nossa sociedade estrutura-se na heteronormatividade, no machismo, no racismo, na religião e sobretudo no sistema Capitalista, onde as relações são individualizadas e mercadológicas, sendo este sistema tão perverso que se sustenta na desigualdade social e na exploração da classe trabalhadora. Este fato está intrínseco às questões de família, pois os provedores das necessidades básicas de uma família são as pessoas que estão inseridas neste contexto, onde precisam competir com outras pessoas, de forma desigual, e se submeter à exploração cotidiana, para garantir o sustento de sua família, e mesmo assim, na grande maioria das vezes, não conseguir garantir o mínimo. 31 O Brasil, como se não bastasse o grave contexto de pandemia por COVID-1914, tem vivenciado o avanço do ideário ultraneoliberal, do conservadorismo e dos desmontes das políticas públicas sociais, que evidencia e agudiza ainda mais as expressões da questão social15, portanto, nos deparamos com cenário nacional assustador e de um nítido retrocesso, resultado de um (des)governo liderado por Jair Bolsonaro. O discurso moralizador de uma família tradicional, vêm sendo constantemente repercutido nos últimos anos, inclusive pelo então Presidente da República, reafirmando e retomando preconceitos e definições inadequadas de família para um século onde tem-se muito acesso à informação, novas tecnologias e avanços legais na ampla conceituação de família. Os ataques e preconceitos são direcionados, majoritariamente, às famílias homoafetivas, que nos discursos são deslegitimadas e desrespeitadas como se não fossem famílias efetivas. Mesmo com o avançar dos anos, ainda temos presente em nossa sociedade pensamentos arcaicos e ultrapassados do senso comum. Existem inúmeras formas da família ser constituída, que varia com a cultura e as questões já citadas, mas também, da particularidade e subjetividade de cada indivíduo. Porém, como já se tem conhecimento, vivemos em uma sociedade estruturada em pensamentos conservadores consolidados e opressores. “No entanto, a concepção naturalizante de família, na sociedade ocidental, é muito marcante e difícil de ser desconstruída. A família é vista segundo um parâmetro biológico, marcado pela sexualidade e a reprodução biológica (LEON, 2002 apud GUIMARÃES, 2008, p. 28). Torna-se necessária uma definição mais ampla de “família”, com base sócio-antropológica. A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são 15 “O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização do trabalho. Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna‐se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém‐se privada, monopolizada por uma parte da sociedade...a produção fruto de um trabalho cada vez mais coletivo, contrastando com a desigual distribuição da riqueza entre grupos e classes sociais nos vários países, o que sofre a decisiva interferência da ação do Estado e dos governos” (IAMAMOTO, 1999 apud EURICO, 2013, p. 292) 14 Em março do ano de 2020 foi decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a pandemia pelo vírus denominado COVID-19/Coronavírus, causador de inúmeras mortes no mundo todo. 32 unidas por laços de consanguinidade16, de aliança17 e de afinidade18” (PNCFC, 2006, p. 24). Tratando da proteção integral das crianças, e também da família como elemento essencial na adoção, a constituição desta família é irrelevante, pois o que deve ser levado em consideração, são questões que vão além dos estereótipos19 direcionados a diversidade das famílias, que não a tradicional nuclear20. De acordo com o PNCFC ( 2006, p. 23) A ênfase no vínculo de parentalidade/filiação, respeita a igualdade de direitos dos filhos, independentemente de sua condição de nascimento, imprimindo grande flexibilidade na compreensão do que é a instituição familiar, pelo menos no que diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes. Torna-se necessário desmistificar a idealização de uma dada estrutura familiar como sendo a “natural”, abrindo-se caminho para o reconhecimento da diversidade das organizações familiares no contexto histórico, social e cultural. Ou seja, não se trata mais de conceber um modelo ideal de família, devendo-se ultrapassar a ênfase na estrutura familiar para enfatizar a capacidade da família de, em uma diversidade de arranjos, exercer a função de proteção e socialização de suas crianças e adolescentes. Não existe modelo de família estruturada, assim como não existe um modelo de família desestruturada (GUIMARÃES, 2008, p. 28), o conceito de família desestruturada é utilizado principalmente para se referir a família pobre, e é também uma forma de responsabilizá-la por suas condições de sobrevivência, quando fazemos isso deixamos de levar em consideração o que inicialmente colocamos como ponto de partida para entender as famílias, o contexto cultural, social e econômico que estão inseridas, como se essas famílias tivessem escolhido a condição em que vivem e não quisessem oferecer a “estrutura” que uma criança/filho necessita para uma vida digna. 20 Família nuclear é o termo utilizado para a família constituída por pai, mãe e filhos/as, considerada família tradicional. 