Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC Programa de Pós-Graduação em Design O Design na Indústria Moveleira Brasileira e seus Aspectos Sustentáveis: estudo de caso no pólo moveleiro de Arapongas-Pr Glória Lucía Rodríguez Correia de Arruda Bauru, 2009 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC Programa de Pós-Graduação em Design Glória Lucía Rodríguez Correia de Arruda O Design na Indústria Moveleira Brasileira e seus Aspectos Sustentáveis: estudo de caso no pólo moveleiro de Arapongas-Pr Dissertação apresentada ao Programa do Programa de Pós-graduação em Design na área de concentração “Desenho de Produto”, linha de pesquisa “Projeto de Produto”, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Paula da Cruz Landim. Bauru, 2009 Arruda, Glória Lucía Rodríguez Correia de. O Design na Indústria Moveleira Brasileira e seus Aspectos Sustentáveis: estudo de caso no pólo moveleiro de Arapongas-Pr / Glória Lucía Rodríguez Correia de Arruda, 2009. 120 f. Orientador: Paula da Cruz Landim Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2009 1. Design. 2. Indústria brasileira. 3. Setor moveleiro. 4. Sustentabilidade.I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. BANCA DE AVALIAÇÃO Titulares Profª. Drª. Paula da Cruz Landim Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Orientadora Prof. Dr. José Carlos Plácido da Silva Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Prof. Dr. José Jorge Boueri Filho Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo Suplentes Prof. Dr. Marco Antonio dos Reis Pereira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Profª. Drª. Maristela Ono Universidade Tecnológica Federal do Paraná Dedico este trabalho com todo o carinho à nossa querida Júlia. AGRADECIMENTOS À Deus, por iluminar meu caminho; Ao meu marido Alexandre, uma pessoa muito especial em minha vida, pelos momentos de apoio e compreensão; Aos meus pais João e Mary, pelo ensinamento necessário para assumir as responsabilidades da trajetória por mim escolhida; À minha irmã Maria Cláudia, pelo incentivo e auxílio nas eventuais dúvidas; À minha orientadora professora Paula da Cruz Landim, que acreditou no meu potencial e soube me conduzir durante o desenvolvimento do trabalho; A CAPES, pelo apoio financeiro; Ao Departamento de Desenho Industrial e Seção de Pós-Graduação da FAAC- UNESP/Bauru, professores e funcionários; A todos que colaboraram para a realização e finalização deste trabalho. Meu muito obrigado! “Vamos precisar de todo mundo Um mais um é sempre mais que dois Prá melhor juntar as nossas forças É só repartir melhor o pão Recriar o paraíso agora Para merecer quem vem depois...” (GUEDES, Beto; BASTOS, Ronaldo. O Sal da terra. Beto Guedes. O Talento de Beto Guedes.EMI. 1991) RESUMO O atual sistema de consumo utilizado pela sociedade encontra no avanço tecnológico a capacidade para produzir mais do que necessário. Isto tem reflexo direto no Planeta, que, a cada dia vê seus recursos naturais diminuindo, o que pode levar à sua não-sustentabilidade. A questão ambiental é foco de discussão em várias áreas de estudos e, nesse sentido, a presente pesquisa constitui uma abordagem da problemática no âmbito do setor moveleiro. Assim, este estudo concentra-se no modo como as empresas deste setor tratam as questões ambientais, caracterizando a integração entre design e sustentabilidade na concepção atual da produção brasileira de móveis. Para tanto, tem-se como estudo de caso as empresas de porte médio, fabricantes de móveis residenciais seriados do Pólo Moveleiro de Arapongas (PR), que tenham a sustentabilidade inserida em seus processos de desenvolvimento e produção de produtos. Os objetivos específicos visam identificar as práticas ambientais que possam ser relacionadas com o ecodesign e a sua importância nas indústrias de móveis, compreendendo o atual cenário do design sustentável no setor; caracterizar a função do designer no processo projetual, destacando as técnicas projetuais utilizadas sob o enfoque da sustentabilidade ambiental na produção moveleira; e por meio de estudo de caso, verificar as atitudes implantadas para o design ambientalmente adequado. Os resultados sinalizam que as empresas analisadas já se posicionam favoravelmente às questões ambientais, participando de programas relacionados ao tema. No entanto, faz-se necessário uma intervenção maior no atual modelo projetual e produtivo para que o ecodesign seja implantado em sua totalidade. Atualmente, a presença do designer já é constante na formação das equipes responsáveis por novos produtos das empresas avaliadas. Porém, o gerenciamento pelo setor de desenvolvimento de novos produtos, em muitos casos, cabe a outros profissionais, como os de marketing, engenharia de produção e comercial. Para tanto, é necessária que a atuação do designer como gestor desta nova postura frente ao meio ambiente fique mais evidente. Palavras-chave: Design. Indústria Brasileira. Setor Moveleiro. Sustentabilidade. ABSTRACT The current system used by society experiences in technological advance the capacity to produce more than necessary. This has a direct influence on the planet, which, day-by-day watches its natural resources decreasing, what may lead to its non-sustainability. The environmental issue is the focus of discussion in several study and, according to this, the present research consists on a problematic approach in the furniture sector’s context. Therefore this study focuses on how these sector’s companies deal with environmental issues featuring the integration between design and sustainability in the current conception of the Brazilian furniture production. In order to do this, we have as a case study midsize companies of residential furniture manufacturers serialized in the Arapongas (PR)´s Furniture Complex, that have the sustainability inserted in its developing and products production processes. The specific goal aims to identify the environmental practices which can be related to ecodesign and its importance in the furniture industry comprehending the currently scenery of the sustainable design in the sector. Also aims to characterize the designer’s function in the projecting process, highlighting the projecting techniques utilized under the function of environmental sustainability in furniture industry, and through cases studies´ means aims to verify the implanted attitudes for the appropriate environmental design. The results signalize that the analyzed companies have positioned themselves in a favorable way to environmental questions, taking part in programs related to the theme. However it is necessary to make a bigger intervention in the present projecting and productive model, so that the ecodesign can be implemented in its totality. Currently, the presence of the designer is already set in forming the teams responsible for new products of the companies evaluated. However, the management by the industry to develop new products, in many cases, it is for other professionals, such as marketing, engineering, production and trade. For that reason, it’s necessary that the designer’s role as a new manager towards to the environment becomes more evident. Keywords: Design. Brazilian industry. Furniture sector. Sustainability. LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Charles Chaplin. Cena de “Tempos Modernos”. (1936) ............................. 23 Figura 02 - Linha de montagem dos carros Dauphine e Aero–Willys. São Paulo. (1960) ......................................................................................................... 26 Figura 03 - Pelé e Vavá na comemoração do segundo gol do Brasil contra a Suécia - decisão da Copa do Mundo. Suécia. (1958) .............................................. 26 Figura 04 - Construção do prédio do Congresso Nacional. Brasília. (1958) ................ 26 Figura 05 - C. M. Carrera. Cama Patente. (1915) ........................................................ 28 Figura 06 - Componentes Modulados e Cadeira Cimo. ............................................... 29 Figura 07 - Cadeira Cimo 1001. (1921-24) ................................................................... 29 Figura 08 - Joaquim Tenreiro. Poltrona Leve, estrutura em pau marfim e revestida em tecido. (1942) ........................................................................................ 31 Figura 09 - Joaquim Tenreiro. Cadeira de três pés em jacarandá e amendoim. .......... 31 Figura 10 - Sérgio Rodrigues. Banco mocho. (1954) ................................................... 32 Figura 11 - Sérgio Rodrigues. Poltrona Mole. (1957) ................................................... 33 Figura 12 - Sérgio Rodrigues. Poltrona Kilin. (1973) .................................................... 33 Figura 13 - Studio de Arte Palma. Poltrona. (1950) ...................................................... 34 Figura 14 - Studio de Arte Palma. Poltrona Tripé. (1948) ............................................. 34 Figura 15 - Móveis Z. Cadeira de braços listrada. (Década de 1950) .......................... 36 Figura 16 - Móveis Z. Espreguiçadeira anatômica. (Década de 1950) ......................... 36 Figura 17 - Miguel Forte e Jacob Ruchti. Poltrona MR7. .............................................. 37 Figura 18 - Carlos Millan. Poltrona em madeira e encosto em palhinha. ..................... 37 Figura 19 - Logotipo da Unilabor. ................................................................................. 38 Figura 20 - Unilabor. Estante em madeira laqueada. (1956) ........................................ 39 Figura 21 - Unilabor. Buffet em fórmica. (1956) ............................................................ 39 Figura 22 - Michel Arnoult. Polrona Peg-Lev (1972) ..................................................... 40 Figura 23 - Michel Arnoult. Poltrona Pelicano. .............................................................. 40 Figura 24 - Fluxograma da Cadeia Produtiva da Indústria de Móveis. ......................... 46 Figura 25 - Fúlvio Nanni Jr. Poltrona Sand. .................................................................. 56 Figura 26 - Guinter Parschalk. Mesa Mimesis. (1995) .................................................. 56 Figura 27 - Pedro Useche. Banquinho Cinta. ............................................................... 56 Figura 28 – Mauricio Azeredo. Banco Ressaquinha. (1988) ......................................... 57 Figura 29 - Carlos Motta. Cadeira Estrela. (1981) ........................................................ 57 Figura 30 - Claudia Moreira Salles. Poltrona Casta. ..................................................... 57 Figura 31 - Fernando e Humberto Campana. Cadeira Favela. (1990) ......................... 58 Figura 32 - André Marx. Banco Curvo. (Década de 90) ............................................... 59 Figura 33 - Hugo França. Chaise longue Yaba. ........................................................... 59 Figura 34 - Modelo linear de produção. ........................................................................ 68 Figura 35 - Modelo circular de produção. ..................................................................... 69 Figura 36 - Roda de ecoconcepção. ............................................................................. 73 Figura 37 - Logo FSC Brasil - Forest Stewardship Council. (Conselho de Manejo Florestal) ..................................................................................................... 76 Figura 38 - Logo Cerflor - Certificação de Florestas. .................................................... 77 Figura 39 - Logo ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas /Qualidade Ambiental. ................................................................................................... 