Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP FLÁVIA SALETTI GRECCO DOTOLI DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO À REINSERÇÃO SOCIAL: O PAPEL DO PODER EXECUTIVO PÚBLICO MUNICIPAL NESTE PROCESSO ARARAQUARA – S.P. 2018 FLÁVIA SALETTI GRECCO DOTOLI DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO À REINSERÇÃO SOCIAL: O PAPEL DO PODER EXECUTIVO PÚBLICO MUNICIPAL NESTE PROCESSO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara – como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, sexualidade e diversidade na formação de professores. Orientador: Profa. Dra. Andreza Marques de Castro Leão. ARARAQUARA – S.P. 2018 FLÁVIA SALETTI GRECCO DOTOLI DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO À REINSERÇÃO SOCIAL: O PAPEL DO PODER EXECUTIVO PÚBLICO MUNICIPAL NESTE PROCESSO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara – como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Sexual. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, sexualidade e diversidade na formação de professores. Orientador: Profa. Dra. Andreza Marques de Castro Leão. Data da defesa: 01 / 02 / 2018 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa. Dra. Andreza Marques de Castro Leão Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara Membro Titular: Profa. Dra. Luci Regina Muzzetti Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Rio Claro Membro Titular: Profa. Dra. Ana Cláudia Rebolho Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara AGRADECIMENTOS A Deus por me guiar e me dar a oportunidade de alcançar meus objetivos, mesmo que em dificuldades, a fé e a crença são meus dois pilares na qual me lanço e me apoio. Ao meu marido que hoje pertence ao reino de Deus, aos seus ensinamentos, ao amor eterno e especialmente por ter acreditado e me incentivado, e ainda assim, de onde se deleita e descansa me envolve com sua energia de amor e luz. A minha amada filha Lívia, fruto desse amor, meu amor eterno e a luz que me guia. Ao meu namorado Maurício Furlan que hoje me cerca de motivação e amparo nesta nova etapa, minha eterna gratidão, amor e respeito. A minha Orientadora Andreza Marques de Castro Leão pela sensibilidade e atenção nas orientações, especialmente por estar sempre presente, não somente como uma direção intelectual, mas no que tange a todas emoções que circulam neste cenário. Ao Prefeito Municipal Edinho Silva pelo acolhimento acerca de meu trabalho, notadamente pelo seu humanismo e motivação a todos servidores públicos municipais que se enveredam na vida acadêmica. Ao Secretário de Gestão e Finanças Donizete Simioni e Chefe de Gabinete Alan, pelo eterno carinho e pela motivação na realização desta pesquisa. A banca examinadora Luci Regina Muzzetti e Ana Cláudia Rebolho pelos apontamentos brilhantes para aprimoramento desta pesquisa, pelo tempo que empenharam com dedicação para me instruir, meus agradecimentos eternos e minha gratidão. Agradeço a todas as pessoas que sempre me desejam a felicidade e me motivam nesta caminhada da vida, meu respeito amor e dedicação. RESUMO O presente estudo tem por objetivo conhecer a reinserção social de reeducandas na visão dos integrantes do poder executivo público municipal, investigando dentro disso, se há ações direcionadas à prevenção da reincidência criminal. Investigar se há programas sociais à reinserção social de reeducandas, assim como, trabalhos de prevenção de novos delitos; e, averiguar se há projetos direcionados as reeducandas quando se tornam egressas no Centro de Ressocialização. Este estudo teve como participantes 4 integrantes do poder executivo público municipal, sendo 2 do sexo masculino (Prefeito Municipal e Chefe de Gabinete), e 2 do sexo feminino (Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social). A pesquisa foi realizada na cidade de Araraquara, na Prefeitura Municipal de Araraquara. Como instrumento para coleta de dados, foi aplicado uma entrevista composta por 10 questões abertas com o intuito de verificar ocorrências relacionadas a perspectivas de reinserção social de reeducandas na visão do Poder executivo Público Municipal. Essas questões, para esse estudo, foram escolhidas devido ao universo de reeducandas acerca da reinserção social. Os procedimentos perpassaram pelas seguintes fases: elaboração da entrevista, ocasião em que combinou perguntas abertas e fechadas. No exercício investigativo para coleta dos dados, inicialmente foi realizado um agendamento com os entrevistados para elucidação dos objetivos do projeto de pesquisa e póstumo a este ofício, efetivando a aplicação do instrumento. O procedimento de análise dos dados se deu através da análise do discurso dos sujeitos do presente estudo. Os dados apresentados nas entrevistas e em especial nas categorias e subcategorias apresentam em si uma condição positiva de reinserção, ou seja, em cada tabela surgiram pontuações importantes que denotam as perspectivas de reinserção social, quais sejam: ambiente (espaço), programa, mercado de trabalho e educação, convívio com outras pessoas, acolhimento no trabalho desenvolvido, preconceito, resistência inicial na inserção de reeducandas no programa, cursos, padaria de manipulação, capacitação, segurança alimentar, convênio, amor, maridos/companheiros, crime, abandono, diminuição da reincidência, reinserção social e oportunidade. Desta maneira, ficou notório que o desenvolvimento de uma postura profissional em que há uma preocupação em recuperar-se pessoas reclusas e estigmatizadas é algo de extrema importância tanto para o sujeito que se beneficia, quanto para a sociedade, sobretudo direcionado a diminuição da reincidência criminal e do fortalecimento da inclusão social, portanto, é nesta trajetória que estudos devem se debruçar afim de ampliarmos ainda mais o canal da humanização da pena e da reinserção social. Frente ao exposto, nota-se a necessidade de pesquisas voltadas a conhecer a realidade das reeducandas, sobretudo pensando em articular ações que possam contribuir para a reinserção social das mesmas e no preparo da sociedade para as acolherem. Palavras-chave: Perspectivas. A mulher presidiária. O Centro de Ressocialização. Reinserção social. O poder executivo público municipal. ABSTRACT The present study aims to know the social reintegration of reeducation in the vision of the members of the municipal public executive, investigating within this, if there are actions directed to the prevention of criminal recidivism. To investigate whether there are social programs for the social reinsertion of reeducated ones, as well as, works of prevention of new crimes; and, investigate if there are projects directed to the reeducandas when they become graduates in the Center of Ressocialization. This study had as participants 4 members of the municipal public executive power, being 2 males (Mayor and Head of Cabinet), and 2 females (Department of Development and Social Assistance). The research was carried out in the city of Araraquara, in the Municipality of Araraquara. As an instrument for data collection, an interview was applied composed of 10 open questions with the purpose of verifying occurrences related to the prospects of social reintegration of reeducation in the vision of the Municipal Public Executive Power. These questions, for this study, have been chosen due to the universe of reeducation about social reinsertion. The procedures covered the following phases: interviewing, where you will combine open and closed questions. In the investigative exercise for data collection, a schedule was initially made with the interviewees to elucidate the objectives of the research project and posthumous to this office, effecting the application of the instrument. The data analysis procedure was done through the discourse analysis of the subjects of the present study. The data presented in the interviews and in particular in the categories and subcategories present a positive condition of reintegration, that is, in each table there were important scores that denote the perspectives of social reintegration, namely: environment (space), program, market prejudice, initial resistance in the insertion of reeducated in the program, courses, bakery of manipulation, training, food security, covenant, love, husbands / companions, crime, abandonment, decrease of the recidivism, social reintegration and opportunity. In this way, it became evident that the development of a professional attitude in which there is a concern to recover people reclusive and stigmatized is something of extreme importance both for the subject that benefits and for society, mainly directed at reducing criminal recidivism and the strengthening of social inclusion, therefore, it is in this trajectory that studies must be considered in order to further expand the humanization channel of punishment and social reintegration. In view of the above, we note the need for research aimed at understanding the reality of reeducation, especially thinking of articulating actions that may contribute to their social reintegration and the preparation of society to receive them. Keywords: Perspectives. The convict woman. The Center for Resocialization. Social reinsertion. The municipal public executive power. (Fiz alteração). LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Lotação das reeducandas na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social ..................................................................................................................... 60 Tabela 2 – Lotação das reeducandas na Secretaria da Educação ............................................. 61 Tabela 3 – Lotação reeducandas na Secretaria da Saúde ......................................................... 61 Tabela 4 – Lotação das reeducandas na Secretaria da Cultura ................................................ 62 Tabela 5 – Lotação reeducandas Secretaria de Esportes ......................................................... 62 Tabela 6 – lotação de reeducandas na Secretaria de Planejamento e Participação Popular. ... 63 Tabela 7 – Questão 1: Centro de Ressocialização ................................................................... 88 Tabela 8 – Questão 2: Ações direcionadas pela prefeitura à ressocialização ......................... 91 Tabela 9 – Questão 3: CR e a função de ressocialização ......................................................... 94 Tabela 10 – Questão 4: A identidade feminina ........................................................................ 96 Tabela 11 – Questão 5: A prefeitura municipal e a resistência na integração de reeducandas ........................................................................................................... 99 Tabela 12 – Questão 6: Projeto desenvolvido em relação a inserção no mercado de trabalho ........................................................................................................... 103 Tabela 13 – Questão 7: projeto de fortalecimento das ações ressocializadoras para a inserção das mesmas no mercado de trabalho quando em liberdade? ............. 107 Tabela 14 – Questão 8: Representação Social da mulher reeducanda? ................................. 108 Tabela 15 – Questão 9: Projetos voltados a reinserção social e relação com a diminuição à reincidência criminal ..................................................................... 111 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Curso de Panificação – Reeducandas do CR Feminino de Araraquara. ............... 