1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ‘Júlio de Mesquita Filho’ FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO. Departamento de Comunicação Social DANIELE MODANEZ POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO CULTURAL nova possibilidade de acesso à cultura por meio de editais BAURU 2012 2 2 DANIELE MODANEZ POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO CULTURAL nova possibilidade de acesso à cultura por meio de editais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, Campus de Bauru, para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas. Orientador: Prof. Dr. Claudio Bertolli Filho BAURU 2012 3 3 DANIELE MODANEZ POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO CULTURAL nova possibilidade de acesso à cultura por meio de editais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’, Campus de Bauru, para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas. BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Prof. Dr. Claudio Bertolli Filho - Orientador Professor do Departamento de Ciências Humanas da UNESP – Bauru ___________________________________ Prof. Dr. Juarez Xavier Professor do Departamento de Comunicação Social da UNESP – Bauru ___________________________________ Mariany S. Granato Graduada em Relações Públicas pela UNESP – Bauru. Bauru, 30 de novembro de 2012. 4 4 Ao colo sábio de minha mãe, ao olhar profundo de meu pai, ao sorriso inocente de meu irmão e às palavras seguras de minha irmã eu dedico este e todos os outros trabalhos e momentos inesquecíveis de minha vida. “Não se preocupem nunca, estamos mais perto do que imaginam”. 5 5 AGRADECIMENTOS “Pois é, tudo aquilo que não se pode ver, e ao amanhã a gente não diz. Avisa que há de se entregar o viver. Voa até onde conseguir. Deixa o amanhã e a gente sorrir.” Los Hermanos Tantas vezes pensei quais seriam os nomes a serem citados aqui, mas não deixarei meus pensamentos se esvaírem para poder, a partir disso – e tão rapidamente – assumir uma posição sagaz e, com apenas um olhar, despedir-me das pessoas queridas. A começar a nominar todos os responsáveis pelo preenchimento interno desta a quem os escreve, ausentam-se as palavras. Ainda assim, eu tentarei. Às tias que me trouxeram a profissão nos braços envolta em fita vermelha, eu agradeço. Até hoje sou capaz de lembrar Lucilene Grando (uma de minhas segundas mães) e Maria Cândida Cinalli (a psicóloga admirada) pronunciarem as palavras, como num grito de misericórdia: “Dani, por que você não faz RP?”. No eco, a elas nada mais posso fazer a não ser dedicar por inteiro todos esses escritos que se seguem e dizê-las que “assim eu sou, assim eu me formei”. Graças às dicas, graças à sintonia existente entre nós, graças às taças de vinho, graças a vocês duas eu acredito, cada dia mais, que estou no caminho certo. Às pessoas que me fizeram acreditar que nós podemos renascer a cada dia, eu agradeço. Camila Ferreira, Mariana Zaia e Fernanda Dias. Precisarei de alguns clichês para agradecê-las: eu as amo, eu as considero, eu as quero em minha vida para sempre em todos os momentos especiais e, sim, só depende de nós. Os três (ou dois) anos que vivemos juntas são capazes de definir a intensidade de uma amizade e de nos provar o quanto somos aprendizes da vida em coletivo. O quanto devemos “olhar o outro com outros olhos” sempre e o quanto podemos amar os animais, ou as crianças, ou um brigadeiro de bolacha improvisado. Podemos entender porque ir à sorveteria numa tarde quente faz a diferença em toda eternidade. O quão importante é a vida, a morte, Deus e o renascimento diário em nossas vidas. Aprendemos quão misterioso pode ser olhar de fora para a janela do apartamento e ter certeza de que as luzes estão acesas e sentir muito medo disso. Mas hoje eu posso afirmar (e até sentir saudade do mistério) que as luzes daquele apartamento nunca estiveram apagadas, sempre deixávamos o “rabo” aceso por 6 6 questões óbvias de cumplicidade, necessidade ou até preguiça de economia... Posso afirmar não foi só farra, festas e diversão, mas cumplicidade. Sempre encontramos a luz uma na outra e, por esses e outros grandes motivos, a vocês eu agradeço por terem me ensinado tudo do jeitinho que deveria ser. Agradeço por serem dignas, inesquecíveis e por continuarem presentes, apesar de todo o tempo e espaço que teimam em atrapalhar (ou permitir a reconstrução). Mas só assim a saudade pode continuar imensa. Aos meus queridíssimos Chanti e Bia, eu agradeço por terem sido meus portos-seguros tanto na faculdade quanto no trabalho. Obrigada por serem – lindos e carinhosos - como são e por permitirem que nossa amizade seja uma das coisas mais valiosas que levo de Bauru. À pessoa que me ajudou, me confiou e permaneceu ao meu lado nesses últimos momentos tão intensos. Rodrigo, obrigada pelo carinho, pelas palavras, pelo apoio e pelo amor. Às meninas que me ensinaram tudo o que aprendi neste último ano sobre convivência, coletividade, compreensão, gentileza, companheirismo e amizade, eu agradeço. Ana Luh, Bixete, Chica, Ema, Grande, Leka, Mel, Ro, Robin, Sarinha e Thai da República Gaiola, obrigada por terem sido fundamentais para meu aprendizado em “viver em uma república” neste último ano em Bauru. Mesmo em tão pouco tempo, me mostraram o que devo valorizar no futuro e como podemos colaborar e respeitar os que estão ao nosso redor. Ana Luh, Chica, Ema, Robin, Sarinha e Thai, que estão comigo desde o início, agradeço por terem permitido que eu conhecesse um pouquinho mais de cada uma de vocês morando juntas e saibam que meu apreço por vocês é imenso e a saudade será evitada com muitos reencontros, afinal, só depende de nós. Às pessoas que fizeram os (poucos, perto do que deveríamos) tempos de intenso estudo terem se tornado tão alegres, eu agradeço, pois já me fazem muita falta. Ainda que a comunicação não tenha sido a mais eficaz, ainda que os públicos não tenham se relacionado tanto quanto deveriam, ainda que a cultura organizacional, por vezes, tenha sido multifacetada, de fato vocês são os melhores “coleguinhas de classe” que eu já tive. Cada qual com suas minúcias e expressões nas segundas feiras noturnas ou nos sábados matutinos e cada qual com seus respectivos espaços no meu coração. Amigos da turma de Relações Públicas 2009- 2012, muito obrigada por terem feito toda a diferença durante esses quatro anos. 7 7 Àqueles que me ensinaram como ser Relações Públicas, eu agradeço. À Ticomia, à Tilibra, À Comissão de Formatura e a todos os amigos que fiz nesses ambientes. Saibam que foram fundamentais para minha vida profissional e com certeza, hoje, transcendem os locais de trabalho. À Universidade e a todos os Professores pelos grandes ensinamentos. Em especial, ao Bertolli, que me orientou, ajudou e direcionou esta última etapa de uma forma tranquila e, ainda que todas as circunstâncias se mostrassem arriscadas, acreditou em meu potencial. Para todos vocês deixo a minha sincera admiração. Aos amigos – bixos e veteranos - das repúblicas Agressão, Gaiola das Loucas, Mansão Verde, 63B, Sublime, Frafru, Sacadinha, Acapulco e Rep Roots, eu cumprimento com um abraço cheio de saudade de todos os momentos memoráveis (e loucos) passei com vocês. Aos amigos do Condado, os quais me fazem ter certeza de que “sim, eu tenho amigos loucos!”. Ainda que diante de todas as farras, sei que tenho com quem contar quando precisar. Vocês foram fundamentais em todos os momentos que passamos juntos. Com muito amor, eu agradeço. Às pessoas que me alicerçaram, que me deram todo o respaldo necessário e todos os conselhos insubstituíveis. A vocês eu dedico – novamente e sempre - todo meu amor, toda minha dedicação e esforços, toda minha estrutura, toda minha alegria, meu sucesso, meu carinho e minha felicidade. Com certeza o meu maior orgulho é poder vê-los sorrindo nesse momento tão inesquecível. Obrigada, meu pai e obrigada, minha mãe. Agradeço aos céus por serem dignos e por me mostrarem a cada dia - e com louvor -, o quão fortes e unidos somos, independente de tudo. Saibam que eu estarei sempre ao lado de vocês, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe. E por último, às pessoas que me fazem lutar a cada dia, às pessoas que me inspiram e me instigam a mudar e melhorar sempre, às pessoas que me ensinam a cada dia como podemos amar, acreditar e vencer, eu agradeço. Aos meus irmãos, Mariana e André, eu agradeço por estarem ao meu lado sempre e por acreditarmos um no outro. Agradeço por terem sido meu maior suporte nos momentos mais difíceis e, ainda que a vida seja um poço de surpresas e tenda a direcionar cada um de nós a um lugar diferente, eu desejo que nunca nos esqueçamos de que “um bom filho a casa torna”. Deixo aqui meu imenso amor e minha ausência de palavras. 8 8 Agradeço, portanto, a todos àqueles que fizeram desses últimos quatro anos os melhores e mais gratificantes de toda minha vida. Foi uma grande honra. 9 9 “Questionar as premissas supostamente inquestionáveis do nosso modo de vida é provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar a nossos companheiros humanos e a nós mesmos”. Zygmunt Bauman 10 10 “Nossa maior preocupação [...] foi que Joãozinho não fosse atrapalhado por arranjos que tirasse sua liberdade, sua natural agilidade, sua maneira pessoal e intransferível de ser, em suma, sua espontaneidade. [...]. Ele acredita que há sempre um lugar para uma coisa nova, diferente e pura que – embora à primeira vista não pareça – pode se tornar, como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o Amor, as notas, a simplicidade e sinceridade.” Tom Jobim1 “Iniciativas e anseios do poder público, da sociedade e dos segmentos culturais do país, com o espírito aberto e democrático que tem guiado nossos atos.” Gilberto Gil “A nossa bondade é medida por aquilo que aceitamos, pelo que criamos e por quem incluímos.” Luigi Barzini 1 Texto de contracapa do álbum “Chega de Saudade”, escrito por Antônio Carlos Jobim em homenagem a João Gilberto, que lançava seu primeiro LP em 1959. 11 11 RESUMO Neste trabalho, buscam-se refletir, primeiramente, as interfaces culturais brasileiras, a começar por uma definição conceitual, simbólica e antropológica de Cultura e Identidade. A partir disso, reforçar os principais públicos de uma comunicação: os indivíduos, grupos e sociedades. Em seguida, as reflexões abordam um âmbito mais comunicativo, em que os profissionais de Relações Públicas são enfatizados como um dos grandes responsáveis pela movimentação cultural na sociedade. Na última abordagem, as Políticas Públicas Culturais são reforçadas como principais instrumentos na criação de leis de incentivo à cultura em seus meandros e, por fim e rapidamente – mas não menos importante, a Política de Editais é refletida sinteticamente como uma das novas possibilidades de fomentação cultural. PALAVRAS-CHAVE: Identidade. Cultura. Sociedade. Relações Públicas. Comunicação. Incentivo à Cultura. 12 12 ABSTRACT In this work, seek to reflect, primarily, the Brazilian cultural interfaces, starting with a conceptual definition, symbolic and anthropological Culture and Identity. From this, the main strengthen public communication: individuals, groups and societies. Then the reflections address a more communicative context in which PR professionals are emphasized as a major responsible for handling cultural society. In the latter approach, the Cultural Public Policy are reinforced as key tools in creating laws to encourage culture in its intricacies and finally and quickly - but not least, the policy Edicts is reflected as a synthetically the new possibilities of fostering cultural. KEYWORDS: Identity. Culture. Society. Public Relations. Communication. Cultural Incentive. 