RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 30/03/2023. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes - Campus São Paulo DIEGO CARDOSO DO NASCIMENTO DRAMATURGIAS DO ÓDIO: por entre efeitos de sentidos dos discursos em dramaturgias paulistas (2014 a 2018). Cena-documental/verdade- mnemônica/ódio-personagem... em correria. São Paulo 2022 DIEGO CARDOSO DO NASCIMENTO DRAMATURGIAS DO ÓDIO: por entre efeitos de sentidos dos discursos em dramaturgias paulistas (2014 a 2018). Cena-documental/verdade- mnemônica/ódio-personagem... em correria. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Artes Cênicas Linha de Pesquisa: Estética e Poéticas Cênicas Orientador: Prof. Dr. Alexandre Luiz Mate São Paulo 2022 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. N244d Nascimento, Diego Cardoso do, 1991- Dramaturgias do ódio : por entre efeitos de sentido dos discursos em dramaturgias paulistas (2014 a 2018) : cena-documental, verdade-mnemônica, ódio-personagem... Em correria / Diego Cardoso do Nascimento. - São Paulo, 2022. 232 f. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Luiz Mate Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Teatro (Literatura) - Técnica. 2. Teatro brasileiro. 3. Teatro e sociedade. 4. Discurso do ódio. 5. Análise do discurso. I. Mate, Alexandre Luiz. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 700.103 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 DIEGO CARDOSO DO NASCIMENTO DRAMATURGIAS DO ÓDIO: por entre efeitos de sentidos dos discursos em dramaturgias paulistas (2014 a 2018). Cena-documental/verdade- mnemônica/ódio-personagem... em correria. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre. Dissertação aprovada em 30 de Setembro de 2022. Banca Examinadora _____________________________________________ Professor Dr. Alexandre Luiz Mate (orientador) Universidade Estadual Paulista (Unesp) _____________________________________________ Professor Dra. Rosana Pinheiro-Machado University College Dublin _____________________________________________ Professor Dr. Alexandre Ferreira Dal Farra Martins Universidade de São Paulo (USP) À minha mãe, mulher nordestina e trabalhadora. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Alexandre Mate, mestre dileto, orientador de tantos e variados processos ao longo de uma década, cuja obstinação é como um farol, pela parceria, confiança, carinho, generosidade e luta incansável. Aproveito para agradecer ao grupo de pesquisa Amorada, orientado pelo professor Alexandre Mate (formado por Adailtom Alves Teixeira, Alexandre Falcão de Araújo, Carolina Angrisani, Ewerton José, Fábio Resende, Flávio Melo, Luiz Campos, Luiz Eduardo Frin, Reginaldo do Nascimento, Rodrigo Morais Leite e Simone Carleto) pela construção conjunta desse trabalho nos vários encontros, trocas e apoio tão significativo. Agradeço às professoras Simone Carleto e Luciane de Paula pelo diálogo, generosidade contribuição tão importantes na etapa da banca de qualificação. Agradeço também ao corpo docente que fez parte desse percurso promovendo debates, reflexões, provocações e, sobretudo, resistindo num momento tão difícil de aulas remotas, lembrando e defendendo a importância da universidade pública: João Cardoso Palma Filho, Lucila Tragtemberg e Maria Silvia Betti. Agradeço aos autores, autoras e coletivos que gentilmente acolheram meus pedidos e contribuíram com este trabalho cedendo suas dramaturgias, respondendo questões ou compartilhando relatos: Alex Araújo, Alexandre Dal Farra, Artur Khon, Ave Terrena, Biagio Pecorelli, Carla Zanini, Cia. de Teatro Acidental, Cia. Los Puercos, ColetivA Ocupação, Denizart Fazio, Evill Rebouças, Keka Reis, Luiz Antonio Farina, Luiz Campos, Martha Kiss Perrone, Pedro Granato, Pedro Pires, René Piazentin, Sarah Rogieri, Teatro do Osso e Trupe Olho da Rua. Agradeço aos funcionários e funcionários do Instituo de Artes da Unesp, tão fundamentais no atual momento de ataque e desmonte à universidade pública. Em especial à equipe da seção técnica de Pós-Graduação; e à equipe da Biblioteca do IA, pela disposição e prontidão na reta final deste trabalho. Agradeço aos amigos queridos, Vinicius e Beatriz, que compartilharam acolhimentos, experiências e angústias sobre este percurso. RESUMO A produção dramatúrgica do teatro paulista contemporâneo se caracteriza, entre outras coisas, pelo diálogo entre suas obras e as questões relativas a processos históricos, sociais e políticos que envolvem os contextos de suas criações. A partir das chamadas Jornadas de Junho de 2013, houve no Brasil uma incitação do avanço de ideologias conservadoras, fundamentalistas e reacionárias que estimularam o acirramento de discursos (e ações) voltados para a construção de inimigos e a eliminação das diferenças. A partir de alguns conceitos do referencial teórico ligado à análise de discurso francesa, o trabalho apresenta o estudo de como discursos de ódio se manifestam em algumas dramaturgias, criadas entre os anos de 2014 e 2018, e como tais obras constroem sentidos em contraposição a esses discursos. Palavras-chave: dramaturgia; discurso de ódio; análise de discurso. ABSTRACT The dramaturgical production of the contemporary São Paulo theater is characterized, among other things, by the dialogue between their plays and issues related to historical, social, and political processes that involve the contexts of their creations. Since the Brazilian Protests of June 2013, there has been in Brazil an incitement of the advance of conservative, fundamentalist, and reactionary ideologies that have stimulated the intensification of discourses aimed at the construction of enemies and the elimination of differences. Based on some concepts of the theoretical referential linked to the French discourse analysis, the work presents the study of how hate discourses manifest themselves in some dramaturgies, created between the years 2014 and 2018, and how such works construct meanings in counterposition to these discourses. Keywords: dramaturgy; politics; hate speech; discourse analysis. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: POR ENTRE SENTIDOS E SENTIDOS ............................................................17 1.1 CENA INICIAL: INTRODUZ A AÇÃO DO ÓDIO ................................................................17 1.2 ACONTECIMENTO INCITANTE: AS ORIGENS DA PESQUISA ..........................................18 1.3 CURVA DRAMÁTICA: OS DESVIOS EM DIREÇÃO AO OBJETO ..........................................23 1.4 CONFLITO: TENSIONA A PROGRESSÃO DA NARRATIVA .................................................27 1.5 UMA OBRA DIALÓGICA .................................................................................................27 1.6 ESTRANHAMENTO: SUSPENDE A AÇÃO .........................................................................30 1.7 UM TÍTULO ANTECIPA A CENA.......................................................................................32 2 ÓDIOS QUE HABITAM (NOSSOS) ESCOMBROS....................................................................35 2.1 DE 2014 A 2018: PRODUÇÃO DE SENTIDOS..................................................................35 2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO DE UM DISCURSO QUE CONCILIA.........................................40 2.3 O CONTEXTO HISTÓRICO DE UM DISCURSO QUE ROMPE............................................45 2.4 TEORIA DO DISCURSO: AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO................................................49 2.5 SENTIDOS EM DISPUTA: O ÓDIO NA ESQUINA..............................................................53 2.6 ENTREATO: UM OLHAR SOBRE O ÓDIO PULSANTE.......................................................56 2.7 TRILOGIA ABNEGAÇÃO: O (NOSSO) MAL COLOCADO EM CENA...................................60 2.8 OS CAMINHOS DO ÓDIO...............................................................................................79 3 DISCURSO E CONTRADISCURSO: O ÓDIO (R)ODEIA............................................................85 3.1 TEORIA DO DISCURSO: AS FORMAÇÕES DISCURSIVAS.................................................85 3.2 SENTIDOS EM DISPUTA: O ÓDIO NA MULTIDÃO...........................................................91 3.3 DRAMATURGIA COMO DISCURSO: A DUPLA ENUNCIAÇÃO TEATRAL..........................95 3.4 DRAMATURGIAS DA RESISTÊNCIA: O CONTRADISCURSO NÃO SE CALA DIANTE DO ÓDIO...........................................................................................................................101 3.4.1 Lembrar o passado e denunciar o apagamento: o contradiscurso de (In)Justiça.................................................................................................................103 3.4.2 Existir para resistir: o contradiscurso em Quando quebra queima........................117 3.5 NO CAMINHO DO ÓDIO...............................................................................................129 4 DRAMATURGIAS DO ÓDIO.................................................................................................133 4.1 TEORIA DO DISCURSO: UMA TIPOLOGIA DISCURSIVA................................................133 4.2 O FUNCIONAMENTO DE UM DISCURSO QUE ODEIA..................................................134 4.3 AS VOZES DO ÓDIO NO BRASIL....................................................................................137 