I UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU ELDA GARBO PINTO ACESSO VASCULAR DEFINITIVO EM USUÁRIOS DE HEMODIÁLISE: CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE CONHECIMENTO BOTUCATU 2014 II ELDA GARBO PINTO ACESSO VASCULAR DEFINITIVO EM USUÁRIOS DE HEMODIÁLISE: CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE CONHECIMENTO Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem: Mestrado Profissional – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP para obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Profª.Dra WILZA CARLA SPIRI ( Orientadora) BOTUCATU 2014 III FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE - CRB 8/5651 Pinto, Elda Garbo. Acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise: construção e validação de uma escala de conhecimento / Elda Garbo Pinto. – Botucatu, 2014 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina de Botucatu. Orientador: Wilza Carla Spiri Capes: 40400000 1. Insuficiência renal crônica. 2. Equipe de enfermagem. 3. Hemodiálise. 4. Nefrologia. 5. Cirurgia vascular. Palavras-chave: Cuidados de enfermagem; Doença renal crônica; Fístula arterivenosa; Hemodiálise; Validação de método. IV FICHA DE APROVAÇÃO Nome: Elda Garbo Pinto Título: ACESSO VASCULAR DEFINITIVO EM USUÁRIOS DE HEMODIÁLISE: CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE CONHECIMENTO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado Profissional da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, para obtenção do título de Mestre. Aprovado em: ____/____/____. Banca Examinadora Prof. Dra. Wilza Carla Spiri Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Julgamento:______________________Assinatura:___________________ Prof. Dra. Carmen Maria Casquel Monti Juliani Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP Julgamento:_____________________Assinatura:____________________ Prof. Dra. Maria Justina Dalla Bernardina Fellipe Instituição: Faculdade de medicina de Botucatu - UNESP Julgamento:_____________________Assinatura:____________________ V Dedicatória VI Ás pessoas portadoras de doença renal crônica que mesmo com tantas dificuldades e limitações, vivem a vida e cultivam a solidariedade e a esperança de uma vida melhor. Às pessoas que contribuem para a melhoria da qualidade de vida do paciente renal crônico, plantando a esperança que alimenta a vontade deste de viver VII Epígrafe VIII “As nuvens mudam sempre de posição, mas são sempre nuvens no céu. Assim devemos ser todo dia, mutantes, porém leais com o que pensamos e sonhamos; lembre-se, tudo se desmancha no ar, menos os pensamentos”. Paulo Beleki IX Agradecimentos Especiais X Agradeço a minha orientadora professora Dra. Wilza Carla Spiri. A qual a considero como um timoneiro tranquilo , firme, obstinado e terno. Foi paciente, disponível e acima de tudo, soube guiar e, ao mesmo tempo, esperar pelo amadurecimento do trabalho. Agradeço a meu esposo Edú, pelo carinho e compreensão, pois nas horas mais difíceis e tormentosas, foi em você que encontrei o porto seguro e a calmaria. XI Agradecimentos XII Agradecimentos Aproveito este espaço para agradecer a algumas pessoas que fizeram parte da mnha caminhada. Caminhada árdua, de muitas dúvidas, questionamentos, mas que chega ao final com o apoio e a alegria de muitas pessoas. Primeiramente a Deus, Senhor da minha vida, dos meus projetos pessoais, profissionais e da minha existência. Eu sei que a concretização deste sonho foi também a sua vontade. Obrigada por estar sempre comigo... Aos meus pais, Arcênio e Antônia, pela força e incentivo em toda minha caminhada, mas principalmente pelo amor incondicional e por compreender meus momentos de ausência aos domingos em família. À minha família (irmãos, sobrinhos e sobrinhas) por entender minha ausência e vibrar comigo por cada nova conquista. Aos Professores do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho e do Departamento de Enfermagem, pela oportunidade de qualificação profissional e efetivação de um sonho. À professora Drª. Carmen Monti Casquel Juliani pessoa maravilhosa que possui tantos exemplos a serem seguidos. As orientações, na ocasião da Comissão Examinadora do Seminário de Pesquisa e Qualificação, foram fundamentais XIII para o fortalecimento da consistência do texto da dissertação. À professora Drª. Silvia Cristina M. Bocchi por compartilhar seus conhecimentos durante as aulas do mestrado e pelo carinho, apoio e incentivo. Obrigada pelos momentos de crescimento e diálogo. À professora Drª. Magda Cristina Queiroz Dell’Acqua, pelo carinho e pela oportunidade que tive de conhecê-la, também pelos ensinamentos que com certeza mudaram a minha forma de pensar, pois contribuíram para me tornar uma profissional e uma pessoa melhor. À Drª.Maria Justina Dalla Bernardina Fellipe, pelas contribuições no exame de qualificação. Ao grupo de juízes, pela participação e dedicação em todas as fases desta pesquisa, pela colaboração com idéias e experiências. Este trabalho também pertence a vocês... Ao professor Dr. Luiz Cuadrado, pelo apoio e contribuições efetuadas. À enfermeira Laudilene Cristina Rebello Marinho, supervisora do programa de Aprimoramento em Diálise do hospital das Clínicas de Botucatu, pelas contribuições efetuadas na composição dos itens da escala. Meu muitíssimo obrigada! A todos os meus colegas de mestrado. Várias vezes compartilhamos angústias, alegrias, conquistas e trocamos XIV várias idéias! Ter encontrado vocês nesse caminho foi maravilhoso! Aos meus amigos amados: Rita de Cassia Altino Delarmelindo e Wellington Rodrigo de Souza, obrigada pela oportunidade de conviver com pessoas tão especiais e capacitadas, como vocês! À equipe de enfermagem da unidade de hemodiálise do Hospital Estadual de Bauru e da Faculdade de Medicina de Botucatu, pelo apoio e incentivo permanentes. À enfermeira Aniela Nascimento Pivotto, supervisora e responsável técnica do Centro de Terapia Renal Substitutivo de Bauru, por cada palavra de incentivo, pela amizade e pelo companheirismo demonstrado no decorrer do curso. XV Resumo XVI Pinto, EG. Acesso vascular definitivo em usuários de Hemodiálise: construção e validação de uma escala de conhecimento. [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014. RESUMO Estudo de cunho metodológico de construção e validação de instrumentos de avaliação em saúde, com o objetivo de construir e validar escalas de conhecimento sobre o acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise para os profissionais de enfermagem de nefrologia. As etapas para a elaboração das escalas foram: seleção das práticas envolvendo o acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise, fundamentação teórica das práticas selecionadas e elaboração das escalas pautadas nas diretrizes clínicas (guidelines) Clinical practice guidelines for vascular Access, Guías de Acceso Vascular em Hemodiálisis (Sociedade Espaῆola de Nefrología) e Guía de acceso vascular en hemodiálisis. O produto desse estudo foi a construção de quatro escalas: Escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise (ECAVD) – Cuidados universais, Escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise (ECAVD) – Cuidados específicos, Escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise (ECAVD) – Exame físico e Escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise (ECAVD) – Vigilância hemodinâmica. A coleta de dados ocorreu nos meses de fevereiro a agosto de 2013, por meio de um questionário, composto das seguintes partes: julgamento do conteúdo (constructo), dos atributos e dos componentes de cada escala construída. A validação de conteúdo das escalas foi realizada por doze juízes, com ampla experiência na área de nefrologia. Todas as escalas construídas foram validadas pelos profissionais, sob consenso favorável mínimo de 75%. Ressalta-se que após validação as escalas foram aplicadas a 84 profissionais de enfermagem que atuam em terapia de substituição renal em 3 centros no interior do Estado de São Paulo, onde 2,3% dos profissionais demonstraram apresentar pouco conhecimento, 33,3% apresentaram conhecimento satisfatório e 64,2% XVII profissionais apresentaram conhecimento pleno acerca do cuidado e complicações com FAV. Descritores: Enfermagem nefrológica. Hemodiálise. Fístula Arteriovenosa. XVIII Abstract XIX Pinto, EG. Permanent vascular access in hemodialysis users: construction and validation of a Knowledge scale. [dissertation]. Botucatu: Medicine University of Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; 2014. ABSTRACT Methodological nature study of the construction and validation of assessment tools in health, in order to build and validate knowledge scales about the permanent vascular access in hemodialysis users for nephrology nurses. The steps to prepare the scales were: practices selection involving permanent vascular access to hemodialysis users, theoretical basis of selected practices and development of guided scales in clinical guidelines (guidelines) Clinical practice guidelines for vascular Access, “Guías de Acceso Vascular em Hemodiálisis” (Espanish Society of Nephrology) and “Guía de acceso vascular en hemodialysis”. Thus, four scales were built : knowledge Scale of permanent vascular access in hemodialysis users (KSPVA) – Universal Care, knowledge Scale of permanent vascular access in hemodialysis users (KSPVA) – Specific Care, knowledge Scale of permanent vascular access in hemodialysis users (KSPVA) – physical examination and knowledge Scale of permanent vascular access in hemodialysis users (KSPVA) – Hemodynamic Monitoring. Data collection occurred from February to August 2013, using a questionnaire, consisting of the following parts : trial content (constructo), of the attributes and components of each built scale. The scales content validity was performed by twelve judges with extensive experience in the field of nephrology. All built scales were validated by professionals under minimum favorable consensus of 75 %. It is noteworthy that after validation, scales were applied to 84 nurses, working on renal replacement therapy in 3 centers in towns of São Paulo State, where 2.3% of the professionals have demonstrated little knowledge, 33.3 % have demonstrated satisfactory knowledge and 64.2 % of the professionals have demonstrated full knowledge about care and complications with AVF . Keywords : nephrology nursing. Hemodialysis . Arteriovenous Fistula. XX Listas XXI LISTA DE FIGURAS Figura 1: Pirâmide etária do Brasil no ano de 2050 (projeção) ....................... 15 Figura 2: Esquema do referencial teórico para o cuidado em saúde na área de nefrologia.......................................................................................................... 18 Figura 3: Processos de filtração, secreção e reabsorção executados pelo néfron ............................................................................................................... 21 Figura 4: Componentes do sistema de hemodiálise ........................................ 24 Figura 5: Total estimado de pacientes em tratamento dialítico no país por ano, censo 2011 ....................................................................................................... 26 Figura 6: Prevalência estimada de pacientes em diálise no Brasil, por região, censo 2011 ....................................................................................................... 27 Figura 7: Número absoluto estimado de pacientes novos no Brasil, por região, censo 2011 ....................................................................................................... 27 Figura 8: Diagnóstico de base dos pacientes em diálise, censo 2011 ............ 28 Figura 9: Taxas de incidência por país e por milhão de habitantes ................. 