UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FAAC – FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO A (IN)VISIBILIDADE DAS MULHERES EM PROGRAMAS ESPORTIVOS DE TV: um estudo de casos no Brasil e em Portugal Noemi Corrêa Bueno Orientador: José Carlos Marques Bauru, SP 2018 UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FAAC – FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Campus de Bauru Discente: Noemi Corrêa Bueno A (IN)VISIBILIDADE DAS MULHERES EM PROGRAMAS ESPORTIVOS DE TV: um estudo de casos no Brasil e em Portugal Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação em Comunicação, Área de concentração em Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP, Campus Bauru como exigência parcial à obtenção do Título de Doutor em Comunicação, sob a orientação do Prof. Dr. José Carlos Marques. Bauru, SP 2018 Bueno, Noemi Corrêa. A invisibilidade das mulheres em programas esportivos de TV : estudo de casos no Brasil e em Portugal / Noemi Correa Bueno, 2018 408 f. : il. Orientador: José Carlos Marques Tese (Doutorado)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2018 1. Jornalismo de esportes. 2. Mulher. 3. Gênero. 4. Brasil. 5. Portugal. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. N o e m i C o r r e a B u e n o A (IN)VISIBILIDADE DAS MULHERES EM PROGRAMAS ESPORTIVOS DE TV: um estudo de casos no Brasil e em Portugal Banca Examinadora: Presidente: Professor Doutor José Carlos Marques Instituição: FAAC, UNESP – Bauru Titular: Professora Doutora Eliza Bachega Casadei Instituição: Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Titular: Professora Doutora Maria Salomé Fernandes Martins Marivoet Instituição: Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) Titular: Professor Doutor Cláudio Bertolli Filho Instituição: FAAC, UNESP – Bauru Titular: Professor Doutor Maximiliano Martin Vicente Instituição: FAAC, UNESP – Bauru Bauru, SP 2018 Dedico às todas as mulheres visíveis ou invisíveis, silenciadas ou não, que querem que suas vozes recoem longe AGRADECIMENTOS Ao meu pai (Tadeu) e à minha mãe (Fátima), que sempre me apoiaram e me incentivaram a buscar continuamente o conhecimento, mas, sobretudo, que sempre acreditaram em mim. Amo vocês. Á minha Raquel e ao meu irmão Davi, grandes amigxs, que têm estado comigo nos meus momentos mais importantes. A vida não teria a mesma graça sem vocês. Às amigas e aos amigos que estão presentes em minha vida e me oferecem sempre acolhidas, colo, abraços, risos e suporte, fazendo dessa trajetória mais leve e da vida mais bonita. Todxs vocês são muito especiais. E à Manu e à Bianca que compartilharam comigo um teto português, fazendo dele um lar. Ao professor José Carlos Marques, orientador desta tese, não somente pela contribuição de seu tempo e conhecimento, mas também pelo apoio e, principalmente, por acreditar em meu trabalho. Às jornalistas Michelle Gianella, Claudia Reis, Luciana Vitorino, Mylena Ciribelli, Juliana Rios, Anita Paschkes, Rosa Pinto, Inês Gonçalves e Claudia Lopes pela prontidão em participarem das entrevistas e por contribuírem significativamente com a construção deste trabalho. As vozes de vocês são importantes. Às professoras Eliza Casadei e Salomé Marivoet e aos professores Max Vicente e Cláudio Bertolli, membros da banca deste trabalho, que aceitaram meu convite e se dispuseram a compartilhar seus conhecimentos comigo. Á professora Larissa Pelúcio pela ajuda e contribuição dadas em minha qualificação que foram fundamentais para abrir novos e melhores caminhos para esta pesquisa. Às professoras Adriana Martins, Rita Figueiras e Ana Jorge, da Universidade Católica Portuguesa (UCP) pela acolhida e orientações, principalmente à professora Ana Jorge por acompanhar diretamente minha pesquisa em Portugal. Ao professor Murilo Soares que me tem apoiado desde o mestrado. À professora Maria Antonia que desde minha graduação tem me ajudado em meu “processo de vir a ser”, me incentivando a buscar não somente o conhecimento, mas também uma “utopia” que impulsione meus sonhos. Às e aos colegas de curso, principalmente Elaine, e às e aos “gecefeirxs”, principalmente Marta Garcia e Neide Carlos (“as mulheres do gênero”), que dividiram comigo as alegrias, conhecimentos, ansiedades e dúvidas durante esse período. Aprendi muito com nossas conversas, trocando não apenas conhecimentos teóricos, mas também valores e experiências de vida. Á Célia Gouveia, ao Fernando Borges e à Luisa Anacleto (colegas da Lusófona) cuja parceira resultou em ótimos projetos e que me ajudaram com contatos para entrevistas. À Cris (do DCHU), ao Hélder e ao Silvio (da SPG), e à Clementina Santos (da UCP) por sempre se colocarem dispostos a me ajudar com os trâmites de todo processo burocrático dessa trajetória e pelo bom humor e dedicação com que sempre me atenderam. Aos grupos feministas que acompanho, cujas mensagens me transformaram não apenas em uma pesquisadora de gênero, mas em uma mulher mais consciente de mim e de meu entorno. Às pessoas que passaram e passam em minha vida que de alguma forma me tocaram e me mostraram que é possível continuar. Á agência Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e ao programa Erasmus Mundus Programme for South America - SUD-UE, por financiarem esta pesquisa realizada no Brasil e em Portugal. Por fim, a Deus que tem estado comigo em todos os momentos da minha vida. Como diz a música: “o bom de viver é estar vivo, ter irmãos, ter amigos”. Eu ainda acrescento: é bom depois desses 4 anos ter tantas pessoas a agradecer. Muito obrigada! RESUMO O objetivo desta tese consistiu em analisar a visibilidade e a participação das profissionais de comunicação (narradoras, apresentadoras e comentaristas) em programas esportivos da televisão aberta brasileira e portuguesa, transmitidos, respectivamente, em novembro de 2017 e abril/maio de 2017, a fim de verificar se existiam diferenças na quantidade de profissionais femininos e masculinos no jornalismo esportivo, bem como nas funções exercidas por homens e mulheres nesse campo, além de analisar ainda as construções discursivas organizadas por esses sujeitos e a respeito desses. Para tal, a pesquisa foi dividida nas seguintes etapas: contextualização histórica, traçando, a partir de consultas bibliográficas, o histórico de participação das mulheres no jornalismo esportivo; análise quantitativa a respeito do número de profissionais homens e mulheres nas funções de apresentação, narração e comentários no jornalismo esportivo; e, pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com orientação descritiva, mediante análise dos programas nos quais ocorre participação feminina (examinando a participação das(os) profissionais, a partir de posturas, falas, comportamentos e relações com demais colegas) e entrevistas semiestruturadas com questões em aberto. A partir disso, foi verificado que nesse campo ainda há predominância de profissionais do sexo masculino (sendo que, das(os) profissionais elencados neste trabalho, as mulheres representam apenas 11,4% no Brasil e 6,3% em Portugal), e que à minoria feminina ainda cabe atividades referentes à apresentação, cabendo aos homens os comentários e narrações. Além disso, por meio das entrevistas também foi constatado que ainda há dificuldades a serem superadas como: assédio, baixa oportunidade de participação efetiva e cobranças estéticas, capacidades e conhecimentos subestimados, tratamento com grosseria durante entrevistas, violência nas redes sociais, interrupções e dificuldades em conciliar vida profissional com vida pessoal, principalmente com a maternidade. O cenário apontado nas pesquisas atestou como o mundo do jornalismo esportivo ainda é permeado por uma mentalidade de valorização das masculinidades, confirmando a hipótese inicial desta tese de que o ethos do discurso esportivo ainda se mantém sob o domínio masculino e que ainda existe uma cultura androcêntrica presente em programas de esportes na televisão aberta brasileira e portuguesa, apresentando possibilidades diferentes de atuações para jornalistas homens e mulheres, veiculando e contribuindo para a manutenção de representações sobre o que é ser feminino e masculino a partir de referências androcêntricas, binárias e heteronormativas. Portanto, a reformulação da maneira de estilização dos sujeitos, não mais baseado em um rígido marco regulador, deveria tratar-se de um novo desafio a ser superado pelos programas esportivos das diferentes emissoras de TV aberta no Brasil e em Portugal. Palavras-chave Jornalismo de esportes, mulher, gênero, Brasil, Portugal ABSTRACT This thesis argued that although there is an evolution in feminist achievements, there are still segments that reproduce the androcentric structure, in this case, sports journalism. The objective was to analyze the visibility and participation of communication professionals (narrators, presenters and commentators) in Brazilian and Portuguese sports programs on TV, transmitted in November 2017 and in April / May 2017. In order to verify if there were differences in the number of female and male professionals in sports journalism and analyze the discursive constructions organized by these subjects. For this, the research was divided in 4 stages: historical contextualization; quantitative analysis regarding the number of male and female professionals in the functions of presentation, narration and commentary in sports journalism; and qualitative through analysis of postures, speeches, behaviors and relations of women journalists. From this, it was verified that in this field there is still a predominance of male professionals (women represent only 11.4% in Brazil and 6.3% in Portugal), and that the female minority still are presenter, and the men are commentator and narrator. In addition, interviews revealed that there are still difficulties to overcome such as: harassment, low opportunity for effective participation and aesthetic charges, underestimated skills and knowledge, rude treatment during interviews, violence in social networks, interruptions and difficulties in to reconcile professional life with personal life, especially with motherhood. This survey testified how the sports journalism is still permeated by a mentality of valorization of masculinities, confirming the initial hypothesis of this thesis: the ethos of sports discourse still remains under the male domain and that there is still an androcentric culture present in sports programs in Brazilian and Portuguese television, presenting different possibilities of performances for male and female journalists, conveying and contributing to the maintenance of representations about what it is to be female and male from androcentric, binary and heteronormative references. Therefore, the reformulation of the stylization of subjects should be a new challenge to be overcome by the sports programs of Brazilian and Portuguese TV. Key words Sports journalism, woman, gender, Brazil, Portugal SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................... 2.1 Gênero e ideologia ........................................................................... 2.2 Meios de comunicação e representações sociais ............................. 2.3 Reivindicações feministas a respeito de representações mediáticas 2.4 Participação feminina no esporte ...................................................... 2.5 Relações de poder e construção de identidade de gênero no esporte ................................................................................................... 2.6 As atletas nos meios de comunicação .............................................. 3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ..................................................... 