19 Estereótipo: trata‐se de uma generalização excessiva a respeito do comportamento ou de outras características de membros de determinados grupos sociais [...] conforme Cashmore et al. (2000) (apud EURICO, 2013, p. 294) 18 Vínculos “adquiridos” com os parentes do cônjuge a partir das relações de aliança. (PNCFC, 2006) 17 . Vínculos contraídos a partir de contratos, como a união conjugal. (PNCFC, 2006) 16 A definição pelas relações consanguíneas de quem é “parente” varia entre as sociedades podendo ou não incluir tios, tias, primos de variados graus, etc. Isto faz com que a relação de consanguinidade, em vez de “natural”, tenha sempre de ser interpretada em um referencial simbólico e cultural. (PNCFC, 2006) 33 Muitos pais que perdem o poder familiar não tiveram acesso a programas de auxílio. Este é mais um indício da ausência de programas sociais que visem auxiliá-los na manutenção de sua prole [...] Nessas situações há uma recorrência maior à adoção como forma de suprir o déficit de programas e políticas de bem estar em prol da família de origem. (SILVEIRA, 2005, p. 40) Mais uma vez tem-se nítido a ausência do Estado no cumprimento de suas responsabilidades na proteção integral de crianças e adolescentes. Logo, este é um grande transgressor do que é colocado pelo ECA, quando responsabiliza igualmente a família, a sociedade e o Estado, o trabalho não é transferível e se uma ou mais das organizações se ausenta a possibilidade dos direitos das crianças serem violados é imensa. O que ocorre, é exatamente isso, como já mencionado a família é, a mais responsabilizada e culpabilizada. De acordo com Guimarães (2008) o modelo de família “natural”, faz com que a sociedade tenha dificuldades em aceitar a adoção ou assumir uma adoção como uma forma de constituir uma família e laços afetivos. Quem nunca ouviu alguém dizer: “Pra quê adotar, se eu posso ter um filho meu?” O sentimento de filiação e pertencimento, em nossa sociedade atual, está inteiramente ligado às vias biológicas e consanguíneas. A partir dessa análise, percebemos que esta constituição de família socialmente atribuída, é mais um fator contribuinte para a devolução no processo de adoção. Quando a ideia de família “natural/biológica”, como único meio legítimo de constituir família, não é desconstruída pelos adotantes, devolver a criança se dará de forma mais naturalizada, porque há a inexistência do sentimento da maternidade/paternidade, em relação a criança adotada, previamente estabelecida, ou seja, os pais/mães não se sentem devolvendo um filho/a, pois não se sentem pai/mãe do/a mesmo/a. Isso nos faz retroceder na conceituação inicial da palavra devolução: retornar à sua origem o que não me pertence. Quando tratamos de famílias dentro do contexto histórico, cultural, econômico e social, entendemos que a existência de outros modelos de famílias não pode ser negada, principalmente no âmbito da adoção. As “famílias diferentes, ou seja, mães solteiras, pais solteiros, pais homossexuais, famílias inter-raciais, famílias reconstruídas, devem fazer parte de qualquer análise compreensiva atual que envolva os papéis parentais em nossa sociedade moderna” (WEBER, 2003, p. 49), afinal são os modelos familiares que serão encontrados no processo de adoção. 34 Temos, entretanto, alguns tipos de adoções nomeadas por Weber (2003) por adoções especiais, que são: unilateral, que se trata da adoção de pais e mães solteiras; homoafetiva, adoção realizada por casais homossexuais; e inter-racial, a adoção de filhos negros por pais brancos ou vice-versa. São adoções consideradas por especiais, pois saem fora do padrão da família tradicional, e carregam consigo os estigmas sociais de que estas famílias não estão preparadas para receber filhos/as adotivos/as ou então que não são aptas. Entender a diversidade das famílias é primordial para o processo de adoção, visto que, as condições postas como necessárias para uma família estar habilitada para receber um/uma filho/a adotivo/a, independe das questões superficiais condicionadas por pensamentos ultrapassados e preconceituosos. “Existem diferentes estruturas familiares e, consequentemente, não é só a família nuclear que pode propiciar a construção de relações de vínculo afetivo” (GUIMARÃES, 2008, p. 28). Qualquer família que ofereça afeto, cuidado, um ambiente seguro e acolhedor, alimentação, o acesso aos direitos que uma criança precisa ter, é uma família, indubitavelmente, efetiva. 