Campus de Ilha Solteira UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA SAULO GOMES MOREIRA RESPOSTA DA DEMANDA NO PLANEJAMENTO PARA INTEGRAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS DISTRIBUÍDOS Ilha Solteira 2017 Campus de Ilha Solteira SAULO GOMES MOREIRA RESPOSTA DA DEMANDA NO PLANEJAMENTO PARA INTEGRAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS DISTRIBUÍDOS Tese apresentada à Faculdade de Engenharia - UNESP – Campus de Ilha Solteira, para obtenção do título de Doutor em Engenharia Elétrica. Área de Conhecimento: Automação. Dr. Dionízio Paschoareli Júnior Orientador Ilha Solteira 2017 Dedico este trabalho a Deus, pelas bênçãos que sempre derramou sobre mim. Ao meu filho, Saulo Gomes Moreira Filho, a alegria da minha vida, meu melhor amigo e razão do meu viver. A minha esposa Nadya, amor da minha vida, minha companheira para todos os momentos. Aos meus pais, Gercino e Vera, e aos meus irmãos, Sandro e Marcio, por serem a base sólida que sempre me fortaleceu. AGRADECIMENTOS Ao senhor Deus, sempre em primeiro lugar, por estar comigo todo o tempo, iluminando o meu caminho. Ao meu orientador Prof. Dr. Dionízio Paschoareli Jr., pela oportunidade que me deu de conhecer um novo mundo na Engenharia Elétrica, pela paciência e pelo exemplo de dedicação ao ensino e aos alunos. A minha esposa, Prof.ª Dr.ª Nadya Kalache, pelo incentivo sempre presente, pelas contribuições técnicas ao trabalho e por dividir comigo toda essa trajetória do doutorado. Aos professores Luís Carlos Origa de Oliveira, Fábio Bertequini Leão, Edson Antônio Batista e Cristiano Quevedo Andrea, pelas valiosas contribuições durante os processos de qualificação e avaliação final da tese. A Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS, minha casa profissional, pelo apoio concedido em todas as etapas do doutorado, antes e durante o afastamento. Ao colega de doutorado Prof. Dr. Ângelo César de Lourenço, pelo compartilhamento de várias horas na estrada nas viagens a Ilha Solteira durante a etapa das disciplinas. Aos colegas professores da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia – FAENG da UFMS que colaboraram para que pudéssemos nos dedicar à realização das pesquisas. Ao corpo técnico e docente do Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica da UNESP de Ilha Solteira, pelo suporte técnico e infraestrutura. A companhia Elektro S/A pelo apoio fundamental através do projeto Smart City, Aos meus familiares e amigos pelo apoio e motivação sempre constantes e pela compreensão nos muitos momentos de inevitável ausência. RESUMO No planejamento da integração de fontes de geração distribuída no sistema de distribuição em baixa tensão é fundamental que haja a investigação dos efeitos provocados nas condições operacionais da rede, tais como níveis de tensão e carregamento de transformadores. Com vista ao potencial aumento da geração fotovoltaica no cenário brasileiro e à iminente migração tecnológica das redes tradicionais para as chamadas redes inteligentes, a resposta da demanda se apresenta como uma das estratégias para possibilitar uma integração eficiente de recursos energéticos distribuídos. Na aplicação de um programa de resposta da demanda, especificamente para o cenário de uma distribuidora, permitiu-se concluir, através da utilização de dados reais, que no processo de planejamento de integração de novas fontes de geração de natureza fotovoltaica, a aplicação de uma estrutura tarifária com custos diferenciados horários baseados no custo marginal de capacidade do sistema, possibilita que sejam observadas melhores condições operacionais da rede. A aplicação da nova estrutura tarifária horária indica uma significativa alteração no perfil de carga esperado dos consumidores de baixa tensão o que refletiu em melhores valores de níveis de tensão e aumento da capacidade livre do transformador em integrar novas fontes distribuídas no sistema. Palavras Chave: Redes Elétricas Inteligentes. Geração distribuída. Tarifação horária. Resposta da Demanda. ABSTRACT In planning the integration of distributed generation sources in the low voltage distribution system, it is essential to investigate the effects caused by the network operating conditions, such as voltage levels and transformer loading. By the point of view of the potential increase in photovoltaic generation for the Brazilian scenario and the imminent technological migration of traditional networks to the so-called Smart Grids, demand response is one of the strategies to enable the efficient integration of distributed energy resources. By applying a demand response program, specifically for the scenario of a distribution company, it was possible to conclude, by using real data, that in the integration planning process of new photovoltaic based generation sources, the application of a tariff structure with hourly differentiated costs based on the system's marginal cost of capacity, allows better operational conditions of the network to be observed. The application of the new hourly tariff structure indicates a significant change in the expected load profile of the low voltage consumers, which reflected in better values of voltage levels and rising of the free capacity of the transformer to integrate new distributed sources into the system. Key words: Smart grids. Distributed Generation. Hourly Pricing. Demand Response. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esquema de representação de redes de distribuição com presença de GD ............. 15 Figura 2 – Simultaneidade entre carga mínima e produção máxima de fontes na rede. .......... 28 Figura 3 – Impactos sobre as perdas com variação da corrente ............................................... 31 Figura 4 – Diagrama esquemático da rede atendida pelo transformador ................................. 33 Figura 5 – Perfil da carga no sistema ....................................................................................... 34 Figura 6 – Arquitetura de instalação de painéis fotovoltaicos ................................................. 36 Figura 7 – Perfil de geração de um sistema fotovoltaico de 3,0 kWp no mês de Abril ........... 37 Figura 8 – Perfis de tensão para diferentes cenários de penetração de GD .............................. 41 Figura 9 – Perfil de carga no transformador do sistema teste .................................................. 42 Figura 10 – Capacidade livre do transformador do sistema teste de distribuição .................... 43 Figura 11 – Programas de Resposta pela Demanda ................................................................. 51 Figura 12 – Abrangência dos programas de Resposta pela Demanda...................................... 52 Figura 13 - Efeitos da elasticidade preço-carga na curva de carga .......................................... 60 Figura 14 - Estruturas de preço antiga e nova .......................................................................... 61 Figura 15 - Tecnologias de medição nos alimentadores e localidades ..................................... 64 Figura 16 - Arquitetura proposta para a infraestrutura avançada de medição .......................... 64 Figura 17 - Distribuição das tecnologias RF e PLC ................................................................. 66 Figura 18 - Visão geral da arquitetura de AMI aplicada em SLP ............................................ 67 Figura 19 – Função contribuição para redes individuais, coletivas e intermediárias ............... 74 Figura 20 – Ajuste linear da função de contribuição ................................................................ 75 Figura 21 – Representação dos custos no sistema elétrico ....................................................... 79 Figura 22 – Associação entre curvas de carga e de rede .......................................................... 81 Figura 23 – Fluxograma para análise da integração de fontes de geração distribuída ............. 85 Figura 24 – (a) Consumo percentual por classe; (b) Receita percentual por classe ................. 86 Figura 25 – Perfis de carga e geração fotovoltaica para cliente do agrupamento BT .............. 88 Figura 26 – Perfil agregado carga/geração para cliente do agrupamento BT .......................... 89 Figura 27 – Curvas de rede para diferentes cenários de penetração fotovoltaica .................... 90 Figura 28 – Estrutura vertical de receita teórica ....................................................................... 94 Figura 29 – Tarifas de fornecimento para o cenário base ........................................................ 95 Figura 30 – Tarifas de fornecimento propostas para o cenário 1 ............................................. 96 Figura 31 – Tarifas de fornecimento propostas para o cenário 2 ............................................. 97 Figura 32 – Tarifas de fornecimento propostas para o cenário 3 ............................................. 97 Figura 33 – Efeito da Resposta da Demanda na curva de carga do agrupamento BT ........... 100 Figura 34 – Efeito da Resposta da Demanda na curva de carga do agrupamento BT ........... 100 Figura 35 – Efeito da Resposta da Demanda na curva de carga do agrupamento BT ........... 101 Figura 36 – Tensões diárias para o cenário 1 sem e com resposta da demanda ..................... 103 Figura 37 – Tensões diárias para o cenário 2 sem e com resposta da demanda ..................... 103 Figura 38 – Tensões diárias para o cenário 3 sem e com resposta da demanda ..................... 104 Figura 39 – Capacidade livre do transformador com e sem resposta da demanda................. 105 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Características da rede atendida pelo transformador .............................................. 34 Tabela 2 – Característica do Sistema Fotovoltaico ................................................................. 35 Tabela 3 – Aspectos relacionados ao nível de penetração fotovoltaica................................... 40 Tabela 4 – Exemplos de modalidades tarifárias ...................................................................... 53 Tabela 5 – Elasticidades preço-carga próprias e cruzadas por períodos do dia....................... 60 Tabela 6 – Funções lineares de contribuição ........................................................................... 76 Tabela 7 – Agrupamentos dos grupos/subgrupos tarifários .................................................... 87 Tabela 8 – Custos Marginais de Expansão .............................................................................. 91 Tabela 9 – Proporção de fluxo total ......................................................................................... 91 Tabela 10 – CMC horário para o agrupamento BT .................................................................. 93 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMI Advanced Metering Infrastructure ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica AT Alta Tensão BT Baixa Tensão CMC Custo Marginal de Capacidade CMEX Custo Marginal de Expansão CPP Critical Peak Pricing DLC Direct Load Control EAN Extended Area Network GD Geração Distribuída GLD Gerenciamento pelo Lado da Demanda HAN Home Area Network MT Média Tensão NAN Neighborhood Area Network OLTC On Load Tap Changer PLC Power Line Comunication PRODIST Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Nacional RD Resposta da Demanda REI Rede Elétrica Inteligente RF Rádio Frequência RTP Real Time Pricing SDMEE Sistema Distribuído de Medição de Energia Elétrica SEP Sistemas Elétricos de Potência TOU Time of Use VP Voltage Profile WAN Wide Area Network SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1.1 ESTADO DA ARTE .................................................................................................... 