4.4 SENTIDOS EM DISPUTA: O ÓDIO EM CENA.................................................................139 4.5 GÓLGOTA FOI APENAS UM PRINCÍPIO: UMA DRAMATURGIA DO PURO ÓDIO..........141 4.6 VOZES DO ÓDIO: O DISCURSO NEOLIBERAL ECONÔMICO..........................................155 4.7 O DISCURSO ECONÔMICO NAS DRAMATURGIAS.......................................................160 4.7.1 Impasse ou Isso não é uma peça, é um golpe!.......................................................161 4.7.2 11 Selvagens e O corpo que o rio levou..................................................................166 4.8 VOZES DO ÓDIO: O DISCURSO FUNDAMENTALISTA...................................................173 4.8.1 Distopia Brasil.........................................................................................................179 4.9 VOZES DO ÓDIO: O DISCURSO ANTICOMUNISTA........................................................188 4.9.1 RES PVBLICA 2023....................................................................................................195 4.9.2 E o que fizemos foi ficar lá ou algo assim...............................................................197 4.9.3 O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer....................203 5 CONCLUSÃO........................................................................................................................217 5.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................217 5.2 EPÍLOGO......................................................................................................................218 5.3 FAZER SENTIDO NO FINAL...........................................................................................221 5.4 CENA FINAL: O ÓDIO APARECE....................................................................................222 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................224 17 1 INTRODUÇÃO: POR ENTRE SENTIDOS E SENTIDOS 1.1 CENA INICIAL: INTRODUZ A AÇÃO DO ÓDIO Domingo, 30 de outubro de 2016. Um grupo de policiais está numa praça na cidade de Santos. Eles agem de maneira agressiva, autoritária e ridícula. Atrás deles há uma bandeira do Brasil hasteada de ponta cabeça. Alguns usam máscaras para cobrir o rosto, saia e meia arrastão. Todos eles andam com cassetetes de borracha com os quais, eventualmente, batem no público que os assiste. Eles, na verdade, são personagens do espetáculo Blitz - O Império que nunca dorme, da Trupe Olho da Rua1. O espetáculo realizado na rua satiriza a polícia militar e faz uma crítica à militarização da vida, à repressão policial e à violência estatal legitimadas pela mídia. Uma série de elementos simbólicos que remetem ao aparato policial e à doutrina militar são utilizados na peça para compor o universo estético que ela apresenta. A alguns metros de onde a apresentação ocorre, estão estacionadas viaturas e policiais militares (verdadeiros) assistem a tudo até que decidem interromper. A Trupe é impedida de continuar, o cenário e equipamentos do espetáculo são apreendidos e o ator e diretor é detido e levado à delegacia para prestar depoimento. O fato envolvendo a Trupe ganha ampla repercussão e a polícia é acusada de repetir práticas autoritárias de censura e repressão da época da ditadura civil-militar. A repercussão gera mobilização e diversos agentes e setores condenam a atitude da polícia e saem em defesa do grupo e da liberdade de expressão. Entre eles, muitos políticos se inserem no debate e alguns destacam o episódio como indício do avanço de forças conservadoras e fundamentalistas no país. Outros, no entanto, saem em defesa da polícia e contra os artistas. Alguns dias depois do ocorrido, o caso é abordado em sessão ordinária da Assembleia Legislativa de São Paulo, na qual estão presentes integrantes da Trupe Olho da Rua. O deputado estadual Carlos Gianazzi, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), discursa em defesa do grupo, condenando a ação da polícia, comparando com o contexto de exceção dos anos da ditadura. Naquele momento, discursos que defendem o retorno dos militares ao poder se tornaram frequentes e a escalada da extrema-direita provoca diversas comparações como essa. Na sequência, também discursa outro deputado, o Coronel Telhada, do 1 Coletivo surgido em 2002, na cidade de Santos-SP, cuja pesquisa se desenvolve em torno das formas populares e do teatro de rua. 18 Progressistas. Em sua fala, ele condena a apresentação da peça e rebate a acusação de censura exaltando a polícia militar e justificando que a ação ocorreu em resposta ao desrespeito a símbolos nacionais, o que configura crime. Para ele, o suposto crime é motivo para que os artistas da Trupe não sejam considerados cidadãos. Sob manifestação dos presentes, ele xinga e se refere à peça como “lixo” e diz que “Lixo é para se jogar no lixo, não é para mostrar para as pessoas. Lixo vai para o lugar certo”2. Alguns dias depois, o coronel, que na eleição de 2014 foi o segundo deputado mais votado no estado de São Paulo, volta a comentar o episódio do espetáculo, dessa vez em suas redes sociais. No vídeo gravado e publicado na sua página do Facebook, ele ironiza a peça e os atores, reforça o mesmo discurso feito dias antes e insiste que a Trupe cometeu um crime, tendo ele aberto representação junto ao Ministério Público para apurar os fatos3. Na publicação havia centenas de comentários parabenizando e concordando com o deputado. Alguns comentários afirmavam coisas como4: O que estragou o Brasil, foi essa tal de nova república, não respeitam mais os policiais. A mídia canalha ataca a polícia, defende sem vergonhas. Eu apóio totalmente a polícia e acho que deve descer a borracha nesses vagabundos. #prontofalei. Ué, ta certo !! Pq só eu, que sou cidadão de bem, tenho que seguir a lei ?!? Eles se acham acima da lei, intocáveis, como aqueles que os financiam ? Pois bem... Respondam ! Ta certissimo. coronel...de balas a eles ....quem sabe irao chupa las.....isso tem q mudar....respeito e deveres tem q ser compridos....mesmo q tenha q ser a bala.....comunista anarquista vagabundo aqui no brasil nao....vamos sim exterminar essa quadrilha.... Chega de comunistas em nosso país!! Pra cima deles no rigor da lei! Se tento me lembrar, não sei dizer com certeza onde eu estava nesses dias, durante a interrupção da peça, durante o discurso na Alesp, enquanto alguém destilava ódio na área de comentários de uma rede social. Lembro-me daquele período de maneira mais geral. Lembro- me de uma certa preocupação generalizada a respeito do país, uma sensação de incerteza e dúvida sobre o que estava por ocorrer e uma certeza um tanto quanto incerta sobre o que de 2 Íntegra dos discursos ocorridos na 160ª Sessão Ordinária da Alesp, no dia 03 de novembro de 2016, disponível em . 3 Relato contido no vídeo “Um grupo de ‘atores’ de Santos se achou no direito de desrespeitar a PM, ferir a constituição e agora quer se fazer de vítima.”. Disponível em < https://fb.watch/fbpXMZkmQG>. 4 Adotou-se a ortografia original utilizada em cada parecer. https://www.facebook.com/hashtag/prontofalei?__eep__=6&__cft__%5B0%5D=AZXFmwwsiQ5iwUZLJPQ5kmxwGpCeHG0yzfyzc885BpE0QGz90vPbtY0PDbKiWFWC8-qxzYlRASEjDRdFTexxJQQ7EfdMkFX1VsKUPTaWocGsAv_-zw93Llw5zlwb4hORdJam_Yb4XHBk64gQeJdBEMHoQ-PQ6n0PK_ZbNZ6aVExa4cg7qz4CQPArQSV_P53AzEo&__tn__=R%5D-R 19 fato estava acontecendo. Meses antes de tudo aquilo, postei uma frase na minha página numa rede social, que dizia “Se você não está confuso, não está se informando direito”. Naquela época, fazer postagens nas redes sociais havia se convencionado ser uma maneira de se posicionar diante de acontecimentos no mundo. Pelas circunstâncias do país naquele contexto e pela dinâmica de outras postagens e comentários na internet, não era difícil concluir que aquela frase se referia aos múltiplos processos que se desdobravam no contexto social e político. O seu significado não dizia que era confuso se posicionar com relação ao que acontecia no Brasil, mas que a elaboração das relações de causa e efeito entre disputas ideológicas e acontecimentos políticos era complexa, sem ser possível cravar certezas definitivas sobre as direções para onde tudo estava indo, sobre aquilo que se podia buscar informações por meio da mídia hegemônica. Historicamente, o ano de 2013 ainda estava muito perto e já soava como um episódio de possibilidade de mudança social que foi capturado pela direita. Depois das Jornadas de Junho5 daquele ano ainda vieram a ocorrer as eleições presidenciais, a reeleição de Dilma Rousseff, a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, a ocupação das escolas estaduais pelo movimento secundarista… Um ano antes da polícia interromper Blitz eu integrava a 7ª turma do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-British Council, importante curso de dramaturgia da cidade de São Paulo, promovido em parceria com as duas instituições, cujos encontros ocorriam, literalmente, no subsolo da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). O Núcleo era um espaço de formação onde, além da orientação de processos de dramaturgia, buscava-se debater questões relacionadas a experiências de outros criadores, discutir textos filosóficos e peças teatrais estrangeiras, sobretudo inglesas, com o intuito de provocar nos aprendizes novos modos