2.2 Perfis de crianças solicitadas pelas famílias adotantes A análise do perfil das crianças, traçada pelos adotantes, é importante, pois se na adoção o perfil for incompatível com o pré-estabelecido por eles, pode-se tornar um fator contribuinte para a devolução. [...] evidenciaram-se colocações que não correspondiam ao perfil escolhido pelos requerentes no momento do cadastro, o que nos remete à questão da incompatibilidade entre o perfil da criança desejada e o perfil das crianças elegíveis para a adoção. Penso que essas colocações aconteceram, com a intenção de retirar a criança do abrigo, porque se acredita em que a família é a melhor opção para a criança, mesmo que seja correndo riscos…(vozes das concepções histórico-culturais). Assim, aqui aparece a materialidade de um dos aspectos da matriz sociohistórica que estão circunscrevendo esses processos de adoção. (GUIMARÃES, 2008, p. 166-167) A subjetividade na adoção é muito presente e quem decide candidatar-se a adoção possui e cria ao longo do processo inúmeras expectativas em relação ao filho/a adotivo/a, inclusive traçando um perfil de filho/a ideal, definindo previamente 35 questões como cor, gênero e idade. Com base nisso, os dados disponibilizados no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento21 (SNA), que é o sistema utilizado para coletar dados dos candidatos a adotantes e situação de crianças em acolhimento institucional e familiar, regulamentado pela resolução nº 289/2019 que traz em seu primeiro artigo: Art. 1o O Conselho Nacional de Justiça implantará o Sistema Nacional de Adoção e de Acolhimento – SNA, cuja finalidade é consolidar dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção, incluindo as intuitu personae22, e a outras modalidades de colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e estrangeiros habilitados à adoção. Os dados fornecidos pelo SNA serão base para a análise do perfil de crianças traçadas pelos pretendentes, considerando as falhas que este sistema pode ter, como a falta de atualizações e descrições, problematizamos, que o sistema não traz dados sobre a devolução de crianças adotadas. Primeiramente, examinaremos o número de pretendentes em relação ao número de crianças disponíveis ou vinculadas para adoção de cada estado, lembrando que os dados são constantemente atualizados tendo alterações nos dados. Tabela 1- Relação do número de pretendentes e números de crianças disponíveis para adoção. Estado Nº de pretendentes Nº de crianças disponíveis ou vinculadas para adoção AC 57 7 AL 332 48 AM 97 71 AP 89 — BA 1.023 156 CE 900 176 22 A adoção intuitu personae é quando a adoção é dirigida, quando a criança é direcionada para ser adotada por alguém conhecido de sua mãe biológica. 21 Regido pela Resolução CNJ nº 289/2019, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) traz uma visão integral do processo da criança e adolescente desde sua entrada no sistema de proteção até a sua saída, quer seja pela adoção quer seja pela reintegração familiar, considerando melhor interesse da criança e do adolescente (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, online) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2976 36 DF 362 67 ES 652 118 GO 1.020 90 MA 183 33 MG 4.192 575 MS 269 116 MT 590 53 PA 322 69 PB 451 56 PE 984 165 PI 105 43 PR 2.431 417 RJ 3.142 289 RN 403 51 RO 216 28 RR 49 2 RS 3.743 535 SC 2.742 156 SE 264 48 SP 7.992 861 TO 149 19 Fonte: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sna/estatisticas.jsp. Acesso em: 10 set. 2021. Vemos, entretanto, que o número de pretendentes, no recorte aqui analisado, é sempre maior que o de crianças disponíveis, em uma quantidade muito considerável. Isso nos faz pensar em quais razões estas crianças ainda estão nos serviços de acolhimento institucionais e não foram adotadas. Então, prosseguiremos com as estatísticas para chegarmos em algumas considerações posteriormente, a partir daqui não será feito a análise por região ou cidade, mas sim do total de pretendentes e crianças de todas as regiões, pois os registros do SNA não são tão completos ao nível. https://www.cnj.jus.br/sna/estatisticas.jsp 37 Do total de pretendentes, somados em 32.783, 11.973 aceitam crianças brancas (25,4%), 1.993 aceitam crianças pretas (4,2%) e 10.180 aceitam crianças pardas (21,6%), por outro lado, 1.135 das crianças disponíveis ou vinculadas para adoção são crianças brancas, equivalente a 26,7%, 719 são crianças pretas (16,9%) e 2.306 são crianças pardas (54,3%). Deste modo, vemos que a maioria são crianças pretas e pardas. Outro fato relevante é a respeito da criança com deficiência, física, intelectual ou ambas, vemos que 93,5% dos pretendentes, então 30.064, preferem crianças sem nenhuma deficiência. Além disso, 62,4%, cerca de 20.045 dos pretendentes preferem adotar somente uma criança, enquanto a maioria das crianças possuem um ou mais irmãos. Tendo a pequena amostra das estatísticas, podemos concluir que o perfil delimitado pelos pretendentes no ato do cadastro, é muitas vezes incompatível com a realidade das crianças disponíveis para a adoção, esse perfil colocado como condição para a adoção, torna-se, portanto, um empecilho para o andamento do processo. Ademais, a adoção é um campo encoberto por preconceitos sociais que estão nítidos não só nas estatísticas mas também nas pesquisas utilizadas para a realização deste trabalho. Destacamos outro ponto crucial, que nos levará a uma reflexão posterior, vemos que as crianças pretas constituem a maioria das crianças em situação de acolhimento institucional, e aparecem nas estatísticas como as “menos preferidas” juntamente com as crianças indígenas. Através disso, é nítido perceber que há um presente racismo, já que este é estruturante de nossa sociedade, nas instituições e sendo um “justificador” para muitas questões, acerca disso discorreremos melhor no próximo item. Para mais, não só a cor é alvo para destilação de preconceitos, mas também a classe social destas crianças, cujo muitas vieram de lares e famílias consideradas desajustadas, isso explica também a preferência por bebês ou crianças mais novas, pois as crianças maiores podem ter convivido com sua família de origem e ter influência em seus comportamentos, além do fato de lembrarem da sua família consanguínea. As crianças com deficiências ou doenças graves, também sofrem com o preconceito dos/as candidatos/as a adoção, fazendo parte da grande parcela dos não adotáveis. 