3.1 A mulher no jornalismo esportivo brasileiro: trajetória e preconceitos 3.1.1 Mulher e estrutura androcêntrica do jornalismo esportivo brasileiro ............................................................................................ 3.2 A mulher no jornalismo esportivo português ..................................... 4. METODOLOGIA ..................................................................................... 4.1 Pesquisa bibliográfica ...................................................................... 4.2 Levantamento histórico das mulheres no jornalismo esportivo (no Brasil e em Portugal) .............................................................................. 4.3 Análise do conteúdo ......................................................................... 4.4 Análise dos programas esportivos .................................................... 4.5 Entrevistas ....................................................................................... 4.5.1 Comitê de ética ....................................................................... 5. ANÁLISE DOS PROGRAMAS BRASILEIROS ...................................... 5.1 Programas de esportes televisivos brasileiros .................................. 5.2 Funções e construções das profissionais mulheres .......................... 5.2.1 Funções das profissionais em 2015 ........................................ 5.2.2 Um caso recente de narradora no Brasil .................................. 22 30 30 40 50 55 62 68 78 78 84 88 94 97 98 99 102 105 109 111 111 124 130 136 5.3 Participação feminina nos programas de esportes televisivos .......... 5.3.1 Esporte Espetacular ................................................................ 5.3.2 Jogo Aberto ............................................................................. 5.3.3 Gazeta Esportiva ..................................................................... 5.3.4 Mesa Redonda ........................................................................ 5.3.5 Terceiro Tempo ....................................................................... 5.4 Entrevistas ........................................................................................ 5.4.1 Inserção e trajetória no ambiente esportivo ............................. 5.4.2 Cobranças estéticas ................................................................ 5.4.3 Assédio ................................................................................... 5.4.4 Percepção de feminilidades e/ou masculinidades no ambiente .......................................................................................... 5.4.5 Mulheres nas funções de comentaristas e narradoras ............ 5.4.6 Outras dificuldades enfrentadas .............................................. 6. ANÁLISE DOS PROGRAMAS PORTUGUESES ................................... 6.1 A participação quantitativa de profissionais homens e mulheres em programas de esportes televisivos portugueses ..................................... 6.2 Funções e construções das profissionais mulheres .......................... 6.2.1 Liga dos Campeões ................................................................ 6.2.2 Mais Futebol ............................................................................ 6.2.3 Mais Bastidores ....................................................................... 6.3 Entrevistas ........................................................................................ 6.3.1 Inserção e trajetória no ambiente esportivo ............................. 6.3.2 Pressões estéticas .................................................................. 6.3.3 Percepção do ambiente .......................................................... 6.3.4 “Vantagens” de uma mulher atuar nessa área (manifestações de preconceito velado) .......................................... 6.3.5 Funções de comentaristas e narradoras ................................. 6.3.6 Outras dificuldades por ser mulher .......................................... 6.3.7 Mudanças no cenário .............................................................. 7 RESULTADOS – Brasil e Portugal ......................................................... 142 144 160 186 197 214 230 231 236 240 245 249 255 261 272 282 283 294 304 314 316 318 322 328 329 333 335 339 7.1 Resultados sobre a realidade brasileira ............................................ 7.2 Resultados sobre a realidade em Portugal ....................................... 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... REFERÊNCIAS .......................................................................................... APÊNDICE ................................................................................................. Apêndice 1: TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............. Apêndice 2: Entrevistada A ......................................................................... Apêndice 3: Entrevistada B ......................................................................... Apêndice 4: Entrevistada C ......................................................................... Apêndice 5: Entrevistada D ......................................................................... Apêndice 6: Entrevistada E ......................................................................... Apêndice 7: Entrevistada F ......................................................................... Apêndice 8: Entrevistada G ......................................................................... Apêndice 9: Entrevistada H ......................................................................... Apêndice 10: Entrevistada I ........................................................................ 339 345 350 356 368 369 370 373 378 382 385 389 392 396 400 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Grade de programação de esportes da TV Aparecida (26 programas) ........................................................................................ Tabela 2: Grade de programação de esportes da RIT TV (22 programas) ........................................................................................ Tabela 3: Grade de programação de esportes da TV Cultura (cinco programas) ........................................................................................ Tabela 4: Grade de programação de esportes da TV Record (quatro programas) ........................................................................................ Tabela 5: Grade de programação de esportes da Bandeirantes (57 programas) ........................................................................................ Tabela 6: Grade de programação de esportes da Rede TV (20 programas) ........................................................................................ Tabela 7: Grade de programação de esportes da TV Gazeta (26 programas) ........................................................................................ Tabela 8: Grade de programação de esportes da TV Globo (45 programas) ........................................................................................ Tabela 9: Edições com presença feminina nas funções: apresentadora, comentarista e/ou narradora ..................................... Tabela 10: Edições de programas de esportes com participação feminina nas funções de apresentadora, comentarista e/ou narradora ........................................................................................... 112 113 113 114 115 117 118 119 121 123 Tabela 11: Profissionais em programas televisivos de esporte no Brasil (apresentação, comentário e narração) ................................... Tabela 12: Comentaristas, narradoras(es) e apresentadoras(es) em programas de esporte televisivo brasileiros, conforme o gênero ........ Tabela 13: Participação de profissionais homens e mulheres em programas de esportes (2015), na função de narração, comentário e apresentação .................................................................................. Tabela 14: Funções dos profissionais presentes em programas esportivos brasileiros em 2015 ........................................................... Tabela 15: Tabela comparativa 2015 e 2017: Funções dos profissionais presentes em programas esportivos brasileiros ............ Tabela 16: Tabela comparativa 2015 e 2017: Funções dos profissionais (apresentação, comentário e narração) em programas esportivos brasileiros ......................................................................... Tabela 17: Notícias Portal Olimpíadas UOL a respeito de Glenda Kozlowski ........................................................................................... Tabela 18: Representações de Glenda Kozlowski: profissional x torcedora ........................................................................................... Tabela 19: Programas com participações femininas .......................... Tabela 20: Programas para análise da participação feminina ............ Tabela 21: Tempo de participação da(o) profissionais no programa Esporte Espetacular .......................................................................... 125 128 131 134 135 135 137 140 143 144 145 Tabela 22: Conteúdos e contextos dos discursos no programa Esporte Espetacular .......................................................................... Tabela 23: Agrupamento de conteúdo e contexto das falas no programa Esporte Espetacular .......................................................... Tabela 24: Vestimenta e aparência dos profissionais do programa Esporte Espetacular .......................................................................... Tabela 25: Tempo de participação da(o)s profissionais - Jogo Aberto (Bloco 1) ............................................................................................ Tabela 26: Funções de falas de Renata Fan e Denilson de Oliveira – Jogo Aberto (Bloco 2) ...................................................................... Tabela 27: Tempo de participação das(o) profissionais - Jogo Aberto (Bloco 2) ............................................................................................ Tabela 28: Funções de falas de Renata Fan e Denilson de Oliveira – Jogo Aberto (Bloco 2) ...................................................................... Tabela 29: Tempo de participação da(o)s profissionais - Jogo Aberto (Bloco 3) ............................................................................................ Tabela 30: Funções de falas da apresentadora e comentaristas – Jogo Aberto (Bloco 3) ......................................................................... Tabela 31: Vestimenta e aparência dos profissionais Jogo Aberto .... Tabela 32: Tempo de participação da(o)s profissionais – Gazeta Esportiva ............................................................................................ 147 149 151 161 161 163 163 164 166 169 186 Tabela 33: Funções de fala conforme os gêneros da(o)s profissionais – Gazeta Esportiva ........................................................ Tabela 34: Vestimenta e aparência da(os) profissionais - Gazeta Esportiva ............................................................................................ Tabela 35: Tempo de participação da(os) profissionais – Mesa Redonda ............................................................................................ Tabela 36: Funções de falas da(o) apresentadora(r) e comentaristas – Mesa Redonda ................................................................................ Tabela 37: Vestimenta e aparência dos profissionais do Mesa Redonda – TV Gazeta ........................................................................ Tabela 38: Tempo de participação dos profissionais – Terceiro Tempo ............................................................................................... Tabela 39: Funções de falas da(os) apresentadora(es) e comentaristas – Terceiro Tempo ........................................................ Tabela 40: Vestimenta e aparência dos profissionais Jogo Aberto .... Tabela 41: Profissionais entrevistadas ............................................... Tabela 42: Grade de programação de esportes da RTP1 (22 programas) ........................................................................................ Tabela 43: Grade de programação de esportes da RTP2 (três programas) ........................................................................................ Tabela 44: Grade de programação de esportes da RTP3 (37 programas) ........................................................................................ 188 194 198 203 211 215 216 219 230 262 262 264 Tabela 45: Grade de programação de esportes da SIC (nove programas) ........................................................................................ Tabela 46: Grade de programação de esportes SIC Notícias (36 edições) ............................................................................................. Tabela 47: Grade de programação de esportes da TVI (um programa) .......................................................................................... Tabela 48: Grade de programação de esportes TVI 24 (82 edições) Tabela 49: Edições com presença feminina nas funções: apresentação, comentário e/ou narração ........................................... Tabela 50: Edições com presença feminina nas funções: apresentação, comentário e narração (resumo) ................................ Tabela 51: Profissionais em programas televisivos de esporte portugueses (apresentador, comentarista e narrador) ....................... Tabela 52: Comentaristas, narradores e apresentadora(es) em programas de esporte televisivo portugueses .................................... Tabela 53: Programas da televisão aberta portuguesa com participações femininas ..................................................................... Tabela 54: Programas portugueses para análise da participação feminina ............................................................................................. Tabela 55: Vestimenta e aparência dos profissionais do Liga dos Campeões – RTP1/RTP3 .................................................................. 265 266 267 268 270 271 273 276 282 283 285 Tabela 56: Tempo de participação da(os) profissionais – Liga dos Campeões ......................................................................................... Tabela 57: Funções de falas da(o) apresentadora(es) e comentaristas – Liga dos Campeões ................................................. Tabela 58: Tempo de participação da(os) profissionais – Mais Futebol ............................................................................................... Tabela 59: Funções de falas da(o) apresentadora(es) e comentaristas – Mais Futebol ............................................................ Tabela 60: Vestimenta e aparência dos profissionais do Mais Futebol – TVI24 .................................................................................. Tabela 61: Tempo de participação da(os) profissionais no programa Mais Bastidores ................................................................................. Tabela 62: Conteúdos e contextos dos discursos no programa Mais Bastidores .......................................................................................... Tabela 63: Vestimenta e aparência dos profissionais do Mais Bastidores – TVI24 ............................................................................. Tabela 64 - Profissionais entrevistadas .............................................. 291 292 295 297 301 305 306 312 315 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Encenação sobre a atuação do árbitro de vídeo no jogo River Plate x Lanús – Esporte Espetacular ......................................... Figura 2: Momentos da encenação para apresentação da reportagem sobre memes – Esporte Espetacular .............................. Figura 3: Ocupação dos espaços no programa Jogo Aberto .............. Figura 4: Renata Fan respondendo Denilson – Jogo Aberto .............. Figura 5: Renata Fan ironizando Denilson – Jogo Aberto ................... Figura 6: Reação de Ulisses Costa – Jogo Aberto .............................. Figura 7: Reação de Michelle Gianella ao emitir sua opinião .............. Figura 8: Cenário do programa Gazeta Esportiva .............................. Figura 9: Foco nos comentaristas – Gazeta Esportiva ....................... Figura 10: Sergio observa Müller – Mesa Redonda ............................ Figura 11: Sergio observa Chico Lang – Mesa Redonda .................... Figura 12: José Maria observa Chico Lang – Mesa Redonda ............. Figura 13: Disposição do cenário do programa Mesa Redonda ......... Figura 14: Paula Vilhena opinando sobre o caso Felipe Melo e Clayson – Mesa Redonda .................................................................. 156 158 167 176 177 185 193 196 197 200 200 201 202 205 Figura 15: Paula Vilhena interroga comentaristas – Mesa Redonda... Figura 16: Larissa Erthal abordando sobre o desempenho do Corinthians ........................................................................................ Figura 17: Reação de Milton Neves à fala de Larissa Erthal ............... Figura 18: Interações entre Milton Neves e Larissa Erthal ao final do programa ........................................................................................... Figura 19: Parte 1 do programa Liga dos Campeões ......................... Figura 20: Parte 2 do programa Liga dos Campeões ......................... Figura 21: Parte 3 do programa Liga dos Campeões ......................... Figura 22: Parte 4 do programa Liga dos Campeões ......................... Figura 23: Cenário do programa Mais Futebol ................................... Figura 24: O humor no Mais Futebol .................................................. Figura 25: Enquadramento principal do programa Mais Bastidores ... Figura 26: Plano fechado em dois participantes separadamente no programa Mais Bastidores ................................................................. Figura 27: Cenários de fundo do programa Mais Bastidores .............. Figura 28: Plano de conjunto – Mais Bastidores ................................. 208 223 224 226 287 288 288 289 296 299 307 308 309 310 “Quero mostrar que as mulheres podem falar. Não podemos nos calar diante de nada” Karol Conka 22 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, verificamos mudanças nas relações de gênero, apresentando tanto mulheres como homens novas possibilidades de atuação no campo econômico, político, social e familiar. Essas mudanças refletem novas formas de pensar e compreender os sujeitos e suas funções sociais e consistem em reflexos de anos de luta de mulheres e movimentos femininos que procuravam e procuram igualar direitos femininos e masculinos, buscando extinguir o preconceito e as diferenças de gênero. Nesse sentido, constatamos novas estruturas familiares, o direito ao voto feminino, a ampliação do acesso da mulher ao ensino superior, sua profissionalização, seu acesso ao ambiente de trabalho e consequentemente sua maior independência econômica (BUENO, 2015, p. 01). No entanto, apesar dessas conquistas, ainda é possível verificar diferenças e preconceitos de gênero. Assim, na contemporaneidade, vários movimentos feministas não focam mais no direito ao voto e profissionalização (fatores primários do início do movimento, mas já conquistados), e passaram a direcionar suas ações à possibilidade de transformações na maneira de compreender a mulher, buscando conquistar efetivamente o espaço público (ALVAREZ, 2002; PISCITELLI, 2018). Considerando esse cenário de novas reivindicações feministas, principalmente em relação às representações, nesta tese, serão estudadas duas instituições historicamente reconhecidas por manter as diferenças de gênero: o jornalismo e o esporte, bem como o jornalismo esportivo. Nesse sentido, o tema da pesquisa constitui na análise a respeito da participação e visibilidade das profissionais de comunicação (narradoras, apresentadoras e comentaristas) em programas esportivos da televisão aberta brasileira e portuguesa. Para tal, o objeto de pesquisa abarca todos os programas de esportes veiculados em novembro de 2017 nas TV’s abertas brasileira (região metropolitana de Campinas) e em abril e maio de 2017 na televisão aberta portuguesa. Considerando este tema e objeto, bem como a hipótese de que ainda existe uma cultura androcêntrica presente em programas de esportes da televisão aberta brasileira e portuguesa, resultando em possibilidades diferentes de atuações para jornalistas homens e mulheres e que a essas ainda cabem 23 pequenos espaços de participação, esta tese objetiva analisar a participação das profissionais (apresentadoras, comentaristas e narradoras) mulheres em programas esportivos da televisão aberta portuguesa e brasileira, ao 1) quantificar a presença feminina e masculina nessas funções, comparando se há equidade, 2) avaliar em quais pautas predomina a presença de profissional feminino; 3) analisar o discurso e atuação das profissionais nos programas de esportes; 4) analisar o discurso a respeito das profissionais durante os programas; 5) traçar relações entre o quadro verificado na participação do programa de esportes com as tendências e estereótipos presentes na sociedade ocidental em relação à mulher; 6) discutir o que se pode concluir sobre a imagem da mulher projetada nos programas estudados, e, 7) analisar o que as profissionais de programas de esportes compreendem a respeito de sua inserção nesse ambiente, suas funções e relações com demais profissionais. Assim, partindo desses objetivos e dos pressupostos de que (1) as visões femininas e as próprias mulheres são quase invisíveis em determinadas pautas de programas de esportes, (2) os homens predominam como porta-vozes e especialistas, e, (3) a participação de profissionais de gêneros diferentes para discussão dos esportes pode refletir e reforçar estereótipos de gêneros, foram respondidas as seguintes questões: - Quais funções as mulheres assumem em programas de esportes? - Qual a performance dessas profissionais nesses programas? - Quando a mulher é ouvida como especialista? Em quais situações? - É possível relacionar as participações femininas com determinados estereótipos de gênero? - Qual o discurso dessas mulheres nesses programas? - Como elas percebem esse cenário? Esta discussão é importante, pois, o esporte consiste em uma instituição que mantem e eterniza as representações sobre o que é ser masculino e feminino (DEVIDE, 2005; KNIJNIK, 2010; TURINI, DACOSTA, 2002; CONCEIÇÃO, CORTEZ, SIMÕES, 2004; GOELLNER, 2004; DUNNING, ELIAS, 1985; BIRREL, COLE, 1990; APPLEBY, FOSTER, 2013; THEBERGE, 2000). Da mesma maneira, os meios de comunicação também participam da construção de representações sociais, apresentando imagens dos fatos e dos valores (apesar de a interpretação ser de responsabilidade do receptor) 24 (BECKER, 2005; CHARAUDEAU, 2016; PRADO, 2005). Nesse sentido, torna- se fundamental a discussão sobre a representação da mulher pelos meios de comunicação e sua participação no ambiente esportivo, de maneira a verificar se o protagonismo nessas esferas é distribuído de acordo com definições estereotipadas de masculino e feminino ou se esses programas têm questionado valores tradicionais de gênero. Para realização e apresentação desta pesquisa e seus resultados, este trabalho