77 Figura 40 - Mudanças de orientação metodológica na busca por sustentabilidade. .... 79 Figura 41 - Ciclo de vida do sistema-produto. .............................................................. 82 Figura 42 - Vista da área central da cidade de Arapongas. .......................................... 84 Figura 43 - Vista do parque moveleiro de Arapongas. ................................................. 84 Figura 44 - CETEC – Vista área. .................................................................................. 86 Figura 45 - SIMFLOR – Vista da área. ......................................................................... 87 Figura 46 - SIMFLOR – viveiro de mudas. ................................................................... 87 Figura 47 - Logo Eco-Selo. ........................................................................................... 88 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Números da Indústria Moveleira no Brasil ............................................... 42 Tabela 2 - Indústria Brasileira de Móveis: Número de estabelecimentos por faixa de tamanho (2000 e 2005) ...................................................................... 43 Tabela 3 - Principais Pólos Moveleiros do Brasil: porte das empresas (2006) ......... 44 Tabela 4 - Dados Gerais do Pólo Moveleiro de Arapongas ...................................... 85 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Brasil – pólos moveleiros: Características da formação industrial .......... 45 Quadro 2 - Cronologia dos principais acontecimentos relacionados à questão ambiental ................................................................................................. 61 Quadro 3 - Consolidação dos indícios históricos do consumismo ............................. 64 Quadro 4 - Efeitos negativos do consumismo no sistema ecológico ......................... 65 Quadro 5 - Caminho do consumismo ........................................................................ 66 Quadro 6 - Definições e conceitos utilizados no eco-design de produtos ................. 70 Quadro 7 - Estratégias de redução de impactos/extensão de vida dos produtos ..... 72 Quadro 8 - Normas referentes ao sistema de qualidade ........................................... 75 Quadro 9 - Normas referentes à rotulagem ambiental .............................................. 75 Quadro 10 - Protocolo de orientação para o estudo de caso ...................................... 90 Quadro 11 - Resumo das características do perfil das empresas participantes ......... 95 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Comércio Externo da Indústria Brasileira de Móveis (2000-2007) ....... 43 Gráfico 2 – Relações entre Mudanças Culturais (MC) e Inovações Tecnológicas (IT) ........................................................................................................ 78 Gráfico 3 – Principal canal de comercialização utilizado pela empresa .................. 97 Gráfico 4 – Posicionamento das empresas com relação às questões ambientais . 97 Gráfico 5 – Posicionamento das empresas com relação aos produtos que causam menos impacto ao meio ambiente .......................................... 98 Gráfico 6 – Perspectivas futuras para a empresas com relação às questões ambientais ............................................................................................ 99 Gráfico 7 – Setor dentro da indústria em que se desenvolve o desenvolvimento de projetos ............................................................................................ 99 Gráfico 8 – Principal origem dos novos projetos de móveis realizados pela empresa ................................................................................................ 100 Gráfico 9 – Formação do responsável pelo desenvolvimento de produtos ............ 100 Gráfico 10 – Durabilidade Média estimada para os móveis projetados pela empresa ................................................................................................ 101 Gráfico 11 – Tratamento dos aspectos relacionados à segurança dos móveis durante o projeto ................................................................................... 102 Gráfico 12 – Posicionamento em relação ao consumo de energia elétrica .............. 103 Gráfico 13 – Estratégias para minimizar recursos .................................................... 103 Gráfico 14 – Critérios para escolha de materiais e processos de baixo impacto ...... 103 Gráfico 15 – Recursos utilizados para otimização da vida dos produtos .................. 104 Gráfico 16 – Recursos adotados visando a extensão da vida dos materiais utilizados nos produtos ......................................................................... 104 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABIMÓVEL – Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ACV – Análise do Ciclo de Vida APEX – Agência de Promoção de Exportações APL – Arranjo Produtivo Local CERFLOR – Certificação de Florestas CETEC – Central de Tratamento de Resíduos Industriais CFC – Clorofluorcarboneto CIMO – Companhia Industrial de Móveis CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CRVD – Companhia Vale do Rio Doce DfE – Design for Environment (Design orientado para o meio ambiente) DfS – Design for Sustainability (Design para sustentabilidade) ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. EMATER–Pr – Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial ETC – Escola Técnica de Criação FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FSC – Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) GT – Grupo de Trabalho GVces – Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas IAC – Instituto de Arte Contemporânea ICSID – International Council of Societies of Industrial Design IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas ISO – International Organization for Standardization IT – Inovações Tecnológicas LCD – Life Cycle Design MAM-RJ – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MASP – Museu de Arte de São Paulo MC – Mudanças Culturais MDF – Médium density fiberboard MDP – Medium density particleboard MEC – Ministério da Educação – Governo Brasileiro MOVELPAR – Feira de Móveis do Estado do Paraná ONG – Organização não governamental ONU – Organização das Nações Unidas OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Pública PETROBRÁS – Petróleo Brasileiro S/A PIB – Produto Interno Bruto PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PROMÓVEL – Programa Brasileiro de Incremento à Exportação de Móveis SBS – Sociedade Brasileira de Silvicultura SEICD – Secretaria do Estado da Indústria, Comércio e Desenvolvimento. SIMA – Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas UNCED – Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. UNESCO – Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................... 22 2.1 BREVE PANORAMA DA INDUSTRIALIZAÇÃO MUNDIAL E BRASILEIRA 22 2.1.1 Processo de industrialização mundial ........................................................... 22 2.1.2 Industrialização no Brasil ............................................................................... 25 2.1.3 Indústria moveleira no contexto nacional ...................................................... 27 2.1.3.1 Formação da indústria moveleira brasileira moderna ................................... 27 2.1.3.2 As iniciativas pioneiras .................................................................................. 31 a. Langenbach & Tenreiro ............................................................................. 31 b. Sérgio Rodrigues ....................................................................................... 32 c. Studio Palma ............................................................................................. 33 d. Fábrica de Móveis Z .................................................................................. 35 e. Móveis Branco & Preto .............................................................................. 36 f. Unilabor ...................................................................................................... 37 g. Mobília Contemporânea ............................................................................ 39 2.1.4 Panorama atual da indústria moveleira no Brasil ................................. 41 2.2 ASPECTOS DO DESIGN BRASILEIRO – DA ORIGEM AO MÓVEL CONTEMPORÂNEO ..................................................................................... 47 2.2.1 Design e a atuação do designer .................................................................... 47 2.2.2 A origem do design no Brasil ......................................................................... 49 2.2.3 O móvel moderno brasileiro .......................................................................... 52 2.2.4 O móvel contemporâneo brasileiro ................................................................ 55 2.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ESFERA NO DESIGN ............. 60 2.3.1 Desenvolvimento sustentável ........................................................................ 60 2.3.2 Consumo e sociedade ................................................................................... 63 2.3.3 Ecodesign ...................................................................................................... 68 2.3.3.1 Estratégias de ecodesign .............................................................................. 71 2.3.4 Selos e Rótulos ambientais ........................................................................... 73 2.3.5 Metodologias aplicadas à sustentabilidade ................................................... 77 2.3.5.1 Design orientado para o meio ambiente - Design for Environment (DfE) ..... 79 2.3.5.2 Design para sustentabilidade - Design for Sustainability (DfS) ..................... 80 2.3.6 Ferramenta de ecodesign aplicada no setor moveleiro ................................. 83 3 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ............................................................. 84 3.1 O PÓLO MOVELEIRO DE ARAPONGAS (PR) ............................................ 84 3.2 METODOLOGIA ............................................................................................ 88 3.3 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS.................................................... 89 3.4 POPULAÇÃO ................................................................................................ 91 3.5 SUJEITOS PARTICIPANTES ....................................................................... 91 3.5.1 Perfil das empresas participantes ................................................................. 91 Empresa “A”................................................................................................... 91 Empresa “B”................................................................................................... 92 Empresa “C”................................................................................................... 93 Empresa “D”................................................................................................... 93 Empresa “E”................................................................................................... 94 Empresa “F”.................................................................................................... 94 Empresa “G” .................................................................................................. 94 4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS ................................................... 96 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ............................................................. 