15 1.2 PROPOSTA DA TESE ................................................................................................. 18 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........................................................................... 19 2 IMPACTOS DA PENETRAÇÃO DE GERAÇÃO DISTRIBUÍDA ..................... 21 2.1 NÍVEL DE TENSÃO ................................................................................................... 22 2.2 FLUXO DE POTÊNCIA REVERSO ........................................................................... 25 2.3 PERDAS NA REDE ..................................................................................................... 29 2.4 SIMULAÇÃO EM SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE BAIXA TENSÃO ............. 32 2.4.1 Sistema teste ............................................................................................................... 32 2.4.2 Característica da carga ............................................................................................. 34 2.4.3 Perfil de geração fotovoltaica ................................................................................... 35 2.4.4 Cenários de análise .................................................................................................... 37 2.4.5 Resultados das simulações ........................................................................................ 41 2.5 MINIMIZAÇÃO DOS IMPACTOS ............................................................................ 44 2.5.1 Controle pelo TAP do transformador ...................................................................... 44 2.5.2 Controle por injeção de reativos .............................................................................. 45 2.5.3 Controle por restrição de injeção de ativos ............................................................. 46 2.5.4 Controle por reforço da rede .................................................................................... 47 2.5.5 Controle por gerenciamento da carga ..................................................................... 48 2.6 CONCLUSÕES PARCIAIS ......................................................................................... 49 3 RESPOSTA DA DEMANDA ..................................................................................... 50 3.1 PROGRAMAS DE RESPOSTA DA DEMANDA ...................................................... 50 3.2 RESPOSTA DA DEMANDA AO PREÇO DA ENERGIA ........................................ 54 3.2.1 Elasticidade-preço da demanda ................................................................................ 55 3.3 ESTRUTURAS TECNOLÓGICAS DE HABILITAÇÃO .......................................... 62 3.4 CONCLUSÕES PARCIAIS ......................................................................................... 68 4 TARIFAS HORÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA .............................................. 69 4.1 CUSTOS DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ....................................................... 69 4.2 RESPONSABILIDADE DE POTÊNCIAS .................................................................. 72 4.3 CUSTO MARGINAL DE CAPACIDADE .................................................................. 79 4.4 CONCLUSÕES PARCIAIS ......................................................................................... 82 5 RESPOSTA DA DEMANDA NA INTEGRAÇÃO DE FONTES DISTRIBUÍDAS ...................................................................................................................................... 84 5.1 CARACTERIZAÇÃO DO MERCADO DA DISTRIBUIDORA ............................... 86 5.2 CUSTOS MARGINAIS DE CAPACIDADE CALCULADOS .................................. 92 5.3 EFEITO DA RESPOSTA DA DEMANDA NA CURVA DE CARGA ..................... 99 5.4 ANÁLISE DOS IMPACTOS TÉCNICOS NA REDE DE DISTRIBUIÇÃO ........... 102 5.5 CONCLUSÕES PARCIAIS ....................................................................................... 106 6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............................................................... 107 6.1 RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ......................................... 109 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 110 APÊNDICE ............................................................................................................... 115 13 1 INTRODUÇÃO A utilização da energia elétrica pelo consumidor final, de tal maneira que ela possa servir como elemento de transformação para a produção de trabalho, demanda a existência de um sistema que garanta padrões de confiabilidade e qualidade no seu fornecimento. Nesse contexto, os elementos que compõem os Sistemas Elétricos de Potência (SEP), aliados ao dinamismo do consumo de energia, tornam tais sistemas complexos e pouco triviais nas suas operações de controle. Como o desenvolvimento econômico está diretamente relacionado à utilização de energia, novos desafios são lançados às entidades responsáveis pela geração, transmissão e distribuição de energia, para que os SEP não sejam obstáculos ao crescimento financeiro de uma sociedade. Desde as primeiras configurações de redes elétricas até as atuais o sistema elétrico tem se tornado cada vez mais diversificado e interconectado. De modo tradicional, grandes plantas de geração, tais como usinas hidrelétricas, térmicas e nucleares, são construídas para atender as demandas de energia de residências, indústrias e outras cargas. Entretanto, os três tipos de fontes de geração supracitados possuem limitadores em sua aplicação. Enquanto as usinas nucleares são sempre controversas devido à possibilidade de danos sociais e ambientais incalculáveis em eventuais situações de falha, as usinas hidrelétricas demandam condições favoráveis em termos de recursos hídricos, muitas vezes não disponíveis. Além disso, os gases de efeito estufa provenientes das usinas térmicas, sejam de origem da queima do carvão ou do gás, são sempre pontos centrais nas discussões dos fóruns ambientais. Na Europa, a minimização da emissão de dióxido de carbono (CO2) é um dos principais alvos do continente para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. As metas definidas pelo Conselho Europeu em Junho de 2010 incluem o objetivo de reduzir 20% do consumo de energia primária até 2020. Como as emissões de gases de efeito estufa provenientes da utilização de energia representam quase 80% do total da União Europeia, o uso eficiente do insumo pode dar uma importante contribuição para diminuir os níveis de 14 carbono e para combater as alterações climáticas. No Brasil, o Plano Nacional de Energia 2030, desenvolvido pelo Ministério de Minas e Energia com colaboração da Empresa de Pesquisa Energética no período 2006-2007, é destacado também a importância da disseminação de políticas que contribuam para a redução de emissão de gases de efeito estufa. Nessa seara energética sustentável, uma potencial solução para o problema de geração de energia elétrica não poluente, que está sendo constantemente buscada, é o uso dos chamados recursos energéticos distribuídos. Os recursos energéticos distribuídos podem representar diferentes tipos de tecnologia, incluindo dispositivos de microgeração, de carga flexível e armazenamento de energia. Muitos tipos de tecnologia de microgeradores são projetados para utilizar fontes de energia renováveis a fim de gerar eletricidade. Entre elas, destacam-se as unidades de geração distribuída com base eólica, fotovoltaica e biomassa. Tais unidades tendem a ser geograficamente espalhadas por grandes áreas e têm capacidades de geração relativamente baixas. Isto está em contraste com a forma mais tradicional de geração a partir de centrais de energia centralizada em grande escala. Tipicamente essas unidades de geração são conectadas às redes de distribuição existentes, que abastecem o próprio centro de consumo e podem, em certos casos, fornecer energia elétrica para a rede de transmissão. Enquanto as grandes usinas apresentam capacidades de geração da ordem de centenas de MW até dezenas de GW, as pequenas unidades de geração são de escala bem menor. Essas unidades de geração de menor escala presentes e conectadas na rede de distribuição servem para definir o que se chama de Geração Distribuída (GD) (ACKERMANN; ANDERSSON; SÖDER, 2001). Na Figura 1 é ilustrado um esquema de sistema elétrico com presença de GD na rede de distribuição. 15 Figura 1 - Esquema de representação de redes de distribuição com presença de GD Fonte: Elaboração do próprio autor Na maioria dos casos, as redes de distribuição existentes foram concebidas para fornecer eletricidade a partir da rede de transporte para a carga, e não para o fluxo bidirecional de energia elétrica, o que leva a uma série de questões que surgem em relação à instalação e operação da geração variável em sistemas de distribuição primária, conforme Ipakchi e Albuyeh (2009) destacam como exemplos o aumento excessivo do nível de tensão e fluxos de potência em sentido reverso. Investigar estas questões, bem como explorar novos métodos e soluções, a fim de integrar com sucesso GD em sistemas de energia tem sido objeto de muitos estudos no meio técnico-científico, conforme compilações de Alarcon-Rodriguez, Ault, e Galloway (2010) e Kazmi, Shahzad e Shin (2017). 1.1 ESTADO DA ARTE Nos países desenvolvidos, as recentes modernizações dos sistemas de energia elétrica foram impulsionadas pelos projetos de Smart Grids, ou Redes Elétricas Inteligentes. No conceito de Smart Grid, o sistema de distribuição, além dos recursos energéticos distribuídos, é agregado de funções de infraestrutura de medição avançada e automação da distribuição conforme destaca Brown (2008). 16 A utilização de redes elétricas inteligentes está em processo de expansão em diversos países, com diferentes níveis de implantação. Enquanto em muitos países do chamado grupo dos desenvolvidos, as Smart Grids já tem considerável presença, no Brasil, apesar de algumas iniciativas do governo através do órgão regulador, não há implantação em grande escala de tecnologias de redes inteligentes, sendo, basicamente, os projetos pilotos das distribuidoras o ambiente de pesquisa e estudos relacionados ao tema (LAMIN, 2013). Ainda para o cenário brasileiro, a Resolução Normativa nº 482, de 17 de Abril de 2012, da ANEEL, estabelece a possibilidade de instalação de unidades de microgeração por parte de qualquer cliente do mercado cativo, criando perspectivas de crescimento da utilização de fontes distribuídas nos sistemas de distribuição em baixa tensão. Enquanto a introdução de poucas unidades de microgeração podem não representar condições de risco operacional para o sistema, o vislumbre de novos cenários de maior presença de GD requer a realização de pesquisas intensivas, complexas e constantes relacionadas ao planejamento da expansão e operação das redes (HIDAYATULLAH; STOJCEVSKY; KALAM, 2011). Diversas técnicas podem ser utilizadas, em conjunto ou singularmente, para a minimização dos impactos da penetração de geração distribuída na rede. Os trabalhos de Tengkuhashim, Mohamed e Shareef (2012), Long et al. (2015) e Liu et al. (2012), destacam a utilização de controle de níveis de tensão pelo ajuste do tap do transformador em condições de carga. Outros autores, como Thomson e Infield (2007), Tonkoski, Lopes e El-Fouly (2011), Pais, Almeida e Castro (2012) e Gonzalez et al (2014) propõem técnicas envolvendo controle de reativos e restrição de injeção de ativos. Ainda dentre as técnicas de mitigação de impactos, Tie e Gan (2013), adotam a estratégia de reforço da rede através da troca de cabos e transformadores. As técnicas supracitadas, entretanto, não consideram, ou pouco consideram, a utilização do potencial de uma rede elétrica inteligente na sua forma original de concepção, ou seja, de uma rede que apresenta estruturas tecnológicas que habilitam a comunicação de modo mais dinâmico entre geração/sistema/carga/operadores. 