foi dividido em oito capítulos: 1. Introdução; 2. Referencial Teórico; 3. Contextualização Histórica; 4. Metodologia; 5. Comentaristas, Narradoras(es) e Apresentadoras(es) em Programas de Esportes Brasileiros; 6. Comentaristas, Narradoras(es) e Apresentadoras(es) em Programas de Esportes Portugueses; 7. Resultados; e, 8. Considerações Finais. O capítulo 1, inclui o capítulo da introdução que aponta o projeto de pesquisa (ao abordar o tema, objeto, objetivo, problemas, hipótese, justificativa e metodologia da pesquisa), bem como a estrutura do próprio trabalho, apontando a divisão dos capítulos e seus respectivos conteúdos. No capítulo 2, referencial teórico, foram estudadas teorias referentes ao gênero, comunicação e esporte, bem como a relação entre esses três conceitos. Assim para suporte teórico, foi realizada uma análise bibliográfica a respeito dos conceitos de gênero e história das mulheres, por meio de obras de Judith Butler (2003), Joan Scott (2005), Adriana Piscitelli (2018), Silvana Mariano (2005), Avtar Brah (2006) e Nancy Fraser (2010). Conforme essas teóricas, o gênero consiste na estilização repetida do corpo participante de um rígido marco regulador, produzindo a aparência de natural, sendo, portanto, necessário considerar as diversas configurações de poder presentes em contextos históricos e culturais específicos. O gênero é construído e representado de formas diferentes conforme as relações globais de poder que o cercam, pois perpassam processos econômicos, políticos e ideológicos, por isso, as feministas não consideram a mulher como uma categoria unitária e criticam o universalismo, o essencialismo e o binarismo que impedem que o sujeito seja compreendido como plural, heterogêneo e contingente. A partir dessa premissa, esta obra considerou conceitos relacionados às representações mediáticas e à nova pauta de reivindicações do movimento 25 feminista atrelada à veiculação adequada da imagem feminina pelos meios de comunicação, a partir de obras de Guacira Lopes Louro (2008), Eduardo Coutinho, João Freire Filho e Raquel Paiva (2008), Bordenave (2002) e Raquel Moreno (2008). Considerando esses aspectos, feministas contemporâneas reformularam a pauta de discussão criticando a forma como gênero é compreendido a partir de valores binários heteronormativos, de maneira a reivindicar questões referentes à identidade e à representação, ou seja, o que gênero significa e como esse é produzido, aceito e/ou questionado pela sociedade. Para tal, alguns coletivos e grupos de mulheres, atuam junto aos meios de comunicação, se apropriando desses para fomentar discussões emancipatórias e/ou discutir as próprias representações mediáticas, como pode ser observado pelos grupos “Empodere Duas Mulheres”, “Força Meninas”, “Coletivo de Jornalistas Feministas Nísia Floresta”, “Revista AzMina”, entre outros. De acordo com Guacira Lopes Louro (2008), essa atenção aos meios de comunicação tem ocorrido desde os anos de 1960, quando diferentes grupos denominados como minoria surgiram expondo suas inconformidades em relação à maneira como eram representados, exigindo outras representações sobre seus modos de vida, suas estéticas, éticas, histórias, experiências, dilemas e questões, em uma luta pelo direito de “falar por si” e “de si”, ou seja, de se auto representar. Além disso, também foram utilizadas obras relacionadas à construção social do esporte e sua relação com identidade de gênero dos pesquisadores Susan Birrel e Cheryl Cole (1990), Salomé Marivoet (1997, 2014), Silvana Goellner (2004, 2013), Fabiano Devide (2005) e Migliaccio e Berg (2007), Elaine Romero (2016), Ludmila Mourão (2000), Paulo Felix Marcelino Conceição, José Alberto Aguilar Cortez e Antonio Carlos Simões (2004), Pam Creedo (2014) e Nancy Theberge (1993). Em relação especificamente ao jornalismo esportivo (foco deste trabalho), observa-se que as mulheres estão sub representadas enquanto atletas, ou seja, aparecem com baixa frequência nos meios retratadas nem sempre como esportistas, trivializando as experiências dessas, ao focar suas características físicas e emocionais ao invés dos seus feitos esportivos 26 (DUNCAN, 1994; MOURÃO, 2000; GOELLNER, 2004; CONCEIÇÃO, CORTEZ, SIMÕES, 2004; DEVIDE, 2005; ROMERO, 2016). Por fim, também foram utilizados os conceitos a respeito da teoria jornalística de Jorge Pedro Sousa, José Luiz Braga (2012), Beatriz Becker (2005, 2012), José Luiz Aidar Prado (2005, 2018) e Patrick Charaudeau (2016), apontando sobre a importância do jornalismo na contemporaneidade enquanto representante de uma realidade, bem como a importância do receptor (telespectador, leitor ou ouvinte) na decodificação da mensagem. Para José Aidar Prado (2005, p. 41), o jornalismo não pode ser considerado apenas representante da realidade, mas também criador, pois apresenta valores e cria um campo onde o enunciatário se estrutura a partir de posições modalizadas de sujeito. Assim, pode-se considerar que o jornal ordena e sistematiza o real, mas sem ignorar que a sua interpretação é de responsabilidade do leitor/ouvinte/telespectador, por isso, a função de informar somente pode ser exercida por meio de um jogo de espelhos deformados entre emissor e receptor (CHARAUDEAU, 2016; BECKER, 2005). No capítulo 3, Contextualização Histórica, será abordada a trajetória da mulher na participação no jornalismo esportivo brasileiro e português, bem como sua evolução em relação às funções assumidas nessa editoria. Tanto no Brasil como em Portugal o ingresso da mulher no jornalismo foi considerado tardio. No Brasil, os primeiros relatos de mulheres exercendo a profissão de jornalista ocorreram nos anos de 1920, quando elas trabalhavam majoritariamente nos suplementos femininos. A inserção das mulheres nessa profissão foi relativamente lenta, uma vez que, na década de 1950 (30 anos após os primeiros relatos de mulheres atuando nessa área), o número de jornalistas paulistanas não chegava a 40 (RAMOS, 2010). Como no Brasil, em Portugal a profissão de jornalismo se iniciou como um espaço majoritariamente masculino. Segundo José Luís Garcia (2009, p. 74), entre 1950 e 1970 eram raras as participações femininas na imprensa portuguesa, sendo que o número de ingressos por ano não ultrapassou a 2 nesse período. No jornalismo esportivo, a entrada na mulher seguiu a tendência da entrada da mulher no mercado de trabalho como um todo: eram grandes as barreiras impostas para as mulheres ingressarem na vida profissional, como a hostilidade presente na própria família até as intimidações físicas, insinuações 27 de desqualificação, menores salários e assédios sexuais. Na contemporaneidade, apesar de algumas dessas barreiras terem sido superadas, mulheres ainda apresentam várias dessas dificuldades para inserirem no campo do jornalismo esportivo, como apontado nos capítulos 5 e 6 (Brasil e Portugal, respectivamente). Já o capítulo 4 tratou das metodologias adotadas para as pesquisas aplicadas nesta tese, no caso: pesquisas bibliográficas, análise do conteúdo (levantamento quantitativo das profissionais homens e mulheres atuando nos cargos de apresentação, comentário e narração e dos respectivos programas esportivos televisivos), análise dos programas esportivos (em que constam profissionais mulheres nas funções analisadas nesta tese) e entrevistas com as respectivas profissionais presentes nesses programas. A pesquisa bibliográfica consistiu em levantamentos de dados e informações por meio de construção de um referencial teórico que articulou as temáticas relacionadas aos estudos de gênero, ao esporte e à comunicação mediática, formando o capítulo 1 desta tese. A análise do conteúdo consistiu em uma pesquisa quantitativa para mensurar a presença das mulheres em todos os programas de esportes da televisão aberta brasileira e portuguesa (veiculados no período analisado), comparando com a presença e as funções desempenhados pelos homens nesses programas (em abril de 2017 em Portugal e em novembro de 2017 no Brasil). Os resultados desta etapa da pesquisa encontram-se disponibilizados nos itens 5.1 (referente ao cenário brasileiro) e 6.2 (referente ao cenário português) deste trabalho. A segunda análise foi realizada nos programas que possuem mulheres em seu quadro de profissionais (nas funções de apresentadoras, comentaristas e/ou narradoras), no caso, os programas brasileiros analisados foram: Jogo Aberto (TV Bandeirantes), Terceiro Tempo (TB Bandeirantes), Gazeta Esportiva (TV Gazeta), Mesa Redonda (TV Gazeta) e Esporte Espetacular (Rede Globo), e os portugueses foram Liga dos Campeões (RTP1 e RTP2), Mais Bastidores (TVI 24) e Mais Futebol (TVI 24). Para tal, foram estudas as falas, vestimentas, pronomes e enquadramento dessas jornalistas, a partir da qual foi possível construir interpretações do uso das palavras, dos gestos e das relações, expondo níveis aparentemente opacos. Nesse sentido, foi analisado também o tipo de discurso que as profissionais assumiram nos programas esportivos, bem 28 como os discursos a respeito delas veiculadas nessas edições, de maneira a ponderar como elas são tratadas, como são nomeadas, o enquadramento que recebem e como se vestem criando subsídios para descrição do perfil e da função assumidos por essas profissionais. Por fim, as entrevistas (presente nos itens 5.3 [Brasil] e 6.4 [Portugal] deste trabalho) foram aplicadas individualmente em conversas pessoais ou via Skype, a partir de um roteiro com questões abertas. Foram entrevistadas as jornalistas que atuam como apresentadoras nos programas esportivos veiculados na televisão aberta brasileira e portuguesa, sendo elas: Anita Paschkes, Claudia Reis, Juliana Rios, Luciana Vitorino, Michele Gianella e Mylena Ciribelli (brasileiras); e, Inês Gonçalves, Rosa de Oliveira Pinto e Claudia Lopes (portuguesas). Esta fase teve o objetivo de ouvir experiências e opiniões das jornalistas a respeito de suas relações, dificuldades, desempenhos e trajetórias nesse campo de atuação. Já os capítulos 5 e 6 abordaram os programas de esportes televisivos do Brasil (capítulo 5) e de Portugal (capítulo 6). Em um primeiro momento, foram enumerados todos os programas da televisão aberta desses dois países (sendo no Brasil considerada a programação da região de São Paulo/Campinas), quantificando a presença de homens e mulheres como comentaristas, narradoras(es) e apresentadoras(es), com objetivo de verificar se havia discrepância na distribuição dessas funções, ou seja, se ocorria predominância numérica de um dos gêneros. A partir disso, foram selecionados apenas os programas em que havia participação feminina em ao menos um dos cargos estudados (narração, comentário e/ou apresentação), analisando as relações entre as(os) participantes e a imagem construída a partir de falas, gestos e/ou posturas. Por fim, temos as entrevistadas com as profissionais, de maneira a compreender a visão dessas mulheres sobre suas trajetórias, dificuldades, percepções e alegrias a respeito desse campo de atuação. Por fim, os capítulos 7 e 8 apontaram os resultados da pesquisa (resumos dos principais dados obtidos), bem como reflexões a respeito das possibilidades de atuação das mulheres nesse campo do jornalismo esportivo e suas principais dificuldades; a análise desse cenário e propostas para novas pesquisas relacionadas à gênero e jornalismo esportivo. 