30 Figura 10: Principais causas de doença renal crônica com necessidade de terapia de substituição renal no Brasil, Portugal e Estados Unidos ................. 30 Figura 11: Fístula radial-cefálica no punho...................................................... 33 Figura 12: Teste de Allen ................................................................................ 36 Figura 13: Agulha para punção de fístula ....................................................... 45 Figura 14: Técnicas de punção da fístula arteriovenosa: 1- técnica de escala; 2- técnica de área; 3- técnica de buttonhole .................................................... 49 Figura 15: Aneurisma de FAV ......................................................................... 51 Figura 16 – Sequência de execução de uma pesquisa pelo método Delphi ... 66 Figura17 – Sequência de execução de uma pesquisa Delphi – Skulmoski, Hartman e Khran .............................................................................................. 70 Figura 18 – Cronograma das rodadas a serem realizadas no método Delphi no período de Fevereiro a Agosto 2013 ............................................................... 74 XXII Figura 19 – Distribuição dos juízes segundo a função, Bauru – 2013 ............. 83 Figura 20 – Distribuição dos juízes segundo a titulação, Bauru – 2013 .......... 84 Figura 21: Total de profissionais e pontuação dos escores das subescalas . 110 XXIII LISTA DE QUADROS Quadro 1: Adaptações potenciais dos sistemas de saúde com impacto no controle das DCNT ........................................................................................... 15 Quadro 2: Critérios para doença renal crônica ................................................ 22 Quadro 3: Requisitos mínimos para o acesso vascular ser bem sucedido ..... 34 Quadro 4:Teste de Allen.................................................................................. 35 Quadro 5: Preservação da rede vascular ........................................................ 43 Quadro 6: Confiabilidade do coeficiente alfa de Cronbach ............................. 63 Quadro 7: Comentários e sugestões dos juízes no julgamento do conteúdo das escalas de conhecimento: CUNI, CES, EF e VH, Bauru- 2013 ........................ 87 Quadro 8: Comentários e sugestões dos juízes sobre os atributos das escalas de conhecimento, Bauru – 2013 ....................................................................... 92 Quadro 9: Comentários e sugestões dos juízes sobre cada componente da escala de conhecimento, Bauru – 2013 ........................................................... 96 XXIV LISTA DE TABELAS Tabela 1: Fluxo de sangue e calibre de agulhas recomendados ..................... 44 Tabela 2: Consenso de julgamento pelos juízes da avaliação do constructo da escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise, Bauru – 2013 ............................................................................... 86 Tabela 3: Concenso de julgamento pelos juízes dos itens da avaliação dos atributos do conjunto de cada escala, Bauru – 2013 ........................................ 89 Tabela 4: Consenso de julgamento pelos juízes dos itens da avaliação dos atributos de cada componente da escala, Bauru – 2013 ................................. 95 Tabela 5: Consenso de julgamento da segunda rodada do conteúdo da escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise, pelos especialistas, Bauru – 2013 .................................................................... 99 Tabela 6: Consenso de julgamento da segunda rodada dos atributos da escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise, pelos especialistas, Bauru-2013 ..................................................................... 101 Tabela 7: Consenso de validação da segunda rodada dos componentes da escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise, pelos especialistas, Bauru – 2013 ............................................. 105 Tabela 8: Resultado da avaliação do coeficiente ɑ de Cronbach no estudo piloto ............................................................................................................... 107 Tabela 9: Distribuição dos centros de diálises para o total da amostra estabelecida ................................................................................................... 108 Tabela 10: Pontuação e descrição dos níveis de conhecimento sobre FAV na aplicação final ................................................................................................. 109 XXV LISTA DE SIGLAS DP – Diálise Peritoneal DRC – Doença Renal Crônica DRS – Diretoria Regional de Saúde DCNT – Doença Crônica Não Transmissível FAV – Fístula Artério venosa HD – Hemodiálise HV – Hipertensão venosa IRC – Insuficiência Renal Crônica IVC – Índice de validação de conteúdo ND – Nefropatia Diabética OMS – Organização Mundial de Saúde PRHD – Programa regular de hemodiálise RFG – Rítmo de filtração glomerular SBN – Sociedade brasileira de Nefrologia SUS – Sistema Único de Saúde TRS – Terapia Renal Substitutiva XXVI SUMÁRIO _____________________________________________________________________________ RESUMO......................................................................................................... XIV ABSTRACT ..................................................................................................... XIX LISTA DE FIGURAS ....................................................................................... XXI LISTA DE QUADROS ................................................................................... XXIII LISTA DE TABELAS ................................................................................... XXIV LISTA DE SIGLAS ........................................................................................ XXV _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO I – APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO ........................................ 1 1- Apresentação ............................................................................................... 02 2- Introdução .................................................................................................... 06 _______________________________________________________________________ CAPÍTULO II – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................... 11 1- O significado da doença crônica .................................................................. 12 1.1- A doença renal crônica.............................................................................. 19 1.2 - A hemodiálise ........................................................................................... 23 1.3 - Epidemiologia da doença renal crônica (DRC) ........................................ 26 2 - Cuidando da pessoa com Fístula Artriovenosa (FAV) ................................ 31 2.1 - Avaliação do membro após construção da fístula arteriovenosa ............. 36 2.2 - Maturação do acesso vascular ................................................................. 38 2.3 - Punção da FAV ........................................................................................ 39 2.3.1- Selecionar o local de punção da FAV .................................................... 42 2.3.2 - Selecionar o calibre das agulhas da punção da FAV ............................ 43 2.3.3 - Preparar o local de punção da FAV ...................................................... 45 2.3.4 - A técnica de punção da FAV ................................................................. 48 2.4 - Complicações funcionais da FAV ............................................................. 50 _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO III – OBJETIVO DO ESTUDO ....................................................... 53 1 - Objetivo geral .............................................................................................. 54 2 - Objetivo específico ...................................................................................... 54 _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO IV – METODOLOGIA .................................................................... 55 1 -Tipo de pesquisa .......................................................................................... 56 2 - Procedimentos para a construção da escala .............................................. 56 2.1- Fundamentação teórica das práticas relacionadas ao acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise .............................................................. 57 2.2 - A construção da escala de conhecimento de acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise ................................................................................... 58 2.3 - Validade e confiabilidade da escala ......................................................... 61 2.3.1 - Teste piloto ........................................................................................... 63 XXVII 2.3.2 - Aplicação final ...................................................................................... 64 2.4 - Validade de conteúdo............................................................................... 64 3 - O método Delphi ........................................................................................ 65 3.1- Vantagens do método Delphi .................................................................... 71 3.2 - Desvantagens do método Delphi ............................................................. 72 4 - Critérios para seleção dos especialistas ..................................................... 72 5 - O instrumento de coletas de dados ............................................................. 75 6 - Considerações éticas .................................................................................. 79 7 - Tratamento dos dados ................................................................................ 79 _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO V – RESULTADO E DISCUSSÕES .............................................. 81 1- Caracterização dos juízes ............................................................................ 82 2 - PRIMEIRA RODADA .................................................................................. 85 2.1 - Validação da escala ................................................................................. 85 2.1.1 - Validação do constructo da escala, 1ª rodada ...................................... 85 2.1.2 - Validação dos atributos da escala, 1ª rodada ....................................... 89 2.1.3 - Validação dos componentes da escala, 1ª rodada ................................ 94 3 - SEGUNDA RODADA .................................................................................. 99 3.1 - Validação do constructo da escala, 2ª rodada ......................................... 99 3.2 - Validação dos atributos da escala, 2ª rodada ........................................ 101 3.3 - Validação dos componentes da escala, 2ª rodada ................................ 104 4 - Avaliação do coeficiente ɑ de Cronbach no teste piloto ............................ 107 5 - Aplicação final confiabilidade pelo coeficiente alfa de Cronbach .............. 108 _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO VI – CONCLUSÕES ................................................................. 112 _____________________________________________________________________________ CAPÍTULO VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 115 _____________________________________________________________________________ REFERÊNCIAS .............................................................................................. 