38 Através do delineamento dos pretendentes, em sua maioria fora das condições reais, nos direciona a conclusão: Essa situação também pode estar refletindo um embate entre visões distintas sobre a adoção: uma família para uma criança ou uma criança para uma família? Os pais adotantes talvez estejam buscando uma criança para suprir seus desejos e motivações. Já os profissionais estão buscando uma família que possa acolher uma criança (GUIMARÃES, 2008, p. 167) Além, das expectativas dos adotantes sobre os perfis de seus filhos/as os profissionais também são indivíduos importantes a serem pensados, como dito acima muitas vezes os profissionais estão em busca de “tirar as crianças” dos serviços de acolhimento, e esquecem da essencialidade da adoção, encontrar uma família que nutra todas as necessidades das crianças e garanta o mais essencial, o afeto. Posto isso, os profissionais motivados por estas questões acabam por sugerir crianças fora dos perfis pré-estabelecidos e a incompatibilidade pode gerar em uma devolução. Diante disso, surge a necessidade de conscientizar os adotantes de que as crianças possuem particularidades que vão além da idade, gênero, raça e etnia, além disso, essas crianças possuem um histórico com sua família consanguínea, traumas e inseguranças, sendo assim, precisam estar abertos, dentro de suas limitações, para as possibilidades de filhos diferentes de suas expectativas. 2.3 A adoção de crianças pretas frente o racismo estrutural Olhar para crianças e adolescentes negras(os) e enxergar através deles(as), suas histórias, superações e o quanto o racismo continua a erguer barreiras gigantescas quando o assunto é projetar sonhos e concretizá-los. (EURICO, 2018, p. 18) Já vimos que pensar na adoção nos leva a refletir, criticamente, diversos fatores que compõem nossa sociedade. Percebemos, através disso, que nossa sociedade estrutura-se em sistemas de opressões, e que isto está interligado com o assunto aqui discutido. O mais evidente e consolidado é o racismo, opressão essa, que é determinante do modo de vida que as pessoas pretas serão submetidas desde a infância. 39 As situações de pobreza, a inserção precária no mercado de trabalho, a alta concentração de população negra nas favelas, a baixa escolaridade, entre outros indicadores sociais identificados na atualidade são decorrentes do racismo institucional, perpetuado pela classe dominante, nos diversos períodos de alternância no poder estatal. (EURICO, 2018, p. 80-81) O racismo é resultante da herança de um país escravocrata, onde a raça branca é vista como universal, ocupando o lugar de supremacia, mesmo após anos da abolição do sistema desumano de escravidão. Ainda hoje “a violência étnico-racial, promovida pelo Estado brasileiro, gera várias violências no âmbito familiar” (EURICO, 2018, p. 101). O racismo não é produto de mentes desequilibradas, como ingenuamente se poderia supor; nem existiu sempre, ou existirá sempre, como tolamente se poderia pensar. O racismo é um dos muitos filhos do capital, com a peculiaridade de ter crescido com ele. Como os melhores filhos, porém, o racismo tem sobrevivido, e sucedido, ao próprio pai... Há nele uma dose de irracionalismo que nenhum sistema social, até hoje, foi capaz de liquidar. (SANTOS, 1984, p. 35 apud EURICO, 2018, p.38). Como vimos anteriormente, as crianças pretas e pardas constituem a maioria das crianças assistidas pelos serviços de acolhimentos e mesmo assim são as menos preferidas pelos candidatos. Por vezes, a igualdade de acesso é perpassada pela discriminação e pelo privilégio de um grupo, em detrimento de outros (SILVEIRA, 2005, p. 38), não diferente, no que tange o acesso das crianças pretas ao direito da convivência familiar. É nítido como esses fatos são resultado do racismo arraigado socialmente, que vai desde a chegada das crianças nos serviços até a permanência delas no mesmo. O fato dos pretendentes à adoção terem preferência por crianças brancas, determina, como resultado, que as crianças pretas permanecerão por mais tempo nos serviços de acolhimento, até encontrarem sua família adotiva. No caso de crianças pardas neste contexto, “em termos da escala de branqueamento, ser pardo significa ser quase branco e, por conseguinte, ter maiores possibilidades de acesso ao direito da convivência familiar” (SILVEIRA. 2005, p. 132), por isso estas crianças possuem uma porcentagem muito maior de aceitação pelos adotantes. 