17 Nesse contexto, a utilização de programas de resposta da demanda se torna mais eficiente do que numa rede tradicional, sendo inclusive seus efeitos abordados como plantas de geração virtuais, como por exemplo, no trabalho de Faria e Vale (2013). Dentre os tipos de programas de resposta da demanda, a utilização da resposta por sinalizações de preço foi tema de trabalhos como de Goulart (2015), Jiang et al. (2013), Temple e Ma (2014). Richardson (2012) sugere em suas conclusões que estudos futuros que analisem técnicas de gerenciamento de recursos energéticos distribuídos aliados à incorporação da utilização de tarifas de energia diferenciadas por hora do dia, são necessários para que se explorem as potencialidades das redes inteligentes. O autor complementa que nesse caso os clientes poderão usufruir de tarifas de energia elétrica mais justas enquanto que, ao mesmo tempo, a utilização da capacidade da rede pode ser otimizada. Fundamentalmente, a definição dos valores das tarifas de energia é peça chave no planejamento do que se espera de resposta da carga com a nova forma de faturamento. Nesse aspecto, o trabalho de Santos (2011) apresenta possibilidades de adoção de postos tarifários mais diversificados do que a tradicional estrutura plana de preços de energia. O processo de construção de tarifas adotado pela agência reguladora no Brasil, baseado no custo marginal de capacidade relativo aos diferentes agrupamentos de tensão, permite que sejam redefinidas as responsabilidades de cada grupo de consumidores nos custos de desenvolvimento do sistema, condição também readequada às novas condições de redes inteligentes com geração distribuída. Pondera-se aqui que, compreender as possíveis mudanças no comportamento dos clientes e como os sinais de preços afetarão suas demandas é fundamental para o sucesso na integração de tecnologia de recursos energéticos distribuídos em cenários futuros. Portanto, estabelecer valores para o fornecimento da energia condizentes com a nova realidade do setor da distribuição com presença de geração distribuída e identificar a resposta da carga frente à nova proposta tarifária são desafios que devem ser compartilhados pelos stakeholders do sistema elétrico. Entende-se que, a elaboração de um arcabouço metodológico que possa subsidiar o 18 processo de migração tecnológica das redes convencionais para as redes elétricas inteligentes no Brasil é de fundamental importância para o planejamento estratégico das distribuidoras, equacionando de maneira mais real seus potenciais custos e benefícios. 1.2 PROPOSTA DA TESE Com a realização do trabalho aborda-se o tema Redes Elétricas Inteligentes no contexto de suas potencialidades na integração eficiente dos recursos energéticos distribuídos. Além disso, propõe-se, como forma de ferramenta do planejamento da operação dos sistemas, a identificação inicial dos efeitos provocados nas redes de distribuição em baixa tensão quando agregados de recursos energéticos distribuídos, especificamente relativos às implicações no nível de tensão e na característica de carregamento do transformador. De modo específico, é proposto o desenvolvimento das seguintes etapas:  Utilização de dados de um sistema teste real, modelado a partir de dados obtidos de implantações de unidades de geração fotovoltaica em uma rede de distribuição de baixa tensão e verificação dos impactos técnicos para diferentes cenários futuros de penetração de GD;  Cálculo e proposta de um sistema de tarifação de energia elétrica com preços diferenciados a cada hora do dia considerando a alteração na tipologia das curvas de carga dos consumidores de baixa tensão, também para cenários futuros de penetração de GD;  Aplicação da nova forma de tarifação e verificação da resposta esperada da demanda baseada no conceito de elasticidade preço-carga para os clientes de baixa tensão;  Verificação da eficiência da resposta da demanda na redução dos impactos provocados na rede (níveis de tensão e fluxo no transformador) e consequentemente, no aumento da capacidade da rede em receber novas fontes de geração distribuída. 19 Para a análise e desenvolvimento das etapas supracitadas, serão utilizados os dados de um projeto de pesquisa e desenvolvimento (P&D) referente à implantação de redes inteligentes. O projeto Smart City é desenvolvido pela concessionária de distribuição Elektro S/A em parceria com instituições de pesquisa, dentre as quais a UNESP – Ilha Solteira contribui com tópicos específicos relacionados ao fluxo de potência, proteção, medição e controle em smart grids. Por se tratar de projeto de implantação, a utilização do cenário da distribuidora em conjunto com dados observados pós instalação de painéis fotovoltaicos e medidores inteligentes reforça o caráter não apenas científico, mas também tecnicamente aplicado da proposta da tese. Com isso, espera-se que os resultados do trabalho proposto possam trazer novos cenários a serem explorados em análises de custo-benefício no processo de desenvolvimento de redes elétricas inteligentes em substituição às redes convencionais, e que esses cenários possam criar subsídios mais fortes nas decisões relativas a essa migração tecnológica. Destaca-se como principal contribuição da tese, portanto, a proposta de uma metodologia de cálculo tarifário que leve em consideração uma integração técnica mais eficiente de unidades de geração fotovoltaica, especificamente para os consumidores de baixa tensão. 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO O presente trabalho está organizado em 6 capítulos descritos a seguir. Capítulo 1 – É realizada a introdução ao contexto do trabalho enfatizando as motivações para o desenvolvimento e os objetivos buscados. Capítulo 2 – Destinado à investigação dos impactos provenientes do aumento da instalação de fontes de geração distribuída, especificamente as fotovoltaicas, nos sistemas de distribuição de baixa tensão. É realizada também a revisão das técnicas de minimização dos impactos. Capítulo 3 – Aborda a Resposta da Demanda como potencial ferramenta de aumento da eficiência do sistema elétrico, os diferentes tipos de programas, ressaltando de forma 20 específica programas de resposta baseado no preço da energia. Apresenta os conceitos de elasticidade preço-carga que são base para a previsão da resposta da demanda frente à sinalizações diferenciadas do preço da energia. Capítulo 4 – Realiza-se o detalhamento da forma de se obter o valor do custo de fornecimento da energia elétrica aos diferentes tipos de consumidores, indicando suas responsabilidades no custo de desenvolvimento do sistema e caracterizando as estruturas tarifárias com base horária. Capítulo 5 – Aplica-se a proposta da tese de investigação dos impactos da integração de fontes de geração fotovoltaica no sistema de distribuição de baixa tensão, adotando-se esquemas de tarifação de energia diferenciadas hora a hora (calculadas para o caso específico de uma distribuidora) como forma de obter resposta da demanda que permita a minimização dos prejuízos técnicos operacionais da rede e aumento da capacidade do sistema em agregar novas fontes. Capítulo 6 – É destinado às conclusões do trabalho e prospecção de novas frentes de pesquisa relacionadas ao tema da tese. 21 2 IMPACTOS DA PENETRAÇÃO DE GERAÇÃO DISTRIBUÍDA Define-se Geração Distribuída – GD como sendo qualquer fonte de geração que esteja integrada internamente ao sistema de distribuição, independente de sua natureza, renovável ou não renovável (PUTTGEN; MACGREGOR; LAMBERT, 2003). Na sua forma tradicional a maioria das topologias de sistemas de energia é considerada como um sistema radial, o que equivale a dizer que a energia flui da fonte para a carga, sendo essas fontes geralmente centralizadas. No entanto, com a presença da tecnologia de geração distribuída, esse paradigma é modificado e a energia agora não parte apenas de fontes centralizadas, mas também de outras fontes descentralizadas, dispersas e, usualmente, mais próximas aos centros de consumo. A integração da geração distribuída às redes elétricas sempre envolverá questões de ordem técnica no funcionamento dos sistemas de energia. Portanto, analisar e determinar o impacto da geração distribuída nesses sistemas durante a interconexão e a operação é uma questão importante e não dispensável. Essas análises podem envolver pesquisas intensivas, complexas e constantes, dependendo dos parâmetros que são necessários a serem avaliados (HIDAYATULLAH; STOJCEVSKY; KALAM, 2011). Pequenas unidades de geração distribuída inseridas em baixa quantidade são motivos de pouca preocupação para os operadores do sistema, mesmo em redes de distribuição de BT. Uma vez que o número e a potência das fontes aumentam, essa presença não pode ser mais desconsiderada, já que o respeito aos limites físicos de linhas, transformadores e aos aspectos relacionados à qualidade de energia, como o nível de tensão, por exemplo, deve ser garantido . Neste capítulo, serão analisados os impactos observados no sistema devido à penetração de fontes de geração distribuída, relacionando seus efeitos e o estado da arte das metodologias que possam contribuir com a mitigação dos eventuais prejuízos no desempenho do sistema. Especificamente, serão abordados os efeitos relativos ao nível de tensão, alterações no fluxo de potência e eventuais influências no nível de perdas do sistema quando agregado de geradores distribuídos. 22 2.1 NÍVEL DE TENSÃO Como destacado anteriormente, o nível de tensão é um importante critério para avaliar a qualidade de energia, principalmente em sistemas de distribuição. Normas que estabelecem limites máximos e mínimos de tensão tem a função de estabelecer padrões a serem seguidos pelas distribuidoras de tal maneira que o consumidor sempre receba a energia em condições ideais para que seus equipamentos funcionem de modo correto. A corrente I que circula por uma linha do sistema provoca nesse trecho uma queda de tensão ΔV. O valor da queda de tensão é dependente também da impedância Z da linha e, portanto, dependente dos valores de resistência R e reatância X da linha, conforme a formulação apresentada a seguir: (1) Conforme observado na equação (1) a queda de tensão ΔV é formada pela componente real ΔVp e pela componente imaginária ΔVq, formando as equações (2) e (3) apresentadas. (2) (3) Adicionalmente, a corrente através de uma linha pode ser obtida pela potência que é transferida através dela utilizando a tensão Vr no terminal final como referência. Assim, as correntes ativas e reativas são determinadas como representadas na equação (4). (4) 23 Dessa forma, pode-se reescrever a equação (1) representando, agora, a queda de tensão ΔV em função da potência aparente S e da tensão terminal da linha Vr. (5) De acordo com a equação (5) percebe-se que a relação entre a resistência R e a reatância X da linha é fundamental para a determinação da queda de tensão. Pelas características dos cabos utilizados, para as linhas de transmissão em alta tensão a relação X / R é alta (superior a 10 vezes) e, consequentemente, assume-se que a queda de tensão seja dependente apenas da potência reativa transferida no sistema. Para as redes de média e baixa tensão, entretanto, a relação X / R é próxima de 1 e, portanto, não se pode desprezar a influência da circulação de potência ativa para determinação da queda de tensão. Percebe-se também que a dependência da carga (valor circulante da corrente) torna a queda de tensão proporcional aos valores demandados pelos consumidores