13 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14 2 INTERFACES DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA ................................... 15 2.1 Identidade: um ser fluido ........................................................................................ 17 2.2 Cultura: uma trajetória conceitual ........................................................................... 21 2.3 Identidade Cultural Brasileira .................................................................................. 27 3 COMUNICAÇÃO CULTURAL ................................................................................ 32 3.1 Relações Públicas no mundo: efervescência de seu surgimento ............................ 33 3.2 Relações Públicas no cenário contemporâneo brasileiro ........................................ 39 3.3 Relações Públicas Culturais ................................................................................... 42 4 POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS ..................................................................... 48 4.1 Uma trajetória histórica ........................................................................................... 49 4.2 Leis de Incentivo à Cultura ..................................................................................... 53 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61 14 14 1 INTRODUÇÃO Refletir sobre Cultura é o mesmo que transcender a realidade, convidar as melhores pessoas à mesa e, com elas, discutir as coisas boas que a vida tem a oferecer. O presente trabalho, por sua vez, nasce da inquietação. A Cultura nada mais é do que a representação real e legítima das manifestações de um povo, de uma sociedade. Ela transcende a economia e as diretrizes legais e alcança um patamar tão simbólico que é capaz de fazer os beneficiários de fato sentirem sua presença, e desejarem sua proximidade, abstendo-se de quaisquer malefícios aparentes na sociedade em termos educativos, sociais, políticos ou econômicos. Com base nesses pensamentos, no primeiro momento discorreu-se sobre conceitos e pormenores da Cultura e da Identidade como forma de aprofundar as reflexões sobre a identidade cultural brasileira, esta que se conclui ser tão rica e diversificada, passível de incentivo e valorização por parte do Estado. No segundo momento, o profissional de Relações Públicas é despertado como capaz e fundamentado em corroborar com as discussões e desenvolvimento das atividades, por meio de uma comunicação democrática, limpa e segura para toda a população. Ademais, no terceiro momento, descreveu-se o panorama histórico acerca de Políticas Públicas Culturais, como forma de ponderar quais são os mais viáveis meios de incentivo e fomentação cultural. Por fim, o universo cultural como sendo dinâmico, transformador e essencialmente humano, ressalta-se que as teorias e temas abordados sugerem e convidam o leitor a se relacionarem-se em um diálogo intercultural e eficaz. 15 15 2 INTERFACES DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA “Quando a criança pequenina começa a aprender a brincar de esconde-esconde rimos porque fecha os olhos, certa de que, ao fazê-lo, os outros deixam de vê-la porque ela deixou de vê-los. Fechando os olhos, porém, ela exprime nossa crença ancestral de que a visão depende de nós, muito mais do que dependeria das coisas.” Marilena Chauí “Vejam, pois, que a discussão sobre cultura nos ajuda a pensar sobre nossa própria realidade social. De fato, ela é uma maneira estratégica de pensar sobre nossa sociedade, e isso se realiza de diversos modos.” José Luiz dos Santos "A cultura é uma longa conversa e, se não há conversa, não há cultura." José Teixeira Coelho Neto A primeira discussão diz respeito à cultura enquanto fator itinerante, que se desloca e se transforma junto ao desenvolvimento humano e estrutural da sociedade. Todos os inúmeros conceitos que permeiam as mais amplas áreas de estudo (biologia, psicologia, sociologia etc.) unem-se à antropologia para referenciar os termos e, diante disso, deixam de ser objetivos e passam a ser simbólicos2. Assim, a Cultura segue a mesma ótica. Na área observada, fala-se em visões de mundo para referenciar as diferenças culturais e caracterizar a identidade. A Identidade frequentemente remete-se à ideia única e elementar de cultura, como se uma integrasse a outra. Porém, mesmo que Identidade e Cultura estejam estreitamente interligadas e as interpretações de ambos os territórios possuam um alto grau de parentesco, não se faz coerente equivocar-se em seus significados, pois, ainda que semelhantes, diferem-se. 2 Ao analisarmos uma cultura, vemos que esta apresenta componentes materiais (isto é, elementos físicos – como instrumentos musicais ou o galpão de uma escola de samba); organizacionais (sobretudo racionais e objetivos – como o trabalho de produção cultural ou a legislação sobre o mercado de cultura); e simbólicos (subjetivos – que compreendem todo o ‘conteúdo’ desta cultura: suas crenças, mitos, lendas, códigos de conduta, símbolos, estilos, estética, entre outros). Os elementos simbólicos de uma cultura são responsáveis pela formação do imaginário humano e, portanto, do mundo humano de sentidos e significados racionais e subjetivos. (COELHO, 2004, p. 95). 16 16 Há o desejo de se ver cultura, de encontrar identidade para todos. Vêem-se crises culturais como crises de identidade. Chega-se a situar o desenvolvimento dessa problemática no contexto do enfraquecimento do modelo de Estado-nação, da extensão da integração política supranacional e de certa forma da globalização da economia. De maneira mais precisa, a recente moda da identidade é o prolongamento do fenômeno da exaltação da diferença que surgiu nos anos setenta e que levou tendências ideológicas muito diversas e até opostas a fazer a apologia da sociedade multicultural, por um lado,ou, por outro lado, a exaltação da idéia de “cada um por si para manter sua identidade”. (COUCHE, 1999, p.176). Contemporaneamente, elas são continuamente dialéticas e devem ser vistas/lidas como parciais, provisórias, efêmeras, inacabadas, ou seja, passíveis de deslocamento conceitual, deslizamento temporal e ampliação visual. Pois nenhuma é fixa, uma e outra são líquidas3. Sob essas reflexões, questiona-se: O que é cultura? A quem se confia seu direito e sua organização? É social? Uma responsabilidade estatal? Um esforço coletivo ou individual? A menção comunicativa de todas essas interpelações culturais se fazem presentes a partir do momento que são pensadas até o momento de serem realizadas palpavelmente. Diante disso, além de explorar os conceitos (não singulares) de cultura e recortá-la em seus vieses sócio-histórico, identitário e antropológico, também se farão presentes algumas discussões comunicativas, visando sempre destacar o ‘Relações Públicas’4 como um dos profissionais capazes de puncionar as ações estratégicas da movimentação cultural na sociedade. Para tais reflexões, as referências correntes e destaques seguem citados em nota. 3 “Liquefação” das estruturas e instituições sociais. Estamos agora passando da fase “sólida” da modernidade para a fase “fluida”. (BAUMAN, 2005. p. 57). 4 “Sua interferência deve ser criativa e capaz de encontrar pontos de contato e comunicação entre diferentes mundos e, a partir daí, produzir uma transformação nos sujeitos da recepção. É preciso que tenha em mente que a relação primeira e central de seu trabalho é com o público, mais do que com os bens culturais. O sucesso dos processos de mediação proporcionados por esse agente cultural vem, ao final das contas, das idéias e dos saberes que transmite e dos diálogos que estabelece com diversos públicos.” (TATSCH, 2002, p.87). 17 17 2.1 Identidade: um ser fluido “Minha própria formação e identidade foram construídas a partir de uma espécie de recusa dos modelos dominantes de construção pessoal e cultural aos quais fui exposto.” Stuart Hall “Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar...”. Marx e Engels Identidade é a combinação do indivíduo com seu ambiente, “é o espaço entre o mundo pessoal e o mundo público” (HALL, 2000, p. 12). Ela os unifica e, a partir disso, permite ao sujeito individual enxergar-se pertencente à determinada classe cultural5, seja de gênero, etnia, idade, política, religião ou outra. Essa perspectiva de identidade é pós-moderna e foi definida por Stuart Hall (2000), o qual sugere que o processo de identificação de um indivíduo é criado diariamente, a cada passo dado, a cada local visitado, a cada encontro ou relacionamento concebido. A Identidade Cultural, por sua vez - e atendendo as discussões presentes -, é uma modalidade capaz de caracterizar as diferenciações culturais e aceitar, por meio da negação de outra, a Identidade mais coerente à determinada pessoa ou grupo cultural – ainda que ambos estejam em constante transformação. Denys Cuche (1999, p. 182), doutor em Etnologia, pressupõe que a identidade cultural é uma propriedade essencial e, “inerente ao grupo porque é transmitida por ele e no seu interior, sem referências a outros grupos”. Assim, entende-se que ela pode ser considerada única e exclusivamente resultante das inter-relações desse grupo. Ou seja, a identidade é o que permite pensar as 5 “[…] os indivíduos e os grupos investem nas lutas de classificação todo o seu ser social, tudo o que define a ideia que eles fazem de si mesmos, tudo o que os constitui como “nós” em oposição a “eles” e aos “outros” e tudo ao que eles têm apreço e uma adesão quase corporal. O que explica a força mobilizadora excepcional de tudo o que toca a identidade.” (BOURDIEU, 1980, p. 69). 18 18 articulações sociais de um indivíduo ou grupo específico, pois são essas interações que o localizam socialmente a partir de sua classe e, com isso, ele pode ser visto como um ser de identidade. A identidade é um modo de categorização utilizado pelos grupos para organizar suas trocas. Também, para definir a identidade de um grupo, o importante não é inventariar seus traços culturais distintivos, mas localizar aqueles que são utilizados pelos membros do grupo para afirmar e manter uma distinção cultural. (BARTH apud COUCHE, 1999, p.182). A peculiaridade do sujeito não é autossuficiente, mas se forma através dos elementos julgados essencialmente vitais por e para ele. Ou seja, a relação com outros sujeitos considerados importantes para ele é o que se constitui a Identidade individual. Essa identidade permeia o sujeito e seus valores, sentidos e símbolos universais que habitam dentro dele (cultura). Enfatiza-se que a identidade não é fixa e nem permanente, pois – assim como o mundo -, as pessoas e os sistemas culturais sofrem constantes mudanças históricas integralmente, então garantem também que a identidade esteja sempre em movimento. Esta abordagem que concebia a identidade cultural como praticamente imutável e determinando a conduta dos indivíduos, seria em seguida ultrapassada por concepções mais dinâmicas que não veem a identidade como um dado independente do contexto relacional. (COUCHE, 1999, p.176). A busca pela conceituação por parte de pesquisadores existe desde os anos cinquenta quando, nos Estados Unidos, alguns grupos de psicólogos6 analisaram os imigrantes que sofriam problemas de adaptação no país e observaram, nessas pesquisas, que identidade “é um instrumento que permite pensar a articulação do psicológico e do social em um indivíduo [...]