UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRONÔMICAS CAMPUS DE BOTUCATU COMPARAÇÕES PRODUTIVA, ECONÔMICA E ENERGÉTICA DE SISTEMAS CONVENCIONAL, ORGÂNICO E BIODINÂMICO DE CULTIVO DE BATATA-DOCE (Ipomoea batatas) RAQUEL FABBRI RAMOS Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP – Campus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Agronomia – Área de Concentração em Energia na Agricultura. BOTUCATU – SP Março - 2004 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRONÔMICAS CAMPUS DE BOTUCATU COMPARAÇÕES PRODUTIVA, ECONÔMICA E ENERGÉTICA DE SISTEMAS CONVENCIONAL, ORGÂNICO E BIODINÂMICO DE CULTIVO DE BATATA-DOCE (Ipomoea batatas) RAQUEL FABBRI RAMOS ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARISTELA SIMÕES DO CARMO CO-ORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO LUIZ ARAÚJO CÂMARA Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP – Campus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Agronomia – Área de Concentração em Energia na Agricultura. BOTUCATU – SP Março - 2004 Não te deixes destruir... Ajuntando novas pedras Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doce. Recomeça. Cora Coralina II Dedico aos meus filhos Eduardo e Guilherme III AGRADECIMENTOS À Profª Drª Maristela Simões do Carmo pela orientação segura e encorajadora nos momentos cruciais desta dissertação. Ao Prof. Dr. Francisco Luiz Araújo Câmara pela co-orientação. À Administração Central do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em especial ao professor Almério Melquíades de Araújo, pela oportunidade sem a qual não seria possível esta dissertação. Aos professores Mauro Vianello Pinto, Ângelo Cataneo, Osmar Carvalho Bueno, Roberto Lyra Vilas Boas, Marco Biagioni e Waldemar Venturini pelas sugestões e valiosas contribuições. À Deborah Castro Hermínio pelo grande auxílio na condução do experimento, orientação nas questões biodinâmicas e pela amizade. Ao Eduardo, Maria, Pedro, Edmilson, S. José e funcionários da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica, os quais tornaram possível a instalação e condução da área experimental. Ao Ciro e à Carolina Crocce pela grande amizade e apoio. À Centroflora que disponibilizou os materiais para a compostagem. Ao aluno de graduação Reinaldo pelo auxílio na condução do experimento. Aos colegas do Curso de Pós–graduação pelo convívio e aprendizado, especialmente à Ana Maria Gomes do IPMET – Bauru. Aos funcionários do Departamento de Horticultura, Edivaldo Matos Almeida e Fernando, pela colaboração no preparo das amostras, análises e tabelas de resultados. Ao CERAT, nas pessoas do Dr. Cláudio Cabello, Marcelo e Fábio Iachel da Silva pelo empenho na realização das análises. Ao Laboratório de Solos, nas pessoas do Prof. Dr. Leonardo T. Büll, De Pieri, Eder e Maurício, pela realização das análises. Ao Roberto do Centro de Informática na Agricultura (CINAG). IV À secretária do Curso de Energia, Rosângela, que sempre prontamente auxiliou nos encaminhamentos necessários. Aos funcionários da Biblioteca Paulo Carvalho de Mattos da FCA. Ao Mussarela da Horta & Arte e à Paula, Renato e Zuco da Santo Onofre, pelas informações prestadas. À Yara Carvalho e ao Waldemar Pires de Camargo do IEA, ao Moacir Doretto do IAPAR, ao João Bosco da EMATER-DF, pelas informações prestadas. Às funcionárias Marilena, Jaqueline e Marlene da seção de Pós- graduação, pela competência, gentileza e atenção que sempre demonstraram. Aos funcionários do Centro Paula Souza e à equipe da CETEC, especialmente à Kazumi, Maria Lúcia, Silvana, Doroti, Neyde, Reginas, Dalva, Vera, Júlia, Solange, Eva, Ivone, Sheyla, Laura, Heméritas, Risso, Soely, Sebastião, Daniel, Magali, Beth, Valéria, Fernanda, Kátia, Márcia, Renata, Eliane, Elenice e Raquel que me ouviram e auxiliaram muito. Aos estagiários Thyago, Luiz, Neffertite, Arlindo e Fábio, pela colaboração. À minha querida avó, que tem um jeitinho e uma bondade invejável nos seus noventa anos e que formou nossa grande e ótima família, sempre a me apoiar. À minha mãe e às minhas irmãs Marta, Selma e Rutinha pelo amor incondicional. Aos meus sobrinhos e cunhados que me alegram com sua convivência. Ao meu pai, com saudade, pelo exemplo e por me ensinar a acreditar em mim e a lutar sempre por um mundo melhor. Aos meus filhos, que, de repente, vejo terem se tornado bons homens. À Zefinha com quem venho contando há muitos anos, dividindo as tarefas domésticas, sobrando mais tempo para meu trabalho profissional. Às grandes amigas Laura e Márcia, que estão desde sempre comigo. À D. Mira, que consegue ser uma ótima sogra e, assim, uma amiga. Ao Dr. Miller e aos amigos Fernando, Vera, Marcelo, Paulo, Vânia e Mara, pelos ensinamentos, descobertas, vivências e trocas muito valiosas para a minha vida toda. E a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho. V SUMÁRIO LISTA DE TABELAS......................................................................................................... VIII LISTA DE FIGURAS......................................................................................................... X LISTA DE GRÁFICOS...................................................................................................... XI 1. RESUMO......................................................................................................................... 1 SUMMARY.......................................................................................................................... 3 2. INTRODUÇÃO............................................................................................................... 5 3. OBJETIVOS.................................................................................................................... 7 3.1. Geral...................................................................................................................... 7 3.2. Específicos............................................................................................................ 7 4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................................... 8 4.1. A espécie Ipomoea batatas................................................................................... 8 4.1.1. Introdução.............................................................................................. 8 4.1.2. Origem e botânica.................................................................................. 10 4.1.3. Composição........................................................................................... 10 4.1.4. Sistema de produção.............................................................................. 12 4.1.5. Qualidade............................................................................................... 14 4.2. Cultivo orgânico.................................................................................................. 15 4.2.1. Introdução............................................................................................. 15 4.2.2. Elaboração de composto........................................................................ 18 4.2.3. Características e benefícios do composto orgânico.............................. 19 4.2.4. Resultados de pesquisa com compostos................................................ 20 4.3. Considerações sobre cultivo biodinâmico............................................................ 24 4.3.1. Princípios............................................................................................... 24 4.3.2. Caracterização dos preparados biodinâmicos....................................... 25 4.3.3. Resultados de pesquisas......................................................................... 27 4.4. Análise econômica comparativa dos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção........................................................................................... 27 VI 4.5. Análise energética................................................................................................ 28 4.5.1. Fundamentos da análise eco-energética................................................ 28 4.5.2. Elementos de avaliação energética........................................................ 31 4. 5.3. Metodologia de Análise energética..................................................... 33 5. MATERIAL E MÉTODOS............................................................................................ 34 5.1. Local..................................................................................................................... 34 5.2. Propágulos............................................................................................................ 34 5.3. Amostras de solo................................................................................................... 35 5.4. Tratamentos.......................................................................................................... 35 5.5. Preparo dos compostos......................................................................................... 36 5.6. Preparo do solo e plantio...................................................................................... 37 5.7. Tratos culturais..................................................................................................... 38 5.8. Colheita................................................................................................................. 38 5.9. Armazenamento.................................................................................................... 40 5.10. Características avaliadas..................................................................................... 40 5.10.1. Relativas aos compostos orgânicos..................................................... 40 5.10.2. Relativas às plantas.............................................................................. 41 5.10.3. Relativas ao solo.................................................................................. 41 5.10.4. Relativas à qualidade, na colheita e após 30 dias de armazenamento. 41 5.10.5. Análise econômica comparativa dos sistemas orgânico, convencio- nal e biodinâmico de produção........................................................................ 41 5.10.6. Relativas à avaliação energética.......................................................... 42 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................... 44 6.1. Análises físico-químicas do solo.......................................................................... 44 6.2. Compostos utilizados............................................................................................ 46 6.3. Análise da parte aérea (folhas) e raízes da batata-doce........................................ 47 6.3.1. Peso da parte aérea e das raízes............................................................. 47 6.3.2. Teores de macro e micronutrientes nas folhas....................................... 49 6.3.3. Teores de macro e micronutrientes nas raízes na colheita e após 30 dias de armazenamento................................................................................... 51 6.3.4. Teores de umidade, amido, açúcares solúveis totais e açúcares redu- tores em raízes na colheita e 30 dias após....................................................... 53 6.3.5. Comparações entre a composição das raízes obtidas no experimen- to e a literatura................................................................................................ 55 6.4. Análise econômica................................................................................................ 57 6.5. Análise energética................................................................................................. 64 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 70 8. CONCLUSÃO................................................................................................................ 