de enxergar e refletir o mundo nas criações. Nosso olhar, porém, era provocado de outras formas. Naquele momento, o que víamos, sobretudo, eram cenas de repressão 5 As Jornadas de Junho de 2013 foi como ficou conhecida a série de manifestações populares contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo e outras cidades ocorridas naquele mês e ano. Tais protestos se destacaram pela ampla adesão popular a favor do movimento, sobretudo após a violenta repressão policial feita no protesto de 13 de Junho que feriu severamente manifestantes e profissionais da imprensa. As manifestações pelo transporte público vinham ocorrendo desde os meses anteriores e em outros estados, mas foi no mês de Junho de 2013 que ocorreram os maiores atos e com maior frequência e simultaneidade. Em São Paulo, os atos contra o aumento da tarifa foi organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL). Os atos levaram a respostas imediatas dos governos locais e do governo federal após as manifestações passarem a incluir outras pautas, sobretudo o combate à corrupção e o descontentamento com a realização da Copa do Mundo de Futebol planejada para o ano seguinte. A inclusão de outras pautas representa um rapto do movimento das Jornadas de Junho pela elite conservadora e a direita brasileira. Dessas manifestações se deu a organização de grupos e movimentos que agitaram e lideraram os protestos contra o Partido dos Trabalhadores e pelo impeachment da então presidenta Dilma Roussef. 20 contra movimentos sociais, manifestações verde e amarela patrocinadas pelo setor financeiro, um pato de borracha amarelo e gigante na porta do nosso local de encontro todas as terças-feiras. Havia muito para entender. Sabíamos onde estávamos e o que pato representava, sabíamos do golpe, do ódio e da sua presença crescente entre as pessoas lá fora. Mas, hoje, pergunto-me: sabíamos mesmo? Sabíamos quanto? Soubemos o suficiente? Alguém soube? Ainda em 2015, como resultado do processo no Núcleo, escrevi a dramaturgia de A Irredutível Complexidade, na qual busquei reproduzir os exemplos das estruturas dramatúrgicas que nos eram apresentadas com destaque como referências de criação, mas nunca a considerei satisfatória. Hoje, transcorrido bastante tempo, percebo que, mesmo não tendo planejado conscientemente, é uma dramaturgia cujo discurso tangencia questões de classe, violência e desumanização. Anos depois, em 2018, escrevi uma outra dramaturgia, Ainda Vivos: um episódio de guerra, mais consciente do que queria dizer. Nela, são abordados temas como desigualdade, violência e repressão policial, com referências diretas a crimes cometidos contra a população periférica e homossexual. Hoje, percebo que meu modo de enxergar dramaturgia se alterou, não só no que diz respeito às minhas criações, mas, sobretudo, às relações que se criam nos atravessamentos entre cena e sociedade. O episódio com a Trupe Olho da Rua foi um de muitos indícios do fluxo de ódio que “alagava” a sociedade. Condutas e discursos de teor conservador, reacionário e extremista eram cada vez mais comuns. O ódio já circulava com certa naturalidade, ocupava espaços, sussurrava em rodas de conversa. Numa de suas andanças, ele encontrou com a apresentação da peça numa praça pública em Santos e deixou que seus agentes concluíssem o restante. Aquele espetáculo era uma obra que antecedeu, na cena e na história, grande parte do período de acirramento do ódio que marcou o país. Naquele momento, eu ainda não entendia isso. 1.2 ACONTECIMENTO INCITANTE: AS ORIGENS DA PESQUISA A presente pesquisa investiga como algumas dramaturgias paulistas criadas de 2014 a 2018 carregam em seus conteúdos as marcas dos embates políticos e sociais do momento histórico de suas criações. Essa busca se detém especificamente sobre os discursos de ódio amplificados nos últimos anos em decorrência do avanço de ideologias autoritárias, 21 neoliberais, conservadoras e fundamentalistas. Tais discursos são manifestações de violência praticadas em virtude de diferenças religiosas, sexuais, ideológicas, de raça, de nacionalidade, de gênero e outras. Como define Butler (2021), os discursos de ódio são formas de interditar as condições do pleno exercício dos direitos e liberdades por parte daqueles a quem se dirige. A trajetória desses discursos no Brasil é permeada por diferentes nuances na maneira como o ódio foi colocado em prática nos últimos anos. A pesquisa constitui uma análise do modo como tais discursos se manifestam nas dramaturgias, seja por meio de citação, referência, imitação, repetição, alusão etc. Inicialmente, essa pesquisa se tratava de uma investigação acerca das produções oriundas de algumas escolas de formação em dramaturgia de São Paulo e os modos como manifestavam relações com seu contexto histórico de criação. No entanto, mais anterior que isso, a origem do presente trabalho se dá a partir do meu contato inicial com a investigação apresentada no artigo Da esperança ao ódio: Juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo (2018), das pesquisadoras Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco. Nesse trabalho, as autoras apresentam uma reflexão sobre a passagem do período de ascensão social da era Lula até o fortalecimento de uma política de ódio colocada em prática pela extrema direita – especialmente, a campanha de Jair Bolsonaro – fazendo um recorte sobre o acesso ao consumo de jovens da periferia de Porto Alegre. A investigação de Pinheiro- Machado e Scalco instigou meu olhar enquanto sujeito e pesquisador sobre os processos de transformação social e política ocorridos no Brasil, sobretudo, entre o fim dos governos petistas e o governo de Jair Bolsonaro. Essa provocação ressoou junto a uma antiga inquietação que eu conservava acerca da relação entre dramaturgia, política e o ódio. No período em que integrei o mencionado Núcleo de Dramaturgia, e mesmo depois como egresso, eu observava essa relação na proximidade que havia entre as dramaturgias e as forças perversas que impulsionaram o ódio na sociedade. Talvez, a proximidade maior fosse representada pela contradição de haver semanalmente um encontro entre autores e autoras que tentavam elaborar, na forma de textos teatrais, suas condições enquanto sujeitos naquele momento-histórico ocorrendo nos porões de uma das principais responsáveis pelas articulações que levaram ao golpe parlamentar contra Dilma Rousseff (2016) e a consolidação da extrema-direita nos anos sequentes. Durante muito tempo, na entrada do Núcleo de Dramaturgia do Sesi havia um pato amarelo gigante de borracha, com os dizeres “eu não vou pagar o pato”, simbolizando o descontentamento de uma classe elitizada, voltado para a 22 avenida Paulista, palco das maiores manifestações da direita. Numa das manifestações da esquerda, ocorrida também na avenida Paulista, o prédio da FIESP foi atacado enquanto ocorria um encontro do Núcleo de Dramaturgia; a partir de 2015, em diversas ocasiões, oficinas e debates sobre dramaturgia ocorreram enquanto, do lado de fora, grupos de direita se concentravam para manifestações agendadas. Perto dali, na praça Roosevelt, existe a SP Escola de Teatro, que oferecia e oferece um dos principais cursos de dramaturgia da cidade; e foi para lá que muitas pessoas correram para se abrigar da repressão policial durante as Jornadas de Junho de 2013. Essa proximidade, no entanto, não era apenas histórica, temporal e espacial, mas também temática. Após minha passagem no Núcleo, pude participar como avaliador na etapa preliminar do processo seletivo do curso6. Foi a partir dessa experiência que meu olhar sobre as relações entre dramaturgia e o contexto de então começou a despertar. Pude observar que em algumas dramaturgias submetidas para seleção a tentativa de dar conta e elaborar acontecimentos relacionados ao contexto brasileiro, do ponto de vista político. Muitas das obras traziam temas que abordavam questões urgentes, pautas identitárias, e outras relacionadas aos processos sociais e episódios daquele momento histórico. Por exemplo, certas dramaturgias escritas por mulheres que propunham discussões relacionadas ao feminismo, a violências de gênero e direitos das mulheres, citavam de alguma maneira a misoginia direcionada contra Dilma Rousseff durante o processo do impeachment, ou a vereadora do Rio de Janeiro assassinada Marielle Franco como símbolo de resistência. O contato com tais textos e propostas de discussão, somado às observações dos atravessamentos que aconteciam muito próximos dos espaços de criação e de sujeitos sensíveis, formou aquele gesto de inquietação que queria ser expresso, mas não sabia ainda como. A pesquisa de Pinheiro-Machado e Scalco – duas mulheres que foram a campo dialogar com jovens moradores de periferia – caracterizou-se no impulso necessário que deu forma ao desejo de investigar desdobramentos a partir daquelas observações e experiências. O encontro de uma coisa com outra, da dramaturgia com o ódio, da minha inquietude com o 6 Na época em que integrei esse processo, entre os anos de 2015 e 2017, o processo seletivo consistia em duas etapas: avaliação de dramaturgias e entrevistas. Na primeira etapa, um grupo de avaliadores produziam pareceres sobre os textos dos candidatos dos processos, sintetizando seu conteúdo e indicando sua recomendação ou não. A partir dos pareceres, os textos eram analisados pela coordenação do curso que, em seguida, selecionava os aprovados para a etapa da entrevista. 