UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JOSÉ VELOSO DOS SANTOS AS CONTRIBUIÇÕES DE HORACE LANE NA INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA (1890 – 1910) MARÍLIA 2011 JOSÉ VELOSO DOS SANTOS AS CONTRIBUIÇÕES DE HORACE LANE NA INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA (1890 – 1910) Orientadora: Profa. Dra. Ana Clara Bortoleto Nery MARÍLIA 2011 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Mestre em Educação. Santos, José Veloso dos. S237c As contribuições de Horace Lane na instrução pública paulista : (1890-1910) / José Veloso dos Santos. – Marília, 2011 134 f. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências 2011 Bibliografia: f. 123-132 Orientador: Profa. Dra. Ana Clara Bortoleto Nery 1. Instrução públicas paulista – (1890 – 1910). 2.Protestantismo. 3. Lane, Horace Manley. I. Autor. II. Título. CDD 379.209816 Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Ana Clara Bortoleto Nery ____________________________________________________ Unesp - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Marília Examinador: Prof. Dr. Sinésio Ferraz Bueno ________________________________________________________ Unesp - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Marília Examinador: Prof. Dr. César Romero Amaral Vieira ________________________________________________________ Unimep - Universidade Metodista de Piracicaba Dedico especialmente a DEUS e aos meus pais, Hilário e Jovelina, que me ensinaram os valores essenciais da vida. “A verdadeira educação [...] visa o ser todo, e todo o período da existência possível ao homem.” (Ellen White, 1827-1915) AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida, pela oportunidade de estudar e principalmente pelas pessoas que colocou em meu caminho e que me ajudaram a ser quem eu sou. Às minhas avós que me contavam histórias sob a luz da lua e também de candeeiros a base de querosene no longínquo sertão baiano. Aos meus pais pelo espirito guerreiro e por me incentivarem a acreditar nos meus sonhos e também o gosto pela leitura, aos meus irmãos, os príncipes e grandes batalhadores, Vanderlei, Tuca, Verônica e Néia pelos constantes incentivos para que eu pudesse atingir meus objetivos. À minha família, em especial a minha esposa Val, a luz dos meus olhos, e filhos Camila e Antonio presentes de Deus, a Neuza e Thalita que nos completam e ao Spike in memorian. Aos meus tios Helenita e José Paulo pessoas muito especiais. À comunidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia do Jardim Pirajuçara na cidade de Taboão da Serra, São Paulo. À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Clara B. Nery, pela confiança depositada em mim e também pela paciência, e por ter aceitado este desafio me proporcionando crescimento no campo intelectual. Às amigas, Regiane Marques, Raquel Schimmer (incansável motivadora), Vanessa de Oliveira, Alessandra Cerantola, que contribuíram efetivamente na concretização deste trabalho. Aos amigos, Emerson, Jaqueline, Leila, Cleila e a Aurea pelo apoio, companheirismo e sugestões. Aos professores. Carlos Brandão e Sinésio por seus comentários e contribuições no momento da Qualificação. À Profa. Dra. Maria Lúcia Hilsdorf pelas sugestões que enriqueceram o trabalho. À Profa. Dra. Dirce Encarnacion, pelas primeiras contribuições. Ao Pr. Dr. Alderi, historiador da Igreja Presbiteriana. À Demarice Goldman, viúva do Prof. Frank Goldman. Aos administradores da Associação Paulista Oeste, que sempre me apoiaram e na qual trabalho há quase duas décadas, pela confiança e incentivo. Aos Reverendos Enos e Eliezer do Arquivo Histórico Presbiteriano de São Paulo localizado no bairro de Moema. Ao Dr. Marcel Mendes, diretor do curso de Engenharia da Universidade Mackenzie pelas entrevistas a mim concedidas e por me disponibilizar o material que dispunha. À Ingrid pela imensa boa vontade sempre a mim demonstrada do Centro Histórico da Universidade Mackenzie. Aos reverendos, Enos e Eliezer. Ao amigo Fred Lane não só por abrir os arquivos pessoais me proporcionando acesso aos documentos, mas também pela boa prosa em que relatava fatos históricos relacionados ao governo paulista o Mackenzie e Horace Lane. Aos funcionários do Arquivo Público do Estado de São Paulo, pela ajuda com os materiais. À amiga Elena Palloni Gonçalves, da USP São Carlos sempre disposta. Aos colegas de trabalho dos Colégios Adventista de Tupã e São Carlos, por suprirem minhas ausências. E a minha gratidão a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para que eu pudesse concluir esse trabalho. RESUMO SANTOS, J.V. As Contribuições de Horace Lane na instrução pública paulista (1890-1910). 2011. 134p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Marília, 2011. O presente trabalho tem como preocupação central mapear as contribuições de Horace Manley Lane na constituição da escola republicana paulista, entre 1890 a 1910. O foco será a ação de Horace Lane junto aos administradores da instrução pública paulista, em especial, Caetano de Campos e Oscar Thompson. Além da revisão dos trabalhos que focam a influência protestante na organização da instrução pública paulista, tomamos como fontes privilegiadas os relatórios oficiais, artigos editados em periódicos educacionais produzidos no período, documentos pessoais de Horace Lane e a edição do livro Education in the State of São Paulo, de autoria do Oscar Thompson, Horace Lane e Carlos Reis, apresentado na Feira Internacional de Saint Louis em 1904. O objetivo central é analisar atuação de Lane na instrução pública e evidenciar a influência da ação protestante em terras paulistas. Esta pesquisa está apoiada nas premissas de Marta Carvalho de uma História Cultural dos Saberes Pedagógicos, dialogando em torno, de suas práticas, seus agentes, suas representações e apropriações para uma nova compreensão da escola. Como resultado, este estudo permite dar visibilidade às contribuições de Horace Lane na consolidação da instrução pública paulista proposta pelos republicanos. Palavras-chaves: Horace Lane. Instrução pública paulista. Protestantismo. ABSTRACT SANTOS, J.V. Contributions of Horace Lane in public education in São Paulo (1890-1910). 2011. 134p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Marília, 2011. The purpose of this study is to chart the contributions of Horce Manley in the constitution of the republican school of São Paulo, from around 1890 to 1910. The main focus is the actions of Horace Lane along the administrators of the public instruction of São Paulo, specially Caetano de Campos and Oscar Thompson. Besides the revision of studies that focus on the protestant influence in the organization of the public instruction of São Paulo, we used as privileged sources the official reports, personal documents of Horace Lane and the edition of the book ‘Eduaction in the State of São Paulo’, whose authors are Oscar Thompson, Horace Lane and Carlos Reis. This book was presented at the Saint Louis International fair back in 1904. The main purpose is to analyze the interaction of Lane in the public instruction and to point the protestant influence of it. This research is supported in the assumptions of Marta Carvalho from the research “Cultural History of the pedagogical knowledge”, discussing around her practices, her agents, her representations and appropriations for a new comprehension of the school. As a result, this study allows us to highlight the contributions of Horace Lane in the consolidation of the public instruction of São Paulo from the Republicans. Key words: Horace Lane. Public instruction of São Paulo. Protestantism. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Licença para exercer a docência no Rio de Janeiro........................................ 23 Figura 2: Licença para exercer a docência em São Paulo.............................................. 24 Figura 3: Diploma de medicina de Horace Lane.............................................................29 Figura 4a: Documento enviado por Chamberlain a Lane em 1884– frente...................34 Figura 4b: Documento enviado por Chamberlain a Lane em 1884– verso...................35 Figura 5: Capa do relatório da Escola Americana de 1887 à Secretaria do Interior da Província de São Paulo, por Horace Lane.......................................................................47 Figura 6: Solicitação da contratação de Oscar Thompson..............................................55 Figura 7: Carta que Bernardino de Campos envia a família de Horace Lane após o seu falecimento.....................................................................................................59 Figura 8: Documento de apresentação de Gabriel Prestes ao Secretário do Interior......62 Figura 9a: Carta do Deputado Alfredo Ellis....................................................................62 Figura 9b: Carta do Deputado Alfredo Ellis (Datilografado por Frederico Lane, neto de Horace Lane ....................................................................................................................66 Figura 10: Notificação sobre desaparecimento de material pedagógico.........................68 Figura 11: Panfleto da Exposição de Saint Louis............................................................72 Figura 12: Capa do impresso produzido pela delegação brasileira para a Exposição de Saint Louis.......................................................................................................................74 Figura 13: Palácio Monroe..............................................................................................76 Figura 14: Local de exposição dos trabalhos escolares da delegação brasileira.............77 Figura 15: Capa do livro Education in the State of São Paulo.......................................82 Figura 16: Diploma do Horace Lane do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo................................................................................................................................84 Figura 17: Diploma de Frederico Lane...........................................................................99 Figura 18: Diploma de maçom de Horace Lane............................................................104 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Estatísticas escolares relacionando as escolas com número de alunos..........95 Quadro 2: Custo da instrução pública paulista em 1904.................................................96 SUMÁRIO 1INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 2 HORACE MANLEY LANE E A ASSESSORIA À INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA.....................................................................................................................19 2.1 Origens de Horace Manley Lane...............................................................................19 2.2 As primeiras experiências educacionais de Horace Lane no Brasil..........................20 2.3 Horace Lane vai à Europa e retorna aos Estados Unidos para estudar e trabalhar....27 2.4 Horace Lane retorna ao Brasil...................................................................................30 2.5. A Reforma Caetano de Campos...............................................................................40 2.5.1. A participação de Horace Lane na Reforma Caetano de Campos........................45 2.5.2. As professoras Márcia Browne e Maria Guilhermina de Loureiro de Andrade .........................................................................................................................................49 2.5.3 Outras contribuições de Horace Lane ....................................................................50 2.5.4 A reforma geral da instrução pública de 1892........................................................56 