29 Vale ainda apontar que este trabalho foi financiado pelas agências de fomento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (estágio realizado no Brasil) e pelo programa Erasmus Mundus Programme for South America - SUD-UE, pesquisa realizada em Portugal. Assim, para efetivação desta tese, foi realizado um estágio em Lisboa (Portugal), no período de setembro de 2016 a julho de 2017, sendo a pesquisadora recebida na Universidade Católica Portuguesa (UCP). Nesse período foi possível coletar dados bibliográficos a respeito de gênero e esporte, bem como realizar as pesquisas de campo referentes à realidade portuguesa, ou seja, coleta dos programas e entrevistas com jornalistas desse país. O programa também possibilitou a parceria com o Centro de Pesquisa e Estudos Sociais (CPES) da Universidade Lusófona, onde, em estágio com a prof. Dra. Salomé Marivoet, foi possível realizar uma nova pesquisa a respeito da representação das atletas em jornais esportivos impressos portugueses. Como já apontado, o esporte e o jornalismo constituem duas instituições historicamente masculinizadas, binárias e heteronormativas, veiculando e contribuindo para a manutenção de representações sobre o que é ser feminino e masculino a partir dessas referências. Nesse sentido, torna-se importante a discussão sobre a representação da mulher no jornalismo esportivo, de maneira a verificar se os cargos e funções nessas esferas são distribuídos de acordo com definições estereotipadas de masculino e feminino ou promovem novas reflexões sobre possibilidades de atuação para todas(os). Assim, esta pesquisa busca trazer benefícios para a sociedade ao apontar e discutir se ocorre a desigualdade de gênero no âmbito do jornalismo esportivo, mais especificamente em programas de esportes televisivos brasileiros e portugueses (da televisão aberta), e, caso ocorra, denunciar o preconceito de gênero constatado a partir do antagonismo na forma de tratamento entre homens e mulheres que trabalham com comunicação e esportes, demonstrando em quais situações esse segmento ainda é regido por uma cultura androcêntrica. 30 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Gênero e ideologia De acordo com Judith Butler (2008, p. 59), gênero é “a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser”. Portanto, gênero consiste em um produto social, que é compreendido, representado, institucionalizado e transmitido por gerações na relação de símbolos culturais, instituições sociais e identidades sociais (WINCK, 2009). A construção de gênero ocorre cotidianamente por meio de funções, vivências sociais e representações que apontam o que é ser e como se comportam homens e mulheres. Torna-se, portanto, errônea a ideia de que as diferenças de aptidões e comportamentos entre homens e mulheres são naturais, pois essas diferenças consistem em uma construção histórica, cultural e social. Considerando esses aspectos, a palavra gênero utilizada para se referir à organização social das relações entre os sexos (SCOTT, 1988, apud VENTURA 2007), bem como sua importância enquanto categoria de análise histórica, tem sido utilizada por feministas e autoras(es). Esse conceito rejeita o determinismo biológico que conferia às mulheres o espaço privado e aos homens o espaço público, oferecendo a essas o matrimônio e a maternidade e a esses a participação política, social e econômica. É ainda um discurso baseado no determinismo biológico que afastou por décadas as mulheres do esporte e do jornalismo (como será apontado nos próximos itens deste trabalho), promovendo e justificando a exclusividade masculina nesses campos. Vale ressaltar ainda que, inicialmente gênero e sexo eram definidos apenas a partir de uma representação binária entre cultura e natureza, onde características individuais de gênero eram construídas por meio da concepção do que significava ser homem e mulher. Assim, gênero estava associado ao caráter e comportamento, enquanto sexo à concepção biológica. No entanto, nos anos 90, a legitimidade à suposta homologia entre diferenças biológicas e sociais, criadas a partir da diferenciação entre sexo e gênero, é retirada por 31 correntes feministas que reelaboram o significado desses termos. Esse pensamento passa a ser considerado limitado porque não questiona a posição binária homem/mulher mantendo essas categorias como dicotômicas (MARIANO, 2005, p. 488). Joan Scott é uma das teóricas que propõe a reformulação das conceitualizações de gênero, considerando esse como categoria de análise que possibilita compreender a construção social da diferença sexual. Outra teórica é Judith Butler que desenvolve uma discussão a respeito dos modos de operação das relações binárias, confrontando conceitos que estabelecem as identidades como fixas. Por isso, Judith Butler (apud PISCITELLI, 2018, p. 15) considera que o gênero não deveria ser pensado como simples inscrição cultural de significado sobre um sexo que é considerado como ‘dado’. Gênero deveria designar o aparelho de produção, o meio discursivo/cultural através do qual a natureza sexuada, ou o sexo ‘natural’ são produzidos e estabelecidos como pré-discursivos. Como apontado, para a teórica, gênero consiste na estilização repetida do corpo participante de um rígido marco regulador, produzindo a aparência de natural. De forma geral, as autoras que tem participado das discussões de gênero, tendem a negar a naturalização na conceitualização da diferença sexual, rejeitar pressupostos universalistas na distinção sexo/gênero, repensando o gênero como fixador de identidades, mas considerando as diversas configurações de poder presentes em contextos históricos e culturais específicos (PISCITELLI, 2018, p. 16). Assim, na contemporaneidade (para as feministas pós-estruturalistas), o sexo também é considerado como uma categoria determinada pela cultura e história, ou seja, o corpo é apreendido a partir de formas sociais. Para tal, a biologia é levada para o campo do social, e ocorre um discordância do conceito de que somente é possível fazer teoria social sobre o gênero, enquanto o sexo pertenceria ao corpo e à natureza, de maneira a questionar se o sexo possui uma história ou se consiste em uma estrutura dada, isenta de questionamentos devido uma materialidade considerada indiscutível (BUTLER, 2008). Assim, feministas pós-estruturalistas rejeitam a “distinção entre sexo e gênero e a ideia de que gênero é uma interpretação cultural do sexo, na medida em que o próprio 32 sexo é tomado também como cultural e, portanto, constituído discursivamente. É o discurso cultural hegemônico que normatiza as estruturas binárias de sexo e gênero, estabelecendo limites para as possibilidades de configurações do gênero na cultura” (MARIANO, 2005, p. 492). Dessa forma, “a construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre inacabado” (LOURO, 2008, p. 18). A ideia de que feminilidade e masculinidade consistem em representações ou máscaras está presente em discussões teóricas desde a primeira metade do século XX, no entanto, apenas ao final da década de 80 que é formalizado o conceito de que gênero é algo que se faz, se (per)forma na interação e que não é reduzido a atividades individuais. Neste sentido, gênero consiste em um produto de uma construção metódica, rotineira e recorrente, levada a cabo pelos indivíduos no contexto de suas interações cotidianas. Ao gerir a sua conduta com base nas normas sociais sobre as atitudes e atividades que são apropriadas ao seu sexo, e ao descrever, avaliar ou explicar as condutas e traços de outras pessoas em função do sexo delas, os indivíduos fazem gênero, isto é, constroem diferenças entre mulheres e homens que não são naturais ou biológicas (PEREIRA, 2012, p. 48). Assim, ao abordar condições referentes à mulher considerando apenas aspectos biológicos comete-se um reducionismo, pois a análise das questões femininas envolve processos históricos de desenvolvimento social, a materialidade da vida cotidiana e o simbólico das vivências e consciências. Segundo Judith Butler (1990 apud PEREIRA, 2012), a ideia de que gênero é estável e essencial faz com que regimes de poder e desigualdades entre homens e mulheres sejam legitimadas(os). Por isso, Judith Butler considera gênero como um conjunto de normas repetidas sobre o corpo responsável pela geração de aparências que tornam os sujeitos culturalmente “viáveis” ou “inviáveis”. Dessa forma, “ser” de determinado gênero seria teatralizar as representações estabelecidas por conceitos culturais desse gênero, sendo essa uma prática insistente, insidiosa, sustentada e 33 regulada por vários meios sociais. Assim, a performance não é singular, pois é a reiteração de normas mesmo que seja de maneira que dissimule que se trata de uma repetição, sendo, portanto, o gênero uma identidade formada a partir da reiteração das normas de gênero que se apresentam como forma “da pessoa”. Essa repetição é “a um só tempo reencenação e nova experiência de um conjunto de significados já estabelecidos socialmente, e, também, é uma forma mundana e ritualizada de sua legitimação” (BUTLER, 2008, p. 200). Assim, gênero é gerado performaticamente por meio de práticas que regulam a coerência de gênero, no caso na sociedade ocidental contemporânea, numa lógica normativa heterossexual, binária, onde existem apenas dois sexos e dois gêneros: macho x fêmea, masculino x feminino. Por meio dessa lógica são estabelecidos espaços e ideais de comportamento para homens e mulheres, emitindo valores de masculinidade e feminilidade. Além desses fatores, Judith Butler (2008) vai além e dissolve a dicotomia sexo e gênero, ao expor que na sociedade contemporânea há uma “ordem compulsória” que impõe uma “coerência” (de ordem heterossexual) entre sexo, gênero e desejo/prática. Para a teórica é necessário desfazer essa “ordem compulsória” desestabelecendo as ligações obrigatórias e impostas socialmente entre esses fatores (sexo, gênero e desejo), surgidas a partir de uma matriz binária baseada no antagonismo entre feminino x masculino. Isso ocorre a partir de uma performatividade que repete gestos, atos e signos culturais reforçando a concepção tradicional de corpos femininos e masculinos. Sendo que as “imagens corporais que não se encaixam em nenhum desses dois gêneros ficam fora do humano, constituem a rigor do domínio do desumanizado e do abjeto, em contraposição ao qual o próprio humano se estabelece” (BUTLER, 2008, p. 162). Dessa forma outros tipos de identidade não podem existir, ou seja, é necessária (como já apontado) a coerência entre sexo, gênero e desejo/prática. Quando o gênero não decorre do sexo ou o desejo/prática não decorrem do sexo e do gênero há sujeitos que subvertem a ordem compulsória, já que se tornam em seres que não podem ser nomeados, que não “fazem sentido” na perspectiva de uma matriz cultural, portanto, não são pensados, entendidos ou nomeados. Além dessa questão, vale ainda ressaltar que especificamente, na sociedade ocidental (brasileira e portuguesa), a distribuição de poder é realizada 34 de forma desigual entre os sexos, cabendo à mulher uma posição subalterna. Em relação a isso Maria Rita Kehl afirma que o que é específico da mulher, em sua posição tanto subjetiva quanto social, é a dificuldade que enfrenta em deixar de ser objeto de uma produção discursiva, a partir da qual foi sendo estabelecida a verdade sobre sua ‘natureza’, sem que tivesse consciência de que aquela era a verdade do desejo de alguns homens - sujeitos dos discursos médico e filosófico que constituem a subjetividade moderna - e não a verdade ‘da mulher’ (KEHL apud FISCHER, 2009). Conforme Adriana Piscitelli (2018, p. 02) diferentes correntes feministas reconhecem a existência de uma subordinação feminina, decorrente da maneira como as mulheres são construídas socialmente, negando fatores naturais para tal. Dessa forma, percebe-se, que por ser construída, pode ser modificada, nesse sentido o espaço social ocupado pelas mulheres não é rígido. No entanto, as diferenças de gênero ainda persistem, pois ideais androcêntricos ainda são colocados de maneira difusa no inconsciente coletivo, como, por exemplo, na educação voltada às mulheres que as ensina a ser educadas, sensíveis, afetuosas e