106 LISTA DE SIGLAS APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados CDP – Centros de Detenção provisória os chamados CPP – Centro de Ressocialização e os Centros de Progressão Penitenciário CR – Centro de Ressocialização DAAE - Departamento Autônomo de Água e Esgoto DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos FUNAP - Fundação de amparo ao preso FUNDART - Fundação de Arte e Cultura FUNDESPORT - Fundação de Amparo ao Esporte FUNGOTA - Maternidade Gota de Leite ONG – Organização Não Governamental ONU - Organização das Nações Unidas PIS - Programa de Incentivo à Inclusão Social PCC - Primeiro Comando da Capital RH – Recursos Humanos SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 10 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 23 2 GÊNERO E SEXUALIDADE ........................................................................................... 30 2.1 A mulher presidiária........................................................................................................ 40 2.2 O centro de Ressocialização ............................................................................................ 42 3 REINSERÇÃO SOCIAL.................................................................................................... 56 4 LEI DE EXECUÇÃO PENAL ........................................................................................... 68 4.1 Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal ................................................... 68 5 O PODER EXECUTIVO PÚBLICO MUNICIPAL ....................................................... 76 6 ANÁLISE E DISCUSSÕES ............................................................................................... 88 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 114 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 117 ANEXO A – QUESTIONÁRIO – CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO ...................... 124 ANEXO B – CRONOGRAMA ........................................................................................... 125 ANEXO C – LEI N. 8867/17 ............................................................................................... 126 10 APRESENTAÇÃO O estudo sobre o comportamento humano sempre me encantou devido à complexidade das emoções e o quanto elas refletem nas ações com o meio, nos transformando e, concomitantemente, modificam o outro. Além dessa argumentação, estudar a Psicologia veio de encontro com um cenário de dor e luto devido ao falecimento de minha mãe, não somente pela angústia, mas pela motivação ao estudo que ela sempre doutrinou. Foram cinco anos de dedicação e muito estudo, que enriquecida com saberes diversos e professores extremamente hábeis que incentivavam no período da graduação a motivação à inserção no Mestrado. Após o término da Graduação iniciei, em 2006, como aluna especial nesta universidade Estadual Paulista (Unesp) na Disciplina de Educação Sexual, ali decorreram-se um ano, mas devido ao início de um trabalho no Sistema Penitenciário – Centro de Ressocialização Feminino e Masculino, careci me ausentar por demandar todo meu tempo, necessitando naquele momento do meu trabalho para me sustentar. Todavia, aquela trajetória marcou minha caminhada, pois dentro de minhas atribuições como Psicóloga me deparei com demandas envolvendo a situação global de uma sentenciada e sentenciado. Nesta trajetória me deparei com duas ferramentas para o exercício profissional o Crime e a Ressocialização, o Crime como o norteador da conduta criminal e a Ressocialização como planejamento interventivo para a recuperação. Assim, neste universo fui navegando profissionalmente e me aperfeiçoando. Aliás, como forma de explanar o contexto acerca do conhecimento do espaço do Centro de Ressocialização Feminino e suas características voltadas ao tratamento oferecido as reeducandas ali reclusas, delinearei acerca da experiência que foi possível absorver enquanto psicóloga no ano de 2006. 11 O primeiro contato com a Instituição CRF (Centro de Ressocialização Feminino) se deu a partir do momento em que fui entregar um currículo para ministrar aula, ou seja, na ocasião havia a possibilidade de lecionar pelo fato de possuir a licenciatura plena para dar aulas. Para tanto, foi possível a entrega do currículo, no entanto, o Coordenador da ONG – Associação de Proteção e Assistência Comunitária (APAC) fez uma advertência inicial, corroborando a importância de um conhecimento prévio da Instituição para a verificação do perfil enquanto profissional, visto que a maioria das pessoas que ali entregavam seus currículos após sua inserção no presídio desistiam imediatamente. Neste contexto, fui realizar a visita ao local pela primeira vez, o que me fez repensar varias vezes se ali era de fato o lugar na qual eu deveria estar. Após ir me sensibilizando com o local, notadamente na ocasião em que o contato com a mulher reclusa era algo permanente, pude verificar que não se tratava de um modelo tradicional como de uma Penitenciária, uma vez que, as presas chamadas por reeducandas eram aquelas que recepcionavam, e orientavam quanto as dependências da prisão. Foi possível observar de imediato uma relação de acolhimento e humanização, apesar de ainda conter grades em determinados locais, pois tratava-se de uma Cadeia Pública anterior a adaptação para um Centro de Ressocialização. Foi possível observar também, naquela ocasião, o quanto a política da ressocialização estava presente, sobretudo pelo fato de me defrontar com uma recepção realizada por reeducandas, um salão de cabeleira para que as mesmas possam se arrumar, cortar seus cabelos e fazerem suas unhas, um local no qual realizam o amparo de um bebê que veio a nascer durante a reclusão, uma sala de visita íntima para a recepção de seus esposos, quartos sem grades na porta, apenas uma porta comum como de nossas residências. Apesar do local ser adaptado a uma Cadeia pública, ainda assim foi possível verificar um espaço de acolhimento, um local de oportunidade para mudanças de conceitos voltados à criminalidade. 12 Além das questões de ambiente, foi possível observar um local na qual a escola funcionava como método de retorno ao estudo das reeducandas e motivação profissional. Naquele local haviam empresas para o fornecimento da mão de obra ao trabalho, ou seja, retorno a atividades laborais e motivação profissional. Por exemplo, havia uma empresa de meias chamada ra-tim-bum, na qual, as reeducandas inseridas no CR confeccionavam estas meias para a empresa, além disso cozinhavam preparando seus próprios alimentos. Ficou notório o quanto o espaço acolhedor e motivador, assim como, uma política ressocializadora era a ancora dos trabalhos ali realizados. Deixando naquela ocasião o Centro de Ressocialização me dirigindo a sede da ONG- APAC, tendo a certeza que me mantinha motivada a desenvolver meu trabalho enquanto profissional. Contudo, a trajetória mudou solicitando o Coordenador a possiblidade de um trabalho incialmente voluntário para posterior contratação. Imediatamente aceitei e fiz minha primeira programação com a Coordenação da ONG e com a direção do CR Feminino. A proposta pedagógica e voluntária se dava na construção de uma peça de teatro sobre Franz de Castro juntamente com as reeducandas produzindo uma história acerca do início da APAC e da política de ressocialização. A escolha por este tema foi norteada pelo fato de acontecer o dia do aniversário de Franz de Castro e ao incentivo a política de ressocialização. Para tanto, foi construído juntamente com as reeducandas a histórias deste homem e, posterior, internalização dos personagens para a composição da peça teatral. Para entendimento da peça teatral, descreverei a história e o marco de Franz de Castro para o entendimento e dimensão do trabalho desenvolvido naquele momento. Franz de Castro Holzwarth nasceu em Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, em 18 de maio de 1942. O mesmo era filho de Franz e Dinorah de Castro, tinha quatro irmãos. 13 Seu pai era um mecânico que chegou ao Brasil na miséria em 1920, após a Primeira Guerra, passando a trabalhar em uma fábrica de fitas em Barra do Piraí. A família sempre foi muito católica, ajudando, inclusive, a construir a Igreja de Santa Terezinha ao lado da casa onde moravam. Sua mãe, responsável pela religiosidade do filho, após passar anos em coma em decorrência de doença degenerativa, faleceu em 2010. Na infância, Franz era um garoto comum, mas desde cedo mostrava bondade em suas ações. Sempre muito ligado à caridade e amor ao próximo, assistia as missas diariamente. Chegou a fazer o seminário, sem ser, contudo, ordenado. Aos 20 anos, em 1962, mudou-se para a casa de uma tia aqui em Jacareí, onde começou a se interessar por advocacia. Em 1963, ingressou no curso de Direito da Fundação Valeparaibana de Ensino, atual UNIVAP, pensando em atuar em causas cíveis. Em 1965 começou a trabalhar como assistente de administração do Juízo de Direito de Jacareí. Formou-se em 1967 e inscreveu-se na OAB em julho de 1968. Foi um brilhante advogado, mas continuava sonhando com o sacerdócio. No ano de 1972, a APAC foi criada em São José e originalmente era uma Pastoral Carcerária que significava “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”. Convidado a ministrar um curso de crisma na cadeia pública de São José, Dr. Franz ficou impressionado e comovido com o sofrimento moral e espiritual dos detentos, passando a defendê-los nos tribunais. Posteriormente, foi um dos pioneiros da APAC, agora Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, sendo vice-presidente na gestão de Mário Ottoboni. Era exemplar sua dedicação no contato e apoio aos presidiários, inclusive nos feriados e fins de semana, quando, dentro das cadeias, pregava a palavra de Deus, num trabalho voluntário de evangelização dos detentos. Defensor inconteste dos direitos humanos teve uma vida repleta de ações em favor 14 dos encarcerados pobres, principalmente em São José e Jacareí, ajudando-os na reintegração à sociedade. Nesta dedicação e apoio aos presidiários, em 1981, durante uma rebelião deflagrada na Cadeia Pública de Jacareí, foi chamado, junto com Mário Ottoboni, para mediar negociações no motim. Dr. Mario conseguiu sair com dois reféns e alguns presidiários num carro oferecido pela Prefeitura. Na saída do outro automóvel, Franz se ofereceu para ficar no lugar de outro refém, um policial militar. Entretanto, a Belina que seria utilizada na fuga, foi atingida num enorme tiroteio. Assim, em 14 de fevereiro daquele ano, juntamente com cinco fugitivos, Franz de Castro, aos 38 anos, foi morto atingido por 30 tiros. As cenas da rebelião foram gravadas pela reportagem da Rede Globo e ganhou repercussão nacional. Conta-se que o Dr. Franz já previa sua morte pois um mês antes havia se despedido de seus amigos mais próximos, inclusive de sua mãe Dinorah. Teria inclusive solicitado a empregada doméstica da casa de sua tia Lygia, onde residia, que queria ser sepultado com o terno marrom. A partir de sua morte, inúmeras homenagens se prestaram ao Dr. Franz. Seu nome foi dado às ruas em Jacareí, São José e Volta Redonda. Além disso, empresta seu nome à Casa de Custódia de Volta Redonda e a algumas pastorais e centros de reintegração social. A OAB/SP também lançou um prêmio que leva o nome do advogado e que laureia anualmente as personalidades que se destacam na defesa dos direitos humanos. Para contar sua história, uma revista, com 40 páginas e tiragem de 80 mil exemplares, intitulada “Franz de Castro Holzwarth – O Mártir da APAC e da Pastoral Penitenciária”, foi lançada pela Diocese de São José dos Campos. Um livro, “O Mártir do Cárcere”, de autoria de seu amigo Mário Ottoboni, também presta uma homenagem ao companheiro, com direitos autorais destinados à causa de sua https://www.youtube.com/watch?v=KsXmaZlT9BU https://www.youtube.com/watch?v=KsXmaZlT9BU 15 beatificação. Até um site foi lançado: http://www.franzdecastro.com.br. (Jacareí a cidade em um clique, 2017, para. 1-7). Dentro desta história de Franz de Castro foi construído uma peça teatral, no qual as reeducandas escolheram a protagonista para interpretação do papel de Franz de Castro e Mario Ottoboni, e composição de reeducandas simulando a rebelião que ocorreu em 1981. A dedicação das reeducandas era visível, decoravam o texto