. Ela exprime a resultante das diversas interações entre o indivíduo e seu ambiente social7, próximo ou distante.” (CUCHE, 1999, p. 177) 6 “Em Psicologia Social, a problemática da identidade ocupou um lugar central nos estudos de William James (1920), e, na tradição do Interacionismo Simbólico, nos trabalhos pioneiros de George Mead (1934). Após um período de poucos avanços, a temática voltou a receber atenção de trabalhos sobre as relações entre os grupos, sobre a diferenciação social, sobre a identidade marginal...”. (JACQUES, 2002, p.160). 7 Ambiente Social corresponde ao espaço onde as relações humanas de produção, trocas, intercâmbios e interações, de qualquer natureza e contexto, ocorrem e são impulsionadas. Dessa forma, o ambiente social compreende tanto relações sociais, quanto econômicas, culturais, psicossociais etc. 19 19 Cuche e Hall (1999) concluem que a Identidade se dá devido à interação social e às diferenças de relação dentro de uma cultura. A resultante criada a partir do convívio, do diálogo e da comunicação desses indivíduos/grupos/sociedades, consiste a identidade cultural. A sociedade moderna, portanto, admite a Identidade sendo um “assunto de Estado” (CUCHE, 1999, p. 188), pois é este quem determina os regulamentos de determinada sociedade e quem, com rigidez, gerencia a identidade dos indivíduos. Por meio de registros, os cidadãos cada vez mais são “identificados” a partir das vontades estatais determinadas ao coletivo. A identidade coletiva é apresentada no singular. [...]. O artigo definido identificador permite reduzir um conjunto coletivo a uma personalidade cultural única, apresentada geralmente de forma depreciativa: “O árabe é assim...”. “Os africanos são assim...”. (COUCHE, 1999, p.189). Isso quer dizer que, alguns Estados – estes, que deveriam considerar todos os cidadãos de forma igualitária -, impõem de certa forma uma categorização em suas carteiras de identidade e muitas vezes os próprios indivíduos não se considerarem como tal. Uma identificação, que deveria ser de cunho organizativo e referencial, torna-se uma imposição e, muitas vezes, um ato discriminatório. Cuche sugere que os cidadãos deveriam, unidos em sua coletividade, vincularem-se na busca solidária pelo reconhecimento de suas identidades particulares para alcançar a identidade coletiva, de forma que ela não mais possa ser imposta pelo Estado. Dessa forma, segundo Georges Devereux (apud CUCHE, 1999. p.192): [...] E, no entanto, é a dissimilaridade, funcionalmente pertinente, de um homem em relação a todos os outros que o torna humano: semelhante aos outros precisamente pelo seu alto grau de diferenciação. É isto que lhe permite atribuir a si mesmo “uma identidade humana” e, consequentemente, também uma identidade pessoal. A Identidade Cultural, neste caso, deve se constituir de análises e abordagens múltiplas, com olhares atentos à sociedade, aos homens, às etnias, às atuações estatais, às diferenciações culturais etc, Configura-se assim, pois ela cabe em um universo de conteúdo intangível e, ainda assim, ter em mente que ela existe 20 20 numa linha de existência fluida, onde suas interpretações estarão sofrendo constantes mutações. Logo, “não existe identidade cultural em si mesma, definível de uma vez por todas. [...]. Se admitirmos que a identidade é uma construção social, a única questão pertinente é: ‘Como por que e por quem, em que momento e em que contexto é produzida, mantida ou questionada certa identidade particular?’” (CUCHE, 1999, p.202). Partindo do pressuposto de que as culturas, hoje, são híbridas8, ainda afirmam que os estudos sobre identidade não podem ser baseados em ideias fixas ou essenciais, pois o mundo, sendo ele inteiramente conectado e fluido, reestrutura todas as caracterizações ou sedimentações identitárias. Não é garantida viabilidade de interpretação sob os relatos de determinadas sociedades, pois estes, uma vez existentes no hibridismo, também já se transformaram. Colonizações espontâneas se fazem presentes, hábitos remodelam-se, pessoais são elevados intelectualmente com recursos estéticos e educacionais, capitais internacionais são fundidos e esses fatores, “mais do que levar-nos a afirmar identidades auto-suficientes, serve para conhecer formas de situar-se em meio à heterogeneidade e entender como se produzem as hibridizações” (CANCLINI, 2008, p. 24). Esses processos incessantes, variados, de hibridação levam a relativizar a noção de identidade. Questionam, inclusive, a tendência antropológica e a de um setor dos estudos culturais ao considerar as identidades como objeto de pesquisa. A ênfase na hibridação não enclausura apenas a pretensão de estabelecer identidades “puras” ou “autênticas”. [...]. Quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram. (CANCLINI, 2008, p. 24). Em suma, a cultura é o que ocorre (basicamente e de antemão, pois veremos no momento seguinte uma visão mais ampla acerca de) no âmago de cada grupo ou sociedade e a identidade9 remete à ideia de vinculação desses eventos peculiares e exprime todas essas diferenças culturais dos indivíduos, grupos e 8 “[...] entendo por hibridização processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.” (CANCLINI, 2001, p. 14). 9 “[ ...] os indivíduos e os grupos investem nas lutas de classificação todo o seu ser social, tudo o que define a idéia que eles fazem de si mesmos, tudo o que os constitui como “nós” em oposição a “eles” e aos “outros” e tudo ao que eles têm um apreço e uma adesão quase corporal. O que explica a força mobilizadora excepcional de tudo o que toca a identidade. ” (BOURDIEU, PIERRE apud CUCHE, 1999, p. 190). 21 21 sociedades em várias significações. Afinal, elas coexistem dialeticamente, mas são propriamente independentes. 2.2 Cultura: uma trajetória conceitual “Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas, é mergulhar no meio delas”. Clifford Geertz “A cultura é esse padrão de organização, essas formas características de energia humana que podem ser descobertas como reveladoras de si mesmas – “dentro de identidades e correspondências inesperadas”, assim como em “descontinuidades de tipos inesperados” – dentro ou subjacente a todas as demais práticas sociais.”. Stuart Hall A sincronia de todas as substâncias culturais do passado e do presente é capaz de ilustrar a densidade da cultura e sua hibridização, a qual, tão emergente e conceitualmente cumulativa, sobrepõe-se a cada teoria em termos normativos de criação, desenvolvimento e atuação na sociedade atual. Para Néstor G. Canclini (1989, p. 25) é preciso fundamentalmente refletir “sobre o papel da cultura como expressão simbólica, de forma que seja capaz de sustentar as demandas quando os incentivos se fecham”. Como já dito inicialmente, é preciso manter em saliência o fato de que cada estudo sobre esse assunto é recorrente e compilado de arrematações anteriores e da sapiência de ideias de outrora, alcançando, dessa forma, um patamar – nem menos ou mais importante que os precedentes – de inteira dinâmica intelectual. Seu entendimento evolui simultaneamente às transformações da sociedade. Cada análise cultural séria começa com um desvio inicial e termina onde consegue chegar antes de exaurir seu impulso intelectual. Fatos anteriormente descobertos são mobilizados, conceitos anteriormente desenvolvidos são usados, hipóteses formuladas anteriormente são testadas, entretanto o movimento não parte de teoremas já comprovados de que alguém a alcançou e a superou. (GEERTZ, 1989, p. 35). 22 22 Dessa forma, além de organizar a questão cronológica das reflexões, a primeira condição para a análise cultural é estabelecer a relação entre a necessidade de analisar e de aprender os planos gerais e específicos: [...] um ponto que convém salientar desde o início, no tocante a cultura, é a importância de distinguirmos dois planos no que se entende por essa palavra: a cultura em sentido amplo, isto é, como conjunto de práticas, idéias e sentimentos, que exprimem as relações simbólicas dos homens com a realidade (natural, humana e sagrada) e a cultura em sentido estrito, isto é, como conjunto de práticas e de idéias produzidas por grupos que se especializam em diferentes formas de manifestação cultural – as artes, as ciências, as técnicas, as filosofias [...]. (CHAUÍ, p. 11, 1985). Neste primeiro momento, então, pretende-se observar a Cultura em seus vieses amplo e estrito, considerando primordialmente o conjunto de manifestações culturais exteriorizadas pelo homem junto à sua realidade. Assim será possível lançar um olhar amplo (porém concentrado) e um olhar restrito (porém extenso) sobre as principais percepções e teorias antropológicas da Cultura, afinal são as definições que mais dão suporte à comunicação social, visto que outras vertentes de interpretação são mais específicas e restritivas para outras áreas. Por fim, haverá um direcionamento a uma compreensão plausível do termo para a atualidade, onde seu caráter de aprendizado será elevado e considerado como primordial nas relações culturais. A cultura pode ser vista sob o foco da antropologia, que mostra a evolução do homem graças à transmissão do (sic) seus conhecimentos às gerações posteriores. A cultura vista como arte acontece quando essa transmissão se faz de modo agradável, provocando prazer aos olhos, aos ouvidos, ao paladar, ao coração, ao espírito. (MALAGODI; CESNIK, 1999, p.19). No entanto, elementarmente, é necessário conceituar a cultura a partir da origem do vocábulo em termos técnicos: No final do século XVII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os 23 23 termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture. (LARAIA, 2001, p.25). Edward B. Taylor (apud GEERTZ, 1989), sob as influências da antropologia germânica, foi um dos pioneiros a propor uma contextualização conceitual simbólica para a cultura, a qual pode ser designada à área comunicacional, como se pretende neste trabalho. Ele define que cada sociedade possui uma cultura, a qual - repleta de valores, individualidades e costumes já enraizados – forma o indivíduo dessa sociedade ao nascer ou ao ser inserido nessa determinada ordem social. A partir de sua inserção ou nascimento, ele passa a ser estimulado física e intelectualmente e a desenvolver-se junto a essas peculiaridades e a “tornar-se alguém”. Os modelos culturais lhe são impostos, e uma vez pré-existentes a ele, não mais o colocam sob a herança biológica (cultivo), pois o atribuem à inconsciente e natural essência e inter-relações (identidade cultural) do grupo. Tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis e costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. (TYLOR apud CUCHE, 1999, p.1). Diante disso, a repetição comportamental dos membros de um grupo faz com que eles estejam instituídos em uma padronização cultural denominada correta por eles mesmos e, ao adicionar-se um membro nesse grupo, o mesmo deverá apresentar-se apto a aprender determinados padrões e aceitá-los. Uma vez feito isso, será aprovado e aceito pelo grupo, podendo permanecer nele. Agora, em remate ainda amplo, pode-se dizer que o caráter da cultura é dinâmico e transformador, pois se encontra presente nos territórios inter- relacionados: econômico, político e social. Significa-o dessa maneira, pois, segundo Clyde Kluckhom, (apud GEERTZ, 1978, p.14) ela pode ser compreendida como “(1) ‘o modo de vida global de um povo’; (2) ‘o legado social que o indivíduo adquire de seu grupo’; (3) ‘uma forma de pensar, sentir e acreditar’; (4) ‘uma abstração do