maternais, ou seja, serem servis, aceitarem as diferenças de gênero e não brigarem pelo poder ou ter condições de reverter a forma como esse é exercido. Nesse caso, os estereótipos sexistas influenciam as expectativas das pessoas, de modo que cada um vê e recorda as atitudes e comportamentos que concordam com o estereótipo. Enquanto cada mulher, individualmente, pode ser vista como exceção e saber que é diferente do estereótipo, o próprio estereótipo funciona no sentido de rotular cada mulher capaz como sendo uma exceção. Desconhecendo o número de mulheres bem- sucedidas e nada semelhantes ao estereótipo, todos encaram cada uma delas como exceção e assim o estereótipo permanece inalterado (BARDICK, 1981, p. 54). O conceito do patriarcado surgiu justamente para distinguir forças específicas na manutenção do sexismo, mostrando que a subordinação feminina era decorrente da naturalização de um fenômeno contingente e histórico que pode ter fim. No entanto, apesar dessa importante diferenciação apontada pelo 35 termo “patriarcado”, na contemporaneidade, esse é questionado e tem sido abandonado por ser trans-histórico e transgeográfico, ou seja, é aplicado como se fosse aplicado igualmente independente de fatores culturais e sociais. E, para Butler (2003, p. 35), “a insistência sobre a coerência e unidade da categoria mulheres rejeitou efetivamente a multiplicidade das interseções culturais, sociais e políticas em que é construído o espectro concreto das ‘mulheres’” (apud MARIANO, 2005, p. 487). Para Silvana Mariano (2005, p. 486), a contribuição da teoria pós- estruturalista para o feminismo baseia-se também, justamente, na crítica ao universalismo, ao essencialismo, ao binarismo e ao racionalismo iluminista, permitindo que o sujeito seja compreendido como plural, heterogêneo e contingente. Além disso, também inclui “o reconhecimento de que o sujeito se constrói dentro de significados e de representações culturais, os quais por sua vez encontram-se marcados por relações de poder” (COSTA, 2000, p. 57 apud MARIANO, 2005, p. 486). Esse universalismo é criticado inclusive na construção de um sujeito feminista universal, já que a ideia de uma mulher também é excludente, opressora e dominante, pois omite outras varáveis como raça e classe, por exemplo. Além disso, os problemas que afetam as mulheres não podem ser analisados isoladamente inclusive do contexto geográfico (BRAH, 2006, p. 341). Assim, o conceito de gênero pode variar conforme local e período, como apontado por Joan Scott (1994, p. 13 apud CARVALHO, 2011, p. 104), “gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais, esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo, já que nada no corpo (...) determina univocamente como a divisão social será estabelecida”. A partir disso, é importante considerar a existência de uma pluralidade de masculinidades e uma pluralidade de feminilidades e compreender que homens e mulheres não consistem em grupos homogêneos, opostos e radicalmente distintos e que nem todos os homens e todas as mulheres compartilham todas as características de formas idênticas. O gênero é construído e representado de formas diferentes conforme as relações de poder que o cercam, pois perpassam processos econômicos, políticos e ideológicos, por isso, “mulher” não é considerada por feministas como 36 uma categoria unitária. Para Avtar Brah (2006) a diferença pode ser considerada de 4 maneiras: 1. Diferença como experiência (que considera experiências individuais, sentimentos pessoais e a compreensão das mulheres sobre avida diária, ou seja, o processo de significação tanto simbólico como narrativamente. “Pensar a experiência e a formação do sujeito como processos é reformular a questão da “agência”. O “eu” e o “nós” que agem não desaparecem, mas o que desaparece é a noção de que essas categorias são entidades unificadas, fixas e já existentes, e não modalidades de múltipla localidade, continuamente marcadas por práticas culturais e políticas cotidianas” (BRAH, 2006, p. 361), de maneira que o sujeito adquire e atribui significado a suas relações. 2. Diferença como relação social: como a diferença é constituída por meio de discursos econômicos, culturais, políticos e de práticas institucionais. 3. Diferença como subjetividade: reconhecimento de que as emoções, sentimentos, desejos e fantasias pessoais não podem ser compreendidos exclusivamente por instituições sociais, pois se constituem em e através da experiência “exterior” e “interior”. Portanto, a formação de subjetividade é tanto social, como subjetivo resultando em posições específicas do sujeito que são socialmente produzidas. 4. Diferença como identidade: identidade pode ser compreendida como “o próprio processo pelo qual a multiplicidade, contradição e instabilidade da subjetividade é significada como tendo coerência, continuidade, estabilidade; como tendo um núcleo – um núcleo em constante mudança, mas de qualquer maneira um núcleo – que a qualquer momento é enunciado como o ‘eu’” (BRAH, 2006, p. 371). Joan Scott (2005, p. 15) em sua obra o Enigma da Igualdade coloca três questões a respeito de identidade e grupo: 1. A igualdade é um princípio absoluto e uma prática historicamente contingente. 2. Identidades de grupo definem indivíduos e renegam a expressão ou percepção plena de sua individualidade. 3. Reivindicações de igualdade envolvem a aceitação e a rejeição da identidade de grupo atribuída pela discriminação. Ou, em outras palavras: os termos de exclusão sobre os quais essa discriminação está amparada são ao mesmo tempo negados e reproduzidos nas demandas pela inclusão. 37 Nesse sentido a igualdade não constitui a falta da diferença, mas o ato de ignorá-la. Em grupos, as identidades de individualidade e os indivíduos são determinados por um único elemento, o norteador do grupo: raça, gênero, religião, entre outros. A identificação de um grupo de minoria geralmente ocorre por uma diferenciação de poder (e não quantidade numérica) onde as características específicas desse grupo consistem na razão e racionalização de um tratamento desigual. Segundo Joan Scott (2005, p. 19), a redução de um indivíduo a uma categoria pode ser devastadora ou de apoio: pode ser transformado em estereótipo (quando objeto de discriminação) ou encontrar suporte e solidariedade (quando é acolhido por seus pares). A autora ainda propõe analisar e questionar “como os processos de diferenciação social operam e desenvolver análises de igualdade e discriminação que tratem as identidades não como entidades eternas, mas como efeitos de processos políticos e sociais” (SCOTT, 2005, p. 29). Dessa forma, “o reconhecimento dos outros é essencial para o desenvolvimento da percepção de si mesmo. Ter o reconhecimento negado, ou ser ‘não reconhecido’, é sofrer tanto uma distorção da relação de alguém consigo mesmo, quanto um dano à identidade de alguém” (FRASER, 2010, p. 117). Nancy Fraser (2010, p. 118) aponta que há duas correntes pelas quais as políticas de identidade tendem a deslocar as lutas pela redistribuição: 1. Aponta o não reconhecimento como o resultado de depreciação cultural onde o problema está nos discursos descomprometidos e nas significações e normas institucionalizadas. 2. Percebe que injustiças culturais estão ligadas às econômicas, mas compreende essa má distribuição como efeito secundário do não reconhecimento. Esse deslocamento não permite a compreensão de que as relações seguem lógicas próprias nem totalmente reprimidas, nem subordinada à cultura. Além disso, esse modelo tende a reificar a identidade, focando a importância de elaborar uma identidade coletiva autêntica. Assim, para a autora o modelo identitário de reconhecimento é deficiente e problemático. Por isso, propõe tratar o reconhecimento como uma questão de status social. Dessa forma, o não reconhecimento não é decorrente de uma 38 deformação ou dano cultural, mas institucionalizada numa relação de subordinação social, ou seja, o não reconhecimento significa que foi “negado o status de parceiro integral na interação social, como uma consequência de padrões institucionalizados de valor cultural que constituem uma pessoa como comparativamente não merecedora de respeito ou estima” (FRAISER, 2010, p. 121). Além disso, esse não reconhecimento não é repassado por meio de representações independentes, mas de modelos institucionalizados que categorizam determinados grupos como normativos e outros como “inferiores”, impedindo-os de participarem como iguais. Nesse sentido, em relação ao objeto deste estudo, é válido refletir sobre: em quais circunstâncias a diferença entre os gêneros importa para a inserção e tratamento das mulheres no esporte? Como é que o gênero interfere nas designações de tarefas no jornalismo esportivo? Como isso veio a acontecer? Há contexto no jornalismo esportivo onde gênero se torna fator primário de identidade? Como estruturas institucionais (dos veículos de comunicação) produzem ou transformam ou poderiam produzir ou transformar fronteiras entre gêneros? Há formas coletivas ou individuais de resistência às identidades de gênero neste grupo estudado? Numa formação social há dois tipos de realidade: um de essência (profundo e não visível) e outro de aparência (superficial e fenomênico). Somente o nível da aparência percebe-se de imediato, apresentando-se como totalidade da realidade. E é a partir desse nível fenomênico que se constroem ideias dominantes (racionalizações que explicam e justificam a realidade) numa dada sociedade. A partir do nível aparente, constroem-se os conceitos de individualidade, de liberdade como algo individual, bem como as ideias da desigualdade como algo natural dos homens, uma vez que uns são mais inteligentes ou mais espertos que os outros. Daí se deduz que as desigualdades sociais são naturais. A ideologia é exatamente esse conjunto de ideias que justificam e explicam a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com outros homens. A ideologia se contém no objeto, no social, e não se reduz apenas à consciência dos agentes sociais. “É uma forma fenomênica da realidade, que oculta as relações mais profundas e expressa-as de um modo 39 invertido” (FIORIN, 1988, p. 29). Assim, ideologia pode ser entendida como uma “visão de mundo”, de uma classe social a respeito da realidade, sendo, desta forma, o modo como um grupo ordena, justifica e explica a ordem social. Segundo Severino (1986, p. 29-30) e Marilena Chauí (1980, p. 18-21), o processo ideológico decorre da relação de consciência à realidade social (posicionamento da consciência frente à realidade social); de seu conteúdo apresenta-se como verdadeiro e válido, visando legitimar as condições sociais (parecendo verdadeiras e justas); da camuflagem das reais condições da situação social; envolvem o jogo das relações de poder (os valores, que se sobrepõem às representações, estão enraizados nas relações de poder) e consiste em um processo inconsciente e coletivo, ou seja, a ideologia camufla a dominação e oculta a presença do particular dando-lhe a aparência do universal, sendo um conjunto de normas que tende a trazer dominação e manipulação. Assim, a partir de alguns fenômenos da realidade, constroem-se as ideias dominantes, que são racionalizações que explicam e justificam a realidade, inclusive, demonstrando as desigualdades como fatores naturais. John Thompson define ideologia relacionando-a com as relações de poder, que circulam em contextos sociais específicos. “O conceito de ideologia deve ser usado para referir às maneiras como o sentido (significado) serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas e presentes em relações de dominação (...). Ideologia é sentido a serviço do poder” (THOMPSON, 2001, p. 53). Ainda segundo esse autor, o termo ideologia está profundamente