e confeccionaram o cenário todo para a apresentação. Foi um mês de ensaio até a chegada da data da apresentação. Após os ensaios as reeducandas abriram um espaço para discussão da história colocando as suas interpretações, angustias e receios quanto ao ocorrido na época. Chegando prestes ao dia da apresentação, observa-se uma ansiedade extrema por parte das reeducandas, as mesmas verbalizavam que aquele momento era um momento de honra e respeito a Franz de Castro, sobretudo pelo fato do mesmo se doar a causa e fortalecer o meio em que no momento se encontravam reclusas. Todo cenário construído pelas reeducandas tinha um toque de alegria, costuravam em conjunto o fundo para compor o cenário, as roupas que as mesmas utilizariam na cena da rebelião, bem como a maquiagem e as bexigas que simulariam os tiros e mortes. No dia da apresentação o ambiente do centro de ressocialização se encontrava em festa, todas as reeducandas se preparando para a apresentação e muita ansiedade. No dia estavam presentes, autoridades do CR Feminino, da ONG (APAC), delegado de policia, Juiz da execução criminal e convidados externos. A apresentação foi um sucesso, bem como com muita emoção, ou seja, as reeducandas se emocionaram assim que terminaram a apresentação e cantaram um hino gospel intitulado “Pai”. http://www.franzdecastro.com.br/ 16 Após a conclusão deste trabalho logo foi minha colação de grau podendo assim trabalhar como Psicóloga. Fui contratada e iniciei meu trabalho profissional na área de psicologia. Realizava triagem de presos e presas em cadeias públicas e penitenciárias da região. As triagens eram demoradas visto que a avaliação perpassava por critérios rígidos, avaliando vínculo com o crime, vinculo familiar, perfil para reabilitação e desejo em recuperação. Era notório a mudança de comportamento na ocasião da inclusão de mulheres quando aprovadas na triagem no CR Feminino. Na penitenciaria usavam uniformes rotuladores, ficavam de cabeça baixa e só respondiam quando verbalizavam o número da matricula, não respondiam pelos seus nomes. Quando as mesmas eram incluídas no CR Feminino, assim que adentravam ao Centro de Ressocialização passavam pelo grupo de acolhimento para necessariamente desrotular uma identidade impregnada pela penitenciária, instalando novos repertórios ressocializadores. A mudança era notória no terceiro dia, na ocasião em que chamávamos pelo nome e inseríamos em um trabalho profissional. O ambiente hostil da penitenciaria se modificava no momento em que a oportunidade de inclusão no CR feminino se tornava oportuno. Na trajetória, enquanto psicóloga do Centro de Ressocialização, em meio a muitos trabalhos englobando o trabalho motivador ocorria a reinserção social. A prefeitura de Araraquara em 2005 firmou um convênio junto ao CR Feminino para inclusão de reeducandas ao trabalho. Este projeto se perdura até o momento, abrangendo ao Centro de Ressocialização Masculino, e está inserido pela gestão atual do governo municipal. Em 8 de março de 2017 foi firmado o convenio com CR feminino, segundo o site G1, o convênio tem por objetivo ampliar vagas de trabalho para reeducandas de Araraquara no programa de contratação de mão de obra do Centro de Ressocialização Feminino (CR). O número de vagas abertas para a inclusão de reeducandas passou de 20 reeducandas para 70 17 mulheres em cumprimento de pena em regime semiaberto, dando a oportunidades das mesmas se reinserirem no mercado de trabalho. Cabe relatar que neste projeto as reeducandas que fossem contempladas passariam por um curso de formação recebendo uma boa-auxilio para exercerem as atividades de trabalho voltadas a limpeza, conservação e manutenção em próprios municipais. Este projeto além da ampliação da vaga para o exercício profissional possui também a oferta de qualificação profissional para aquelas que se mostrarem interessadas, os cursos ministrados em primeiro lugar segundo o G1 seriam: pizzaiolo, padeiro, salgadeiro e corte costura. Na publicação ao site G1 a Diretora Técnica de Divisão fez observações importantes acerca da reclusão das reeducandas, a natureza em si que demandou a iniciação ao crime, vejamos: Muitas vezes, elas estão aqui por causa dos companheiros, maridos, namorados. E o homem abandona, nem vem visitá-las. Embora elas paguem pelos erros, o julgamento já foi. Procuramos devolvê-las melhores do que entraram. Elas erraram, sim, mas voltam com dignidade para a sociedade e renascem para a vida (. . .). (Jucélia citado por G1 São Carlos e Araraquara, 2017, para. 7). Quanto a reincidência Criminal a Secretaria de Planejamento e Participação popular da Prefeitura municipal delineando que o projeto possui um enfoque social, e busca ampliar as oportunidades para as mulheres, além de fortalecê-las e valorizá-las diante da sociedade, da família e de si mesma. Corrobora acerca da reincidência Criminal afirmando que, 18 Ao promover a reinserção na sociedade por meio de formação e acesso à renda, o projeto possibilita ainda que essas mulheres vislumbrem um futuro melhor, visando consequentemente a diminuição da reincidência criminal, que já é baixa, porque este projeto e exitoso (. . .). (Jucélia citado por G1 São Carlos e Araraquara, 2017, para. 8). De acordo com Chrispim (2017), em 11 de maio de 2017 a prefeitura de Araraquara celebrou o contrato firmado com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, por meio da Funap (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso “Dr. Manoel Pedro Pimentel”, o projeto prevê a reinserção social e produtiva de reeducandos dos Centro de Ressocialização (CR) masculino e feminino. De acordo como diretor do CR, de início serão abertas 55 vagas aos presos do regime semiaberto em diversas secretarias da prefeitura municipal, onde eles desenvolverão trabalhos nos setores de recepção, limpeza e conservação, entre outros. Salientou nesta ocasião que dos 210 reeducandos da unidade, 180 já trabalham e todos estudam. Corroborou o diretor explicando que o CR Masculino mantém uma parceria com uma fábrica de blocos de concreto e uma indústria de mercadorias voltadas para animais de estimação, que ficam ao lado da unidade. Cabe relatar que a Fundação de amparo ao preso (FUNAP) representa tanto para o CR Feminino quanto para o CR masculino um importante trabalho na reinserção de reeducandas e reeducandos na sociedade, sobretudo por desenvolver cursos de capacitação objetivando ajudá-los na reinserção do mercado de trabalho, afastando a hipótese de reincidência criminal. Além de cursos profissionalizantes a FUNAP também proporciona o Clube da leitura feito em parceria com a Fundação Palavra Mágica. Este clube é formado por grupos para realização de leituras e debates de temas descritos nos livros entre eles e um mediador. 19 Observa-se na publicação que de fato os cursos aconteceram e possuíram excelentes resultados, como se menciona a seguir. No site a Cidade On Araraquara (2017) confirma o quanto a capacitação profissional e um trabalho focado na reinserção social é de extrema importância para prevenção da reincidência e preparação de reeducandas para estarem em liberdade. Deste modo, verifica-se que no tema da publicação uma expressiva motivação circulando as reeducandas no que tange aos projetos e cursos oferecidos. O tema fixado no site para criação do mesmo, refere a Reeducandas que se formam em curso e sonham com um futuro profissional, parceria da Prefeitura com o Centro de Ressocialização Feminino. Cabe referir que este projeto qualificou e contemplou acerca de 60 reeducandas. Na publicação mencionam acerca do curso de panificação que formou a terceira turma em 13 de setembro de 2017, relatam que cerca de 60 reeducandas já concluíram o curso de qualificação profissional, que tem por objetivo a facilitação a reinserção do mercado de trabalho após o cumprimento da pena, ou seja, quando egressas na sociedade. Esta atividade mantém uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Araraquara, por meio da Coordenadoria de Segurança Alimentar (Vinculada a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social), juntamente com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e Fundação de amparo ao preso (FUNAP). Retomando a ocasião em que atuei como psicóloga no Centro de Ressocialização. 5 anos se passaram e em 8 de novembro a equipe da ONG aguardavam a renovação do convênio junto ao Estado, no entanto, infelizmente não ocorreu a renovação, tendo assim que acabarmos com o trabalho multidisciplinar, deixando o local e as atividades voltadas a ressocialização. Inquieta com ações voltadas a trabalhos de reabilitação, fui tentar a eleição do Conselho Tutelar, ocasião em que ocorreu tudo certo, sendo eleita. No Cenário voltado a ações do Conselho Tutelar, muitas das vezes me defrontei com problemas voltados a crianças 20 e familiares que possuíam seus filhos reclusos, e mulheres em risco da perda da guarda de suas crianças, pelo fato do uso de drogas e prisão. Foi um ano de trabalho e logo fui chamada para o concurso público da Prefeitura Municipal onde exerço minhas atribuições até o momento. Assumindo a prefeitura como psicóloga de um ambulatório em saúde mental do adulto logo imaginei que ali perpassavam diagnósticos psiquiátricos prévio e atendimentos focais na análise do comportamento, lei do engano, ali passavam mulheres silenciadas por violências também sexuais que gritavam por ajuda, mas que desvendasse o silencio decorrido da usurpação do corpo e da dilaceração de sua mente. Novamente me encontrava com aquele cenário da violência sexual, contudo no que concerne na recuperação de uma alma perdida e um corpo violentado, mas um trabalho com outra faceta com novos objetivos, e dentro disso me fez refletir e repensar a necessidade de uma pesquisa e anunciação de projetos de prevenção. Foram criados grupos terapêuticos para as intervenções neste âmbito e atividades lúdicas com a Terapia Ocupacional, como método de trabalho multiprofissional, tanto para o auxílio dos casos envolvendo violência como daqueles diagnosticados como Transtornos psiquiátricos. Após um ano neste departamento, fui convidada a exercer a função de apoiadora em saúde mental, articulando toda Rede Básica e Programa de Saúde da Família. No presente momento me encontro desempenhando a função de Gerente de Desenvolvimento em Recursos Humanos (RH) e após três meses nomeada como Coordenadora Executiva de recursos humanos, ocasião em que fui convidada pela Administração para o desempenho da função, bem como, impetrando uma nova política de Recursos Humanos que possua uma escuta analítica do servidor público municipal em seu adoecimento, expectativas e motivação para o trabalho. 