72 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 73 10. ANEXOS........................................................................................................................ 80 Anexo I........................................................................................................................ 81 Anexo II....................................................................................................................... 84 VII LISTA DE TABELAS Tabela Página 1. Composição média de 100g de matéria fresca de batata-doce........................................... 10 2. Composição química de 100g de raiz de batata-doce crua................................................. 11 3. Composição e valor energético de batata-doce.................................................................. 11 4. Caracterização físico-química de batata-doce em gramas por 100 gramas de matéria seca............................................................................................................................................ 11 5. Principais minerais encontrados em raízes de batata-doce................................................. 11 6. Composição de batata-doce por 100 gramas...................................................................... 12 7. Área de produção orgânica certificada no mundo.............................................................. 17 8. Desenvolvimento da batata-doce em função de 4 tipos de compostos, 1993/94............... 21 9. Teores de macro e micronutrientes em folhas de batata-doce aos 150 dias após plantio, 1993/94, INCAPER.................................................................................................................. 22 10. Formas de aplicação de composto orgânico na batata-doce – Talhão 09, 1994, INCAPER................................................................................................................................. 22 11. Média de rendimentos comerciais de espécies em sistema orgânico ao longo de 10 anos, INCAPER, 2000.............................................................................................................. 22 12. Custos de produção comparativos para 1 ha de diversos cultivos em sistema orgânico e convencional, INCAPER,1995................................................................................................ 23 13. Participação relativa dos diversos fatores nos custos de produção em dois sistemas de cultivo, INCAPER, 1995.......................................................................................................... 23 14. Consumo de fertilizantes e de energia em 1972................................................................. 31 15. Aumento de produção de espécies em função do nitrogênio aplicado e suas relações..................................................................................................................................... 32 16. Plantas medicinais que deram origem aos resíduos utilizados na pilha de compostagem, Botucatu, 2003.......................................................................................................................... 37 17. Análise química do solo do local do experimento, Botucatu, 2003................................... 44 18a.Análise química de solo por ocasião da colheita, Botucatu, 2003..................................... 45 VIII 18b.Análise de micronutrientes no solo por ocasião da colheita, Botucatu, 2003.................... 46 19. Análise física de solo por ocasião da colheita, Botucatu, 2003.......................................... 46 20. Composição de macronutrientes (N em %, demais em g/kg) e micronutrientes (ppm) nos compostos orgânico e biodinâmico, por ocasião de sua utilização como fertilizantes nos respectivos tratamentos............................................................................................................ 47 21. Peso de parte aérea (peso verde) e de raízes (peso fresco) de batata-doce sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003...................................... 48 22. Produção (kg/parcela), teores de N (g/100g massa fresca) e teores de N (kg/parcela) extraído pelas plantas e fornecido pelos adubos em folhas e raízes de batata-doce, Botucatu, 2003........................................................................................................................................... 49 23. Teores de macronutrientes (g/100g de massa seca) em folhas de batata-doce, sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003....................... 50 24. Teores de micronutrientes (mg/100g de massa seca) em folhas de batata-doce, sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu,2003......................... 50 25. Teores de N, P e K (g/100g de massa seca) em raízes de batata-doce, na colheita e 30 dias após a colheita (dac), sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003.......................................................................................................................... 52 26. Teores de Ca, Mg e S (g/100g de massa seca) em raízes de batata-doce, na colheita e 30 dias após a colheita (dac), sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003.......................................................................................................................... 52 27. Teores de B, Mn e Fe (ppm de massa seca) em raízes de batata-doce, na colheita e 30 dias após a colheita (dac), sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003.......................................................................................................................... 53 28. Teores de Umidade e Amido (%) na massa seca de raízes de batata-doce na colheita, e 30 dias após a colheita (dac), sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003......................................................................................................... 54 29. Teores de açúcares solúveis totais e açúcares redutores (%) em raízes de batata-doce, na colheita e 30 dias após a colheita (dac), sob sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção, Botucatu, 2003............................................................................... 55 30. Coeficientes técnicos e custo de produção de um hectare de batata-doce em cultivo convencional, Botucatu, 2003.................................................................................................. 58 31. Coeficientes técnicos e custo de produção de um hectare de batata-doce em cultivo biodinâmico, Botucatu, 2003................................................................................................... 59 32. Coeficientes técnicos e custo de produção de um hectare de batata-doce em cultivo orgânico, Botucatu, 2003.......................................................................................................... 60 33. Resumo da Análise de Rentabilidade Econômica para 1 hectare para os sistemas convencional, biodinâmico e orgânico, Botucatu, 2003........................................................... 62 34. Coeficientes energéticos utilizados no cálculo da Energia Injetada e Final no cultivo de batata-doce em sistemas convencional, biodinâmico e orgânico, Botucatu, 2003.................. 64 35. Quantificação e classificação energética dos sistemas de cultivo convencional, biodinâmico e orgânico de um hectare de batata-doce, Botucatu, 2003.................................. 65 36. Composição percentual por tipos de Energia Injetada nos sistemas de cultivo convencional, biodinâmico e orgânico de batata-doce em um hectare, Botucatu, 2003…….. 67 37. Indicadores de eficiência energética dos três sistemas de cultivo convencional, biodinâmico e orgânico de batata-doce em um hectare, Botucatu, 2003................................. 69 IX LISTA DE FIGURAS Figura Página 1. Produção de energia a partir de algumas espécies em Mega Joules por ha por dia........... 9 2. Adubos orgânicos e seus efeitos químicos e biológicos. ................................................... 20 3. Evolução dos teores de fósforo em solos submetidos a manejo orgânico durante dez anos, obtidos pela INCAPER................................................................................................... 21 4. Posicionamento dos preparados biodinâmicos na pilha de compostagem......................... 26 5. Fluxo de energia no cultivo de milho em sistema convencional........................................ 32 6. Penteamento das ramas de batata-doce, 2003..................................................................... 39 7. Colheita das parcelas, 2003................................................................................................ 39 8. Raízes armazenadas após a colheita,2003.......................................................................... 40 X LISTA DE GRÁFICOS Gráfico Página 1. Peso da parte aérea e de raízes de batata-doce sob sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção, Botucatu 2003............................................................................... 48 2. Teores de umidade e amido (%) em raízes de batata-doce na colheita e 30 dias após a colheita (dac), em função do trat. 40 kg/ha de N nos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção, Botucatu, 2003.............................................................................. 56 3. Teores de açúcares solúveis totais e açúcares redutores (%) em raízes de batata-doce na colheita e 30 dias após a colheita (dac), em função do trat. 40 kg/ha de N nos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção, Botucatu, 2003...................................... 56 4. Receitas líquidas (R$) dos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção de batata-doce, Botucatu, 2003................................................................................................. 63 5. Quantificação energética dos sistemas de cultivo orgânico, biodinâmico e convencional de produção da batata-doce, Botucatu, 2003............................................................................ 66 6. Composição percentual por tipos de Energia Injetada nos sistemas de cultivo orgânico, biodinâmico e convencional da produção da batata-doce, Botucatu, 2003.............................. 66 7. Eficiência energética – (Energia Final/Energia Injetada) dos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção da batata-doce, Botucatu, 2003.............................. 68 8. Eficiência Energética – Saldo de Energia (Mcal/ha) dos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção da batata-doce, Botucatu, 2003................................................... 68 XI 1. RESUMO A batata-doce (Ipomoea batatas) é a sexta hortaliça mais plantada no Brasil, e sua importância econômica e social é resultante da sua rusticidade, ampla adaptação climática e elevada capacidade de produção de energia em curto espaço de tempo. Para se avaliar distintas alternativas de sua produção a partir do uso de insumos de baixo custo, que não causem dependência econômica dos agricultores e que não agridam o meio ambiente, foi conduzido experimento cujos resultados possibilitaram informações quanto aos aspectos agronômicos, de pós-colheita, econômicos e energéticos. Neste contexto, a espécie foi submetida a tratamentos de adubação com nitrogênio(N), fósforo (P) e potássio(K) (1000 kg por ha de 4-14-8 - tratamento convencional) e compostos orgânico e biodinâmico, em doses que supriram 20, 30, 40, 50 e 60 kg/ha de N (tratamentos orgânicos e biodinâmicos). Foram avaliadas as características de produção (peso da parte aérea e de raízes), composição, análises econômica e energética comparativas entre os três sistemas de produção. O composto biodinâmico apresentou maiores teores de nutrientes em relação ao orgânico, mesmo tendo sido feito com os mesmos materiais. Não houve diferenças entre os três sistemas de cultivo para produção de parte aérea (folhas) e para produção de raízes, o tratamento que apresentou maior peso foi o biodinâmico 2 (30 kg de N por hectare) e os piores tratamentos foram os orgânicos 1, 2 e 5. O melhor valor nutricional, considerando-se o teor de amido foi proporcionado pelos tratamentos biodinâmicos. Após 30 dias de armazenamento, os melhores foram os orgânicos e biodinâmicos Nos aspectos econômico e 1 energético, os sistemas orgânico e biodinâmico apresentaram maiores rentabilidades, melhores eficiências energéticas e maiores saldos de energia por área, e dependeram menos da energia industrial e mais da biológica. 