em um sistema de distribuição, por exemplo. O conhecimento dessa dependência é importante, pois proporciona uma oportunidade de metodologia de controle da queda de tensão através do controle da carga, conforme será destacado mais à frente na presente tese. Diversos estudos no meio científico, técnico e acadêmico analisam o impacto no nível de tensão proveniente da conexão de fontes de geração distribuída. Em Rezende et al. (2013) foi realizada uma simulação digital utilizando o software ATP – Alternative Transient Program para verificação do efeito provocado no nível de tensão em uma rede de distribuição de 13,8 kV com a inserção de apenas uma unidade de GD. De acordo com a análise dos autores verificou-se que após a conexão da fonte distribuída no sistema, a tensão nos barramentos apresentou valores mais próximos do valor nominal da rede (13,8 kV), quando comparada com os valores observados antes da conexão. Entretanto, os autores consideraram apenas uma fonte de GD e não um cenário em que várias fontes podem se conectar ao sistema. Portanto, assim como se observou aumentos de até 4% nas tensões após a conexão do gerador distribuído, é previsto que valores mais 24 elevados possam ser verificados no sistema no caso de um maior nível de penetração de geração distribuída. Em outros casos, como destacado por Chiradeja e Ramakumar (2001), ao se conectar fontes de geração distribuída no sistema, o perfil de tensão pode ser melhorado, pois pode fornecer uma porção da potência ativa e reativa à carga, ajudando assim a diminuir a corrente ao longo de uma seção da linha de distribuição, o que, por sua vez, resultará em uma melhora na magnitude de tensão no local da conexão do cliente atendido pelo sistema. Portanto, avaliar adequadamente o impacto, seja ele positivo ou negativo, devido a conexão de fontes dispersas em uma rede elétrica é importante na elaboração de estudos para o planejamento do sistema. Uma alternativa que quantifica o impacto de forma simples com a inclusão de geração distribuída na rede é o VPII (voltage profile improvement index), definido como a relação entre o índice de perfil de tensão do sistema com geração distribuída e o índice de perfil de tensão do sistema sem geração distribuída, ou sistema base original (CHIRADEJA; RAMAKUMAR, 2004). A equação (6) representa o VPII, sendo definindo no presente trabalho como ΔVP. (6) Sendo: = perfil de tensão do sistema com geração distribuída; = perfil de tensão do sistema sem geração distribuída. Destaca-se que os perfis de tensão VP analisados para ambas as situações (com e sem geração distribuída) devem ser obtidos com a mesma carga, pois como dito anteriormente, a alteração da carga influencia diretamente na queda de tensão. A expressão geral para o perfil de tensão VP é definida como na equação (7). (7) Sendo que: (8) 25 Sendo: Vi = magnitude da tensão em p.u. na barra i; Li = potência em p.u. na barra i; ki = fator de ponderação para a barra i; N = número total de barras do sistema. Os fatores de ponderação representam uma oportunidade de se adotar pesos relativos à importância e criticidade de cada uma das barras. Permite, por exemplo, que mesmo em barras que apresentem carga relativamente baixa possam ser adotados fatores mais fortes devido à importância da carga. Caso todas as barras tenham o mesmo nível de importância, o valor de ki é dado por: (9) Em sistemas complexos e com elevado número de barras, a adoção de diferentes conjuntos de fatores de ponderação pode levar a um conjunto de resultados variados relativos ao perfil de tensão do sistema e a melhor alternativa do ponto de vista global do sistema pode ser escolhida como solução para a condição operacional da rede. 2.2 .FLUXO DE POTÊNCIA REVERSO Além do impacto nos níveis de tensão, a eletricidade produzida por pequenas fontes de geração em redes de distribuição de baixa tensão pode resultar na inversão do sentido convencional do fluxo de potência. Em caso de grande produção e pequeno consumo na rede de baixa tensão, o fluxo de potência reverso pode sobrecarregar o transformador que conecta o sistema à rede de média tensão, os cabos que compõem as linhas, além de influenciar no funcionamento dos elementos de proteção da rede (PATIL; RAMTEKE, 2015). 26 Portanto, os limites térmicos dos cabos e de carregamento dos transformadores restringem a quantidade de geração distribuída que pode ser introduzida em uma rede existente. Em operação normal, o fluxo de potência em uma rede de distribuição convencional é a partir da subestação e flui ao longo dos cabos para as cargas. Em situações de grande presença de unidades de GD instaladas injetando quantidade elevada de potência (SGD-MÁX) no sistema e especialmente em situações com baixa carga (SCARGA-MÍN), o fluxo de potência reverso pode até ser maior que o fluxo convencional durante carga máxima (SCARGA-MÁX), conforme representado na equação (10). | SGD-MÁX – SCARGA-MÍN | > SCARGA-MÁX (10) Quando este nível de penetração de GD é atingido, os limites térmicos podem se tornar uma preocupação, pois no planejamento do sistema, geralmente os dimensionamentos são baseados na carga máxima prevista (SCARGA-MÁX). Os limites térmicos das linhas dependem da tolerância de temperatura máxima. Para cabos com isolação de PVC que são comuns para tensões abaixo de 1 kV, o valor típico de temperatura máxima suportável permanentemente é de 70ºC. Ressalta-se, entretanto, que situações preocupantes envolvendo sobrecarga do transformador e cabos devido ao fluxo reverso só aconteceriam caso a potência fluindo no sentido contrário ao tradicional excedesse a demanda máxima admitida no funcionamento normal do sistema. Tal condição exigiria quantidade significativamente alta de geração na rede atendida pelo transformador, pois as cargas conectadas ao sistema no secundário ainda seriam responsáveis por parte do consumo, contribuindo para a diminuição do fluxo reverso. Portanto, embora não se trate de condição típica nas redes tradicionais de distribuição, o fluxo reverso dentro de certos limites pode ser aceito. Entretanto, evitar a ocorrência do fluxo reverso, mesmo que em níveis toleráveis quanto ao carregamento do transformador, pode ser uma decisão técnica dos operadores da rede para que não haja implicações nos elementos de proteção presentes no sistema. 27 Dessa forma, avaliar o impacto que diferentes níveis de penetração de geração distribuída proporcionam ao funcionamento do transformador de distribuição, exige que se adote uma formulação que relacione essa penetração e seu carregamento ou o inverso do carregamento, que pode ser definido, no presente trabalho, como a capacidade livre do transformador. Na tese de Liska (2013), o autor apresenta uma proposta de avaliação baseada na equação (11): (11) Sendo: – potência máxima de conexão de fontes adicionais à rede; – potência máxima instalada de transformadores na região analisada; – fator de carga ideal para o grupo de transformadores definido pelo operador do sistema; – demanda mínima das cargas na região analisada; – fator de redução para unidades de microgeração. Na formulação supracitada pretendeu-se identificar o potencial de instalação de fontes de geração distribuída para sistemas maiores, englobando os níveis de baixa, média e alta tensão, inclusive adotando um fator de redução desse potencial para que fosse complementado por unidades de microgeração no sistema de distribuição em baixa tensão. Adaptando-se para a situação exclusiva do sistema de distribuição, a avaliação do fluxo reverso pode ser feita individualmente para cada transformador adotando-se a seguinte formulação (12). (12) Onde: – capacidade livre do transformador; – potência nominal do transformador; 28 – fator de carga ideal do transformador; - potência mínima medida na rede durante a máxima produção das fontes distribuídas; – potência das fontes que já estão operando na rede; – fator de simultaneidade. Dessa maneira, tanto o planejamento do sistema para expansão de fontes de geração distribuída quanto o acompanhamento da condição operacional dos transformadores da distribuição podem ser melhores avaliados. O fator de simultaneidade da ocorrência entre a potência mínima medida na rede e a máxima produção das fontes distribuídas é importante para se determinar a carga livre do transformador. Na Figura 2 é ilustrada a sensibilidade da carga livre do transformador em relação a diferentes fatores de simultaneidade e diferentes cargas mínimas verificadas na rede. Figura 2 - Simultaneidade entre carga mínima e produção máxima de fontes na rede. Fonte: Elaboração do próprio autor. 0 0,5 1 1,5 2 2,5 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 C ap ac id ad e L iv re d o T ra n sf o rm ad o r Fator de simultaneidade Pmin = 1,2 p.u. Pmin = 1,0 p.u. Pmin = 0,8 p.u. Pmin = 0,6 p.u. 29 Além do fator de simultaneidade, a quantidade de fontes já presentes na rede, a característica da carga e o fator de carga ideal do transformador determinado pelo operador do sistema devem ser avaliados para se determinar a capacidade de se agregar novas fontes na rede de distribuição analisada. De acordo com a formulação, portanto, o fluxo reverso é verificado quando a capacidade livre do transformador é nula e novas fontes de geração distribuída são adicionadas à rede. Dessa forma, caso se queira evitar o fluxo reverso de uma determinada rede de distribuição em baixa tensão para a média tensão essa análise proposta, realizada para diferentes perfis de carga, geração e operação do transformador se mostra como um importante parâmetro para nortear a integração de fontes distribuídas no sistema. 2.3 PERDAS NA REDE Nos sistemas de distribuição as perdas são uma questão importante a ser administrada, uma vez que representam uma parcela da energia que também tem que ser gerada pelas fontes e, portanto, tem um custo a elas associado. Além disso, perdas excessivas também tem impacto no aquecimento de cabos e por isso devem ser mantidas em nível mais baixo possível. As perdas em uma rede de distribuição podem ser divididas em duas categorias: as perdas série e as perdas shunt. Enquanto que as perdas série são diretamente dependentes da corrente através dos componentes (ou seja, da potência transferida), as perdas shunt são dependentes dos valores de tensão. As perdas shunt, ativas e reativas, podem ser calculadas de acordo com as equações (13) e (14). (13) (14) Como essas perdas ocorrem principalmente em transformadores e reatores e não são diretamente dependentes das alterações no fluxo de potência causado por unidades de GD, elas 30 geralmente não são consideradas. Por outro lado, as perdas série, ativas e reativas, para uma rede trifásica são determinadas de acordo com as equações (15) e (16). (15) (16) Desse modo, percebe-se que a dependência da corrente, faz com que as perdas série sejam dependentes do fluxo de potência que é transferido na linha. As perdas de energia em uma rede de distribuição tendem a diminuir com baixos níveis de penetração de geração distribuída e a aumentar para maiores volumes de fontes conectadas, conforme observado por Méndez, Rivier e Gómez (2006). Portanto, avaliar o real impacto, seja positivo ou negativo, no nível de perdas em determinado sistema pode ser utilizado também como referência para o gerenciamento eficiente da integração de novas fontes distribuídas na rede. A razão entre as perdas totais nas linhas do sistema com e sem geração distribuída pode ser expresso como na equação (17). (17) Sendo que as perdas totais são dadas por (18): (18) Onde: - corrente em p.u. na linha i; – resistência da linha i em p.u./km; – comprimento da linha i em km; - número de linhas do sistema de distribuição. 