2.5.5 A reforma da instrução pública de 1893 ................................................................60 3 PROMOVENDO A INTERNACIONALIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA: A PARTICIPAÇÃO NA EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE SAINT LOUIS EM 1904 E OUTRAS VIAGENS.......................................................................................................................70 3.1 A Exposição Internacional de Saint Louis................................................................70 3.2 A edição do livro Education in the of São Paulo......................................................81 3.2.1 Curso preliminar.....................................................................................................88 3.2.2. Escolas complementares.......................................................................................89 3.2.3 Escola normal........................................................................................................90 3.2.4 Educação secundária.............................................................................................91 3.2.5 Métodos, publicações e supervisão nas escolas....................................................92 3.2.6 Educação superior.................................................................................................93 3.2.7 Educação profissional agrícola.............................................................................93 3.2.8 Estatísticas escolares............................................................................................94 3.3 O custo da instrução pública....................................................................................96 3.4 Instituições privadas.................................................................................................96 3.5. Seminário Episcopal................................................................................................97 3.6 A Escola Americana e o Colégio Mackenzie............................................................97 3.7 A escola livre de farmácia.........................................................................................98 3.8 Escola prática do comércio......................................................................................100 3.9 Liceu de artes e ofícios............................................................................................100 3.10 Instituto Ana Rosa.................................................................................................100 3.11 Escola Dona Carolina Tamandaré.........................................................................100 3.12 O Liceu Coração de Jesus......................................................................................100 3.13 Outras escolas........................................................................................................101 3.3 Outras viagens ........................................................................................................102 4 A PARCERIA DE OSCAR THOMPSON E HORACE LANE JUNTO À INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA (1909- 1910)..............................................................................................................................108 4.1 A parceria entre Oscar Thompson e Horace Lane .................................................110 4.2 O declínio da consultoria: críticas ao Programa de Ensino Primário....................113 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................119 REFERÊNCIAS..........................................................................................................123 15 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa, intitulada As Contribuições de Horace Lane na Instrução Pública Paulista (1890-1910), tem por objetivo apresentar as contribuições de Horace Manley Lane na constituição da escola republicana paulista, entre 1890 a 1910. Este assunto foi motivado após algumas leituras, em especial, a leitura da tese de doutorado Educadores à Meia-Luz de autoria da professora Denice Catani. Tal interesse surgiu ao observar que, embora Horace Lane estivesse presente e tenha participado como tradutor e mediador cultural na implantação de uma nova proposta de reestruturação da instrução pública paulista, no período de 1890 a 1910, a importância de sua participação ainda não foi objeto de pesquisa. Sua presença está vinculada à formação de professores, material pedagógico e mobiliário escolar, programa de ensino, livros e material didático, maçonaria e protestantismo. Foram realizadas várias leituras no que concerne à temática, porém, não há um corpo bibliográfico específico sobre ator social em questão. Por isso, buscou-se em várias obras que se aproximam do eixo pesquisado, deste trabalho, fundamentação para atingir os objetivos. Os autores que dão sustentação a esta dissertação (em ordem cronológica de produção de texto) são: Stewart (1932) com o seu texto contando a história e a organização do Mackenzie College e a Escola Americana; Francisco Venâncio Filho (1946) cita a presença de Horace Lane contribuindo com a instrução pública paulista ao apresentar o texto Contribuição Norte Americana à Educação no Brasil; Benedicto Novaes Garcez (1970) comenta a respeito da evolução da Escola Americana e sua parceria com a instrução pública paulista; Frank P. Goldman (1972) apresenta a questão da imigração de norte-americanos para terras da Província de São Paulo e os aportes em relação à agricultura, arquitetura, religião, tecnologia e educação concebendo a troca de informações culturais. Jether Ramalho (1976) com a pesquisa que apresenta as práticas, apropriações, representações e imposições dos saberes pedagógicos pelo viés sociológico, proposto pelos protestantes de origem norte- americana e a sua relação com a ideologia liberal. Maria Lúcia Hilsdorf (1977, 1986) com dois dos seus trabalhos em circulação; o primeiro é a dissertação em que apresenta As Escolas Norte Americanas de Confissão Protestante na Província de São Paulo e o impacto causado por elas no âmbito político e educacional; o segundo é a tese que trabalha com o itinerário de Francisco Rangel Pestana, que evidencia a atuação deste 16 ator social como articulador da instrução pública paulista com o modelo norte- americano de educação. David Gueiros Vieira (1980) corrobora com as questões relacionadas à religião, em recorte o protestantismo e o progresso. Boanerges Ribeiro (1987) ao contextualizar os aspectos religiosos e educacionais na obra A igreja presbiteriana da autonomia ao cisma faz uma análise da questão maçônica e educacional entre os presbiterianos. Cesar Romero Amaral Vieira (1993, 2006) fala a respeito da contribuição dos atores sociais protestantes na reforma da instrução pública paulista, e em outro texto analisa o pensamento liberal em consonância com o Protestantismo que estava na Reforma Caetano de Campos. Peri Mesquida (1994) trata da hegemonia norte-americana no campo educacional apresentando o Colégio Piracicabano. Casemiro dos Reis Filho (1995) proporciona luz sobre a relação entre a instrução pública paulista, os republicanos e a ideologia liberal. Rosa Fátima de Souza (1998) discorre sobre os edifícios escolares e o seu contexto social, político e econômico, tendo como base o republicanismo e a ideologia liberal. Marcel Mendes (1999) apresenta em seus escritos a importância do Mackenzie College na construção do pensamento democrático para autonomia e liberdade universitária. Carlos Monarcha (1999) ao expor algumas das fases da Escola Normal da Praça contextualizada à história da cidade de São Paulo. Osvaldo Henrique Hack (2000, 2002, 2003) que traz contribuições relacionadas à influência do protestantismo norte-americano na instrução pública paulista. Miriam Warde (2002, 2003) em um dos seus artigos, discorre informações importantes a respeito da Exposição Internacional da Saint Louis em 1904 e em outro artigo fala a respeito de Lourenço Filho trazendo contribuições relacionadas às reformas no campo educacional no Estado de São Paulo. Gisele Nogueira Gonçalves (2002) exibe a trajetória de Oscar Thompson na educação desde a Escola Normal até a Diretoria Geral da instrução pública. Geysa Abreu (2003) articula comentários a respeito da Escola Americana de Curitiba onde Horace Lane também atuava como responsável geral diante da mantenedora norte-americana. Carla Simone Chamon (2008) lança luz sobre a trajetória da professora Maria Guilhermina de Loureiro no magistério e a sua passagem por São Paulo. Ana Clara Bortoleto Nery evidencia o trabalho de Oscar Thompson diante da instrução pública paulista e a formação de professores no século passado (2009). O objetivo central desta dissertação é analisar a atuação de Lane na instrução pública paulista como educador de fronteira e dar visibilidade a influência protestante desta ação. Como objetivo específico, temos o intuito de contribuir com 17 possíveis esclarecimentos históricos para uma melhor compreensão dos motivos pelos quais o modelo protestante de escolarização passou a ter influência na estruturação da instrução pública. Pensando no que Reis Filho (1995, p. 7) diz que “Cada sociedade elabora historicamente, seu sistema de educação a partir de sua estrutura e organizações sociais. Essa é a razão pela qual a educação de um povo é assim inseparável do seu contexto sociocultural”, é que propomos um novo olhar no resgate, na restauração e na reinterpretação desses acontecimentos históricos. Esse novo olhar pode ser realizado por atores com ponto de vista diferentes a fim de se compreender a herança sociocultural que influencia o posicionamento da sociedade. Para alcançarmos os objetivos indicados, utilizamos como instrumento de análise o conceito proposto pela história cultural, no qual a reconstrução dos momentos e dos fatos históricos é realizada por meio das representações das práticas do real. Nesse sentido, Chartier (1990, p. 98) afirma que “A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler [...]”