2 PRODUCTIVE, ECONOMICAL AND ENERGETIC COMPARISONS AMONG CONVENTIONAL, ORGANIC AND BIODYNAMIC CROPPING SYSTEMS OF SWEET POTATO (Ipomoea batatas). Botucatu, 2003. 87p. Dissertação (Mestrado em Agronomia-Energia na Agricultura) Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista, Botucatu. Author: RAQUEL FABBRI RAMOS Adviser: MARISTELA SIMÕES DO CARMO Co-Adviser: FRANCISCO LUIZ ARAÚJO CÂMARA SUMMARY The sweet potato (Ipomoea batatas) is the sixtieth vegetable cultivated in Brazil and its social and economic importance is the result of its rusticity, further climatic adaptation and high capacity of producing energy in a short space of time. A field trial was carried out to evaluate alternative cropping systems using low inputs, with no economic dependence and not environment damage. This way, the specie was submitted to three fertilizations systems: conventional with nitrogen, phosphorus and potassium (1000kg/ha 4-14-8), organic and biodynamic utilizing organic and biodynamic composts with nitrogen levels of 20, 30, 40, 50 and 60 kg/ha. There were evaluated leaves and roots production, composition, economic and energy analyses among the three cropping systems. The biodynamic compost presented the better nutrients levels, although the original material was the same of the organic one. There weren’t differences among the treatments about the leaves weight production. The higher weight roots production was obtained with the biodynamic 2 (30 kg of N/ ha) and the worst ones were organic 1, 2 and 5. The better nutritional value of starch was obtained under the biodynamic treatments and the organics and biodynamics after 30 days of storage. The organic and biodynamic systems should be preferred because of their social and environmental benefits. 3 The organic and biodynamic systems presented higher economical rentabilities, better energetic efficiencies and higher energy rates, with less dependence on industrial energy and more on biological energy. __________________________ Keywords: Sustainable agriculture; organic and biodynamic systems; economical and energetic analyses; sweet potato. 4 2. INTRODUÇÃO O planeta terra passa, hoje, por profundas mudanças quanto às suas características climáticas e, sem dúvida, muitas destas alterações têm sua origem no mau uso dos recursos naturais, principalmente decorrentes das atividades agropecuárias. Uma das atuais vertentes filosóficas, mas também pragmáticas, de agricultura chamada sustentável, orgânica, agroecológica ou natural, preconiza a moderação no uso dos recursos naturais, e não o faz apenas em relação aos insumos, mas também recomenda adequação da produção de alimentos às condições locais de clima. Assim, trabalhar a eficiência energética em todos os passos da atividade agrícola torna-se um imperativo ao se almejar a sustentabilidade do labor agrário, do meio ambiente e do planeta, ao final. Ao se considerar as espécies alimentícias é fácil perceber o grande potencial daquelas de origem tropical, que produzem raízes e tubérculos. São rústicas, agronomicamente precoces e constituem importante fonte de energia e proteínas. Dentre as várias opções com estas características destaca-se a batata-doce (Ipomoea batatas) que é a Sexta hortaliça mais plantada no Brasil (Silva et al, 2002). Seu cultivo orgânico reveste-se de importância prática, principalmente pela quase inexistência de problemas fitossanitários. Elaborando-se uma ponte entre a espécie e o sistema de produção, com vistas à economia de recursos e, ao mesmo tempo, ao melhor aproveitamento energético do processo produtivo, deve-se considerar o uso de insumos naturais, passíveis de obtenção dentro do próprio organismo agrícola, como é o caso do composto orgânico. E ainda, com o 5 objetivo de se maximizar a eficiência deste complexo planta-insumo-ambiente, pode-se utilizar as propriedades inerentes aos preparados biodinâmicos, substâncias elaboradas a partir de produtos naturais, sob os mesmos procedimentos utilizados para a elaboração dos medicamentos homeopáticos, ou seja, diluição e dinamização. Desta forma, cultivando uma espécie rústica e com grande produção de energia por área (batata-doce), com o uso de insumos de baixo impacto ambiental (composto orgânico) e aproveitando o efeito dos preparados biodinâmicos, buscou-se avaliar o potencial de um sistema de produção de alimentos ecologicamente apropriado, economicamente viável e agronomicamente adaptável. Ao comparar os sistemas orgânicos e biodinâmicos com o sistema convencional teve-se como hipótese que, aqueles são energeticamente mais eficientes, economicamente mais rentáveis e, na composição nutricional, mais ricos. 6 3. OBJETIVOS 3.1. Geral Comparar os sistemas convencional (1000 kg de N/ha de NPK 4-14-8), orgânico e biodinâmico (compostos orgânico e biodinâmico com 20, 30, 40 50 e 60 kg de N/ha) de produção de batata-doce quanto à produtividade e à qualidade do produto colhido, analisar as raízes em pós-colheita e analisar econômica e energeticamente esses processos de produção. 3.2. Específicos a) Avaliar produtividade e qualidade de raízes de batata-doce em função dos sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção. b) Avaliar as características físicas e químicas do solo em função dos sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção. c) Realizar análises de macronutrientes e micronutrientes nas raízes e folhas de batata-doce e de amido, proteínas, umidade, açúcares solúveis totais e açúcares redutores nas raízes por ocasião da colheita e após 30 dias de armazenamento. d) Elaborar análise econômica comparativa entre os sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção. e) Elaborar análise energética calculando a relação entre energia injetada e produzida e o saldo de energia entre os sistemas convencional, orgânico e biodinâmico de produção. 7 4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1. A espécie Ipomoea batatas 4.1.1. Introdução A batata doce (Ipomoea batatas) é uma planta de grande rusticidade de cultivo, de fácil manutenção, boa adaptação, alta tolerância à seca e baixo custo de produção. Também é uma das maiores produtoras de calorias por área por tempo (kcal/ha/dia) e de fácil transporte e armazenamento. (Miranda et al, 1987). Algumas variedades (como a IAPAR 69) são mais ricas em carotenóides, comparando-se às melhores cenouras e são transformados no organismo humano em vitamina A, que é a vitamina de maior carência no Brasil (IAPAR, 1993). Embora com todas estas qualidades, o cultivo de batata doce está em declínio nas últimas décadas no Brasil, passando de 160 mil para cerca de 80 mil hectares por ano de área cultivada nas décadas de 70 a 80 e, estava por volta de 500 mil toneladas anuais em uma área de 48 mil ha no ano 2000 (Silva et al 2002). O principal país produtor é a China, com 100 milhões de toneladas (Woolfe, 1992 e FAO, 2001 apud Silva et al 2002). É uma cultura tropical, onde vive a maior proporção da população pobre, constituindo-se em alimento humano, animal, além de matéria prima para a indústria (farinha, amido e até álcool). Tem sido cultivada, predominantemente, pelos agricultores familiares, visando o consumo principalmente na primeira refeição, na forma de raízes 8 cozidas, assadas ou fritas. Nos últimos tempos foi substituída pelo pão e por hortaliças de mais fácil preparo e atratividade, como batata, cenoura e tomate (Silva et al 2002). O rendimento médio nacional é menor que 10 toneladas (t) por hectare(ha ), (500 caixas por ha), enquanto que se pode obter produtividades superiores a 22 t/ha quando se utiliza tecnologias como cultivar adequada, época de plantio e, principalmente, irrigação. O declínio da produção e o baixo rendimento da espécie são conseqüências de ser um cultivo de atividade familiar, não apresentando estruturas adequadas de produção e de comercialização, cultivada como cultura marginal (Silva et al 2002). Sabe-se que as tuberosas são eminentemente calóricas e rústicas, e, portanto, capazes de fornecer energia para populações carentes, sendo considerados alimentos de subsistência. Na Figura 1 é apresentado gráfico com a produção de caloria alimentar por cultivo de cereais e de tuberosas em Mega Joules(1) por hectare por dia (Mjoules/ha/dia), sendo que se deve considerar que os cereais apresentam alto rendimento por área devido ao seu baixo teor de umidade na colheita. Figura 1. Produção de energia a partir de algumas espécies em Mega Joules por ha por dia. Fonte: Scott et al. apud CEREDA (coord), v. 2, 2002. Por ser facilmente cultivada, pelo seu grande valor energético e nutricional e pela tradição cultural das populações, deve haver incentivo para pesquisas e plantio da espécie. Trata-se de uma espécie adequada para a produção de alimento de baixo custo, para pequenos agricultores e de produção sustentável, pois quase não necessita de defensivos ou outros insumos para uma boa produtividade. Tuberosas Cereais ______________________________________ (1) 1 Mega Joule é igual a 106 Joule, e 1 caloria igual a 4,18 Joule 9 4.1.2. Origem e botânica A batata-doce é originária das Américas Central e do Sul, desde o Peru até o México. Sua introdução na Europa foi feita por Cristóvão Colombo e depois migrou para a Índia, China, Japão, e demais regiões do globo. A espécie Ipomoea batatas pertence à família Convolvulaceae. Trata-se de planta de caule herbáceo, ramificado, com crescimento indeterminado. Possui flores bissexuadas e frutos do tipo cápsula que contêm de uma a quatro sementes, mas estas somente têm interesse para melhoramento genético e produção de novos cultivares. As folhas são grandes, geralmente recortadas e com pecíolo. Nas suas axilas existem gemas que podem dar origem a raízes adventícias e tuberosas. Os caules, com 6 a 10 gemas axilares, são usados para a reprodução da planta, em cultivos comerciais. As raízes são divididas entre absorventes (adventícias) e acumuladoras de reserva (tuberosas). As absorventes são bem ramificadas e finas, e as de reserva ou tuberosas, possuem epiderme e polpa que se constituem na parte comercializada. 4.1.3. Composição A batata-doce é um alimento energético, que ao ser colhida possui como componente principal o amido, com um total de 85 % de carbohidratos em 30% de matéria seca. As raízes possuem cerca de 30% de massa seca, ricas em carboidratos, vitaminas C e B (algumas cultivares em vitamina A) e fibras conforme indicam as Tabelas 1, 2, 3, 4, 5 e 6. (Silva et al, 2002; Cereda, 2002, Franco, 1996). Segundo Miranda (1995) citado por Silva et al (2002), durante o armazenamento parte do amido se converte em açúcares solúveis, atingindo de 13,4 a 29,2% de amido e de 4,8 a 7,8% de açúcares redutores totais. Tabela 1. Composição média de 100g de matéria fresca de batata-doce. Umidade 70% Carboidratos totais 26,1g Proteína 1,5g Lipídeos 0,3g Cálcio 32mg Fósforo 39mg Ferro 0,7mg Fibras digeríveis 3,9g Energia 111Kcal Fonte: Woolfe, 1992 apud Silva, 2002: 499. 