23 artigo, manifestou que, ao lado do meu interesse pelo teatro, existia também um outro, mais profundo, pelas questões políticas e o exercício de buscar refletir sobre aquela realidade. 1.3 CURVA DRAMÁTICA: OS DESVIOS EM DIREÇÃO AO OBJETO Numa primeira ideia, como antes exposto, esta pesquisa tratava de fazer um levantamento de dramaturgias, especificamente as criadas em processos iniciados nas escolas de formação (sendo elas Núcleo de Dramaturgia do Sesi, SP Escola de Teatro e Escola livre de Santo André), que se relacionavam com os processos sociais iniciados com as Jornadas de Junho de 2013. Entretanto, logo no início do percurso da pesquisa o objeto da investigação foi modificado. O recorte sobre a produção oriunda das escolas de formação se voltou à parte da produção dramatúrgica paulista, visto que a cidade de São Paulo concentra importantes espaços, políticas e iniciativas que estimulam ainda mais a dramaturgia, além do fato observado de que tal produção se caracterizava pelo trânsito com diferentes linguagens e estruturas, o que confere a muitas obras qualidade experimental e inovadora. A relação com o contexto histórico também foi revista e passou a ser definida pela incidência de discursos de ódio. As mudanças na pesquisa durante seu desenvolvimento se deu a partir do contato com o objeto de estudo. Ao analisar um primeiro conjunto de dramaturgias produzidas nas escolas de formação entre os anos 2014 e 2018, observei que a maior parte delas não abordava o contexto histórico e social, do ponto de vista político, de um modo que permitisse a construção de uma reflexão consistente. Havia algumas hipóteses para esse fato que apontavam para os aspectos formativos e artísticos dentro das escolas, no entanto, sua verificação ou aprofundamento configurariam uma nova e diferente pesquisa, distinta dos interesses e temáticas originais. Com isso, buscou-se compor um novo conjunto de dramaturgias a partir de alguns critérios. O primeiro deles dizia respeito ao recorte histórico. A definição pelo período que abrange 2014 e 2018 foi estabelecida pelo conjunto de eventos e transformações decisivas que ocorreu neste intervalo, pontuado pelas duas últimas eleições presidenciais, cujo percurso entre uma e outra foi profundamente marcado pelo acirramento de forças conservadoras, do antipetismo e o fortalecimento da extrema direita. O segundo critério pontuava a relação das dramaturgias com os discursos de ódio. Foram selecionadas dramaturgias que, de algum modo, citam, aludem, repetem, usam ou imitam elementos, 24 dizeres, discursos e sentidos que remetem – ou permitem identificar – manifestações, agentes ou eventos, caracterizados por violência ou ódio, direcionados contra indivíduos por conta de sua sexualidade, orientação política, gênero, religião, etnia, classe, ou por simples desejo de destruição. O conjunto de dramaturgias selecionado e analisado neste trabalho é composto por 13 obras, sendo elas: Trilogia Abnegação (Abnegação, Abnegação II: O começo do fim, e Abnegação III: Restos) e Pornoteobrasil, de Alexandre Dal Farra; Impasse ou isso não é uma peça, é um golpe!, da Turma 18 da ELT com orientação dramatúrgica de Alexandre Dal Farra; (In)Justiça, de Evill Rebouças; Quando quebra queima, de ColetivA Ocupação com orientação dramatúrgica de Martha Kiss Perrone; Distopia Brasil e 11 Selvagens, de Pedro Granato, O corpo que o rio levou, de Ave Terrena; RES PVBLICA 2023, de Biagio Pecorelli; O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer e E o que fizemos foi ficar lá ou algo assim, de Artur Kon.7 Esse conjunto foi reunido no decorrer do primeiro ano de pesquisa, ao longo do qual estiveram em constante processo a compreensão e aprofundamento da teoria discursiva. Os critérios de seleção referentes aos discursos de ódio foram conjuntamente se transformando conforme o entendimento da noção do que era discurso e seu funcionamento também foi se modificando em decorrência da complementação e revisão dos estudos. Isso foi determinante para a inclusão ou subtração de dramaturgias do corpo de análise. A princípio, foram buscadas nas peças passagens em que houvesse reprodução ou paráfrase de discursos de ódio tidos como “habituais”; contudo, essa análise foi se abrindo para a indicação de elementos, detalhes ou rumores de agentes e símbolos que formassem relações de força ou gestos similares aos daquele contexto; posteriormente, entendeu-se que mesmo na ausência dos discursos de ódio, reproduzir afetos e sentimentos das circunstâncias situacionais é uma forma de citá-los. Nesse sentido, é tomada a formulação de Butler (2021) que diferencia os modos de manifestação dos discursos de ódio entre processos que citam e processos que usam tais discursos, sendo estes aqueles que se apropriam dos discursos para criar se contrapor a eles. Essa formulação inspira o modo com que se analisa as dramaturgias na pesquisa, destacando nelas o modo como o ódio é trazido. O processo de seleção das obras 7 A maior parte do conjunto de peças não possui publicação. A análise foi feita a partir dos arquivos digitais de texto enviados pelos autores durante o processo de pesquisa. Por essa razão, os excertos não contam com referência de autor/data/página. Procurou-se manter nos excertos a formatação de texto e escolhas de diagramação originais. 25 consistiu no levantamento e na leitura delas – algumas das quais tive oportunidade de assistir. O levantamento foi feito por intermédio de publicações de editoras, coletâneas, resenhas, matérias culturais, e guias culturais distribuídos de janeiro de 2014 a dezembro de 20188 e também da memória de espetáculos que estiveram em cartaz nos últimos anos, alguns dos quais tive oportunidade de assistir presencialmente. Com bases em suas sinopses e resenhas publicadas em diferentes meios, as peças foram selecionadas para uma leitura tendo em vista a adesão a certa teoria do discurso (notadamente a francesa) e a abordagem acerca do ódio na pesquisa. Um fato observado diz respeito a dramaturgias que trazem indicativos em seus próprios títulos acerca das suas temáticas. Muitos espetáculos de natureza comercial, por exemplo, possuem títulos anedóticos que descreviam seu caráter de comédia de situação. Dramaturgias cujos títulos não explicitaram os seus assuntos e a leitura da sinopse e outros materiais não demonstraram a consonância do assunto com a pesquisa não foram lidas. Também não foram lidas, em boa parte dos casos, as obras cujas sinopses e outros materiais informativos não traziam à tona a presença de situações, conflitos, posições, metáforas ou elementos do contexto político e social pós 2013. Fundamental destacar que o processo de análise das dramaturgias, para a inclusão no corpo de análise, e a análise posterior, são resultado de um processo de interpretação. Interpretar é uma atividade, permanentemente, atravessada pela ideologia e pelas circunstâncias históricas, tal qual postula a teoria discursiva. Diante de uma dramaturgia afirmar que ali existe uma evidência, traço ou aspecto de discurso de ódio já é um processo ideológico. Esta pesquisa se assume como um exercício de interpretação, não só na análise das dramaturgias, mas na abordagem do contexto histórico. Exercício praticado por um sujeito-histórico, atravessado por ideologias, que viveu e vivencia os processos que descreve. Diante dos critérios apresentados para seleção das dramaturgias, é evidente que o conjunto formado não encerra a totalidade da produção no campo e objeto investigados, mas estabelece uma potencialidade de diálogos com seu tempo e contexto. Admite-se, quanto à pesquisa, a possibilidade de outras obras terem ficado de fora em decorrência da metodologia estabelecida. Nem sempre o registro e cobertura, por diferentes meios, acerca das obras em 8 No caso de guias, sabe-se que a data que consta nas suas páginas diz respeito àquelas de estreia e temporadas, sendo que a criação dramatúrgica geralmente é distante da de suas apresentações. Na pesquisa, no caso de pessoas com processos iniciados num ano anterior, foi considerado aquele concernente às primeiras temporadas das dramaturgias. 