comportamento’; (5) ‘uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente’; (6) ‘um celeiro de problemas recorrentes’; (8) ‘comportamento apreendido’; (9) ‘um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento’; (10) ‘um conjunto de técnicas para 24 24 se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens’; (11) ‘um precipitado da história’”. Ou seja, é possível vê-la por muitos ângulos processuais e, dessa forma, considerar que ela é parte do ambiente em que o homem constrói-se e, independente de ter inúmeras definições, possui também um aspecto de aprendizado, o qual é o fator primordial em qualquer grupo ou sociedade, pois esse conceito automaticamente se encaixa nos contextos situacionais entre o homem e sua realidade. Ela inclui todos os elementos do legado humano maduro que foi adquirido através do seu grupo pela aprendizagem consciente, ou, num nível algo diferente, por processos de condicionamento – técnicas de várias espécies, sociais ou institucionais, crenças, modos padronizados de conduta. (SANTAELLA, 2003, p. 31). Clifford Geertz (1989) também acolhe as significações estruturais da Cultura e identifica, entusiasmadamente, as relações de todas as esferas da organização social, que se conectam entre si. Para ele, a cultura assume um significado interpretativo e semiótico, seja na particularidade única e exclusivamente simbólica de cada relação interpessoal, seja em ocasiões cotidianas ou em outra plataforma comunicacional: mas que alcance todas as dimensões da ação social. Geertz enfatiza sua opinião mediante a afirmação de Max Weber, o qual diz que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (WEBER apud GEERTZ, 1989) e assume essa corrente interpretativa, onde a cultura passa a ser vista “como sendo essas teias e a sua análise” (GEERTZ, 1989). Ele acrescenta: Cultura é um sistema ordenado de significados, em cujos termos os indivíduos definem seu mundo, revela seus achados e fazem seus julgamentos. Cultura é um sistema simbólico, característica fundamental e comum da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada, significados e sentidos às coisas do mundo. (GEERTZ, 1989). 25 25 Os elementos sócio-históricos da vida em sociedade é o que de fato caracterizam a Cultura em seu cume evolutivo de conceito. Afinal, o modo de vida10 do homem é o grande fator propulsor da socialização e humanização dos indivíduos viventes em uma coletividade, pois, “[...] os modos pelos quais alguém ou uma comunidade responde a suas próprias necessidades ou desejos simbólicos” (COELHO, 2004, p. 103). Assim sendo, a cultura é um bem intrínseco à humanidade e está presente em todos os universos individuais e coletivos, bem como na estruturação das esferas públicas ou privadas que disponibilizam esforços para manifestações culturais, sejam elas de caráter moral, intelectual, financeiro e/ou estético. Visa-se caminhar para uma ótica mais atual do conceito, então se destaca a segunda edição do Plano Nacional de Cultura (2008, p. 11), a qual também explora uma abordagem de cunho antropológico, uma vez que “retoma o sentido original da palavra cultura e se propõe a ‘cultivar’ as infinitas possibilidades de criação simbólica expressas em modos de vida, motivações, crenças religiosas, valores, práticas, rituais e identidades”, além de buscar refazer as relações coexistentes na rede da diversidade, prevendo a participação do Estado nos ambientes culturais e a valorização desses argumentos simbólicos. Entretanto, essas discussões, ainda que colocadas em pauta, serão retomadas posteriormente. Antes disso, conceituam-se, rapidamente, alguns usos sociais da noção de cultura que Cuche (1999) trata em sua obra. Embora as análises desse termo estejam evocadas à simbologia neste trabalho, há também uma introdução a campos semânticos11, os quais se fazem presentes na Cultura Política12 e na Cultura Empresarial13. Ainda que tantos argumentos definitivos se façam presentes sobre o tema, a efetiva conceituação sempre carregará a reflexão e o questionamento em seu território social e democrático, afinal a cultura se encontra sob uma linha tênue: nem todas as compreensões são absolutas, porém muitas delas podem ser factíveis e todas elas, juntas, são capazes de mobilizar as pessoas a enxergar a Cultura como um de nossos principais auxílios diante das dificuldades atuais. 10 “[...] é ‘um estilo de vida’, um ‘modo de vida’, ou seja, uma cultura particular, baseada em um novo ethos (novos costumes), que constitui uma ruptura com os princípios tradicionais.” (WEBER apud CUCHE, 1999, p. 163). 11 Cultura de governo, cultura de oposição, cultura política, cultura empresarial etc. 12 Cultura Política compreende as significações das ações políticas em uma dada sociedade. 13 Cultura Empresarial é um conceito mais atual, em que o fator humano na produção de uma empresa é enfatizado. 26 26 Agora, num sentido mais específico do termo, as práticas culturais são capazes de desenvolver o pensamento do homem e direcioná-lo a um patamar crítico elevado. Além disso, cabe notificar que as manifestações de caráter cultural também trazem consigo identidades para os seres humanos, tais como seus conhecimentos, sentimentos, sonhos e desejos, comportamentos, valores e moral, costumes, tradições, língua e linguagem, manifestações artísticas (literatura, a música, o teatro, o cinema etc.), dentre outras. [...] quando um antropólogo social fala em ‘cultura’, ele usa a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social. (MATTA, 1981, p.2). Cada ser humano abastece-se da capacidade de aprender determinadas características desses complexos organismos sociais, integrá-las à sua vida social. Uma vez adquiridos esses elementos, cada uma das pessoas é capaz de representar e influenciar a dinâmica social humana e não apenas ser influenciada por ela. Assim, cultura passa a ser entendida como uma dimensão da realidade social, a dimensão do não material, uma dimensão totalizadora, pois entrecorta vários aspectos dessa realidade. Ou seja, em vez de se falar em cultura como totalidade de características, fala-se agora em cultura como a totalidade de uma dimensão social. [...] Essa dimensão é a do conhecimento num sentido ampliado, é todo conhecimento que uma sociedade tem sobre si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre a própria existência. Cultura inclui ainda as maneiras como esse conhecimento é expresso por uma sociedade, como é o caso de sua arte, religião, esportes e jogos, tecnologia, ciência, política. (SANTOS, 1985, p. 41). Estabelece-se cada vez mais uma dinâmica social comandada por mercados transnacionais a qual, articulada por produtos materiais e simbólicos, possui uma lógica dominante e hegemônica e que se estende aos territórios líquidos, distantes da tradição e da solidez. Essa dinâmica, por sua vez, é trazida por Cuche (1999, p.18) também sob a ótica antropológica, a qual atribui ao individuo o poder de alterar o curso da cultura. Considera-se como tal, pois é uma maneira interessante de somar ações individuais em que “o indivíduo, em função de sua história pessoal, que 27 27 produz uma psicologia singular, ‘reinterpreta’ sua cultura de uma maneira particular.” [...] e “a interação de todas as reinterpretações individuais fazem a cultura evoluir.” Então, os antropólogos anteriormente citados depositam suas crenças ao indivíduo e ao coletivo para uma transformação efetiva da realidade cultural do país. 2.3 Identidade Cultural Brasileira “Sou otimista porque acho que apesar de todos aqueles problemas, hoje nós estamos num patamar diferente, porque houve um movimento muito interessante da sociedade brasileira. Há a consciência de o que foi feito até aqui não funcionou, que apostar na barbárie para conter a barbárie não funcionou, que dar liberdade à polícia e tratar o sistema de segurança como algum objeto de terceira categoria, negligenciável, não funcionou. Isso degradou essas instituições, inviabilizou a constituição de qualquer sistema minimamente democrático e civilizado, e criou esse quadro que temos.” Luiz Eduardo Soares14 “[...] as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas no interior da representação.” Stuart Hall Diante das discussões refletidas nos tópicos anteriores, pode-se dizer que a Identidade de uma nação caracteriza-se pelas representações das relações de seus indivíduos, bem como pela linha de intersecção entre espaço e tempo e Pelas inter- relações de seu meio ambiente social. Ela é constituída num processo totalizante em que a dinâmica social contemporânea, sendo ela demasiadamente complexa, envolve todos os aspectos e diferenciações culturais já apontados anteriormente: classe, gênero, etnia, idade, política, religiosa ou outra. Portanto, assume-se novamente uma análise simbólica, em que o cenário de identificação cultural é reconhecido positivamente por sua diversidade, por sua variância e pela possível convivência dos indivíduos, ainda que diante de todas 14 Luiz Eduardo Soares, assessor da Prefeitura Municipal de Porto Alegre em: CEDEC 25 ANOS: PENSAR O BRASIL. - Seminário realizado pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea no Centro Universitário Maria Antônia da USP 14 (CEDEC), em 15 de maio de 2001. Apud revista Lua Nova. 28 28 essas diferenciações. Essa primeira observação justifica a enorme dificuldade em caracterizar a Identidade Cultural de forma efetiva e sem excluir nenhum de seus derivados. Assim, para refletir a contemporaneidade, faz-se necessária uma breve discussão acerca dos principais pontos do processo histórico que marcaram e/ou definiram a Identidade Cultural Brasileira. "Se no terreno político e social o liberalismo revelou-se entre nós antes um destruidor de formas preexistentes do que um criador de novas; se foi, sobretudo uma inútil e onerosa superafetação, não será pela experiência de outras elaborações engenhosas que nos encontraremos um dia com nossa realidade. Poderemos ensaiar a organização de nossa desordem segundo esquemas sábios e de virtude provada, mas há de restar um mundo de essências mais íntimas que, esse, permanecerá sempre intacto, irredutível e desdenhoso das invenções humanas. Querer ignorar este mundo será renunciar ao nosso próprio ritmo espontâneo, a lei do fluxo e do refluxo, por um compasso mecânico e uma harmonia falsa." (HOLANDA, 1936, p. 161). A Identidade Cultural do Brasil, ainda que diante de muitas dificuldades políticas e econômicas, culmina em algumas determinações simbólicas, as quais nunca deixariam de representar a “brasilidade” inerente à imagem do brasileiro tradicional de Gonçalves Dias15 (1843) tais como o sítio com roça de milho, capinzal, jabuticabeira e ribeirão, o sertão (“país de sol a pino”), o agreste, a caatinga, os vilarejos e povoados, as estradas e encruzilhadas etc. Além de identificar também o caráter nacional, os quais a malandragem, a esperteza, a perseverança etc. Fatores estes que se unem num discurso simbólico do homem cordial – citado em nota - e representam o Brasil, dando sentido à identidade identificada na sociedade brasileira. Essas [histórias] fornecem uma séria de imagens, estórias, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. Como membros de tal “comunidade imaginada”, nos vemos, no olho de nossa mente, compartilhando dessa narrativa. (HALL, 2011, p. 52). Cita-se uma visão tão tradicional, pois se confere um respeito e entendimento aos costumes que devem, ainda que historicamente, serem 15 “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.” (Canção do Exílio, 2011). 