10 Tabela 2. Composição química de 100g de raiz de batata-doce crua. Componente Quantidade Água 72,8g Caloria 102 Fibras digeríveis 1,1g Potássio 295mg Fósforo 53mg Sódio 43mg Cálcio 39mg Magnésio 10mg Ferro 0,9mg Manganês 0,35mg Zinco 0,28mg Cobre 0,2mg Vitamina A-retinol 300mg Vitamina B –tiamina 96mg Vitamina B2 – riboflavina 55mg Vitamina C – ácido ascórbico 30mg Vitamina B5 –niacina 0,5 mg Fonte: Luengo et al, 2000 apud Silva, 2002:500. Tabela 3. Composição e valor energético de batata-doce. Composição Calorias Glicídios Protídios Lipídios Base seca Kcal/100g mg/100g Batata-doce 89,0 20,0 1,9 0,1 Fonte: Cereda, 2001 apud Cereda, 2002. Tabela 4. Caracterização físico-química de batata-doce em gramas por 100 gramas de matéria seca. Açúcares Produto Umidade Amido Solúveis Redutor Cinzas Protídios Lipídios Fibras Batata-doce 67,73 14,72 6,99 5,74 1,33 1,33 0,35 1,39 Fonte: Leonel e Cereda, 2001 apud Cereda, 2002. Tabela 5. Principais minerais encontrados em raízes de batata-doce. Raiz Cálcio Fósforo Ferro Sódio Potássio Base seca mg/100g Batata-doce 34,0 52,0 1,0 50,2 331,4 Fonte: Cereda, 2001 apud Cereda, 2002. 11 Tabela 6. Composição de batata-doce por 100 gramas. Batata-doce Calorias Glicídios (g) Proteínas (g) Lipídios (g) Cálcio (mg) Fósforo (mg) Ferro (mg) Sódio (mg) Potássio (mg) Folhas 26,0 12,46 2,46 0,66 98 27 3,00 - - Desidratada 370,0 84,50 5,00 1,00 75 74 2,3 50,2 331,4 Fonte: Franco, 1996. As raízes e as ramas são utilizadas na alimentação humana, cozidas, assadas ou fritas. Na alimentação animal, principalmente de bovinos e suínos, é utilizada preferencialmente crua, para melhor aproveitamento das vitaminas (Miranda et al, 1987). Na indústria, as raízes são utilizadas para fabricação de doces enlatados, xaropes, compotas, cervejas e também processadas para extração de amido e álcool. No Brasil e nos EUA seu maior consumo se dá in natura, enquanto que no Japão a maior parte é utilizada para produção de fécula e álcool (Barrera, 1986). 4.1.4. Sistema de produção Trata-se de uma planta com grande rusticidade e que, embora vegete e produza ao longo do ano, há melhor desenvolvimento das raízes tuberosas em clima constantemente quente, com alta luminosidade, temperaturas noturnas amenas e fotoperíodo mais curto. Não tolera geadas ou frio prolongado. A época de plantio pode ser o ano todo, em regiões com inverno suave e, na primavera – verão, em regiões de altitude. Adapta-se melhor a solos de textura média ou arenosa, arejados e permeáveis e de pH de 4,5 até 7,5, sendo a faixa ótima de 5,6 a 6,5 (Filgueira,2000). Apesar da rusticidade, a batata-doce reage com o aumento de produção de raízes, quando há melhoria das condições físico-químicas do solo. Freitas et al (1999) citam que há maior crescimento da parte aérea, em detrimento das raízes, quando existe excesso de água no solo. Verificaram que a maior produção de raízes, com máxima eficiência econômica, foi obtida com a aplicação de 40 t por hectare de esterco animal. 12 Souza (2001) concluiu que o cultivo orgânico de batata-doce permite obter produtividade superior à média regional do sistema convencional, com produtos de excelente rendimento e qualidade comercial. Segundo Filgueira (2000) não se pode relacionar diretamente o rendimento agrícola com as quantidades de nutrientes fornecidos, já que a utilização efetiva destes nutrientes depende de muitos fatores tais como variações climáticas, área disponível, fonte de adubação, interação entre os nutrientes e propriedades do solo. Este mesmo autor afirma que há respostas positivas ao potássio (K), que é o nutriente utilizado em maior quantidade por esta espécie, tendo decisiva influência na formação de raízes tuberosas, no seu sabor e portanto na sua qualidade. Quanto ao fósforo (P), há a capacidade das raízes desta planta em utilizar formas menos disponíveis, graças à associação com micorrizas. Excesso de nitrogênio (N) resulta em menor teor de açúcares. Conforme afirma Malavolta et al (1997), o potássio(K) favorece o acúmulo de açúcares nas plantas. A propagação comercial é feita vegetativamente utilizando-se a própria batata-doce brotada, brotos destacados de batata, ramas velhas colhidas no campo ou ramas novas plantadas em viveiros. A melhor forma, dentre elas, é o material de ramas novas obtidas em viveiros. As mudas são obtidas após 100 dias de plantio em canteiro, cortando- se hastes com 30-40 cm de comprimento, e 8 a 10 nós, que devem ser cortadas na véspera do plantio, para murcharem. O plantio se dá com o enterrio de 5 a 6 nós, à profundidade de 10 a 12 cm, no topo de leiras previamente construídas no preparo do solo. As cultivares preferidas pelos consumidores possuem formato fusiforme, alongado e com coloração externa branca, rosada ou roxa e de polpa com coloração clara, doce e de fácil cozimento. Existem as de coloração alaranjada, ricas em vitamina A, mas que não são bem aceitas no Brasil. Dependendo da cultivar, se precoce, a colheita ocorre em 100 a 115 dias e, se tardia, em 140 a 170 dias. Para a operação de colheita, que é manual, deve ser eliminada a parte aérea na véspera. 13 O beneficiamento se dá pela lavagem e secagem das raízes, mas se o produto for estocado, somente é indicada a escovação a seco das raízes. Após limpas e secas, são classificadas e embaladas (Filgueira, 2000). 4.1.5. Qualidade A National Academy of Sciences dos EUA divulgou que, seis entre dez doenças, hoje mortais, estão relacionadas ao tipo de alimentação (Azevedo, 2001). Embora haja desequilíbrio de nutrientes nessa alimentação, também o aspecto qualitativo fica a desejar. Cada vez mais se consome alimentos de qualidade duvidosa, no que se refere à procedência e à manipulação, desde a produção no campo até a distribuição, o que motivou fortes preocupações por parte de certos segmentos mais informados da população, exigindo certificação e rastreabilidade dos produtos. Segundo Wistinghausen (1979), citado por Piamonte (1996), o conceito mais integral da qualidade de alimentos deve levar em consideração: - as condições edafo-climáticas; - adequadas técnicas de cultivo: adubação, época de semeadura, tratos culturais, utilização de preparados biodinâmicos e composto orgânico; - configuração e desenvolvimento da planta, relacionando-os à perecibilidade e ao sabor. Para classificar a qualidade de cenoura, por exemplo, Opena (1983) propõe três subgrupos: 1- aparência; 2-qualidade nutricional; e, 3- qualidade de processamento. Também Schuphan (1976) e Schulz (1990), citados por Piamonte (1996), sugerem a classificação da qualidade sob três diferentes aspectos: a aparência externa, padrões externos e seu valor de uso. O valor biológico do alimento diz respeito aos benefícios que o alimento traz ao organismo que o consome (Piamonte, 1996). 14 4.2. Cultivo orgânico 4.2.1. Introdução A preocupação com as questões ambientais, de modo que sejam preservados os recursos naturais e a qualidade de vida, tem propiciado uma reflexão quanto ao modelo de agricultura no mundo, de base agroquímica e visão produtivista. Em contraponto a este modelo há o fortalecimento da agricultura que adota tecnologias de sustentabilidade ambiental, econômica e social, que pode ser denominada Agroecologia, Agricultura Orgânica ou Agricultura Sustentável. Considera-se que a agricultura convencional, como vem sendo praticada, tem trazido problemas detectados por profissionais da área médica, agronômica e ambiental, que podem ser assim referenciados: - declínio da produtividade ao longo do tempo, pela degradação do solo, erosão e perda da matéria orgânica; - degradação do ambiente pela poluição a partir dos agrotóxicos utilizados; - contaminação dos alimentos pelos produtos químicos e queda da qualidade nutricional dos mesmos; - aumento e resistência de pragas, doenças e ervas daninhas; - efeitos tóxicos ao homem, animais e plantas pelo uso de fertilizantes e defensivos agrícolas; - desertificação e salinização dos solos; Entende-se por Agricultura Convencional, conforme Ehlers (1999), aquela em que se emprega o padrão produtivo com uso intensivo de insumos industriais, como os fertilizantes e defensivos químicos. O termo Agricultura Orgânica, aqui mencionado, não é uma contraposição à Química, e sim, uma referência ao organismo agrícola, como é tratada a propriedade que resulta da interação entre as várias atividades de produção, e cuja raiz etimológica, tem a mesma origem de organização. Segundo Souza (2001), a Agricultura Orgânica, que se baseia em práticas de reciclagem de matéria orgânica e uso de tecnologias não agressivas ao meio ambiente, torna-se uma grande alternativa para a produção de alimentos saudáveis e de boa 15 qualidade e vem crescendo no mundo todo, tanto em área plantada como em oferta de produtos. A certificação da produção orgânica é uma forma de dar credibilidade aos produtos orgânicos, atestando sua origem e modo de produção. Geralmente é feita por entidades (Organizações Não Governamentais -ONGs) idôneas e de reconhecida competência no mercado dos produtos orgânicos. A Comunidade Européia aumentou sua área certificada com produção orgânica 9 vezes, em 10 anos. A Itália possuía, em 2000, 5% de sua área agrícola total cultivada organicamente, representando 8% do total comercializado. A Argentina possuía, em 1992, 5.500 ha e em 1997, 350.000 ha com certificação orgânica. Pelos dados do Centro Internacional de Comércio (International Trade Center, ITC, 2001), o mercado de produtos orgânicos movimentou em 1999 US$ 12 bilhões e, em 2000, US$ 15 bilhões. Para o ano 2005, segundo a International Federation of Agriculture Movements (IFOAM), as previsões são de US$ 28 bilhões e em 2010, de US$35 bilhões, seguindo a estimativa de crescimento de 22,5% ao ano. A instituição inglesa Organic Monitor estima que este valor se eleve ainda mais, devido a preocupações dos consumidores com os efeitos do mal da vaca louca, da febre aftosa e dos alimentos transgênicos. Os dados das áreas de produção orgânica certificada no mundo estão apresentados na Tabela 7. Conforme Almeida (1991), em solos de regiões tropicais e subtropicais, a mineralização da matéria orgânica, a acidificação devido à lixiviação de bases trocáveis, que são substituídas por alumínio, e a alta capacidade de fixação de fósforo, estão diretamente correlacionadas à queda de sua fertilidade e empobrecimento. Também sabe-se que, nestas regiões, a produção de biomassa é altamente favorecida pelas condições climáticas, podendo se transformar em matéria orgânica ativa e dinamizar os nutrientes dos solos. Pode-se citar como vantagens da matéria orgânica uma melhoria das propriedades físicas do solo, com aumento dos macro e microporos, diminuição da densidade aparente, maior capacidade de infiltração e armazenamento de ar e água, maior atividade de microorganismos úteis ao metabolismo das plantas e maior capacidade de absorção de nutrientes (Kiehl, 1985). Muitos trabalhos associam a absorção do nitrogênio pelas plantas à existência dele na forma inorgânica no solo. Deste modo também Malavolta et al(1997) relatam que o nitrogênio orgânico é absorvido pelas plantas após sofrer os processos de 16 aminificação e nitrificação. Ocorre porém que nem sempre a quantidade deste elemento na forma inorgânica no solo, que é muito variável segundo Kiehl (1985), tem relação com o absorvido, e 90 a 99% do nitrogênio do solo está na forma orgânica, que é a única maneira de se armazená-lo. Ele é um dos mais caros macronutrientes e o principal limitador de colheitas. Também segundo esses autores, mais da metade do fósforo e do enxofre existentes na superfície do solo estão na matéria orgânica, enquanto que somente uma pequena porção do potássio nela está. Como o K, também o Ca e o Mg fornecidos às plantas são provenientes dos minerais do solo, embora possam ter sua origem pela adição de matéria orgânica. Para o controle da toxidez causada por certos elementos encontrados em maior quantidade como o Fe, o Al e o Mn, recomenda-se a aplicação de matéria orgânica humificada aos solos. Tabela 7. Área de produção orgânica certificada no mundo, 2001. País Área % do total da área em Área plantada de hortícolas Reino Unido 472 500 2.5 3000 Alemanha 546 023 3.2 7 118 Itália 1 040 377 - - França 371 000 1.3 27 945 Paises Baixos 27 820 1.4 2100 Bélgica 20 663 0.9 612 Áustria 272 000 10.0 - Suíça 95 000 9.0 1238 Dinamarca 165 258 6.2 1912 Suécia 139 000 5.1 2300 Estados Unidos 544 000 0.2 41266 Japão 1000 0.02 - Brasil* 700 000 0,025 80 000 * Informação verbal obtida no I Simpósio de Agricultura Orgânica, Lavras-MG, 2003. Fonte: ITC (2001). Para Primavesi (1992), o que também torna a agricultura inviável são os preços dos insumos nos sistemas de produção de tecnologia químico-mecanizada. Tal tecnologia se baseia na planta, e não na “saúde” do solo, o qual sendo sadio, produz plantas sadias. E, afirma ainda que o trato do solo não é essencialmente químico-mecânico, mas biológico-físico e deve-se procurar os equilíbrios naturais destruídos. Conclui-se, então, que o processo de adubação convencional, que favorece a mineralização dos solos, não contribui para esta saúde, o que já não acontece com 17 as adubações orgânicas. A disposição adequada do elemento orgânico atua de forma organizadora e fertilizadora sobre o elemento terroso sólido (D’Andréa, 2001; Steiner, 2000). No Brasil, que apresenta um clima tropical, há a grande vantagem da elevada produção de biomassa, mas as práticas agrícolas comumente usadas, não a valorizam. A utilização de esterco é tecnologia apropriada somente para climas temperados (D’Andréa, 2001), e deve ser utilizada somente como elemento catalisador. Ele propõe a utilização de outras fontes de biomassa, tanto em pequenas como em grandes áreas. 