40 Sabemos, entretanto, que crianças maiores, por sua vez, também são menos procuradas pelos/as interessados/as em adotar e o processo de adoção se dá de forma mais difícil, devido a isso a criança preta sofre com uma dupla invisibilidade, proveniente da cor de sua pele e pela idade. Toda vez que a instituição não oferece acesso qualificado às pessoas em virtude de sua origem étnico-racial, da cor da sua pele ou cultura, o trabalho fica comprometido, o que se configura como racismo institucional (EURICO, 2018, p. 83), isso nos leva a questionar o que as instituições que acolhem as crianças que serão direcionadas para a adoção, fazem para minimizar ou excluir os efeitos do racismo institucional? O racismo existe e isto é incontestável, o mito da democracia racial faz com que a sociedade omita seus efeitos e crie a falsa ideia de igualdade entre as raças e etnias. Em decorrência disso, as pessoas deixam de olhar para o racismo como uma opressão/problema urgente de combate, e olham como algo naturalizado, como é de fato a intenção do sistema no qual estamos inseridos/as. Na exclusão de problemas não elegíveis à justiça da Infância e da Adolescência, os assistentes sociais e psicológos muitas vezes sentem-se impotentes diante da ausência de recursos sociais que possam efetivamente atender a essa demanda. Com efeito, os mecanismos engendrados por esses agentes no âmbito da seletividade das práticas jurídico-sociais não fogem aos critérios de seleção observados em outras instituições. Tais critérios envolvem normas institucionais, aspectos psicossociais que visam triar ou selecionar os usuários, que passam a ser categorizados em aptos ou não aptos, adotáveis ou não-adotáveis, incluídos e excluídos. (SILVEIRA, 2005, p. 39) Já cansados/as do desprezo do Estado com a população no qual ele possui compromisso de proteger e respaldar, vemos que não existem políticas efetivas para que crianças pretas não cheguem com tanta facilidade e frequência nos serviços institucionais e que não permaneçam neles. É, não somente necessário como diligente direcionar as políticas para as diferentes demandas, especializá-las é cumprir com seu dever de enfrentar o racismo de forma eficaz e justa, compreendendo a heterogeneidade da infância. Crianças e jovens, em razão de suas diferenças, incluindo as raciais, sofrem determinações derivadas das desigualdades produzidas na sociedade, as quais, por si só, já os submetem a critérios seletivos, 41 antes mesmo de chegarem a uma instituição judiciária. Os considerados diferentes continuam assim a lotar os abrigos, aguardando que um dia a sociedade brasileira possa despir-se de seus preconceitos e contribuir efetivamente para seu pleno desenvolvimento, seja no meio familiar de origem, seja no adotivo. (SILVEIRA, 2005, p. 38) Como traz a autora, o preconceito precisa ser socialmente eliminado, pois é um fator que impede ou dificulta que uma criança não acesse um lar que a acolha e a ame. Trazer à tona a discussão específica do racismo no âmbito da adoção é elucidá-lo como fundante, e entender que as crianças pretas possuem especificidades que as crianças brancas não encontram como cita Silveira (2005, p.132) “ser negro no Brasil significa ter oportunidades reduzidas em todos os setores da sociedade”, é, por fim, não se deixar levar pelo mito da democracia racial. 42 3 OS IMPACTOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS NA VIDA DAS CRIANÇAS DEVOLVIDAS DURANTE O PROCESSO DE ADOÇÃO ''A gente era feliz. Ficava ansioso esperando a volta do meu pai adotivo do serviço. Ele chegava radiante, tratava todo mundo igual, até pensei que era tudo verdade. De repente a família resolveu ir para o Ceará, mas eu não estava incluído na mudança. Voltei para o orfanato. Não lembro dos meus pais verdadeiros. Acho que eles me largaram quando eu tinha uns 5 anos. Sinto muita saudade da minha família adotiva. Foi um sonho viver ali.'' G.S., 14 anos (à dir.) (MAGESTE; LEAL; NAVES, 2003, online) A análise dos impactos sociais e psicológicos após uma criança ser devolvida na adoção será realizada a partir de pesquisas com os sujeitos; as crianças. O caminho percorrido por esta pesquisa tem nos mostrado aspectos sociais importantes para pensar na infância e na adoção de crianças, evidenciando que as crianças possuem o protagonismo de suas vidas. Então, é a partir desse olhar que analisaremos os impactos sociais e psicológicos que o fenômeno de devolver gera, na vida delas. Tendo a criança como centro desta pesquisa, evidentemente a devolução no processo de adoção gera impactos na vida destas, tanto psicológicos como sociais, pensar nesses impactos é pensar então em maneiras de prevenção e reparação efetivas. A criança que está em situação de adoção experiencia e experienciou, muitas vezes, situações potencialmente traumáticas23, principalmente, o da desvinculação com sua família de origem. A criança que viveu em acolhimento institucional e foi, portanto, afastada da convivência familiar e comunitária sofreu uma ruptura no processo de construção de sua história de vida, e também uma ruptura nos vínculos afetivos, pois foi afastada de suas raízes culturais e afetivas (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 45). Essas raízes não estão somente ligadas à genética, mas ao lugar em que a criança se encontra como pertencente, se trata de uma questão de identificação e 23 [...] definimos como potencialmente traumática uma situação composta de circunstâncias impactantes, geradoras de pesar, que coloca a criança frente a perdas importantes e que exige ou desencadeia (re)arranjos vivenciais significativos.Tais como acontece nas situações que envolvem a perda inesperada de alguém significativo, a agressão física ou psíquica, os acidentes familiares e pessoais com consequências graves, dentre tantos outros (ZAVARONI e VIANA, 2015, p. 331). 