ligado às características de ação, de interação, às formas de poder e de dominação, à natureza da estrutura social, à reprodução e à mudança social, às qualidades das formas simbólicas e a suas funções na vida social. Assim, nosso comportamento é também motivado por expectativas sociais existentes dentro de sistemas sociais nos quais interagimos com outros do que por nossas predisposições íntimas. Todo grupo a que pertencemos exerce um conjunto de controle sobre nós, afinal, se quisermos permanecer participando deste teremos de aderir às suas normas, desempenhar o papel a nós atribuídos, submeter-nos ao sistema hierárquico. São esses fatores externos que modelam nosso comportamento – as expectativas e exigências sociais dos 40 outros – e não apenas sentimentos, preferências ou atitudes íntimas (DE FLEUR, 1993, p. 301). Então, para modificar expectativas sociais, fornece-se à aparência do consenso, mostrando que as definições fornecidas são apoiadas pelo grupo relevante e que deixar de segui-las constituiria inaceitável comportamento desviante. Ou seja, “uma estratégia consagrada, pois, é apresentar as expectativas sociais do grupo no qual a ação deve ocorrer, fornecendo definições culturais de qual conduta é apropriada” (DE FLEUR, 1993, p. 302). Além da necessidade de interação, a necessidade de experimentar um mundo coerente é um forte fator motivador que modela nosso comportamento, por isso, manter estruturas já consolidadas torna-se mais atrativo para a maioria do que questionar valores estruturados, facilitando o processo de perpetuação de papeis, conceitos, ideias e estruturas sociais. Assim, pode-se dizer que a formação ideológica é o conjunto de ideias que revelam a compreensão de mundo de um grupo. No entanto, essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem, assim, cada formação ideológica corresponde a uma discursiva. As formações ideológicas só existem devido às formações discursivas, pois é o discurso que materializa essas representações. É, também, através dos discursos assimilados que o homem aprende como ver o mundo e é através de sua fala que, na maioria das vezes, os reproduz. E como o homem não está livre de todas as coerções sociais, pois a maioria de suas relações é necessária, não se pode dizer que ele é apenas um indivíduo que reside no espírito, mas, também, resultado de relações sociais ativas e inteligentes, ou seja, que dependem, como Gramsci mostrava, “do grau maior ou menor de inteligibilidade que delas tenha o homem individual” (FIORIN, 1988, p. 36). Assim, o homem é limitado por relações sociais, enquanto a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por cada grupo de um membro social. 2.2 Meios de comunicação e representações sociais A sociologia francesa esteve a partir de Durkheim e Mauss, envolvida com a formulação de teorias que dessem conta dos fundamentos da vida social, compreendendo-a como essencialmente simbólica. Da noção de consciência coletiva, Durkheim chegou a noção de representações sociais, definidas como 41 elementos reais e atuantes que, entretanto, não são fatos puramente físicos (CEMIN, 1998). As representações são consideradas por ele como a trama que tece o social e que se origina da associação entre os homens, sem dela ser uma decorrência direta, instantânea ou mecânica. Esse processo de surgimento das representações pela associação humana fica tão mais invisível quanto maior for a complexidade social que, para Durkheim (apud CEMIN, 1998), liga-se às relações entre território, densidade populacional e comunicação. Nesse sentido, as representações coletivas são imagens, que, embora resultem das sensações, não podem ser explicadas apenas pelo estado do cérebro nem pela morfologia social. Ou seja, as representações e a forma como a sociedade imagina, projeta e objetiva denominando e classificando são sempre imaginárias porque o modo de instituição do social é o imaginário1. De acordo com Moscovici (2003), a partir da II Guerra Mundial, a sociedade deixou de fundamentar-se no trabalho ou na crença, para fundamentar-se na comunicação ou na produção de conhecimento. Por isso, a teoria das representações sociais assumiu a comunicação e as representações como centros para explicação dos elos que unem a psicologia humana com as questões sociais e culturais contemporâneas. O motivo de se criarem as representações partilhadas é justificado pelo desejo de se familiarizar com elas, numa tentativa de estabelecer uma ponte entre o estranho e o familiar, e não apenas numa busca de um acordo entre as ideias particulares e a realidade. Vale ressaltar que, em casos nos quais existe 1 Imaginário, é definido por Walter Benjamin como o sistema de ideias e imagens de representação coletiva que todas as sociedades criam para si, apresentando-se não como o contraponto do real (o não-real imaginado), mas como um outro lado do real, que nele se apoia, e que comporta as dimensões do sonho, da utopia, do inconsciente coletivo e também da ilusão do espírito, das intenções deliberadas e das seduções ideológicas (PESAVENTO, 1995). O imaginário é a estrutura oposta e complementar do real. Sem ele não haveria real para o homem, nem haveria realidade humana. Assim, algumas vezes, o imaginário se apresenta como um real mais real do que as condições concretas da existência, mobilizando as ações dos indivíduos, motivando práticas sociais e legitimando situações. Mas, por outro lado, o imaginário não se exprime ou mede pela sua autenticidade para com o real, pois enquanto representação, evoca outra coisa não explícita e não presente. O imaginário é uma representação e a representação, uma imagem, algo que se apresente/representa como mensageira de um significado que não é explícito. A elaboração de ideias-imagens de representação coletiva se constrói a partir de uma vivência ao mesmo tempo social e cultural, e tais definições determinam, ou condicionam, o que se vê ou se faz. Essas imagens construídas no passado não pertencem apenas a uma época já vivida, elas podem e se tornam legíveis num outro tempo, quando se estabelece uma sincronia (PESAVENTO, 1995, p. 38). 42 certa distância em relação à realidade não representada pelo grupo, as representações tendem para o conservadorismo e, para a confirmação de seu conteúdo significativo. Ainda de acordo com Serge Moscovici (2003), as representações sociais objetivam tornar a comunicação não-problemática e reduzir as incompreensões dos outros, e, são formadas por meio de influências recíprocas e da comunicação. Para tal, o autor define as representações sociais sob duas óticas: 1. Estática: as representações se mostram semelhantes às teorias que ordenam ao redor de um tema que classifica, descreve ou explica coisas. Essas ilustram os valores que introduzem uma hierarquia e seus modelos de ação e podem tornarem-se rígidas dependendo da flexibilidade do grupo e da rapidez da comunicação do conhecimento e das crenças. 2. Dinâmica: “as representações se apresentam como uma rede de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente e, por isso, mais móveis e fluidas que teorias”. Além disso, para Moscovici (2003), as representações são sociais, pois possuem um aspecto impessoal (pertence a todos); trata-se de representações de outros pertencentes aos demais, e, são pessoais, pertencentes ao ego. Com o desenvolvimento da tecnologia da comunicação, perdeu-se a referência direta de cada uma das representações, ocasionando uma representação da representação. Por isso, não é mais correto considerar as representações como uma cópia da realidade ou reflexo dessa, afinal as representações evocam também o que está ausente no mundo. É importante ressaltar que conteúdos e sentidos variam numa mesma sociedade conforme as especificidades do universo consensual e reificado e os contextos da comunicação em que essas representações são elaboradas. Por isso, é necessário considerar que em uma mesma cultura existem mais de uma racionalidade e de uma forma de repensar e comunicar. Outro teórico a estudar o conceito de representação foi Stuart Hall (2000). Segundo ele, representação consiste na produção de significados por meio da linguagem e num construto político em processos socioculturais, ou seja, uma construção social que ocorre por meio de um mapa conceitual. Trata- se de uma construção simbólica e intersubjetiva que ajuda na compreensão do contexto e ocorre por meio da negociação dos entendimentos sobre o mundo, 43 reafirmando pertencimentos e construindo identidades (convém salientar que Stuart Hall (2000) diferencia identidade de identificação, pois esta evidencia a ideia de processo nunca completo, de uma prática constante de significação). As identidades “têm a ver não tanto com as questões ‘quem somos sós’ ou ‘de onde nós viemos’, mas muito mais com as questões ‘quem nós podemos nos tornar’, ‘como nós temos sido representados’ e ‘como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios” (HALL, 2000, p. 108). Já segundo Woodward (apud FILHO, 2005, p. 20), “é por intermédio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência, àquilo que somos e àquilo que podemos nos tornar”. Essas representações são organizadas e reguladas por discursos que circulam, colidem e articulam-se em diversos espaços, como o mediático, por exemplo. As representações sociais abordam a interação entre indivíduo e sociedade, ou seja, como os indivíduos constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social e como a sociedade constrói esse conhecimento com os indivíduos, por meio de uma orientação simbólica e fornecimento de repertório comum para interpretações. As representações são, portanto, formuladas nas práticas cotidianas, por meio das construções simbólicas que orientam as culturas e produções de significados. Essas representações têm a função de explicar e compreender a realidade, de definir a identidade e especificidade dos grupos, e, de orientar e justificar comportamentos. Por isso, a importância de discutir essa temática e como as representações são perpassadas aos sujeitos. Assim, a representação social é partilhada por indivíduos e é produzida em coletivo, sendo resultado da atividade cognitiva e simbólica de um grupo. Além disso, não é apenas racional e cognitiva, é também um conjunto amplo de sentidos criados e compartilhados socialmente, responsável pelos motivos que levam um sujeito a tomar determinadas atitudes (VIZEU JUNIOR, 2006, p. 36). De acordo com Denise Jodelet (apud SWAIN, 2009), as representações são encontradas em todas as formas de comunicação (conversa, literatura, discurso científico, mediático, entre outros). Ou seja, as representações são organizadas e reguladas por discursos que circulam, colidem e articulam-se em diversos espaços, como o mediático, por exemplo. 