4.2.2. Elaboração de composto Compostagem é o processo de decomposição biológica e de estabilização de substratos orgânicos sob condições de altas temperaturas, produzindo calor, e tem como finalidade um produto estável, livre de patógenos e de sementes, que pode ser aplicado no solo. Este processo consiste na decomposição de substratos orgânicos, na presença de oxigênio, produzindo dióxido de carbono, água e calor (Haug, 1993). O processo de compostagem, que compreende a produção de composto a partir de esterco animal e restos vegetais em processo “Indore” iniciou-se entre os anos de 1905 e 1934, pelo inglês Sir Albert Howard em trabalho na Índia. Este sistema chamado então “Indore”, consiste na construção de pilhas de composto de sistema aeróbico, que é utilizado até hoje para compostar resíduos orgânicos. Trata-se de importante método para aproveitamento de resíduos e sua utilização contribui para o aumento da produção agrícola. Às pilhas de composto pode-se adicionar, também, fosfatos de reação ácida para reter a amônia e enriquecer o produto final com fósforo. Também podem ser adicionados os denominados preparados biodinâmicos que, segundo a escola Antroposófica, acelera a formação do composto e melhora suas propriedades (Piamonte, 1993; Wistinghausen, 1997; Khatounian, 2001). De acordo com Kiehl (2002), as recomendações para elaboração do composto orgânico são: • Proporcionar uma relação Carbono/Nitrogênio (C/N) inicial entre 25/1 e 35/1, o que pode ser conseguido pela adição de materiais ricos em carbono ou em proteína, conforme a necessidade de correção do material; 18 • A umidade inicial do material a ser compostado deve ser de 55%, podendo ser mais elevada se o mesmo apresentar granulometria grosseira; a porosidade do material contido na leira deve estar entre 40 e 60%, como limites mínimo e máximo; • A pilha deve atingir a temperatura termófila entre 55 e 65ºC, não devendo ultrapassar 70ºC. A junção dos materiais para elaboração do composto, ou seja, palhas mais fonte de esterco e de microrganismos, é usualmente feita na forma de leiras, pilhas ou montes, que podem ter seção triangular ou trapezoidal. Um dos aspectos mais importantes na elaboração das pilhas de compostagem é a aeração. Por isso, as pilhas devem ter distância entre si suficiente para o escoamento de água de chuva e facilitar seu revolvimento, o qual deve ser feito durante o período de cura. Este revolvimento pode ser feito manualmente ou por meio de máquinas, com freqüência determinada pela concentração de oxigênio, temperatura e umidade, observadas constantemente. 4.2.3. Características e benefícios do composto orgânico Segundo Kiehl (2002), no ponto de maturação, o composto apresenta algumas características comuns, independentemente dos materiais utilizados na sua elaboração. Desta forma, podem ser citadas: • Características Físicas: é levemente alcalino e praticamente insolúvel em água. A humificação decorrente do processo causa alteração da consistência, de acordo com o teor de água. Quando seco, apresenta-se duro, tenaz, sendo um torrão de húmus difícil de ser partido com os dedos. Quando úmido, torna-se friável, com consistência ideal para ser enfardado. • Características Químicas: constitui-se num colóide (húmus) que tem a propriedade de ligar-se com o colóide argila do solo, formando o chamado complexo argilo-húmico, cujas propriedades são superiores às do material original isoladamente. • Físico-químicas: alta capacidade de troca catiônica, facilidade para formar quelados, e elevada superfície específica. • Biológicas: atua na vida do solo, é condicionador das características do solo, aumenta a absorção de nutrientes pelas plantas, estimula o 19 desenvolvimento radicular, promove a atividade respiratória, entre outros. Os benefícios da utilização de composto adicionado ao solo, seja incorporado ou em cobertura, constam de melhoria dos fatores físicos, químicos e biológicos do solo, tais como: profundidade, capacidade de retenção de umidade, estrutura, condutividade hidráulica e taxa de infiltração, teor de matéria orgânica, capacidade de troca catiônica, pH, saturação de bases e montante de biomassa, redução da evaporação, entre outros. Utilizando os princípios agroecológicos, Khatounian (2001) lança uma visão diferenciada das propriedades dos materiais usados como adubos, referenciando que os efeitos químicos atuam em oposição aos biológicos e físicos. A palhada de cereais, por exemplo, tem efeito quase que exclusivamente biológico, por alimentar as cadeias tróficas associadas à decomposição da biomassa. No extremo oposto está o esterco líquido de suínos que, por ser constituído de material celular, apresenta efeito químico. A Figura 2 também pode ser interpretada como apresentando três classes de adubos orgânicos: celulósicos, de conteúdo celular e intermediários. Figura 2. Adubos orgânicos e seus efeitos químicos e biológicos. Fonte: Khatounian, 2001. 4.2.4. Resultados de pesquisa com composto Com relação às pesquisas e tecnologias para produção orgânica, a equipe de pesquisadores do INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural, localizado no município de Domingos Martins – ES, que possui 3,5 ha com culturas anuais e 3,0 ha com culturas perenes, liderada por J.L.Souza (Souza, 2001), apresenta inúmeros resultados obtidos de 1992 a 2001. Esta região está a uma altitude de 730 m, apresenta temperatura média máxima nos meses mais quentes entre 26,7 a 27,80 C e a média mínima nos Pa lh ad a de c er ea is Es te rc o fr es co d e bo vi no s C om po st o V er m ic om po st o Pa lh ad a de le gu m in os as Es te rc o fr es co d e po rc o Es te rc o fr es co d e av es Es te rc o de av es pu ro Es te rc o líq ui do d e su ín os E fe ito b io ló gi co E fe ito qu ím ic o 20 meses mais frios entre 8,5 a 9,40 C. A área experimental está dividida em talhões, de acordo com as propriedades do solo, de modo que possam ser analisados os fatores de fertilidade deste solo, através dos anos, conforme ilustra a Figura 3, com a evolução dos teores de fósforo. Estes trabalhos foram conduzidos segundo as bases produtivas do sistema orgânico, fundamentado no manejo e reciclagem de matéria orgânica, compostagem, adubação verde, manejo e controle alternativo de ervas espontâneas, cobertura morta, rotação de culturas, controle alternativo de pragas e doenças, avaliação e seleção de cultivares adaptados. Figura 3. Evolução dos teores de fósforo em solos submetidos a manejo orgânico durante dez anos, obtidos pela INCAPER. Fonte: Souza, 2001. Considera-se de interesse ilustrativo para o presente estudo as Tabelas 8 e 9, que demonstram o desenvolvimento da batata-doce em função de tipos de composto e dos teores de macro e micronutrientes nas folhas. Tabela 8. Desenvolvimento da batata-doce em função de 4 tipos de compostos, 1993/941. TOTAL COMERCIAIS Tipos de Composto Nº Raízes Peso de Raízes (kg/ha) Nº Raízes Produtiv. de Raízes (kg/ha) Peso Médio (g) Comp. Médio (cm) Diâm. Médio (cm) Composto/Esterco 68 a 38.059 ab 27 a 17.903 ab 221 b 18,1 a 5,2 b Composto/Composto 47 c 30.344 b 20 b 14.691 b 237 b 15,3 b 5,3 b Composto/T. Cacau 49 c 43.850 a 21 b 21.522 a 331 a 17,9 a 6,0 a Composto/Terriço 62 b 33.906 b 26 a 16.391 b 199 b 17,6 a 4,9 b CV(%) 5,1 24,5 6,4 25 22,7 8,3 8,9 1 Médias seguidas pela mesma letra, nas colunas, não diferem entre si pelo teste Duncan a 5%. Médias de 2 repetições e 5 pontos amostrais por repetição. Fonte: Souza, 2001. Fó sf or o anos 21 Tabela 9. Teores de macro e micronutrientes em folhas de batata-doce aos 150 dias após plantio, 1993/94, INCAPER. MACRONUTRIENTES (%) MICRONUTRIENTES (ppm) Tipos de Composto N P K Ca Mg Cu Zn Fe Mn B Esterco 4,25 0,49 3,93 0,89 0,41 20 30 450 104 60 Composto 3,9 0,52 4,46 0,74 0,42 23 32 456 104 55 Torta de Cacau 4,65 0,34 4,77 0,89 0,55 22 34 976 123 54 Terriço 3,95 0,53 3,95 0,75 0,42 21 30 370 106 55 Fonte: Souza, 2001. Tabela 10. Formas de aplicação de composto orgânico na batata-doce – Talhão 09, 1994, INCAPER. PRODUTIVIDADE DE RAÍZES COMERCIAIS (Kg/ha) TRATAMENTOS Ano 1 (1994) 1 - Composto Incorporado 22.818 2 - Composto Superficial 21.010 3 - Composto Localizado 27.758 Fonte: Souza, 2001. Tabela 11. Média de rendimentos comerciais de espécies em sistema orgânico ao longo de 10 anos, INCAPER, 2000. RENDIMENTOS COMERCIAIS (kg/ha) ESPÉCIES Média/Sistema Orgânico1 Média / Sistema Convencional2 Diferencial Abóbora Tetsukabuto 7.325 6.000 +26 Alho 6.102 5.000 +22 Batata 19.451 15.000 +30 Batata-baroa 15.355 13.000 +18 Batata-doce 21.629 18.000 +20 Cenoura 23.353 22.000 +7 Couve-flor 13.686 15.000 -9 Feijão 2.057 900 +129 Inhame 23.805 12.000 +98 Milho 8.066 3.000 +169 Repolho 55.325 45.000 +23 Tomate 34.545 48.400 -29 1 Área Experimental de Agricultura Orgânica / INCAPER – 1990 a 2000. 2 Sistema convencional da Região Produtora do Espírito Santo. Fonte: Souza, 2001. 22 Tabela 12. Custos de produção comparativos para 1 ha de diversos cultivos em sistema orgânico e convencional, INCAPER, 19951 SISTEMAS CULTURAS Orgânico Convencional Diferencial Abóbora 1.307 1.497 -15 Alho 4.690 5.482 -17 Batata Inglesa 4.569 5.041 -10 Batata-baroa 3.000 3.837 -28 Batata-doce 2.399 2.605 -09 Cenoura 3.667 4.156 -13 Couve-flor 3.688 4.014 -09 Feijão 737 793 -08 Inhame 4.185 4.572 -09 Milho 840 839 -00 Repolho 3.566 4.115 -15 Tomate 6.567 7.812 -19 Média geral 3.268 3.730 -14 1 Valores em dólar paralelo (preços médios de dezembro/1995). Fonte: Souza, 2001. Tabela 13. Participação relativa dos diversos fatores nos custos de produção em dois sistemas de cultivo, INCAPER, 19951 SISTEMAS Orgânico Convencional FATORES Qde Valor (U$) (%) Qde Valor (U$) (%) Semente - 350.30 10 - 350.30 8 Composto (t) 24.6 605.00 21 - - - Esterco de galinha (t) - - - 5.5 440-80 11 Outros insumos - 40.40 1 - 603.00 18 Mão-de-obra (h/d) 174 1224.40 35 184 1287.40 33 Serv. Mecânicos(h/máq) 6 169.00 8 6 169.00 8 Embalagem - 375.40 10 - 375.40 9 Frete - 504.00 15 - 504.00 13 TOTAL - 3268.00 100 - 3730.00 100 1 Média de 12 espécies por sistema. Fonte: Souza, 2001. Com base nestes resultados e em muitos outros pesquisados pela INCAPER, os autores chegaram a algumas conclusões que interessam para esta pesquisa: -o composto orgânico é um produto eficiente, de elevada qualidade nutricional e apresenta-se como alternativa viável para sistemas de produção orgânica, no 23 desenvolvimento de plantas; -as práticas de manejo orgânico viabilizam tecnicamente os modelos de produção, propiciando a evolução dos teores de matéria orgânica, Capacidade de Troca Catiônica (CTC), fosfóro, potássio, cálcio, magnésio, pH, Saturação de Bases (S) e resulta em elevado grau de fertilidade dos solos; -o cultivo orgânico de abóbora, alho, batata, batata-doce, cenoura, feijão, inhame, mandioquinha-salsa e repolho, permite alcançar produtividades superiores à média regional do sistema convencional em uso pelos agricultores, com obtenção de produtos de excelente padrão e qualidade comercial; -quando se verifica plena viabilidade técnica da produção de alimentos orgânicos de destacada qualidade e valor biológico, os desempenhos técnicos das espécies estudadas conduzem a uma profunda reflexão do modelo de produção, de base agroquímica, em uso no Espírito Santo; -a média geral do custo de produção de 1 ha em sistema orgânico foi de U$ 3.268,00 e do sistema convencional foi de U$ 3.730,00, indicando que a produção orgânica das espécies pode ser realizada a um custo médio 14% inferior ao sistema agroquímico atualmente em uso. Considerou-se para tal cálculo o custo de produção do composto, como se também o esterco fosse comprado. 