21 A inserção ao Mestrado Profissional foi determinada tanto pela motivação anterior em 2006 quanto pela inquietação em pesquisar o campo fértil consolidado no tocante a reclusão, bem como atrelado a experiência profissional que possui anteriormente. Para tanto, para reforçar, o interesse em realizar esta pesquisa surge desde 2006, mediante um trabalho que pude realizar como psicóloga em um Centro de Ressocialização Masculino na cidade de Araraquara, ocasião em que mantive contato direto com transgressores sexuais e crimes de outras naturezas. O desejo vem de encontro com a busca de metodologia de tratamento para prevenção de crimes, sendo eles hediondos ou não, bem como, impedir a reincidência criminal. Deste modo, com o desenvolvimento de trabalhos voltados a análise funcional do comportamento do detento, bem como, trabalhos com grupos terapêuticos enfocando a história pregressa ao crime estendendo-se a reinserção social. Fui compreendendo, a partir disso, a necessidade de entender o quanto a Institucionalização sem respaldo para a Ressocialização torna-se um instrumento facilitador para reincidência ao crime em si e outros delitos. Por isso a importância e o entendimento do sujeito e a natureza do crime como um disparador de ações terapêuticas. Diante disso, algumas questões me inquietaram, tais como: • Como os integrantes do Poder executivo público percebem a reinserção social das reeducandas?; • Há alguma ação por parte dos mesmos, voltado para a prevenção de reincidência criminal? Se há, que ações são estas? Se não, por que isso ocorre? Ainda nesta trajetória a pesquisa inicialmente objetivava entrevistar as reeducandas que trabalham na Prefeitura Municipal de Araraquara, a fim de verificar em seus relatos o quanto o programa social de reinserção social contribui em sua formação enquanto mulher e 22 profissional e, se ações como estas refletem em suas vidas satisfatoriamente e na ocasião em que se beneficiam da concessão do regime aberto. Contudo, não foi possível pela demora na liberação de autorização pelo Sistema Penitenciário. Sendo assim, pautando-se nestas questões, o presente projeto foi delineado visando averiguar a ótica do poder Executivo Público Municipal e Reeducandas acerca da reinserção social, investigando se o tratamento realizado no Centro de Ressocialização (CR) e o trabalho oferecido às mesmas tornam-se eficazes no processo de ressocialização. Busca-se através do mesmo sanar estas questões, lembrando que este assunto é de natureza complexa e necessita ser compreendido e, (quiçá), sanado. 23 1 INTRODUÇÃO Comumente se tem uma ideia do presídio ou unidade prisional como um sistema fechado, no qual os indivíduos que ali estão cumprem pena em virtude de suas infrações. De fato, este sistema vai além disso, há múltiplos aspectos envolvidos no mesmo. Aliás, além das unidades prisionais há os Centros de Ressocialzação (CRs). Cury e Vaqueiro (2001), faz menção acerca da diferença que que existe entre os Centros de Detenção provisória os chamados (CDPs), Penitenciária Compacta, Centro de Ressocialização e os Centros de Progressão Penitenciários (CPPs). Segundo os referidos autores: A Casa de Detenção do Carandiru foi projetada para receber os presos que aguardavam julgamento. Entretanto, os governos anteriores não construíram um número de penitenciárias suficiente para abrigar os detentos que cumpriam pena. De acordo com o secretário estadual da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, as pessoas que eram julgadas na Casa de Detenção acabavam permanecendo no mesmo local. Consequentemente, os Distritos Policiais, que deveriam receber pessoas que passariam a noite ou, no máximo, o fim de semana, até que fossem liberadas ou encaminhadas para a Casa de Detenção, foram inchando, explicou. (para. 1). Comentam ainda que além esforço para criação de vagas prisionais, o governo de Mario Covas, Governador do estado de São Paulo naquele contexto, criou um sistema para impedir a permanência de presos nos distritos policiais. Nesse modelo foram criados os Centros de Detenção Provisória (CDPs); as Penitenciárias Compactas; os Centros de 24 Ressocialização e os Centros de Progressão Penitenciária. No tocante as distinções entre eles comentam que os Centros de Detenção Provisória (CDPs) – Locais onde ficam os presos que aguardam julgamento. São pequenas unidades com cerca de 300 vagas. Penitenciária Compacta – Após o julgamento, de acordo com a pena, os condenados seguem para uma penitenciária de regime fechado, semiaberto ou para uma Penitenciária Compacta. Esta é como um CDP, mas com característica de penitenciária, com cozinha, oficinas e salas de aula. Centros de Ressocialização de Presos – Unidades localizadas em cidades médias do Interior para abrigar presos primários e de baixa periculosidade. Esses Centros abrigam tanto detentos em regime semiaberto como fechado. Centros de Progressão Penitenciária (CPPs) – Local específico para abrigar os detentos que cumprem o final da pena. Em regime semiaberto, esta é a penúltima etapa da sentença. Depois, o preso tem liberdade condicional ou vai para o regime aberto. (Cury & Vaquero, 2001, para. 3-6). As diferenças são importantes no que tange ao tratamento oferecido através da individualização da pena de trabalho como norteador do processo de ressocialização. Posto isto, o objetivo da presente pesquisa é conhecer a reinserção social de reeducandas na visão dos integrantes do poder executivo público municipal, investigando dentro disso, se há ações direcionadas à prevenção da reincidência criminal. O objetivo específico, investigar se há programas sociais à reinserção social de reeducandas, assim como, trabalhos de prevenção de novos delitos; e, - Averiguar se há projetos direcionados as reeducandas quando se tornam egressas no Centro de Ressocialização. 25 O Trabalho é composto por três capítulos, no primeiro será abordado sobre Gênero e Sexualidade compondo em seus subitens assuntos sobre a mulher presidiária e o centro de ressocialização; o segundo capítulo a Reinserção Social, e em seus subitens a Lei de execução Penal, aplicação desta lei, e como último capítulo será discutido acerca do Poder Executivo Público Municipal. Este estudo teve como participantes 4 integrantes do poder executivo público municipal sendo 2 do sexo masculino e 2 do sexo feminino (Poder executivo Público). Os participantes são o Poder executivo público e representantes do governo, sendo, Prefeito Municipal, uma Secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, um Chefe de Gabinete do Prefeito Municipal e uma Assistente Social. A pesquisa foi realizada na cidade de Araraquara, na Prefeitura Municipal de Araraquara. Como instrumento para coleta de dados, foi aplicado uma entrevista composta por 10 questões abertas com o intuito de verificar ocorrências relacionadas a perspectivas de reinserção social de reeducandas na visão do Poder executivo Público Municipal. Essas questões, para esse estudo, foram escolhidas devido ao universo de reeducandas acerca da reinserção social. A entrevista tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa. Para tanto a opção pela entrevista concerne ao fato da mesma abranger os mesmos itens do questionário (Leão, 2012). Para a elaboração do questionário pretendeu-se inicialmente um estudo da literatura acadêmica, buscando, concomitantemente, o auxílio de profissionais da área a fim de asseverar a concordância quanto aos aspectos a serem abrangidos. Cabe ressaltar que foi utilizado um roteiro semiestruturado, que combinou perguntas fechadas e abertas tendo o entrevistado a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão 26 sem se prender à indagação estabelecida, ou seja, o roteiro foi utilizado apenas como um guia, servindo de orientação para a entrevistadora, podendo a qualquer momento intervir quando considerar cabível na aquisição de informações eficazes (Leão, 2012). Procedimento de coleta de dados: No exercício investigativo, para a captação do fenômeno na sua dinâmica, em busca de reunir um corpus qualitativo de informações, levou- se em conta critérios a seguir: Primeiramente realizou-se um agendamento com os entrevistados para esclarecimento e objetivos do projeto de pesquisa, sendo elucidados, neste momento acerca dos critérios éticos, sobretudo, da presença do termo de consentimento atrelado. Esse documento se compromete com a ética do anonimato solicitando a anuência dos participantes para que os mesmos possam ser aplicados na elaboração deste estudo. Posterior a concretização dos critérios documentais, deu-se a aplicação da entrevista semiestruturada. O percurso metodológico da presente pesquisa será a análise de conteúdo embasada na teoria de Bardin (1977), definindo temas, categorias e subcategorias para discussão sobre os dados apresentados. As categorias e subcategorias estarão elencadas em uma tabela. Para análise, após a realização da análise do conteúdo, será elaborada uma tabela para melhor elucidação dos dados coletados. Segundo Santos (2012), a análise do conteúdo é o desvendar crítico. A autora discorre que estudos sobre análise do conteúdo versam acerca de diferentes fontes de dados, quais sejam, material jornalístico, discursos políticos, cartas, publicidades, romances e relatórios oficiais. Ainda nesta acepção, a autora pondera enfatizando que no âmbito da análise do conteúdo discussões foram surgindo acerca das suas diferentes funções. Primeiramente uma das funções que se diferenciavam era a que ficou conhecida como função heurística, 27 objetivando a análise do conteúdo e enriquecendo a tentativa exploratória, e a outra como função de administração da prova, que constatava se os achados da análise eram verdadeiros ou não. Também nesta vertente enfatizavam-se as diferenças na técnica de análise do conteúdo nas abordagens qualitativa e quantitativa. Proferiu ainda que nas pesquisas qualitativas, o referencial era a apresentação ou a ausência de características de um dado fragmento, ao passo que nos estudos quantitativos, o referencial era a frequência (dados estatísticos) com que apareciam determinadas características do conteúdo (Santos, 2012). A primeira fase da análise se constitui na pró-análise do material, ou seja, é desenvolvida para sistematizar as ideias iniciais colocadas estabelecendo previamente as categorias e subcategorias para a interpretação das informações coletadas. A fase compreende a leitura geral do material eleito para a análise. Segundo Silva e Fossá (2015) esta fase compreende em: Leitura flutuante: é o primeiro contato com os documentos da coleta de dados, momento em que se começa a conhecer os textos, entrevistas e demais fontes a serem analisadas; b) Escolha dos documentos: consiste na definição do corpus de análise; c) Formulação das hipóteses e objetivos: a partir da leitura inicial dos dados; d) Elaboração de indicadores: a fim de interpretar o material coletado; É importante ressaltar que a escolha dos dados a serem analisados, obedeça a orientação das seguintes regras: • Exaustividade: refere-se à deferência de todos os componentes constitutivos do corpus. Bardin (1977) descreve essa regra, detendo-se no fato de que o ato de exaurir significa não deixar fora da pesquisa qualquer um de seus elementos, sejam quais forem as razões. 28 • Representatividade: no caso da seleção um número muito elevado de dados, pode efetuar-se uma amostra, desde que o material a isto se preste. A amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte representativa do universo inicial (Bardin, 2011). • Homogeneidade: os documentos retidos devem ser homogêneos, obedecer a critérios precisos de escolha e não apresentar demasiada singularidade fora dos critérios. • Pertinência: significa verificar se a fonte documental corresponde adequadamente ao objetivo suscitado pela análise (Bardin, 1977), ou seja, esteja concernente com o que se propõem o estudo. Concluída a primeira fase, acima descrita, parte-se para a exploração do material, que constitui a segunda fase. A exploração do material consiste na construção das operações de codificação, considerando-se os recortes dos textos em unidades de registros, a definição de regras de contagem e a classificação e agregação das informações em categorias simbólicas ou temáticas. Bardin (1977) define codificação como a transformação, por meio de recorte, agregação e enumeração, com base em regras precisas sobre as informações textuais, representativas das características do conteúdo (p. 3). Realizada a primeira fase, a segunda fase consistirá em explorar o material, e esta exploração consisti na construção das operações de codificação, considerando os recortes do texto em unidades de registro. As unidades de registro instruída foi através de uma tabela contendo a temática, e colunas contendo as categorias e subcategorias. Conforme Silva et. al. (2015) aponta nesta fase o texto das entrevistas, bem como, todo material coletado é recortado em unidades de registro, por exemplo, tomar-se-ão, como 29 unidades de registro, os parágrafos de cada entrevista, assim como textos de documentos ou anotações de diários de campo. Salienta os autores, Desses parágrafos, as palavras-chaves são identificadas, faz-se o resumo de cada parágrafo para realizar uma primeira categorização. Essas primeiras categorias, são agrupadas de acordo com temas correlatos, e dão origem às categorias iniciais. As categorias iniciais, são agrupadas tematicamente, originando as categorias intermediárias e estas últimas também aglutinadas em função da ocorrência dos temas resultam nas categorias finais. Assim, o texto das entrevistas é recortado em unidades de registro (palavras, frases, parágrafos), agrupadas tematicamente em categorias iniciais, intermediárias e finais, as quais possibilitam as inferências. Por este processo indutivo ou inferencial, procura-se não apenas compreender o sentido da fala dos entrevistados, mas também buscar-se-á outra significação ou outra mensagem através ou junto da mensagem primeira. (p. 4). 