96 4.2 POSTURA AMBIENTAL ................................................................................ 97 4.3 DESENVOLVIMENTO PROJETUAL ............................................................ 99 4.4 CICLO DE VIDA SISTEMA-PRODUTO ........................................................ 101 4.5 ESTRATÉGIAS LIFE CYCLE DESIGN ......................................................... 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES ............................................ 105 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 108 SITES CONSULTADOS ................................................................................ 111 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO ................................................................. 114 18 1 INTRODUÇÃO No decorrer da evolução da sociedade sempre que há alguma mudança no processo produtivo, este vem acompanhado de alterações no método projetual. Aspectos atrelados à sustentabilidade e preservação do meio ambiente são considerados premissas atuais para o desenvolvimento de novos produtos. Nesse contexto, a presente geração de designers preocupa-se com o design ecológico e tem na sustentabilidade a proposição para a criação de seus projetos. A questão ambiental é objeto de discussão desde os anos 1960, quando o conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável foi proposto pela UNESCO, na Conferência Inter-governamental para Uso e Conservação Racional da Biosfera em 1967 (FUAD-LUKE, 2002, p.8). Segundo Corbioli (2003), outras iniciativas alertando para o tema ecologia e sustentabilidade surgiram: na medida em que crescia a consciência sobre o esgotamento dos recursos naturais a idéia de desenvolvimento sustentável começou a se difundir. Hoje, as condições do meio ambiente trazem preocupações, pois a relação homem- natureza aproxima-se do seu limite, onde o desequilíbrio desta relação leva a uma série de impactos ambientais. Segundo Braga (2002 apud OTTE, 2008, p.13) por ecossistema se entende que é “o conjunto de seres vivos que interage entre si e com o meio natural de maneira equilibrada”. Esse equilíbrio é determinante para a qualidade de vida no planeta, a qual se relaciona diretamente a três elementos: população, capacidade de consumo e impacto ambiental de uma sociedade. Sabe-se que as ações humanas ameaçam diretamente o meio-ambiente, ou seja, cada produto que se utiliza para o bem-estar do homem produz um impacto negativo. Isto leva à discussão e à reorientação de novos comportamentos sociais, passando pelo redesenho dos produtos de consumo. Desta forma, o desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos requer tecnologias também favoráveis ao meio-ambiente, o que leva a uma nova capacidade de design, além de direcionar para uma nova oferta de produtos e serviços, que dependem de uma mudança comportamental e cultural por parte dos usuários para serem aceitos. Neste contexto, propostas relacionadas ao desenvolvimento sustentável visam construir um mundo materialmente suficiente, social e ecologicamente estável, ou seja, o equilíbrio do ser humano com a natureza e com o ambiente construído (MANZINI e VEZZOLLI, 2008). Assim, muitas discussões sobre o assunto caminham por aspectos econômicos, sociais e ambientais, tais como a busca por formas alternativas de energia, manejo de florestas ou o exercício de uma arquitetura e design sustentáveis. 19 Os avanços tecnológicos permitem que a necessidade de consumo supere a capacidade produtiva, considerada como uma necessidade econômica. Contudo, grande parte da degradação ambiental provém do consumo exacerbado dos bens produzidos pelo homem que, para sua produção, gasta recursos naturais e polui o meio ambiente. “Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo excedente e no supérfluo que tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver” (BAUDRILLARD, 1995 apud OTTE, 2008, p.14). Nesse sentido, propor o desenvolvimento do design para a sustentabilidade significa segundo Manzini e Vezzolli (2008), promover a capacidade do sistema produtivo de responder à procura social do bem-estar utilizando uma quantidade mínima de recursos naturais. Isto requer gerir de maneira coordenada todos os instrumentos de que se possa dispor, ou seja, produtos, serviços e comunicações e, dar unidade e clareza às próprias propostas. Assim, junto à discussão sobre o desenvolvimento sustentável aparece o conceito de desenho de produto sustentável, usualmente chamado de ecodesign. Para o design sustentável ocorrer é preciso algumas ações que, conforme Otte (2008) destaca são: a intervenção diretamente na escolha de matérias-primas; a indicação de processos de produção para otimização; aumento da vida útil. Além disso a autora adverte que o design é também responsável por criar e alterar conceitos sobre os produtos e seu consumo, agindo diretamente na linha de produção dos produtos Em definitivo, o design para a sustentabilidade pode ser reconhecido como uma espécie de design estratégico, ou seja, o projeto de estratégias aplicadas pelas empresas que se impuseram seriamente a prospectiva da sustentabilidade ambiental. Diante do exposto, considera-se importante o estudo de ecodesign praticado pelas indústrias brasileiras, especialmente as do setor moveleiro, uma vez que pesquisas na área podem ajudar a encontrar alternativas para adequar seus produtos à realidade ecológica. Diante da temática em caracterizar a integração entre design e sustentabilidade na concepção atual da produção brasileira de móveis, a pesquisa fez o recorte espacial do tema abordado contemplando a produção contemporânea do design de móveis. O estudo de caso compreendeu as indústrias do Pólo Moveleiro de Arapongas(PR) que tenham a sustentabilidade inserida em seu método de concepção e produção. Desse modo, o trabalho pretende alcance nacional, contribuindo para o registro do atual design brasileiro e assim como para futuras pesquisas. O foco desta pesquisa foi investigar a relação entre design e sustentabilidade na atual concepção da produção brasileira de móveis. Os objetivos específicos visaram 20 identificar as práticas ambientais que possam ser relacionadas com o ecodesign e a sua importância nas indústrias de móveis, compreendendo o atual cenário do design sustentável no setor; caracterizar a função do designer no processo projetual, destacando as técnicas projetuais utilizadas sob o enfoque da sustentabilidade ambiental na produção moveleira; e por meio de estudo de caso, verificar as atitudes implantadas para o design ambientalmente adequado. A escolha do Pólo Moveleiro de Arapongas(PR) para a realização desta pesquisa se justifica por este ser considerado o segundo maior do país, com significativa produção. Outro ponto a considerar se refere ao fato do design brasileiro ter, desde o seu início, seu desenvolvimento pautado principalmente no desenho de móveis, embora a atual produção tenha significativos trabalhos também em outras áreas. A esse respeito, críticos e pesquisadores concordam em afirmar que o mobiliário brasileiro é um setor no qual, desde o seu início, firmou-se com característica estética propriamente brasileira, em busca de uma linguagem e identidade próprias. Assim como a arquitetura, o design brasileiro de mobiliário passou por uma verdadeira revolução, em que traços mais simples substituíram o estilo rebuscado e a modernização nos processos industriais contribuiu para a produção. Recentemente, a preocupação dos profissionais atuantes está em integrar desenho, ecologia e preocupação social, assim “o desenho sustentável resulta, então, de criatividade, organização e planejamento”, enfatiza Azeredo (apud GRUNOW, 2006). E isso se aplica às mais variadas escalas de produção e consumo, desde móveis e objetos utilitários até a construção propriamente dita. Desse modo, considera-se o design uma importante ferramenta para divulgar os princípios de sustentabilidade, com a intervenção e melhora dos produtos. Esta pesquisa pode, portanto, contribuir para a melhoria e identificação das questões ambientais no segmento da indústria moveleira. Conforme o exposto apresenta-se as seguintes questões: Qual o panorama atual do design sustentável? É possível praticar o design sustentável na indústria moveleira? Como o ecodesign é compreendido neste setor? Para a realização desta análise optou-se por uma pesquisa descritiva e qualitativa. Descritiva por expor as características das indústrias moveleiras em estudo, estabelecendo as correlações entre as técnicas projetuais/produtivas e sustentabilidade. Qualitativa, por caracterizar o papel do designer no processo de desenvolvimento sustentável do produto. A metodologia da pesquisa constituiu-se das etapas de revisão bibliográfica, análise e interpretação das informações coletadas, discussão dos resultados e elaboração de 21 conclusões. O levantamento bibliográfico se fez por meio de livros, revistas técnicas, bem como utilizando recursos da Internet como acesso a dissertações, teses, artigos e publicações técnico-científicas, bibliotecas digitais. Como instrumento de coleta de dados foi aplicado questionário via e-mail respondido pelo responsável pelo setor de projeto e produção da indústria. Esta pesquisa está organizada em 4 capítulos: O capítulo 1 contém a introdução do trabalho, apresentando uma síntese do tema, a questão de pesquisa e seus objetivos. Também é exposto, em linhas gerais, a metodologia empregada para o estudo além da justificativa quanto à relevância do tema pesquisado. O segundo capítulo é composto pela fundamentação teórica. Inicia-se com um estudo sobre a industrialização, no seu contexto mundial e no Brasil, de maneira a caracterizar a formação da indústria moveleira no Brasil até a atualidade. Em seguida aborda-se o conceito de design e a atuação do designer assim como a sua origem no Brasil para caracterizar o móvel moderno brasileiro e a sua contemporaneidade. Na seqüência estuda-se o desenvolvimento sustentável na esfera no Design, envolvendo os conceitos de desenvolvimento sustentável, consumo e sociedade, ecodesign, e estratégias de ecodesign, selos e rótulos ambientais, metodologias aplicadas à sustentabilidade e no setor moveleiro. Na seqüência, o terceiro capítulo 3 descreve os procedimentos da pesquisa de campo: apresentam-se o objeto de estudo, a metodologia, o instrumento de coleta de dados, a população e os sujeitos participantes da pesquisa. O capítulo 4 traz a análise dos dados e resultados da aplicação do questionário. Por último, é exposto as considerações finais e conclusões da pesquisa. 22 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 BREVE PANORAMA DA INDUSTRIALIZAÇÃO MUNDIAL E BRASILEIRA 2.1.1 Processo de industrialização mundial Entre os séculos XVIII e XIX, a Europa seria o palco de uma série de transformações nos processos de fabricação, “tão profundas e tão decisivas que costuma ser conceituada como o acontecimento econômico mais importante desde o desenvolvimento da agricultura” (CARDOSO, 2004, p.18). Inicialmente na Inglaterra e na França, essas evoluções culminaram na Revolução Industrial (1759-1830) e, foram decorrentes de mudanças econômicas, políticas, sociais, culturais e tecnológicas de grande impacto na sociedade. Juntamente com o desenvolvimento industrial, houve uma tendência manufatureira, em que o consumo de recursos materiais ignora os custos sociais e ambientais da produção. Conforme Faggiani (2006) a Revolução Industrial constituiu a passagem do capitalismo comercial para o industrial, representada pela troca das ferramentas manuais pela máquina. Esse momento revolucionário, da transição de energia humana para motriz, é o ponto alto da evolução econômica, tecnológica e social que vinha se instaurando na Europa desde a Idade Média. Neste contexto, o industrialismo1 desenvolveu-se através da passagem de uma sociedade caracterizada pela produção artesanal e manufaturada para aquela fundamentada na indústria. Também incidiram significativas mudanças na esfera espacial a partir da indústria, como o êxodo rural que, associada à modernização do campo causou a expulsão de milhares de camponeses em direção às cidades (EDUCACIONAL, 2009)2. Com isso, pode- se afirmar que tais transformações no sistema industrial - na organização do trabalho, produção e distribuição, atingiram tanto o setor tecnológico como o social, onde as classes sociais do capitalismo ficaram mais claras. Se por um lado, havia a burguesia, detentora dos meios de produção que visava à lucratividade através da exploração da mão de obra, de outro, estava o proletariado, trabalhando em condições precárias. Desse modo, de acordo 1 1. Preferência dada à vida industrial. 