4.3. Considerações sobre cultivo biodinâmico 4.3.1. Princípios A Agricultura Biodinâmica surgiu com o filósofo e cientista Rudolf Steiner, quando proferiu uma série de oito conferências, em 1924, para agricultores e técnicos europeus, visando à solução de problemas da agricultura, com recomendações de fertilização do solo e nutrição das plantas. O movimento da chamada Agricultura Biodinâmica existe no mundo todo e baseia-se, do mesmo modo que a Agricultura Orgânica, em conceber a propriedade agrícola como um organismo com a presença de animais, priorizando a vivificação do solo pela adubação verde e de compostos de resíduos orgânicos, mas considerando as interações dos seres vivos com o cosmo. Acredita-se que, ao aspecto biológico, deve ser acrescido o aspecto dinâmico, com diluições de substâncias orgânicas e minerais, preparadas considerando-se os calendários e ciclos astronômicos, os chamados 24 preparados biodinâmicos, de modo que estimulem as forças vitais (Steiner, 2000; Piamonte, 1996). Assim, objetivando potencializar os efeitos benéficos da utilização de composto no solo, a agricultura biodinâmica recomenda a aplicação dos preparados específicos durante o processo de compostagem. Também são utilizados preparados específicos para o ciclo das plantas, nas diversas fases de crescimento e maturação, e de acordo com o tipo de produção da espécie: flores, frutos, parte aérea ou raízes. Para tanto, é necessário que se aproprie dos fundamentos da biodinâmica e se aplique seus conhecimentos, encontrados no legado de Rudolf Steiner e, no caso do Brasil, nas publicações da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica e do Instituto Biodinâmico, e por autores como Wistinghausen (1997), Koepf et al(1986) e Piamonte (1996). 4.3.2. Caracterização dos preparados biodinâmicos Existem, basicamente os preparados utilizados em pulverizações, nas plantas e no solo, e os aplicados nas pilhas de compostagem. O primeiro está relacionado com as forças da terra e da luz, elaborado durante o verão, a partir de chifre e sílica, chamado preparado 501, armazenado na luminosidade, no seco e quente e aplicado na região foliar, em nebulização, na quantidade de 4 g em 40 a 60 litros de água para um hectare de lavoura ou de pasto e 8 g em 100 a 150 litros de água para fruticultura ou culturas arbóreas. O segundo é elaborado em época escura, úmida e fresca do ano, a partir de esterco bovino enterrado dentro de chifres de vaca (preparado 500), que após o período de repouso na terra, são diluídos em água e aplicados preferencialmente próximo às raízes, na quantidade de 120 a 300 g em 40 a 60 litros de água por hectare. Pode-se acrescentar a este último, o preparado de valeriana, na quantidade de 1 a 2 cm3, nos últimos 10 a 15 minutos da dinamização, antes de noites frias, para proteger as plantas e impulsionar a floração (Wistinghausen, 1997). Os preparados para aplicação no composto (Koepf et al, 1986; Piamonte, 1996) são feitos a partir de: • mil-folhas, Achillea millefollium e bexiga de cervo macho (502); 25 • camomila, Chamomilla officinalis e intestino delgado de bovino (503); • urtiga, Urtica dioica (504); • casca de carvalho, Quercus robur e crânio de animal doméstico (505); • dente-de-leão, Taraxacum officinalis e mesentérico de bovinos (506); • valeriana, Valeriana officinalis (507). Estes seis preparados fazem com que as forças do cosmo sejam mais atuantes e podem ser utilizados em esterco, chorume, esterco líquido ou composto. Para aplicação em pilhas de composto, cinco deles (do 502 ao 506) são aplicados em aberturas que se faz com um pedaço de madeira, até a metade da pilha, devendo estar distanciados no mínimo 50 cm e no máximo 2,5 m entre si. Esta aplicação é feita imediatamente após a construção da pilha, colocando-se em cada um dos buracos (conforme esquematizado na Figura 4) uma bolinha que foi feita com solo ou composto úmido, dentro da qual foi colocada a quantidade de 0,5 até 1 cm3 de cada um dos preparados separadamente, isto é, uma bolinha de cada um. A seguir é aplicado o preparado de valeriana, dinamizando 2 a 3 cm3 em 5 litros de água morna por pelo menos 15 minutos e, espalhando sobre a superfície da pilha com regador ou vassourinha feita de galhos (Wistinghausen, 1997). Figura 4. Posicionamento dos preparados biodinâmicos na pilha de compostagem. Fonte: Koepf et al, 1986. 26 4.3.3 Resultados de pesquisas No cultivo de batata, os tratamentos orgânicos e biodinâmicos resultaram em produções pouco menores que os orgânico-mineral e mineral, por oito anos, porém mostraram os mais altos teores de proteínas, vitamina C e menores perdas no armazenamento. Quando outras qualidades como cozimento e sabor foram avaliadas, os produtos dos cultivos orgânicos e biodinâmicos foram superiores (Piamonte, 1996). O mesmo autor concluiu, em experimento com cenoura, que os tratamentos com adubação orgânica apresentaram resultados superiores nas características avaliadas de: rendimento, massa seca, número de raízes/quilo, diâmetro, Brix, textura, perecibilidade aos 5 e 10 dias no ambiente, perecibilidade aos 30 e 65 dias sob refrigeração, beta-caroteno e vitamina A. Os tratamentos com preparados biodinâmicos propiciaram os maiores teores de beta-caroteno e vitamina A. Conforme anunciado por Koepf et al (1986), a qualidade dos produtos da agricultura biodinâmica e orgânica é superior quando se avalia sabor, valor nutritivo, maior período de armazenamento e maior resistência a pragas e a insetos. Mäder et al. (2002) realizaram estudos, por um período de 21 anos na Europa Central, em sistemas orgânico, biodinâmico e convencional, nos quais foram encontradas produções 20% menores nos sistemas orgânicos ao longo do tempo, embora as entradas de fertilizantes e de energia tenham sido reduzidas de 34 a 53%, e de pesticidas em 97%. Além disso, a fertilidade do solo e a maior biodiversidade encontradas no sistema orgânico tornaram-no menos dependente de insumos externos. 4.4. Análise econômica comparativa dos sistemas orgânico, biodinâmico e convencional de produção. Antes da realização de qualquer tipo de avaliação econômica é importante definir seus objetivos. Se o objetivo é atender a interesses privados, tanto os benefícios como os custos são relativos aos preços de mercado. Se o objetivo é avaliar a contribuição para o crescimento econômico, tem-se um caso de avaliação econômica propriamente dita. No caso de avaliação social, os preços utilizados devem refletir os custos e benefícios para a sociedade como um todo (Pinto, 2002). 27 4.5. Análise energética 4.5.1. Fundamentos da análise eco-energética Trata-se de uma forma de análise que permite o estudo das bases ecológicas dos recursos naturais envolvidos em uma unidade de produção, utilizando a variável energia como meio de avaliação, sendo uma alternativa aos métodos tradicionais baseados unicamente nos cálculos econômico-financeiros. Possibilita conhecer o quanto de energia é necessária para produzir um outro tipo de energia. Por meio da decomposição do total de energia em energia do trabalho humano, energia renovável e não renovável, pode-se identificar a dependência do sistema e calcular a eficiência de cada uma destas energias nele inseridas. A análise eco-energética surgiu no século XIX, com a necessidade dos ecologistas identificarem e quantificarem os fluxos de energia nas diversas unidades de produção, com novas abordagens, ligando os parâmetros energéticos aos econômicos, sociais e culturais. Nos anos 70, com a crise do petróleo, proporcionou análises visando à diminuição de energia fóssil nos sistemas e, agora, não é apenas com abordagem ecológica, mas é uma análise sob as óticas econômica e social dos sistemas de produção (Macedônio, 1987). Com a identificação e decomposição das energias que entram no sistema, os pesquisadores puderam comprovar, cientificamente, o uso exagerado da energia fóssil nos países desenvolvidos. Tornou-se clássico o estudo de Pimentel (1973) no qual demonstrou que, em 1945, mais da metade da energia necessária à produção do milho nos EUA era gasta com combustível para as máquinas. Também comprovou que, em 1970, essa proporção de energia fóssil passou a ser gasta com adubos químicos, e houve redução da eficiência energética, passando de 3,71 em 1945, para 2,82, em 1970 (Macedônio, 1987). Na França, Deleage (1980) demonstrou que o sistema agrícola francês importou cada vez mais energia para assegurar sua manutenção. Comparando também o ano de 1970, a eficiência energética agropecuária estava em 2,32. Em Portugal, Pires (1981), estudou o cultivo de trigo e demonstrou que, de 1920 a 1981, o rendimento energético caiu de 1,59 para 1,12, e que o aporte de produtos nitrogenados para a espécie, em 1981, era maior que toda a energia gasta no plantio de trigo em 1920. 28 Pela metodologia emergética, escrita com “m”, ou da energia de memória incorporada, proposta pelo Dr. Howard Odum e sua equipe (1972), há a possibilidade de comparação e avaliação das relações homem/ambiente, as quais permitem avaliar o grau e a magnitude da contribuição dos recursos naturais ao desenvolvimento das atividades humanas. O conceito de desenvolvimento sustentável requer instrumentos de medição e monitoramento das relações homem/ambiente que estão demasiado limitados nas atuais análises econômicas. Esta metodologia, embasada numa visão ecológica e sistêmica das complexas relações que regem nossos sistemas de suporte, é apoiada por métodos de simulação e por linguagem simbólica que permitem a construção de diagramas funcionais dos componentes e suas interações (Comar, 1996). O perfil da agricultura brasileira, que é proveniente, em grande parte, dos resultados de pesquisa agronômica, é perdulário, do ponto de vista de consumo de recursos energéticos. Baseada no modelo norte-americano e inspirada fortemente pela “revolução verde”, a agricultura implantada no Brasil, principalmente no Centro-Sul do país, utiliza largamente máquinas e produtos químicos. Considerando, assim, que tal agricultura consome muito combustível, houve, por ocasião da crise energética dos anos 70, uma série de esforços no sentido de poupar certas operações e evitar excessos de determinados insumos (Silva & Graziano, 1977). A análise eco-energética é o principal caminho para se descrever um sistema e seu fluxo de energia (de insumos renováveis e não renováveis, força animal, trabalho humano, valor calórico de produtos agrícolas, etc). Estudos estão hoje disponíveis para sistemas agrícolas, e podem ser realizados para toda uma nação, para pequenas unidades (como vilas), grupos de agricultores e regiões grandes ou pequenas. O sistema estrutural é a parte mais importante da análise, e deve incluir aspectos econômicos e sociais (Deleage et al., 1980). Para Serra et al. (1979), o consumo de combustíveis e fertilizantes representaram, em geral, 75% do consumo energético dos cultivos que produzem biomassa e que se destinam à alimentação, conforme levantamento de produção e custos para o Estado de São Paulo. Castanho & Chabaribery (1982) estabeleceram os perfis de demanda e produção energética para 21 atividades agropecuárias no Estado de São Paulo, na safra 29 1978/79. Concluíram que 80% do consumo energético da agricultura paulista foi de origem fóssil, tendo os combustíveis, 38% de participação e 36% de energia perdida. Para o Estado do Paraná, Macedônio & Picchioni (1985) desenvolveram uma metodologia para calcular o consumo de energia fóssil nas culturas de trigo e soja. Macedônio (1987) calculou os coeficientes energéticos na agricultura, considerando a produção familiar e os sistemas animais, ampliando a análise da eficiência energética para uma perspectiva antropológica, interligando os parâmetros calóricos aos econômicos, sociais e culturais, realizando a chamada análise eco-energética. Para Carmo et al.