119 _____________________________________________________________________________ APÊNDICES .................................................................................................. 133 Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ............. 134 Apêndice B – Carta convite aos Especialistas ............................................... 136 XXVIII Apêndice C – Instrumento para validação de uma escala de conhecimento sobre acesso vascular definitivo ..................................................................... 137 Apêndice D – Escalas de conhecimento sobre acesso vascular definitivo em usuários de hemodiálise (ECAVD): Cuidados universais, Cuidados específicos, Exame físico e Vigilância Hemodinâmica ....................................................... 144 Apêndice E – Avaliação dos níveis de conhecimentos .................................. 149 Apêndice F – Termo de consentimento livre e esclarecido para os profissionais de enfermagem .............................................................................................. 150 _____________________________________________________________________________ ANEXOS ........................................................................................................ 151 Anexo 1 – Parecer do Centro de estudo e pesquisa do HEB ......................... 152 Anexo 2 – Parecer do Comitê de ética em pesquisa UNESP- Botucatu ........ 153 Apresentação - 1 - CAPÍTULO I APRESENTAÇÃO/INTRODUÇÃO Apresentação - 2 - 1. Apresentação No ano de 1999 concluí o curso de “Habilitação profissional plena de Técnico em Enfermagem” sendo este resultado dos estudos realizados no ensino médio, fornecido pela Escola Estadual Maria Angélica Marcondes da cidade de Pirajuí- São Paulo. Me lembro que minhas atividades profissionais na enfermagem deram inicío estando eu ainda no primeiro semestre de curso, tinha “tido” apenas aulas de Higiene e Profilaxia. Permaneci nesta categoria profissional até 2006. Hoje reflito que na minha juventude era quase impossível enxergar o lado frágil do ser humano profissional de saúde. Concluí a graduação em Enfermagem em janeiro 2007, e percebia que a prática profissional era algo que me inquietava. Sempre ouvido que o cuidado é a essência da enfermagem. Durante a graduação aprendí técnicas e procedimentos para serem realizados no contexto saúde. Sempre me interessei em conhecer todos os procedimentos que fossem de competências dos enfermeiros, a fim de poder assistir a saúde das pessoas de forma segura. Ao me graduar e iniciar as atividades profissionais, logo de início, percebí que aprender todas as técnicas e procedimentos não bastava, pois a atuação era outra. Necessitava de habilidades e competências que permeassem outras ciências, como no relacionamento interpessoal, no gerenciamento de recursos humanos e materiais, dentre outros. Percebi então que o cuidado que tanto se falara nos momentos universitários era mais amplo e profundo, se tornando a minha preocupação central, pois a Enfermagem não cura nem trata. Ela CUIDA. E deveria CUIDAR no sentido que Leonardo Boff (1) traduz tão bem: Apresentação - 3 - “Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro” .(1) Porém, percebi que na prática o cuidado era um misto de atividades: burocráticas, de resolução de problemas, de conflitos dentro da equipe de assistência ou até mesmo com o usuário, de relacionamentos interpessoais e estando perto do cliente, prestar efetivamente assistência, ouví-lo sobre sua saúde ou doença e fazer técnicas. Em alguns momentos observei que o enfermeiro presta seu cuidado realizando suas funções, estando sempre por perto, solucionando vários problemas e tomando decisões coerentes com a necessidade do paciente. Atuando como enfermeira assistencial de um centro de terapia renal substitutivo, cuidando de pacientes portadores de acometimentos crônicos, lembro-me de uma situação, entre outras, marcantes no meu exercício profissional a qual me fez especializar nesta área que passo a descrever: _ Mesmo utilizando máquinas com recursos tecnológicos complexos e de constante evolução, numa manhã, uma senhora que estava em situação de urgência dialítica por hipervolemia e apresentava quadro de edema agudo de pulmão, aos gritos de extrema angústia ela segurou minha mão e pediu-me “enfermeira não me deixe morrer, puncione minha fístula, estou com falta de ar”. Naquele momento senti que o enfermeiro especialista em nefrologia com atuação em hemodiálise, tem que equilibrar uma variedade de assuntos relativos a DRC na promoção da saúde, e no desenvolvimento de habilidades técnicas que estimulam confiança e conforto a pessoa com doença renal. Nesse mesmo dia, a vi falecer. Apresentação - 4 - Um sentimento de impotência diante da morte, levou-me durante algum tempo a questionar a necessidade de estar próximo e de ensinar a prevenção das complicações decorrentes da não adesão ao regime de tratamento. Senti- me tão inadequada para continuar trabalhando em nefrologia porque somente vi o lado negativo da finitude amargurada, desesperada daquela paciente. Por mais que pensasse numa saída, numa ponte para livrá-la daquele sofrimento, encontrei um refúgio me matriculando em um curso de especialização em nefrologia onde pude ampliar meus conhecimentos com vistas à qualidade de vida desses clientes. Como especialista, vejo que o enfermeiro deve interagir com o paciente renal crônico e tornar-se disponível para favorecer uma relação de confiança, permitindo que o mesmo sinta-se seguro e ao mesmo tempo possa expressar sentimentos, dúvidas, anseios e desejos. Nessa relação estão inclusos os diálogos e orientações para ajuda-lo a entender o processo de sua doença e a obter forças para superar as limitações impostas pela mesma. Percebi que a prática do cuidar da pessoa com DRC deveria ser desenvolvida através de uma constante observação do seu todo. Ao proceder uma avaliação ao paciente portador de FAV, o enfermeiro de nefrologia deve reconhecer e interpretar situações que possam influenciar na sua vida. Devendo também valorizar a relação interpessoal, tendo como primordial objetivo o desenvolvimento de comportamentos do autocuidado. Naturalmente, para que o enfermeiro possa cuidar do paciente com FAV, necessita utilizar um saber próprio da enfermagem baseado no estado da arte, da tecnologia e do conhecimento dos modelos conceituais, permitindo-lhe assim, prestar cuidados personalizados dirigidos à pessoa de forma Apresentação - 5 - individualizada. Mas apesar de a tecnologia evoluir, esta nunca poderá substituir o enfermeiro, uma vez que só ele poderá oferecer cuidados que englobam todas as dimensões do ser humano. Dessa forma, estabelecí como inquietação da pesquisa: Qual o conhecimento dos profissionais de enfermagem na área de nefrologia para avaliar o acesso vascular definitivo e mantê-lo permeável? Introdução - 6 - 2 Introdução As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são responsáveis há mais de três décadas pela maior carga de doença no Brasil. A transição epidemiológica e demográfica por que passa o país, aponta cenários desafiadores. As DCNT custam caro para o Sistema Único de Saúde (SUS), se não adequadamente prevenidas e gerenciadas. O enfrentamento dessas “novas epidemias” de doenças crônicas não transmissíveis necessita muito investimento em pesquisa, vigilância, prevenção, promoção da saúde e defesa da vida saudável. (2) Tais modificações, associadas a mudanças econômicas, sociais e políticas, se refletem no perfil dos indivíduos que procuram os serviços de saúde e nas demandas por cuidado. A Doença Renal Crônica (DRC) está entre as DCNT com significativa prevalência na população brasileira. Estima-se que, no Brasil, mais de 70.000 pessoas já dependem de uma Terapia Renal Substitutiva (TRS), no país a prevalência de doença renal crônica é de 450 a 500 doentes por 1 milhão de habitantes. (3) Em nível mundial, essa doença também é reconhecida como um problema de saúde pública, apresentando um aumento da incidência e prevalência, com maus resultados e alto custos. (4) Sob o ponto de vista de financiamento, as terapias renais substitutivas geram gastos superiores a dois bilhões de reais por ano, no Brasil, sendo que, Introdução - 7 - desses valor, 84,9% é custeado pelo SUS e somente 15,1% pelo subsetor suplementar. (3) A hemodiálise (HD) é um tratamento substitutivo da função renal extracorporal, em que o sangue é depurado no exterior do organismo, com o auxilio de equipamento especializado que necessita da adequação de materiais, competência técnico-ciêntífica dos profissionais e preparo do paciente. O tratamento hemodialítico depende diretamente da presença de acesso vascular eficiente. Neste contexto, a fístula é considerada o acesso ideal, pois proporciona um bom fluxo sanguíneo, apresenta um tempo maior de utilização e tem baixo índice de complicações para o portador de insuficiência renal crônica. (3, 5) O acesso vascular representa, também, uma das principais causas mobilizadoras de recursos financeiros. (6) A disfunção do acesso vascular representa, sensivelmente, 20-25% das hospitalizações dos doentes em diálise, com consequências elevadas em nível dos custos para o sistema de saúde.(7) Em função deste crescimento, a busca pela melhoria da qualidade do cuidado constitui um grande desafio, uma vez que há a necessidade de ajuste a novos modelos de administração, os quais almejam um equilíbrio entre eficácia e eficiência dos serviços. (8) Considerando que os acessos vasculares constituem-se em importante prática assistencial e guardam estreita relação com a qualidade na prestação dos cuidados e na qualidade de vida do portador de DRC, acredita-se na necessidade de se construir instrumentos avaliativos capazes de auferir a qualidade dessa modalidade terapêutica.(9) Introdução - 8 - É consenso que o melhor acesso vascular para pacientes portadores de DRC é a fístula arteriovenosa (FAV) com veia autógena. Vários trabalhos mostram a importância na preservação e cuidados com as FAVs, de modo a aumentar seu tempo de “ vida útil”. (10) Assim, o acesso vascular deve manter o fluxo sanguíneo adequado para promover a circulação sanguínea em torno de 300ml/min. Contudo, é significativo o número de pessoas que apresentam problemas na instalação ou na manutenção de um acesso vascular ocasionando um fluxo sanguíneo insuficiente para uma adequada sessão dialítica. Na prática, observa-se que o acesso vascular com fluxo sanguíneo insuficiente dificulta o processo dialítico não removendo adequadamente o excesso de líquido, bem como, as escórias nitrogenadas, o que mantém o portador da doença renal crônica em estado constante de uremia. (11) A manutenção da fístula arteriovenosa exige cuidados fundamentais por parte dos profissionais de saúde e do paciente. Os cuidados dispensados ao paciente e família iniciam-se antes mesmo da sua confecção, mediante a constatação e indicação do tratamento hemodialítico. (12) Assim os profissionais de saúde envolvidos na abordagem inicial, com informações sobre o tratamento hemodialítico, detêm-se com objetividade acerca da confecção da fístula arteriovenosa, tendo em vista a emergência na utilização da mesma. Desta forma, o enfermeiro de diálise tem que equilibrar uma variedade de assuntos relativos ao cuidar da DRC na promoção da saúde, e no desenvolvimento de habilidades técnicas que estimulam confiança e confortam a pessoa. O enfermeiro, não deve limitar as suas intervenções apenas à aplicação Introdução - 9 - de técnicas, em virtude de poder transformar a sua prática numa repetição de atos sem sentido, levando à rotina. (13) Ainda segundo o mesmo autor, o enfermeiro de nefrologia deve estabelecer uma diferença entre uma estratégia de cuidados que vise promover e tratar e uma que vise desenvolver e cuidar. O valor do cuidar na pessoa com FAV não pode basear-se na valorização do conteúdo da tecnização, parece-nos que seja importante que o enfermeiro relacione os cuidados de tecnização do tratamento de HD e os cuidados físicos, direcionados assim a prática do cuidar para pessoa com DRC, com FAV em HD.