30 2 GÊNERO E SEXUALIDADE Para contextualizar a mulher nesta pesquisa, torna-se importante proferir acerca da história do feminino como base e sustentação deste trabalho. Nesta acepção mencionarei a autora Colling (2004) no que tange a história das mulheres, enfatiza a autora que esta história é algo recente, visto que desde o século XIX, na ocasião em que a História se transforma em disciplina científica, o espaço da mulher dependia das representações dos homens, que por delongo tempo foram os únicos historiadores. Ainda na década de 60, mulheres desejavam contar a suas histórias, contudo olharam para trás e verificaram a ausência da história, era apenas uma representação do olhar masculino. Para tanto, delinear sobre o feminino é discorrer acerca das representações que ocultaram este feminino ao longo da história. Outrossim, a autora discorreu enfatizando que tais historiadores hierarquizaram a História dispondo que (. . .) o masculino aparecendo sempre como superior ao feminino. A universalidade do “eles” mascarou o privilégio masculino, aparecendo como uma neutralidade sexual dos sujeitos. Como contar a sua história sob este universalismo que negava a diferença entre os sexos? Como contar suas experiências se englobadas num sujeito único universal? Os historiadores fizeram a historiografia do silêncio. A História transformou-se em relato que esqueceu as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, fora do acontecimento. Elas, porém, não estão sozinhas neste silêncio-profundo. Elas estão acompanhadas de todos aqueles que foram marginalizados pela História, como os negros, os índios, os velhos, os homossexuais, as crianças, etc. Escrever a história das 31 mulheres, portanto, é libertar a história. Libertar a história das amarras das metanarrativas modernas, falocêntricas. Sempre existiu um trabalho incessante para contar às mulheres, contar a história das mulheres, numa tentativa de chegar o mais próximo possível de suas vidas no cotidiano. (Colling, 2004, p. 31). De acordo com a autora, a mulher foi construída como uma natureza feminina, ou seja, ao balizar o espaço privado e doméstico. Ao delimitar o espaço privado e doméstico, colocam a função de esposa e mãe como a única fonte digna e possível de ser feminino, isto é, a mulher, encarceram a mulher em seu lar, tirando o direito da voz e do poder, tornando-a a representatividade do anjo e rainha do lar, um lar e uma figura santificada enclausura-se a mulher no lar, sem acesso à palavra (a palavra pública, do poder) e cria-se a representação de “anjo e rainha do lar”, figura e lar sagrado, conotações compreendida pela mulher como uma homenagem advinda de seu companheiro (Colling, 2004). Para ponderar sobre a mulher reclusa, como proposta dessa dissertação, e as implicações da ressocialização enquanto reconstrução da identidade, colocando-as no cenário da possibilidade de ser e estar articulada ao meio, como um ser social e isonômico, torna-se necessário esboçar acerca da sua identidade enquanto gênero e sexualidade, e neste sentido, é oportuno discorrer que esta relação se dá através de uma construção e de inúmeras aprendizagens práticas, especialmente dos empreendimentos de instâncias sociais e culturais (Louro, 2008). É importante aludir conforme a autora que há mais de 50 anos, uma mulher chamada Simone de Beauvoir sacudiu a poeira dos meios intelectuais na ocasião em que mencionou a frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. (Louro, 2008, p. 18). Esta expressão causou um impacto importante, ganhando seu espaço no mundo com esta frase, ou seja, mulheres das mais variadas posições, sendo elas, militantes e estudiosas, utilizaram esta frase como forma 32 de adverti-las como um ser no mundo, e que ser e estar não resultava de um ato único, inaugural, mas que perpassava pela construção, isto é, Fazer-se mulher dependia das marcas, dos gestos, dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de uma dada cultura. Muita coisa mudou desde o final dos anos 1940 (quando Beauvoir publicou o seu Segundo sexo) e o fazer-se mulher transformou-se, pluralizou-se, de há mais de cinqüenta anos (. . .). (Louro, 2008, pp. 17-18). Para tanto, de certa maneira a frase em si tornou-se como uma espécie de gatilho para provocar um conjunto de reflexões e teorizações, vivaz e fecundo, polêmico e disputado, não somente no que concerne o feminismo e dos estudos de gênero, mas também, no campo onde norteia a sexualidade. De acordo com Louro (2008), a construção dos gêneros e das sexualidades se dá através de inesgotáveis aprendizagens e práticas, é empreendida por instâncias sociais e culturais, quais sejam, família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. É um processo meticuloso, astuto e inacabado. Dentro deste processo e da pesquisa em que se debruça, outras instâncias também se tornam importantes no tratar os desiguais como iguais, as mulheres presas como uma mulher livre e articulada em seu meio no tocante ao seu processo de semiliberdade e após sua reclusão. É salutar proferir que a cidade de Araraquara se fortalece neste segmento enquanto instâncias no processo constitutivo, isto é, a Prefeitura Municipal de Araraquara torna-se um 33 centro articulador importante na tradução dessa mulher presa, na mulher possível e preparada para a liberdade, ou seja, dando o direito a muitas para seu reinserir e estar, retomando no seio interno de cada reducanda sua possibilidade de gênero e sexualidade. Conforme Louro (2008) aponta, as transformações são inerentes à história e à cultura, contudo, (. . .) nos últimos tempos, elas parecem ter se tornado mais visíveis ou ter se acelerado. Proliferaram vozes e verdades. Novos saberes, novas técnicas, novos comportamentos, novas formas de relacionamento e novos estilos de vida foram postos em ação e tornaram evidente uma diversidade cultural que não parecia existir. Cada vez mais perturbadoras, essas transformações passaram a intervir em setores que haviam sido, por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais. (p.19). Nesta acepção, em escassos anos, foi se tornando possíveis novas e produtivas tecnologias, violação de categorias, bem como de fronteiras sexuais e de gênero, além de instigantes articulações corpo-máquina. Ainda ocorreu a desestabilização de antigas e sólidas certezas, subvertendo as formas de gerar, de nascer, de crescer, de morrer e de amar. Ocorreram as inversões, ou seja, pessoas anteriormente inatingíveis tornaram-se acessíveis pelo simples toque do computador. E nesta direção, se afirma que as relações afetivas e amorosas passaram a ser vivenciadas no âmbito virtual, relações nas quais o anonimato e troca da identidade é parte do jogo de se relacionar. Outrossim, torna-se impossível o desprezo dos efeitos das transformações, visto que constituem novas maneiras de existir para todos, mesmo para aqueles que ainda não experimentaram tais experiências de modo direto (Louro, 2008). 34 Louro (2007) discorre em seu outro artigo “Gênero, sexualidade e educação: das afinidades políticas às tensões teórico-metodológicas” acerca da intolerância da convivência com um sistema de leis, normas, preceitos jurídicos, religiosos, orais ou educacionais que discriminam os sujeitos pela escolha, modo, expressões, desejos e prazeres de ser homem ou mulher, colidem e não correspondem com o que é “normal”. A autora coloca que é um sentimento comum entre as estudiosas/os que possuem a consciência e da necessidade da reflexão sobre questões de gênero e sexualidade. Contudo, apesar das infinitas afinidades políticas entre os intelectuais que se debruçam a estes estudos, ainda são diversas as formas de o que improvisar face a tal horizonte político. No entanto, embora sejam inegáveis as afinidades políticas entre os/as intelectuais que se dedicam a tais estudos, são muitas e distintas as formas de idealizar o que perpetrar face a tal universo político. Desta maneira a autora profere esclarecendo que a (. . .) diversidade teórica e metodológica, bem como a pluralidade de práticas pedagógicas ou de intervenção, são discutidas e compreendidas, neste artigo, como indicadoras da vitalidade desses campos disciplinares, simultaneamente teóricos e políticos (Louro, 2007, p. 201). Assim sendo, manter a problemática de que a construção social se dá através de um corpo, significa colocar em evidência a existência de um corpo existindo antes ou fora da cultura. De acordo com Louro (2007) identificar ou nomear um corpo (desde o nascimento, ou até antes, utilizando de técnicas prospectivas), abrolha-se, seguramente no âmbito da cultura, por meio das linguagens que a cultura disponibiliza e, deve-se conjecturar, que a mesma é monopolizada pelos valores que tal cultura adota. 35 Nesta trajetória torna-se importante entender como as frentes feministas conseguem neste sentido, na ocasião em que a instituição do gênero não é meramente a descrição de um corpo, no que efetivamente faz existi-lo, ou seja, o corpo só se tornaria acessível no contexto onde há cultura e linguagem. “Vale registrar que esse entendimento não é assumido por todas as teóricas/os do campo e talvez se constitua num dos pontos de fricção entre as várias correntes dos estudos de gênero e de sexualidade.” (Louro, 2007, p. 209, itálico da autora). Para tanto, é importante refletir que nos campos em que circulamos do gênero e da sexualidade, poder e diferença são questões cíclicas. Os processos de constituição onde colocam como prática sexual como normal (prática a ser adotada por todos), bem como outras práticas como desviantes ou anormais ocorrem, em meio e por meio de jogos de poder. Para compreender esta dimensão como se constituem identidades e práticas sexuais e de gênero, notadamente bem perceber a “força” e eficiência de pedagogias culturais, será necessário e correspondente pensarmos o poder como difundido, multifacetado e fecundo, ao invés de afadigar-se com uma noção de poder centralizado, unidirecional ou meramente repressivo (Louro, 2007). Para a autora Porchat (2004), os movimentos de mulheres e os Feminismos transitaram por caminhos que podem ser dialogados das mais diversas formas, bem como sob diferentes olhares, contudo, as estudiosas em sua maioria registram esta história mencionando uma primeira e segunda ondas do movimento feminista, ou seja, a primeira interliga-se, sobretudo, ao redor do movimento sufragista1 que solicitava o direito de voto as mulheres, iniciando praticamente no Brasil, com a Proclamação da República em 1890, esfriando a partir do momento quando se deu direito ao voto estendendo a mulheres brasileiras, na constituição de 1934. 1 O movimento pelo sufrágio feminino é um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres. Participam do sufrágio feminino, mulheres ou homens, denominados sufragistas (Wikipédia, a enciclopédia livre, 2017). 