(1988), em propriedades consideradas alternativas como sistema global de produção, as fontes calóricas de origem biológica foram mais importantes que as fósseis e representaram tecnologias de menores impactos ambientais e sociais. Calculando o balanço energético de milho e soja, nos anos de 1965 a 1990, para o Estado de São Paulo, Carmo & Comitre (1991) concluíram que, ao longo do tempo, a energia biológica cedeu espaço para a fóssil, sendo o combustível o componente mais expressivo, seguido dos fertilizantes e corretivos. Os gastos com máquinas e equipamentos foram inexpressivos. Também verificaram que a maior produção agrícola é função da maior quantidade de energia fornecida ao sistema, energia esta relativa ao emprego de combustível e agroquímicos, resultando em impactos ambientais e sociais que deveriam ser considerados. Confirmaram também que o enfoque energético complementa as análises econômicas no dimensionamento das necessidades alimentares, na preservação dos recursos naturais e na manutenção dos agroecossistemas, no longo prazo. Citados por Pinto (2002), diversos autores observaram o elevado consumo de energia fóssil na agricultura, o que evidencia uma grande dependência de energia externa. Para se economizar 50% de energia por unidade de área, devem ser utilizadas tecnologias conservacionistas, e que sejam adaptadas à realidade brasileira, tanto social quanto ambientalmente. O autor também salienta que, ao se discutir o desenvolvimento da agricultura, a análise dos fluxos de energia é um dos melhores métodos de avaliação. Deste modo, pode-se avaliar o grau de sustentabilidade da agricultura. 30 4.5.2. Elementos de avaliação energética Dentre os fatores a serem considerados na análise do fluxo de energia, pode-se citar, conforme grupos propostos por Odum (1972): a) Recursos Renováveis da Natureza • Energia solar direta (radiação solar, ventos e chuvas) • Energia de lua: marés b) Recursos não Renováveis da Natureza • Consumo de nutrientes da terra • Perdas de solo (erosão pelo vento, chuva e enxurradas) c) Re-alimentação da Economia • Materiais (sementes, calcário, fertilizantes, herbicidas, inseticidas, fungicidas, água para irrigação, combustíveis, eletricidade, maquinários, infra- estrutura, etc) • Serviços (mão-de-obra, administração, empréstimos, aluguel da terra, transporte, pré-processamento, impostos, contribuições para organizações, subsídios, lucro, etc) • Produtos (produto principal, subprodutos, resíduos, perdas). Para se conhecer melhor o balanço de energia de um sistema agrícola, é importante saber a quantas calorias (ou unidades equivalentes) corresponde o conteúdo de componentes (amido, óleo, etc) da espécie em questão. Pimentel et al (1973) e Schuffelen (1975) apresentaram dados de quantificação, em kcal dos trabalhos agronômicos. O primeiro cita, por exemplo, como 18500, 3350 e 2310 kcal os valores de fertilizantes N, P2O5 e K2O, respectivamente, em cultivo de cereais. O segundo mostra dados mais completos de fertilizantes e seu consumo de energia, no mundo e na Holanda (Tabela 14). Tabela 14. Consumo de fertilizantes e de energia em 1972. Consumo de fertilizante t 9 Energia para produção fertilizantes (GJx106) Total energia GJ x 109 N P205 K20 N P205 K20 Total Mundo 35,80 22,70 18,60 2.860 270 150 3280 231 Holanda 0,37 0,10 0,13 30 1,2 1,0 32 2,4 1- GJ = Giga Joule, que corresponde a 109 Joule e 1 Caloria é igual a 4,18 Joule. 2- Fonte: Schuffelen (1975). 31 Figura 5. Fluxo de energia no cultivo de milho em sistema convencional. Fonte: Heichel, 1976. Tabela 15. Aumento de produção de espécies em função do nitrogênio aplicado e suas relações. Produto Aumento de Produção (kg) Valor energético do incremento (MJ) (1) Relação energética Madeira 50 840 8,4 Trigo 10-25 170-420 1,7-4,2 Arroz 8-20 130-340 1,3-3,4 Milho 10-25 170-420 1,7-42 Batata 40-200 130-630 1,3-6,3 Açúcar 5-10 80-170 0,8-1,7 Capim 10-50 170-840 1,7-8,4 1- MJ = Mega Joule corresponde a 106 Joule e 1 Caloria é igual a 4,18 Joule . Fonte: Schuffelen (1975). 32 Há que se ressaltar que a análise eco-energética, que é o estudo do funcionamento de um ecossistema por meio de fluxos energéticos, considerando que o rendimento energético de um sistema pode ser comparado ao de outro sistema, adotando-se a mesma metodologia. Baseia-se na hipótese de que é possível converter para uma única unidade, as diversas formas de energia que permeiam os sistemas. Os fluxos de energia devem ser expressos em unidades energéticas por unidade de tempo e de superfície, caracterizando as entradas e saídas energéticas do sistema. 4.5.3. Metodologia de Análise energética De acordo com Pinto (2002), o cálculo do balanço de energia na agricultura foi muito bem descrito e sistematizado por Castanho Filho & Chabaribery (1982) e, por isso, o utilizou para um sistema agroflorestal. Assim também, nesta pesquisa, foi utilizada a mesma metodologia. 33 5. MATERIAL E MÉTODOS 5.1. Local O experimento de campo foi conduzido em área da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), Fazenda Demétria, município de Botucatu – SP, utilizando-se uma cultivar de batata-doce proveniente da Associação de Produtores Orgânicos da Mantiqueira, em Gonçalves, MG. O armazenamento das raízes se deu nas dependências do CERAT- Centro de Raízes e Amidos Tropicais da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) campus de Botucatu- SP. 5.2. Propágulos Após contato junto aos produtores rurais obtiveram-se as ramas de batata-doce provenientes da Associação Orgânicos da Mantiqueira, de produtores orgânicos de Gonçalves, MG, pela dificuldade de se encontrar na região de Botucatu tal material, com a segurança de que fossem cultivados de forma orgânica ou biodinâmica. As ramas de batata-doce foram preparadas em galpão sombreado, de modo a apresentarem 10 nós, e a seguir foram plantadas sobre os camalhões previamente confeccionados na área experimental. 34 5.3. Amostras de solo As amostras de solo para análise foram coletadas na camada de 0 a 0,20 m de profundidade na área antes da instalação do experimento (após o preparo do solo) e, após a colheita, em cada parcela experimental (constituindo uma amostra composta por tratamento). Essas amostras foram submetidas à análise físico-química, pelo Laboratório de Fertilidade do Solo da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, seguindo as Metodologias do Boletim 81 do IAC de 1983- Extração pela resina trocadora de íons, para Fósforo, Potássio, Cálcio, Magnésio; do Boletim 106 do IAC de 1986, de Otávio A. Camargo e outros, para Micronutrientes e Mineralogia; e, do Laboratório Nacional de Referência Vegetal-Análise de Corretivos, Fertilizantes e Inoculantes- Métodos Oficiais, do Ministério da Agricultura (1988). 5.4. Tratamentos Os tratamentos consistiram da aplicação de: a) fertilizante mineral N-P-K (4-14-8), a 1000 kg/ha, totalizando 40 kg de N; 140 kg de P2O5 e 80 kg de K2O/ha; (conv.) b) 1460 kg de composto orgânico (dose suficiente para suprir 20kg de N/ha) (org1) c) 2190 kg de composto orgânico (dose suficiente para suprir 30kg de N/ha) (org 2) d) 2920 kg de composto orgânico (dose suficiente para suprir 40kg de N/ha) (org 3) e) 3650 kg de composto orgânico (dose suficiente para suprir 50kg de N/ha) (org 4) f) 4380 kg de composto orgânico (dose suficiente para suprir 60kg de N/ha) (org 5) g) 1190,5 kg de composto biodinâmico (dose suficiente para suprir 20kg de N/ha) (biod1) h) 1785,7 kg de composto biodinâmico (dose suficiente para suprir 30kg de N/ha) (biod2) i) 2381 kg de composto biodinâmico (dose suficiente para suprir 40kg de N/ha) (biod3) j) 2976,2 kg de composto biodinâmico (dose suficiente para suprir 50kg de N/ha) (biod4) k) 3571,4 kg de composto biodinâmico (dose suficiente para suprir 60kg de N/ha) (biod5) As parcelas experimentais foram compostas de dois camalhões de 4m de comprimento, e o espaçamento de 1,0 x 0,4 m, totalizando 20 plantas por parcela, todas úteis, constituindo um delineamento em blocos ao acaso, com 4 repetições. 35 A condução do cultivo convencional seguiu o padrão preconizado por Filgueira (2000), e o orgânico e biodinâmico, as mesmas recomendações, sem as atividades vedadas pelas Normas de Certificação Orgânica e Biodinâmica (IBD, 2002). 5.5. Preparo dos compostos Foram preparadas duas pilhas de composto na área da Empresa Centroflora do Brasil, em Botucatu (SP), a partir de resíduos gerados a partir de processamento de plantas medicinais desta empresa, no montante de 3600 toneladas por ano, adicionados de esterco bovino como inóculo, objetivando produzir dois tipos de composto, um orgânico e um biodinâmico, para aplicar nos respectivos tratamentos. As quantidades e espécies dos resíduos das plantas utilizadas se encontram na Tabela 16. Em uma das pilhas foram adicionados os preparados biodinâmicos, conforme preconizado por Wistinghausen (1997) e Koepf et al (1986) e esquematizado na Figura 4. Foram retiradas quantidades de 1 a 3g dos preparados de 502 a 506, as quais foram envoltas por porção de solo que foi amalgamada com água, formando uma bolinha de cada um dos preparados. O preparado líquido 507, de valeriana, foi diluído à base de 2 cm3 por 10 litros de água morna, dinamizado por meia hora e aspergido com “vassoura” feita de galhos de plantas, sobre a pilha do composto biodinâmico. As pilhas foram regadas com água, com freqüência, de modo que estivessem sempre com umidade suficiente para a decomposição, e foram reviradas a cada 20 dias, ficando um total de dois meses até sua utilização, quando foram transportadas para a área de plantio do experimento. A análise química dos compostos orgânicos e biodinâmicos foi realizada no Laboratório do Departamento de Produção Vegetal /Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu com metodologia descrita por Malavolta et al (1989). 36 Tabela 16. Plantas medicinais que deram origem aos resíduos utilizados na pilha de compostagem, Botucatu, 2003. Produto Nome Científico Quantidade (kg) H/A Pffáfia Pfaffia glomerata 280 H Aveia Avena sativa 120 A Marapuama Ptychopetalum olacoides 180 H Carqueja Baccharis trimera 750 H Losna Artemisia absinthium 57 A Salvia Salvia officinalis 100 A Calêndola Calendulla oficinalles 40 A Erva Doce Pimpinella anisium 40 A Crataegus Crataegus oxyacantha 170 A Gengibre Zingiberofficinale 1700 A Alcachofra Cynara scolymus 2000 A Unha de Gato Uncaria sp. 800 H Quebra Pedra Phyllantus niruri 200 H Gridélia Gridelia squarrosa 80 A Polígala Polygata senega 80 A Pffáfia Pffafia stenophylla 480 A Hamamelis Hamamelis virginiana 120 A Rosa Rubra Rosa galica 40 A Marapuama Ptychopetalum olacoides 120 H Ipê Roxo Taebuia sp. 2000 A Centella Aiática Centella asiática 100 A Crataegus Crataegus oxyacantha 700 A Maracujá Passiflora sp. 500 A Pffáfia Pffaffia sp. 480 A Velame do Campo Croton campestris 100 A Carqueja Baccharis trimera 850 A Guaraná Paulínia cupana 1700 A 13787 A/H Obs: H – Extração hidroalcoólica; A – Extração Alcoólica. Fonte: Dados da Pesquisa. 