43 pertencimento. No processo de pertencimento a criança olha para a casa onde mora, os objetos, as pessoas em seu entorno e se reconhece como parte daquilo, já o processo de construção de identidade diz respeito à construção única e singular de cada indivíduo, a partir de suas experiências, que vão constituir seu modo de agir, posicionamentos, costumes, etc. Quando se rompe com raízes culturais e afetivas o processo de pertencimento e da construção de identidade se torna extremamente complexo, pois a criança já não tem seu lugar, com seus objetos e suas pessoas. Vicente (2000, p. 47-59) considera que toda criança, ao nascer, está inserida em determinado território social e geográfico. Esse território revela o lugar ao qual esta criança pertence e à qual comunidade está vinculada, principalmente vinculada a uma paternidade/maternidade. Desse modo, podemos dizer que toda criança nasce em uma comunidade e que esta também definirá sua identidade (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 45). Uma criança em situação de acolhimento institucional que está sob responsabilidade do Estado, convive diariamente com pessoas que cuidam delas, mas que vão para suas casas após dado o fim do horário de expediente, lidam cotidianamente com a insegurança de criar laços afetivos com crianças e funcionários, sabendo que existe a possibilidade de serem adotadas ou os funcionários serem exonerados. O contexto que estas crianças vivem é um contexto de uma fragilidade e instabilidade imensa, inclusive pelo fato da criança vivenciar todos seus sentimentos de forma intensa, isto posto, é muito fácil estabelecerem vínculos fortes com outras pessoas e ao mesmo tempo sofrer intensamente com a quebra destes. Quando a criança, finalmente, encontra uma família disposta a acolhê-la e amá-la, cria-se, automaticamente, grandes expectativas, pois ali está sua possibilidade de encontrar um lugar que se sinta pertencente. Pensar na adoção de forma romantizada, é não perceber que esse processo pode ser falho. Quando iniciamos a discussão sobre a devolução, pensamos sobre a seguinte questão: A devolução é algo natural do processo de adoção ou uma falha sistêmica deste processo? Caminhando para o fim desta pesquisa, podemos afirmar que é resultado de uma falha, uma falha que gera consequências nas vidas das crianças devolvidas, e “o abandono e as privações sofridas por essas crianças se 44 expressaram pelo sofrimento corporal e psíquico” (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 47). [...] tanto a devolução como a restituição, entendidas como retorno da criança a uma situação anterior , são processos de um mesmo fenômeno: a reincidência da experiência de separação para a criança, e vividos frequentemente como ruptura dos laços afetivos estabelecidos. Reincidência e repetição sim, experiência singular, porém não inédita, uma vez que a criança devolvida porta em sua trajetória de vida outras histórias de abandono (GHIRARDI, 2015, p. 48). A partir da análise realizada até aqui, com as questões que interseccionam a adoção, nós entendemos que a criança, principalmente a criança pobre e preta, sofre com um sistema opressor, que não está preocupado com sua existência, antes mesmo de seu nascimento, quando sua mãe não acessou uma alimentação de qualidade, à um atendimento médico de qualidade, ou muitas vezes no ato de seu nascimento, com a violência obstétrica. Os impactos sociais não nascem com a institucionalização dessa criança ou quando esta é devolvida por sua família adotiva, eles antecedem a isso, a devolução, portanto, é um agravante desses impactos, fazendo com que a criança vivencie mais uma forma de violência. Os impactos sociais gerados após a devolução, foram mais difíceis de serem identificados pelas referências bibliográficas utilizadas para esta pesquisa, pois, o foco maior é sempre na questão psíquica da criança. Isto nos induz a pensar que os impactos psicológicos são maiores do que os sociais, mas eles andam conjuntamente e são indissociáveis. Isso quer dizer que, quando uma criança é impactada psicologicamente, isso trará em sua vida social algumas mudanças, podendo muitas vezes influenciar no seu modo de vida futuramente. Ao iniciar esta pesquisa, com foco nestes impactos a pesquisadora imaginou que conseguiria separar os impactos sociais em uma “caixa” e os psicológicos em outra. O que ocorreu é que os impactos psicológicos estão nitidamente presentes nas referências utilizadas e os sociais também, só que implicitamente. Quando uma criança é impactada psicologicamente por algo, automaticamente, ela muda seu modo de se relacionar com o mundo e com a sociedade, no caso