31 Como avaliado para o impacto no nível de tensão, aqui também se assume que as perdas são analisadas para cargas nas barras iguais nas situações com e sem geração distribuída inserida na rede. A Figura 3 ilustra graficamente a variação do Fator Perdas conforme a alteração no fluxo de corrente pelas linhas em ambas as situações relacionando o impacto positivo e negativo, ou seja, diminuição ou aumento das perdas no sistema. Figura 3 - Impactos sobre as perdas com variação da corrente Fonte: Elaboração do próprio autor. Conforme pode ser observado pelo gráfico, a definição de um índice de avaliação das perdas contribui na avaliação do impacto proveniente da instalação de fontes de geração distribuída, pois uma abordagem de minimização desse índice levaria a uma condição ótima no planejamento da integração das fontes, seja por posicionamento, por quantidade ou por tipo. Entretanto, embora seja condição também importante a ser avaliada, optou-se, como forma de enfoque nos objetivos, na proposta de análise dos impactos técnicos da presença de GD da presente tese, pela exploração especificamente do efeito no nível de tensão e no fluxo de potência do sistema. 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 1,40 1,60 1,80 2,00 0,6 0,8 1 1,2 1,4 Fa to r P e rd as p ar a P e rd as T o ta is s / G D = 1 ,0 p u Perdas totais C/ GD (p.u) Quadrante de Impacto Negativo Quadrante de Impacto Positivo 32 2.4 SIMULAÇÃO EM SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE BAIXA TENSÃO O presente tópico tem por objetivo apresentar uma análise de desempenho de uma rede de distribuição secundária real. Pretende-se com os estudos, identificar através da análise de fluxo de potência o comportamento do sistema quando submetido a condições não usuais da rede atual, tais como inserção de fontes dispersas de geração em diferentes níveis de penetração. A análise das redes foi realizada utilizando-se a ferramenta de simulação computacional Power Factory (v.14.1.3), específica para estudos de sistemas elétricos de potência .As análises visam identificar o comportamento da rede com relação ao carregamento dos condutores, carregamento do transformador e variações do nível de tensão, de acordo com diferentes cenários de presença de fontes de geração distribuída. Adicionalmente, o Matlab R2008a e o Microsoft Office Excel 2007 foram utilizados para elaboração de planilhas de cálculos e desenvolvimento de gráficos. 2.4.1 Sistema teste O sistema teste utilizado faz parte do projeto Smart City e representa uma rede real de distribuição em baixa tensão localizada em uma região urbana com predominância de atendimento a unidades consumidoras residenciais. A rede é servida por um transformador trifásico de 112,5 kVA (13,8kV/220V) e no diagrama esquemático da Figura 4, cada nó/barra representa um poste ou derivação da rede real. Foram consideradas 17 barras identificadas numericamente de 1 a 17. Toda a distribuição da rede atendida pelo transformador é feita de forma aérea. No diagrama da Figura 4 ainda estão representadas as unidades consumidoras, que estão distribuídas entre cada par de nós/barras do sistema, além das unidades de geração distribuída. 33 Figura 4 – Diagrama esquemático da rede atendida pelo transformador Fonte: Elaboração do próprio autor. No diagrama foram inseridas conectadas às barras/nós do sistema, as cargas que representam o grupo de unidades consumidoras existentes em cada um dos 17 pontos de derivação do sistema. Também é representado no diagrama, através de simbologia única para cada barra, o grupo de painéis fotovoltaicos conectados em cada ponto. O total de unidades consumidoras atendidas nessa rede é de 65, sendo na sua totalidade clientes residenciais. A carga total em cada trecho representa o somatório das cargas das unidades consumidoras conectadas entre as duas barras .As cargas totais por trecho foram consideradas trifásicas balanceadas. A Tabela1 representa as características de cada trecho do sistema de distribuição. 34 Tabela 1 - Características da rede atendida pelo transformador Trecho Comprimento (m) Bitola do condutor Corrente admissível (A) Unidades Consumidoras 1-2 2 2/0 235 2 2-3 23,45 2/0 235 4 2-6 35,46 2/0 235 2 3-4 12,23 2/0 235 5 6-7 27,31 2/0 235 5 4-5 29,28 2/0 235 2 7-8 6,93 2/0 235 3 7-9 7,04 2/0 235 1 9-10 23,97 2/0 235 3 10-11 28,91 2/0 235 3 11-12 24,86 2/0 235 5 7-13 25,14 2/0 235 3 13-14 36,15 2/0 235 5 14-15 37,07 2/0 235 6 15-16 39,46 2/0 235 7 17-16 35,33 2/0 235 4 TOTAL - - - 65 Fonte: Elaboração do próprio autor. 2.4.2 Característica da carga O modelo da curva de carga adotado na presente análise leva em consideração o perfil do carregamento no transformador da rede de distribuição. Este perfil está representado na Figura 5. Figura 5 – Perfil da carga no sistema Fonte: Elaboração do próprio autor. 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 0 0 :0 0 :0 0 0 1 :0 0 :0 0 0 2 :0 0 :0 0 0 3 :0 0 :0 0 0 4 :0 0 :0 0 0 5 :0 0 :0 0 0 6 :0 0 :0 0 0 7 :0 0 :0 0 0 8 :0 0 :0 0 0 9 :0 0 :0 0 1 0 :0 0 :0 0 1 1 :0 0 :0 0 1 2 :0 0 :0 0 1 3 :0 0 :0 0 1 4 :0 0 :0 0 1 5 :0 0 :0 0 1 6 :0 0 :0 0 1 7 :0 0 :0 0 1 8 :0 0 :0 0 1 9 :0 0 :0 0 2 0 :0 0 :0 0 2 1 :0 0 :0 0 2 2 :0 0 :0 0 2 3 :0 0 :0 0 P o t. (p .u ) Horário 35 O perfil de carga apresentado na Figura 5 é adotado para todas as cargas conectadas às barras do sistema e por isso é indicado em p.u. no gráfico. A base da curva (valor unitário por unidade) é considerada a demanda máxima do sistema. Assume-se também na análise que a rede está balanceada, ou seja, existe equilíbrio entre as cargas conectadas em cada uma das três fases do sistema. 2.4.3 Perfil de geração fotovoltaica Para identificar a característica de geração fotovoltaica, foi utilizado uma medição de um gerador fotovoltaico com 3,0 kWp de uma unidade residencial com microgeração distribuída instalada e conectada à rede analisada A Tabela 2 apresenta as características detalhadas do sistema de microgeração e a arquitetura de instalação dos painéis fotovoltaicos sobre o telhado residencial é ilustrada na Figura 6. Tabela 2 – Característica do Sistema Fotovoltaico Potência Instalada 3,0 kWp Geração Mensal de Energia Estimada 345 kWh Conexão à Rede de Distribuição Sim Número de Fases Conectado à GD 2 (bifásico) Tipo de Instalação Suspensa (sobre o telhado) Armazenamento de Energia Local Não Número de Painéis Fotovoltaicos 14 – 2x7 módulos Número de Inversores 01 Fator de Potência 0,85 - 1 Fonte: Elaboração do próprio autor. 36 Figura 6 – Arquitetura de instalação de painéis fotovoltaicos Fonte: Elaboração do próprio autor. Utilizando-se os dados obtidos através da leitura do medidor na saída do inversor do painel solar, foram analisadas as características reais de geração dessa unidade. Foram utilizadas como referência as medições do mês de abril para o sistema fotovoltaico analisado, tendo em vista que tal mês está próximo da média anual no que diz respeito à incidência de radiação solar na região do estudo de caso e, consequentemente, à capacidade de geração de energia utilizando o sol como fonte primária. As curvas foram elaboradas de acordo com a integralização da medição a cada 15 minutos, intervalo esse usual na medição e levantamento de curvas de carga para identificação de perfis. Posteriormente, a curva média de geração para o mês de abril foi obtida, como ilustra a Figura 7. 37 Figura 7 – Perfil de geração de um sistema fotovoltaico de 3,0 kWp no mês de Abril Fonte: Elaboração do próprio autor. A geração média mensal dessa unidade de microgeração fotovoltaica é de aproximadamente 345 kWh. Assim como o perfil de carga descrito anteriormente foi adotado para todas as unidades consumidoras presentes na rede, este perfil de geração também foi considerado para todos os sistemas fotovoltaicos da análise, aplicando-se os valores horários por unidade ao valor nominal de cada unidade geradora. 2.4.4 Cenários de análise Para construção e entendimento dos cenários, faz-se necessário aqui a definição do chamado nível de penetração de geração distribuída. No Brasil, a Resolução Normativa nº 482, de 17 de Abril de 2012, da ANEEL, estabeleceu que a potência instalada de microgeração ficasse limitada ao valor da potência máxima disponibilizada para a unidade consumidora onde tal microgerador será conectado. Ou seja, a potência nominal total de um sistema fotovoltaico residencial deve ser no máximo igual ao valor da capacidade da entrada de energia disponibilizada pela concessionária para atender a carga instalada declarada pelo cliente. Dessa forma, define-se o nível de penetração fotovoltaica de acordo com a equação (19). 0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 0 0 :0 0 :0 0 0 1 :0 0 :0 0 0 2 :0 0 :0 0 0 3 :0 0 :0 0 0 4 :0 0 :0 0 0 5 :0 0 :0 0 0 6 :0 0 :0 0 0 7 :0 0 :0 0 0 8 :0 0 :0 0 0 9 :0 0 :0 0 1 0 :0 0 :0 0 1 1 :0 0 :0 0 1 2 :0 0 :0 0 1 3 :0 0 :0 0 1 4 :0 0 :0 0 1 5 :0 0 :0 0 1 6 :0 0 :0 0 1 7 :0 0 :0 0 1 8 :0 0 :0 0 1 9 :0 0 :0 0 2 0 :0 0 :0 0 2 1 :0 0 :0 0 2 2 :0 0 :0 0 2 3 :0 0 :0 0 P o t. (p .u ) Horário 38 %100.(%)_ CARGA FV P P FVPenetração  (19) Onde: (%)_ FVPenetração - nível de penetração de painéis fotovoltaicos no sistema; FVP - potência instalada total de painéis fotovoltaicos no sistema; CARGAP - potência disponibilizada para atender as cargas do sistema. Baseado nessa definição, um nível de penetração fotovoltaico de 50% equivale à condição em que metade dos consumidores possuem painéis fotovoltaicos instalados, assumindo também que a potência de cada um desses microgeradores seja igual à potência disponibilizada para atender a carga instalada declarada da unidade correspondente. Níveis de penetração elevados, baseados nessa definição, podem parecer não realistas, a priori. Entretanto, salienta-se aqui que a vinculação preconizada pela regulamentação entre a capacidade instalada nominal da microgeração e a carga declarada pelo acessante dos serviços da distribuição torna possível que valores elevados de níveis de penetração possam ser experimentados pela rede. Como exemplo, utiliza-se a relação de carga declarada de todos os clientes da concessionária alimentados pela rede de distribuição da presente análise. Nesse caso, o somatório da carga declarada de todas as unidades é de 587,37 kVA. Admitindo-se o perfil de geração apresentado na Figura 7, para um cenário de 100% de penetração, o sistema verificaria uma potência injetada no pico da produção de energia fotovoltaica (em torno do meio-dia) de aproximadamente 350 kVA, valor consideravelmente elevado quando comparado às capacidades dos cabos e do transformador (112,5 kVA). Por outro lado, existem fatores limitantes à plena eficiência da geração fotovoltaica tanto em termos de quantidade quanto em capacidade de geração (EPE, 2014). Conforme Konzen (2014), inicialmente, podem ser considerados como aptos somente domicílios do tipo casa. Apartamentos, por exemplo, tem a instalação dificultada em função da cobertura do edifício nem sempre estar disponível, além de oferecer restrições contratuais por 39 ser uma área comum. Pondera ainda a restrição advinda da condição de ocupação do domicílio. Locais alugados, por exemplo, dificilmente irão receber uma instalação fotovoltaica por se tratar de um investimento com prazo de retorno relativamente longo e cuja transferência para outro local não é trivial. Dessa forma, tanto locatário quanto locador não se caracterizam como motivados a investir em geração fotovoltaica nesse tipo de domicílio. Estima-se, que os domicílios tipo casa ocupada pelo proprietário representem cerca de 65% do total de domicílios brasileiros, segundo dados do Censo do IBGE de 2010. Este é, portanto, um primeiro fator a ser considerado como limitante à instalação de geração fotovoltaica. Além disso, condições locais do telhado, tais como, sombras, chaminés, caixas d’água, antenas, aquecedores solares, podem impossibilitar a instalação dos painéis fotovoltaicos em algumas residências. Ainda segundo Konzen (2014), estima-se que 15% dos telhados estejam nessas condições, ou seja, pode-se considerar este fator adicional de 85% também como limitador da inserção de geração distribuída fotovoltaica. Dessa forma, estima-se que o percentual de domicílios aptos para a finalidade da instalação desse tipo de microgeração seja dado pela multiplicação dos dois fatores, ou seja: (20) Ainda deve-se levar em consideração que muitas unidades consumidoras, apesar de seus respectivos domicílios estarem aptos segundo os critérios supracitados, não terão, provavelmente, interesse ou condições de optarem pela instalação de painéis fotovoltaicos. Portanto, baseia-se aqui, na potencial adoção de consumidores que tenham um consumo anual de pelo menos 3600 kWh, ou seja, 300 kWh médios de consumo mensal. Esse valor poderá ser diferente e específico para cada análise, porém não deve ser desconsiderado, pois representa um fator de limitação imposta pela própria condição de viabilidade econômica para instalação de painéis fotovoltaicos. 