26 cartaz alcança todos os grupos, companhias e artistas, sobretudo aquelas e aqueles de atuação independente. Há também o caso de dramaturgias que apresentam discursos e elementos concernentes àqueles de ódio, como por exemplo, atos de violência, personagens misóginos-machistas, situações de opressão e conflito motivadas por posições sociais e ideologias. Contudo, entende-se que em alguns casos a presença do ódio – de variadas formas – não corresponde necessariamente a um diálogo com o decurso dos processos sociais e históricos daquele momento. Nesses casos, são dramaturgias que abordam a violência na perspectiva de um problema estrutural e histórico, que não é exclusivo da ação organizada de movimentos e agentes políticos-ideológicos, como o bolsonarismo. Segundo Marilena Chauí, o Brasil por trás do mito de um país que não é violento foi construído sobre práticas de violação, crueldade, injustiça, coação, tortura e brutalidade contra populações inteiras, negros e indígenas, mulheres, crianças e refugiados. Sendo assim, é previsto que as dramaturgias tragam a violência como uma de suas camadas. Outro critério presente, e determinante, para a composição do conjunto selecionado foi o de manter a pesquisa a partir de certa “extensão comedida” e adequada ao escopo e objetivo quanto à natureza do trabalho. Deve-se, em parte, a este critério, a opção de não incluir menção às dramaturgias de outros tempos de crueldade, como as chamadas por certos analistas e críticos teatrais como “peças de ocasião”, de dramaturgos como Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Queiroz Telles, Augusto Boal, Plínio Marcos, entre outros, que também viveram momentos de acirramento dos discursos de ódio e autoritarismo e refletem e refratam em suas obras os seus contextos. A despeito de todo o exposto, julga-se que o conjunto formado representa um número importante e significativo para uma investigação sobre a produção dramatúrgica recente. A maioria dessas dramaturgias não conta com publicação e algumas das obras foram cedidas, junto com algumas importantes informações de contexto, diretamente por seus autores e autoras, o que significa que o estudo delas, apesar de limitações de abrangência, é também um registro histórico e documental. Não fez parte dos critérios de seleção das dramaturgias aspectos estruturais ou de forma estética. São textos diversos e distintos, que exploram diferentes procedimentos de criação. Todos se caracterizam por pertencerem a processos desenvolvidos dentro das proposições fundantes do sujeito histórico teatro de grupo, alguns decorrentes de processos de criação colaborativa, e que adotam um posicionamento crítico com relação aos discursos de ódio e contexto que abordam. É fato incontestável que cada uma das dramaturgias, por si só, caracteriza-se em um verdadeiro universo que poderia 27 render investigações inteiras, no entanto, aprofundamentos poderão ser realizados em possíveis desdobramentos futuros da pesquisa. Há algo nas dramaturgias que não se modifica, e cria entre elas uma relação de semelhança com os propósitos da presente pesquisa. É o fato de serem expressões dos esforços empreendidos na tentativa de elaborar e refletir criticamente o mundo, sem prescindir da criação poética e subjetiva. 1.4 CONFLITO: TENSIONA A PROGRESSÃO DA NARRATIVA O desenvolvimento desta pesquisa ocorreu inteiramente durante a pandemia da Covid-19. Entre isolamento e quarentena, pesquisa e pesquisador foram profundamente afetados e atravessados pelo medo, pela revolta e pelo horror das milhares de vidas perdidas que poderiam ter sido poupadas se no país não estivesse em curso uma política omissa e negacionista orientada para oprimir a população pobre e trabalhadora. A pandemia representou um duro golpe em subjetividades que já vinham vivendo sob ataques sistematizados contra direitos conquistados, instituições democráticas e contra própria democracia. Enquanto pesquisador, que também viveu tudo isso, sinto-me vitimado por esse projeto de destruição das esperanças que o Brasil tem testemunhado. Por inúmeras vezes, as reflexões desta pesquisa conviveram com dúvidas e inquietações relacionadas à vida, ao futuro, ao país. Atacar as subjetividades é algo intrínseco aos discursos de ódio. Essa é maneira do ódio, constituído em tempos modernos como projeto político, minar os sonhos, solapar o futuro e deixar a terra arrasada. Essa pesquisa é um gesto de utopia, que reconhece a catástrofe do presente, mas acredita na sua superação. 1.5 UMA OBRA DIALÓGICA Esta é uma pesquisa qualitativa cujo objetivo estruturante é interpretar as relações entre um fenômeno social recente e algumas obras artísticas simbólicas por intermédio de um viés discursivo. Por esse motivo, um dos eixos da pesquisa é a teoria da Análise de Discurso, baseado nas proposições da pesquisadora Eni Orlandi, caracterizada como um desdobramento das teorias de Michel Pêcheux, da Análise de Discurso de linha francesa. Alguns conceitos e noções decorrentes da Análise de Discurso orientam a organização da 28 reflexão ao longo de três capítulos, em torno das dramaturgias, discursos e eventos e de episódios e discursos decorrentes de processos sociais iniciados com as Jornadas de Junho de 2013. No primeiro capítulo, é trazido o conceito de condições de produção, que na teoria do discurso, basicamente, descreve como a produção de sentidos é influenciada pelas circunstâncias amplas e imediatas da situação de um discurso. Essa noção, que auxilia a definição de discurso e dos parâmetros da análise discursiva, é mobilizada para introduzir uma reflexão acerca de como os processos sociais desencadeados a partir das Jornadas de Junho de 2013 formaram o terreno de intensificação e disseminação dos discursos, sobretudo, de ódio. Para isso, são recapitulados discursos e episódios de confronto cujos sentidos já apontavam as vozes de um período de extremismo que ainda iria se estabelecer. Nesta parte, a reflexão em torno das dramaturgias começa por algumas obras do dramaturgo Alexandre Dal Farra, que, do ponto de vista do discurso, estabelecem relação com o contexto histórico de então por trazerem a violência como um caracterizador de um certo tipo de sociabilidade inspirado no estado de ânimos e afetos observado no país num período marcado por rolezinhos, antipetismo e bolsonarismo. No segundo capítulo, um outro conceito trazido é o de formação discursiva, que está relacionado às filiações discursivas e ideológicas que um discurso ou uma palavra podem possuir. Mais uma vez, são evocados episódios e relatos de situações que continuam o panorama da trajetória dos discursos de ódio. Nesse capítulo, a partir da noção de dupla enunciação teatral desenvolvida por Anne Ubersfeld, as dramaturgias são tomadas como discursos em sua totalidade. Duas obras são analisadas: (In)Justiça, de Evill Rebouças, e Quando quebra queima, da ColetivA Ocupação. Uma vez entendidas como parte de um processo discursivo mais amplo, elas são apresentadas como discursos de resistência, que reagem e respondem em oposição ao ódio. No caso de (In)Justiça, trata-se de um discurso contra o racismo e o apagamento; no caso de Quando quebra queima, tem-se um discurso que se opõe ao movimento do Escola Sem Partido. Busca-se, neste capítulo, antes de adentrar a análise em busca de vozes que soam de modo semelhante ao ódio, mostrar que as dramaturgias podem também evidenciar a existência do ódio por meio de uma oposição a ele. O terceiro capítulo imprime continuidade ao conteúdo da teoria do discurso na pesquisa apresentando a proposta de tipologia discursiva desenvolvida por Orlandi. A autora, tomando como referência os processos polissêmicos e parafrásticos dos discursos e os 29 distintos níveis de reversibilidade entre locutor e interlocutor, principalmente aqueles praticados no sistema escolar, tipifica os discursos em autoritário, lúdico e polêmico. Essa divisão auxilia o entendimento e a interpretação dos mais variados discursos e seus modos de produção de sentidos. Na esteira dessa tipologia, para auxiliar a abordagem acerca dos discursos de ódio, é apresentada também a classificação desenvolvida pelo professor e pesquisador Luis Felipe Miguel que divide tais discursos em três vertentes principais: libertarianismo, anticomunismo e fundamentalismo religioso. Essa classificação inspira, na pesquisa, uma divisão do ódio em “vozes”: a voz do ódio neoliberal-econômico, a voz do ódio fundamentalista e a voz do ódio anticomunista. A partir de tal classificação, segmenta-se a análise das dramaturgias, organizando-as de acordo com as vertentes e as incidências dessas vozes nas obras. A elaboração de tal divisão serve para completar o panorama dos processos recentes de acirramento do ódio na sociedade que se descreve na pesquisa. Além disso, possibilita ponderar acerca dos múltiplos e frequentes discursos de ódio produzidos no Brasil que, embora se alternem e se apoiem entre si, possuem marcas próprias. A despeito de dizeres, elementos e campos distintos, todos esses discursos convergem para a mesma estratégia: construir inimigos, mobilizar o medo para despertar o ódio. Neste capítulo final, são trazidas dramaturgias nas quais é possível identificar e destacar discursos que refletem e refratam as vozes, as marcas, os elementos e as estratégias do ódio. O modo de organização dos capítulos cumpre o objetivo da pesquisa de traçar uma trajetória do ódio em suas diferentes manifestações no cotidiano brasileiro recente; e faz isso a partir dos diferentes modos de retratos da sociedade compostos por dramaturgias criadas ao longo desse período. O ódio que se busca cercar nessa investigação é entendido como um ódio antigo, pulsante e irrepreendido, que sempre existiu, contido e difuso na sociedade brasileira, até ganhar volume e se colocar sem timidez no embate por disputas de sentido e compreensão da realidade. A análise que se constrói sobre esse ódio – na sociedade e no retrato dela feito pelas dramaturgias – passa por muitos discursos, como como os de gênero, religioso e de classe – mas, observa-se, desenha um recorte específico em torno da violência policial periférica, presente no discurso de parte do conjunto de dramaturgias formados para análise, mas também trazido à tona na interpretação das obras e na seleção de determinados episódios históricos. Embora a pesquisa se estruture baseada em certa teoria da análise discursiva, o trabalho não consiste em realizar análises de discursos propriamente ditas. A teoria discursiva 30 não é ponto de chegada, mas de partida sobre o qual a pesquisa se ampliou. O cotejo feito aqui entre variadas obras, conceitos e ódios, inspira um espaço cujo intuito é, muito mais, se somar ao fluxo discursivo atual que tenta compreender as disputas de sentido dos processos recentes, propondo uma reflexão que perpassa por uma produção artística de significativa relevância estética e social. Analisar o país, a política e o ódio por intermédio da arte, dramaturgia e teatro caracteriza-se, também, em uma forma de posicionamento. Cria-se também um espaço para que algumas considerações sejam trazidas e possam servir como chaves de leitura para o contexto histórico e para as obras dramatúrgicas, os que antecederam e os que virão, as obras passadas e as futuras. A teoria discursiva apresenta noções que descrevem o funcionamento da comunicação e da criação de sentidos humanos, aspectos essenciais da artesania da dramaturgia. A apresentação dos modos de articulação de tais noções nas dramaturgias podem inspirar novos debates e procedimentos de criação na construção de textos teatrais. Além de buscar construir uma reflexão relevante e oferecer modos de leitura que sejam úteis a artistas-criadores e pesquisadores, esta pesquisa faz uma contribuição no que concerne à documentação histórica de uma parte da produção dramatúrgica brasileira. 