da devolução, como veremos nos próximos parágrafos, a criança vivencia questões como a insegurança 45 de confiar novamente em outras pessoas, ou em demonstrar seus sentimentos ao outro24, isso afetará sua vida social bruscamente. Ao sermos inseridos na sociedade, somos classificados como seres sociais, isto é, vivemos e desempenhamos nossas atividades através de nossas relações sociais. Viver em sociedade é, entretanto, se relacionar com outras pessoas. Desta forma, a vida social se inicia, logicamente, na infância. Por isso esta fase da vida humana se torna tão essencial para nosso desenvolvimento e como se dará nossa sociabilidade nas fases seguintes. Ter dificuldades em relacionar socialmente com outras pessoas implicará em mais um sofrimento, o de solidão e isolamento. Essa dificuldade poderá ser derivada de um trauma de infância e afetar uma pessoa, já em sua fase adulta, em todos os âmbitos de sua vida; o trabalho, a educação, sua saúde, etc. além de relacionamentos e na constituição de uma família. Pensando através disso podemos facilmente refletir sobre os aspectos negativos que isso trará na vida desta pessoa. Através da psicologia entendemos que a infância é uma fase frágil, onde situações grandiosas ou não, poderão resultar em um trauma para a criança, que ela carregará seus impactos para sua vida, se não superá-los. De acordo com Zavaroni e Viana (2015) essas situações poderão ser desde uma agressão física à perda de um brinquedo, o que ilustra a tamanha fragilidade. [...] no caso da criança, a necessidade de atendimento às condições básicas de proteção e de sobrevivência a colocam em estreita relação de dependência ao outro e a vivência de situações potencialmente traumáticas pode constituir-se em um fator mobilizador de experiências emocionais impressas no psiquismo e impregnados da angústia precoce vivida nos momentos iniciais de vida. Na criança a relação entre trauma e desamparo25 pode ser particularmente potencializada pela condição de que, na infância, a condição de dependência ao outro ainda encontra respaldo na realidade do corpo infantil que não pode prescindir do outro para sua sobrevivência (ZAVARONI e VIANA, 2015, p. 331). 25 A vivência primordial do desamparo é desencadeada pela impossibilidade do bebê em realizar a ação específica indispensável à satisfação de suas necessidades. Estritamente dependente dos adultos que o circunda, o bebê está na dependência do acolhimento de suas demandas e da realização, por parte de seus cuidadores, da ação específica necessária à satisfação de suas necessidades e ao escoamento da tensão desencadeada pelas mesmas [...] Mas mesmo na vida adulta o desamparo nunca é completamente superado, pois o desamparo é um estado inerente à condição humana (ZAVARONI e VIANA, 2015, p. 334). 24 O “outro” significa as pessoas próximas, com a possibilidade de vínculo afetivo. 46 Falar de impactos psicológicos na infância, sobretudo na criança em situação de acolhimento institucional, é entender que estas crianças são duplamente frágeis. Porque, além de não terem o vínculo fortalecido com uma família, o Estado não corresponde e não atende suas necessidades, deixando-as, ainda mais a mercê das situações potencialmente traumáticas. A devolução, por conseguinte, é a quebra de um vínculo e a origem de um trauma, e os impactos gerados a criança poderá manifestar explicitamente ou não, tendo também a possibilidade delas internalizarem seus sentimentos e angústias e passarem pelos impactos de sua devolução de forma silenciosa. O que queremos dizer, é que estas crianças vão sofrer com os impactos da devolução, mas de diferentes formas, como ressalta: [...] uma pessoa reage de um modo particular frente a um acontecimento na medida em que esse objeto tem um significado particular para ela. Esse significado está relacionado com a história particular do sujeito (MORAES; FALEIROS, 2015, p. 45). Por isso, o acompanhamento psicológico após a devolução de uma criança é tão importante, é através dele e do auxílio profissional que a criança poderá lidar com seus sentimentos, para a superação da situação traumática vivida. A matéria “Rejeitados” publica relatos e experiências de adolescentes que foram devolvidos quando crianças, que mesmo sendo do ano de 2003 traz informações interessantes de serem analisadas e ressaltadas aqui. “O abandono é uma violência psicológica que geralmente deixa seqüelas incuráveis”, adverte Sueli Damergian, doutora em psicologia. As crianças ficam com a autoestima esmagada, com dificuldade de estabelecer vínculos e socializar-se. Podem ficar revoltadas, agressivas e desenvolver distúrbios mais graves. Ao perder o último fio de esperança, perdem também o apego a quaisquer valores (MAGESTE; LEAL; NAVES, 2003, online) Os impactos psicológicos, podem afetar a maneira com que a criança irá se relacionar com outras pessoas no momento da devolução e após ele. Gerando muitas vezes a dificuldade delas confiar nas pessoas e talvez o medo da construção de novos vínculos. Além disso, poderá sentir culpa pela devolução, como ocorre no relato abaixo: 47 ''Minha mãe fugiu de casa com meus irmãos e meu pai foi atrás deles. Fiquei