5.6. Preparo do solo e plantio Após a demarcação da área experimental, o solo foi revolvido com cultivador, acoplado a um trator Valmet 65, de modo que fosse destorroado. Em seguida foram feitos sulcos com sulcador do tipo bico de pato, dentro dos quais foram colocados as quantidades do fertilizante e dos compostos correspondentes aos tratamentos. Procedeu-se, então, à construção dos camalhões, manualmente, com enxadas, cobrindo os fertilizantes. Os camalhões tinham 40cm de largura e 30cm de altura. A seguir foram distribuídas as mudas no sentido transversal do camalhão, de modo que ficassem os nós centrais enterrados e duas extremidades para brotarem. 37 O plantio foi efetuado no dia 1o de março de 2003 que, conforme o Calendário Agrícola de 2003 de Maria e Matthias Thun (Thun & Thun, 2003), era propício ao plantio de espécies produtoras de raízes. Nos tratamentos biodinâmicos houve a aplicação com vassourinhas feitas de ramos de plantas, do preparado 500 no solo, à tarde, que foi dinamizado por uma hora em barril de madeira, utilizando-se 200g do preparado para 60 litros de água. 5.7. Tratos culturais Após 45 e 60 dias do plantio foi feita a eliminação das espécies invasoras, que foram deixadas no solo para contribuir com sua cobertura. Nas parcelas de tratamento biodinâmico foi feita pulverização fina do preparado 501 quando as plantas estavam com 85 dias, antes das sete horas da manhã do dia 22 de maio de 2003, dia favorável a raízes segundo o Calendário Maria Thun (Thun & Thun, 2003).Tal preparação foi feita utilizando-se 3 g do preparado 501 para cada 60 litros de água, dinamizando-a por uma hora antes da aplicação. A cada mês procedeu-se ao penteamento das ramas (Figura 6), o que consistiu na colocação das ramas, cada uma dentro de seu limite de parcela, de modo que não se entrelaçassem, não misturando os tratamentos, facilitando as atividades de colheita e pesagem da parte aérea. 5.8. Colheita Procedeu-se ao arranquio das raízes, de forma manual, com o auxílio de enxadões, após quatro meses de ciclo (Figura 7). Inicialmente, foi coletada a parte aérea das plantas, por parcela, e colocada em sacos para pesagem. Com o auxílio de enxadões arrancaram-se as raízes que foram pesadas também por parcelas, contando-se o número de plantas e retiradas amostras. A seguir, retirou-se amostras também da parte aérea de cada uma das parcelas, e ambas as amostras (da parte aérea e das raízes) foram levadas ao laboratório em saquinhos de papel, para secagem e análise química de nutrientes (macro e micronutrientes). Tal análise foi realizada no Departamento de Produção Vegetal, Área de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu, pelas metodologias: digestão sulfúrica, seguida de 38 destilação pelo Método Kjeldahl, para nitrogênio; digestão por via seca (mufla) para boro; e, para os demais, digestão nitro-perclórica conforme descritos por Malavolta et al (1989). Das raízes colhidas também retirou-se 10 unidades que foram levadas ao Laboratório do CERAT - Centro de Raízes e Amidos Tropicais da FCA- Botucatu onde foram fatiadas, secas e moídas, para análise de açúcares solúveis totais, açúcares redutores, amido e umidade, pela Metodologia de Nelson (1944) e de Somogy (1945). Figura 6. Penteamento das ramas de batata-doce, 2003. Fonte: Dados da Pesquisa. Figura 7. Colheita das parcelas, 2003 Fonte: Dados da pesquisa 39 5.9. Armazenamento De cada um dos tratamentos foram selecionadas dez raízes, as quais foram levadas para local seco e ventilado para armazenamento por 30 dias, no CERAT na FCA Botucatu (Figura 8), após o que também foram fatiadas, secas e analisadas quanto aos teores de amido, umidade, açúcares solúveis totais e açúcares redutores, conforme descrito anteriormente, por ocasião da colheita. Figura 8. Raízes armazenadas após a colheita, CERAT/FCA, Botucatu,2003. Fonte: Dados da pesquisa. 5.10. Características avaliadas 5.10.1. Relativas aos compostos orgânicos a) composição química b) pH 40 5.10.2. Relativas às plantas a) produção (kg/parcela) de raízes tuberosas comerciais b) produção (kg/parcela) de parte aérea 5.10.3. Relativas ao solo a) análise da composição química, antes do plantio e após a colheita b) pH, antes do plantio e após a colheita c) teor de matéria orgânica, antes do plantio e após a colheita 5.10.4. Relativas à qualidade, na colheita e após 30 dias de armazenamento a) composição química de raízes e folhas b) teor de amido das raízes c) teor de açúcares das raízes d) teor de proteína das raízes e folhas 5.10.5. Análise econômica comparativa dos sistemas orgânico, convencional e biodinâmico de produção Para tal análise foi empregada a metodologia de Custos de Produção e Rentabilidade de Noronha (1981), para a qual se obtiveram coeficientes técnicos e resultados econômicos (custos, receitas e rentabilidades). Como base para custo de produção de um hectare de batata-doce, elaborou-se uma planilha considerando-se os custos reais de operacionalização do experimento, bem como as planilhas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (EMATER- DF), do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes e da Secretaria de Agricultura do Paraná (SEAGRI), as quais foram adaptadas para cada um dos sistemas: convencional, orgânico e biodinâmico. Os preços dos insumos utilizados foram obtidos junto aos estabelecimentos comerciais de Botucatu (SP). A remuneração de mão-de-obra e de trator foi a contratada por empreita. O valor da irrigação refere-se apenas ao cálculo pelo Método Linear, do custo de depreciação do equipamento de gotejamento, com vida útil estimada de dois anos, e também pela remuneração da mão-de-obra utilizada para ligar a torneira, já que não houve gasto de energia elétrica, pois a água é levada ao reservatório por roda d'água, que vai até os tubos por gravidade. A composição dos custos dos dois compostos foi estimada a partir da sua elaboração, com a utilização de mão-de-obra para revirar e regar as pilhas (6 Homens/Dia) 41 e o frete para o local do plantio (R$ 60,00), preço obtido junto ao mercado de Botucatu, já com mão-de-obra para carregar e descarregar. Para todos os sistemas tomou-se a quantidade de 40 kg de N por hectare, para cálculo das quantidades de composto e NPK. A princípio, a produtividade a ser utilizada nos cálculos de balanço energético e análise econômica seria aquela obtida nesta pesquisa; entretanto, como os resultados de produção não corresponderam às expectativas(1), foram utilizados os valores médios de produtividade do Estado de São Paulo, divulgados no Anuário Estatístico 2002 do Instituto de Economia Agrícola (Secretaria da Agricultura e Abastecimento, 2003). Os preços da batata-doce produzida organicamente foram obtidos junto às empresas Fazenda Santo Onofre e Horta & Arte, as quais, além de produtoras, são distribuidoras de produtos orgânicos obtidos de propriedades certificadas, sendo estes preços, também, utilizados para o sistema biodinâmico, que é no mínimo, igual ao orgânico, tendo geralmente sobrepreço. Para o sistema convencional foram coletados os preços médios anuais publicados na página eletrônica do Instituto de Economia Agrícola (SP), na mesma data daqueles dos outros sistemas, ou seja, outubro de 2003. 5.10.6. Relativas à avaliação energética No presente trabalho, o principal fator de produção que apresentou diferenças quanto à condução do cultivo, foi a adubação, em tipo e quantidade. Tratamentos com N-P-K e com composto orgânico e biodinâmico foram comparados quanto ao consumo de energia, para se testar a hipótese de nulidade do projeto, que é o menor custo energético dos compostos orgânicos. Para satisfazer as exigências das normas de certificação orgânica, também foram suprimidas atividades não permitidas nas Diretrizes das principais certificadoras, o que resulta em menor gasto, no sistema orgânico, com insumos externos, mas maior gasto com mão-de-obra. O cálculo do balanço energético foi dado pela apuração dos itens abaixo: 1-Energia Injetada no Cultivo – EI Trata-se da somatória das energias na forma direta e indireta. As energias diretas são constituídas pelas energias biológica (Ebio), referentes ao trabalho humano e animal e às sementes e mudas; energia fóssil (EFos) do petróleo; e, energia ______________________________________ (1) Ver item 6.4- Análise Econômica do Capítulo 6. 42 hidrelétrica (EEl). A energia indireta (Eind) é relativa à construção de imóveis e à fabricação de máquinas e equipamentos agrícolas, em função da depreciação calculada de acordo com a vida útil desses bens. Tem-se, deste modo, a equação abaixo que representa a energia injetada na agricultura EI: EI = Edir + Eind ou EI = (Ebio + EFos + EEl) + Eind As várias grandezas físicas envolvidas devem ser convertidas em unidade energética, existindo na literatura os coeficientes energéticos calculados para a maioria delas, com um certo grau de dificuldade para determinar aquelas muito específicas, e de energia indireta. 2- Energia Produzida pelo Cultivo – EP Pela fotossíntese, os vegetais têm o poder de captar energia solar e transformar em energia biológica (Energia Primária – Eprim), que por sua vez pode ser utilizada pelos animais, que também a transformam, constituindo a energia secundária (Esec). Então, a energia produzida na agricultura é o resultado da somatória das energias finais primárias e secundárias, que formam a energia final aproveitável do cultivo (EF). 3- Índices de Desempenho Energético Pode-se avaliar como a agricultura transforma a energia externa em energia aproveitável, estabelecendo-se a relação EF/EI, isto é, Energia Final Aproveitável, dividida pela Energia Injetada. Para avaliar o rendimento do processo biológico, ou sua eficiência de transformação energética, estabelece-se a relação Eprim/ EF, isto é, Energia Final de Origem Primária dividida pela Energia Final Aproveitável. O saldo energético é dado pela diferença entre a Energia Final Aproveitável – EF, e a Energia Injetada – EI. É possível quantificar e identificar as energias renováveis e não renováveis utilizadas no processo pela decomposição da Energia Injetada –EI, em energia biológica, energia fóssil e energia industrial, determinando assim a dependência e a sustentabilidade ambiental do sistema. 43 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO 6.1. Análises físico-químicas do solo Pela análise físico-química do solo original do local do experimento, considera-se que este era adequado ao cultivo da batata-doce, conforme descrito na revisão da literatura. O pH, a textura e as quantidades de nutrientes estavam compatíveis com as recomendações para a espécie, por ocasião do plantio (Tabelas 17, 18 a, 18 b e 19). Tabela 17. Análise química do solo do local do experimento. Botucatu, 2003. Al3+ H+Al K Ca Mg SB CTC V% S pH CaCl2 M.O. g/dm3 P resina mg/dm3 Mmolc/dm3 5,2 19 32 1 24 1 22 10 33 57 58 4 Boro Cobre Ferro (mg/dm3) Manganês Zinco 0,20 1,0 49 5,8 1,4 Fonte: Dados da Pesquisa Na colheita (Tabelas 18 a e 18 b), a análise química do solo indica que houve aumento do pH para todos os tratamentos, exceto para os 3 e 4 biodinâmicos que diminuíram e, para o orgânico 1, que se manteve igual à amostra inicial. Pode-se considerar que isto é decorrência da metodologia de retirada de amostra, que por ocasião do plantio, foi composta de toda área e, a amostra posterior à colheita, foi coletada na área de cada tratamento especificamente, sendo que as diferenças já poderiam existir e não serem devidas aos tratamentos. Para Ca e Mg não h