(13) Em virtude da prática do cuidar da pessoa com DRCT estar focalizada no saber-fazer, parece-nos natural que o enfermeiro possa tornar-se num “técnico- do-tratamento-de-diálise.” A enfermagem em nefrologia considera ser fundamental compreender as fontes de influência interpessoal. Com bom conhecimento e ferramentas eficazes, os enfermeiros podem aprender a razão atrás de cada cuidado prestado, e podem desenvolver estratégias para minimizar os efeitos potencialmente negativos destes. Uma das estratégias para melhoria da assistência de enfermagem ao paciente com FAV é o uso de escalas para avaliar o nível de conhecimento dos profissionais de enfermagem de nefrologia em relação á acessos vasculares definitivos em usuários de hemodiálise. Estas escalas podem denotar uma capacidade de descrever uma situação existente e demonstrar tendências em termos de qualidade e quantidade nas ações de saúde. Em face do conhecimento já produzido acerca do objeto de estudo, observa-se a DRC como um problema de saúde pública com prevalência Introdução - 10 - relevante, entretanto ocupa um plano quase de invisibilidade no escopo da avaliação e de intervenções dos profissionais de saúde, que tradicionalmente estão acostumados a limitar suas ações aos conhecimentos da nefrologia e ao uso de tecnologia “dura”. Especificamente com relação à nefrologia e enfermagem em nefrologia, são escassos os estudos que se exploram o nível de conhecimento dos profissionais de enfermagem de nefrologia sobre acesso vasculares definitivo em usuários de hemodiálise, o que indica uma lacuna de conhecimento nesse campo, pois qual o conhecimento dos profissionais de enfermagem da área de nefrologia para avaliar o acesso vascular definitivo e mantê-lo permeável? Essa constatação evidencia a relevância do desenvolvimento de pesquisas que explorem, sob tal perspectiva, o cuidado ao portador de DRC em hemodiálise portando acesso vascular definitivo. Espera-se, com isso, produzir uma escala que auxilie os profissionais de enfermagem de nefrologia à conhecer o acesso vascular definitivo nos usuários do serviço para subsidiar ações de educação permanente que poderão exercer um papel positivo nas reflexões acerca da atenção a saúde do portador de DRC em tratamento hemodialítico, além de possíveis transformações na lógica que embasa esse cuidado, ampliando assim os seus limites. Revisão Bibliográfica - 11 - CAPÍTULO II REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Revisão Bibliográfica - 12 - 1 O significado da doença crônica O contexto dos cuidados de saúde tem vindo a modificar-se profundamente nas últimas décadas, se anteriormente, os cuidados de saúde eram orientados para os casos agudos de doença, atualmente, o paradigma mudou e as doenças crônicas assumem um papel preponderante. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças crônicas são Chronic diseases are diseases of long duration and generally slow progresson; they are permanest, leave residual disability, are caused by nonreversible pathological alteration, require special training of the patient for rehabilitation, or may be expected to require a long period of supervision, observation or care.(14) Assim, tal como a designação indica e de acordo com a definição apresentada, as doenças crônicas são doenças de longa duração e progressão geralmente lenta; sendo permanente, deixando incapacidade residual devido as alterações patológicas irreversíveis, requerendo treinamento especial do paciente para a reabilitação, ou ainda possam exigir um longo período de supervisão, observação e cuidado. A doença crônica, caracteriza-se por não ter cura, e são doenças que devem ser geridas até ao fim da vida pelos doentes. Algumas doenças crônicas provocam mal-estar, e as pessoas adotam comportamentos e papéis de enfermos. A presença de sintomatologia decorrentes da doença crônica proporciona a adoção de comportamentos de incapacidade para atividade laboral, e adoção de papéis de enfermos, quando teriam a sua capacidade laboral íntegra. (15) Revisão Bibliográfica - 13 - Ao abordar a questão das necessidades de saúde de pessoas com doenças crônicas, é importante considerar que esses indivíduos se encontram em etapas diferentes do processo viver com uma doença crônica, o que pode influenciar também na forma como eles elencam suas necessidades de saúde. Essa idéia é reforçada por Kleinmam (16) quando afirma: A doença crônica é mais do que a soma de muitos eventos particulares que ocorrem no curso de uma dada doença; ela é uma relação recíproca entre a instância particular e o curso crônico. A trajetória da doença crônica é assimilada a um curso de vida, contribuindo assim intimamente ao desenvolvimento de uma vida particular onde a doença torna-se inseparável da própria história de vida. Assim, tanto as continuidades, bem como as transformações levam a apreciações dos significados da doença (16), p.8. O processo de adoecimento estabelece novos parâmetros na vida de um indivíduo e introduz a uma nova realidade – a de ser um doente crônico. O indivíduo, ao se deparar com a doença, redimensiona tudo o que era por ele vivido anteriormente. Nesse sentido, a doença e o tratamento podem levar o indivíduo a um processo de revisão de si, de suas relações e de sua própria vida. A necessidade de adaptação à condição crônica e a um tratamento que as coloca obrigatoriamente em contato regular com os serviços de saúde e com as tecnologias duras. Sendo assim, conviver com uma doença crônica implica uma reaprendizagem corporal, envolvendo a proteção do corpo, adoção de medidas preventivas, a submissão ás tecnologias, as alterações estéticas, as questões morais, além da adoção de regimes médicos e de novas dietas. (17) Nesse sentido, quando se pretende cuidar de indivíduos com acometimentos crônicos, é preciso extrapolar o modelo de atenção biomédico Revisão Bibliográfica - 14 - vigente o qual se aplica, com certa resolubilidade, às pessoas com doenças agudas. É necessário buscar a participação ativa do doente, da equipe de saúde e da família, assim como a interação destes entre si e com os demais serviços (de saúde e outros). (18) Nos modelos de atenção voltados para as condições crônicas a variável chave não pode ser meramente o tempo resposta, como acontece nos casos agudos. Em tal contexto as intervenções necessárias possuem complexidade e abrangência mais alta, podendo variar desde a promoção da saúde, para toda a população, até as intervenções de prevenção das condições de vida voltadas a população em risco, em prazo de ação curto, médio e longo. (19) A OMS desenvolveu uma medida para a “carga global da doença crônica” – DALY ( Disability-Adjusted Life Years) – que é o ano de vida ajustado por incapacidade . O DALY parte do pressuposto de que a medida mais adequada dos efeitos das doenças crônicas é o tempo gasto ou perdido por doença ou morte prematura. Destaca ainda que, um DALY equivale a um ano de vida saudável perdido, sendo calculado pela soma dos anos de vida perdidos por morte prematura. (19) As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) determinam impactos fortes e custo econômico enorme ao gerar efeitos adversos na qualidade de vida das pessoas, mortes prematuras, redução ou interrupção das atividades laborais e gastos crescentes ao longo de seu processo evolutivo. (20) Para a redução da carga global das doenças faz-se necessário que os sistemas de saúde procedam algumas adaptações para realmente produzirem impacto efetivo sobre a atual epidemia das DCNT (Quadro 1). Revisão Bibliográfica - 15 - Quadro 1: Adaptações potenciais dos sistemas de saúde com impacto no controle das DCNT. Fonte: Banco Mundial, 2011. Vivenciamos no Brasil uma transição demográfica muito acelerada. Como se observa na Figura1, o efeito combinado da redução dos níveis de fecundidade e de mortalidade resulta em mudanças da pirâmide etária da população, em que o formato triangular dará lugar, já em 2050 a uma figura com o ápice mais longo, típico das sociedades envelhecidas. (20, 21) Figura 1. Pirâmide etária do Brasil no ano 2050 ( projeção). Fonte: IBGE, 2008. Adaptações potenciais dos sistemas de saúde com impacto no controle das DCNT Incrementos na disponibilidade de recursos para os sistemas de saúde como um todo e para as DCNT em particular. Ampliar taxações com resultado específico para a saúde ( ex; taxação do tabaco). Fortalecer a prevenção, com especial ênfase na introdução e fortalecimento da Atenção primária à saúde nos sistemas de saúde. Desenvolver ações de integração intra e extrassetorial, incentivando a concepção de linhas de cuidados contínuos. Construir sinergias entre programas já existentes e o controle das DCNT, por exemplo, na área materna, infantil, doenças transmissíveis e outras. Desenvolver abordagens integrativas e por ciclos de vida na prevenção e no controle das DCNT. Desenvolver e fortalecer conteúdos e habilidades de interesse para as DCNT, mediante incentivos, visando a força de trabalho em saúde. Revisão Bibliográfica - 16 - Sendo assim, o Ministério da Saúde do Brasil criou em 2011 o “Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022”, este plano vem definir e priorizar as ações e os investimentos necessários para preparar o país à enfrentar e deter as DCNT nos próximos dez anos. (22) Para isso, as ações voltadas para a promoção da saúde no envelhecimento ativo prevêem: I. Implantação de um modelo de atenção integral ao envelhecimento ativo, favorecendo ações de promoção da saúde, prevenção e atenção integral; II. Promoção do envelhecimento ativo e ações de saúde suplementar; III. Incentivo aos idosos para a prática da atividade física regular no programa Academia da Saúde; IV. Capacitação das equipes de profissionais da Atenção Básica em Saúde para o atendimento, acolhimento e cuidado da pessoa idosa e de pessoas com condições crônicas; V. Incentivar a ampliação da autonomia e independência para o autocuidado e o uso racional de medicamentos; VI. Criar programas para formação do cuidador de pessoa idosa com condições crônicas na comunidade. Considerando a complexidade e a diversidade das dificuldades enfrentadas nos indivíduos portadores de doenças crônicas, torna-se um desafio àqueles implicados no cuidado deles principalmente às relacionadas aos usuário de hemodiálise portadores de acesso vascular definitivo (FAV) Revisão Bibliográfica - 17 - colocando os profissionais de saúde de nefrologia a buscar estratégias conjuntas para solucionar ou minimizar as necessidades de saúde, neles percebidas. Diante disso, as condições crônicas requerem estratégias de cuidado especiais que ajudem os usuários a despertar a consciência para o autogerenciamento. Neste caso o tratamento médico é necessário, mas não se mostra suficiente para obter bons resultados, os usuários precisam participar do cuidado de forma ativa, bem como aprender a interagir entre si e com as organizações de saúde, e os profissionais devem proporcionar oportunidades para este aprendizado. (23) O cuidado dos indivíduos com acometimentos crônicos deverá ser desenvolvido num espaço dialógico, onde o usuário compreenderá melhor sua vulnerabilidade determinada pelas condições cognitivas, comportamentais e sociais a certas doenças, e se sentirá responsável pelo cuidado de si. Esta forma de cuidar deixa de ser uma “ladainha” de ordens, do que pode e não pode fazer, “rezada” pelos profissionais; ao contrário, desenvolve, com o usuário, o poder para tomar decisões referentes à melhoria da própria vida.