. A partir do registro das representações, das apropriações e das práticas utilizadas em trabalhos e documentos já publicados a respeito da atuação de Horace Lane no planejamento e execução das reformas na instrução pública paulista no período de 1890 a 1910, é que será desenvolvida a pesquisa bibliográfica e documental. Ela contextualizará os aspectos: político, histórico, econômico, pedagógico e social, inseridos no campo da educação paulista no período que contempla o final do Império e início da República, tendo em vista que: As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990, p. 17). Toda e qualquer comunidade ao ser constituída dar-se a conhecer através das suas práticas, pois é por meio dessas que são materializadas intencionalmente os seus princípios e valores elaborados pela classe hegemônica que lidera o dito grupo social nos aspectos econômicos, políticos e sociais. Essas mesmas práticas por sua vez são impostas nem sempre pela coerção, mas por vezes pela afinidade demonstrada por aqueles que ocupam o espaço de mandatários, consequentemente assimiladas pelos 18 membros da comunidade que pode ser a escolar, econômica, política ou religiosa. Os atores sociais dessa sociedade se apropriam das práticas apregoadas pela classe hegemônica e passam a reproduzir não exatamente da forma com que foi assimilada ou com a primeira intenção dos líderes, mas com sua leitura subjetiva. Uma vez essas práticas assimiladas passam a ser reproduzidas intencionalmente para a geração seguinte procurando suprir os seus vários degraus com respeito ao tecido constituído pelas classes sociais ou ainda pode ser transplantada para outro contexto cultural sofrendo possíveis mutações ao serem reproduzidas ao longo do tempo e isso se dá por várias razões inclusive por resistência ao ato da imposição, prática essa conhecida como tática. Outro trabalho consultado foi o texto de Marta Maria de Carvalho Por uma História Cultural dos Saberes Pedagógicos (1998), em que o uso dos impressos interessa como objeto no duplo sentido: “como dispositivo de normatização pedagógica, mas também como suporte material das práticas pedagógicas” (CARVALHO, 1998, p. 35). Para a autora, tomar o impresso em sua materialidade implica tratá-lo como objeto cultural com suas marcas de produção e de seus usos. O procedimento de investigação composto por vários campos: [...] histórias das edições, histórias das políticas educacionais concretizadas nas prescrições legais e regulamentadas que estabelecem padrões e procedimentos para a sua produção, distribuição e uso; história da escola, entendida como instituição que é produto histórico da intersecção da pluralidade de dispositivos de normatização e de práticas de apropriação; história dos saberes pedagógicos que, veiculados pelo impresso, normatizam as práticas escolares, constituindo objetos de investigação; história cultural dos usos sociais dos saberes escolarizados como currículo e disciplina escolar (CARVALHO, 1998, p. 36). Portanto, ao buscar modelos culturais inscritos nas práticas de apropriação se expressa uma especial pertinência nos estudos historiográficos sobre educação no Brasil. Os itinerários pedagógicos nos habilitam a não colocar “ideias fora do lugar” (CARVALHO, 1998, p. 40). A fim de buscar informações in loco, visitas foram realizadas ao Arquivo Público de São Paulo, bem como em instituições pioneiras na implantação da proposta educacional de cunho protestante no Estado de São Paulo. Na Universidade Mackenzie foram investigados documentos do Centro Histórico Mackenzie; em São Paulo tivemos acesso aos arquivos pessoais da família Lane na residência do Sr. Fred Lane, bisneto de Horace Lane, a procura de informações. 19 Para melhor organização do tema, dividimos este trabalho em três capítulos. No capítulo 1 discutiremos a trajetória de Horace Lane na educação desde as primeiras experiências no Rio de Janeiro até o convite para atuar na instrução pública de São Paulo e o início da assessoria aos órgãos públicos. No capítulo 2 analisaremos a apresentação de Horace Lane sobre o livro Education in the State of São Paulo na Exposição Internacional de Saint Louis. Este é o momento ápice da assessoria do ator social em evidência. E para finalizar, o capítulo 3 tem como eixo as relações de assessoria de Horace Lane diante do Programa de Ensino da Escola Primária juntamente com Oscar Thompson e, posteriormente, o repentino afastamento dessa parceria. 20 2 HORACE MANLEY LANE E A ASSESSORIA À INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA 2.1 Origens de Horace Manley Lane Educado nas melhores escolas dos Estados Unidos, conhecendo bem o Brasil, que tinha percorrido todo, acostumado ao modo de ver dos brasileiros de todo o tipo, desde estadistas e estudantes até os camaradas do sertão, juntava à aquisição de sua experiência escolar uma simpatia de irradiação vivíssima e uma compreensão da natureza humana, nas quais com ele, seria difícil rivalizar. [...] Parecia intuitiva a sua competência nas modificações necessárias para o êxito, no Brasil, de um plano que alcançara êxito nos Estados Unidos. Nunca fez uma adaptação servil de qualquer ideia ou de qualquer plano. Tudo através de seu gênio se transformava em alguma coisa diferente sem deixar de ser substancialmente o mesmo (STEWART, 1932, p. 9)1. Esta citação, expressa por um memorialista, pode criar expectativas positivas do indivíduo em questão. Porém, como afirmações desta natureza requerem cuidados, rigor acadêmico, trataremos os textos desta natureza com cautela. Acreditamos que nos aproximando das origens, formação intelectual e profissional de Horace Lane, isto nos levará para mais próximo de sua participação e influência diante das reformas na instrução pública paulista, sobretudo as empreendidas entre 1890 e 18932. Horace Lane nasceu em Readfeld, no Estado do Maine, nos Estados Unidos, em 29 de julho de 1837, mas por volta de 1845 a família Lane muda-se para o Estado vizinho do Massachusetts. Descendia, por ambos os lados, de família de militares (GOLDMAN, 1972). Massachusetts era, à época, o centro econômico, cultural e educacional de uma região composta por 13 colônias, espaço esse que ficou conhecido como Nova Inglaterra (CÁCERES, 1996). Assim, Lane cresceu num contexto repleto de experiências modernizadoras e modernizantes em relação à cultura e à educação, produzidas e divulgadas dentro e fora dos Estados Unidos. 1 Documento disponível no Acervo Centro Histórico Mackenzie. 2 Decreto nº 27 de 12 de março de 1890, a Lei nº 88 de 8 de setembro de 1892 e a Lei nº 169 de 7 de agosto de 1893. 21 Importante lembrar que o primeiro jornal a ser impresso na América do Norte foi em Massachusetts, assim como a organização da primeira biblioteca3 e também a primeira escola a oferecer curso superior, o Harvard College (ANUÁRIO DO ENSINO DE SÃO PAULO, 1909-1910, p. 203). Com relação à formação educacional de Horace Lane, em razão da falta de documentos ou trabalhos acadêmicos no Brasil sobre este tema, tomamos como base o que foi dito sobre ele no momento em que foi apresentado ao corpo de servidores da Escola Americana e a Igreja Presbiteriana no ano de 1885 na capital paulista: “Educado nas melhores escolas dos Estados Unidos...” (STEWART, 1932, p. 9), e devido a sua proposta educacional trazida para o Brasil, já implantada nas escolas norte-americanas, acredita-se que tenha frequentado uma escola do padrão Comoon School4. 2.2 As primeiras experiências educacionais de Horace Lane no Brasil Na segunda metade do século XIX o Império do Brasil havia conseguido o seu espaço no cenário comercial internacional não só com os Estados Unidos, mas com a Europa no setor de exportação do café. Esta lavoura uma vez instalada em terras fluminenses foi bem acolhida pela região a ponto de suprir a demanda do mercado internacional. Neste período, estava em profuso andamento a doutrina do “Destino Manifesto”5, nos Estados Unidos, e concomitantemente, tem início o que ficou conhecido como a marcha para o oeste. Também, neste momento, emerge o debate sobre a questão abolicionista apoiada pelo norte, mas rechaçada pelo sul. Dentro desse contexto é que Horace Lane, aos 22 anos de idade, deixa os Estados Unidos e chega ao Brasil pela primeira vez. 3 Informação disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2011. 4 Comoon School foi o modelo de escola proposto por Horace Mann, no Estado do Massachusetts, na primeira metade do século XIX, em que contemplaria todos os setores da sociedade, independentemente de classe social, religião, gênero e origem étnica (MANN, 1963). 5 Ideologia norte-americana que prega que este povo foi o escolhido por Deus para serem líderes do mundo, especialmente no continente americano. Para isso, divulgam seu estilo de vida, a política, a economia, etc., e entre essas estratégias utilizam a religião. 22 Essa iniciativa de procurar o Brasil ao invés do oeste dos Estados Unidos pode ter sido despertada no jovem yanke6 em razão das leituras por ele realizadas de impressos, que tiveram ampla circulação pelo território do Estado do Massachussets, produzidos pelo missionário James Cooley Fletcher7, conhecido como “agente do progresso”. Fletcher entendia que o evangelismo e o progresso andavam juntos. Esta ideia foi trabalhada no livro O Brasil e os Brasileiros, editado em 1857 e que circulou nas igrejas e em associações de homens de negócios em várias partes dos Estados Unidos, promovendo intencionalmente a imigração de norte-americanos para os portos brasileiros (VIEIRA, 1980). Lane chegou ao Brasil praticamente sem recursos financeiros, trazendo apenas algum capital cultural. Tal foi a situação que ele chegou ao ponto de pedir ajuda financeira, como mostra uma das notas de seu diário, com data de 13 de fevereiro de 1859. Ele conta que quem o auxiliou, no que se refere à alimentação e à assistência médica, foram as irmãs do Mosteiro da Misericórdia na cidade do Rio de Janeiro (RIBEIRO8, 1987). O trecho a seguir mostra o apreço que Lane passou a dedicar a essas irmãs: 6 Termo que designava o cidadão nascido no norte dos Estados Unidos, e que era a parte mais desenvolvida economicamente do país. Assim, esses cidadãos eram conhecidos por seu perfil arrojado e empreendedor. 7 Formação em Teologia, sendo ordenado Pastor Presbiteriano em 1850. Chegou ao Brasil pela primeira vez em 1851-1853 enviado pela União Cristã Americana e Estrangeira e da Sociedade Americana dos Amigos dos Marinheiros. Ainda nesse período exerceu a atividade de Adido da Legação Americana ganhando assim proteção especial por parte do Governo Brasileiro. Em 1855 e 1856 ele esteve novamente no Brasil enviado pela União das Escolas Dominicais. Em 1857 estando nos Estados Unidos escreveu em parceria com o Pastor Metodista Daniel Parish Kidder o livro O Brasil e os Brasileiros –Esboço Histórico e Descritivo. Este livro atinge nove edições e é utilizado nos Estados Unidos para divulgar as oportunidades que seriam encontradas no Brasil. Em 1864 e 1865 ele estava de volta ao Brasil e estabeleceu contato com o Deputado Tavares Bastos, que por sinal era um ávido leitor dos impressos produzidos por Fletcher e seu porta-voz na Assembleia Legislativa da Corte. A comitiva de pesquisa liderada por Agasiz foi resultado da influência de Fletcher. Em 1868 e 1869 ele retorna ao Brasil pela última vez por meio da Associação Americana de Tratados. James Cooley Fletcher entendia que o evangelho estaria de mãos dadas com o progresso (VIEIRA, 1980). A intenção de James Fletcher era de aproximar os dois países não só por meio da proposta de evangelização, mas também convidando empreendedores do mundo político e econômico para possíveis investimentos tanto em terras brasileiras como norte-americanas (ROSI, 2009). 8 Boanerges Ribeiro concluiu o grau de Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas, Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais pela Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais da Fundação Sociologia e Política de São Paulo. Exerceu as seguintes atividades: Pastor de Igreja, Diretor do Jornal Brasil Presbiteriano, Presidente da Casa Editora Presbiteriana do Brasil, Professor, Presidente e Chanceler da Universidade Mackenzie, Presidente da Fundação Educacional Presbiteriana e Presidente do Supremo Concílio, cargo máximo dentro da hierarquia organizacional da Igreja Presbiteriana no Brasil. Também escreveu os seguintes livros: O Apóstolo dos Pés Sangrentos, O Padre Protestante, Seara em Fogo, Protestantismo no Brasil Monárquico, Aspectos Culturais da Implantação do Protestantismo no Brasil, A Igreja Presbiteriana no Brasil: da Autonomia ao Cisma, A Igreja Evangélica e a República Brasileira: 1889-1930). Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011. 