2. Sistema social que considera a indústria como fim principal do homem na sociedade. 3. Desenvolvimento, expansão das indústrias. (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE) Disponível em Acesso em 10 jun. 2009. 2 Disponível em Acesso em 17 fev.2009 23 com Costa Júnior (2007)3, “a burguesia tinha como argumento dessa industrialização a única forma de atingir a idéia de progresso dessa época”. Segundo Previati (2001)4, foi por meio da Revolução Industrial e, portanto, com o surgimento da automação, que a humanidade vem usufruindo de benefícios antes inimagináveis, que criaram novos hábitos e costumes na sociedade. A autora cita o filme “Tempos Modernos” (figura1), de Charles Chaplin (1889–1977), que, dotado de grande sensibilidade soube retratar a realidade, onde a situação pela qual passava o homem com o advento da Revolução Industrial, resultou não só numa revolução tecnológica, mas também, numa revolução de hábitos, costumes e valores humanos. Figura 1 – Charles Chaplin. Cena de “Tempos Modernos” (1936) Fonte: www.urutagua.uem.br Por industrialização, portanto, define-se como o sistema de fabricação que alcança quantidades cada vez maiores a um custo que diminui, ultrapassando a demanda de consumo e gerando seu próprio mercado. Atualmente, é inegável que quase tudo o que se consome é produzido dentro do sistema industrial (CARDOSO, 2004; COSTA JÚNIOR, 2007). Portanto, industrialização engloba o longo processo de transição pelo qual o sistema de produção passou. Igualmente no setor estatal como na iniciativa privada ocorreram, ao longo do século XVIII, pelo menos quatro transformações fundamentais na forma de organização industrial: Primeiramente, a escala da produção começava a aumentar de modo significativo, atendendo a mercados maiores e cada vez mais distantes do centro fabril. Em segundo lugar, aumentava também o tamanho das oficinas e das fábricas, as quais reuniam um número maior de trabalhadores e passavam a concentrar um investimento maciço de capital em instalações e equipamentos. Terceiro, a produção se tornava mais seriada através do uso de recursos técnicos como moldes, tornos e até uma incipiente mecanização de alguns processos, todos contribuindo para reduzir a variação individual entre produtos. Por último, crescia a divisão de tarefas com uma especialização cada vez maior de funções, inclusive na separação entre as fases de planejamento e execução. (CARDOSO, 2004, p. 30). 3 Disponível em . Acesso em 18 mar. 2009. 4 Disponível em Acesso em 04 maio 2009. 24 Conseqüentemente foi através da industrialização que os países passaram a investir na produção de bens de consumo em escala jamais vista anteriormente, uma vez que o domínio de mercados estrangeiros passa a ser de suma importância para a defesa dos interesses comerciais de cada nação. Assim sendo, uma sociedade de consumo já existia no século XVIII em alguns países europeus. Essa classe consumidora com alto poder de compra e exigente por bens de consumo mais sofisticados, é o que impulsiona o mercado de artigos de luxo, onde se encontram os primórdios da organização industrial (CARDOSO, 2004). A partir do século XIX, o avanço da indústria envolveu outros países europeus, como a Alemanha e a Itália e, também de outros continentes como os EUA na América e o Japão na Ásia, potências que iriam dominar o mundo no século XX. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), países em desenvolvimento5, como é o caso do Brasil, também passaram por processos de industrialização. A forte presença do Estado e de empresas multinacionais estrangeiras incentivou esse processo e fizeram de alguns desses países potências industriais. No entanto, a industrialização nos países periféricos “não resultou necessariamente na melhoria de vida das populações ou no desenvolvimento do país, como ocorreu no mundo desenvolvido” (EDUCACIONAL, 2009). Ao contrário, o processo nesses países ocorreu de modo subordinado aos capitais internacionais, o que gerou um aprofundamento da dependência externa. Além disso, soma-se o fato de que as indústrias já se instalavam estruturadas nos novos moldes o que não aumentava o número de empregos necessários para absorver a mão-de-obra cada vez mais numerosa que vinha do campo para as cidades. Isso fez com que ocorresse um processo de metropolização acelerado, que não foi seguido pela implantação de infra-estrutura e geração de empregos, ocasionando num dos maiores problemas dos países emergentes hoje: o inchaço das grandes cidades e dos problemas decorrentes do mesmo. 5 A partir desse momento foram cunhadas em cadeia as expressões “países emergentes” e “países periféricos”, na tentativa de categorizar os países em que a industrialização se iniciava e assim era tida como fator de desenvolvimento econômico. (N.A.) 25 2.1.2 Industrialização no Brasil Enquanto o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822) não houve desenvolvimento industrial no país. Isto se deve a um pacto entre Portugal e Inglaterra, que versava sobre a “proibição do desenvolvimento do processo de industrialização em Portugal, extensiva também a todas as suas colônias, incluindo o Brasil” (MORAES, 2006, p.67). A economia cafeeira, desenvolvida no país no final do século XIX, foi a responsável pelo início do processo industrial no Brasil. Isto porque os cafeicultores passaram a investir partes dos lucros da exportação de café na formação de fábricas de tecidos, calçados e outros produtos mais simples, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro (SUAPESQUISA, 2009)6. Sobre esse aspecto, citam-se as contribuições da economia cafeeira para a industrialização, como: acúmulo de capital necessário para o processo; criação de infra-estrutura; formação de mercado de consumo; mão-de-obra utilizada, na sua maioria de imigrantes italianos. (EDUCACIONAL, 2009). Contudo, somente no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) é que a indústria brasileira ganha um grande impulso. Na chamada era Vargas, como ficou conhecida, o processo de industrialização recebe a intervenção estatal na economia, através de leis de incentivo. A criação de empresas estatais como a CRVD - Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás e Eletrobrás, dentre outras, tem a intenção de industrializar o país, para não deixar o Brasil cair na dependência externa (EDUCACIONAL, 2009). Assim, com leis voltadas para a regulamentação do mercado de trabalho, medidas protecionistas e investimentos em infra-estrutura, a indústria nacional cresceu significativamente nas décadas de 1930-40. Porém, este desenvolvimento continuou restrito aos grandes centros urbanos da região sudeste, provocando grande disparidade regional. Outro fator contribuinte à formação industrial brasileira foram as duas guerras mundiais. Sobre esse aspecto Segawa diz: A guerra, [...] assegurou à América um momento positivo na situação econômica e cultural. [...] no caso brasileiro, em parte estimulou o desenvolvimento industrial nacional com a importação de equipamentos a custos baixos, graças às diferenças cambiais favoráveis nessa oportunidade. (SEGAWA, 1999, p.159) Os anos seguintes à Segunda Guerra assinalaram uma época de grande desenvolvimento para a economia brasileira. O nacionalismo da era Vargas foi substituído 6 Sua Pesquisa. A industrialização no Brasil. Disponível em http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/industrializacao_brasil.htm Acesso em 17 fev. 2009 26 pelo desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubstischek (1956-1961), que dá novos rumos à indústria brasileira (figura 2). Figura 2 – Linha de montagem dos carros Dauphine e Aero –Willys. São Paulo (1960) Fonte: www.cpdoc.fgv.br Durante seu governo, JK abre a economia para o capital internacional e estimula a atividade econômica no país “com a reordenação do sistema de energia e transportes, implantação de estruturas industriais e de bens de produção e o nascimento da indústria automobilística brasileira” (SEGAWA, 1999, p.17). E, além disso, foi no início dos anos 60 que o setor industrial superou a média de crescimento dos demais setores da economia brasileira. Culturalmente, o Brasil também se destacava: na música com o surgimento da Bossa Nova; nos esportes pela conquista das copas de 1958 e 1962; e na arquitetura pelo destaque de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, principalmente pelas expectativas em torno da construção de Brasília (figuras 3 e 4). Portanto, a Era JK, como ficou conhecida, trouxe uma série de inovações tanto no campo econômico como na área cultural. Figura 3 - Pelé e Vavá na comemoração do segundo gol do Brasil contra a Suécia-decisão da Copa do Mundo. Suécia (1958) Figura 4 – Construção do prédio do Congresso Nacional. Brasília (1958) Fonte: www.cpdoc.fgv.br Fonte: www.cpdoc.fgv.br 27 Segundo Segawa (1999), entre 1968 e 1974, o crescimento médio da economia brasileira foi da ordem de 10% ao ano, com os investimentos internacionais ingressando no Brasil em grandes fluxos. No período, o capitalismo brasileiro mantinha como base de sustentação o Estado, as multinacionais e o grande capital local. Nas décadas seguintes, a industrialização do Brasil continuou a crescer, embora tenha estagnado em alguns momentos de crise econômica mundial, como na Crise do Petróleo, em 1973. A partir da década de 1990, o processo de industrialização do país toma novo rumo com a privatização de grande parte das estatais e a abertura cada vez maior da economia ao capital internacional. Atualmente, são verificadas mudanças espaciais significativas na distribuição das indústrias no país. Anteriormente, a tendência era a concentração espacial no Centro-sul, especialmente São Paulo, fazendo com que esse estado se tornasse o grande centro da economia nacional e em decorrência disso recebesse os maiores fluxos migratórios. Hoje, é forte a tendência de desconcentração industrial, ou seja, localidades do interior de São Paulo, dos estados do sul e dos nordestinos começam a receber plantas industriais que em outros tempos se dirigiriam para a capital paulista. Esse processo se deve em especial à globalização da economia que tem acirrado a competição entre as empresas, que, com isso, buscam a redução dos custos de produção buscando produzir onde é mais barato. Assim, esse processo todo tende a redesenhar não apenas o espaço industrial brasileiro, mas de várias áreas do mundo. (EDUCACIONAL, 2009) 2.1.3 Indústria moveleira no contexto nacional 2.1.3.1 Formação da indústria moveleira brasileira moderna Conforme exposto anteriormente, até a década de 30, o Brasil manteve sua condição de país agrário e conseqüente dependência econômica, “apesar das inúmeras mudanças econômicas ocorridas no panorama internacional, dos primeiros indícios internos de industrialização e da emergência de uma burguesia urbana” (BAYEUX, 1997, p.91). Culturalmente, o país mantinha-se ainda nas tendências ecléticas tanto na arquitetura como na produção moveleira, enquanto que na Europa já ocorriam manifestações artísticas de vanguarda. 