1.6 ESTRANHAMENTO: SUSPENDE A AÇÃO Discurso, etimologicamente, significa “correr em todas as direções”. Essa definição é adotada estilisticamente na construção da presente reflexão, que também corre em muitas direções. A principal proposição estrutural deste trabalho tem na ideia de desconstrução (das estruturas tradicionais que correspondem ao gênero acadêmico) um procedimento de estruturação. Sequência linear, continuidade e organização clássica são subvertidos numa proposta poética que busca imprimir ao gênero o acabamento de uma obra dramatúrgica. Além da conceituação da teoria do discurso para embasar a análise das dramaturgias, busca-se construir um panorama do contexto político e social – e de muito ódio – do Brasil no período recortado. Para isso, são trazidos episódios de discursos e sentidos representativos do percurso dos processos sociais e do avanço do ódio, que compõem um pano de fundo para aquilo que será destacado nas obras e que ajudam a ilustrar procedimentos discursivos apresentados nas partes da teoria discursiva. Nas partes desse panorama que tenta dar conta 31 de contar o ódio recente, o texto lança mão de relatos ficcionais, digressões e formas de organização que remetem à escrita cênica. Desse modo, o trabalho é constituído por diferentes “camadas”, de campos e assuntos diversos. Contudo, essas camadas não são organizadas como o preconizado nas normas regentes – nem como se organiza uma dramaturgia clássica numa relação de causalidade, encadeamento linear, dividida em atos bem definidos... Elas são articuladas segundo preceitos dramatúrgicos de não-linearidade, os expedientes demandados por aterramento histórico, fragmentação, repetição, intrusão. Essas camadas se alternam, se atravessam, passam de uma para outra sem que haja um discurso que faça uma transição lógica – sempre questionável e abstrata. Como se fossem vozes autônomas e interdependentes, elas se atravessam, se interrompem, se chocam, criam fissuras que evidenciam a colagem entre os assuntos e os gêneros, e com isso criam uma polifonia meta e para-linguística do próprio do texto. O texto, em seus múltiplos caminhos, afasta, aproxima, sobrepõe/justapõe/contrapõe, mistura tempos e espaços, o antes e o agora, o durante e o depois, o real e o ficcional, discurso e personagem, ódios e resistência. Como se fosse um palimpsesto, na superfície do trabalho acadêmico é possível visualizar as marcas desvanecidas de uma dramaturgia. No primeiro capítulo, essa proposição deixa suas marcas nos momentos em que determinadas contextualizações são invadidas/interrompidas por “vozes” que remetem a sentidos estabelecidos em pontos importantes do desenrolar dos processos políticos e sociais recentes. A fricção entre as camadas também se manifesta na parte que se dedica a reconstruir a “cena” de um emblemático episódio cotidiano ocorrido no Rio de Janeiro. Procurou-se indicar no texto sobre o acontecido as vozes de seus participantes, fazendo citações diretas àquilo que foi dito, mas buscando uma organização dramatúrgica. Ainda, ao final do capítulo, discursos de ódio são trazidos para pontuar a trajetória de uma figura ficcional que narra sua trajetória ao longo do espaço-tempo, numa metáfora do ódio. Essa (des)estrutura se repete nos capítulos seguintes. No segundo capítulo, entre partes de conceituação teórica, é trazido outro episódio representativo das manifestações de ódio no Brasil, desenvolvido numa proposição que metaforiza uma escrita cênica. Ele também conclui com um relato, dessa vez pessoal, que mistura realidade e ficção para dialogar com o relato anterior. No terceiro capítulo, onde são abordadas e descritas diferentes vozes do ódio, a polifonia das diferentes camadas é ainda maior. Para contextualizar os sentidos das diferentes vozes do ódio, falas, discursos e narrativas atravessam ainda mais o texto, como se 32 fosse impossível de serem contidas em seções bem definidas. Essa proposição estrutural não deixa de conflitar com as balizas necessárias para um trabalho acadêmico. Por conta disso, buscou-se reproduzir e atender as normas em harmonia com as proposições poéticas, lançando mão de alguns recursos para destacar os componentes diversos. A opção por uma estrutura de tal natureza, além de produzir sentidos poéticos que interessam ao pesquisador e ao resultado final do trabalho, é também uma maneira de compatibilizar os campos da composição criativa de um sujeito-histórico que, por intermédio de uma epistemologia práxica, é pesquisador e também artista. A disposição entre as camadas distintas não é arbitrária, e a aproximação entre uma e outra pode ser capaz de gerar sentidos pela simples fricção entre elas. Ao abrir mão do logos organizador do discurso acadêmico, esta dissertação constitui um discurso cujo posicionamento se coloca a favor da relatividade deste gênero. Desse modo, o resultado final, a partir de suas partes e proposição descritiva (narrativa com toques de discurso) caracteriza-se por uma estrutura performática, que buscar performar aquilo sobre o qual se detém. No seu conjunto, a presente reflexão é polifônica, (des)organizada em muitas vozes, tal e qual os tempos e personagens pelos quais – e com os quais – ela corre. 1.7 UM TÍTULO ANTECIPA A CENA Todo discurso é inesgotável. Eni Orlandi (2009) aponta essa característica ao descrever que a objetividade de uma análise de discurso não é uma exaustividade horizontal, ou seja, em extensão, nem em completude, mas vertical, por ser inesgotável. Pois, segundo a autora “[...] por definição, todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro. Não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes.” (p. 62). Isso significa que um discurso pode ser analisado sob múltiplas e inesgotáveis perspectivas ancoradas em diferentes bases teóricas e orientadas pelos objetivos de quem analisa. A realização de uma análise que colocasse em prática os conceitos apresentados ao longo da reflexão não estava entre os objetivos do pesquisador para o desenvolvimento deste trabalho. Intencionalmente, e em sentido oposto ao que postula Orlandi ao definir o que configura uma análise discursiva, a pesquisa parte da história para o texto, pois o interesse está em observar tanto os reflexos, como a refração de um no outro, do ódio à cena. De igual 33 modo, as dramaturgias não são analisadas em seus aspectos composicionais de maneira aprofundada. O que foi feito consiste na apresentação de alguns recortes e ponderações que permitem transitar na situação de cotejo entre as duas linhas que orientam a pesquisa. No que diz respeito à parte relacionada a discurso, a pesquisa se baseia em alguns conceitos decorrentes da teoria discursiva trazida por Orlandi e dos estudos do Círculo de Bakhtin. Dentre as duas, houve um aprofundamento maior na teoria desenvolvida por Orlandi, ligada às proposições apresentadas pela análise de discurso francesa (a partir da linha aqui adotada), enquanto um outro, menos denso, fundamentado nas proposições teóricas bakhtinianas, apontadas e trazidas por Valentin Volóchinov, denominada análise dialógica do discurso. Tratam-se de duas perspectivas discursivas distintas que possuem entre si pontos de aproximação e afastamento, convergentes e divergentes. A principal distinção entre ambas diz respeito ao modo como cada uma entende, dentre outros aspectos do funcionamento discursivo, a constituição do sujeito. Para a teoria francesa e pecheutiana, o sujeito é atravessado pela ideologia, a produção do seu discurso é determinada pelas condições externas, ele está submetido à ação da língua e da história. Nas proposições bakhtinianas, o sujeito é considerado, com suas contradições, parte de um movimento dialógico no qual pode deixar a marca de sua existência. Tendo em vista os operadores ideológicos de análise das duas teorias, sob determinado ponto de vista, a análise de discurso francesa pode ser tomada, por certas perspectivas, como “distópica”, ou pessimista, pois nela o sujeito não tem como escapar das determinações externas