40 Na rede analisada neste tópico, do total das 65 unidades consumidoras, 30 estão nesse patamar de consumo. Dessa forma, estima-se, para esse caso, que haja um fator de 46% a ser aplicado ao potencial de penetração de geração distribuída fotovoltaica. A Tabela 3 apresenta, em síntese, a discussão apresentada até aqui com relação ao nível de penetração fotovoltaica. Tabela 3 – Aspectos relacionados ao nível de penetração fotovoltaica Carga declarada total das unidades consumidoras atendidas pelo transformador (kW) Fator limitante (condição de ocupação e telhados) Fator de mercado viável para instalação (unidades consumidoras com consumo médio mensal > 300 kWh) Potência Instalada máxima esperada de painéis fotovoltaicos na rede (kWp) 587,37 0,55 0,46 148,6 Fonte: Elaboração do próprio autor. Considerando a equação 19 que definiu o nível de penetração percentual, ao se adotar a potência nominal do transformador, nesse caso 112,5 kVA, e compará-la à potência instalada máxima esperada de painéis fotovoltaicos nessa rede, 148,6 kWp, observa-se que o nível de penetração pode inclusive ser superior a 100%. Ressalta-se aqui, no entanto, que a análise caso a caso das redes a serem analisadas tornam a criação dos cenários mais realista, pois considera aspectos intrínsecos ao sistema em estudo. Reforça-se também que os transformadores de distribuição são comumente utilizados com cargas superiores à sua potência nominal, tornando a definição do valor de CARGAP , da equação 19, subjetiva aos responsáveis pelo planejamento do sistema. Na presente tese, optou-se por definir o valor de CARGAP como sendo igual à potência nominal do transformador, pois representa a garantia de seu funcionamento dentro das condições de projeto desejadas. Dessa maneira, para fins da análise desse capítulo, serão utilizados a seguir 3 níveis de penetração fotovoltaica: 10%, 30% e 60%. As condições operacionais desses 3 cenários serão comparadas com o cenário base que representa a condição sem presença de geração 41 distribuída fotovoltaica. Serão analisados ainda pontos específicos da curva diária, como o pico da geração fotovoltaica (12:00h) e o pico da carga no sistema (19:00h). 2.4.5 Resultados das simulações A Figura 8 apresenta os valores dos perfis de tensão avaliados para todos os cenários propostos. Figura 8 - Perfis de tensão para diferentes cenários de penetração de GD Fonte: Elaboração do próprio autor. Conforme pode ser observado no gráfico da Figura 8, quanto mais próximo do valor unitário, melhor é o perfil de tensão (VP) da rede analisada. Quanto mais distante o valor, seja menor ou maior, pior é a condição do nível de tensão global do sistema. Se tratando de rede de distribuição secundária, onde a definição de fatores de ponderação diferentes para as cargas pode não ser trivial, o perfil de tensão apresentado na Figura 8 pode ser entendido como o próprio nível de tensão em p.u. Para melhor entendimento, no gráfico de ΔVP verifica-se que o ponto mais inferior da curva está relacionado ao cenário onde o sistema apresenta sua melhor condição operacional com relação ao nível de tensão. A linha de tendência do gráfico de ΔVP mostra que para cenários além de 60% de penetração de geração distribuída o sistema funcionará com valores de tensão nas barras mais distantes do valor nominal do que no caso base (sem geração distribuída presente na rede). Estudos de integração de recursos energéticos distribuídos podem tratar o ΔVP como 0,92 0,94 0,96 0,98 1,00 1,02 1,04 Ideal Sem GD 10% GD 30%GD 60%GD VP Cenários 0,000 0,005 0,010 0,015 0,020 0,025 0,030 0,035 0,040 0,045 Sem GD 10% GD 30% GD 60% GD ΔVP Cenários 42 um fator a ser minimizado quando forem adotadas diferentes abordagens, metodologias e cenários no planejamento dessa expansão. De modo similar à análise do impacto na característica de tensão do sistema, a integração de novas fontes de geração distribuída pode ser avaliada sob o ponto de vista do fluxo reverso ou capacidade livre do transformador. A Figura 9 ilustra para os diferentes cenários analisados o comportamento do carregamento do transformador. Figura 9 - Perfil de carga no transformador do sistema teste Fonte: Elaboração do próprio autor. Conforme pode ser observado na Figura 9, o transformador do sistema teste de distribuição tem sua carga aliviada gradualmente no período de produção das fontes fotovoltaicas à medida que o nível de penetração de fontes distribuídas aumenta. Para o período de máxima produção diária das unidades fotovoltaicas (por volta de 12:00h), o carregamento do transformador cai para níveis consideravelmente baixos principalmente no cenário de 60% de penetração de geração distribuída. 0 20 40 60 80 100 120 0 0 :0 0 :0 0 0 1 :0 0 :0 0 0 2 :0 0 :0 0 0 3 :0 0 :0 0 0 4 :0 0 :0 0 0 5 :0 0 :0 0 0 6 :0 0 :0 0 0 7 :0 0 :0 0 0 8 :0 0 :0 0 0 9 :0 0 :0 0 1 0 :0 0 :0 0 1 1 :0 0 :0 0 1 2 :0 0 :0 0 1 3 :0 0 :0 0 1 4 :0 0 :0 0 1 5 :0 0 :0 0 1 6 :0 0 :0 0 1 7 :0 0 :0 0 1 8 :0 0 :0 0 1 9 :0 0 :0 0 2 0 :0 0 :0 0 2 1 :0 0 :0 0 2 2 :0 0 :0 0 2 3 :0 0 :0 0 P o t. (k V A ) Horário Pot. Trafo Caso Base 10% de GD 30% de GD 60% de GD 43 Condições operacionais de baixo carregamento do transformador implicam em diminuição do fator de potência de funcionamento, situação proveniente da característica típica de unidades transformadoras operando próxima ao vazio. A Figura 10 apresenta a variação entre os cenários analisados da capacidade livre do transformador para integração de fontes de geração distribuída. Nessa análise foi admitido carregamento ideal do transformador igual a 100%. Figura 10 - Capacidade livre do transformador do sistema teste de distribuição Fonte: Elaboração do próprio autor. Verifica-se, através da Figura 10, que a capacidade livre do transformador atinge valores próximos a zero para o cenário de 60% de penetração de geração distribuída. Ressalta-se que, na presente análise não foi admitida a possibilidade de fluxo reverso pelo transformador, ou seja, não se admite que haja injeção de energia do sistema de distribuição em baixa tensão na média tensão. Esse condicionamento é típico em planejamentos onde se queira evitar eventuais alterações na configuração e atuação dos elementos de proteção do sistema e pode, portanto, ser considerado também como fator limitante à conexão de novas unidades de microgeração 0 10 20 30 40 50 60 70 Caso Base 10% de GD 30% de GD 60% de GD C ap ac id ad e l iv re p ar a G D ( kV A ) Cenários 44 na rede de baixa tensão, caso seja adotado como critério. Ressalta-se, porém, que a Resolução Normativa 482 da ANEEL, não faz restrição vinculada a tal ordem técnica de operação. 2.5 MINIMIZAÇÃO DOS IMPACTOS Uma vez que a tensão no ponto de conexão de um cliente é um importante critério para análise de qualidade, metodologias que auxiliem no seu controle são necessárias no gerenciamento do sistema. De modo similar, operar com baixos níveis de perdas e evitar problemas provenientes do surgimento do fluxo de potência reverso demanda a existência de procedimentos que garantam tais objetivos. Nesta seção serão discutidos métodos típicos pesquisados e utilizados na prática para minimizar os impactos provenientes da entrada de fontes de GD no sistema de distribuição. 2.5.1 Controle pelo TAP do transformador A variação da relação entre o número de espiras do primário e do secundário dos transformadores permite que a tensão também seja variada. Tradicionalmente, os transformadores de distribuição apresentam em sua constituição um dispositivo físico para controle de tensão chamado de comutador, operando, geralmente, off-load. Esses dispositivos têm de realizar um preciso e difícil objetivo duplo em redes de distribuição com presença de fontes distribuídas. Além de garantir que a tensão ao longo de todo o alimentador esteja acima dos limites mais baixos no período de pico de carga, também devem, durante as horas de geração, manter os valores abaixo do limite de tensão superior, o que é uma tarefa muito difícil de atingir com precisão. Destaca-se aqui, que a característica de geração fotovoltaica muitas vezes tem seu pico de injeção de energia no sistema em momentos em que a carga é consideravelmente mais baixa em relação à demanda máxima do sistema. Os comutadores em carga, ou OLTC (do termo em inglês On Load Tap Changer), são dispositivos que têm sido utilizados com consolidação por muitos anos, principalmente nos 45 transformadores localizados em subestações. Uma vez que o comutador em carga varia a relação de espiras do transformador, uma ampla faixa de tensão pode ser coberta. A mudança do número de espiras é conseguida através de um interruptor mecânico o que significa que a relação de transformação é alterada passo a passo. À medida que o número de passos está limitado pelo espaço disponível e os custos, estabelece-se uma dependência da variação da tensão com o tamanho do passo (TENGKUHASHIM; MOHAMED; SHAREEF, 2012). Uma desvantagem do dispositivo mecânico é a sua velocidade e o desgaste dos contatos do comutador. Assim, o número de operações do comutador tem de ser limitado de alguma forma, conforme destaca o trabalho de Liu et al. (2012). A estratégia de controle a ser adotada também é fundamental no sucesso da aplicação de transformadores com OLTC. Long et al. (2015) simularam três estratégias de controle - set- point constante, controle baseado no tempo e controle monitorado remotamente – em uma rede de distribuição de baixa tensão com presença de geração fotovoltaica. Com o objetivo de aumentar a capacidade de integração de fontes fotovoltaicas, os autores concluíram que as duas últimas estratégias apresentaram desempenho satisfatório em relação ao set-point fixo, permitindo que mais unidades pudessem ser agregadas à rede. Ressalta-se, entretanto, que nos sistemas de distribuição de baixa tensão, salvo raríssimas exceções, os transformadores não apresentam esse controle automático do TAP. Num ambiente de implantação de Redes Elétricas Inteligentes, devido à comunicação e automação em nível mais avançado, pode-se trabalhar com tal metodologia implicando, porém, em necessidade de adaptação e/ou substituição dos transformadores existentes na rede convencional, o que demandaria investimentos mais elevados no retrofit desses equipamentos. 