29 29 perpetuados. Mas parte-se do princípio já citado de que a identidade nacional foi construída em cima do elemento mestiço, da hibridização, da diferença cultural. [...] é um “país dos contrastes regionais”, destinado por isso à pluralidade econômica e cultural. (CHAUÍ, 2000, p. 8). Essa afirmação dissolve tensões reais e reafirma o que foi dito acerca da hibridização da cultura, mas em contrapartida, apresenta uma contradição por parte de quem o diz e que muitas vezes passa despercebida: [...] alguém pode afirmar que os índios são ignorantes, os negros são indolentes, os nordestinos são atrasados, os portugueses são burros, as mulheres são naturalmente inferiores, mas simultaneamente declarar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo sem preconceitos e uma nação nascida de mistura de raças. (CHAUÍ, 2000, p.8). A presença de várias culturas em um único território (este, com situações adversas) é relevante para a Cultura do Brasil em aspectos negativos e positivos desde sua colonização. Por um lado, os intelectuais sentiam-se incapazes de criar uma cultura própria, fundamentada em crenças e perspectivas “originais” deles mesmos, pois tiveram de adequar-se à cultura já imposta por seus colonizadores e, dessa forma, não tinham uma identidade própria, mas apreendida de outra sociedade pré-existente. Por outro lado – e partindo do princípio de que este é o raciocínio impreterivelmente escolhido para as próximas discussões -, todas as etnias coabitaram um único local e adaptaram suas relações onde os hábitos e costumes eram numerosos, os pensamentos eram essencialmente diferentes e as relações de poder eram absolutamente intransigentes. E, desde então, as formações política e territorial do Brasil foram profundamente influenciadas. A partir dos anos 30, Getúlio Vargas procurou consolidar o desenvolvimento social e a cultura passou a ser vista como um importante lócus de interferência do estado no sentido de se produzir um ideal de homem brasileiro. O que se assiste nesse momento é na verdade uma transformação cultural profunda, pois se busca adequar as mentalidades às novas exigências de um Brasil “moderno”. (ORTIZ, 1994, p. 43). 30 30 Outro momento importante que traçou substancialmente o perfil da identidade nacional foi o Estado Novo que, em 1937, houve uma reconceituação do “popular”, no sentido de que o termo apresentava uma ambiguidade que o estado tentava equacionar: ou era espontâneo, autêntico e puro ou então analfabeto, deseducado e dependente do Estado para sua educação e instrução. Esses momentos refletiram em grandes desilusões políticas, econômicas e culturais e são marcantes para essas reflexões, pois foi a partir desses pontos em que a Democracia se tornou um ideal nacional, em detrimento do Autoritarismo, que foi completamente rejeitado pela população brasileira. Os indícios históricos mostram que o Brasil enquanto montante complexo de diversidades - principalmente até os anos 50 -, por parte dos intelectuais e atores do poder, pois eles discutiam apenas as bases econômicas da nação. Os detentores do poder desejavam que o país culminasse uma identidade nacional elitizada, onde somente os grandes políticos e empresários poderiam ter acesso à determinada ordem cultural, em detrimento da suntuosidade do povo e do proletariado, que viviam em meio às relações de classe, à submissão das classes campestres, à valorização da cultura aristocrática etc. Mas essa situação se alterou a partir dos anos 50, quando a cultura passou a ser pensada dentro do quadro filosófico e sociológico e urge destacar sua inclinação para transformação. A década de setenta, por sua vez, foi crucial para a formação16 da Identidade Cultural Brasileira, pois, a partir dela, a cultura passou a ser mercantilizada e refletida como uma das principais características dos brasileiros, os quais, criativos, hospitaleiros, generosos, expressivos e cordiais17, ainda assim perpassavam por fragilidades políticas e econômicas, além de sofrerem grande influência internacional. A identidade é, neste sentido, elemento de unificação das partes, assim como fundamento para uma ação política. (ORTIZ, 1994, p.141). 16 Enfatiza-se o fator de mutação constante do processo de Identificação, este citado no tópico anterior. 17 No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. (HOLANDA 1995, p. 147). 31 31 Compreender a Identidade Cultural do Brasil torna possível a observação da realidade e seus problemas recorrentes. Com isso, é possível reduzir as desigualdades culturais, além de ativar os potenciais de desenvolvimento, explorar – reconstruindo – a fantástica diversidade que se observa neste país de dimensões continentais. Dessa forma é possível melhorar as atividades culturais em todo o território e para toda população. Desde que a concepção de cultura numa perspectiva antropológica começou a ser observada em um sentido mais moderno e amplo por parte dos intelectuais, que anteriormente o negavam, foi possível adequar às necessidades urgentes da população ao verdadeiro contexto multicultural e multiétnico do país. A partir disso, esses fatores deixaram suas posições de inexpressividade entre as camadas sociais brasileiras e passaram a ser vistos como representações legítimas e substanciais, além de se tornarem passíveis ao entendimento de todos e primordial para a caracterização social atual. É um processo de transformação econômica, política e social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem contínuas e profundas transformações. (PEREIRA apud ÁVILA, 2001, p. 20). Ou seja, reconhecer a diversidade como referência e adequá-la à legislação e às políticas públicas é a proposição primeira e minimamente necessária para culminar em efetivas pontes de desenvolvimento social e cultural. As medidas adotadas, os programas culturais e ações políticas são os fatores que mobilizam os indivíduos - independente de seu nível econômico – a buscarem conhecimento como forma de incentivá-los a se enxergarem parte da Identidade Cultural Brasileira, a qual se apresenta como sendo uma imensa rede social. A cultura é ininterrupta, criativa, multifacetada, variável e abundante. A expressividade de um povo é medida por meio de suas múltiplas identidades e posturas culturais. Altruisticamente, ela constrói valores sociais, políticos e econômicos que refletem os traços da diversidade e criam interpessoalidade nos relacionamentos em todas as instâncias. O propósito das políticas culturais e das ações pontuais devem ser, agora empiricamente, atingir todas as facetas desenvolvimentistas do Brasil, tais como, organizacional, comunicacional, 32 32 empresarial, público e, não tão somente social. Sob esse viés, possibilitar novos horizontes para todo o país. 3 COMUNICAÇÃO CULTURAL “É muito importante o modo como as instituições estão se situando, se requalificando para discutir o problema. [...] Penso, enfim, que estamos transitando por um outro nível de articulação, de debate, de reconhecimento dos problemas.” Luiz Eduardo Soares “Muitas pessoas, e talvez até a maior parte dos profissionais do setor, consideram as Relações Públicas como um meio que permite enviar mensagens pelos meios de comunicação de massa para criar impressões favoráveis do que a realidade. Muitos possivelmente consideram as relações públicas como uma prática antiética ou manipuladora, ou seja, uma força negativa na sociedade.” James Grunig A intensa comunicação18, a expansão da agricultura, a mobilidade populacional, o desenvolvimento da industrialização, o mercado de consumo, a disseminação de instituições democráticas, a alta tecnologia e a economia mundial altamente interdependente são características presentes na sociedade no século XX e elas simbolizam a necessidade dos indivíduos em adquirirem conhecimentos mais reais sobre o mundo, sobre si mesmos, sobre seus diálogos com outros indivíduos e assim por diante. Além disso, o acesso à informação também gera uma sinergia relevante entre as pessoas e isso confirma o fato descrito nos primeiros escritos de que o indivíduo é o principal pilar para a vida social e o primordial sujeito para que uma sociedade se desenvolva social, cultural, política e economicamente. Por isso, para 18 “As mudanças tecnológicas (sobretudo nas tecnologias da informação e comunicação) que acompanham um movimento geopolítico de controle do espaço, de avanço no jogo de forças [...] vão mexendo com o tecido das sociedades em um movimento à reconfiguração das relações econômicas, políticas e culturais.” (SARDINHA apud MELO; GONÇALVES; BIZELLI, 2012, p. 261). 33 33 um sujeito ter uma visão mais clara de si mesmo e do coletivo em que vive é preciso que sejam traçadas e revigoradas novas linhas de pensamento como forma de obter atualização constante dos cenários citados. Depois, de forma a garantir que os processos societários evoluam por parte de quem os recebe e por parte de quem os organiza, faz-se necessário contribuir para essa ordem coletiva, uma espécie de rede de pensamento, onde os relacionamentos e recursos se tornam acessíveis e consensuais. Sendo o Brasil um país de uma identidade cultural complexa, como já discutido anteriormente, as relações humanas são tecidas por meio da interação entre as culturas e, ao evocar a importância os indivíduos como principais sujeitos da vida social - seja ela tangível ou não -, consideram-se os processos comunicativos como os condutores responsáveis por esses estímulos. Diante disso, aproveita-se para compreender a essência das Relações Públicas19 e seu papel estratégico na movimentação cultural da sociedade, uma vez esta ser uma área dimensionada à comunicação social, cuja discussão nos reserva um respingo simbólico e perene aos processos da comunicação comunitária. Para melhor compreensão, serão ressaltadas algumas das teorias, funções e práticas da profissão, além de traçar panorama sobre o aparato histórico e teórico junto às suas demandas. Também se faz necessário descrever os acontecimentos e práticas mais atuais e transcendentes da profissão para, dessa forma, abstrair o conhecimento necessário e direcionar as discussões as políticas públicas culturais em cunho incentivador. Repete-se que, para tais discussões, as recorrentes observações serão citadas em nota. 3.1 Relações Públicas no mundo: efervescência de seu surgimento “Percebemos que a profissão nasce como resultado do fortalecimento do movimento sindical, embalado pela ideologia marxista, com todos seus diversos matizes, algo tão em voga à época. A sociedade civil fortalece-se, organiza-se e os grupos sociais, frutos desse amadurecimento político, começam a fazer valer 19 “Acreditamos que uma análise das Relações Públicas apanharia em profundidade os nexos entre Relações Públicas e ‘relações humanas’ na sociedade de classes” (PERUZZO, 1986, p. 30), o que talvez se faça necessário, mas que vai além dos objetivos desse trabalho. 34 34 sua cidadania; cobram do governo seus direitos; denunciam, através da mídia, os desmandos e as práticas corruptas das quais o governo e iniciativa privada articulam em conjunto.” Cláudia Peixoto de Moura “Uma grande questão para a qual nós, executivos, precisamos encontrar uma resposta é: como gerir nossas empresas nos diferentes cenários social, político e econômico? Como utilizar a comunicação para facilitar o relacionamento com públicos totalmente distintos e que vivem em realidades locais tão distintas [...]