28 Contudo, além da produção sob encomenda no Liceu de Artes e Ofícios7, “havia um número expressivo de marcenarias e fábricas que produziam móveis em todos os estilos” (SANTOS, 1995, p.17). Os processos de fabricação artesanais começaram a ser substituídos pela mecanização no final do século XIX, a fim de facilitar a produção. Coutinho et al. (2001) relatam que devido ao grande fluxo imigratório no início do século XX, surgiram pequenas oficinas de artesãos italianos em São Paulo e municípios limítrofes, como Santo André, São Caetano e São Bernardo. Os autores consideram este momento como o início da indústria moveleira, atrelada à primeira fase do desenvolvimento industrial brasileiro, onde a maior parte de sua produção procurava atender ao mercado popular em formação. Até então, como apontam Bayeux (1997) e Devides (2006), as marcenarias produziam mobiliário de forma híbrida8 e foi durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que o Brasil teve a sua primeira experiência em termos de produção seriada, com a linha de móveis em madeira vergada desenhada pelo marceneiro espanhol Celso Martinez Carrera (1883-1955), em 1915. Carrera se inspira nos móveis Thonet para projetar a linha de móveis Patente, (figura 5), a qual se tornaria um marco no design brasileiro pelas suas linhas leves e extremamente simples, cujo conceito funcional, possibilita sua industrialização a preços populares. Figura 5 – C. M. Carrera. Cama Patente (1915). Fonte: www.mcb.sp.org.br A utilização da técnica da madeira vergada leva a outra experiência em industrialização moveleira do início do século XX. Trata-se da produção de móveis em série da Companhia Industrial de Móveis – Móveis Cimo, a qual representa um dos marcos mais expressivos entre a herança artesanal e o início da fabricação seriada no Brasil. Criada, na cidade de Rio Negrinho (SC), hoje um dos maiores pólos moveleiros do país, pelos irmãos Zipperer, descendentes de imigrantes vindos da região da Boêmia, a empresa inicia em 1921 a produção de cadeiras. A fábrica nasce do aproveitamento das aparas de imbuia, 7 O Liceu de Artes e Ofícios é uma escola de ensino profissionalizantes, fundada em 1873, em São Paulo. 8 Segundo Devides (2006), o mobiliário de forma híbrida consiste na formação de um único modelo, com referência em revistas, catálogos de concorrentes e feiras nacionais e internacionais. 29 resíduo da fábrica de caixas, para serem comercializadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Segundo Santi (2004)9, às duas premissas iniciais, o aproveitamento do material e a comercialização nos maiores centros urbanos do país, somam-se outras inerentes a um produto de qualidade destinado à produção em escala, como a padronização de componentes e a conseqüente montagem em série. É, portanto, pioneira na introdução da tecnologia da laminação diferenciando-se de seus concorrentes, além de utilizar uma política de reflorestamento, controlando desde o plantio das árvores até a embalagem do produto (figuras 6 e 7). Desse modo, a Móveis Cimo conseguiu atingir um amplo mercado, fornecendo seus móveis principalmente para estabelecimentos públicos. BAYEUX (1997, p.92) assim define a empresa: “os móveis Cimo contribuíram para disseminar um padrão de mobiliário cuja principal marca era a simplicidade, a funcionalidade e a economia”. Ao encerrar suas atividades em 1980, a Móveis Cimo deixa um precioso legado histórico: as inovações tecnológicas e a funcionalidade dos seus móveis utilizados até hoje, demarcando um período da história e da cultura brasileira. Sua influência é ainda lembrada como fundamental para o desenvolvimento e amadurecimento da produção moveleira industrial no país, pois sua preocupação com aspectos técnicos e estéticos sempre fora uma constante. A partir da década de 1950, a arquitetura moderna residencial se estabiliza juntamente com o desenvolvimento industrial no país, criando-se possibilidade para a produção em série tanto de componentes construtivos quanto de elementos interiores, (SANTOS, 1995). 9 Disponível em Acesso em 12 maio 2009. Figura 6 - Componentes Modulados e Cadeira Cimo. Figura 7 - Cadeira Cimo 1001. (1921-24) Fonte: www.mcb.sp.org.br Fonte: www.arcoweb.com.br 30 Como reflexo da industrialização vigente, as fábricas e ateliês de móveis modernos criados nesse período quase sempre buscaram obstinadamente uma produção seriada e, é por meio de diversas experiências que o design e a linguagem moderna são inseridos no móvel nacional, deixando assim as restrições da produção sob encomenda. Segundo Ortega (2007)10, as exceções mantiveram intencionalmente o sistema artesanal de produção. Sobre essa transição, a autora ainda aponta que: Na grande maioria das vezes começaram artesanalmente, depois de reconhecidos todos os detalhes construtivos foram lentamente iniciando uma sistemática na mecanização ou automação com o aproveitamento racional da matéria-prima e da mão-de-obra. (ORTEGA, 2007) Para Cavalcanti (2001) a geração pioneira é caracterizada por designers ícones do desenho moderno da mobília contemporânea. Segundo a autora: Estes pioneiros com reconhecida atuação nacional e internacional trouxeram cada qual sua contribuição profissional desenvolvida durante o período moderno, mas também integram, no cenário contemporâneo, o quadro de designers protagonistas e responsáveis pela criação e produção da mobília brasileira, ícones de exemplo e referência. (CAVALCANTI, 2001, p.94) Desse modo, cada experiência e respectivo profissional abordam uma vertente diferente no processo de configuração e industrialização do móvel, onde cada qual a seu modo representa um momento histórico, contribuindo para a busca das raízes matriciais do país. Santos (1995 apud Devides, 2006) declara que, inspirados nas iniciativas pioneiras dos artistas de 2211, nas décadas de 50, 60 e 70 já se pensavam de maneira moderna. O período também é significativo para o desenvolvimento da indústria moveleira brasileira com o surgimento de algumas empresas. Preocupadas com a qualidade dos móveis por elas produzidos, abrem espaço para os designers nacionais que, até então, limitavam-se a uma produção reduzida e artesanal. Tais empresas se caracterizaram, portanto, pelas iniciativas e soluções industriais diferentes, contribuindo com o novo desenho e também com uma forma mais racional de produção industrial do móvel. 10 Disponível em Acesso em 12 mar 2009. 11 Semana de Arte Moderna de São Paulo, ocorrida em 1922. 31 2.1.3.2 As iniciativas pioneiras a. Langenbach & Tenreiro Joaquim Tenreiro (1906-1992), português radicado no Brasil desde 1928, é considerado o precursor do mobiliário moderno brasileiro. Atuou como designer, pintor e escultor, e também participou do núcleo Bernardelli12. Suas criações se caracterizam pelo uso que fez da madeira e de outros materiais naturais aliado à estética delgada e aos traços suaves que traduziram o modernismo brasileiro na área de design de móveis. Artesão da madeira, vindo de uma família com grande tradição em marcenaria, Tenreiro inicia sua experiência brasileira no Rio de Janeiro da década de 20, fazendo móveis de estilo, fase que vai até 1942, quando inicia a prática de suas concepções de móvel moderno. A partir de então, Tenreiro, juntamente com o alemão Langenbach, funda a Langenbach & Tenreiro, loja especializada em móveis modernos e de estilo. A série de móveis era fabricada de uma maneira bastante artesanal, mas com extrema qualidade de execução, leveza, compreensão exata do uso da madeira e elegância inconfundíveis, fatores que caracterizam sua obra (figuras 8 e 9). Figura 8 – Joaquim Tenreiro. Poltrona Leve, estrutura em pau marfim e revestida em tecido. (1942) Figura 9 – Joaquim Tenreiro. Cadeira de três pés em jacarandá e amendoim. Fonte: Santos, 1995. Fonte: www.arcoweb.com.br Desde 1947 a aceitação dos móveis modernos superou as expectativas, de maneira que, não são mais produzidos nem comercializados os móveis de estilo. Na década de 50, devido ao grande sucesso dos móveis modernos projetados por Tenreiro, é 12 Núcleo Bernardelli - reduto de artistas dos anos 30 e 40, cuja criação remete a um contexto artístico que, como metas centrais tinham a formação, o aprimoramento técnico e a profissionalização artísticos. (N.A.) 32 inaugurada uma filial na cidade de São Paulo, a qual funcionou por seis anos. Santos (1995) aponta ainda que acompanhando a crise da filial de São Paulo, surgiram outros problemas com o mercado, os quais passaram a desgastar Tenreiro, levando-o a produzir um tipo de mobília cara e mais adequada ao consumo da elite. A situação foi se complicando, o que fez Tenreiro desativar as oficinas definitivamente em 1968. Nesta data, afastou-se do design e passou a se dedicar com exclusividade às artes plásticas. b. Sérgio Rodrigues Considerado um dos mais importantes designers de móveis brasileiros, Sérgio Rodrigues (1927) tem notoriedade por seus trabalhos representarem a busca por uma identidade nacional. Ainda estudante de arquitetura, acompanhou o desenrolar da arquitetura moderna brasileira, “sempre notando a nítida defasagem que existia entre a obra arquitetônica e os equipamentos interiores, aprofundando-se em estudos sobre a evolução do mobiliário contemporâneo” (SANTOS, 1995, p.125). Em 1953, em sociedade com os irmãos Hauner, cria a Móveis Artesanal Paranaense, em Curitiba. Após a falência deste empreendimento, é contratado no ano seguinte para comandar o setor de criação de arquitetura de interiores da nova empresa dos Hauner, a Forma S.A., em São Paulo. Nesse período, tem contato com a produção de diversos arquitetos e designers europeus, como Gregori Warchavchik (1896-1972) e Lina Bo Bardi (1914-1992). Ao desligar-se da empresa em fins de 1954, formaliza a idéia de proporcionar um espaço de produção e comercialização do design brasileiro com a abertura da Oca, em 1955, no Rio de Janeiro. A Oca retoma o espírito da simplicidade da casa indígena por meio da integração do passado e presente na cultura material brasileira (figura 10). Idealizada como um estúdio de arquitetura de interiores, ambientação, cenografia e componentes de decoração, a Oca mantém ainda uma galeria de arte para exposição do mobiliário de sua autoria. Figura 10 – Sérgio Rodrigues. Banco mocho. (1954) Fonte: www.novodesenho.com.br 33 Com o objetivo de comercializar móveis produzidos em série a preços acessíveis, instala, ainda na década de 1960, a empresa Meia-Pataca, que se mantém no mercado até 1968. Segundo Santos (1995) esta foi uma experiência importante, do ponto de vista de processos de produção. Até então, os móveis que ele desenhava eram produzidos quase que artesanalmente, pois a exuberância criativa de seus desenhos gerava problemas para a industrialização. Após treze anos de atividade, deixa a Oca para se dedicar mais à arquitetura, porém, isso não o impediu de seguir como designer independente, com seu estilo original e uma produção sempre crescente. Com obras premiadas, destaca-se a poltrona Mole (figura 11), produzida em 1957, que recebeu o primeiro lugar no Concurso Internacional do Móvel, em Cantù na Itália, em 1961. Em 1975, recebe o prêmio do Instituto dos Arquitetos do Brasil pela concepção da poltrona Kilin (figura 12), e reconhecimento nacional pelo conjunto de sua obra. Figura 11 - Sérgio Rodrigues. Poltrona Mole. (1957) Figura 12 – Sérgio Rodrigues. Poltrona Kilin. (1973) Fonte: www.novodesenho.com.br Fonte: www.novodesenho.com.br c. Studio d´Arte Palma O Studio d´Arte Palma foi um empreendimento do setor de desenho de mobiliário resultado da associação de três imigrantes italianos, Pietro Maria Bardi (1900-1999), Lina Bo Bardi (1914-1992) e Giancarlo Palanti (1906-1977), então reunidos por “um desejo inicial comum de atualizar e produzir um mobiliário moderno” (SANCHES, 2003, p.30)13, além de assegurar uma especificidade local, expressa por meio da preocupação com o clima, com a investigação dos materiais nacionais e com a atenção aos modos de vida e de produção de objetos do povo. 13 Disponível em Acesso em 12 maio 2009. 