(23) O diálogo configura o centro da postura profissional e acrescenta que o profissional da saúde precisa aprender a ouvir e, embora não conheça certas crenças da população, deverá respeitá-las.(24) Cuidar é parte do cotidiano humano e refere-se a um agir de respeito e responsabilização, constituindo um “atitude interativa que inclui o envolvimento e o relacionamento entre as partes, compreendendo acolhimento, escuta do sujeito”. (25) Revisão Bibliográfica - 18 - Os profissionais da saúde, para cuidar de usuários em condições crônicas precisam de novos modelos que ajudem a desenvolver competências avançadas de comunicação e de educação popular. (26) O enfermeiro como presença é capaz de refletir essa dimensão do cuidado do indivíduo com acometimento crônico, auxiliando-o a encontrar seus próprios caminhos, pois acreditamos que os seres humanos são ricos em possibilidades e potencialidades (Figura 2). A construção de outros modos de cuidar, no qual o ser humano seja valorizado como sujeito, com possibilidades de escolhas, com enorme potencial, singular, único e interligado a todos como uma teia de relações. (27) Diante de uma visão tão ampla de saúde, é evidente que o enfermeiro necessite de um suporte teórico congruente com essa amplitude, a fim de apoiar suas ações de saúde na área das doenças crônicas e especificamente na enfermagem em nefrologia e mais especificamente ainda aos usuários de hemodiálise portadores de acesso vascular definitivo – FAV. Figura 2. Esquema do referencial teórico para o cuidado em saúde na área de nefrologia. Fonte: Trentini M, Cubas MR. Ações de enfermagem em nefrologia: um referencial expandido além da concepção biologicista de saúde. REBEn, 2005. P R O M O Ç Ã O S A Ú D E Desenvolvimento de competências pessoais AUTONOMIA VÍNCULO ACOLHIMENTO Educação em saúde DA E TECNOLOGIAS Revisão Bibliográfica - 19 - Tem sido demonstrado que a percepção da competência dos cuidados e do apoio prático oferecido por profissionais de saúde estão relacionados aos melhores cuidados realizados diretamente pelas famílias. Isso sem dúvida sugere que fornecer suporte, treinamento e qualificação para cuidadores familares pode ser uma estratégia eficaz para lidar com condições crônicas. (19) As ações multidisciplinares devem ser centradas no doente/família, favorecendo a aceitação e convivência com a situação de doença, libertando-os de atitudes passivas e de submissão, no sentido de os conduzir para uma condição ativa, autônoma e responsável. (28) Sendo assim, cada vez mais os profissionais de enfermagem de nefrologia tem um valioso papel, uma vez que a qualidade de vida das pessoas com acometimentos crônicos se assume como meta essencial na prestação do seu trabalho e principalmente aos usuários de hemodiálise portadores de doença renal crônica. 1.1 A Doença Renal Crônica A Doença Renal Crônica (DRC) é uma doença crônica, com repercussões no comportamento individual, em que muitas das vezes a identidade da pessoa, é posta em causa no contexto das interações familiares e sociais. Perante esta patologia, o doente muda os seus hábitos, o estilo de vida e apercebe-se das inúmeras perdas, nomeadamente a nível da condição saudável, de papéis, Revisão Bibliográfica - 20 - responsabilidade e dependendo da cronicidade da doença, pode ter menor tempo de vida. (29) Nesse contexto, sabe-se que as pessoas acometidas por DRC apresentam necessidades distintas dos demais indivíduos, relacionadas diretamente ao processo de perda da função renal. A sensibilização da equipe multidisciplinar para a educação em saúde pode ser fator motivador e gerador de maior adesão ao tratamento destes indivíduos. A Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)* define a doença renal crônica como a presença de alterações estruturais ou da função dos rins, por um período maior que três meses, e com implicações na saúde do indivíduo.(30) Essa definição classifica como portadores de doença renal crônica aqueles pacientes que possuem alguma lesão renal independende da taxa de filtração glomerular, ou seja, pacientes com lesão renal mas sem perda da função dos rins também são considerados como portadores de doença renal crônica. Issso permite detectar pacientes em uma fase inicial da doença, possibilitando a prevenção para evitar a progressão para níveis mais avançados, como a falência renal. (4) Anteriormente utilizava-se o termo insuficiência renal crônica, definida como a perda da função dos rins de forma progressiva e irreversível. (31) É comum usar a filtração glomerular como sinônimo de função renal, dessa forma a insuficiência renal crônica também era considerada como queda progressiva e irreversível da filtração glomerular, ou seja, da capacidade do rim de excretar substâncias do organismo. (32) Figura 3. Revisão Bibliográfica - 21 - O termo doença renal crônica é mais abrangente que a insuficiência renal crônica, pois considera todos os pacientes com alguma lesão renal, independente da taxa de filtração glomerular. Podemos tomar como exemplo o paciente diabético com lesão renal na fase inicial (microalbuminúria), sem alteração da taxa de filtração glomerular. Se classificarmos o paciente somente pela filtração glomerular, o mesmo não tem insuficiência renal crônica. Entretanto, pode-se dizer que ele possui doença renal crônica (microalbuminúria devido diabetes), mas sem alteração da taxa de filtração glomerular, em outras palavras, o paciente tem lesão renal mas os rins ainda não estão “insuficientes”. Figura 3. Processos de filtração, secreção e reabsorção executados pelo néfron. Fonte: Doença renal crônica – Wikipédia. _____________________________________________________________________________ *KDIGO é uma fundação sem fins lucrativos, regida por um conselho internacional, administrada pela National Kidney Foundation e que tem a missão de melhorar so cuidados e prognóstico dos pacientes com doença renal. Revisão Bibliográfica - 22 - Diante disso, foram formulados os seguinte critérios para a doença renal crônica que será apresentado no quadro 2. Critérios para doença renal crônica ( pelo menos um dos abaixo por mais de 3 meses) Marcador de lesão renal Albuminúria Anormalidades no sedimento urinário Distúrbios eletrolíticos e outras desordens devido a doença dos túbulos renais Anormalidades detectadas por biópsia renal Anormalidades detectadas por exames de imagem Antecedente de transplante renal Redução da taxa de filtração (TFG) TFG menor que 60ml/min Quadro 2:Critérios para doença renal crônica. Fonte: KDIGO 2012. Este conceito vai de encontro à importância da vigilância e detecção precoce da doença, necessárias para travar ou atrasar a sua progressão. Os sintomas da doença, surgem geralmente numa fase muito avançada de degradação da função renal e nem todas as pessoas com doença renal crônica apresentam uma doença com tendência para progredir para insuficiência renal crônica terminal (IRCT), podendo nunca necessitar de iniciar técnicas de substituição renal, desde que a doença seja diagnosticada precocemente e atempadamente se inicie o tratamento. Revisão Bibliográfica - 23 - 1.2 A Hemodiálise A hemodiálise é a técnica de substituição renal mais comum, realizada por cerca de 75% das pessoas com DRCT, precedida de 25% de pacientes em diálise peritoneal (DP). A opção pelo método dialítico deve ser uma decisão conjunta do paciente e família com a equipe de nefrologia, respeitando os critérios de exclusão em função das características e necessidades individuais do paciente. A hemodiálise é uma técnica que permite recorrer a uma máquina e a um circuito extra corporal, fazer passar o sangue da pessoa através de um “rim artificial” – o dialisador, com o objetivo de remover os produtos tóxicos acumulados, eliminar os líquidos em excesso e repor substância em falta. (33) O sangue flui através das membranas semipermeáveis do dialisador, que são simultaneamente banhadas por um líquido chamado banho dialisante e, por um processo de difusão e osmose, realizam-se as trocas de líquidos, eletrólitos e toxinas do sangue para o banho. O sangue e o banho circulam em direções opostas através do dialisador, para manter no máximo, os gradientes químicos e osmóticos. ( Figura 4). Para remover os líquidos, aplica-se uma pressão hidrostática positiva ao sangue e uma pressão hidrostática negativa ao banho. A diferença entre os dois valores representa a pressão transmembrana e conduz à remoção dos líquidos do espaço vascular, por um processo designado: ultrafiltração. Revisão Bibliográfica - 24 - O banho dialisante é composto por água e eletrólitos, como o cloreto de sódio, o cloreto de potássio, o cloreto de cálcio, o cloreto de magnésio, o bicarbonato de sódio e o ácido láctico, em quantidades que permitem a criação de um gradiente de difusão através das membranas. (33) A água para ser usada no banho deve ser tratada através de processos de filtração utilizando filtros de areia e carbono e purificada por processos de osmose inversa, de modo a garantir a sua pureza e segurança bacteriológica. Figura 4. Componentes do sistema de hemodiálise. Fonte: www.medicinanet.com.br. A hemodiálise tem a capacidade de filtração igual a de um rim humano. Desta forma, uma hora de hemodiálise equivale a uma hora de funcionamento do rim normal. (5) A diferença entre a hemodiálise e o rim normal é que na hemodiálise é realizada em três sessões por semana que pode variar de três horas e meia a cinco horas num fluxo que varia entre 350 e 450 ml/min, o equivalente a 12/15 http://www.medicinanet.com.br/ Revisão Bibliográfica - 25 - horas semanais. Um rim normal trabalha na limpeza do organismo 24 horas por dia, sete dias da semana, perfazendo um total de 168 horas semanais. Portanto, o tratamento com rim artificial deixa o paciente 156 horas semanais sem filtração. (33) Apesar dos avanços tecnológicos existentes, a pessoa pode ainda, durante o tratamento, experimentar uma série de stressores fisiológicos, que incluem quedas bruscas da tensão arterial, hemorragia no local das punções do acesso vascular, náuseas, cãibras, cefaléias e fadiga aumentada. (33) Numerosos estudos vem demonstrando a correlação entre dose de hemodiálise e a morbi-mortalidade de pacientes, dessa forma, para estimular se pacientes com DRC em HD recebem tratamento adequado, a dose de HD deve ser mensurada pelo Kt/V. Na fórmula do Kt/V, o (K) é a depuração de uréia do dialisador, multiplicada pelo tempo de tratramneto (t) e dividido pelo volume de distribuição de uréia do paciente (V). (33) O K depende do tamanho do dialisador, da taxa de fluxo de sangue e do fluxo do dialisato. O t normalmente fica entre 3 e 4 horas (180-240min por sessão de diálise), mas pode ser ajustado. O volume de distribuição de uréia do paciente (V) é de, aproximadamente, 55% do seu peso corporal. (33) Para a realização de uma hemodiálise de bom padrão são necessários requisitos básicos de várias ordens como: um acesso vascular que garanta bom fluxo venoso; um local com condições hospitalares onde o paciente possa realizar a sessão em média três vezes por semana, quatro horas por sessão; máquinas adequadas; equipe de enfermagem devidamente treinada sob orientação de um médico nefrologista. Revisão Bibliográfica - 26 - 1.3 Epidemiologia da Doença Renal Crônica (DRC). A DRC é um grave problema de saúde pública e está associada com elevada mortalidade e morbidade. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de DRC são: diabetes, hipertensão arterial sistêmica, idade avançada, tabagismo, raça negra, uso de nefrotoxinas, diminuição da massa renal, anemia, doenças renais proteinúricas, presença de DRC na família e outros fatores de risco cardiovasculares, como a síndrome metabólica, dislipidemia, obesidade, estado inflamatório crônico e disfunção endotelial. (34, 35) Entre esses, os mais importantes são a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes. A DRC pode culminar com a perda renal com necessidade de diálise e, muitas vezes, de transplante renal. Em janeiro de 2011, segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) (Figura 5) o número estimado de pacientes em diálise no Brasil foi de 91.314, o que representou um aumento de 17,7% em relação ao ano de 2009 (77.589) e de 24% em relação ao ano de 2007 (73.605). (3) Figura 5. Total estimado de pacientes em tratamento dialítico no país por ano, censo 2011. Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2011. 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 90.000 100.000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 42.695 46.557 48.806 54.523 59.153 65.121 70.872 73.605 87.044 77.589 92.091 91.314 Revisão Bibliográfica - 27 - A figura 5 mostra o total estimado de pacientes em tratamento dialítico no Brasil desde 2000 a 2011. O número de pacientes em tratamento dialítico vem aumentando gradualmente ao longo dos anos – de 42.695, em 2000, a 91.314, em 2011, tendo permanecido constante em relação a 2010. A taxa de prevalência do tratamento dialítico em 2011 foi de 475 pacientes por milhão da população (pmp), variando por região, entre 279 pacientes pmp na região Norte a 583 pacientes pmp na região Sudeste (Figura 6).(3) Já para o número estimado de pacientes que iniciaram tratamento em 2011 no Brasil foi de 28.680, o que corresponde a uma taxa de incidência de 149 pacientes pmp ( Figura 7). (3) Figura 6. Prevalência estimada de pacientes em diálise no Brasil, por região, censo 2011. Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2011. Figura 7. Número absoluto estimado de pacientes novos no Brasil, por região, censo 2011. Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2011. Revisão Bibliográfica - 28 - Em relação ao diagnóstico da doença renal primária, as mais frequentes foram hipertensão arterial ( 35% ) e diabetes ( 28% ) (Figura 8). Figura 8. Diagnóstico de base dos pacientes em diálise, censo 2011. Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2011. Alguns estudos epidemiológicos brasileiros, realizados a partir da medida casual da pressão arterial, registraram prevalências de hipertensão de 40% a 50% entre adultos com mais de 40 anos de idade e estima-se um contingente populacional de 12 milhões de portadores de diabetes, existindo ainda aproximadamente 2,7 milhões de pacientes com as duas patologias. (36) Nesse sentido, as ações de prevenção primária e secundária, que incluem o esclarecimento da população sobre o significado e a natureza assintomática e progressiva da DRC e o controle de seus fatores de risco são aspectos de muita importância. O reconhecimento e o manejo precoces de pacientes em estágios iniciais e intermediáros da DRC, principalmente com relação aos hipertensos e/ou diabéticos, poderiam reduzir, a longo prazo, o número de pacientes com IRCT. Nos Estados Unidos da América (EUA), a cada ano mais de 100.000 pessoas são diagnosticadas com insuficiência renal crônica e cerca de 24 milhões de pessoas têm diabetes e destes, 180 mil pessoas estão vivendo com Revisão Bibliográfica - 29 - insuficiência renal como resultado de diabetes, apresentando uma taxa de incidência de 363 pacientes pmp. (37) Estima-se que, nos EUA em 2030, o número de casos novos de DRC irá exceder a 450.000 pessoas, e deverá ultrapassar os 2 milhões para as pessoas que realizam diálise ou necessitam de transplante renal. (38) Em Portugal, os números de casos novos não são tão elevados e nem muito precisos; contudo não deixam de ser preocupantes. A população em diálise cresce ao ritmo de 6% ao ano, prevendo-se que o número de doentes em diálise possa duplicar em 2020. (39) Todos os anos surgem 2.200 casos novos de insuficiência renal crônica terminal, existindo atualmente 14 mil doentes dependentes de diálise ou de transplante renal e cerca de 800 mil portugueses que sofrem de DRC. (39) Outros países com alta incidência da insuficiência renal crônica são: Taiwan (418pmp), Porto Rico (336pmp), Japão e México com (275pmp), Uruguai (131pmp), Chile (127pmp), enquanto que nos países como na Costa Rica (24pmp), Equador (14pmp) e Guatemala (11pmp) apresentam baixa incidência da doença (Figura 9). (40) O diabetes mellitus, continua a representar a principal causa de falha renal nestes países, no entanto a sua frequência varia dentro das regiões, sendo que, frequências mais altas foram registradas em Porto Rico (65%), México (60%), Venezuela (37%) e Equador (30%). (40) O Diabetes mellitus é uma das doenças crônicas mais prevalentes na população mundial, e suas complicações micro e macrovasculares resultam em Revisão Bibliográfica - 30 - uma diminuição precoce da capacidade laborativa e da qualidade de vida, além de onerarem de maneira significativa o sistema de saúde. (41) Figura9: Taxas de incidência por países por milhão de habitantes É importante ressaltar que a hipertensão arterial e o diabetes são bastante prevalentes na população ( Figura 10), o que torna indispensável o controle precoce dessas duas doenças, com finalidade de prevenir o aparecimento e a evolução da doença renal, reduzindo assim o risco do paciente necessitar de alguma terapia de substituição renal no futuro. (3, 42) Figura 10: Principais causas de doença renal crônica com necessidade de terapia de substituição renal no Brasil, Portugal e Estados Unidos. Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2011; Sociedade Portuguesa de Nefrologia, 2012, USRDS 2012. 35,10% 37,81% 24,70% 14,55% 6,30% 28,40% 11,40% 3,80% 4,77% 11% 28% 15,40% Revisão Bibliográfica - 31 - Sendo assim, os portadores de diabetes mellitus, hipertensão arterial e familiares de portadores de doença renal crônica, devem ser investigados para a doença renal crônica e tratados precocemente. A detecção precoce da doença renal e condutas terapêuticas apropriadas para o retardamento de sua progressão pode reduzir o sofrimento dos pacientes e os custos financeiros associados à DRC. Para melhor compreensão da doença renal crônica iremos, a seguir, descrever e explicar pormenorizadamente o acesso permanente e preferível para a HD, que é a FAV . 2 Cuidando da pessoa com Fístula Arteriovenosa Tendo em evidência a importância do tratamento dialítico, e em especial a hemodiálise, para os pacientes renais crônicos, sentimos a necessidade de conhecer os cuidados relacionados às pessoas portadoras de acesso vascular definito – Fístula Arteriovenosa (FAV). Estas pessoas, que dependem de tecnologia avançada para sobreviver, apresentam alterações das atividades de vida diária; vivenciam inúmeras perdas e mudanças biopsicossociais, em virtude da necessidade de realizar o tratamento, num determinado dia e hora, isto é, vivem dependente da equipe de saúde, da máquina e do suporte informal para ter o cuidado necessário. (43, 44) Os saberes científico-tecnológicos foram evoluindo ao longo dos séculos, assim como a prática do cuidar da pessoa em programa regular de hemodiálise Revisão Bibliográfica - 32 - (PRHD). As descobertas científicas sobre os mecanismos de funcionamento do rim e o desenvolvimento tecnológico da engenharia informática a nível dos monitores reduziram as suas dimensões e aumentaram a sua complexidade, simplificando os procedimentos técnicos e minimizando os riscos. (13) Simultaneamente, ocorreram também, desenvolvimentos a nível do acesso vascular. Este, trata-se de um requisito indispensável para a realização do tratamento substitutivo, apresentando-se de extrema importância no sucesso da HD e na qualidade de vida do doente em diálise. (45) Estas modificações, também podem ocorrer com a construção da FAV, nomeadamente a nível da imagem corporal, nos cuidados a efetuar para prevenir a infecção e a trombose, na limitação das atividades físicas e recreativas, entre outras. (13) A FAV é considerada o melhor tipo de acesso vascular para o tratamento em hemodiálise, por apresentar reduzidas taxas de complicações, ser segura e ter uma relativa durabilidadede, com índice de sobrevida entre 65 a 75% em 3 anos. (46) Portanto, tendo em vista os parâmetros da Naticional Kidney Fundation – Dialysis Outcomes Quality Initiative (NFK-DOQI)* para a caracterização do acesso venoso (AV) ideal, tem-se a FAV realmente, como a melhor opção para acesso em hemodiálise. _______________________________________________________________ * A NFK-DOQI é uma entidade, criada em março de 1995, nos Estados Unidos, com o objetivo de melhora a sobrevida dos pacientes em diálise estabelecendo protocolos e formulando recomendações que incluem uma melhor adequação dialítica e abordagem dos acessos vasculares. Revisão Bibliográfica - 33 - A primeira FAV foi construída em 19 de Fevereiro de 1965, por James Cimino e Michael Brescia, com a finalidade de permitir a conexão da pessoa com IRCT ao monitor de HD. (47) Foi confeccionada cirurgicamente ao nível do punho através da anastomose (latero-lateral) entre a artéria radial e a veia cefálica para possibilitar a cateterização. A construção da anastomose subcutânea entre uma artéria e veia periférica possibilita que o sangue arterial, proveniente da rede arterial, seja forçado a fluir para a veia, onde circula em direção retrógrada. Desde então, muitas inovações tecnológicas foram incorporadas à medicina, mas a FAV permanece como ponto-chave para o sucesso do tratamento e para a sobrevida dos pacientes portadores de IRCT. Segundo as recomendações da K/DOQI, o acesso vascular definitivo deve ser preferencialmente feito no membro superior não dominante. A prioridade deve ser a FAV autóloga, no segmento mais distal do membro (punho) conforme mostra a figura 11, seguida pela anastomose na fossa antecubital e, por fim, no membro superior. Esgotadas as opções de FAV, a opção recai, pela ordem, sobre os enxertos autólogos venosos transpostos nos membros superiores e inferiores e a prótese sintética, que fica como última opção. (10) Figura 11. Fístula radial-cefálica no punho. Revisão Bibliográfica - 34 - Para o sucesso de uma FAV é necessário selecionar a melhor artéria doadora e a melhor veia receptora, visando uma boa condição de uso e maior durabilidade. A artéria doadora deve ter calibre > 2mm e estar livre de obstrução ao longo de seu eixo. A veia superficial receptora deve estar pérvia, sem sinais de fibrose ou de obstruções, com calibre > 2,5mm, além disso deve ter boa extensão visando sua utilização para dupla punção simultânea a cada 48 horas.