36 Não obstante, a autora possuiu interesse maior em explorar os movimentos que foram desencadeados pela segunda onda feminista, sem desconsiderar a importância dos movimentos políticos da primeira onda. De acordo com a autora, a segunda onda foi engendrada nos países ocidentais mencionando que no (. . .) no contexto pós-segunda guerra e fortaleceu-se especialmente nos anos 60 e 70 do século XX, no contexto de intensos debates e questionamentos desencadeados por movimentos de contestação (intelectual e política) americanos e europeus que culminaram, na França, com as manifestações de maio de 1968. No Brasil, ela se associa, também, à eclosão de movimentos de oposição aos governos da ditadura militar e, depois, aos movimentos de redemocratização da sociedade brasileira, no decorrer dos anos 80. Estes movimentos remeteram, principalmente, à necessidade de investir mais em produção de conhecimento e estimularam o desenvolvimento sistemático de estudos e de pesquisas que tivessem como objetivo não só denunciar, mas, sobretudo, compreender e explicar a subordinação social e a invisibilidade política a que as mulheres vinham sendo historicamente submetidas (Meyer, 2004, p. 14). A pretensão com tais investimentos se firmava na ampliação e qualificação de formas de intervenção, com a permissividade de se aprofundar o confronto com tais condições. Ainda neste contexto, nas quatro últimas décadas, as estudiosas encaminharam a academia temas e fontes para se investigar, até então tidos como menores e não liberados pelo protótipo científico em vigência, podendo assim citar temáticas e fontes que se atrelam ao cotidiano, à família, à sexualidade e ao trabalho doméstico, assim como, dentre outras. 37 Observa-se que tais temas e fontes estão sendo inseridos de maneira gradativa, mas nem sempre com uma conotação entoada, sobretudo, nos campos disciplinares e profissionais de diferentes níveis de ensino e instituições, de pesquisa, assim como, nas agendas curriculares. Desta maneira, conforme cita a autora no contíguo dos movimentos teóricos e políticos plurais, o gênero passa a seguir sendo incorporado de duas maneiras distintas e conflitantes, ou seja, Por um lado, gênero vem sendo usado como um conceito que se opõe – ou complementa – a noção de sexo biológico e se refere aos comportamentos, atitudes ou traços de personalidade que a(s) cultura(s) inscreve(m) sobre corpos sexuados. Nas perspectivas derivadas dessa abordagem – que é largamente assumida em estudos, políticas e ações programáticas contemporâneas – a ênfase na construção social e cultural do masculino e do feminino não tensionou o pressuposto da existência de uma “natureza” biológica universalizável do corpo e do sexo. Ou seja, em algumas dessas vertentes continua-se operando com o pressuposto de que o social e a cultura agem sobre uma biologia humana universal que os antecede. Por outro lado, gênero tem sido usado, sobretudo pelas feministas pós-estruturalistas para enfatizar que “a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas também as maneiras como o corpo [e, portanto, também o sexo] aparece”. (Porchat, 2004, p. 15). Destarte, com esta faceta o conceito em si é debruçado e problematiza tanto em noções essencialistas que remetem a formas de ser e sentir, quanto a noções biologicistas de corpo, de sexo e de sexualidade resultam importantes mudanças epistemológicas e políticas para quem atua nesses movimentos sociais e campos de estudos (Porchat, 2004). 38 Mediante as elucidações feitas, torna-se importante proferir acerca da noção de sujeito como forma de entender o que é um sujeito? É a pessoa, é o Eu, é o indivíduo em si, é o inconsciente, é o self? Tais questionamentos possibilitará verificar a concepção que os profissionais possuem e se as abordagens, sendo elas humanista, psicanalíticas, existenciais ou comportamentais criam seus diferentes sujeitos. A teoria para Porchat (2004) torna-se necessária para o deslocamento da visão de profissionais psicólogos e psicanalistas acerca da visão comum de mundo que é atravessada por sua religião e preceitos morais. Nesse sentido, a autora corrobora que a teoria utilizada para basear a prática clínica e, necessariamente precisa fornecer uma resposta acerca de quem se está falando, por exemplo, (. . .) trata-se da mulher histérica do século 19, descrita inicialmente por Freud, que manifesta no corpo aquilo que não resolve psiquicamente? Trata-se de um sujeito livre e consciente das escolhas que faz, como aparece nas psicologias influenciadas pelo pensamento existencialista? Trata-se de um ser determinado pelas contingências ambientais, como mostra a Psicologia, que toma o comportamento por objeto de estudo? Pode ser um sujeito determinado pelo inconsciente, como pensava Freud ao dizer a célebre frase: “O homem não é senhor de sua própria casa”? Ou, ainda, trata- se de alguém cuja fala desperta pontos de identificação e a quem se começa a julgar como se fosse semelhante? Ora, se por um lado, por meio de sua visão comum de mundo, o profissional apaga a neutralidade que a visão teórica e científica poderia lhe dar (e, por isso, é preciso se livrar da visão comum), por outro lado, muitas vezes, esse profissional se esconde justamente atrás de sua visão teórica (que pode, por exemplo, ser conservadora e patologizante), para não querer ver as mudanças sociais e não querer pensar sobre sua concepção de ser humano. (Porchat, 2013, pp.196-7). 39 Para contextualizar sobre o ser feminino nesta trajetória torna-se importante mencionar sobre o estudo que Fagundes (2005) realizou, notadamente, no que tange o tornar- se mulher como uma construção social. Deste modo, nesta vertente se delineará sobre a construção da identidade feminina e suas implicações sociais, sobretudo por se tratar de uma análise que se pressupõe a compreensão dos princípios da construção da identidade feminina, ou seja, a autora coloca que a construção é a resultante da interação entre possuir a consciência de pertencer ao sexo feminino, bem como as consequências sociais consolidadas nas relações de gênero. A autora afirma que a identidade feminina é algo socialmente construído, ou seja, ninguém nasce mulher e ninguém nasce homem, esta trajetória depreende-se de um tornar complexo regido em condicionantes tantos biológicos, psicológicos e nomeadamente, socioculturais. Contudo, ser mulher e ser homem se dá através do conceito de si mesmo, especialmente daquilo que é apresentado socialmente, e neste sentido dando forma a identidade pessoal. Assim conforme a autora, a identidade da pessoa “é construída num processo simbiótico com as figuras parentais e na interação com o meio, até expressar-se como individualidade em atitudes e sentimentos sobre o eu.” (Fagundes, 2005, p. 21, Itálico do autor). Fagundes (2005) menciona em uma abordagem histórico-cultural da identidade feminina que a identidade feminina é resultante de uma interação entre a consciência de uma pessoa pertencer ao sexo feminino e as consequências sociais que se concretizam nas relações com o outro. Esta construção se dá contrariamente ao do sexo oposto o masculino, visto que a identidade masculina é assumida por diferentes sociedades e culturas, conforme vem se desdobrando o estudo sobre gênero. 40 Refere ainda que, é sabido que em diferentes culturas, bem como em diversas sociedades, tanto as identidades femininas como as masculinas se estruturam historicamente nas relações de poder estabelecidas entre os homens e entre as mulheres, no entanto, as mulheres se declinam na posição de submissão, de comandadas e oprimidas, bem com outras adjetivações que a situam num plano inferior ao dos homens (Fagundes, 2005). 2.1 A mulher presidiária Para entender a pesquisa em tela, torna-se necessário destacar acerca da mulher encarcerada, delineando sobre o significado da prisão e suas práticas cotidianas. Assim sendo, conforme Fagundes (2005) há um crescimento expressivo nas práticas delituosas e assim no resultado do aprisionamento. Ainda relata que o aumento de pessoas sob provação de liberdade é uma realidade crescente nos últimos anos. Discorrer sobre a mulher presa é entrar em contato com um universo ambíguo, onde a mulher após a reclusão é o foco e a imagem de algo ruim, transgressor e fragmentado, perde- se neste cenário a figura santificada do ser sagrado, da mãe, da mulher com desejos, do ser enquanto feminino, aprisionando desejos, sonhos e consciência de si. Trabalhar neste cenário é torna-se um pouco disso, pois é na alteridade que se atinge a afeição por este ofício e pela luta da isonomia dessas mulheres após seu encarceramento, reinserindo-as ao retorno de um universo de possibilidade e isonomia. Segundo Frinhani e Souza (2005) algumas pesquisas foram improvisadas no desejo de descobrir acerca do Universo prisional feminino, isto é, sobre o dia a dia das mulheres presas. Tal trabalho, segundo os autores, torna-se importante no esclarecimento das relações que circulam entre as mulheres, bem como com o corpo técnico-diretivo, possibilitando a identificação das adversidades que enfrentam. 41 É importante entendermos a dinâmica dos relacionamentos no interior dos presídios, uma vez que o agente ressocializador serão aqueles que mantiverem contato direto com as mulheres reclusas, ou seja, aquele que ressocailizará terá que a todo o momento refletir sobre as representações internas que o protagonismo do cárcere está movimentando internamente em cada um, permitindo que este cenário seja de reeducação e socialização, e desta maneira tornar possível a reinserção ao trabalho e ao social, descontruindo paulatinamente uma identidade rechaçada pelo cárcere no universo da mulher reclusa. Não obstante, nesta direção conforme a autora, a penitenciária se torna um (. . .) espaço onde o Poder Judiciário faz cumprir as sentenças de natureza criminal que envolvem encarceramento, a relação estabelecida entre as representações de justiça e as instituições judiciais é importante na construção das representações sobre o espaço prisional. A representação que o sujeito constrói sobre justiça também pode influenciar o valor que ele dá ao ato delitivo que lhe é atribuído, assim como o que é atribuído aos outros, avaliando o que é justo ou injusto (Frinhani & Souza, 2005, p. 64). Igualmente neste caminho, é importante salientar o quanto as representações do espaço prisional se movimentam com as representações de diferentes cenários com as representações de diferentes objetos, ou seja, dos espaços, das relações, dos valores e das práticas vivenciadas no cotidiano. Conhecer as representações sociais do espaço prisional de grupos que tenham uma afiliação reconhecida, como é o caso das mulheres encarceradas, informam pontos de vista sobre determinado objeto, que podem ser compartilhados. Ademais, conhecer as representações sociais do ambiente prisional formadas pelas mulheres ali reclusas, significa 42 valorizar a história de cada uma, como protagonistas e narradoras de suas histórias, e concomitantemente permitir a reconstrução dinâmica deste espaço por meio do conhecimento das relações cotidianas travadas no ambiente penitenciário (Frinhani & Souza, 2005). Cabe salientar que foi criado a cartilha da mulher presa, objetivando no esclarecimento dos direitos e deveres das mulheres encarceradas, registrando nesta cartilha informações claras e diretas sobre garantias constitucionais, prerrogativas legais e administrativas. É uma ferramenta voltada para a ressocialização da mulher presa. Esta cartilha está disponibilizada gratuitamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este material foi construído e constituído pelo CNJ, formado por juízas criminais e de execução penal brasileiras, que, diariamente, estudam e praticam a execução penal. A cartilha menciona tópicos importantes para o acesso a mulher presa e informações a respeito aos Direitos e Deveres. Neste tópico as orientações seguem o seguinte percurso, qual seja, mencionam acerca da Constituição Federal, lei maior que rege nosso País, orientado acerca do art. 5º em que se refere os direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos e cidadãs. 