?” James Grunig O espaço para os profissionais de Relações Públicas20 nas empresas, nos governos e na sociedade21 cresce gradativamente e, de um modo geral, assume um papel com cunho mais enfático e teórico por parte de acadêmicos e profissionais da área, pois suas estratégias deixam de serem puramente técnicas para serem essencialmente gerenciais nas esferas organizacionais, sejam elas de caráter público ou privado. De antemão, sugere-se um panorama histórico da existência da profissão, o qual é dividido em quatro momentos: O primeiro momento (1882-1945) chamamos de ‘emergência da profissão’, pois os fatos registrados naquele período assim o justificam; o segundo momento (1949-1968) de ‘consolidação’, porque os acontecimentos históricos e evolutivos tanto em nível mundial como no Brasil assim o requerem; o terceiro momento (1969-1980) de ‘aperfeiçoamento’, pois especificamente, no Brasil, apesar dos fatos adversos da sociedade, é o período em que a profissão é regulamentada, bem como, é nessa época que proliferam os cursos de graduação na área e surge a pós-graduação em Comunicação Social com área de concentração em Relações Públicas. (CABESTRÉ apud MOURA, 2008, p. 105). Cláudia Peixoto de Moura22 reforça que: 20 “Embora as primeiras práticas rudimentares de relações públicas possam ter-se iniciado milhares de anos atrás, o exercício da atividade somente passou a ser considerado como uma profissão há cerca de um século.” (GRUNIG, 2011, p. 24). 21 “Nada mais natural para um país democrático, onde o convívio entre vários agentes sociais é inevitável e acontece dentro de princípios de liberdade e de definições claras sobre quais são os direitos e deveres de cada um.” (NORI apud GRUNIG, 2011, p. 8). 22 Cláudia Peixoto de Moura é autora de: História das relações públicas: fragmentos da memória de uma área. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. Disponível em: . Acesso em: 29 de outubro de 2012. 35 35 O terceiro momento (de 1981 até os dias atuais) chamamos de ‘fundamentação teórico/científica’, pois é o período em que se intensifica a discussão e produção científica na área. (CABESTRÉ apud MOURA, 2008, p. 105). Faz-se necessário abordar esses momentos discriminados, pois assim é possível verificar quando as relações públicas tomaram formato e em qual momento as atividades se estruturaram. Dessa forma, a primeira fase, ou seja, a fase de emergência da profissão é ilustrada por acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos, quando o país é tomado por crises e conflitos entre os empresários e a população: [...] as Relações Públicas surgiram quando a indústria começou a ser atacada por políticos e intelectuais. As vítimas do sistema pareciam ser os consumidores e os trabalhadores. (VIEIRA, 2002, p. 21-22). Os trabalhadores e consumidores se sentiram lesados ao ser agredidos verbalmente pela frase “o público que se dane”, sentenciada pelo renomado empresário da época, William H. Canderbilt. Essas palavras traduziram o “sentimento de desrespeito dos grandes empresários norte-americanos para com a opinião pública. Empresários de estradas de ferro, como o próprio William H. Vanderbilt, banqueiros como J. P. Morgan, magnatas do petróleo, como John Rockefeller, e do aço, com Henry Clay Frick, acreditavam que não tinham motivos para dar satisfação de suas ações à opinião pública.” (GURGEL; GUSHIKEN apud MOURA, 2008, p. 79). Esse momento é classificado como primeiro momento ou emergência da profissão, pois culminou da necessidade de gestão urgente. Entretanto, diante dessa hostilidade com que o público foi tratado, não haveria muitas maneiras possíveis de reverter a problemática sem ser por meio de uma excelente gestão de imagem23. Em termos técnicos, a situação em particular deixou de ser um marco negativo e só foi direcionada a rumo positivo quando a gestão dessa crise foi atribuída a Ivy Ledbetter Lee24, quem assumiu e obteve, por sua vez, “a glória de ter sido o primeiro a colocar em prática princípios e técnicas de 23 Considera-se imagem a forma como o indivíduo percebe determinada organização ou personalidade. Esta imagem pode ser ‘lapidada’, criada, manipulada e transformada, conforme os objetivos de quem a gerencia, pois busca causar determinada impressão (percepção) e influenciar a opinião a respeito. 24 James Grunig (2011) sugere que os Chineses – quiçá – foram os pioneiros a realizar atividades de Relações Públicas, mas – mesmo não encontrando teorias sobre essas afirmações para as discussões presentes, os registros de cunho teórico da profissão se baseiam quase sempre nos primórdios norte-americanos. 36 36 RP” a partir da publicação de um documento americano que explicava seu plano de gestão. Em 1906, Ivy Lee cria o primeiro escritório mundial de Relações Públicas, em New York. Em 1914, começa a trabalhar como consultor pessoal do temido John Rockfeller Júnior, um impopular empresário que mandou atirar sobre os grevistas. (VIEIRA, 2002, p. 21-22). O profissionalismo de Ivy Lee enalteceu a imagem de um empresário até então denegrido e transformou a opinião pública mediante a clareza, a exatidão e a franqueza de seu trabalho. As técnicas comunicativas utilizadas por ele também propiciaram a abertura de diálogos entre comunidades e o governo, bem como a idealização de entidades filantrópicas, centros de pesquisas, hospitais, museus etc. Esses procedimentos beneficiaram a sociedade norte-americana, pois possibilitaram o acesso ao conhecimento, à saúde e à cultura e além de muniram o arsenal inicial que levaria à formação do ônus do profissional de relações públicas25 e, acima de tudo, possibilitar fundamentação teórica e científica – a qual é retomada no terceiro momento da atual descritiva. Além dos fatos expostos, uma série de acontecimentos ocorridos nos EUA, principalmente na década de 1930, direcionaram as medidas trabalhistas ao que se conhece nos tempos atuais, tais como “a legalização dos sindicatos e do direito de greve; fixação do salário mínimo; proibição do trabalho às crianças; jornada de trabalho de 40 horas semanais; criação do seguro desemprego; frentes de trabalho financiadas pelo governo para absorver mão-de-obra ociosa e, por fim, uma forte intervenção do Estado na economia”. (MOURA, 2008, p. 37). Com essas alterações, os serviços de imprensa ganharam livre acesso às informações públicas26 e resultaram em um maior diálogo com o público, garantindo, por sua vez, a opinião pública mais bem articulada e a profissão – mais do que nunca – fundamental para a área governamental. 25 “Profissionais [...] mais críticos e capazes de intervir socialmente e contribuir para o florescimento de novas formas cidadãs de luta pela inclusão social, econômica e cultural em um mundo dominado pela supremacia da globalização autoritária.” (KUNSCH, 2007, p. 59). 26 Ao mesmo tempo em que Getúlio Vargas, no Brasil, consolidou o desenvolvimento social e a cultura passou a ser vista como um importante lócus de interferência do estado [supracitado em Capítulo 1]. 37 37 O jornalismo de denúncia, os movimentos sindicais, os escritores defensores da causa operária, as ideias socialistas, a crise econômica mundial, a ameaça de uma revolução comunista, o surgimento de governos ditatoriais da Europa, a situação de convulsão social que vivia a sociedade americana, acabaram por solidificar e consolidar, a partir da Era Rooseveltiana, [década de 1930] a profissão de Relações Públicas no âmbito governamental. (MOURA, 2008, p. 38). A política dessa época “pautou-se pelos princípios do diálogo, informação, consenso, entendimento e negociação” (MOURA, 2008, p. 39) e, com isso, representa, não só a emergência da criação das relações públicas, mas uma fase revolucionária, pois definitivamente legitimou e disseminou a profissão, fazendo com que pontos de intersecção com outras áreas fossem encontrados. O segundo momento é representado pela inserção das Relações Públicas na Comunicação Social e pela criação de um diálogo com profissões de outras áreas. Esse diálogo assume um papel importante no desenvolvimento conceitual do termo, pois “[...] foi assimilando a contribuição de diferentes óticas profissionais – advogados, psicólogos, administradores, publicitários, marqueteiros – e chegou, aos dias de hoje, com uma tecnologia de uso fundamentada [...] nas ciências sociais” (SIMÕES, 2001, p.14). Diante disso, a profissão assumiu um caráter multidisciplinar – como citado acima -, e permitiu que suas especificidades meramente informativas fossem substituídas por perspectivas mais criativas e inovadoras na abordagem de suas esferas humanas, sociais, científicas e teóricas. Assim, seus públicos de interesse fazem com que essa prática seja adotada por diversas organizações e caminhe ao terceiro momento. O terceiro momento – de aperfeiçoamento – aflora a profissão enquanto elemento de ensino e pesquisa científica e faz com que os cursos de graduação e pós-graduação27 criem um aparato teórico mais enfático em termos de técnicas e pioneiros em pesquisa na área. Esse momento reforça que “o exercício da profissão de relações públicas requer ação planejada, com apoio da pesquisa, comunicação sistemática e participação programada, para elevar o nível de entendimento, solidariedade e colaboração entre uma entidade, pública ou privada, e os grupos sociais a ela ligados” (apud ANDRADE, 1993, p. 42). 27 O primeiro foi o da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), em 1972. 38 38 A área como um todo desenvolve um trabalho sério e está em franco crescimento na pesquisa e produção de conhecimento teórico e aplicado; na reprodução desse conhecimento mediante o ensino; e na aplicação das práticas no vínculo com o mercado profissional. (KUNSCH apud KUNSCH, 2009, p. 7). Pode-se afirmar ainda que esse terceiro momento é considerado o de maior destaque para a profissão, pois é quando se torna uma ciência da comunicação social e passa a ter seu “corpo teórico, tanto crítico como normativo, constituindo um conjunto organizado de conhecimentos gerados pela pesquisa” (KUNSCH apud KUNSCH, 2009, p. 5). Além disso, é enfatizada a importância em definir e reformular continuamente seus termos curriculares de forma simultânea à evolução da sociedade. Quando não se fazia presente um arcabouço científico pautado em investigações sistêmicas sobre a profissão, as dificuldades conceituais eram inúmeras e aparentavam, por sua vez, certa insignificância. Porém, os principais autores da área enfatizam que a atividade profissional de Relações Públicas nada mais é do que “[...] a ação favorável dos públicos à missão da organização” (SIMÕES, 2001, p. 52). Então, é possível afirmar que os Relações Públicas, assim como tantos outros profissionais da comunicação, garantem-se num patamar reconhecido, principalmente por parte dos empresários, os quais “se deram conta de que necessitavam da figura de um especialista que compreendesse tanto os seus públicos externos quanto os internos para o bom funcionamento das organizações” (BARQUERO apud KUNSCH, 2009, p. 9). Além disso: [...] a esta altura já não importa muito a diversidade de expressões, pois que, quanto à essência do conceito, existe um consenso ao menos entre estudiosos e profissionais conscientes. Também já não altera a nossa posição indagar se os termos “relações públicas” são os mais adequados ao que significam. Eu mesmo acho que a esse rótulo foi incorporada uma conotação prejudicial pelo abuso dos que dele se serviram para ocultar outras atividades. O fato, no entanto, é que a expressão está universalmente reconhecida (POYARES, 1974, p. 144). O panorama histórico e mundial da profissão é descrito acima com base nas realidades norte-americanas28 da época, entretanto, como as condições 28 “A realidade socioeconômica norte-americana, à época, era marcada por uma caçada frenética ao dólar, especulação, uso do governo para interesses empresariais escusos, laissez-faire, robusto individualismo e 39 39 econômicas, sociais, políticas etc. do Brasil eram de fato distintas, discorre-se agora, também sinteticamente, sobre o início da profissão nas terras e mercados brasileiros. 