34 Ao constatar que o mobiliário não acompanhou a velocidade de desenvolvimento da arquitetura, Lina se dedica à busca de um tipo de móvel que se identificasse com as exigências da nova arquitetura e com as condições brasileiras (SANTOS, 1995). Em suas palavras, a arquiteta assim definia essa iniciativa: “a tendência era criar um movimento nesse campo, que nada apresentava ao passo que já existia a arquitetura brasileira que era importantíssima” (LINA BO BARDI apud SANTOS, 1995, p.96). A produção em série era o objetivo do Studio Palma, de modo que, conforme Sanches (2003) os projetos ali realizados e executados utilizavam a técnica de produção por meio de recorte de chapas de compensado fornecidas pela indústria, além de peças encaixáveis e desmontáveis e dos perfis laterais, recortados como uma só peça. Segundo Santos (1995) no Studio de Arte Palma houve uma tentativa de produção manufatureira de móveis de madeira compensada, cortada em pé, não dobrada, seguindo os princípios de Alvar Aalto14. Outra inovação se refere ao estofamento, ou melhor, ao não estofamento. Segundo Santos (1995) para o assento e o encosto das cadeiras eram usados lona, couro e até mesmo chita, o que foi revolucionário diante dos costumes e gosto da época. Desse modo, a obra de Lina definiu novos padrões de gosto e pode ser considerada um ponto de referência em termos da introdução de novos materiais, principalmente a madeira compensada recortada em folhas paralelas, uma novidade num país onde até então imperava o emprego da madeira maciça (figuras 13 e 14). Figura 13 - Studio d´Arte Palma. Poltrona. (1950) Figura 14 - Studio d´Arte Palma. Poltrona Tripé. (1948). Fonte: www.mcb.sp.org.br Fonte: www.mcb.sp.org.br 14 Segundo Souto (2002), o desenvolvimento da tecnologia para a indústria foi possibilitado em determinados processos pela forma que pudesse ser trabalhada com o mesmo rigor técnico, mas com maior liberdade. A produção do arquiteto finlandês Alvar Aalto (1898-1976) exemplifica esse momento, pois seu trabalho é fruto de estudos de modos para curvar a madeira por sistemas de aquecimento e esfriamento. 35 A fabricação dos móveis modernos projetados no Studio Palma era feita pela empresa Pau Brasil, fundada pelos mesmos sócios para atender a esta demanda. Com instalações simples, o diferencial ficava por conta da vinda de marceneiros e oficiais de móveis da cidade italiana de Lissoni, um dos mais importantes centros de móvel moderno. Desse modo, era introduzida uma nova maneira de produzir móveis no Brasil, explicitando uma falta de bases materiais no país que pudessem efetivar essa atualização segundo os moldes pretendidos (SANCHES, 2003; SANTOS, 1995). Para Ortega (2007) a produção do Studio procurou aliar uma linguagem que resgatava elementos culturais, sem descuidar da estética e dos conceitos propostos pelos modernos. Ainda com a autora, essa associação tornou-se o grande desafio para conciliar estes valores a uma produção seriada, que garantiria as premissas do que se estabelecera como moderno. d. Fábrica de Móveis Z De 1948 a 1961, na cidade de São José dos Campos, interior paulista, José Zanine Caldas (1919-2001), Sebastião Henrique da Cunha Pontes e Paulo Mello fundam a fábrica de móveis Zanine, Pontes e Cia. Ltda. Nos seus doze anos de existência, a Móveis Artísticos Z, como ficou conhecida, produziu móveis desenhados por Zanine e de influência modernista para a classe média. Santos (1995) revela que a Fábrica de Móveis Z, foi uma experiência promissora que refletiu, no ângulo da mobília, as esperanças da industrialização. Isto porque os móveis ali produzidos se caracterizavam pela preocupação com a modulação e pelo aproveitamento total das chapas de compensado, tornando-os baratos e acessíveis. Com grande preocupação ecológica, já naquela época a Móveis Z evitava ao máximo o desperdício de madeira na produção. Na verdade, a possibilidade de industrializar o móvel foi o resultado de uma longa experiência que Zanine Caldas vinha desenvolvendo com madeiras compensadas, já utilizadas na sua produção de maquetes e contando com o apoio do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Além disso, os móveis alcançaram tamanho sucesso devido à leveza das peças e uso de materiais coloridos e formas orgânicas (figuras 15 e 16). 36 Figura 15 – Móveis Z. Cadeira de braços listrada. (Década de 1950) Figura 16 – Móveis Z. Espreguiçadeira anatômica. (Década de 1950) Fonte: www.veja.abril.uol.com.br Fonte: Santos, 1995. Conforme Santos (1995), em meio às sucessivas experiências de produção artesanal do móvel, as realizações de Zanine se destacaram pela preocupação explícita com os processos industriais, de modo que seu trabalho possui características muito peculiares e adequadas ao processo de industrialização brasileiro à época. Os Móveis Z eram quase que completamente industrializados: a produção era mecanizada, a fábrica dispunha de bom equipamento, e somente as tarefas de montagem requeriam a participação de operários. e. Móveis Branco & Preto A loja Móveis Branco & Preto foi uma experiência em produção de móveis, que aconteceu em São Paulo, em 1952, onde um grupo de arquitetos se associou com o objetivo de criar móveis contemporâneos adequados aos novos ambientes das casas modernas projetadas por eles. Faziam parte do grupo: Carlos Millan (1927-1964), Chen Hwa (1928-?), Jacob M. Ruchti (1917-1974), Miguel Forte (1915-2002), Plínio Croce (1921-1985) e Roberto Aflalo (1926-1992). Assim, conforme Santos (1995) o móvel produzido pelo Móveis Branco & Preto era de linhas delgadas, sóbrio e de formas muito bem definidas. [...] A grande amizade que se criou entre nós levou-nos a outros campos de interesse, independente da arquitetura, principalmente o desenho industrial. Dessa forma, acabamos alimentando o desejo de ter uma loja de móveis desenhados por nós mesmos, certos de que o mercado comportava algo diferente. Embora já existissem lojas desse gênero, a proposta era o desenvolvimento de uma linha contemporânea, mais ligada às intenções e necessidades do arquiteto. (MIGUEL FORTE apud SANTOS, 1995, p. 111). 37 Uma das características da sua produção foi o uso de materiais como a madeira laminada, o ferro soldado e o plástico, além de “as peças concebidas pelo Branco & Preto interpretarem o moderno pelo espírito da lógica despojada e pura, distinguindo-se, antes de mais nada, pela leveza do aspecto” (SANTOS, 1995, p.111). Outro destaque se refere ao próprio desenvolvimento do móvel, resultado de intensa pesquisa de desenho que tinha o intuito de solucionar questões ligadas à funcionalidade, buscando as proporções anatômicas corretas e confortáveis. Outro referencial diz respeito à produção permanecer nos moldes artesanais, através da terceirização dos serviços. Apesar das condições de industrialização se abriram à época e do sucesso comercial assegurado, o Branco & Preto nunca pensou em partir para a mecanização, o que restringia à uma série de pequena tiragem. Essa característica limitou o desenvolvimento da associação, uma vez que no final dos anos 50, a mão-de-obra artesanal disponível ficou escassa, surgindo o impasse de industrializar e talvez recusar a arquitetura ou encerrar as atividades, o que decidiram-se pela segunda opção (figuras 17 e 18). Figura 17 - Miguel Forte e Jacob Ruchti. Poltrona MR7. Figura 18 – Carlos Millan. Poltrona em madeira e encosto em palhinha. Fonte: Acayaba, 1994. Fonte: Acayaba, 1994. Portanto, como Santos (1995) conclui a experiência do Branco & Preto, apesar de artesanal, foi importante para a difusão do novo vocabulário formal do mobiliário brasileiro, considerado um marco na história do mobiliário paulista. f. Unilabor No período de 1954 a 1967, instalada no bairro operário do Ipiranga, em São Paulo, funcionou a Comunidade de Trabalho Unilabor Ltda, um projeto social-religioso estruturado 38 em moldes autogestionários, com os lucros partilhados entre os funcionários. Conduzido pelo frei dominicano João Batista Pereira dos Santos, a Unilabor teve o apoio de empresários, intelectuais e artistas. Dentre seus colaboradores destaca-se Geraldo de Barros (1923-1998), pintor concretista “responsável pelo desenho de toda a produção e pelo nome Unilabor (união no trabalho), marca e programação visual da empresa” (SANTOS, 1995, p.115) (figura 19). Figura 19 – Logotipo da Unilabor. Fonte: Santos, 1995 Em julho de 1954, frei João Batista, Geraldo de Barros, o serralheiro Antônio Thereza e o engenheiro Justino Cardoso iniciam a produção de móveis modernos, ainda artesanalmente, com o objetivo de criar uma cooperativa de trabalho. Assim, a empresa funciona com um sistema de produção em série, contando com aproximadamente 100 trabalhadores e possuindo quatro lojas, três delas na capital paulista e uma em Belo Horizonte. A mobília da Unilabor, exclusivamente residencial, utilizava em grande parte peças em comum, de modo a facilitar a fabricação e reduzir a necessidade de estoques, levando à modulação e consequentemente, ao aumento da produção com redução do custo industrial. Conforme Santos (1995) os móveis da Unilabor procuraram resolver de forma conjugada problemas de forma, função e produção dentro de condições mecanizadas. Assim, a produção em série bem sucedida era outra característica da fábrica, que abandonou o processo artesanal e partiu para a racionalização do sistema produtivo. [...] fabricava um total de 77 peças a partir da combinação de um conjunto de componentes cujo desenho permitia o encaixe recíproco em virtude da maioria das medidas obedecerem a certo número de padrões ‘comprimento-largura-altura’ fixos. A produção se tornara completamente serial, o que permitiu organizar um catálogo com as disponibilidades oferecidas e inaugurar o que foi chamado Padrão UL. (CLARO, 2004, p.35) Havia também a preocupação em produzir uma mobília que fosse visualmente leve, sem nenhum adereço ou elemento aposto, utilizando novas combinações de materiais. 