2.2 O centro de Ressocialização Para redimensionar a dissertação, mencionarei acerca da trajetória Histórica e do funcionamento de um Centro de Ressocialização, para tanto utilizarei do referencial teórico de Macaulay (2015) para delinear sobre o novo modelo da administração penitenciária, e nesta acepção uma nova prática de modelo prisional no Brasil, que objetiva oferecer um exemplo de boa prática, contrapondo o modelo prisional de natureza convencional, que vem sendo caracterizado por altos níveis de abuso dos direitos humanos, ou seja, um modelo de precárias condições de detenção, expressiva taxa de reincidência criminal, bem como de administração desordenada. 43 Conforme Stefeni, Pereira e Menuzzi (2013) apontam, a Ressocialização é a (. . .) a busca atual das escolas juristas. O objetivo da ressocialização é além de garantir a segurança social, garantir que os presídios não sejam abarrotados de delinquentes reincidentes, ou seja, além de objetivar a paz social a ressocialização visa garantir a logística penitenciária. (p. 1). Não há dúvida de se respeitar o direito das pessoas reclusas, embora existam muitos adeptos ao radicalismo que defendem que a legislação carcerária brasileira mantém o modelo protecionista, é fato que a vida nos presídios, na maioria das vezes, não respeita os mínimos indícios do direito fundamental da dignidade da pessoa humana (Machado, 2008). A reintegração se faz através de um projeto de política penitenciária que tenha como finalidade recuperar os indivíduos apenados para que estes possam, quando saírem da penitenciária, serem reintegrados ao convívio social. As penitenciárias no Brasil encontram-se num estado preocupante onde faltam muitas vezes as condições mínimas necessárias para se tratar da recuperação desses indivíduos. Pretende-se, dessa maneira, analisar os aspectos da ressocialização para o detento e para a sociedade (Figueiredo, Mesquita, Teixeira, & Santos, 2009, para. 5). Além da função de punir o delinquente pela prática do crime por ele realizado vem o nosso ordenamento falar da reintegração do mesmo. Entende-se a prática da ressocialização como uma necessidade de promover ao apenado as condições de ele se reestruturar a fim de que ao voltar à sociedade não mais torne a delinquir. 44 Portanto Stefeni et al. (2013, p.1) afirmam que o (. . .) interesse na ressocialização do apenado não é apenas do Poder Judiciário, pois se trata de uma questão social que requer o máximo de atenção, tanto dos entes estatais que trabalham no processamento crime quanto da sociedade em geral que necessita de pessoas passiveis de convívio social. O modelo dos Centros de Ressocialização (CRs) são de prisões pequenas administradas com inovadoras parcerias entre autoridades prisionais e ONGs locais. Características importantes discernem os CRs de uma outra unidade prisional, isto é, primeiramente pelo fato de ter uma criação de um regime prisional que legitimamente direciona à reintegração daquele que é o ofensor à sociedade, assim como, na busca da prevenção a reincidência criminal. Outra característica é a parceria formada para o gerenciamento da prisão e do trabalho dos presos entre o Estado e a sociedade civil, oferecendo nesta forma de administração uma alternativa às formas de privatização prisional, resposta promovida pela incapacidade do próprio Estado. Com relação ao envolvimento do setor não direcionado ao lucro, é caráter fundamental para a demarcação da orientação dos CRs, possibilitando desta maneira a permeabilidade das prisões à comunidade local, um modo positivo alheio a outro sistema prisional dirigido pelo Estado ou setor privatizado (Macaulay, 2015). Cabe relatar que os Centros de Ressocializações surgiram como um modelo alternativo, conforme descreve Macauly (2015), ponderando que os “CRs são compatíveis com as garantias nacionais e internacionais de direitos humanos para os detentos, obtêm taxas de reincidência criminal muito mais baixas e seu custo de operação é muito menor que o das prisões convencionais.” (p. 4) 45 Igualmente reforçou que o modelo de CR se mostra em primeiro lugar como o exemplo de CR que abrolhou e cresceu. Outrossim, detalharemos conforme a pesquisa da autora as duas características que não são comuns e inter-relacionadas na ocasião em que os CRs são notáveis, e para isso foram escolhidos quatro CRs por demonstrarem representatividade. Para tanto dois foram originados do modelo de Bragança Paulista e São José dos Campos. Tais estabelecimentos foram convertidos a partir de cadeias públicas já pré-existentes, todavia, outros estabelecimentos foram construídos para esse objetivo que foram de Jaú e Sumaré. Três desses CRs acomodam presos homens e no outro, mulheres. Cabe proferir que quatro dos 22 CRs são para mulheres ofensoras. Foi realizado um estudo piloto em outubro de 2004, que perpassou por entrevistas semiestruturadas e grupos alvo representados por detentos, familiares, pessoal do serviço prisional e da ONG, justiça criminal e formadores de opinião da comunidade local (Macaulay, 2015). Não obstante, torna-se importante compreender como se deu a primeira experiência de participação da comunidade na administração de prisões de 1972 e posterior, desdobrando o seu desenvolvimento na construção e desenvolvimento de CRs. Desta maneira, é importante mencionar acerca de como iniciou a primeira experiência da participação da comunidade junto à administração de prisões em 1972. Assim iniciou-se na cidade de São José dos Campos, Estado de São Paulo, quando três leigos católicos tiveram a iniciativa de melhorar as condições precárias, de superlotação e violência da cadeia pública no endereço da Rua Humaitá, ajudando os presos egressos a encontrarem emprego após a saída da prisão, e dentro disso o juiz local responsável pela execução penal na ocasião tentou fechar a cadeia, e após isso formaram uma ONG – a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). 46 Macaulay (2015) desenvolve uma postura e metodologia acerca da provisão de serviços aos detentos, construindo uma nova ala, contemplando setenta e cinco presos em regime semiaberto. Esta operação foi ponderada para a não participação da polícia civil, visto que a mesma é que vinha administrando o estabelecimento até o momento. Cabe ressaltar que em 1984, após o fechamento por cinco anos devido as ações de brutalidade da polícia e a hostilidade contra a experiência em si, a prisão foi reaberta, contudo, sob o controle unificado da ONG APAC, e nesta circunstância com o consentimento do Estado. Este trabalho, nesta nova metodologia, começou a atrair a atenção local e também no âmbito internacional, especialmente pelo estabelecimento não possuir guardas, tanto dentro quanto fora, mesmo com o fornecimento de toda segurança destinado aos detentos e voluntários que ali desenvolviam seus trabalhos. Em 1978, um grupo de cidadãos de Bragança Paulista, pequena cidade a pouca distância, foi inspirado a montar uma ONG com o mesmo nome. Contudo, sua iniciativa naufragou na indiferença do juiz de execuções penais local. Foi só em 1990 que o presidente da ONG começou a convencer os juízes e promotores a reformar a cadeia da cidade, que estava num estado de caos e decadência similar. O juiz da Terceira Corte Criminal, Dr. Nagashi Furukawa, visitou São José dos Campos. Depois de seu retorno, apelou publicamente por assistência e a ONG foi reativada. (Macaulay, 2015, p. 6). Outrossim, nesta acepção em 1993 uma parceria foi instaurada criando o primeiro escritório dentro da prisão, assim em 1996 autoridades estaduais de São Paulo assinaram um acordo oficial para ministrar a ONG, colocando uma dotação por detento para administração da compra dos alimentos (Macaulay, 2015). 47 Em Araraquara a ONG, também chamada de APAC, nasceu com a filosofia e método da Associação, ou seja, fundamentada na valorização do ser humano e da capacidade do mesmo em se recuperar. Além dos reeducando, assim chamados pela APAC, frequentarem cursos supletivos e profissionais, possuía nesta metodologia atividades das mais diversas variedades, quais sejam, grupos terapêuticos com uma equipe multiprofissional, laborterapia executada pela Terapeuta Ocupacional, sendo uma atividade voltada a recuperação do estabelecimento prisional. Este trabalho utilizava-se de técnicas artesanais, tais como, Mosaicos em bancos e casinhas de cachorro. Outro destaque da APAC refere-se à municipalização da execução penal. Destarte, é importante notar conforme Macaulay (2015) refere, que muitas das ONGs, chamadas de Coadministradoras de CRs adotaram o nome de APAC ocorrendo expressivas confusões, visto que a APAC de São José dos Campos, de orientação religiosa, enfrentou problemas por várias razões e foi submetido a investigação judicial. Costa (2004) faz alusão no site JCNET.com.br acerca da implantação do CR feminino de Araraquara, proferindo que Araraquara - As primeiras internas que ocuparão o Centro de Ressocialização (CR) feminino de Araraquara (125 quilômetros a Nordeste de Bauru) devem chegar nos próximos dias, segundo informou o secretário de Estado da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. O CR, instalado no prédio onde funcionava a antiga cadeia pública da cidade, foi inaugurado na última segunda-feira. É a terceira unidade deste tipo para mulheres no Estado de São Paulo. Os outros dois estão em Rio Claro e São José dos Campos. Para a unidade de Araraquara, as internas - todas do município ou da região, num raio de até 70 quilômetros - já foram triadas pela direção da unidade em parceria com a 48 Associação de Proteção e Assistência Comunitária (Apac), Organização Não Governamental (ONG) que busca parcerias para as oficinas de laborterapia, para identificar quais delas têm um perfil ressocializável. O local tem capacidade para 100 reeducandas. De acordo com o secretário Furukawa, o modelo prisional, idealizado durante os primeiros anos de sua gestão, não é mais um projeto, mas sim um trabalho que dá certo na recuperação do condenado. “Nosso índice de reincidência é muito pequeno, em torno de 15%”, declara Furukawa. O CR será dirigido por Marisa Fonseca Monteiro Latorre, que já esteve à frente de unidades prisionais femininas da Capital e está há três anos como responsável pelo Centro de Reabilitação da Penitenciária Regional de Araraquara. Para a adaptação total do prédio, que tem 1,1 mil metros quadrados de área construída, foram gastos R$ 243 mil. O CR feminino deverá suprir a deficiência da região de cadeias e presídios para mulheres. O local recebeu, além dos alojamentos, uma sala de aula, duas salas para revistas, duas salas íntimas, um consultório odontológico e outro médico. Os CRs abrigam principalmente presos com a situação prisional definida e possuem uma nova visão da reclusão do condenado. No lugar das tradicionais celas, entram os alojamentos, com capacidade para dez internos. Os presos também são chamados de reeducandos ou internos, pois segundo Furukawa só ficam em CRs - masculinos ou femininos - pessoas com perfil ressocializável, que cometeram infrações de baixa periculosidade. (Costa, 2004, para. 1-9). Macaulay (2015) observa que, 49 Todos os CRs seguem um regime comum que parece genuinamente condutivo à reintegração do ofensor à sociedade. Os quatro elementos centrais do modelo são: a criação de uma cultura prisional alternativa que subverte e inverte as subculturas e rituais, hierarquias e normas morais e de linguagem predominantes na prisão; um engajamento consciente da família e da comunidade para a qual o ofensor provavelmente retornará; uma oportunidade para completar sua educação, para trabalhar e receber treinamento ocupacional; e apoio à autoestima, às habilidades sociais e às perspectivas futuras de vida do detento. (p. 8). Vale ressaltar que há uma política de ação dos CRs na inclusão do preso, ou seja, a prática perpassa por uma seleção criteriosa, com o objetivo de selecionar aqueles com o perfil voltado a ressocialização. Em Araraquara, as seleções são chamadas de triagem de