23 Deus me livre de dizer uma palavra contra essas irmãs da Misericórdia, ou contra as irmãs da caridade. Se jamais houve anjo na terra, creio que uma delas, chamada irmã (ilegível) é esse anjo... Nem minha mãe teria feito vigília mais atenta e ansiosa que a que ela fez, ou ministrado as minhas necessidades com maior ternura. A Misericórdia é uma das instituições deste país que não fazem distinção de pessoas (LANE9 apud RIBEIRO, 1987, p. 40). Abreu (2003) afirma que a primeira atividade profissional exercida por Lane, no Brasil, foi como professor10 no Colégio Köpke fundado em 1850. Este colégio, localizado em Petrópolis na província do Rio de Janeiro, era de propriedade do ex- soldado das tropas reais portuguesas, Dr. Henrique Köpke11 (PANIZZOLO, 2006). Ao desempenhar as suas funções de professor ao lado do advogado e educador Henrique Köpke, tanto foi o deslumbramento percebido pelo jovem com relação ao trabalho educacional desenvolvido pelo seu empregador que Horace Lane se tornou um autodidata: Cheguei ao Rio de Janeiro em 1859; aí fui ter ao colégio João Köpke. Estava aberta para mim a carreira do magistério. Senti-me a gosto e prossegui. Estudei com aquele grande mestre e, comparando a vastidão dos seus conhecimentos a estreiteza da minha cultura, redobrei esforços e pude, no fim de algum tempo ser o braço forte do ilustre educador (LANE12 apud RIBEIRO, 1987, p. 54). Em seguida, providenciou as licenças necessárias para lecionar em escolas particulares e também as mantidas pelo governo Imperial, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. As figuras a seguir comprovam isso. 9 Diário de Horace Lane, 1859. 10 O jovem Horace Lane para poder exercer o ofício de lente providenciou a licença junto aos órgãos competentes para lecionar a disciplina de inglês naquela instituição que recebia a visita do Imperador D. Pedro II com certa frequência (RIBEIRO, 1987; PANIZZOLO, 2006). 11 Dr. Henrique Köpke era de origem portuguesa e naturalizado brasileiro, era advogado formado pela Universidade de Coimbra e pai do futuro advogado e professor João Köpke (PANIZZOLO, 2006). 12 Diário de Horace Lane, 1859. 24 Figura 1: Licença para exercer a docência no Rio de Janeiro Fonte: Arquivo particular de Fred Lane, bisneto de Horace Lane 25 Figura 2: Licença para exercer a docência em São Paulo Fonte: Arquivo particular de Fred Lane, bisneto de Horace Lane 26 O magistério exercido por Horace Lane estendeu-se ainda para o Colégio da Glória localizado na Província do Rio de Janeiro e também para o Colégio dos Beneditinos, estabelecido na cidade de São Paulo (GOLDMAN, 1972). Matos (2004) afirma que Horace Lane trabalhou na área do magistério como primeira opção em terras brasileiras apenas no início de sua estadia, ministrando aulas de inglês. No final da década de 60 do século XIX havia muitos comerciantes ingleses e aumentava cada vez mais a presença de norte-americanos, tanto na cidade do Rio de Janeiro como no interior da Província de São Paulo (JAF, 2001). Em razão da presença desses imigrantes é que houve a necessidade de comunicação entre eles e os brasileiros. Nesse contexto é que Horace Lane, nativo da língua inglesa e também conhecedor da língua portuguesa, leciona o inglês para comerciantes brasileiros e portugueses. Presume-se pelo desempenho do jovem imigrante que ele tenha chegado ao Brasil possuindo certo domínio do idioma vernáculo tanto no aspecto verbal como também no que diz respeito aos códigos da escrita da Língua Portuguesa. Essa atuação no campo do magistério durou em torno de dois a três anos, pois já em 1862 ele está atuando como negociante estabelecido na Rua do Ouvidor13 no Rio de Janeiro (RIBEIRO, 1987). De acordo com Gueiros Vieira (1980) e Ribeiro (1987), em 1862, no Rio de Janeiro, estavam residindo: James Fletcher, o deputado Tavares Bastos, o estudante de medicina Antônio Caetano de Campos (ROCCO, 1946) e também Horace Lane. Nesta época, o jovem professor passa ao ramo do comércio e deserta das aulas que ministrava. Ele próprio relata a sua deserção do magistério: “Razões de ordem econômica fizeram-me interromper meus trabalhos e os meus estudos, atirando-me as brutalidades da vida de comerciante” (LANE14 apud RIBEIRO, 1987, p. 54), justificando que havia a necessidade imprescindível de angariar mais recursos financeiros em um curto período de tempo, pois demonstrava possuir alguns planos a serem executados a médio e longo prazo (GOLDMAN, 1972; HILSDORF, 1986; MATOS, 2004; VENÂNCIO FILHO, 1946). Assim, Horace deixa o magistério e passa a dedicar-se ao ramo do comércio em três das quatro Províncias do Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. 13 A Rua do Ouvidor era um importante centro econômico, político, cultural e social da capital do país. 14 Horace Lane (Memórias), 1912. 27 De acordo com Vieira (1980), é nesse período que eles travaram uma rede de sociabilidade por meio da leitura do material impresso, em especial os jornais que circulavam na corte naquele período. Isso pode ser notado no trecho a seguir: Convém repetir é difícil averiguar como Tavares Bastos e Fletcher tornaram- se amigos. No entanto, posso fazer algumas conjecturas baseadas no que se conhece a respeito deles. Ambos tinham um interesse em comum, que era a abertura do Amazonas à navegação internacional. Já em 1853 Fletcher suscitara a questão e publicara artigos sobre a mesma nos jornais do Rio (VIEIRA, 1980, p. 95). Fletcher e Tavares Bastos15 publicavam textos e ministravam por meio dos púlpitos e tribunas, em que expunham seus respectivos pontos de vista pautados sob a égide do liberalismo norte-americano, e ambos anunciavam com certo destemor as possibilidades do Brasil estreitar e ampliar as relações comerciais com os Estados Unidos (VIEIRA, 1980). Fletcher desde o início da segunda metade do século XIX introduziu na corte textos escolares que apresentavam as práticas e representações pedagógicas que eram trabalhadas no aparelho escolar norte-americano embasado no modelo educacional de Horace Mann, bem como a descentralização administrativa entre outras propostas de cunho liberal. Essas ideias encontravam eco em terras do Império do Brasil na voz do deputado Tavares Bastos (VIEIRA, 1980). De acordo com d’Ávila (1946), também na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 1865 e 1870, está o recém-formado no curso de Direito, o jovem Francisco Rangel Pestana atuando na imprensa política carioca. Ele trabalhou em alguns jornais do Rio de Janeiro como O Diário Oficial, participando da criação dos jornais: Opinião Liberal, Correio Nacional e colaborou na criação do jornal A República. Também foi um dos signatários do Partido Republicano Brasileiro em 3 de dezembro de 1870. Rangel Pestana havia sido contemporâneo do Tavares Bastos na Faculdade de Direito no Largo São Francisco, local onde os estudantes ampliavam o debate em torno das pressuposições que talvez levassem a Província bandeirante a alcançar o progresso (HILSDORF, 1986). 15 Nascido em 1839, em Alagoas, em 1854 apresenta-se para afluir a uma vaga no curso jurídico de Olinda que naquele ano estava sendo transferido para a capital da Província de Pernambuco. Tavares Bastos, como ficou conhecido, prestou os exames requeridos pela Faculdade de Direito agora instalada no Recife e foi aprovado tendo apenas 15 anos de idade. Mas já no ano seguinte, em 1855 transfere-se para a Província de São Paulo onde o seu pai estava desenvolvendo as atividades de juiz de direito. Bacharelou- se em 1858 e em 1859 em Direito Tributário (PONTES, 1975). 28 Isso ocorria exatamente no momento em que a divulgada comitiva, liderada pelo cientista de Harvard, Louis Agassiz16, chegava ao Brasil. Nesse período surge a amizade entre Rangel Pestana e o comerciante Horace Lane, ambos trabalhando na Rua do Ouvidor e assim ampliando a rede de sociabilidade que ficou conhecida como “Amigos do Progresso”17. Horace Lane permanece com seu estabelecimento em plena atividade até 1870, quando a lavoura do café começa a declinar no vale do Paraíba e passa a migrar para as terras paulistas (SILVA, 1996). Neste mesmo ano também começam as atividades do Partido Republicano do Brasil. Ainda em 1870 têm início as atividades da futura Escola Americana, na sala da residência de George Whitehill Chamberlain18, na capital da Província de São Paulo, tendo como professora a sua esposa, a senhora Chamberlain (GARCEZ, 1970). 2.3 Horace Lane vai à Europa e retorna aos Estados Unidos para estudar e trabalhar No ano de 1870 Horace Lane encerra as suas atividades de comerciante e fecha definitivamente o seu estabelecimento que estava localizado na Rua do Ouvidor e, juntamente com a esposa e três filhos, parte em viagem em direção à Europa. O objetivo primordial de Horace Lane ao realizar essa turnê era de fazer uma varredura no contexto pedagógico de algumas das principais nações do velho mundo e tomar conhecimento sobre as novas convergências da pedagogia europeia. Além disso, tinha interesse em conhecer as mais recentes ideias que estavam circulando na literatura especializada entre os acadêmicos: Fomos juntos (esposa e filhos) à Europa onde me entreguei a um minucioso estudo do problema da educação... Pretendia fundar no Brasil um grande estabelecimento de ensino e, analisando as minhas forças para me atirar a semelhante empresa, verifiquei que me não assistia um elemento indispensável: conhecer a natureza humana e os meios de poder corrigir os seus defeitos. Faltava-me o conhecimento da medicina (LANE19 apud RIBEIRO, 1987, p. 55). 16 Esta talvez tenha sido a maior das realizações de James Fletcher em favor do progresso do Brasil. Este conseguiu provocar em Louis Agassiz, cientista suíço um grande interesse para vir ao Brasil comandando um préstito de pesquisa que ficou conhecida como Exposição Tahayer em 1865-1866. (VIEIRA, 1980). 17 Os “amigos do progresso”, termo criado por David Gueiros Vieira, eram pessoas que compartilhavam dos mesmos ideais de democracia, liberdade, individualismo, progresso, direito ao comércio e a propriedade entre outros, do “agente do progresso”, que era o James Fletcher. 18 Missionário presbiteriano norte-americano. 19 Horace Lane (Memórias), 1912. 29 Horace Lane mesmo diante de todos os percalços da política centralizadora do Império, da presença de uma Igreja oficial20 e regalada, de uma limitada tolerância com os “não católicos”, de uma mão de obra que tinha como base a escravidão, num país basicamente agrário e com a grande massa de analfabetos, ainda assim, Lane afagava a ideia de estabelecer uma instituição de ensino no Brasil (VENÂNCIO FILHO, 1946). Esse projeto surgiu de um ideal alimentado no período em que trabalhou ao lado do seu antigo mentor, o professor Köpke na cidade de Petrópolis. Mais tarde, foi reforçado em função das leituras e discussões junto ao grupo constituído pelos “amigos do progresso”. Por isso, vai à Europa em busca de conhecimentos para executar seu plano. Lane chega à Europa na segunda metade do século XIX e assiste ao advento de duas propostas pedagógicas: a científica e a sociológica (CAMBI, 1999). Na Europa, os países que estavam realizando trabalhos de pesquisa e buscando inovações na área educacional, eram a França, a Alemanha e a Inglaterra. Países que ganhavam destaque por viabilizarem pesquisas no campo de ensino e aprendizagem. Logo no início do século XIX os resquícios religiosos renascentistas clássicos se encontravam em hostil e ativo confronto com uma nova visão de mundo que se dizia estar em condições de esclarecer a realidade. Essa nova proposta seria a visão científica (GILES, 1987). No entanto, a visão de mundo que até então detinha a hegemonia em todos os segmentos da sociedade estava baseada na religião e arrestava como caução presumíveis bases sólidas em que a sociedade como um todo podia alicerçar-se. O pretexto para introduzir a iniciação dos estudos em Ciências no currículo escolar teve como principal pano de fundo as mais recentes necessidades originadas pela nova realidade imposta pela modernidade (GILES, 1987). Esse diálogo entre as novas tendências educacionais é acompanhado por Horace Lane com atenção e crítica. Para corroborar com esta ideia, em 1872 decide fazer o curso de medicina escolhendo a Universidade de Medicina do Missouri. Esta instituição era reconhecida por ter uma proposta inovadora em seu segmento. Os estudantes desenvolviam um intenso ritmo de trabalho em laboratórios, ou seja, era uma proposta de medicina prática e experimental que se destacava na época, Lane concluiu o curso em 1878. 