(48) O quadro 3 apresenta os requisitos mínimos para o acesso ser bem sucedido. Quadro 3: Requisitos mínimos para o acesso vascular ser bem sucedido. Arterial Diâmetro arterial de pelo menos 2mm na anastomose Artéria livre de estenoses Diferencial de pressão arterial segmentar inferior a 20mmHg Arco palmar patente Venoso Diâmetro venoso de pelo menos 2,5mm para fístula autóloga Diâmetro venoso de pelo menos 4mm para enxerto sintético Veia livre de estenoses Veia eferente com comprimento longitudinal 10-20cm para permitir a dupla punção Profundidade de pelo menos 6mm da veia com relação à superfície cutânea para facilitar a punção Ausência de obstrução em veia central Evolução do acesso Veia eferente madura ( ou enxerto de PTFE) deve ter pelo menos 6mm diâmetro Taxa de fluxo de 500-600mL/min ou mais Fonte: Adaptado de Silva MBJr, Hobson RW, Pappas PJA, 1998. (49) A literatura evidencia a existência de três técnicas não invasivas para avaliar a rede vascular arterial, através: exame dos pulsos; da pressão sanguínea segmentar e do teste de Allen. (10, 50) A palpação do pulso consiste na avaliação do pulso axilar, braquial, radial e cubital, a nível dos dois membros superiores, comparando as características Revisão Bibliográfica - 35 - com o membro contra lateral. (50) A qualidade destes pulsos deve ser identificada como normal, diminuída ou ausente. (51) A pressão sanguínea segmentar consiste em avaliar a pressão sanguínea nos dois membros superiores, comparando-a. (51) Uma diferença de menos de 10mmHg deve ser considerada normal; as diferenças de 10 a 20mmHg são consideradas marginais e superior a 20mmHg problemática. (51) Enquanto, o teste de Allen é usado para determinar e avaliar a insuficiência sanguínea nos membros superiores, a nível do arco palmar (Quadro 4). A diminuição ou ausência do fluxo sanguíneo durante a manobra é sugestivo de existência de inadequada circulação colateral da mão. Esta situação pode elevar o risco para a existência de roubo vascular, se a artéria dominante for usada para a criação da FAV. (10) Quadro 4- Teste de Allen. Manobra- com o paciente sentado de frente para o examinador, com o braço a ser examinado estendido e com a palma da mão voltada para cima, comprime-se com o polegar a artéria radial, até o desparecimento da onda de pulso. Solicitar ao paciente que abra e feche a mão forçadamente até que a palma fique pálida (isquemia provocada). Ainda com a compressão digital mantida na radial pedir ao indivíduo que abra a mão, que exibirá uma palidez e rapidamente mudará de coloração para rósea ou rubra. (Figura 12) Interpretação- neste caso a ulnar é permeável e responsável pela irrigação da mão. Por outro lado se persistir a palidez, significa que a ulnar não é patente e, portanto, insuficiente para irrigar a mão, assim, é contraindicada a confecção de uma fístula com a artéria radial (o teste também pode ser realizado somente com a compressão da radial). Revisão Bibliográfica - 36 - Figura 12- Teste de Allen. A rede venosa do membro superior é extremamente importante para a criação e o desenvolvimento da FAV. A avaliação antecipatória realizada pelo enfermeiro, possibilita identificar qual rede venosa que poderá ser utilizada na construção da FAV. Nas situações em que uma FAV adequada não pode ser criada, opta-se pela inserção de um cateter venoso central ou um enxerto tubular feito de material sintético, sendo o mais empregado o de politetrafluoretileno – PTFE. (52) 2.1 Avaliação do membro após a construção da Fístula Arteriovenosa Após a construção da FAV, o sistema vascular arterial apresenta maior pressão sanguínea do que o sistema vascular venoso, logo o fluxo sanguíneo arterial vai perfundir o sistema venoso, como resultado da menor resistência Revisão Bibliográfica - 37 - desse sistema. O aumento do fluxo do sangue a nível do segmento venoso (recebe o fluxo arterial de alta pressão) possibilita o aumento da pressão na veia, que origina a sua dilatação e desenvolvimento ou engrossamento da sua parede. (53) Este aumento da veia designa-se arterialização da veia. Essa alteração na parede da veia permitirá repetidas e “[...] fáceis punções com obtenção de débitos necessários a hemodiálise e [...] eficaz hemóstase [...] após a remoção das agulhas”. (54) A passagem do sangue arterial para os sistema venoso origina sons característicos (pulso, frêmito e sopro) identificativos da funcionalidade da FAV.(54) Esses “sons” podem ser identificados através da palpação e auscultação do acesso. Normalmente o pulso da FAV é macio e compressível, tornando-se pulsátil quando comprimido ou ocluíndo a veia arterializada. A FAV ao apresentar um pulso forte, ou seja um fluxo arterial aumentado, pode-se inferir que o inflow arterial é bom. (55) O inversamente ocorre quando o pulso é fraco, o inflow é fraco. O enfermeiro no momento da punção identifica o pulso através da palpação e avalia a “força” do inflow. Trata-se de um procedimento subjetivo, mas que o enfermeiro pode obter bastante informação da avaliação do pulso da FAV. Recomenda-se aguardar um período de quatro a seis semanas para que as alterações hemodinâmicas propiciadas pelo hiperfluxo promovam um aumento do diâmetro dos vaso, sobretudo da veia, facilitando sua canulação e punção. Além disso, essas alterações permitem o aumento da espessura da Revisão Bibliográfica - 38 - parede da veia conferindo-lhe um poder hemostático suficiente para minimizar a formação de hematomas, melhorando a sobrevida do acesso. (52) 2.2 Maturação do acesso vascular Desde a realização da FAV até a decisão de punção ocorrem alterações na rede vascular como: dilatação, aumento do calibre e engrossamento das paredes das veias, em virtude do fenômeno de arterialização. Este período é designado como o período de maturação da FAV, assim, esta dimensão corresponde ao período de tempo, desde à construção até a primeira punção. A partir do terceiro dia após a construção da FAV, o enfermeiro deve ensinar o paciente na realização de exercícios e manobras para favorecer a dilatação venosa, (56) utilizando a seguinte técnica: abrir e fechar a mão com o auxilio de uma bola (que deve ter o tamanho da palma da mão para que possa ser envolvida com a mão fechada), levando em conta que a extensão dos dedos deverá ser completa e lenta para favorecer a perfusão distal e sua oxigenação.(57) O paciente deve ser alertado para comunicar ao enfermeiro se a FAV apresentar diminuição ou ausência do frêmito, assim como o aparecimento de locais sugestivos de trombose. (56) A diminuição do frêmito e a presença de sopro “piante” são indicativos de estenose. (56) O paciente deve ser informado sobre os cuidados que deve realizar com a FAV, estes incluem a vigilância da funcionabilidade da FAV; detecção de possíveis complicações; cuidados com o local de confecção e evitar alguns Revisão Bibliográfica - 39 - hábitos como: pegar sacolas pesadas, uso de roupas apertadas, compressão exagerada do membro, isto auxilia na preservação da função da FAV. (58) No que diz respeito a higienização no local da confecção da FAV, o paciente deve ser orientado a realizar uma higiene adequada mediante a lavagem diária com água e sabão, assim como manter a zona seca após retirar os pontos. (56) Uma fístula madura é aquela capaz de efetuar a oferta dos fluxos necessários para a realização de uma hemodiálise adequada. (59) Na prática clínica, a maturação do acesso ocorre quando ele gera uma veia receptora desenvolvida, superficial, facilmente palpável, com frêmito intenso e uniforme, bem perceptível à palpação (e ausculta) e com diâmetro e extensão suficientes para permitir a introdução das duas agulhas de diálise. (60) 2.3 Punção da FAV Para que o tratamento de HD se torne eficaz, é necessário um funcionamento perfeito da FAV e um adequado cateterismo. (61) A dimensão “punção”, foi integrada na área de procedimentos característicos da enfermagem, em virtude de a longevidade da FAV não depender só dos vasos utilizados na construção ou da técnica cirúrgica, mas também da qualidade de punção. (62) A punção da FAV requer uma considerável habilidade e experiência, em comparação com a punção periférica. (63) A existência de uma equipe com Revisão Bibliográfica - 40 - experiência superior a três anos reduz a trombose em 11%. (64) A trombose, também, pode estar relacionada com a punção precoce e/ou inadequada da FAV, em virtude da compressão extrínseca originada pelo hematoma/infiltração ou infecção. (65) A ocorrência de hematoma/infiltração é frequente nas primeiras utilizações da FAV. (65) Assim a primeira punção deverá ser delegada a enfermeiros com experiência no contexto de HD. Com relação à punção da FAV, os técnicos e os enfermeiros são os profissionais que tem contato direto com o paciente e manipulam o acesso diariamente, portanto, esses profissionais deverão ser capacitados para avaliar e diagnosticar todas as alterações que possam ocorrer com esse tipo de acesso.(66) O timing da primeira punção é um fator determinante para garantir a longevidade do acesso. (61) O tempo ótimo de espera para a realização da primeira punção da FAV não é exato. Porém, a primeira punção ocorre quando o enfermeiro de diálise determina clinicamente, que a veia está suficientemente desenvolvida para permitir a punção. (61, 65) O intervalo entre a construção e a primeira punção é menor em alguns países europeus do que na América do Norte. (65) Esse intervalo varia de duas a quatro semana. No estudo realizado por Rayner, et al (67) demonstra a não existência de diferenças significativas na sobrevida da FAV, ao comparar a punção do acesso no intervalo 15-28 dias após a construção e no intervalo de 43-84 dias. As punções que ocorreram com ≤ 14 dias após a construção, foi associado um risco superior a falência do acesso (2 para 1) quando comparado com as FAV com > 14 dias (P=0.006). Revisão Bibliográfica - 41 - A punção da FAV com menos de duas semanas deve ser evitada, entre a segunda e quarta semana deve ser realizada, apenas se a FAV for considerada madura por nefrologistas e cirurgião vascular e nunca como uma “emergência”.(67) A punção quando é realizada por enfermeiros de diálise experientes, e ocorre após as quatro semanas de construção, é provavelmente segura. (67) No momento da punção, o enfermeiro da diálise efetua o exame físico à FAV, dessa forma, a avaliação da FAV através do exame físico contribui para a prevenção e identificação de complicações no acesso. (68) A existência de uma veia arterializada com um diâmetro reduzido, tortuosa e profunda, pode manifestar maior mobilidade a nível de tecido subcutâneo e dificultar a punção.(63) Essa dificuldade ou punções problemáticas da FAV é indicativo de presença de estenose venosa no acesso. (69) Este aspecto é mais uma informação a adicionar ao exame físico, para detectar a presença desta complicação. O exame físico e a educação sobre a preservação da veia são essenciais para manter a qualidade da FAV, já que a punção adequada e técnica, estão diretamente relacionados à permeabilidade da fístula. (70) Desta forma, o enfermeiro tem um contributo decisivo na punção e na detecção de problemas significativos no momento da cateterização. Contudo a punção não se limita a técnica de puncionar, outros aspectos são, extremamente importantes no seu processo. Descrevemos em seguida os momentos mais relevantes no procedimento específico de enfermagem no que concerne à punção, no nosso entender. Revisão Bibliográfica - 42 - 2.3.1 Selecionar o local de punção da FAV A seleção do local de punção deve ser efetuado antes da escolha da agulha e da preparação da pele. A punção arterial pode ser realizada na direção distal ou proximal, conforme a condição da FAV e para favorecer a rotação das punções, deixando uma distância de 3 cm da anastomose. (71, 72) Enquanto, que a punção venosa é sempre na direção proximal (no sentido de retorno de sangue) e pelo menos 5 cm da punção arterial ou seja, a 8 cm da anastomose.(71, 72) O local indicado para as punções, apresentado no estudo de Linardi et al foi 5 cm acima da anastomose para a linha arterial e uma distância de 5 cm para a linha venosa. Com essa formatação, ocorre uma economia dos vasos proximais, os quais poderão ser locais anatômicos para construções futuras. (66) Em 1990, Ryan & Dennis, já havia publicado que a FAV ideal é aquela que apresenta um trajeto longo e superficial, permitindo vários pontos de punção, com boa distância entre eles, economiza vasos para possíveis construções futuras; propicia conforto para o paciente durante as sessões de hemodiálise, apresenta boa taxa de perviedade e baixo índice de complicações.