inclusão, e esta prática requeria muita dedicação dos técnicos envolvidos, tanto por parte da ONG quanto do Estado. As triagens eram realizadas pelo profissional psicólogo e assistente social contratados pela APAC, do Estado, tais como, Diretor Geral e de Disciplina e Agentes de Segurança Penitenciário. As vertentes importantes e consideradas para a inclusão do preso no CR eram: Residência Fixa, Contexto Familiar, familiares residindo em Araraquara ou próximo à cidade, Convivência com outros presos em artigos estigmatizados pelo crime, não integrante de facção criminosa e perfil adequado às exigências personalísticas para não reincidência criminal. Dentro deste contexto, Macaulay (2015) coloca que a seleção dos detentos para inclusão nos CRs perpassava por dois critérios mais simples, ou seja, mencionavam que a família deveria residir próximo aos CRs e dispor-se a se engajar e a apoiar o detento e o programa do CR, e o segundo é de que o detento permaneça preparado a participar da 50 proposta do CR e do regime de reabilitação. Enfatiza ainda a autora que por um outro lado, o perfil dos detentos dos CRs reflete amplamente a composição da população carcerária brasileira como um todo, em que a maioria dos detidos está ligada a casos de drogas. Ressalta que os CRs recebem também alguns indivíduos delatados ou condenados pela Lei de Crimes Hediondos, o que inclui assassinato. Alguns CRs aceitam ofensores sexuais e detentos homossexuais, usualmente estigmatizados e vitimizados no sistema prisional padrão. Contudo, há duas exceções: os CRs não aceitam aqueles que são persistentemente violentos ou que se consideram criminosos de carreira, o que inclui crimes como sequestro, tráfico de drogas em larga escala ou violência letal cometida durante roubo. Um importante aspecto e impactante a se mencionar, no que tange a desestigmatização dos CRs, é o modo pelo qual são desafiadores no que concerne aos valores e práticas das prisões brasileiras normais, pelo qual funcionários, familiares e detentos se referem como “O Sistema”. A desestigmatização dos ofensores inicia-se neste processo. No processo de reclusão os detentos começam a vivenciar o papel imposto pelo sistema prisional convencional o que também é reforçado pela subcultura prisional. Todavia, este processo pode ser revertido caso o ofensor venha a adotar identidades reveses e começar a se associar com pessoas de fora do grupo estigmatizado. Deste modo conforme a autora, por essas razões (. . .) no CR os internos não são chamados de detentos, mas de reeducandos. Numa tentativa de lhes restituir suas identidades pré-prisão, os presos são chamados por seus nomes reais e não por apelidos, números de prisão ou termos pejorativos como ladrão. Para conseguir que os presos entendam o caráter socialmente construído ou estigma, num CR o Diretor decidiu aceitar um ofensor sexual com baixo QI e questionar seus novos colegas de cela sobre por que eles viam uma agressão sexual como “pior” do que assassinato. As relações de poder entre os 51 funcionários e os internos também são reconfiguradas. Nos CRs, os internos não têm de seguir os rituais de humilhação e status do Sistema, como serem obrigados a olhar para a parede ou baixar a cabeça quando se aproxima um carcereiro. Violações de direitos humanos e brutalidade pelos funcionários não são toleradas e estão sujeitas a investigação e punição. Violência entre internos também é proibida. Em parte, isso se dá porque os CRs são notavelmente livres de drogas. A entrada de drogas é tratada como a mais grave infração das regras e da proposta, pois isso corrói a efetividade dos programas de tratamento do vício e de outras atividades de reabilitação e introduz um dos mais corrosivos elementos da subcultura da prisão: o uso de drogas numa economia “informal” que cria dependência, débitos, hierarquias entre os presos e acertos de contas violentos. Álcool também é proibido e alguns CRs baniram até a compra de cigarros, como forma de inibir tanto o vício como os problemas associados com as mercadorias comerciáveis na cadeia. (Macaulay, 2015, p. 10). Cabe ressaltar ainda que o apoio à família do preso é central para o método do CR, visto que em sociedades caracterizadas estruturalmente, e que são predispostas a continuar assim, desta maneira é importante acreditar nas pessoas mais próximas como maior fonte de assistência aos estigmatizados. Destarte, prontamente que o preso é transferido para o CR, o assistente social da ONG realiza uma entrevista de inclusão voltada basicamente para o levantamento do histórico e da situação socioeconômica da família. Realizam visitas a família com o intuito de identificar qualquer necessidade imediata que a família possa apresentar, como por medicação (muitas vezes suprida de graça dos estoques da prisão). Assim sendo, nesta vertente a família receberá ajuda para acessar benefícios estatais disponíveis, como renda auxiliar, cestas básicas, aulas de alfabetização e treinamento profissional. 52 Diante disso, conforme Macaulay (2015) afirma, que se inicia um novo processo de reconstrução das relações com o ofensor, ou seja, (. . .) com o encorajamento de visitas regulares da família para recompor relações familiares rompidas ou reforçar as existentes, de modo a que o ofensor tenha alguém para quem voltar. Todos os CRs têm um ou dois dias por semana destinados a visitas da família, assim como visitas conjugais são conduzidas por escala, nas celas coletivas vagas. O uso de cortinas em torno de cada beliche é permitido, para garantir privacidade nas visitas conjugais regulares. Dados oficiais mostram que os parentes visitam ofensores nos CRs duas vezes mais frequentemente do que faziam quanto estes estavam em prisões convencionais, com 60% visitando uma vez por semana (Secretaria de Administração Penitenciária, sem data), em parte por causa da maior proximidade e em parte porque o ambiente é mais acolhedor. Os membros da família são massivamente favoráveis aos CRs. Eles até toleram de bom grado certas práticas que achariam inaceitáveis no Sistema, como revistas corporais dos visitantes em busca de drogas ilegais, que continuam em alguns CRs, confrontando-as com os benefícios proporcionados pelo sistema e considerando que “de outro modo, uns poucos poderiam prejudicar todo mundo”. (p. 12). É importante proferir acerca do desejo que os presos sentem de evitar reincidência criminal, este sentimento se relaciona ao fato de não trair, desapontar e envergonhar seus familiares, desencorajando a reincidência criminal. Neste sentido, as famílias desempenham um papel disciplinador, apontando aqueles que se encontram presos que pedem que lhes tragam drogas, e trazendo de volta fugitivos. Em um outro momento, o contato com a família permite que os presos se re-rotulem e que abracem identidades alternativas. 53 Para os homens a aproximação familiar e de suas esposas são bem distintas das mulheres, os homens presos recebem o acolhimento de suas famílias na maioria das vezes, enquanto a mulher é colocada de lado por muitas vezes, cumprindo suas penas solitariamente. Macaulay (2015) pontua a demanda para as mulheres presas, corroborando que todavia, é bem diferente. Enquanto as esposas, irmãs e mães assumem papéis tradicionais de apoio e manutenção para os parentes homens que estão presos, as ofensoras mulheres são muitas vezes abandonadas por seus companheiros, muitos dos quais podem ter sido os responsáveis pela reclusão. O número de mulheres presas por crimes relacionados com drogas aumentou dramaticamente em anos recentes. Em muitos casos, elas foram presas por estarem ligadas às atividades criminosas de seus companheiros ou parentes homens. Algumas foram pegas contrabandeando drogas para dentro das prisões, a pedido de seus companheiros encarcerados, para os quais as drogas são um recurso vital para a sobrevivência no sistema prisional (para consumo ou para pagar “dívidas”). Em outros casos, a polícia encontrou drogas escondidas nas casas de mulheres, por seus parentes homens, sem o conhecimento delas. Todas essas circunstâncias conduzem a incriminações por tráfico que resultam em duras sentenças de prisão. Os filhos delas podem ser cuidados por seus próprios parentes ou pela assistência social, na medida em que os pais ou se recusam a assumir a responsabilidade ou também estão presos. Assimetrias de gênero são inevitáveis em qualquer instituição social e merecem análise mais profunda do que permite este artigo, de caráter genérico. (p. 14). 54 Os CRs não só fortalecem as relações familiares reais dos ofensores, como também criam relações “pseudo-familiares” em vários níveis dentro da instituição. É importante destacar acerca da criação dessas pseudo famílias no interior dos CRs, em Araraquara, a Direção Geral é uma mulher e que desempenha um papel fundamental na vida das reeducandas, a Direção Geral e de disciplina enquanto figuras femininas desempenham o papel da mãe no processo de reclusão, uma espécie de fantasia criada transitoriamente no enfrentamento da pena. A autora Macaulay (2015) demonstra em seus estudos o perfil dos Diretores Gerais dos CRs, colocando o quanto é surpreendente a existência de diretores de CR que sejam mulheres. Ressalta ainda que a maioria não é de antigas guardas de prisão, mas sim de formação como assistentes sociais ou psicólogas. Corrobora afirmando que as diretoras são consideradas como figuras super-maternais, papel que elas também assumem. Isso constitui um importante componente do poder disciplinário suave exercido nos CRs. Um importante papel que os CRs exercem está no trabalho e educação e qualificação para o mercado de trabalho, ou seja, os CRs almejam não somente a des-rotulação, mas também na desqualificação do papel enquanto como criminosos. A citada autora menciona ainda que a inatividade do preso é destrutiva para uma boa administração das prisões, por diversas razões. Em primeiro lugar, os presos têm mais oportunidade de desenvolverem um comportamento negativo, usando drogas, planejando fugas e construindo os elementos da contracultura da prisão. Os CRs desejam e ambicionam a obtenção de inserção no mercado de trabalho por média de 95% colocando que (. . .) todos os presos têm a oportunidade de trabalhar ou de estudar, e isso é esperado deles, mesmo dos presos em custódia e mesmo quando a sentença os dispense do 55 direito ao trabalho. O trabalho pode consistir na execução de tarefas administrativas ou domésticas, conhecidas como rateio (limpeza, lavanderia, trabalho na cozinha ou na horta, ajuda na administração), ou na prestação de serviços para uma empresa comercial. (Macaulay, 2015, p. 17). Do ponto de vista moral, os CRs oferecem um ambiente penal positivo e humano, que é o oposto completo da violência e brutalidade encontradas no “sistema” prisional convencional descrito acima. Salientando acerca da importância dos CRs são os níveis baixos de reincidência acerca de 10%, comparados aos 50-70% do Sistema. Nesta acepção torna-se relevante melhor olhar para além dos números, para medidas mais qualitativas, internalizando e construindo a ideologia da construção de filosofias como executadas nos CRs, tornando o cumprimento da pena aos presos uma pedagogia construtiva de ser e existir, desconstruindo o rótulo e identidade de criminoso, passando a uma nova identidade de corresponsabilidade, educação, trabalho e reinserção social. Cabe afirmar que em 2008 a APAC de Araraquara não prosseguiu com seus trabalhos tanto no Centro de Ressocialização Masculino quanto no Feminino, pelo fato de o Estado não renovar o contrato com a ONG. A APAC de Araraquara dispunha de uma equipe multiprofissional para a Assistência aos reeducandos. 56 3 REINSERÇÃO SOCIAL Falar sobre a reinserção social é navegar em um universo fértil e complexo, é necessário, porém, nos depreendermos e entendermos antes de aludirmos sobre as possibilidades de reinserção que uma pessoa reclusa possui. Para tanto, torna-se rele