do mundo que o cerca; enquanto a análise dialógica de Bakhtin pode ser tomada como “utópica”, ou otimista, pois trata da possibilidade de mudança, de alteração da realidade. Contudo, na pesquisa, o aprofundamento maior na teoria da análise francesa não expressa, necessariamente, um endosso à uma visão distópica ou pessimista. Diante de tal diferenciação, é preciso levar em conta que cada linha discursiva foi formulada num momento histórico distinto. Uma se encontrava em processo de transformação de um sistema feudal para capitalista, a outra, desenvolveu suas proposições teóricas em um momento de invasão da França pelos nazistas. Sentimentos de otimismo ou pessimismo, distopia e utopia, são influenciados pelas nossas condições de existência, mas a predominância de um, não apaga a existência ou o conhecimento sobre o outro. O escritor uruguaio Eduardo Galeano, fundamentado em proposição apresentada por Fernando Birri, retoma o conceito de utopia, segundo o qual, tal concepção pode ser 34 tida/tomada como aquilo que está longe, difícil de alcançar, mas que, justamente por isso, nos faz caminhar em sua direção. A tentativa de apanhar, na atualidade (a reflexão se concluiu em 2022), a compreensão acerca de processos sociais passados, enquanto eles ainda estão em curso, em tempos de subjetividade destroçada do sentimento de humanidade cindida, também pode ser difícil. Entretanto, na distopia de dias de ódio latente, voltar o olhar para obras poéticas que buscam (re)inventar o(s) mundo(s) é um modo de conservar a utopia, apontar para o horizonte e convidar a caminhar, ainda que no escuro. A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. (BIRRI apud GALEANO, 1994, p. 130). 217 5 CONCLUSÃO 5.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS A jornalista Eliane Brum (2019) – cujos escritos analisando os eventos políticos e sociais dos últimos anos também foram uma provocação importante deste trabalho – afirma que é um grande desafio escrever sobre a história em movimento. No mesmo sentido, a presente pesquisa – que não se compara à extensão e profundidade da obra de Brum – se encerra com a conclusão de que, mesmo quase uma década depois do início do período de agitação e disputas aqui analisado, ainda é difícil descrever os fatos/acontecimentos sem deixar escapar importantes e prováveis considerações acerca das forças envolvidas na construção de um estado de sociedade que emana e medra ódio. Quanto mais perto do presente, mais incerto e instável são análises sobre os desdobramentos do que acontece. Porém, o distanciamento histórico permite delinear melhor as dinâmicas, os nomes, as forças e os afetos que atravessaram a construção do agora. Esta é uma primeira constatação acerca das dramaturgias do ódio. As obras cuja criação se situam próximas ao final do período de 2014 a 2018 dialogam mais diretamente com o contexto de ódio buscado aqui, trazendo episódios e discursos facilmente identificáveis. Isso indica que há um tempo de elaboração, o necessário distanciamento histórico, entre um disparador e a criação de uma obra em torno dele. É evidente que o ódio nunca deixou de existir por aí/aqui/ alhures. Para quem puder pensar que seu acirramento é o surgimento de um sentimento inexistente antes, precisa saber que nas periferias, na repressão contra a população trabalhadora, mulheres, negros, homossexuais, pobres, e indígenas ele sempre esteve presente. O “cidadão de bem”, que hoje se confunde com a figura do bolsonarista, talvez tenha estado mais contido, sim, quando não fora manietado pelas ideologias que se acomodaram em suas estruturas. A tarefa daqui para frente, diante do espanto de ver e ouvir uma parcela do país que se coloca em público legitimada, é entender que não se trata de algo que pode simplesmente voltar, fazer o caminho de volta para uma versão do Brasil de quando ela não existia. E que a construção de um futuro democrático não deve presumir o seu sumiço sem estratégias de resistência e luta. As dramaturgias, hoje, são campo onde os sujeitos do presente, que tentam entender seu tempo e busca os caminhos para a emancipação das subjetividades, podem ser elaborados e 218 terem sua relação com o mundo (re)imaginada, mesmo que, enquanto isso, o ódio ainda corra entre muitas vozes. É tarefa difícil responder às perguntas que são feitas sobre o agora, – sobre o presente de um momento que legitima o ódio do mesmo modo que outros tempos combatidos –, como será? o que será? e de nós? e do ódio? As dramaturgias são discursos que tentam responder essas perguntas. Por isso, documentá-las é fundamental, pois são o registro histórico de um período da produção dramatúrgica e de um modo de construção poética, discursiva e simbólica. É registro, também, do conjunto de vozes de artistas que não se aquietaram diante do mundo e de novos processos que apontam potências criadoras surgindo. Diante disso, espera-se que esta pesquisa possa somar contribuição a investigações futuras que aprofundem a questão do discurso ou que investiguem a posição do autor em dramaturgias contemporâneas. Dado que esta pesquisa é um olhar, a partir de um recorte delimitado, que não pretendia esgotar este assunto, tem-se ciência de que lacunas ainda existem nela. Como afirma Eni Orlandi “Uma vez analisado, o objeto permanece para novas e novas abordagens. Ele não se esgota em uma descrição.” (2009, p. 64). A perspectiva apresentada se apoia em teorias de raiz materialista histórica. Acredita-se que desdobramentos da pesquisa possam cobrir hiatos e que futuros diálogos possam dar continuidade do fluxo discursivo que se constrói em relação com o outro/outra/semelhante. 5.2 EPÍLOGO As dramaturgias são unidades que fazem parte de um fluxo discursivo mais amplo, assim como qualquer outro discurso. Nas suas produções de sentidos, elas podem se valer de outros elementos que compõem a cena no teatro, os quais a dramaturgia pode indicar desde a escrita do texto. O emprego de tais elementos não evidenciam apenas sentidos estéticos, mas também discursivos. Determinadas ações indicam atitudes de resistência contra uma força a ser combatida, desse modo, citando ódio; elementos de ambientação e contexto podem indicar as condições sociais de personagens e, consequentemente, revelar características que as tornem alvos de ódio; diálogos podem remeter a sentidos e construções discursivas que citem episódios ou tipos de retórica que produziram/produzem ódio; os afetos que caracterizam as relações entre personagens também servem como indicativo do tipo de 219 sociabilidade abordada, e esta pode ser profundamente marcada por ódio e violência. Uma indicação de luz, de traço de personagem, efeito sonoro, gestual, entonação etc., do ponto de vista do discurso, também funcionam como dizeres que se conectam a outros, que se constituem por influência da história e da ideologia e, portanto, produzem sentido. O recorte feito sobre o período de intensas disputas de sentidos e discursos, que abrange de 2014 a 2018, caracteriza-se na cena da ação principal do sentimento antipetista que durante anos se manteve pairando sobre oportunidades de ser empregado. Durante a gestão petista, esse sentimento acumulou os reacionários de classe com ímpetos golpistas e conservadores que o gestaram muito antes da fundação do partido. O golpe contra Dilma e a eleição de Bolsonaro são nada mais do que a funcionalização desse sentimento, sua concretização, liderada pelo autoritarismo, respaldada por militares e apoiada por fundamentalistas. Dentre as obras, há aquelas que dialogam com o seu contexto focadas em reconstruir na cena determinado estado de sociabilidade, afeto e convivências entre os indivíduos, como a Trilogia Abnegação; e há outras, que reproduzem discursos, mas que criam o seu próprio, urdido num enredo ficcional. No caso das primeiras, predomina o uso da forma dramática, com uma narrativa central, estrutura linear, com relações dialógicas entre as personagens. A relação das dramaturgias com os discursos de ódio pode acontecer para além da citação ou reprodução, mas também como uma reação ou resposta ao ódio167. Nessa perspectiva, há algumas dramaturgias que são como contradiscursos, cujo sentido elementar é a resistência. Há nelas o elemento recorrente do coro e da noção de coletividade que se contrapõem ao caráter totalizante e individualizante das ideologias do ódio, como é o caso de (In)Justiça e Quando quebra queima. Elas partem de um contexto de ódio, militarização e opressão, para construir situações e sujeitos que apontam uma superação por meio do enfrentamento e da ativação do pensamento crítico. As dramaturgias que contém em si discursos, falas, dizeres, ações e personagens que reproduzem ódio retirados de acontecimentos históricos recentes, o fazem modificando o seu 167 Segundo a tipologia proposta por Orlandi, as dramaturgias que refratam e se colocam como contradiscursos ao ódio são discursos polêmicos. Elas disputam, deslocam e atacam os sentidos estabelecidos. Essa também é uma definição aplicada por Bakhtin, que contribui também com a noção de dialogismo que serve para definir a relação que as dramaturgias do ódio estabelecem com seus contextos e fluxo discursivo. As noções bakhtinianas não foram abordadas com o mesmo aprofundamento despendido à teoria da Análise de Discurso Francesa, podendo ser retomadas em futuros desdobramentos do estudo. 