(73) Durante a seleção dos locais de punção, o enfermeiro deverá desenvolver uma estratégia de salvaguardar a rede vascular da pessoa (Quadro 5). Esta postura possibilita não traumatizar, proteger e economizar vasos sanguíneos, que poderão ser utilizados para construções de futuros acessos vasculares, no mesmo membro superior, a nível do punho, antebraço e braço. (13) Revisão Bibliográfica - 43 - Quadro 5 - Preservação da rede vascular Não puncionar as veias do braço ou antebraço onde foi realizada a fístula arteriovenosa; Utilizar as veias do dorso da mão para as coletas de sangue e colocação de acesso intravenosos. Em caso de não poder utilizar estas veias, puncionar a zona cubital do braço (face interna); Realizar a punção com especial cuidado com a utilização de uma agulha fina. Efetuar sempre cuidadosamente a hemostase, para evitar a formação de hematomas; Realizar a punção arterial e venosa sempre no mesmo segmento da construção da fístula arteriovenosa; Evitar a colocação de acessos intravenosos nos locais de construção da fistula arteriovenosa. Fonte: Vascular Access Work Group (2006). (74 ) 2.3.2 Selecionar o calibre das agulhas para a punção da FAV A decisão da seleção do calibre das agulhas é realizada pelo enfermeiro de diálise, mas em muitas vezes de forma arbitrária, sem analisar todos os parâmetros para a sua correta seleção. Assim, o enfermeiro deve promover a utilização de agulhas com calibres de acordo com a rede vascular, as pressões arteriais e o fluxo de sangue prescrito, com o objetivo de a longo prazo poder melhorar a longevidade da FAV sem custos adicionais. (13) A seleção adequada das agulhas vai possibilitar a obtenção de fluxos sanguíneos ótimos. (58) A seleção do calibre (17G; 16G; 15G; ou 14G) depende do tipo de acesso, calibre da veia e do fluxo sanguíneo prescrito. (75) Tabela1. O calibre das agulhas 17G e 16G “[...] produzem muita resistência quando o bombeamento de sangue é aumentado”, enquanto o calibre 15G e 14G “[...] Revisão Bibliográfica - 44 - produzem menor resistência e por isso evitam a pressão negativa quando a velocidade da bomba de sangue é aumentada”. (58) Tabela 1- Fluxo de sangue e calibres de agulhas recomendados. Fluxo de sangue recomendado* Calibre da agulha recomendado < 300mL/min 17 Gauge 250-350mL/min 16 Gauge 300-450mL/min 15 Gauge >400mL/min 14 Gauge *Estes são os calibres recomendados para os ajustes indicados em função do fluxo sanguíneo. As agulhas de maior calibre reduzem a pressão arterial pré-bomba (fazem diminuir a pressão negativa) e aumentam o fluxo de entrada de sangue. Desta forma, o fluxo sanguíneo programado no monitor (débito efetivo) pode não refletir adequadamente o verdadeiro ou real débito prescrito (débito real). (76) Para que o débito efetivo seja o indicado pela bomba, é importante selecionar apropriadamente o calibre da agulha. Uma vez, que a elevada negatividade da pressão arterial, transmitida pelo monitor, origina menor volume de bomba, ocorre então diminuição do débito real. (76) Ainda segundo estes mesmos autores, o aumento do débito real em 83 ± 8mL/min, possibilita um acréscimo no volume de sangue de diálise em 20L, ao longo de 4 horas de tratamento. Este acréscimo favorece o aumento da taxa de eliminação de uréia (Kt/v), estando associado uma diminuição da mortalidade em 11%. (76) O uso de agulhas 15G em punção de fístulas nativas arteriais, com fluxo de sangue de 350 mL/min, apresentou uma melhora na depuração da uréia e Revisão Bibliográfica - 45 - uma melhora no fluxo de sangue real, sem apresentar efeitos prejudiaciais ao organismo. (77) Enquanto, a utilização de agulhas 14G na punção venosa não induz melhora significativa na cinética da uréia, apesar de diminuir a pressão venosa.(77) As agulhas ideais para punção de fístulas arteriovenosa devem ser siliconizadas, apresentar asa giratória e possuir back eye e pinças nos segmentos, para garantir uma punção segura, sem riscos para o acesso e o paciente. (78). Figura 13. Figura 13- Agulha para punção de FAV. 2.3.3 Preparar o local de punção da FAV O preparo do local de punção deve iniciar com a lavagem do membro do acesso vascular para diminuir a quantidade de Staphylococcus aures, minimizando as possibilidades de adquirirem infecção. Contudo, os pacientes questionam a necessidade de lavar o membro da FAV antes de iniciarem o tratamento hemodialítico, não compreendendo a sua importância. Revisão Bibliográfica - 46 - De fato, existem três razões importantes para os pacientes lavarem o membro da FAV antes de iniciarem a sessão, independente de terem efetuado a higiene pessoal antes de deslocar à unidade de diálise. Em primeiro lugar, a DRC origina alterações no sistema imunológico deixando a pessoa imunodeprimida, ou seja fica mais suscetível à infecção. (79) A infecção do acesso vascular é a complicação mais comum em doentes em HD e a segunda causa de morte (15%). (80) As medidas de prevenção e de reconhecimento dos sinais e sintomas locais de infecção pelo enfermeiro e pelo paciente são essenciais, para minimizar a incidência desta complicação. Em segundo lugar, todos os seres humanos apresentam bactérias e outros microorganismos na pele com a finalidade de nos ajudarem a proteger. O Staphylococcus aureus, é uma bactéria presente na flora natural das fossas nasais em muitos seres humanos, podendo ser dispersada simplesmente esquanto respiramos. (80) Essa bactéria protege cada hospedeiro, mas a sua dispersão na circulação sanguínea de outra pessoa pode resultar numa infecção grave. (81) Por este motivo é que a equipe médica e de enfermagem das unidades de diálise devem usar equipamentos de proteção individual ( luvas e máscara ) no processo dialítico. Vários estudos confirmam, que esta é a principal razão pelo qual os enfermeiros pedem para aos doentes lavarem o membro do acesso, para assim reduzir o número de bactérias presentes na pele. (81) Em terceiro lugar, a resistência das bactérias aos antibióticos tem aumentado nas últimas décadas. Essa resistência acontece por diversas razões, Revisão Bibliográfica - 47 - nomeadamente: o não cumprimento da prescrição médica e a tomada inadequada ou frequente de antibiótico sem necessidades. Sendo assim, as bactérias passam a alterar e/ou mutar o ácido desoxirribonucleico, inutilizando o efeito do antibiótico, sendo necessário outro antibiótico para combater a bactéria. É necessário que o paciente lave o membro da FAV antes da punção, para se proteger da infecção, reduzindo o número de bactérias no seu acesso e prevenindo a resistência aos antibióticos. Naturalmente, será necessário uma política institucional de lavagem cuidadosa do membro da FAV antes da punção pelas unidades de diálise. Os cuidados de higiene ao membro da FAV devem apresentar-se como um componente integrante nos procedimentos com o acesso vascular e não como algo facultativo. (13) A educação do pacientes sobre o procedimento adequado com risco associado de infecção para o seu acesso também pode aumentar a adesão pessoal ao procedimento no momento da instalação. (82) A punção é um procedimento invasivo e a adequada preparação dos locais de punção do acesso podem eliminar a possibilidade de contaminação e/ou infecção. Após a antissepsia no local de punção com antissépticos padronizados pela instituição, não se pode tocar novamente na pele do paciente, exceto o bisel da agulha. A lavagem do membro pelo paciente com água e sabão; a lavagem das mãos pela equipe de profissionais (médico e de enfermagem); o uso de vestuário protetor ( luvas, avental, óculos e máscara) e a antissepsia do membro da FAV, visam minimizar o risco de infecção e da sua contaminação. Revisão Bibliográfica - 48 - 2.3.4 A técnica de punção da FAV A punção da FAV deve ser efetuada de forma cuidadosa e por profissionais de enfermagem de diálise experientes. (75) Deve-se evitar punções em zonas endurecidas ou com supurações, com hematomas, com crostas e/ou alterações de pele e em zonas apicais dos aneurismas. (75) A literatura evidencia três técnicas de punção da FAV: punção em escada ou corda; punção em área e punção em botão ou casa de botão (buttonhole), conforme se observa na Figura 14. Todas as técnicas apresentam vantagens e desvantagens, devendo-se utilizar a mais adequada em cada pessoa. Na punção de escada ou corda, às punções são distribuídas sistematicamente ao longo de todo o comprimento da veia arterializada. (75) Cada agulha é inserida aproximadamente 2cm acima ou abaixo do último ponto de inserção, gerando o uso uniformizado do vaso. (58) Na técnica de punção de área, as punções são restritas a uma área muito pequena da veia, área venosa e arterial (2-3cm). (75) No caso da técnica de punção em botão, a punção é executada exatamente sempre no mesmo orifício, exatamente com o mesmo ângulo em cada sessão de hemodiálise. (83, 84) Com o tempo, esta técnica permite formação de tecido cicatricial cilíndrico, pelo tecido subcutâneo na parede venosa, que orienta a agulha nesse túnel de punção. (58, 75, 83, 84) Revisão Bibliográfica - 49 - Figura 14- Técnicas de punção da fístula arteriovenosa: 1- técnica de escala; 2- técnica de área; 3- técnica de buttonhole. A técnica de escada é a mais usada pelos profissionais de enfermagem de nefrologia, induzindo o ligeiro aumento da veia e encontrando-se associada a menor número de aneurismas. (58, 74) Enquanto a punção de área, possibilita a uma dilatação circunscrita a uma área envolvente e ao desenvolvimento de aneurismas devido ao número de punções repetidas numa pequena área, podendo ocorrer a ruptura espontânea da pele. (74, 75, 83) Essa forma de puncionar destrói as propriedades elásticas da parede vascular e favorece o desenvolvimento progressivo do aneurisma, devido o aumento do diâmetro do lúmen. (75, 83) Esta técnica, também é associada ao aparecimento de zonas estenóticas pós aneurismas e a um maior tempo de hemóstase. (74, 75) A técnica de botão provoca menor número de aneurismas. (83, 84) As primeiras punções devem ser realizadas por enfermeiros experientes, utilizando agulhas com calibres de pequeno diâmetro (17G). (74, 75) Revisão Bibliográfica - 50 - 2.4 Complicações funcionais da FAV Na literatura consultada, as complicações das FAV podem ser classificadas em infecciosas ou funcionais. As infecciosas são, em geral, determinadas pelos microorganismos “Staphylococcus Aureus” ou “Staphylococcus Epidermidis” e podem estar associadas ao procedimento cirúrgico ou contaminação no ato da punção. (72) As complicações funcionais envolvem vários fenômenos que serão apresentados a seguir: Estenose: a estenose é a lesão mais comum na FAV em maturação, ocorrendo em 65-100% das angiografias realizadas para determinação da sua disfunção. (85) Na avaliação clínica deve-se atentar para: coagulação recorrente; a dificuldade para inserção das agulhas (constrições) e a elevação do tempo para a hemostasia após a retirada das agulhas; o edema em membro da FAV; o sopro sistólico descontínuo, rude e alto sobre o local de acesso; pulso descontínuo, tipo martelo d’agua; aumento marcante da pressão venosa ou aumento na negatividade da pressão arterial pré-bomba, sugerindo recirculação e baixo fluxo. (72) Trombose: a trombose precoce associa-se aos fatores técnicos e requer correção cirúrgica. A tardia, geralmente, é precedida por baixo fluxo, porém pode ser precipitada por episódios de desidratação, de hipotensão e de hipercoagubilidade; ou relaciona-se, também, à compressão extrínseca e inadvertida para hemostasia pós sessão. (52, 72) Revisão Bibliográfica - 51 - Isquemia de mão: é habitual em usuários com circulação, previamente comprometida, como nos idosos e diabéticos por apresentarem maior risco de processos ateroscleróticos. As manifestações clínicas são: dor na mão ao exercício, sensação de frio ou parestesia e em casos extremos, dor em repouso e úlceras não cicatrizantes. Pode ainda, ocorrer edema por hipertensão da rede venosa causada por “sequestro” de sangue na anastomose. (72) Pseudoaneurisma: resulta de hemostasia inadequada após a retirada das agulhas, com risco de ruptura e hemorragia intensa. (52, 72) Como o aneurisma é facilmente reconhecido ao exame físico, o examinador deve estar atento à sua evolução ( Figura 15).