3.2 Relações Públicas no cenário contemporâneo brasileiro “O exercício profissional de relações públicas requer ação planejada, com apoio na pesquisa, na comunicação sistemática e na participação programada, para elevar o nível de entendimento, solidariedade e colaboração entre uma entidade e os grupos sociais a ela ligados, num processo de interação de interesses legítimos, para promover seu desenvolvimento recíproco e da comunidade a que pertencem.” James Grunig O surgimento das atividades de relações públicas no Brasil se dá simultaneamente ao início das atividades nos Estados Unidos, porém surti a partir da criação do Departamento de Relações Públicas da agência The São Paulo Tramway Light and Power Co. Limited (atual Eletropaulo de São Paulo S/A), em 30 de janeiro de 191429. Inicialmente as práticas eram carregadas de formato empresarial e administrativo e a multiplicidade - dada como principal característica no tópico anterior -, só aparece no Brasil a partir da década de 1950. Descrever as especificidades da profissão enfocando as práticas locais é uma tarefa dificultosa por parte dos pesquisadores brasileiros da área, por isso muitas vezes os estudos são baseados com base em teorias estrangeiras. Diante disso, problemas de ordem conceitual são enfrentados ainda no Brasil. James Grunig expõe esses fatores no seguinte trecho: A carência de estudos e teorias locais mostra que as relações públicas, como campo de conhecimento, enfrentam problemas de ordem conceitual que dificultam a sua legitimação, tanto no âmbito acadêmico como profissional. Seu arcabouço teórico, carente de embasamento em pesquisas científicas locais, apoia-se, na maioria das vezes, em autores estrangeiros e, quase exclusivamente, em conhecimentos produzidos no mundo anglo-saxão, ou então em práticas profissionais que seguem estilos eminentemente pessoais e sem respaldo científico. (GRUNIG, 2009, p. 201). brutal exploração [...] pautada pela eliminação dos concorrentes e pela opressão dos mais fracos, gerada de hostilidade acentuada [...] e de uma opinião pública irritada” (KUNSCH, 2009, p. 9). 29 Mesmo ano em que Ivy Lee cria sua agência em Nova York (EUA), a Parker & Lee. 40 40 A Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP) e a Federação Interamericana de Associações de Relações Públicas (FIARP) são criadas30 e, mediante congressos, estimulam a promoção das atividades “depurando e uniformizando a educação e a prática” (GRUNIG, 2009, p. 204) da atividade. Porém, após essas iniciativas, os militares assumiram o poder em 1964 e fizeram com que toda a comunicação do país fosse anulada e: Ao todo, foram mais de vinte leis, decretos e decretos-leis assinados entre 1967 e 1978 com o objetivo de “disciplinar” o jornalismo, as relações públicas, a propaganda e a publicidade, o rádio, a televisão, o radioamadorismo, a Telebrás, o filme, a Embrafilme, o Concine, o teatro e toda e qualquer forma de expressão (TEIXEIRA, 2002, p. 28). Esses momentos da história do Brasil ilustram a dificuldade – não só em termos de ausência de pesquisa e teorias para o curso, mas problemas governamentais -, em chegar ao escopo real da profissão. A profissão ressurgiu no país juntamente à democracia, entre as décadas de 1980 e 199031. A sociedade passou a exigir mais transparência no comportamento das empresas, os grupos de pressão e ativistas começaram a surgir para defender causas, e a responsabilidade social e a sustentabilidade passaram a ser um binômio fundamental para o desenvolvimento humano e da sobrevivência no planeta. A mudança de comportamento das organizações e dos públicos abriu excelente espaço para que as relações públicas aproveitassem o momento para mostrar que sua função era a administração do relacionamento com os públicos visando aos interesses da coletividade. (GRUNIG, 2011, p. 208). Como complemento, o termo relações públicas no Brasil tem sua trajetória de regulação a que se definem as atividades específicas e que dizem respeito “a atividade e o esforço deliberado, planificado e contínuo para estabelecer e manter a compreensão mútua, entre uma instituição pública ou privada e os grupos e pessoas 30 Em 1954 e em 1960, respectivamente. 31 “A partir da década de 1990, as relações públicas passaram a ser mais valorizadas nos países da América Latina em decorrência do rompimento de fronteiras internacionais.” (GRUNIG, 2011, p. 208). 41 41 a que esteja direta ou indiretamente ligada, constituem o objeto geral da profissão liberal ou assalariada de relações públicas32”. Diante dessas afirmações juntamente ao histórico norte-americano e brasileiro discutidos previamente, é possível perceber que os grandes equívocos das empresas para com seus públicos são denunciados de forma ininterrupta por meio dos canais de comunicação, os quais, grandes notificantes desses enganos, garantem ainda mais a necessidade da existência de profissionais capazes de gerir conflitos latentes de interesse ou de imagem nos âmbitos organizacionais, sejam eles de primeiro, segundo ou terceiro setor33. Então, a partir da mudança das esferas organizacionais no cerne do mundo contemporâneo, a profissão é inserida e seus conceitos, técnicas, práticas, teorias e métodos são legitimados. Fala-se de revivescência da profissão a partir do fortalecimento dos movimentos sociais de demanda especializada tão bem representados pelas ONG’s e demais grupos e associações pertencentes à sociedade civil. (MOURA, 2008, p. 41). Direciona-se dessa maneira, às relações públicas da coletividade, da atualidade, do fomento, da participação e do espírito. Assim, o espaço para os profissionais de Relações Públicas nas empresas, nos governos e na sociedade34 pode crescer gradativamente e, de um modo geral, assumir um papel deixando de serem puramente técnicas para serem essencialmente gerenciais nas esferas organizacionais, sejam elas de caráter público ou privado. As tendências de mercado caminham cada vez mais para uma visão mais colaborativa entre os empresários e seus stakeholders35, as organizações passam a preocuparem-se com recursos e valores que antes não eram considerados no desenvolvimento de seus produtos e serviços e as estruturas passam a estabelecer 32 Artigo 1º do Regulamento da Lei nº 5.377, de 11 de dezembro de 1967, publicado em 27 de setembro de 1968, no Diário Oficial da União. 33 Entende-se que: Primeiro Setor refere-se ao setor público, ou seja, ao Estado/Governo; Segundo Setor refere- se ao mercado privado; e Terceiro Setor refere-se às iniciativas privadas de utilidade pública com origem nas entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. 34 “Nada mais natural para um país democrático, onde o convívio entre vários agentes sociais é inevitável e acontece dentro de princípios de liberdade e de definições claras sobre quais são os direitos e deveres de cada um.” (NORI apud GRUNIG, 2011, p. 8). 35 “Stakeholders são os públicos estratégicos para o sucesso de uma organização. Seu caráter estratégico encontra-se no fato destes, ao mesmo tempo, serem influenciados pela organização e influenciaram-na, mantendo com esta uma relação dialética. São vários os stakeholders de uma organização, como: funcionários, terceirizados, os meios de comunicação, consumidores descontentes, entre outros.” (KUNSCH, 1997). 42 42 novos relacionamentos com seus públicos estratégicos como forma de a evitarem os conflitos antes de seu surgimento. A sociedade civil fortalece-se, organiza-se e os grupos sociais, frutos desse amadurecimento político, começam a fazer valer sua cidadania; cobram do governo seus direitos; denunciam, através da mídia, os desmandos e as práticas corruptas das quais o governo e iniciativa privada articulam em conjunto. A opinião pública se fortalece apoiada nos meios de comunicação de massa. (MOURA, 2008, p. 40). Assim, conclui-se que: Relações Públicas, como disciplina acadêmica e atividade profissional, tem como objetivo as organizações e seus públicos, instâncias distintas, mas relacionadas dialeticamente. É com elas que a área trabalha, promovendo e administrando relacionamentos e, muitas vezes, mediando conflitos, valendo-se para tanto de estratégias e de programas de comunicação de acordo com as diferentes realidades do ambiente social. (KUNSCH, 2011, p. 299- 300). Em decorrência disso, “a prática da cidadania, a consciência política e a articulação social, em busca do consenso, parecem abrir portas para o exercício da profissão de RRPP” (MOURA, 2008, p.41). Após essas reflexões, faz-se necessário direcionar as discussões às relações públicas comunitárias em suas vertentes culturais. E dessa forma, fazer valer o enfoque principal do trabalho, que é o incentivo à cultura de uma maneira geral. 3.3 Relações Públicas Culturais “Todas as profissões existentes devem trazer benefícios à sociedade. Assim esta espera e, por isto as reconhece e as legaliza [...], mas somente se legitimam quando seus profissionais decidem e agem para o bem comum.” Roberto Porto Simões “Dizer a verdade, interpretar o cliente e o público, a administração entendendo os pontos de vista dos funcionários e vizinhos, assim como os funcionários e vizinhos entendendo os pontos de vista da organização.” Grunig e Hunt, 1984 43 43 Fez-se uma revisão do histórico das relações públicas e, com isso, observou-se a grande vertente dos trabalhos da comunicação em setores públicos, bem como seu intuito primeiro em satisfazer os públicos. Mesmo que inicialmente não tenha sido proposto que os profissionais de Relações Públicas podem trabalhar em diversos setores, as necessidades emergenciais de seu surgimento o levam a crer que suas áreas de atuação são cada vez mais abrangentes. Entretanto, a partir de agora, a área cultural pode ser abordada como prática possível e utiliza do respaldo garantido pelas teorias acerca de comunicação comunitária para realizarem-se. As reflexões que se seguem alcançam a comunicação como grande fomentadora, reconstrutora, incentivadora da cultura e sua responsabilidade sob a movimentação cultural na sociedade. Imagina-se, de antemão, que a profissão envolve somente áreas mercadológicas ou organizacionais, uma vez ter urgido em meio a sistemas capitalistas, com finalidades primeiras, únicas e exclusivas de setores privados – afinal somente num segundo momento é que as iniciativas para a sociedade surgem de tal forma explicitada nos escritos antecedentes. Porém, com o aumento de respaldo científico e melhoria instrumental para a execução das atividades, pode-se dizer que as relações públicas não são fixas ou definitivas, muito menos tradicionais. São relevantes para inserirem-se na esfera social, gerir a comunicação de forma participativa e colaborativa para o desenvolvimento36 da sociedade, além de garantir uma relação dinâmica e um diálogo transformador entre os indivíduos que se relacionam. Uma vez que o social não é mais dado, mas é o resultado da combinação de infoarquiteturas com as situações sociais, abre-se a possibilidade de reconfigurar, junto à ação social, o papel do profissional de relações públicas. Um dos conceitos que pode ser considerado fértil para pensar tal transformação é o de interface, que exprime a ação de um elemento mediador e de contato entre duas naturezas distintas, proporcionando uma interação. (FELICE