39 Desse modo, Barros trabalha com formas geométricas simples, poucos materiais - madeira, ferro e revestimentos, e um conjunto reduzido de peças modulares (figuras 20 e 21). Figura 20 – Unilabor. Estante em madeira laqueada. (1956) Figura 21 – Unilabor. Buffet em fórmica. (1956) Fonte: Santos, 1995. Fonte: Santos, 1995. A variedade de modelos é resultado de diferentes arranjos das mesmas peças. Esse sistema, que se espelha nos métodos da Bauhaus, permite a produção serial e, conseqüentemente, a expansão industrial da fábrica. No entanto, o projeto social da Unilabor estava voltado para a melhoria das condições de vida e de trabalho da classe operária, e não para a produção de móveis de boa qualidade a preços populares. Sua clientela era formada por uma classe média alta interessada em se identificar com um projeto moderno de caráter social progressista, sendo os móveis inacessíveis às camadas sociais de baixa renda. Segundo Santos (1995), durante cerca de treze anos a empresa percorreu um caminho importante para a história da modernização do móvel brasileiro. Entretanto, enfrentou problemas de organização interna. O modelo cooperativo, na verdade, não foi muito bem absorvido, surgindo polêmicas ideológicas entre os associados, o que provocou em 1964, o prematuro desligamento de Geraldo de Barros da empresa, antes mesmo do encerramento de suas atividades, em 1967. g. Mobília Contemporânea Exemplo significativo da racionalização e modulação no processo de produção de móveis no Brasil, outro destaque foi a Mobília Contemporânea que, para Devides (2006), foi a experiência mais inovadora em termos de produção industrial de móveis no Brasil. Esta 40 empresa foi fundada por Michel Arnoult (1922-2005) e Abel de Barros Lima, sediada inicialmente no Paraná e transferida em 1955 para São Paulo. Desde seu início, a Mobília Contemporânea se preocupou com a modulação e o móvel em série, definindo toda sua produção como industrial, e, assim “quebrando com os esquemas tradicionais de fabricação que existiam no Brasil” (SANTOS, 1995, p.138). Além da modulação (figuras 22 e 23), outras características se faziam presentes na sua produção, como a multiplicidade de função tanto do modelo como de uso de cada peça, proporcionando o aproveitamento multifuncional de cada componente, a desmontagem total e a reposição imediata de peças, além, da homogeneidade na usinagem e no acabamento total, resultando em um móvel resistente aos modismos. Figura 22 - Michel Arnoult. Polrona Peg-Lev. (1972) Figura 23 - Michel Arnoult. Poltrona Pelicano. Fonte: www.arcoweb.com.br Fonte: www.arcoweb.com.br A produção voltada ao consumidor da classe média, reproduzia a mobília tradicional e atendia às necessidades da habitação deste usuário, além de proporcionar flexibilidade industrial pela sua modulação. Segundo Devides (2006), histórica, social e economicamente, este momento correspondia a uma época em que a indústria se firmava no Brasil, assim como se firmava o potencial de consumo da classe média. A modulação, a flexibilidade e a simplicidade de montagem e desmontagem fizeram com que o usuário recuperasse em parte o domínio sobre os móveis. Para Santos (1995), a contribuição da Mobília Contemporânea para a reformulação dos processos industriais modernos foi bastante significativa, pois ela introduziu novas técnicas e concepções construtivas que permitiram acompanhar o desenvolvimento e expansão que o mercado interno estava sofrendo por volta dos anos 50. 41 Como demonstrado, a implantação da indústria do mobiliário brasileiro moderno desenvolveu-se, sobretudo, com a iniciativa dos imigrantes que aqui desembarcaram e, que em busca de novas oportunidades, abriram pequenas marcenarias artesanais de seu ofício. Assim, estava dado o passo inicial para a formação do setor moveleiro no Brasil. Após o pioneirismo nas décadas de 1920 e 1930, os anos seguintes viram surgirem profissionais que realizaram desenhos de móveis e de outros equipamentos para a habitação com o intuito de atualizar e produzir um mobiliário condizente com a nova arquitetura moderna. A preocupação também envolvia a produção de móveis com características mais brasileiras, relacionados ao clima e aos materiais empregados, o que resultou em pesquisas por parte de diversos profissionais do setor. Apesar das iniciativas em modernizar e industrializar o móvel brasileiro, as primeiras experiências partiram ainda de uma produção praticamente artesanal. Da necessidade de inserir nos projetos arquitetônicos modernos a mobília também moderna abriu-se campo para uma nova área de especialização e atuação do profissional de design. Assim, a inclusão do design nas indústrias brasileiras, especialmente a de móveis, é de grande importância para os profissionais que atuam neste setor. Para esta pesquisa, este referencial histórico sobre a formação da indústria brasileira moderna de móveis, fez-se necessário para o entendimento contemporâneo das transformações projetuais deste setor e para a caracterização do profissional de design dentro deste contexto. 2.1.4 Panorama atual da indústria moveleira no Brasil Desde o período caracterizado por tentativas de produzir o móvel em série, a indústria moveleira vem se consolidando no Brasil. Atualmente, o setor moveleiro é um importante setor no panorama industrial brasileiro, responsável por 14,4mil estabelecimentos, gerando 227,6mil empregos diretos, segundo dados da ABIMOVEL15 (2009) e conforme demonstrado pela tabela 116. Assim, a cadeia produtiva moveleira é considerada uma das mais variadas e dinâmicas na economia brasileira. 15 ABIMÓVEL – Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário, entidade sem fins lucrativos que congrega fabricantes brasileiros de móveis, seus fornecedores, entidades regionais, associações de classe, designers, fornecedores de matérias primas, varejistas além de organizadores de eventos e exposições do setor mobiliário. Disponível em Acesso em 09 fev 2009. 16 Os dados mais recentes disponíveis do setor são do ano base de 2005. (N.A) 42 Tabela 1 – Números da Indústria Moveleira no Brasil Indústrias 14,4mil Empregos 227,6mil Produção 309 milhões de peças Vendas R$ 17 bilhões Exportações US$ 1 bilhão Investimentos R$ 330 milhões Fonte: ABIMÓVEL, 2009 Segundo José Luiz Diaz Fernandez (apud Garcia, 2009)17, atual presidente da ABIMÓVEL, a indústria brasileira de móveis faturou R$ 27 bilhões em 2008 e no ano anterior, o faturamento foi de R$ 22 bilhões. Quanto às exportações, estas somaram cerca de US$ 988 milhões em 2008 contra US$ 1,08 bilhões em 2007, o que significa uma queda de 1,7%. As exportações equivalem a 10 % da produção total do Brasil. Para o ano de 2009, a projeção nas vendas de móveis no mercado interno deve crescer 5%. O gráfico 1 apresenta a relação entre exportações/importações da indústria moveleira no período de 2000 a 2007 e, revela que o comércio internacional do setor moveleiro tem na taxa de câmbio o seu principal determinante, uma vez que as variações sofridas decorreram em grande parte pela variação cambial: Entre 2001 e 2004, houve uma expansão das exportações e um recuo das importações, de forma que o saldo comercial mais do que dobrou neste período. Por sua vez, entre 2004 e 2007, verifica-se uma estagnação das exportações e uma significativa expansão das importações, particularmente no ano de 2007. O período 2001-2003 foi marcado pela desvalorização da moeda brasileira, enquanto o período seguinte iniciou-se uma trajetória de forte valorização do real. (FERREIRA, M. et. al , 2008, p.16)18 17 Disponível em Acesso em 10 abr 2009. 18 Disponível em Acesso em 05 jun. 2009. 43 Gráfico 1 - Comércio Externo da Indústria Brasileira de Móveis (2000-2007) Fonte: Elaboração NEIT/IE/UNICAMP. In: FERREIRA, M. et. al (2008) No âmbito internacional, a indústria de móveis possui, tradicionalmente, características comuns, como o predomínio de pequenas e médias empresas. Além do uso intenso de mão-de-obra, em comparação a outros segmentos industriais, apresenta baixo valor adicionado pela indústria de transformação e as alterações no processo produtivo podem ser feitas de maneira incremental e por etapas, devido ao variado número de operações realizadas e produtos elaborados. (LEÃO & NAVEIRO, 2009)19 No Brasil, algumas características internacionais também se fazem presentes como a constituição da indústria moveleira de pequenas e médias empresas em sua maioria (tabela 2). Tabela 2 – Indústria Brasileira de Móveis: número de estabelecimentos por faixa de tamanho (2000 e 2005) 2000 2005 Número de Empregados N° de Empresas Participação no total (%) Acumulado (%) N° de Empresas Participação no total (%) Acumulado (%) Δ 2000-2005 Nenhum Vínculo 1538 9,9 9,9 1379 8,5 8,5 -10,3 Até 4 7092 45,6 55,5 7552 46,3 54,8 6,5 De 5 a 9 2929 18,8 74,4 3177 19,5 74,3 8,5 De 10 a 19 2006 12,9 87,3 2121 13,0 87,3 5,7 De 20 a 49 1307 8,4 95,7 1325 8,1 95,4 1,4 De 50 a 99 395 2,5 98,2 432 2,7 98,1 9,4 De 100 a 249 208 1,3 99,6 215 1,3 99,4 3,4 De 250 a 499 50 0,3 99,9 74 0,5 99,9 48,0 De 500 a 999 15 0,1 100,0 21 0,1 100,0 40,0 1000 ou mais 0 0,0 100,0 2 0,0 100,0 - Total 15.540 100 16.298 100 4,9 Fonte: Elaboração NEIT/IE/UNICAMP com base em dados da RAIS/MTE. In: FERREIRA, M. et. al (2008). Conforme Coutinho et. al. (2001 apud Devides, 2006), atualmente, estas empresas estão divididas em 07 pólos regionais localizados principalmente na Região Centro-Sul do país, respondendo por 90% da produção nacional (tabela 3). Esses pólos apresentam um determinado padrão de especialização, entretanto a elevada diversidade geográfica, 19 Disponível em Acesso em 28 abr 2009. 44 econômica e cultural do país, se reflete nos pólos moveleiros, que passam a apresentar características específicas muito diferentes entre si, permitindo que a indústria moveleira nacional apresente uma estrutura bastante diversificada. Tabela 3 - Principais Pólos Moveleiros do Brasil: porte das empresas (2006) Pólos Número de Empresas Número de Funcionários Porte Médio das Empresas Bento Gonçalves (RS) 564 13.097 23 São Bento do Sul (SC) 210 10.030 48 Arapongas (PR) 389 12.120 31 Grande São Paulo (SP) 2.100 20.000(*) 10 Mirassol (SP) 280 5.100 18 Votuporanga (SP) 187 4.018 21 Ubá (MG) 610 9.231 15 Linhares (ES) 77 5.007 65 (*) Número estimado de funcionários. Fonte: Elaboração NEIT/IE/UNICAMP com base em dados da RAIS/MTE. In: FERREIRA, M. et. al. (2008). O autor observa ainda, que a indústria moveleira de maneira geral, é uma indústria tradicional e sua dinâmica produtiva e seu desenvolvimento tecnológico é determinado por máquinas e equipamentos e também por novos materiais e design. Alerta para o fato de que, dos itens citados, o design é o único fator de inovação que pode ser próprio e exclusivo de cada indústria de móveis propiciando diferenciação frente à concorrência, já que máquinas, equipamentos e novos materiais podem ser adquiridos por qualquer indústria que queira melhorar seu padrão tecnológico. Coutinho et. al. (2001) caracterizam a indústria moveleira brasileira como uma estrutura bastante fragmentada, que conta com aproximadamente 13.500 empresas: cerca de 10 mil microempresas, 3 mil pequenas empresas e apenas 500 empresas de porte médio. Na sua totalidade, são empresas familiares, de capital inteiramente nacional. Segundo os autores ainda, os pólos localizados nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina podem ser igualmente identificados como pólos pioneiros, de modo que, também nesses Estados, a atividade moveleira foi contemporânea de um contexto industrial embrionário de formação do mercado interno, baseado no trabalho assalariado, e do incremento do movimento imigratório que se delineava. Já os pólos moveleiros de Mirassol e Votuporanga (SP), Ubá (MG) e Arapongas (PR) foram implantados mais recentemente, no ciclo de substituição de importações do pós-guerra, a partir de iniciativas empresariais, conjugadas com estímulos a linhas de financiamento governamentais, sobretudo aquelas 45 datadas do fim da década de 1960 até o início dos anos 80. Testemunham, portanto, a capacidade empresarial de nossas “famílias” de empreendedores que, com estímulos apropriados, conseguiram rapidamente responder aos quesitos de capacitação produtiva e de adaptação à demanda interna. Os autores resumem essa formação dos pólos moveleiros por meio do quadro 1 abaixo: Quadro 1 - Brasil – Pólos Moveleiros: características da formação industrial Pólos Origem Consolidação Grande São Paulo Marcenarias familiares (imigração italiana) Década de 50 Noroeste Paulista (Votuporanga e Mirassol) Iniciativa de empresários locais Década de 80 Ubá (MG) Empresas atraídas pela instalação dos Móveis Itatiaia na década de 60 Década de 80 Arapongas (PR) Iniciativa de empresários locais, com apoio governamental (em particular do município) Década de 80 S. Bento do Sul (SC) Instalação nos anos 60/início dos 70, com apoio governamental Década de 70 Bento Gonçalves (RS) Manufaturas de móveis de madeira e metal originados da fabricação de instrumentos musicais e telas metálicas Década de 60 Fonte: COUTINHO et al. (2001, p.15). O Relatório de Acompanhamento Setorial – Indústria Moveleira20 aponta que a indústria moveleira pode ser segmentada por vários critérios, como o tipo de material predominante no processo produtivo; uso ao qual se destina; forma organizacional utilizada no processo produtivo; design utilizado. Outra característica que o Relatório menciona faz referência ao tipo de matéria-prima utilizada, onde se destacam os móveis de madeira, subdivididos em madeira maciça (nativa ou reflorestada) e painéis de madeira reconstituída; móveis de metal; móveis de plástico; e móveis estofados (figura 24). Em relação ao uso a que são destinados, Gorini (2000) destaca os móveis para uso residencial, para escritório além dos móveis institucionais. 