220 sentido, no sentido da crítica e não do endosso. Para isso, são criadas circunstâncias e situações, além de outros elementos que constroem sentido, que “torcem” esses discursos. Trata-se de um processo que reflete, mas também refrata o real. A internet e os espaços de discussão das redes sociais cumpriram – e continuam cumprindo – papel determinante no debate público e, sobretudo, na propagação e manutenção do ódio. Hoje, as estratégias de incitação ao medo e à violência contra oponentes é funcionalizada por ferramentas digitais. Isso é algo que aparece em algumas dramaturgias e também subscreve modos de relação com seus contextos históricos. São os casos de Gólgota foi apenas um princípio e O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer, as quais desenvolvem diálogos entre personagens com um acabamento que remete à discussão de fóruns virtuais. Também há aquelas que abordam o avanço do ódio e da extrema-direita do presente numa perspectiva pessimista, que imagina futuros onde essas forças se intensificaram e efetivaram projetos autoritários de poder e repressão. Como O corpo que o rio levou, Distopia Brasil e RES PVBLICA 2023. Nas dramaturgias, tal qual nos discursos de ódio do “cidadão de bem”, se atravessam sentidos que, por mais que se tente segmenta-los e organizá-los, são facetas de um mesmo sentimento e estão na base de discursos militares, fundamentalistas, liberais, conservadores, reacionários, e outros. A separação em vertentes auxilia na elaboração de uma reflexão mais detida que amplia o olhar sobre as dramaturgias no momento da análise. O ódio, contudo não é um sentimento uniforme e suas formas de manifestação na sociedade brasileira não são niveladas. As diferentes maneiras como o ódio aparece ao longo da produção dramatúrgica paulista, pontuada pelas obras selecionadas aqui, seja sendo citado ou usado para a construção de um contradiscurso, revela também diferentes nuances desse sentimento no tecido social brasileiro antes de se consolidar como um tipo de expressão escancarada, explícita, estridente. Em 2014, as manifestações do ódio eram elaboradas e lidas como discordância política, indignação social, ocupavam mais o espaço virtual e menos o espaço público. É o caso dos comentários xenofóbicos contra nordestinos na ocasião da vitória de Dilma, nas discussões de rua em torno da Copa do Mundo, dos rolezinhos ou dos protestos, que caracterizavam um ódio que então era restrito e “tímido”. No contexto por volta de 2016, esse ódio já circulava com mais desenvoltura no espaço público, pois as ruas estavam cheias de pessoas motivadas por antipetismo, que em sua raíz continha ressentimento de classe, 221 preconceito, misoginia e desejo de justiça com as próprias mãos; manifestações inegavelmente odiosas. O percurso de radicalização fica ainda mais visível quando se observa que a exaltação à tortura relevada em 2016 tornou-se uma manifestação comum de uma ala política e ideológica em 2018, contando com diversas figuras, verdadeiros agentes, personificando esse ódio em espaços de poder e disputa discursiva. 5.3 FAZER SENTIDO NO FINAL De 2014 para cá, o ódio se fortaleceu. Os discursos das manifestações xenófobas que proliferaram nas redes sociais contra o Nordeste e seus habitantes em reação à reeleição de Dilma saíram do ambiente virtual e ganharam as ruas, ocupando a avenida Paulista para ameaçar os inimigos “vermelhos” de morte em 2018. Os inimigos se multiplicaram, o desejo de eliminar o outro cresceu, o ódio chegou ao poder. Mais difícil do que responder o “que será?” ou “como será?”, talvez seja responder “o que fazer?”. Uma resposta possível talvez esteja em não ignorar o ódio e seus discursos para não repetir o esquecimento que recaiu sobre o histórico de violência e opressão sobre o qual o Brasil foi fundado. É preciso assumir que eles existem para elaborá-los, fechar as cicatrizes e conviver com as marcas. As dramaturgias mostram que uma maneira de lidar é mobilizar os discursos de ódio e não permitir que eles passem incólumes. Algumas obras se assemelham por trazerem desfechos de enfrentamento. Nelas o ódio não é só exposto e criticado, mas ele também é combatido. Como o caso de Distopia Brasil, em que as personagens oprimidas, vítimas do ódio fundamentalista, não apenas resistem, mas reagem contra o ódio munidas de raiva e outros sentimentos. Uma delas, nos momentos finais diz: Eu não tenho mais medo, todo o medo que eu tinha, tudo o que me importava, foi arrancado de dentro de mim. Só sobrou o ódio, só sobrou o desejo de vingança. E eu não vou mais dormir enquanto eles estiverem aqui, e esse tempo vai acabar, e a gente vai lembrar deles com vergonha, para nunca mais deixar isso acontecer! O ódio não é só exposto, mas combatido. Ele é apropriado como uma forma de mudança usada para alterar os rumos que ele tentou traçar. Essa é uma ação similar ao que defende Butler em Discurso de Ódio (2021). No livro, a autora argumenta que é possível uma 222 inversão, apropriação e recontextualização do discurso injurioso. Uma proposta de combate às injúrias por meio da linguagem, ela afirma, deve repetir as injúrias – ou ódio – sem colocá- las em ação no mesmo contexto, situação e sentido. É isso que as dramaturgias fazem e podem inspirar a fazer. A arte, em geral, é uma ferramenta que pode agir sobre a realidade. 5.4 CENA FINAL: O ÓDIO APARECE Um grupo da Juventude Trabalhista Cristão Conservadora (JTCC) organiza um ato “simbólico” em contraponto ao que chamam de “manifestações de esquerda”168. Eles estão reunidos na região de Santo Amaro, em São Paulo, para limpar as botas da estátua do Borba Gato, suja com marcas de queimado. Enquanto a ação acontece, os participantes produzem discursos que têm como alvo principal a esquerda, a quem ele acusam de antidemocrática, com objetivos de destruir as raízes e história do país. Enquanto algumas pessoas lavam as botas da estátua, uma delas empunha uma bandeira do Brasil. Ao final, o grupo se enfileira em frente à estátua e canta o hino nacional brasileiro. A ação e os discursos do grupo são uma resposta a um ato ocorrido uma semana antes. Na tarde do dia 24 de Julho de 2021169, um caminhão parou na praça Praça Augusto Tortorelo, o mesmo local da estátua mencionada, acompanhado por um grupo de cerca de 20 pessoas. O grupo, na maioria homens, retirou centenas de pneus do caminhão que foram sendo empilhados aos pés da estátua, onde outros homens subiram para organizar a colocação, e também nas vias ao lado, fechando o trânsito. Em seguida, o grupo ateou fogo nos pneus. Uma faixa com os dizeres “REVOLUÇÃO PERIFÉRICA A FAVELA VAI DESCER E NÃO VAI SER CARNAVAL” foi estendida pelos manifestantes na frente da estátua em chamas. Em pouco tempo o fogo aumentou e uma fumaça preta envolveu toda a estátua. 168 Descrição do ocorrido feita a partir de vídeo da internet “Até quando nós, conservadores e de direita, teremos que limpar a sujeira deixada pela esquerda?”. Disponível em . 169 Descrição do ocorrido feita a partir de vídeo da internet “O incêndio da estatua do Borba Gato foi planejado e financiado com antecedência e não um ato aleatório de revolta”. Disponível em: . https://twitter.com/0C0RV0/status/1419329054306623492?s=20&t=b3Dewuu2CuLz8TCr-zJeTQ 223 O grupo deixou o local antes que a polícia e o corpo de bombeiros chegassem. Um dos homens que participou do ato foi Paulo Galo170, líder dos Entregadores Antifascistas e integrante do movimento Revolução Periférica, que alguns dias depois do ocorrido se apresentou voluntariamente à polícia. Ele confirmou ter participado da ação e argumentou que se tratou de uma iniciativa para abrir o debate acerca da homenagem a uma figura que participou ativamente da morte e da escravização de indígenas. Paulo foi preso e permaneceu 14 dias na cadeia. Após ser solto da prisão, Paulo Galo deu diversas declarações sobre o ocorrido e as motivações envolvidas. Em várias delas ele fala sobre o ódio. O ódio existe, ele está entre nós – até mesmo dentro de nós – e não vai deixar de existir. O que fazer, então, com ele? As dramaturgias mostram que, primeiro, é importante não ignorá-lo. O ódio tem que ser colocado em cena. Em seguida, resistir, opor-se a ele, produzir um contradiscurso que reclame aquilo que ele tenta destruir. Mas não só. O ódio pode que ser mobilizado, organizado. É possível repeti-lo, mas de um modo diferente, que ative as estruturas, que desanuvie o olhar crítico, que faça imaginar outros futuros possíveis. 170 Paulo Roberto da Silva Lima, também conhecido como “Galo de Luta”, ou Paulo Galo, homem negro e periférico, é trabalhador de aplicativos de entrega e integrante do movimento Revolução Periférica que ficou conhecido por organizar o movimento dos Entregadores Antifascistas e por discursos a favor da ação direta pela luta de classes. 224 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W. (1965-1966) Educação após Auschwitz. In: Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1995, p. 119-154. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 16ª ed. São Paulo: Hucitec, 2014. BRUM, Eliane. Brasil Construtor de Ruínas. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019. E-book. BULGARELLI, Lucas. Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010. In: O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. 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