20 Igreja Católica, que na época era a religião oficial do Império. 30 Figura 3: Diploma de medicina de Horace Lane Fonte: Arquivo particular de Fred Lane, bisneto de Horace Lane 31 No período pós-conclusão do curso, Horace Lane exerceu a medicina juntamente com atividades análogas e em comum acordo com o seu ofício na área clínica, ocupando alguns cargos em instituições relacionadas à saúde. Foi presidente da Sociedade Médica do Condado de Jasper de 1881-1882 e secretário da Sociedade Médica do Sudoeste do Missouri de 1883-1884. Também exerceu a função de redator- chefe do periódico de higiene popular Health at Home (MATOS, 2004). Compreendido o cenário da vida e formação de Horace Lane, tanto no Império brasileiro como também nos Estados Unidos buscamos estabelecer a sua relação com as transformações educacionais no cenário das reformas da instrução pública paulista no limiar da Primeira República e sua atuação no campo educacional. O próximo item irá tratar deste assunto. 2.4 Horace Lane retorna ao Brasil O cenário encontrado por Horace Lane ao retornar ao Brasil, na década de 1880, é o de uma acirrada campanha abolicionista conduzida pelo advogado e jornalista Joaquim Nabuco. Este contava com o apoio acurado dos ingleses e também de norte-americanos que por sua vez pressionavam o Estado brasileiro, que era constituído por representantes da oligarquia cafeeira das plagas fluminenses e do Vale do Paraíba, que procuravam retardar o processo de abolição. Outro ponto que estava sendo discutido pelos republicanos, na Província de São Paulo, era a questão da instrução pública a ser implantada, tomando como modelo as escolas americanas de confissão protestante que se destacavam pelas instalações, qualidade de ensino e metodologia diferenciada (HILSDORF, 1986). Esse modelo intencionava dar arrimo ao desenvolvimento que estava sendo alcançado no campo financeiro. Todavia, esse suporte traria acréscimos que iriam provocar rupturas também no universo político, religioso, social, etc. Assim, os republicanos paulistas aliados aos positivistas, abolicionistas, anticlericais e maçons buscavam profissionais da educação em sintonia com os desafios que se configuravam com esse novo cenário e que estivessem em condições de apresentar um novo olhar para as práticas, apropriações e representações dos saberes pedagógicos condizentes com o novo século que estava adentrando pelas portas do Estado bandeirante. 32 Nesse sentido, intelectuais inseridos na política tanto na capital como no interior do Estado de São Paulo, desde os tempos da Monarquia, como Prudente de Morais e Rangel Pestana haviam percebido que os protestantes estavam desenvolvendo uma experiência no campo educacional com outros olhos e que se coadunava com as expectativas por eles absorvidas. Segundo Hilsdorf: Embora de origem confessional, essas escolas eram frutos de uma religião que representava, para as elites, “ideias mais adiantadas”, pois era “ativa, enérgica, amiga da propaganda e do trabalho” (HILSDORF, 1977, p. 152). Corroborando com esta ideia, Ramalho (1976) diz que: Para a tradição do protestantismo americano, religião, democracia política, liberdade individual e responsabilidade são concebidas como parte de um todo, que está envolvido por uma inflexível fé na educação (RAMALHO, 1976, p. 70). Portanto, segundo o ponto de vista do protestantismo, a educação ocupa elevado grau de visibilidade na sociedade, pois o progresso é obtido pelo sucesso alcançado no processo educacional. E essa valorização era percebida pelos republicanos paulistas por meio de vários referenciais pedagógicos, como os edifícios escolares com suas amplas instalações, projetadas com a especificidade de dar condições adequadas para o trabalho pedagógico. Importante notar que isso ocorria em um período em que a instrução pública paulista não possuía, na sua maioria, instalações próprias e apropriadas. Sobre isso, Hilsdorf (1977, p. 163) afirma que: “Os recursos materiais e docentes de que dispunham esses primeiros colégios protestantes americanos contrastavam flagrantemente com os dos colégios nacionais”. Com relação aos anseios das lideranças paulistas, Hilsdorf diz que: “As escolas americanas de fé protestante também representariam a ponta de lança que abriria caminho para as atividades de renovação das mentalidades e das práticas dentro dos quadros pedagógicos, e, por extensão da sociedade brasileira” (HILSDORF, 1977, p. 152). Do ponto de vista das instalações, as escolas protestantes estavam na vanguarda. O mobiliário em contraste com as escolas da rede oficial era adequado ao trabalho do estudante, por exemplo, “o Colégio Piracicabano antepunha uma completa e moderna aparelhagem que incluía luz, elétrica, campainha para chamadas, quadros negros, mapas, microscópios e outros instrumentos para o ensino de Química e Física no curso secundário” (HILSDORF, 1977, p. 164). 33 Além disso, os republicanos e as demais lideranças identificaram outro diferencial: Quanto aos professores, a presença, desde o início das atividades escolares, de pessoal especializado para o magistério, credenciava os colégios protestantes americanos quanto à eficiência e seriedade de seu trabalho. As professoras eram missionárias diplomadas nos Estados Unidos e frequentemente com vários anos de experiência no magistério público e particular [...] (HILSDORF, 1977, p. 164). Esses professores com formação no exterior e habilitados a representar e a desenvolver as práticas pedagógicas, as quais haviam se apropriado em acordo com as premissas propostas pela Pedagogia Moderna21 produzidas pelo protestantismo norte- americano, influenciaram a reforma da instrução pública paulista. Outra questão que também merecia consideração por parte dos reformadores da escola popular era o método de ensino. Nesse período, o que estava em voga nas escolas clericais e estaduais era o método embasado na memorização, e isso muito desagradava as lideranças paulistas, pois eles queriam formar estudantes questionadores e senhores de si com disposição para sugerir novas alternativas para os problemas que o Estado enfrentava. Era perceptível aos republicanos e, em especial, para aqueles que já haviam trabalhado nas escolas conduzidas pelos protestantes norte- americanos que o método utilizado por estes propunha outro roteiro para o desenvolvimento do raciocínio. Este método era o intuitivo, que trabalhava com a observação pormenorizada, levando o estudante ao questionamento e a procurar as possíveis respostas para a elucidação do problema. Sobre este assunto, Hilsdorf fala que: Mais do que a sua aparelhagem moderna, foram os procedimentos metodológicos, os objetivos, as transformações curriculares seguidos por esses colégios que lhes permitiam oferecer um ensino atualizado e eficiente, bem ao encontro às reivindicações das vanguardas provinciais. Currículo seriado e diversificado, com inclusão de matérias científicas ou profissionalizantes ministradas em lições curtas, mas graduadas e integradas, fins estabelecidos segundo uma orientação prática e progressiva, emprego do “método intuitivo” entendido na época como a observação correta de objetos reais, uso de coleções de espécimes, etc., são aspectos desse ensino renovado a nortear as atividades do “Internacional, do “Piracicabano” e da “Escola Americana” (HISLDORF, 1977, p. 165). 21 Segundo Carvalho (1998), é a proposta pedagógica que circulou no final do século XIX e início do XX, que propunha que professor norteasse a sua prática por meio de um modelo. 34 Nota-se que o método intuitivo provocava no educando a necessidade de material pedagógico de outra natureza, pois a metodologia instigava o estudante a, por exemplo, visualizar mapas, ter acesso ao laboratório, à biblioteca. Todo o trabalho pedagógico desenvolvido por essas escolas estavam embasados nos pressupostos da ideologia liberal, que tinha como ponto essencial o individualismo, propondo a responsabilidade individual por toda e qualquer decisão que ele tome, direito à liberdade de crença, de expressão e de consciência. O êxito é outro fator relevante, porém, com uma ressalva: somente por meio do trabalho. Assim, o êxito dos indivíduos permearia a sociedade como um todo e intercalado à democracia propunha uma forma de governo descentralizada, abrangente e sem opressão a nenhum grupo, seja ele étnico, religioso, de classe social ou gênero. Portanto, o progresso seria compreendido como processo contínuo (RAMALHO, 1976). Essas são as principais características do pensamento educacional protestante herdado do Puritanismo e do Destino Manifesto que estavam presentes nas escolas americanas e que influenciaram a instrução pública paulista no final do século XIX e início do XX (MENDONÇA, 2008). Em razão desses traços, aumentou o número de alunos, principalmente da escola americana instalada na capital do Estado de São Paulo. Assim, o projeto iniciado, timidamente, passa a ser ampliado e ganha maiores proporções. No final do ano de 1884, Horace Lane, segundo o alvitre do Reverendo Chamberlain, estaria apto para compor e dirigir a equipe agregando valor ao grupo de servidores daquela Instituição de Ensino, substituindo o diretor e fundador que era médico, professor e pastor (GARCEZ, 1970). Entre outras qualidades, Chamberlain percebeu que Lane poderia agrupar profissionais competentes, e assim, formaria uma equipe capacitada para o trabalho específico de reelaborar e criar condições para dar continuidade ao projeto educacional proposto (RAMALHO, 1976). Foi pensando nessas características que Chamberlain convidou Lane para assumir a direção da Escola Americana da cidade de São Paulo. A Figura 3, a seguir, mostra esse convite. 35 Figura 4a: Documento enviado por Chamberlain a Lane em 1884 – frente Fonte: Arquivo particular de Fred Lane, bisneto de Horace Lane 36 Figura 4b: Documento enviado por Chamberlain a Lane em 1884 – verso Fonte: Arquivo particular de Fred Lane, bisneto de Horace Lane Em função da condição atual do documento preferimos a tradução de fragmentos do texto realizada por Boanerges (1987, página 27 e 28) O reverendo Chamberlain, no 37 mês de novembro de 1884 através do cartão acima saúda e convida ao médico e velho amigo Horace Lane para assumir a direção da Escola Americana na cidade de São Paulo, diz ter lembrado o seu nome enquanto subia a rua da Consolação saindo da igreja presbiteriana a qual estava localizada próxima ao Campo dos Curros, atual Praça da República. Faz o convite apelando ao antigo alento de reformador social que sabia ainda existir em Lane e o provoca a aceitar o convite propondo as seguintes indagações: “Será que Deus não tem trabalho para você, entre esta gente cuja língua e costumes lhe são familiares, nesta cidade a qual aflui à mocidade do país para estudar? [...] Será que sua experiência aqui, nos dias em que não havia ainda encontrado descanso, não é um capital com que poderá negociar para o Senhor que o redimiu? [...] Insistem comigo na ampliação da Escola, hoje regularmente frequentada por perto de 150 meninos e meninas: querem internato para meninos, sempre com a Bíblia aberta na escola desde 1872. [...] Será que você está pronto para um trabalho desse tipo?” O professor João Lourenço Rodrigues, ex-normalista22, ao apresentar palestra aos professores da Escola Normal, na cidade de Piracicaba, relatou que havia encontrado um livro com marcas de leitura na biblioteca escola que houvera pertencido ao ex-presidente da República Prudente de Morais. O livro era de autoria do educador francês Hipeau, que fora traduzido e publicado em 1874 cujo título era A Instrução nos Estados Unidos. Vejamos as palavras de Lourenço Rodrigues: Ao ler os trechos assignalados, eu comprhendi bem os motivos por que o dr. Prudente de Moraes, mal tinha galgado as escadarias do palácio presidencial, decretou a reforma da escola modelo, medidas essas de um vasto alcance para a radical regeneração do nosso systema tradicional de ensino (ANUÁRIO DO ENSINO DE SÃO PAULO, 1909-1910, p. 203). Tanto Rangel Pestana quanto Prudente de Morais previam que a escola a ser instalada no regime republicano teria de ter as características e a essência das escolas norte-americanas de confissão protestante. Segundo o ponto de vista de ambos, o fator primordial seria o apropriar-se das práticas e representações do método intuitivo23. A partir de 1885 Horace Lane assume posições na hierarquia da Instituição Presbiteriana24. Em 26 de agosto de 1885 passa a fazer parte do corpo e da 22 Normalista da turma de 1890. Exerceu o cargo de professor primário e complementar, diretor de escola, inspetor escolar, inspetor geral do ensino, iniciador da publicação do impresso Anuário de Ensino e autor da obra memorialística Um Retrospecto: alguns subsídios para a história pragmática do ensino em São Paulo (D’AVILLA, 1930). 