20 Trabalho em parceria desenvolvido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI e o Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Disponível em Acesso em 05 jun. 2009. 46 Figura 24 – Fluxograma da Cadeia Produtiva da Indústria de Móveis Fonte: BRASIL/IPT, 2002. In: FERREIRA et. al (2008, p.1) Os móveis de madeira, que detêm expressiva parcela do valor total de produção do setor, são ainda segmentados em dois tipos: retilíneos e torneados. Os retilíneos são lisos, com desenhos simples de linhas retas e cuja matéria-prima principal constitui-se de aglomerados e painéis de compensados. Já os torneados reúnem detalhes mais sofisticado de acabamento, misturando formas retas e curvilíneas e cuja principal matéria-prima é a madeira maciça de lei ou de reflorestamento, podendo também incluir painéis de MDF (médium-density fiberboard), passíveis de serem usinados. Gorini (2000) destaca ainda que a demanda por móveis varia positivamente com o nível de renda da população e o comportamento de alguns setores da economia, particularmente a construção civil. Essa variação torna o setor muito sensível às oscilações conjunturais da economia, sendo um dos primeiros a sofrer os efeitos de uma recessão. A autora observa ainda que outros fatores que influenciam a demanda são as mudanças no estilo de vida da população, os aspectos culturais, o ciclo de reposição, o investimento em marketing, entre outros. Quanto à tecnologia, a estreita cooperação entre as indústrias de móveis e de máquinas - como ocorre em alguns países da Europa - permite uma constante atualização da base técnica, embora a modernização muitas vezes possa ocorrer apenas em 47 determinadas etapas da produção, devido à descontinuidade do processo produtivo. Nesse contexto, esse setor caracteriza-se por ser usuário de inovações geradas fora dele, como bens de capital e insumos. Rangel (1993, apud Silveira, 2001)21 afirma que os móveis no Brasil são em geral, cópias modificadas dos modelos oferecidos no mercado mundial, sendo pouquíssimas as empresas que procuram criar um design próprio. Além da tecnologia, os demais fatores de competitividade da indústria de móveis relacionam-se com novas matérias-primas, design, especialização da produção, estratégias comerciais de distribuição, entre outros. A dinâmica das inovações baseia-se, principalmente, naquelas que se referem ao produto, através do aprimoramento do design e da utilização de novos materiais. A qualidade do produto final é julgada de acordo com as seguintes variáveis principais: material, design e durabilidade, entre outras. 2.2 – ASPECTOS DO DESIGN BRASILEIRO – DA ORIGEM AO MÓVEL CONTEMPORÂNEO 2.2.1 Design e a atuação do designer Objeto ainda hoje de discussão, a definição do termo design22 causa contestações, com muitos trabalhos sobre design sendo iniciados por seus autores com a sua percepção da profissão, descrevendo os compromissos que estão inseridos na sua prática. Cada conceituação, portanto, relaciona-se a uma ideologia, onde predomina um ou outro valor. Da necessidade de concretizar o novo modelo de produção de objetos e informações surge o design, inserido nos conceitos da sociedade industrial européia em meados do século XIX. Segundo Denis (2005), Faggiani (2006) e Löbach (2001), em essência, o principal fundamento que caracteriza o design é estar entre projetar e fabricar, tarefas antes concentradas no modo artesanal de produção. Fruto da divisão de trabalho e da mecanização decorrentes da Revolução Industrial no século XVII e, apresentando-se 21 Disponível em Acesso em 20 abr 2009 22 A palavra inglesa design, de origem latina (designo) significa, segundo Niemeyer (2000) projeto, configuração e se distingue da palavra drawing – desenho, representação de formas por meio de linhas e sombras. Tais distinções estão presentes também no idioma espanhol: diseño para a atividade projetual e dibujo para a realização manual. A autora ainda apresenta que durante a década de 50, quando a atividade de industrial design passou a ser referida no país, foi empregada a expressão desenho industrial. Essa tradução foi inadequada, pois contrariou o significado original de design, e fez prevalecer para o desenho industrial a conotação de habilidade de representar graficamente à de projetar. É por isso que atualmente, o termo design é também empregado em áreas onde não há um desenvolvimento conceitual e de projeto. 48 como atividade especializada, o design exige raciocínio e domínio de abstração técnica projetiva obtendo o produto idealizado antes de sua execução, ou seja, em um projeto. Portanto, o modelo ou projeto resulta em um produto industrial passível de produção em série. O design se inicia “pelo desenvolvimento de uma idéia, pode concretizar-se através de modelos em uma fase de projeto e sua finalidade seria a resolução dos problemas que resultam das necessidades humanas” (LÖBACH, 2001, p.16). Desse modo, conforme Faggiani (2006), o designer se beneficia do processo histórico da evolução do capitalismo industrial, uma vez que a partir do momento em que a empresa obtém um bom padrão de projeto para reprodução, o resto torna-se simples e barato, enquanto que o trabalho do designer é cada vez mais valorizado. Para Munari (1993), o design surge em 1919, quando Walter Gropius funda a Bauhaus, e no programa de sua escola deixa clara a necessidade de formar um novo tipo de artista: um artista útil à sociedade. Sobre esse aspecto, Escorel aponta que: Desde o momento em que a atividade foi sistematizada, mais precisamente na Bauhaus, na primeira década do século XX, sua função emergiu com bastante clareza resolvendo definitivamente uma questão que se arrasta há cerca de cinqüenta anos e que, além de muita disputa conceitual produziu uma farta literatura sobre a interferência da indústria na arte e na sociedade. Como é amplamente conhecido, o modo industrial de produção trouxe extraordinárias transformações econômicas e sociais. Com seu advento, mudaram as tecnologias de fabricação de objetos, as formas de circulação e de uso das mercadorias, as relações de trabalho e as normas estéticas. Por sua vez, a migração das populações do campo para a cidade, ocorrida na Europa a partir principalmente do princípio do século XIX, propiciou a formação de novos públicos e aumentou o número de usuários, para os produtos fabricados pelos novos processos. Todo esse movimento desembocou na ascensão das idéias socialistas, que se cristalizaram na Revolução Russa23 de 1917. (ESCOREL, 2000, p.42, 43) É nesse panorama que o design firma seu primeiro compromisso com o novo homem que surgia na sociedade em gestação. Arquitetos, urbanistas e designers, principalmente na Europa, projetavam e sonhavam. Sua meta era uma ordem social e econômica onde prevaleceriam os valores decorrentes da fraternidade e da igualdade. Nesse mundo utópico, o design teria a função de gerar conforto, ordem, beleza e informação, facilitando os movimentos do cotidiano. O ICSID - International Council of Societies of Industrial Design, órgão internacional oficial da atividade, fundado em 1957, atualmente adota a seguinte definição: 23 A Revolução Russa de 1917 foi uma série de eventos políticos na Rússia, que, após a eliminação da autocracia russa, e depois do Governo Provisório (Duma - Assembléia Nacional da Rússia), resultou no estabelecimento do poder soviético sob o controle do partido bolchevique. O resultado desse processo foi a criação da União Soviética, que durou até 1991. 49 Design é uma atividade criativa cujo objetivo é estabelecer as qualidades multifacetadas dos objetos, processos, serviços e seus sistemas durante todo o seu ciclo de vida. Desta forma, o design é o fator central de humanização das inovações tecnológicas e o fator crucial das mudanças culturais e econômicas. Sendo assim, a tarefa do design é compreender e avaliar as relações organizacionais, funcionais e econômicas, com a missão de: Garantir a ética global (por meio da sustentabilidade), social (permitindo a liberdade aos usuários, produtores e mercado) e cultural (apoiando a diversidade). Dar aos produtos, serviços e sistemas, suas formas expressivas (semiologia) e coerentes (estética) com suas próprias características e complexidades. O Design está relacionado a produtos, serviços e sistemas concebidos a partir de ferramentas, organizações e processos industriais. O design é uma atividade que envolve um amplo espectro de profissões que integradas devem aumentar a valorização da vida. Portanto, o termo designer se refere a um indivíduo que pratica uma profissão intelectual, e não simplesmente oferece um negócio ou presta um serviço para as empresas (ICSID, 2008). 24 Portanto, passados mais de 50 anos de atividades do ICSID, a definição do termo design evoluiu e passou por adaptações. As responsabilidades do profissional se ampliaram, agregando conceitos de sustentabilidade e ecologia, uma vez que o designer deve atentar a todo o ciclo de vida, não apenas do produto, mas de todo o sistema em que está inserido, com o objetivo de garantir a valorização da vida. Outro ponto a ser destacado da definição de design proposta atualmente pelo ICSID é de ser responsável pela humanização das inovações tecnológicas: o designer, a partir do projeto da interface, deve proporcionar a melhor comunicação entre o usuário e a nova tecnologia (ICSID, 2008). Nesse sentido, Manzini e Vezzoli (2008) sintetizam o papel do design industrial como a atividade que, ligando o tecnicamente possível, com o ecologicamente necessário, faz nascer novas propostas que sejam social e culturalmente apreciáveis. No caso do Brasil, o design torna-se reconhecido pelo público em geral após a instituição da Escola Superior de Desenho Industrial – ESDI, em 1962. 2.2.2 A origem do design no Brasil Do mesmo modo que os estilos históricos não foram substituídos subitamente, o movimento moderno também não surgiu repentinamente. Resulta sim, da evolução do pensamento de intelectuais brasileiros, que criou um mínimo de condições favoráveis, sem as quais as primeiras realizações do gênero não teriam frutificado (BRUAND, 1999). A Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922 em São Paulo, foi um dos principais eventos da história da arte no Brasil, cuja realização inseriu decididamente o 24 Disponível em < http://www.icsid.org/about/about/articles 31.htm> Acesso em 27 mar. 2008. 50 país no século XX. Isso fez com que a cultura brasileira incorporasse o espírito modernista, caracterizado primeiramente pela experimentação, “o que levou muitos artistas a se manifestar através de diferentes meios de expressão, libertando-se da cristalização das formas acadêmicas” (SANTOS, 1995, p.19). Alguns autores atrelam a origem do design moderno brasileiro a este importante acontecimento no campo das artes. Por meio da influência no racionalismo europeu, o que levou à valorização da qualidade técnica e funcional dos produtos, aliou-se uma estética minimalista, de pensamento abstrato e geométrico, de formas simples e limpas (MORAES, 2006; SANTOS, 1995). Desse modo, os acontecimentos decorrentes da Semana de Arte Moderna de 1922 foram importantes porque lançaram novas idéias sobre a conservadora sociedade brasileira. Segundo Moraes (2006), a difusão do design no Brasil, - fenômeno que não desponta como simples casualidade - desenvolve-se, como em outros países periféricos, de maneira proemine