apud KUNSCH, 2007, p. 12). Diante disso, assumir uma comunicação que possibilite interação entre os públicos para que, a partir dela, surjam novas possibilidades para dois ou mais 36 Social, econômico, cultural, político etc. 44 44 indivíduos de um grupo ou sociedade. Somente assim é possível obter uma comunicação eficaz, pois seus resultados são capazes de surtir novas concepções, relações e conhecimentos integrados. E assim, a partir do atrito de duas partes diferentes37, surgir algo novo. A produção, a distribuição e o consumo de bens culturais são facilitados mediante o crescimento da globalização da comunicação. Esses fatores, junto ao desenvolvimento das tecnologias de informação “tem possibilitado enormemente os intercâmbios de bens culturais. [...] Porém, essas novas formas de transmissão e assimilação do conhecimento não estão ainda ao alcance da economia popular. É necessário assimilar que o intercâmbio de símbolos muitas vezes não é equitativo” (MONTIEL apud UNESCO, 2003, p. 159), afinal o a interação entre bens culturais é, em todo seu complexo, assimétrica, pois as sociedades são desenvolvidas, estão em desenvolvimento ou ainda são subdesenvolvidas por completo. O grande desafio para os profissionais da comunicação é justamente garantir que as diversas sociedades tenham o acesso a bens culturais igualmente, independente de estarem em posição progressiva ou regredis. A maneira pela qual as estratégias devem ser utilizadas para obter determinada eficácia na comunicação – e possibilitar que a cultura se movimente entre os grupos e sociedades -, devem ser embasadas na valorização simbólica dos bens culturais38 locais. Não se trata, no entanto, de manipular e estabelecer os símbolos conforme as tendências da época, mas garantir que a naturalidade de cada produtor cultural (seja ela uma dança, uma música, um projeto num bairro específico, um artesanato ou outro projeto qualquer) seja alvo de destaque e incentivo, pois só assim a cultura será efetivamente valorizada, na criação de seus símbolos e imagens. Ao mirarmos e ad-mirarmos a cultura humana, percebemos que esta é a legítima expressão da plenitude do homem frente à realidade vivida. Cultura – o mais valioso capital de um povo – reflete a percepção e o conhecimento que fazemos de nós e do mundo que nos rodeia. Conhecimento este que ora lúdico, ora científico, misturando passado e presente, faz atacar nosso projeto de futuro. O universo da cultura possibilita-nos várias ópticas, ângulos e pontos 37 Identidade cultural brasileira, cultura brasileira, brasileiros. Diversidade, diferenças, atrito, aceitação, união e, então, um mundo novo. 38 “À uniformização simbólica da globalização da mídia, no entanto, tem experimentado uma valorização das culturas “locais”. Essa valorização de danças, comidas línguas e práticas tradicionais tem dado lugar a um renascimento do pluralismo cultural. Há que se aproveitar este momento para dar voz a essa pluralidade de expressões e tradições de maneira que favoreça e seja rentável a seus autores diretos, e não acabe como riqueza econômica nas mãos de um par de monopólios internacionais.” (MONTIEL in UNESCO, 2003, p. 163). 45 45 de vista a partir de um mesmo objeto. Fundindo realidade e imaginário, nos permite criar – com resultados tangêsseis e intangíveis -, desenvolver pensamentos dialógicos, transcender nossa existência continuamente, encontrar novas e melhores opções para se viver. (ALMEIDA, 2009, p. 90). A comunicação comunitária, cultural e social representa todos os processos comunicativos que foram “realizados em âmbito de movimentos e organizações populares que lutavam para a consecução dos direitos de participação cidadã e melhoria nas condições de existência das classes subalternas. Este tipo de comunicação foi denominado popular, participativo, alternativo, dialógico, comunitário etc.” (KUNSCH, 2007, p. 137). O mercado cultural brasileiro é complexo e necessita que os profissionais consigam mapear as reais necessidades da sociedade brasileira com perspectivas culturais e desenvolvimentistas. Não mais é possível dissociar o acesso aos bens culturais ao desenvolvimento econômico, uma vez que o volume desses bens é gigantesco e garante o sustento de inúmeros projetos culturais. Afirma-se, portanto, a necessidade de investimentos e financiamento nessa área, sempre enfatizando que a gestão disso tudo necessita da presença de um comunicólogo – afinal, isso é feito através da difusão de mensagens por meio de novas posições midiáticas. Edgar Montiel (2007), diz que difundir essas produções simbólicas - seja por meio da publicidade39, seja por meio de novas políticas públicas, seja por meio de estímulos que fomentem a produção de bens simbólicos -, “trata-se de criar uma base econômico-social local autossustentável no tempo, vinculada ao caráter cultural do território, ao resgate de suas tradições e ao processo de recuperação de seus valores, com consequente geração de empregos”. Ademais, ele ressalta que: Colocar em prática circuitos de distribuição adequados e eficazes da oferta cultural significa liberar os limites horizontais da cultura. Distribuir a oferta cultural mais equitativamente com perspectiva de formação de novos participantes ativos na vida cultural criativa. Isto implica criar e atrair novas audiências, aprofundar o conhecimento 39 “Qual é o impacto de uma [...] publicidade nas nossas cabeças? Tudo isso gera uma revolução no plano simbólico, no comportamento, nos hábitos de consumo, porque [...] estão presentes em todo mundo. Esse processo [...] gerou uma nova ordem simbólica, que nos assedia. Estamos produzindo uma saturação de modelos.” (MONTIEL, 2007, p. 163). Essas afirmações definem parte das consequências das indústrias culturais produtoras de “cultura”, porém não se faz necessário expandir as discussões nesses sentidos, uma vez que se considera, desde o início deste trabalho, que a cultura é um bem social e que surge das relações de indivíduos, grupos e sociedades; além de que ela urge surtir naturalmente dentro de uma sociedade, em formato de produção simbólica e não em formato “robótico”. 46 46 naquelas que já têm acedido a um consumo artístico e cultural e, em particular, integrar as comunidades na animação, gestão, financiamento e promoção da cultura e das artes. Estes escritos provam - sinteticamente e até timidamente – que “os poderes públicos e as grandes empresas de comunicação tem um papel essencial a desempenhar para manter o equilíbrio entre a diversidade cultural e a homogeneização que conduz à globalização” (MONTIEL, 2007, p. 162), até porque toda informação, comunicação ou produção cultural destinada à sociedade é capaz – se efetivamente planejada e valorizada -, de reforçar cada vez mais estímulos resultantes dessas práticas e permitir que esse fomente nunca se cesse. Nos escritos próximos serão abordadas as políticas públicas culturais enquanto responsáveis pela garantia de deslocamento cultural entre os indivíduos de uma sociedade. Antes disso, se faz coerente finalizar – e sempre reforçar40 -, que a comunicação cultural – seja ela gerida por relações públicas ou por outro profissional qualquer -, em seu âmago de importâncias e significados, apoia-se nas possibilidades providas das novas tecnologias, mídias, políticas e tendências sociais ou mercadológicas. Novamente, tudo se é integrado até mesmo porque “muitas das decisões que afetam a vida cultural não se limitam ao próprio setor cultural, mas também às áreas da política social, educação, comunicação, desenvolvimento urbano e rural, ultrapassando o alcance dos que trabalham em políticas culturais.” (MONTIEL, 2007, p. 165). 41[...] seja lá onde ele estiver; se na iniciativa privada, se no governo, se no terceiro setor; ele tem que saber da política em que está envolvido, tem que ter essa amplitude de visão geral global. E tudo isso é a história da formação: sem capacidade de diálogo, sem articulação, sem mobilização, sem informação, sem experiência também vai ser muito difícil. Portanto, como forma de encerrar as discussões atuais e direcioná-las aos próximos assuntos, concorda-se que a preservação de patrimônios culturais e a produção cultural, como dito acima, são merecedoras de novos estímulos financeiros por parte de todos, porém – e em maior grau - de responsabilidade do 40 Sugere-se que o esquecimento sobre algo é evitado quando este é reforçado. 41 “Nilton (44 anos), branco, pertencente à classe média, com nível escolar superior incompleto, que na época da entrevista estava à frente, como gestor, de uma organização civil (não governamental) da área cultural. Não teve vivência profissional como artista e, inicialmente, suas experiências na área cultural estiveram ligadas aos movimentos sociais da década de 1980 e 1990, passando atualmente pelo terceiro setor e iniciativa privada” (CUNHA, 2005, p. 68). 47 47 Estado por meio da vigência de políticas públicas culturais definitivas – as que serão discutidas à frente -, e por meio da gestão dessas políticas por profissionais da área de comunicação dispostos a aprofundarem seus conhecimentos e entenderem quais os “problemas presentes e as tendências previsíveis, quais as necessidades e aspirações culturais, os recursos e disposições, quem são os atores e interlocutores com os quais se podem contar.” (MONTIEL, 2007, p. 164). Para ilustrar de forma mais técnica e instrumental as reais possibilidades da comunicação cultural, a UNESCO42 (2007) sugere que os profissionais primeiramente (1) estabeleçam “contatos com entidades diversas para reunir informação, adotar ideias e sugestões, visando melhorar a quantidade e a qualidade do conteúdo e manipular as ferramentas adequadas para o desenvolvimento e a manutenção”; (2) realizem um “mosaico coerente de expressões da diversidade cultural” do país; (3) incorporem as “atividades culturais das organizações civis”; (4) estabeleçam “sólidos enlaces permanentes entre os diversos atores entre instituições educativas, dependências governamentais, mecanismos de financiamento, empresariais [...] a fim de promover as atividades que realizem pela rede”; (5) difundam os eventos, concursos e “possibilidades de financiamento” e, por fim, (6) melhorem “o conhecimento do patrimônio” cultural brasileiro. Todavia, dar conta dessa dimensão conceitual [...] exige, primeiramente, um concentrado esforço de convencimento político que garanta o necessário deslocamento da cultura, nas agendas governamentais, da posição subalterna a que costuma estar relegada à condição de questão estratégica. (GIL, 2007, p. 9). Quando existe esse monitoramento e essa gestão, regulam-se as ações múltiplas, as quais garantem que todos os stakeholders tenham conhecimento sobre a realidade em que vivem e em até que ponto eles são capazes de crescer em termos de sociedade, cultura, política, economia e, principalmente, intelectualidade. A partir dessas reflexões, passa-se aos próximos tópicos, onde a política cultural, o financiamento, a “fomentação e o movimento da cultura serão uma chama que tentamos acender” 43. 42 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 43 Jaume Pagès Fita, no Fórum Universal das Culturas: Barcelona, 2004. 48 48 4 POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS E INCENTIVO À CULTURA NO BRASIL “... a formação brasileira, apesar das enormes desigualdades ainda persistentes, é um feliz exemplo de diversidade e encontro cultural. Somos mestiços, produto de populações e tradições diversas e vivas que ocupam um vasto território, que compõem, juntas, um amplo imaginário. Pratica