23 Método intuitivo que consiste em levar o educando a perceber por si próprio, intuitivamente, o conteúdo a ser aprendido. Seus maiores divulgadores foram Pestalozzi e Froebel. 24 Importante esclarecer que até então não era presbiteriano. 38 força tarefa de missionários na Província de São Paulo quando é batizado25 pelo reverendo Alexander L. Blackford (RIBEIRO, 1987). Posteriormente, Horace vai assumindo a liderança do trabalho educacional realizado pela Igreja Presbiteriana no Brasil. Primeiro, foi nomeado como superintendente de todo o trabalho educacional sob os cuidados da Brazil Mission em território nacional pertencentes à Igreja Presbiteriana do Norte, em 1889. No mesmo ano foi organizada a primeira administração do Protestant College, tornando-se, mais tarde no Mackenzie College, o que correspondia ao curso superior no Brasil. Lane foi eleito para ocupar o cargo de presidente dessa Instituição, permanecendo por mais de 20 anos, até 1912, ano de sua morte. Os planos escolares elaborados por Horace Lane passaram a ocupar cada vez mais espaço ao longo dos anos na agenda da Igreja Presbiteriana. Em consequência disso, passa a necessitar de mais recursos financeiros26 para executá-los. Durante os anos em que o Horace Lane esteve à frente de instituições educacionais ou atuando como consultor, sua proposta era a de viabilizar a admissão na sociedade paulista do projeto educacional norte-americano. Essa proposta compreendia todos os níveis, desde o Jardim da Infância até a Universidade (RIBEIRO, 1987). Nesse sentido, O Colégio Internacional e a Escola Americana introduziram um elemento novo no relacionamento do nascente protestantismo com as inquietas lideranças de São Paulo; nessa linha, seguiram-nos o Piracicabano, a escola de Lavras, o Granberry, e século XX a dentro, Colégios Batistas, Adventistas e dezenas de outros, de todos os grupos evangélicos (RIBEIRO, 1987, p. 64). O Board of Trustees de Nova Iorque via com bons olhos a proposta de trabalho desenvolvida sob o ponto de vista da Nova Escola27. O pioneiro Chamberlain, Nasch Morton do Colégio Internacional de Campinas e Horace Lane da Escola Americana compartilhavam desse ponto de vista, pois buscavam formar por meio das escolas as novas lideranças da Província de São Paulo (HILSDORF, 1986). A união desses ideais dos principais agentes da educação protestante no Brasil foi nomeada 25 Lane havia sido instruído acerca dos princípios bíblicos na visão protestante, mas não era filiado a nenhuma denominação (RIBEIRO, 1987). 26 Os recursos necessários para a implantação das propostas educacionais consumiam grande parte do que era enviado pela Board, criando indisposição entre os pastores nacionais e Horace Lane. 27 Levando em conta a proposta protestante de evangelização, a Nova Escola tinha como vertente a postura de usar meios indiretos para a evangelização, como livros, revistas, mas de maneira especial a escola. A Velha Escola considerava o evangelismo de maneira ortodoxa, aqueles que trabalhavam na evangelização tinham como objetivo a conversão de almas diretamente. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2011. 39 como “Visão Gloriosa”, que por sua vez acreditava na escola como principal agente para transformação social, política e econômica; muito bem acatada pela fatia republicana da sociedade, entre eles Rangel Pestana que declara: Desde que os desgostos da vida pública começaram, denuviaram meu coração, eu volvi as vistas para a escola, como o ponto donde deve sair a geração capaz de salvar a Pátria dos males que já estão lhe amesquinhando os feitos. Penso desassombrado no futuro da Província de São Paulo todas as vezes que assisto a uma festa no Colégio Internacional de Campinas. Parece que minha alma rasga para si novos horizontes e que dali, eu meço o porte respeitado dos homens que hão de suceder os enfezados políticos do presente [...]. Nessa casa de educação já se estão formando moços que se aproximam do tipo dos estudantes norte-americanos, altivos e delicados e enérgicos e respeitadores das leis sociais (PESTANA28 apud HILSDORF, 1986, p. 197). Além do apoio financeiro mantido pelo Board of Trustees de Nova Iorque, Chamberlain saiu em viagem à procura de possíveis doadores nos Estados Unidos para investir na infraestrutura da futura faculdade protestante de São Paulo. Enquanto isso, Horace Lane interagia com os políticos republicanos apresentando a Escola Americana como provável modelo para implantar a reforma na instrução pública paulista (RIBEIRO, 1987). A política educacional do Board of Trustees, implantada no Brasil, tinha como inspiração basilar o espírito do nacionalismo yanke e buscava angariar o apoio dos meios progressistas e de maior destaque no Brasil para a efetivação dos seus projetos. Não se importando com as críticas apresentadas pelos pastores brasileiros com relação aos aspectos talvez frouxos do ponto de vista religioso, entretanto valorizava o aspecto da reforma social a ser alcançado pelo trabalho desenvolvido. Nesse sentido é que elegeu como seu representante, na Província de São Paulo, Horace Lane (LÉONARD, 1951, p. 52). O Board of Trustees em Nova Iorque definiu que a Escola Americana seria objeto de prioridade para os trabalhos a serem desenvolvidos na Província de São Paulo e descartou toda e qualquer possibilidade de atender aos pedidos dos pastores nacionais que solicitavam recursos para as igrejas (RIBEIRO, 1987). O Board of Trustees incumbe a Horace Lane imprimir orientação mais objetiva para as escolas que estavam sob sua responsabilidade, direcionando-as para a formação técnica-profissional no intuito de atenderem a nova realidade brasileira (RAMALHO, 1976). 28 PSP 29.6.1876 Instr.Públ., ass. R.Pestana. 40 Um panfleto denominado Protestant College for Brazil, por volta do ano de 1889, traz algumas colocações de Horace Lane a respeito da expectativa do impacto da atuação de uma Faculdade Protestante em São Paulo sobre a população. A ideia de um colégio Protestante perfeitamente equipado, organizado por americanos que estimam o Brasil, é recebida com entusiasmo por muitos homens influentes; na verdade, por todos com quem tenho conversado. Seja o Colégio organizado em plano sadio e prático; obtenha fundamentos de sólidas dotações, e ele remodelará a nação (brasileira) em uma geração (LANE29 apud RIBEIRO, 1987, p. 290). Outra preleção de Horace Lane encontrada no mesmo panfleto foi a seguinte: “a oportunidade de fixar padrão educacional da Nova República está sendo agora oferecida a Igreja Presbiteriana da América do Norte” (LANE30 apud RIBEIRO, 1987, p. 291). Até então, era Chamberlain o responsável por essas instituições e ele solicitava aos seus superiores que lhe permitissem atuar apenas na área evangelística, no que foi atendido em 1887. Horace Lane prestava relatórios do trabalho desenvolvido pela Instituição de Ensino que estava sob sua liderança tanto para a Missão no Brasil quanto ao Board. Entretanto, somente em 1895 é que Lane passa a responder diretamente ao Board of Trustees de Nova Iorque como responsável pelo Protestant College for Brazil. De agora em diante, Horace Lane vai lentamente, assumir a liderança do trabalho educacional da Missão e a liderança da própria Missão. Seus planos escolares ocuparão, nos próximos anos, mais páginas de Atas que os relatórios e planos evangelísticos de todos os outros missionários: sua personalidade se voltará inflexivelmente para a introdução, na sociedade brasileira, da filosofia educacional, métodos, organização e escopo da escola norte-americana em todos os níveis, do Jardim da Infância à Universidade. (RIBEIRO, 1987, p. 53). É nesse período que Lane abre espaço maior de atuação, passando a responder diretamente ao Board of Trustees, no Estado de São Paulo, facilitando a execução do seu projeto educacional. 29 Horace Lane (Panfleto), 1889. 30 Horace Lane (Panfleto), 1889. 41 2.5 A Reforma Caetano de Campos Quando o Governo Provisório de Marechal Deodoro da Fonseca assume o país iniciam-se as reformas sociais necessárias diante do novo cenário. Reformas essas que haviam sido consideradas e exaustivamente debatidas entre os acadêmicos da Faculdade de Direito, fazendeiros, jornalistas como Rangel Pestana, políticos como Tavares Bastos, profissionais liberais e até mesmo imigrantes como James Fletcher. Em dezembro de 1889 é anunciado um pacote de reformas sociais de grande importância para o momento político. Dentre elas destacamos a separação entre Igreja e o Estado, extinção do padroado, liberdade de culto para todas as religiões, instituição do registro civil, secularização dos cemitérios, casamento civil, a grande naturalização, dando vazão aos propósitos de cunho liberal. Foi uma vitória que teve também a participação de missionários protestantes, reformadores políticos e sociais (RIBEIRO, 1987). A comissão permanente do PRP (Partido Republicano Paulista) em 16 de novembro de 1889 elege uma Junta Governativa a fim de comandar o Estado de São Paulo. Esta Junta constitui o Governo Provisório do Estado formado por Prudente de Morais Barros, Joaquim de Souza Mursa e Francisco Rangel Pestana: “A 14 de dezembro de 1889, a Junta era dissolvida. Assumiu as funções de Governador do Estado, Prudente José de Morais Barros.” (REIS FILHO, 1995, p. 24). O primeiro governador do Estado de São Paulo, Prudente de Morais, tinha Rangel Pestana como o seu conselheiro e mentor em assuntos educacionais e primava por isso. O governo constituído elegeu o ator social que ficaria adjudicado para a elaboração e redação da nova proposta de reforma para a instrução pública no Estado de São Paulo de acordo com os pressupostos que já vinham sendo debatidos há algum tempo na cúpula do PRP. Rangel Pestana em função da sua atuação enquanto deputado provincial e membro das comissões especiais para assuntos relacionados à instrução pública da Província bandeirante no período de 1880 a 1887, já vinha a algum tempo se dirigindo aos profissionais liberais, educadores, advogados, engenheiros, comerciantes de pequeno, médio e grande porte incluindo os políticos e a classe hegemônica dos fazendeiros-empresários por meio de artigos editados para o diário A Província de São Paulo (HILSDORF, 1986). Além disso, proferindo alocuções da tribuna da Assembleia Provincial, onde ele procurava provocar disposição na classe política e ao mesmo tempo tinha 42 pretensões com a sociedade civil sugerindo a possibilidade de suscitar um amplo debate entre ambas em torno da probabilidade de se pensar em um novo olhar voltado para o campo educacional (RODRIGUES, 1930). [...] Rangel Pestana não apenas pregou e escreveu sobre ensino na imprensa, divulgando e difundindo ideias, educando enquanto jornalista, como também atuou diretamente, criando, dirigindo, lecionando e colaborando em escolas de modo