2.5.2 Controle por injeção de reativos Em redes de transmissão o controle da potência reativa é o principal meio para regular a tensão, justificado pela alta relação X/R. Capacitores e reatores, bem como dispositivos eletrônicos tais como STATCOM são utilizados para controlar o fluxo de energia reativa e, assim, manter a tensão de rede. 46 Também no nível das redes de distribuição, capacitores e reatores, muitas vezes localizados nas subestações de AT/MT, são utilizados para compensação de energia reativa e controle de tensão. Nesse último caso, os dispositivos são ligados e desligados controlados por um temporizador em uma base diária ou sazonal. As unidades de GD conectadas ao sistema via conversor também podem participar do controle de injeção de reativos. Atualmente, entretanto, a capacidade de potência reativa dessas unidades é raramente usada para controle de tensão, mas a perspectiva é que se torne mais comum no futuro. Gonzalez et al. (2014) realizaram medições em 4 redes de distribuição rurais na Espanha, com o objetivo de identificar os eventuais prejuízos técnicos causados pela alta presença de geradores fotovoltaicos distribuídos. Através das medições verificou-se que a tensão aumenta principalmente nos nós próximos à geração e sobretensões de até 14% foram observadas em determinadas condições de carga, enquanto o limite trabalhado pela distribuidora de energia era de 7%. Os autores ressaltam que nesta situação o conversor de frequência presente no módulo da unidade de geração fotovoltaica deve ajustar a injeção tanto de potência ativa quanto de reativa para manter faixas de tensão admissíveis no sistema. Destaca-se, contudo, que como a transferência de potência reativa provoca perdas na rede os operadores do sistema muitas vezes tentam minimizar a utilização do fluxo de reativo para controle de tensão. 2.5.3 Controle por restrição de injeção de ativos As unidades de GD nos sistemas de distribuição de baixa tensão são normalmente ajustadas para operar na sua efetiva saída máxima de potência ativa independente da situação da rede. Como a injeção de potência ativa, devido à baixa relação X/R, induz um aumento de tensão no ponto de ligação, a limitação da inserção de potência ativa limita a tensão subir. A limitação da injeção de fontes fotovoltaicas com o objetivo de permitir a conexão de mais geradores sem comprometer a própria rede e outros usuários da rede parece muito atraente à medida que requer pequenas modificações no inversor (TONKOSKI; LOPES; EL- 47 FOULY, 2011). Além disso, este processo é utilizado apenas quando necessário, minimizando assim a quantidade de potência ativa reduzida. Na maioria dos casos, a remoção de um pequeno número de geradores fotovoltaicos é suficiente para levar os valores de tensão para dentro da faixa definida pelo operador do sistema, embora casos extremos exijam a desconexão de um maior número, conforme destacam Pais, Almeida e Castro (2012). Thomson e Infield (2007) analisaram um sistema de distribuição de uma rede urbana típica na Inglaterra, e o modelo desenvolvido para a mesma mostrou que com elevada penetração de geração fotovoltaica, apenas pequenos aumentos na tensão de rede foram observados (menos de 2V de 230V). No entanto, esse pequeno aumento de tensão na rede de teste já foi suficiente para aproximar os valores para perto do limite definido nas normas locais. Foi observado que quando a geração fotovoltaica atinge seu pico de capacidade os níveis de aumento de tensão também são os mais altos. Os autores concluem que a solução para manter os níveis de tensão dentro dos limites normativos passa por restringir a instalação de painéis fotovoltaicos para cerca de um terço do total de casas. Essa metodologia de restrição pode ser aplicada diretamente pelo operador do sistema, condição apenas possível em uma REI, devido a infraestrutura de comunicação e automação presente nessa configuração. Este tipo de estratégia para mitigação dos efeitos da penetração de fontes distribuídas, entretanto, enfrenta certa resistência na aplicação, uma vez que restringir a capacidade de geração das unidades de GD significa desperdiçar uma parte da energia disponível proveniente de fontes primárias intermitentes e menos poluentes como a eólica e fotovoltaica, por exemplo, e que deveriam ser aproveitadas no seu máximo quando comparadas a outras fontes mais impactantes ao meio ambiente. 2.5.4 Controle por reforço da rede A relação entre a resistência R e a reatância X da linha é fundamental para a determinação da queda de tensão. Portanto, modificar os valores dessas grandezas permite também atuar sob os níveis de queda de tensão de maneira direta. Como, tanto a resistência quanto a reatância são características das dimensões físicas e do material de composição dos 48 cabos, o procedimento para alterar esses valores passa pela substituição dos condutores. No trabalho de Tie e Gan (2013) foi realizada uma análise de uma rede de distribuição de baixa tensão considerando variações do nível de penetração de geração distribuída de 0 a 200% (razão entre o número de casas com geração fotovoltaica e o número total de casas). Os resultados mostraram que os valores de tensão observados no sistema estavam dentro dos limites inferior e superior considerados (0,96 e 1,1 p.u, respectivamente) para todo o intervalo de variação. Na conclusão dos autores tal resultado foi impulsionado principalmente pela seção nominal relativamente elevada do cabo utilizado no sistema, que apresentava utilização de menos do que 50% de sua capacidade nominal. A conclusão dos autores, portanto, traz uma perspectiva adicional ao resultado de Thomson e Infield (2007), pois além da restrição da instalação de unidades de GD pode-se utilizar a metodologia de substituição dos cabos para que a elevação de tensão seja minimizada. Entretanto, cabe aqui salientar, que custos elevados associados à troca de cabos e o tempo de interrupção necessário para realização da substituição são fatores que limitam a adoção de tal procedimento. 2.5.5 Controle por gerenciamento da carga O controle por gerenciamento da carga, também denominado Gerenciamento pelo Lado da Demanda – GLD é outro método para controle de tensão em redes de distribuição, permitindo o controle dos fluxos de potência ativa. Geralmente, para este método de controle apenas as cargas que podem ser desligadas ou deslocadas sem prejudicar de maneira essencial o usuário são consideradas. Alguns exemplos dessas cargas são aquecimento, ar condicionado e o carregamento de veículos elétricos, este último previsto para as futuras REI. Destaca-se que tanto uma redução quanto um aumento do consumo de energia ativa pode ser considerado para estes tipos de carga. Desse modo, ajustar a tensão para valores mais 49 altos ou mais baixos se torna possível. Dentre os fatores que limitam o uso do GLD, destaca-se a necessidade de coordenação e controle entre a rede e as cargas. Tal condição, entretanto, é conseguida num ambiente de redes inteligentes e tem sido objeto, portanto, de muitos estudos no meio acadêmico. O controle da carga pode ser realizado de maneira direta pelo operador do sistema ou de modo dinâmico. No primeiro caso, o operador tem autonomia para ligar ou desligar cargas dos consumidores (controle direto da carga). No segundo caso, a demanda reage à algum tipo de sinalização por parte da distribuidora, alterando seu nível para mais ou para menos. Essa reação é conhecida como resposta da demanda – RD e será explorada especificamente no capítulo 3. 2.6 CONCLUSÕES PARCIAIS A utilização de GD no sistema de distribuição apesar de se apresentar como uma proposta eficaz de auxílio no suprimento de energia também implica em impactos na rede que devem ser considerados na integração dessas fontes. A alteração nos níveis de tensão, o fluxo de potência reverso e as perdas no sistema devem ser analisados para que haja uma introdução eficiente das fontes de GD no sistema. Enquanto muitas metodologias de minimização dos impactos se baseiam no controle de elementos do sistema, tais como, transformadores, reatores e fontes, os métodos baseados no controle pelo lado da demanda podem apresentar vantagens que vão além da integração eficiente da GD. Aspectos como redução do consumo global do sistema, do pico de carga, além de gestão eficiente dos recursos energéticos são vantagens que fazem do GLD objeto de diversos estudos conforme será destacado no capítulo 3. 50 3 RESPOSTA DA DEMANDA Uma forma importante de se obter um controle de sistema avançado e otimização em níveis de distribuição é que os clientes estejam mais envolvidos nas ações envolvendo uma rede elétrica inteligente do que o papel que exercem nas redes tradicionais. Nesse sentido Balijepalli et al. (2011) designam a resposta pela demanda (RD) como sendo "mudanças dos padrões normais de consumo de energia elétrica por clientes finais em resposta a mudanças no preço da eletricidade ao longo do tempo, ou a pagamentos de incentivo destinados a induzir menor uso de energia em tempos de preços elevados no mercado ou ainda quando a confiabilidade do sistema é comprometida". No presente capítulo serão apresentadas as características dos programas de gerenciamento pelo lado da demanda enfatizando os baseados na utilização de tarifas dinâmicas de energia, ilustrando modelos de otimização e exemplos de aplicação. 3.1 PROGRAMAS DE RESPOSTA DA DEMANDA A comercialização de energia elétrica apresenta características particulares quando comparada a outros mercados comuns. Primeiro, a impossibilidade, em termos econômicos, de armazenar eletricidade em quantidades significativas. A segunda é a alteração rápida da demanda ao longo do tempo, o que implica que a capacidade dos equipamentos (subestações, redes de transporte, transformadores) seja determinada pela maior demanda que deva ser atendida naquele momento. Dentre as metodologias de gerenciamento de carga residencial o controle direto de carga (direct load control - DLC) é um dos procedimentos mais tradicionais (RUIZ et al., 2009). Em programas de DLC, com base num acordo entre concessionária e clientes, a empresa pode controlar remotamente as operações de consumo de energia de certos equipamentos nas residências dos usuários. Por exemplo, controle de iluminação, equipamentos de conforto térmico (aquecimento, ventilação e ar condicionado), geladeiras e 51 bombas. No entanto, quando se trata de controle de carga e automação residencial, a privacidade dos clientes pode ser uma grande preocupação e até mesmo uma barreira na implementação de programas de DLC (OPENHAN, 2008). Portanto, entende-se que metodologias que permitam ao usuário decidir sua participação no gerenciamento da carga no sistema tem maior aceitação. As análises e experiências de pesquisas e projetos pilotos demonstram que a maior motivação do consumidor em colaborar com a eficiência no uso da energia é o incentivo monetário. Isso indica que a reação dos usuários ao preço da energia é, de fato, importante e fundamental, conforme destacado por Boccuzzi (2013). Ao refletir a variação do custo de fornecimento de eletricidade, o preço da energia elétrica variando dá às distribuidoras e clientes finais uma maneira de interagir com o outro. Esta metodologia pode ajudar reduzir o pico da curva de carga e também diminuir o consumo total de energia. Existem dois grupos principais de programas de RD: os baseados no incentivo e os baseados no preço (DOE, 2006; ALBADI; EL-SAADANY, 2008). Dentro de cada programa, existem várias subcategorias conforme apresentado na Figura 11. Figura 11 - Programas de Resposta pela Demanda Fonte: Adaptado de Dupont et al. (2011). 52 Os programas de RD baseados no preço estão relacionados com as mudanças no consumo de energia por parte dos clientes em resposta às variações nos preços de compra. Este grupo inclui a tarifação horária (Time of use - TOU), preço crítico no pico (Critical Peak Pricing - CPP) e tarifação em tempo real (Real Time Pricing - RTP). Para horários ou períodos de tempo diferentes, se o preço varia significativamente, os clientes podem responder à estrutura de tarifas com as mudanças no uso de energia. Os valores das contas de energia podem ser reduzidos caso se ajuste o tempo do uso de energia, de acordo com preços mais baixos em alguns períodos e reduzir o consumo quando os preços são mais elevados. Atualmente, a maioria dos programas de RD baseados nos preços é inteiramente voluntária. Entretanto, conforme ressaltam Faria e Vale (2013), programas com resposta obrigatória podem trazer benefícios ainda maiores à gestão do sistema. A abrangência dos programas de RD em relação ao objetivo de redução de necessidade de entrega de energia pode ser observada na Figura 12. Figura 12 - Abrangência dos programas de Resposta pela Demanda Fonte: Adaptado de DOE (2006). 