sozinho lá em Roraima. Acabou a comida. Um vizinho me levou com ele para uma fazenda. A dona me adotou, mas acabou me devolvendo. Depois apareceu um advogado, e eu fiquei feliz por ter uma nova família. Mas eles me devolveram também. Meu maior desejo é descobrir por quê. Eu tentei ser legal.'' J.R.R., 13 anos (MAGESTE; LEAL; NAVES, 2003, online) Segundo Ghirardi (2015) o medo pela devolução faz com que as crianças se esforcem em agradar seus pais adotivos. E quando estas crianças são devolvidas vem a necessidade de encontrar o porquê, como no relato acima, o adolescente que foi devolvido quando criança diz que: tentou ser legal; ao dizer isto entendemos que ele entende que ele e suas ações pode ter sido o motivo de sua devolução. Isso caracteriza as questões que a autora coloca como fantasias da devolução, que é quando tanto a criança quanto os/as adotantes fantasiam motivações que podem desencadear a devolução, que não passam da esfera psíquica, quer dizer, que não são reais. Ghirardi (2015) aponta outra questão para entendermos a devolução: precisamos entender o que levam os/as candidatos/as a quererem adotar. E ao pensar nisso a questão da infertilidade ou dificuldade em conceber filhos biológicos é muito aparente, muitas pessoas ou casais vêem na adoção a possibilidade de exercer a paternidade/maternidade como alternativa ao filho/a biológico. A problemática inicia-se aqui, quando o/a filho/a adotivo tem um caráter, na visão desses pais/mães, de substituto ao biológico, isto é um problema porque o/a filho/a adotivo/a é efetivo e não deve, de maneira alguma, ser visto como substituto. O que ocorre é que, no caso de casais heterossexuais, com tratamentos ou mesmo naturalmente o “ciclo” pode ser rompido, e gerar um filho/a possa vir a ser uma possibilidade. Assim, os pais/mães que adotaram, pois não conseguiam conceber um filho/a biológico, passam a viver uma outra realidade. Diante, das pesquisas realizadas para este trabalho não foi incomum ler sobre casos de crianças que foram devolvidas após o nascimento de um filho/a biológico. Isso explica, que nos deparamos, mais uma vez, com o despreparo dos/as candidatos/as para lidarem com as questões que envolvem a adoção. [...] A mãe morreu, o pai casou de novo e teve um filho. E tentou devolver Renato pelo menos três vezes. Renato foi para o crime. 'Depois desse outro filho, meu pai não teve mais amor por mim. Eu não existo', desabafa Renato, que tem um bebê de quase 2 anos. 'Vou 48 fazer tudo pelo meu filho. Nem meu pior inimigo merece passar o que eu passei’ (MAGESTE; LEAL; NAVES, 2003, online) No caso acima, vemos que mesmo depois de adulto os impactos que foram gerados na sua infância pelo sentimento de rejeição na adoção, se fazem presentes na vida de Renato (provavelmente um nome fictício) até o momento da matéria. Observamos que esses impactos psicológicos causados pela rejeição em sua infância influenciaram no modo da vida social de Renato em sua fase adulta, e em sua última frase ele deixa explícito que foi uma fase dolorosa de sua vida. O que nos leva a considerar mais uma questão: a importância do acompanhamento profissional após a adoção. Para que qualquer dificuldade que surja ou desconforto vindo, em especial, da criança seja amparado e acompanhado profissionalmente, pois a adoção pode ser campo para perpetuações de violências e exploração, como já aconteceu no passado. No caso de Renato, em uma hipótese, se o pai tivesse tido orientações e sua trajetória fosse acompanhada por profissionais, o pai poderia entender a melhor forma de lidar com o filho ou poderiam realmente efetuar a devolução. Com o retorno de Renato ao serviço de acolhimento institucional a possibilidade dele encontrar uma família que lhe acolhesse e lhe desse afeto, existiria, não sabemos em que proporções, mas ainda assim seria uma possibilidade. Além disso, o atendimento e apoio psicológico poderiam mudar os rumos da vida de Renato. Entendemos que Renato é só um exemplo de como a falta do afeto familiar pode gerar na vida de uma criança. Renato e tantas outras crianças e adolescentes têm lacunas que não podem ser preenchidas de outra forma, senão com o amor familiar. Diante dos fatos apresentados, podemos afirmar que os impactos psicológicos incidirão em impactos sociais nas crianças devolvidas e que poderão ser determinantes e condicionantes da forma de se relacionar socialmente, ultrapassando a fase infantil. Tratar a devolução como um trauma que a criança devolvida sofre é também projetar que sua superação é necessária, ou seja, vai além do acompanhamento psicológico, é oferecer para esta criança condições de vida dignas. Sabemos que as instituições que acolhem crianças adotivas, são, em sua maioria, limitadas no atendimento das necessidades das crianças. O Estado por sua vez deve investir mais e fiscalizar melhor as condições oferecidas por estas instituições, a fim de, sempre, priorizar o bem estar e desenvolvimento pleno das crianças. 49 3.1 A atuação fundamental da escola para proteção integral à criança adotada Como já foi mencionado nesta pesquisa, os responsáveis pela proteção integral da criança são a tríade composta pela família