regular e sistemático, ao longo das décadas de 70 e 80. Concretizava assim, de modo exemplar, a diretriz do pensamento liberal da crença no poder do ensino como elemento transformador da sociedade e, ao mesmo tempo, a orientação específica do partido republicano de desenvolvimento da linha reformista de ação mediante a propagação da instrução popular. “Ao futuro pela escola” seria o mote articulador mais geral proclamado pelas lideranças democráticas, liberais e republicanas atuantes em São Paulo naquele período, mesmo considerando-se os variados matizes ideológicos que elas assumiram (HILSDORF, 1986, p. 171). É compreensível que mesmo estando distante no tempo e dos acontecimentos daquele período e não tendo condição de propor interpretações de caráter absoluto, podemos perceber a presença de alguns vestígios de que naquele momento em que ocupou a cadeira de deputado provincial, Rangel Pestana buscasse apresentar à comunidade paulista a necessidade de se executar um programa de formação profissional para o docente das primeiras letras que fosse coerente com as necessidades que surgiam de maneira avassaladora no final do século XIX e que deveriam ser implantadas e sustentadas pelo viés educacional. Isso sugeria, portanto, outro olhar para a formação do profissional de ensino que ocupava o nível elementar (HILSDORF, 1986). A proposta pedagógica que estava sendo instituída na instrução pública e que havia seduzido a todos aqueles que já tinham nutrido algum tipo de contato com ela, era aquela embasada nos pilares do método intuitivo que tinha como progenitores, educadores como Pestalozzi, Froebel. O método em questão largamente experimentado nas escolas públicas da América do Norte estava estabelecido em pilares como o ato da observação pormenorizada, do experimento prático, e da indução. Práticas essas que sugeriam desenvolver no aprendiz as devidas condições cognitivas e motoras, competência para desenvolver a autonomia de pensamento e, consequentemente, habilitá-lo para o debate com os mestres e pares. Os professores que foram forjados pela arcaica escola imperial, no entender de Rangel Pestana, não estavam habilitados para o enfrentamento dessa nova 43 empreitada de criar um estado sustentável por meio da formação e do preparo de sua gente (REIS FILHO, 1995). No panorama que até então se apresentava, acreditava-se que a única forma de transpor o regime político e econômico arcaico em que o país se encontrava era a educação significativa, que proporcionasse aos alunos a possibilidade de não apenas terem domínio do conhecimento, mas que atendessem à demanda das necessidades que se apresentavam diante da sociedade, sendo uma delas a manutenção da República (REIS FILHO, 1995). Por essa razão, havia a necessidade de se estabelecer uma nova proposta educacional, pois a República só poderia ser implantada, estabelecida, expandida e produzindo os devidos frutos, se fosse conduzida sob a responsabilidade de homens livres, letrados e capazes de elaborar as suas próprias leis, elegerem os seus representantes de maneira democrática e que fossem educados para que em momentos de crise recorressem às urnas e não as armas, como sugerira Horace Mann (COTRIM, 1997). Vale ressaltar que o Grêmio do Professorado Paulista se pronunciou para com a comunidade bandeirante, primeiro, por meio de artigo assinado por Artur Breves no periódico A Província de São Paulo, em outubro de 1889, portanto, pouco antes da proclamação da República. Isso sugere uma proposta alternativa de reforma em contrapartida ao projeto em execução da instrução pública, segundo a perspectiva do Império na Província. Logo após a República ser aclamada, o Grêmio volta a se pronunciar, mais uma vez para tratar do mesmo tema no dia 23 de novembro de 1889 enviando ao governo constituído outra equivalente alternativa de reforma, visando cooperar, nesse novo contexto, com a instrução pública e agora republicana do Estado de São Paulo (REIS FILHO, 1995). No dia 12 de março de 1890 foi aprovado o decreto de nº 27 pelo Governador do Estado de São Paulo, Prudente de Morais Barros (REIS FILHO, 1995). O preceito que entrava em vigor naquela data tinha como propósito o de regulamentar a instrução pública dentro dos moldes pensados pelo Partido Republicano Paulista (SANTOS, 2009). A reforma que estava sendo executada vinha em cumprimento de um antigo sonho liberal em pauta desde 1823, em que já era proposto que a educação deveria ser um dever do Estado, sonho este que desde tempos remotos a Província de São Paulo alimentava, pressupondo que teria espaço no cenário nacional cada vez mais importante (HILSDORF, 1977). 44 Segundo Mesquida (1994), as contribuições de Prudente de Morais e de Rangel Pestana com relação ao decreto de 12 de março de 1890 foram relevantes e pontua a atuação de Rangel Pestana, pois “Foi ele quem deu o caráter oficial necessário à operacionalização da legislação. Rangel Pestana foi o ‘guia’, o ‘conselheiro’ e o arquiteto do decreto” (MESQUIDA, 1994, p. 170). Rangel Pestana era defensor assíduo da atuação da liberdade de ensino, ou seja, que a iniciativa privada tivesse amplas oportunidades para abrir e gerir escolas participando e cooperando com a formação da juventude, mas que isso não deveria inibir o Estado de realizar profícuos investimentos e dessa maneira providenciar escolas para o povo. A primeira e talvez a maior das preocupações dos idealizadores da reforma na instrução pública paulista era estabelecer de maneira consistente a instrução primária como prioridade para o Estado de São Paulo, que à época tinha 67% da população analfabeta (HILSDORF, 1986). Nessas condições, considerava-se o professor como sendo a peça-chave do processo que estava em andamento, e que, portanto, precisava receber formação suficiente e coerente com a responsabilidade que recaia sobre ele dentro da perspectiva dessa reforma. Nesse contexto, entendia-se que o professor deveria seguir uma proposta metodológica e os seus conhecimentos deveriam ter embasamento teórico e de cunho científico (DEWEY, 2002). As contratações para a instrução pública, segundo o parecer de Rangel Pestana, não deveriam mais ter o caráter de apadrinhamento, filiação partidária ou de bajulação como acontecia de maneira costumeira no período Imperial, mas com o regime republicano seria por competência e mérito. Portanto, seria contratado, dentro do possível, apenas o profissional que estivesse em condições de preencher e cumprir com os requisitos solicitados para a função específica a ser desempenhada e teria ainda que demonstrar o seu nível de conhecimento e capacidade técnica por meio da realização de concursos (SOUZA, 1998). A primeira reforma no programa da instrução pública paulista aconteceu por meio do decreto nº 27 em 12 de março de 1890 com a reforma específica da Escola Normal e a criação, em especial, da Escola Modelo funcionando de forma anexa no intuito de trabalhar a prática do ensino com os formandos. Segundo Vieira (1993), Prudente de Morais tinha um nome para indicar na composição do corpo de profissionais para atuarem na execução do projeto de reforma. Essa educadora seria a curadora do Colégio Piracicabano, estabelecimento de ensino que era uma das escolas inovadoras em relação à produção de conhecimento do 45 Estado de São Paulo. Este nome era o da professora Marta Watts, de origem norte- americana, por quem Prudente de Morais tinha grande admiração devido à competência demonstrada na condução dos trabalhos educacionais. Prudente de Morais foi um dos principais responsáveis por essa Instituição de Ensino ser instalada na cidade de Piracicaba. Rangel Pestana também havia participado indiretamente da escola por meio da assessoria na imprensa. Marta Watts recusa o convite para assumir a Escola Modelo em função dos compromissos avocados com a Igreja Metodista do Sul, Woman´s Missionary Society of the Methodist Episcopal Church, South, pois a sua condição era de missionária de tempo integral e com funções preestabelecidas pelo mesmo órgão (VIEIRA, 1993). A primeira alcunha na agenda de Rangel Pestana para ocupar o posto de diretor da Escola Normal, inclusive abalizado pela envergadura demonstrada na realização de vários trabalhos até então já realizados, encabeçando a lista dos possíveis nomes era o carioca, autor de livros didáticos, professor, advogado e amigo, João Köpke (RODRIGUES, 1930). Enfim, o nome com o qual o Rangel Pestana trabalhou com esmero determinado e com disposição de importância e de caráter cívico, segundo Rodrigues (1930), foi com o Dr. Antonio Caetano de Campos, médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e companheiro nas lidas do magistério tanto no Colégio Pestana como na Escola Neutralidade. Caetano de Campos, mesmo atarefado com os seus compromissos na azáfama da medicina e estar com a saúde debilitada, ainda assim aceitou o especial convite de Rangel Pestana. Este, por sua vez, vinha endossado pelo governador para participar do projeto histórico de iniciar a reforma da instrução pública na capital paulista começando pela reorganização do curso de formação de professores. Assim, assumiu a direção da Escola Normal na capital paulista em 13 de janeiro de 1890 (MERCADO, 1996). Caetano de Campos avocou a administração da Escola Normal em 30 de março de 1890. Pronunciou-se para a comunidade paulista por meio de um artigo, apresentando o seu pensamento pedagógico editado nas páginas do jornal O Estado de São Paulo. A chave de toda evolução escolar, como o concebe o decreto de 12 de março, repousa sobre a prática que devem ter os alunos mestres na escola-modelo, mais do que sobre a ampliação do curso superior, com a criação de novas 46 cadeiras. [...] (CAETANO DE CAMPOS31 apud REIS FILHO, 1995, p. 48- 49). Nesse artigo, ele apresentava as considerações que estariam permeando o funcionamento da Escola Normal e seu Plano de Ensino, que seria o primeiro trabalho a ser realizado dentro de um contexto mais amplo, profundo o qual visava alcançar toda a instrução pública distribuída. O programa de ensino da instituição foi alterado e o número de disciplinas teve acréscimo dando ao curso outro contorno, passando a adquirir um perfil mais científico. Dessa maneira, acreditavam que a educação criaria condições para o avanço da sociedade em todos os seus segmentos fundamentada nos pressupostos do Liberalismo32 e do Positivismo33, tendo como principal veículo de legalidade o regime republicano. Caetano de Campos assumiu simultaneamente a direção da Escola Normal e a cadeira de Biologia, pois a sua formação na área médica lhe deixava à vontade para realizar as suas preleções e explicações no que concerne à origem da vida, inclusive apresentava com simpatia e desempenho o pensamento do filósofo naturalista Charles Darwin aos estudantes. Isso era algo inusitado para uma escola que até recentemente não admitiria tal concessão (RODRIGUES, 1930). A Escola Normal estava no centro das atenções do novo governo e também da população que acompanhava os trâmites por meio dos jornais, pois nela seria aplicado o plano piloto, ou seja, o projeto a ser implantado em todas as unidades escolares que seriam construídas e constituídas. A expectativa em torno dos resultados dessa prática, até então não utilizada pelos docentes na preparação dos normalistas provocava certa euforia sugerindo um novo contexto com espaço para discussão entre mestres, alunos e comunidade. 2.5.1 A participação de Horace Lane na Reforma Caetano de Campos [...] o Dr. Lane era uma figura bastante conhecida e apreciada nos círculos americanos da Província pelas múltiplas atividades de negociante, médico e professor que desempenhava sempre com eficiência e liderança: e sendo liberal, republicano e maçom, Horace Lane tinha também, certamente, o apoio das vanguardas paulistas da época. Sob sua direção a educação religiosa ministrada pela “Escola Americana” tornou-se menos ortodoxa, mas 31 CAETANO DE CAMPOS, A. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 mar. 1890. 32 Conjunto de teorias que tem como pressupostos a defesa da liberdade individual, política, econômica, religiosa e do progresso. Ganhou expressão com John Lock (1632-1704) e Adam Smith (1723-1790). 33 Teoria criada pelo francês Auguste Comte (1798-1857), que propõe à existência somente valores humanos, afastando fortemente a teologia e a metafísica. 47 seu tirocínio de administrador consolidou a posição do colégio como um centro educacional dos mais avançados da Província de São Paulo (HILSDORF, 1986, p. 167). A Escola Americana nesse período passa a ganhar destaque, pois o trabalho realizado na área pedagógica era até então singular na capital. Em se tratando de espaço físico também ganhava visibilidade, pois as salas de aulas bem equipadas e os materiais didáticos utilizados na aplicação das atividades junto aos alunos, igualmente não se conheciam na instrução pública até então. A escola que Lane dirigia era única no gênero. Instalada na capital paulista, serviu como ponto de observação, ou seja, de aprendizado para os reformadores republicanos (RODRIGUES, 1930). Em 1887, o diretor da Escola Americana apresentou à Secretaria do Interior um relatório em que foram apresentados, de maneira sucinta, aspectos da escola como suas instalações, seu corpo docente e discente, bem como o programa de ensino ali desenvolvido. Existe a possibilidade que esse relatório tenha dado ainda maior visibilidade ao diretor da Escola Americana perante os reformadores da instrução pública paulista. A seguir, apresentamos a capa deste relatório. 48 Figura 5: Capa do relatório da Escola Americana de 1887 à Secretaria do Interior da Província de São Paulo, por Horace Lane Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo, ordem 4917, lata 5. Instrução Pública. Ensino Particular (1850-1903) O fato é que as escolas americanas de confissão protestante, naquele período, se apresentavam como escolas de fronteira pelo 49 [...] cuidadoso aparato pedagógico que exibiam, em termos de equipamentos, instalações, professores e procedimentos didáticos, ofereciam a possibilidade de uma formação acadêmica muito mais eficaz que a proporcionada pelos colégios nacionais, seja como preparatórios para o ingresso para os cursos superiores, seja pela formação imediata para a vida (HILSDORF, 1977, p. 156). Por isso, “O Governo de São Paulo, em 1890 em virtude dos resultados alcançados pela Escola Americana, toma-a como padrão de ensino primário e normal para as escolas públicas estaduais” (RAMALHO, 1976, p. 85). Segundo Abreu (2003), a Escola Americana de São Paulo tornara-se modelar para a instrução pública paulista e também para as demais escolas presbiterianas. Rangel Pestana e Prudente de Morais já tinham em comum acordo o modelo de escola que dentro do pensamento republicano que pretendiam implantar em plagas paulistas, mas de acordo com a legislação, faltavam os profissionais, as acomodações e o material didático, além do mobiliário adequado (HILSDORF, 1977). Em carta de 20 de março em 1890, enviada a Rangel Pestana, que mais tarde foi publicada no jornal O Estado de São Paulo em 14 de janeiro de 1916, Caetano de Campos menciona o auxílio que recebeu de Horace Lane a fim de encontrar pessoal qualificado para dar início aos trabalhos da Escola Modelo. Depois de uma luta que talvez lhe possa contar um dia, descobri por intermédio de Dr. Lane, da Escola Americana – a quem ficarei eternamente grato, pelo muito que se tem interessado pelo êxito da nossa reforma – uma mulher que mora aí no Rio, adoentada, desconhecida, e que esteve quatro anos estudando nos Estados Unidos. É uma professora, diz o Lane, como não há segunda no Brasil e como não há melhor na América do Norte. Estudou lá, sabe todos os segredos do método, escreve compêndios, sabe grego, latim, em suma é a avis-rara que eu buscava. Escrevi-lhe. Mostrou-se boa alma, com grande família a sustentar e não podendo vir para cá senão com 500$000 mensais. No mais, muito entusiasmada pela reforma. Consegui do Prudente o contrato. Aqui começa o Prudente a brilhar. Confesso que estou cativo dele. Como vê, não é sem razão. A mulher do Rio (D. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade) vem, pois, reger a aula de meninas da escola-modelo. [...] Faltava-me, porém, um homem para os meninos, e isto é que é absolutamente impossível. Na luta e peripécias inacreditáveis para mim. Achei, por fim, não um homem, mas uma mulher-homem. Eis sua fé de ofício: Miss Browne, 45 anos, solteira, sem parentes nem aderentes, sem medo dos homens, falando ainda mal o português, ex-diretora de uma Escola Normal de senhoras em Saint Louis (Massachusetts) [...] e, finalmente trabalhando como dois homens, diz ela, quando o ensino o necessita. Tinha vindo para São Paulo, tratada pela Escola Americana, que me cede cinco dias por semana, para ajudar-me a realizar a reforma, que ficaria impossível sem ela (CAETANO DE CAMPOS34 apud REIS FILHO, 1995, p. 57). 34 CAETANO DE CAMPOS, A. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 mar. 1890. 50 Nesse fragmento pode ser notado a importância de duas professoras que colaboraram na reforma da instrução pública paulista: Miss Browne e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade. O próximo item tratará, com mais detalhes, da importância dessas duas professoras. 2.5.2 As professoras Márcia Browne e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade As reformas no campo educacional trouxeram um período de verdadeira ebulição na capital paulista. Caetano de Campos, então diretor da Escola Normal, encontrou o apoio necessário no curador da Escola Americana que lhe indicou as duas professoras especialistas no ensino intuitivo para dirigirem as Escolas Modelos. Com respeito às duas professoras, o professor José Feliciano de Oliveira nos retrata o perfil de cada uma em uma breve apresentação: D. Maria Loureiro, amável, bem falante, delicada e senhora de si, era autora de livros bem feitos. Sua pequena História do Brasil há esse tempo, era um modelo de ordem, de methodo expositivo, com um aspecto attrahente, artístico. No tempo não havia cousa melhor. Miss Browne era sua antípoda, embora no fundo boa e direita, muito disciplinadora. Mas não falava bem [...]. Não se conciliaram e não podiam se conciliar as duas diretoras [...] (OLIVEIRA, 1932, p. 13) Ambas gozavam de excelente conceito entre os norte–americanos instalados em Higienópolis. Maria Guilhermina, brasileira natural do Estado de Minas Gerais, havia aceitado o protestantismo entre os anos de 1860 e 1870. Muda-se para os Estados Unidos, especificamente para o Estado de Nova Iorque, com o objetivo de especializar-se na área educacional. Em razão de sua formação profissional no exterior e autora de livros didáticos, ganha visibilidade entre os educadores. Maria Guilhermina assinou contrato com o governo do Estado de São Paulo em abril de 1890, comprometendo-se a ocupar o cargo de professora-diretora da Escola Modelo do sexo feminino pelo período de três anos, “envidando todos os esforços para implantar em suas discípulas os bons moldes do ensino intuitivo, 51 conforme ensinado nos Estados Unidos” (AESP-ORDEM, 1135, fls. 6v-7r35 apud CHAMON, 2008, p. 287). Depois desse prazo, segundo o contrato, o governo criaria um jardim da infância, também anexo à Escola Normal, o qual ficaria sob sua direção em caráter vitalício. No entanto, o contrato precisou ser suspenso, o diretor da Escola Normal alegou ao Governador do Estado que a justificativa seria a pouca saúde da educadora, “Mas, os atritos entre Maria Guilhermina e Márcia Browne poderiam estar relacionados a diferentes apropriações e entre elas a possibilidade no que diz respeito aos métodos desenvolvidos por Froebel e Pestalozzi” (CHAMON, 2008). [...] o movimento froebeliano nos Estados Unidos sofreu uma divisão, uma linha com base numa apropriação rígida e espiritualizada, e a outra com base mais flexível e laica. Guilhermina dialogou e se formou com a corrente mais ortodoxa e fiel aos princípios de Froebel, sendo esse, possivelmente, um dos pontos de atrito entre as duas diretoras. [...] Nesse sentido, se houve uma escolha por parte de Caetano de Campos entre as duas educadoras, esse provavelmente foi o motivo. Interessava os métodos pedagógicos e os valores da cultura norte-americana, trazidos pelos protestantes, [...]. (CHAMON, 2008, p. 291). Márcia Browne era norte-americana com ampla experiência no magistério, trabalhava na escola Americana com Horace Lane. Indicada por ele para atuar na reforma paulista, com a notoriedade de ser uma das educadoras mais competentes dentro e fora do Brasil. Com o seu estilo de “mulher-homem” esteve à frente da buliçosa e inteligente criançada paulista de 1890 a 1896. Permaneceu de forma decidida na instrução pública paulista de onde orientou, advertiu e dirigiu três das escolas modelos instaladas na capital: Escola Modelo do Carmo, Escola Modelo da Praça e Escola Modelo da Luz. Por fim, retornou aos Estados Unidos em 1896 (D’ÁVILA, 1946). 2.5.3 Outras contribuições de Horace Lane Os profissionais qualificados para iniciar a nova proposta com a graduação necessária e concluída no exterior foram deparados e contratados. Os alunos formandos do curso oferecido pela Escola Normal estariam a partir da reforma assistindo as aulas de embasamento teórico na Escola Normal e seguindo um programa 35 AESP-ORDEM, 1135, fls. 6v-7r. 52 de estágio prático na Escola Modelo. Num primeiro momento como observadores dos trabalhos realizados pelas professoras e, posteriormente, seguindo o plano de trabalho delineado por elas em situações de regência de classe. Eles seriam avaliados por meio da baliza e dos procedimentos metodológicos aplicados pela Escola Modelo sob a orientação fiscalizadora da professor(a) – diretor(a) de cada segmento. Assim, a Escola Modelo passa a ser o centro das reformas idealizadas. Este processo demandaria ajustes para o funcionamento prático das mais variadas facetas: pedagógicos, políticos, financeiros, infraestrutura, entre outros assuntos da rotina da escola. Prudente de Morais, governador, assinou um decreto adicionando uma observação em que deixava a possibilidade de, caso houvesse necessidade, o Estado teria autonomia de contratar para a prestação de serviços em instituição pública, estrangeiros que por ventura estivessem capacitados. Miss Márcia Browne e mais quatro professoras, além do Dr. Horácio Lane, são nomeados para o serviço público do Estado de São Paulo por lei especial, para orientar o seu ensino primário e normal, sendo o Dr. Lane considerado Consultor educacional do Governo. É o modelo da escola Americana que dá origem ao conhecido “Grupo escolar” (AZEVEDO36 apud RAMALHO, 1976, p. 87). Assim, Caetano de Campos encontra os profissionais ideais para ocuparem os cargos, mesmo não atendendo às expectativas de gênero, ou seja, embora não sendo encontrado o diretor para os meninos. Os profissionais qualificados para iniciar a nova proposta com a graduação necessária e concluída no exterior foram deparados e contratados. A professora de Pedagogia, Miss Márcia P. Browne, e quatro das moças preparadas por ela e pelo Dr. Lane passaram ao serviço do Estado [...] (STEWART, 1932, p. 10). 37 Horace Lane era uma personalidade que exercia uma sensível influência sobre a Escola Normal por estar disponível para atender às solicitações de Caetano de Campos ou aos requerimentos de Miss Browne (RODRIGUES, 1930). Caetano de Campos teve de recorrer e não poucas vezes à experiência de Horace Lane para resolver certas dificuldades de ordem prática, que surgiram na aplicação dos novos processos didáticos, e para elucidar