53 Como pode ser verificado na Figura 12, os programas de RD com incentivo por preço alcançam resultados mais imediatos em termos de redução de carga e energia no sistema quando comparados com programas mais tradicionais como a eficiência energética, por exemplo. Destaca-se no grupo dos programas baseados no preço, os regimes de tarifação RTP que apresentam efeitos ainda mais rápidos que os demais, como o TOU, por exemplo. Outros exemplos de modalidades tarifárias que podem ser aplicadas pelas distribuidoras são apresentados na Tabela 4. Tabela 4 – Exemplos de modalidades tarifárias Modalidade Descrição Características Tarifa fixa Uma parte da conta não é baseada em consumo, mas é fixo em uma base mensal. Não vantajoso para clientes de baixa renda (que apresentam, em média, menores níveis de consumo) e não há sinal de preço que motive a economia de energia. Estrutura de tarifa plana Não há componente fixa no valor total da conta sendo os maiores clientes responsáveis pela maior parcela de arrecadação. Os clientes que consomem menos energia nos horários de pico tem subsídio cruzado com aqueles que consomem volumes maiores nesses horários, implicando em maior demanda no horário de pico, já que a tarifação é baseada na média. Tarifas por blocos crescentes Apresenta uma menor taxa para o primeiro bloco de consumo e taxas mais elevadas para consumos acima do primeiro bloco. O custo é mais alto para consumidores que apresentam maiores níveis de consumo. Clientes de baixa renda geralmente têm menor uso e podem se beneficiar. A estrutura não faz com que haja redução da demanda no horário de pico. Tarifas por blocos decrescentes Apresenta uma maior taxa para o primeiro bloco de consumo e taxas mais baixas para consumos acima do primeiro bloco. Aumenta o custo para clientes que usam menos e causa subsídios cruzado entre os pequenos e grandes consumidores observando-se uso intensivo no horário de pico. Tarifa horária ou horosazonal (Time of Use - TOU) As taxas são diferenciadas em diferentes períodos em um dia. Também pode haver uma diferenciação sazonal. Pode resultar em um custo mais elevado para aqueles incapazes de mudar hábitos de consumo no horário de pico, ou seja, os clientes de baixa renda com pouca carga discricionária. Clientes capazes de mudar/ reduzir a carga certamente irão economizar. Diminui os subsídios cruzados entre os usuários. Precificação dinâmica (Real Time Pricing – RTP) Apresenta estrutura similar a tarifação horária, com sinais de preço adicionais para períodos críticos - ou sinais de preços em tempo real. Proporciona grande reflexo no custo da conta, mas pode ser difícil para os clientes sem carga discricionária (que respondem efetivamente ao sinal de preço). Pode ser difícil de compreender e não é adequado para clientes na modalidade pré-paga. Reduz subsídio cruzado entre os usuários. Fonte: Elaboração do próprio autor. 54 Destaca-se, que muitas dessas modalidades não precisam, necessariamente, de ambiente de redes elétricas inteligentes implantado o que torna seus efeitos, portanto, menos acentuados no que diz respeito à gestão da carga no sistema. De modo oposto a essa afirmação, sistemas que contam com infraestrutura avançada de medição, por exemplo, permitem melhores resultados em termos de resposta da carga à sinalizações tarifárias. 3.2 RESPOSTA DA DEMANDA AO PREÇO DA ENERGIA Programas de reposta da demanda (demand side management) têm sido utilizados regularmente há muitos anos no planejamento e coordenação de sistemas elétricos. Entretanto, o enfoque até a atualidade quase sempre se restringe em encontrar condições de fazer com que a curva de carga tenha seu pico diminuído, evitando assim eventuais dificuldades operacionais, postergando investimentos em melhoria da rede e garantindo maior confiabilidade ao sistema. Como exposto anteriormente, o preço da energia desempenha um papel fundamental na implementação de programas de RD. Entender de maneira profunda como a carga reage ao valor definido para a energia é essencial para que os modelos de análise sejam próximos da realidade. Nesse viés, duas técnicas principais são utilizadas no estudo da resposta da demanda às sinalizações tarifárias (GOULART, 2015):  Modelos baseados em lógica fuzzy, através da codificação de conjuntos para tomada de decisão;  Utilização de taxas (coeficientes) de elasticidade-preço de demanda baseados em estudos econométricos. Apesar de ambas as metodologias apresentarem dificuldades na sua modelagem, a utilização de coeficientes de elasticidade-preço da demanda apresenta maior possibilidade de investigação de estudos referenciais para mercados diversos e que podem, portanto, serem utilizados como benchmark, sendo assim a estratégia adotada na presente tese. 55 3.2.1 Elasticidade-preço da demanda A taxa de elasticidade-preço é uma medida utilizada em economia para avaliar a resposta da demanda por um bem ou serviço conforme a variação no seu preço, ou seja, refletir a variação percentual da quantidade demandada em resposta a uma variação percentual no preço. A definição matemática para a taxa de elasticidade-preço (ε) da demanda é expressa na equação (21), em função da variação da quantidade do bem ou serviço ΔQuantidade e da variação do preço ΔPreço. (21) Sendo: ε – elasticidade-preço da demanda; Δ – Variação percentual da quantidade demandada do bem ou serviço; Δ ç – Variação percentual do preço do bem ou serviço; Definem-se ainda as variações percentuais como: (22) (23) Sendo: – Quantidade inicial demandada do bem ou serviço; – Quantidade final demandada do bem ou serviço; – Preço inicial do bem ou serviço; – Preço final do bem ou serviço. Dessa forma, substituindo-se as equações (22) e (23) na equação (21), e adotando-se e pode-se definir a função da elasticidade-preço da demanda, 56 como: (24) Segundo a função da elasticidade definida na equação (24), os bens ou serviços podem ser classificados como elásticos, inelásticos ou unitários. Para valores de ε superiores a 1 a variação percentual da quantidade é maior do que a variação percentual do preço. Ou seja, os consumidores são bastante sensíveis a variações no preço e a demanda pelo bem ou serviço nesse caso é considerada elástica. Por outro lado, caso o valor de ε seja menor que 1, significa que a variação percentual na quantidade é inferior à variação percentual no preço, representando que os consumidores são relativamente insensíveis a variações no preço e tornando a demanda inelástica. Valores unitários de ε indicam que a demanda por esse bem é de elasticidade neutra, pois a variação percentual da quantidade se iguala à variação percentual do preço. No caso do consumo de energia, esta é uma medida da intensidade como a utilização de eletricidade muda quando ocorre mudança no seu preço. A identificação da característica da elasticidade-preço da demanda por eletricidade para determinada unidade consumidora não fica restrita apenas a poucos fatores. Inicialmente, de forma mais ampliada, o estudo de Wilson (1971) definiu um modelo de regressão linear, apresentado na equação (25), para o consumo residencial que relaciona além do preço da eletricidade, os custos do gás natural (nesse caso o bem substituto), a renda média familiar, o número de quartos por consumidor, e a temperatura. (25) Sendo: Consumo médio anual de energia elétrica da unidade (kWh/ano); Constante do modelo; 57 Preço da energia elétrica; Preço do bem que eventualmente possa substituir a fonte inicial; Renda média familiar; Quantidade de quartos da unidade consumidora; Temperatura (quantidade de graus) diária; Coeficiente de erro do modelo. Os termos são os respectivos coeficientes de elasticidade que relacionam a demanda com os fatores Analisando-se o modelo, pode-se entender que a característica do produto energia elétrica é de ser um bem de baixa elasticidade, pois não há um bem substituto direto e é essencial para qualquer tipo de uso final, seja residencial, comercial, industrial, entre outros. Diversos trabalhos internacionais apresentam valores de elasticidade baseados em análise comportamental real de consumidores que tem seu consumo influenciado por variações no preço da energia. Em um amplo estudo no estado americano do Havaí que relaciona a sensibilidade dos consumidores ao valor da energia e variação da renda, identificou-se que a elasticidade-preço da demanda por eletricidade era de -0,54 para unidades residenciais e de -0,27 para unidades comerciais e industriais (DBEDT, 2011). Phoumin e Kimura (2014) analisaram os mercados da Oceania e Ásia e através de um modelo dinâmico logarítmico-linear de demanda de energia estimaram as elasticidades de curto e longo prazo para cada país. Destaca-se que, na Austrália os coeficientes de elasticidade variam de -0,022 a -0,038. No Japão, por outro lado a elasticidade varia de -0,10 a -0,12, sendo mais sensível, portanto, do que na Austrália. Na Índia a elasticidade variou de valores consideravelmente baixos (-0,06) a valores mais elevados (-0,15). Nas Filipinas a elasticidade se situou entre -0,12 e -0,35, enquanto na Tailândia e Singapura os coeficientes apresentaram os valores mais elásticos variando entre -0,16 e -1,53, e -0,35 a -1,07, respectivamente. Nos Estados Unidos, estudos do DOE (2014) apresentaram os valores das elasticidades 58 para consumidores residenciais e comerciais para curto e longo prazo (de 1 a 25 anos). Para as residências o coeficiente de elasticidade identificado foi de -0,12 a -0,40, enquanto para as unidades comerciais foi de -0,12 a -0,82. No Brasil, a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, através de seu corpo técnico, quantificaram as elasticidades-preço por classe de consumo e por tipo de atividade econômica. Os valores estimados dos coeficientes foram de -0,545 para unidades comerciais, - 0,174 para unidades industriais e -0,146 para residências (SCHMIDT, 2002; SANTOS, 2011). Conhecendo-se, portanto, os valores típicos de elasticidade, é possível identificar o perfil da resposta da demanda frente a variações no preço da energia elétrica utilizando a definição da equação (24). Antes, porém, faz-se necessário nesse momento, a inclusão de um conceito adicional ao comportamento da carga que traz mais fidedignidade ao comportamento dos consumidores em relação às variações de preço. As elasticidades definidas anteriormente podem ser entendidas como elasticidades diretas da carga, ilustrando o comportamento da carga frente a uma variação no preço no instante considerado. Entretanto, quando se trata de consumo de energia elétrica, deve-se presumir que a adoção de tarifas diferenciadas por hora, como é a proposta deste trabalho, proporcionará uma redistribuição do consumo ao longo do dia, baseando-se na compreensão de todo o esquema tarifário a ser apresentado ao consumidor. Dessa forma, deve-se avaliar a influência que uma alteração de consumo em determinada hora do dia submetida a um preço de energia provocará não apenas na hora de origem, mas também nas demais horas do dia. Define-se, assim, o conceito de elasticidade-preço cruzada, que pode ser compreendido de forma mais exata na análise de uma matriz de elasticidades. 59 (26) De acordo com a matriz (26) a variação de carga para uma determinada hora i é obtida a part