44 Toda forma de comunicação de um grupo, em seu espaço de recepção e interação, veicula representações sobre homens, mulheres e a sociedade. Um desses casos, como dito acima, consiste no discurso dos meios, que muitas vezes, recuperam ou atualizam representações excludentes e hierarquizadas de gênero sob novas roupagens, quando homens e mulheres continuam a ocupar lugares tradicionalmente traçados segundo a “natureza” feminina ou masculina. As representações e identidades são construídas narrativamente, sendo a narrativa mediática um recurso simbólico capaz de definir como os sujeitos são percebidos e avaliados mutuamente. Assim, dentre as possibilidades de representações sociais, encontram-se as representações mediáticas (objeto desse estudo). Em relação a isso, Eduardo Coutinho, João Freire Filho e Raquel Paiva (2008, p. 07) apontam que os meios de comunicação consistem em espaços de poder, pois interferem na formação das consciências e conduções sociais. Dessa forma, possuem função importante na “disputa pela hegemonia, na promoção de ideais identitários, na regulação de comportamentos, na administração da memória, na constituição da opinião pública e na formulação de agenciamentos democráticos”. De acordo com João Freire Filho, o estudo das representações com foco nos meios permite avaliar como os “gêneros e artefatos culturais funcionam tanto para forjar a aceitação do status quo e a dominação social como para habilitar e encorajar os estratos subordinados a resistir à opressão e a contestar ideologias e estruturas de poder conservadoras” (FILHO, 2005, p. 19). Os meios de comunicação, portanto, podem intervir na forma como a sociedade age, pensa, discute, sente, lembra, convive e resiste, afinal, consistem em instituições que apresentam o discurso de reproduzir valores, padrões e espaços reais (no caso de programas jornalísticos, de novelas, livros e filmes baseados em história real, programas com viés de utilidade pública, por exemplo), por outro lado, também, não pode ser esquecido que a sociedade também interfere nos meios de comunicação e que a interpretação das mensagens é um processo pessoal. Devido à essa característica dos meios na produção e veiculação de representações, muitos movimentos sociais têm destacado o papel destes na formulação, reconhecimento e legitimação de categorias sociais em desvantagens, vendo-os como construtores de critérios e referenciais para a 45 condução da vida diária. Um desses movimentos é o feminismo que tem voltado sua pauta de reivindicação para novas representações mediáticas que abarquem a completude de possibilidades femininas, bem como a diversidade das mulheres brasileiras. Para Beatriz Becker (2012, p. 237) o jornalismo (como outros gêneros mediáticos) busca informar, seduzir, encantar, persuadir e convencer sob determinados regimes de visibilidade. Ou como aponta José Luiz Aidar Prado (2005, p. 41), esse “não busca somente informar, mas construir, por meio de várias estratégias comunicativas, mapas cognitivos para seus leitores, orientando-os para a ação e dirigindo suas formas de ler, situando-os performativamente em certas posições de sujeito enquanto enunciatários”. Dessa forma, apresenta valores e cria um campo onde o enunciatário se estrutura a partir de posições modalizadas de sujeito. Assim, o jornalismo não pode ser considerado como exclusivamente representante da realidade, mas também criador. Nestes casos, os meios de comunicação, ao mesmo tempo em que possuem a função de representar situações “reais”, atuam como incentivadoras da formação e perpetuação destas representações veiculadas. Em relação a essas representações, vale ressaltar que os meios não abordam todos os assuntos possíveis, a partir de todos os olhares e possibilidades, pois “não há forma de evitar a reconstrução seletiva da realidade pela simples possibilidade material de abrangê-la em sua totalidade” (BORDENAVE, 2002, p.81). Assim, os meios escolhem os assuntos que desejam debater e a maneira como irão abordá-los, deixando fora da pauta assuntos considerados de não interesse. Apesar de os meios de comunicação serem importantes dimensões sociais, pois mostram diversas realidades distintas, é preciso considerar que essas não são retratadas em sua totalidade, mas são construídas. No entanto, os textos de um jornal provocam efeitos de realidade e se confundem com o real já que os personagens e os fatos sociais são reais. Assim, os noticiários criam um mundo e não O mundo, por isso, a importância de compreender como esses discursos se constroem, se estruturam e produzem significações, bem como “o reconhecimento do tipo de realidade que lhe está sendo ofertada e do regime de crença que ela lhe propõe, bem como a 46 verificação da coerência entre suas propostas e o discurso oferecido” (ROCHA, 2008, p. 90). Apesar de o jornalismo televisivo informar deformando é preciso considerar que isso, na maioria das vezes, não é intencional, mas inevitável. Além disso, é preciso considerar que os relatos jornalísticos são empregados de subjetividade, apesar de todo esforço que possa ser feito para serem objetivos. Além disso, a comunicação não é controlável, mesmo que os sujeitos tenham intenções, objetivos e se esforcem para produzir previsibilidade, assim não há certeza de sucessos ou sentidos. Para noticiar algo o jornalismo televisivo primeiramente seleciona em função de 3 critérios: tempo (é o da urgência, onde o evento deve ser convertido rapidamente em notícia, o que resulta em uma informação efêmera e a-histórica), espaço e o acidente (evento a ser transmitido). Após essa seleção, será construído um relato a partir de um cenário dramático ao mostrar a desordem, suas vítimas, perseguidores, convocando uma reparação (ao interpelar os responsáveis) e anunciando a intervenção de um “salvador/herói”. Por fim, há a imagem, cujos principais efeitos são: transparência (percepção de que é real e autêntica) e evocação (desencadeia outras lembranças). No entanto, esse poder de evocação afeta o efeito de transparência, pois a interpretação irá ocorrer a partir de critérios individuais, sendo que o efeito da notícia pode ser diferente para cada pessoa. Assim, a interpretação depende da encenação, mas também da posição do telespectador. O telespectador encontra-se em dupla posição de espectador: do mundo e da televisão. No primeiro caso, o expectador tem a impressão de participar e partilhar com outros, no segundo, como espectador da televisão, os acontecimentos são mantidos à distância e o julga a partir de seu próprio ponto de vista. De acordo com Casetti e Chio (1999 apud BECKER, 2012, p. 242), o jornalismo televisivo devido ao caráter realista que transmite e a familiaridade que receptor possui com ela, produz a impressão de que é um espelho do mundo. No entanto, a televisão não reflete a realidade, mas a recria e produz significados a partir de uma linguagem de sistemas de regras próprios. Assim, por essas razões, 47 estudar a linguagem televisiva significa analisar o modo como a televisão produz sentidos combinando imagens, palavras e outros elementos da narrativa audiovisual, assim como as regras estabelecidas no texto para as relações entre produtores e receptores. Ver televisão e ler os conteúdos noticiosos audiovisuais publicados na web requer aprendizado e competências para identificar essas regras e compreender o funcionamento da narrativa audiovisual (BECKER, 2012, p. 242). Além disso, José Luiz Braga (2018) propõe que os processos interacionais se alimentam em sua produção de sentido quando há reverberação mútua entre “falas” e “escutas”, mas que não se pode ignorar que há graus diferentes de escuta e de variações na disponibilidade e no acolhimento. Portanto, não basta que, tendo alguém dito alguma coisa, um processo/efeito se faça em mim, que me modifica, porque eu estava aberto a essa modificação. Parece-me mais interessante pensar que, em interações sucessivas, as pessoas reverberam umas sobre as outras, ‘se escutam’ mutuamente – e, por processos incrementais, se modificam a partir de aportes múltiplos e entremeados (BRAGA, 2018, p. 05). Dessa forma, o destinatário possui a função ativa no processo de decodificação, onde confronta com seu próprio saber com as informações presentes nas narrativas jornalísticas e nas demais narrativas que possui contato. Para José Luiz Aidar Prado (2005, p. 45), a experiência com vários tipos de enunciadores e enunciados permite que o receptor forme sua opinião a partir de um conjunto de vozes, de forma a responder não apenas guiado por mapas construídos por agências mediáticas, participando na construção dos discursos sobre determinado tema. Assim, jornal ordena e sistematiza o real, mas sua interpretação é responsabilidade do telespectador/leitor/ouvinte. Conforme José Luiz Braga (2018, p. 15) “não é possível ‘separar’ previamente a comunicação de seu contexto interacional. As relações de dupla direção entre esse contexto e o fenômeno são tais que o processo não sobrevive à separação. É preciso inferir o fenômeno, não imediatamente perceptível, a partir de pistas e indícios encontrados no ambiente social de sua ocorrência”. Para Pinto (1995 apud BECKER, 2012) há 3 postulados responsáveis por essa apreensão das informações e reconfiguração dessas. O primeiro 48 momento, denominado de semiose infinita, ocorre onde cada significante remete outro nunca alcançando um sentido estável e/ou definitivo. O segundo momento seria o da economia política do significante, onde fenômenos culturais funcionam sob uma lógica de mercado: produção, circulação e consumo. E por fim, o postulado da heterogeneidade enunciativa que relativiza o poder dos meios de comunicação frente ao receptor. Portanto, “ao abordar esse aspecto performativo da mídia, não estamos falando em manipulação, mas de um fazer que não é da ordem do ato ilocucionário da pergunta, da ordem, da promessa etc. O que faz então? Cria um domínio discursivo e repõe o leitor numa certa franja de posições de sujeitos” (PRADO, 2005, p. 43). Ou, como aponta Charaudeau (2016, p. 16): nunca se enunciará suficientemente esse paradoxo da imagem audiovisual que, enquanto pretende ser fiel à realidade, só constrói um aspecto ilusório desta; que, produzindo a emoção, impede que a compreensão se exerça; e que, no entanto, nos oferece uma parte do mundo que não veríamos sem ela. É certo que aquilo que ela nos cede, ela também nos impõe, apresentando unicamente uma parte visível do mundo. Sim, certamente trata-se de uma imposição. Não é, como se diz por vezes, que ela torna o invisível visível; é que ela só torna visível o visível que ela decide manifestar. E isso estabelece um mal- entendido. Por isso, para Charaudeau a função de informar exercida pelo jornalismo televisivo só acontece por meio de um jogo de espelhos deformados, onde não é possível afirmar que esse gênero de comunicação mostra a realidade tal qual ela é, que não há escolhas ou que é possível considerar que os atores representam uma consciência moral. No entanto, “nem as mídias em geral nem a televisão em particular são um poder. Elas participam do jogo complexo do poder, mas elas só são um lugar de saber e de mediação social indispensável à constituição de uma consciência cidadã, o que já é alguma coisa” (CHARAUDEAU, 2016, p. 22). Devido essa importância dos meios, muitos movimentos sociais têm voltado sua pauta de reivindicações para a questão da identidade – o que ela significa, como é produzida e questionada, destacando o papel desses na formulação, reconhecimento e legitimação dos seres e de fornecedor de critérios e referenciais para a condução da vida diária e adaptação ao mundo moderno. 49 Para Guacira Louro, a partir dos anos 60 grupos denominados de minorias (sexuais e étnicas) começaram expor sua inconformidade com as maneiras como eram representados, reivindicando a visibilidade de outras representações a respeito de seus modos de viver, suas estéticas, éticas, histórias, experiências e dilemas, numa exigência pelo direito de “falar por si” e “de si”, ou seja, de se auto representar. Ao debater a respeito de representações desfavoráveis, é importante conceituar também o termo estereótipo. Este é capaz de transformar em poucos atributos uma variedade de características de um determinado grupo, a partir de um conhecimento apenas intuitivo. Apesar disso, torna-se uma influente maneira de controle social que simbolicamente distingue o “normal” do “anormal”, e pode ser utilizado para naturalizar, legitimar ou universalizar determinados valores, identidades ou regras, modelando o mundo conforme a visão de quem a emitiu (FREIRE FILHO, 2005). Nesse sentido a discussão de gênero na contemporaneidade também deve ser analisada sob o viés mediático. Conforme João Freire Filho (2005, p. 21), o