FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CÍNTIA MARTINS SANCHES PHOENISSAE DE SÊNECA: ESTUDO INTRODUTÓRIO, TRADUÇÃO E NOTAS ARARAQUARA Fevereiro - 2012 CÍNTIA MARTINS SANCHES PHOENISSAE DE SÊNECA: ESTUDO INTRODUTÓRIO, TRADUÇÃO E NOTAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Câmpus de Araraquara, com vista à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Márcio Thamos ARARAQUARA Fevereiro - 2012 A pesquisa recebeu apoio financeiro da CAPES de março de 2010 a janeiro de 2012. Para Janizete, Cassiano e Fábio Resumo O objeto de investigação deste trabalho é a tragédia Phoenissae, do autor romano Lucius Annaeus Seneca (4 a.C.? – 65 d.C.). Assim, é dividido fundamentalmente em duas partes: 1- estudo introdutório; 2- Tradução do referido drama, com notas de referência. No estudo introdutório, faz-se uma sucinta apresentação sobre o surgimento do teatro e sobre sua trajetória na Antiguidade. São feitas breves referências à vida e à obra de Sêneca. O mito de Édipo e sua expressão em diversos contextos históricos são abordados. Outros assuntos que compõem este trabalho são: a maneira como Sêneca e sua obra trágica foram mencionados pelos autores da Antiguidade e pelos estudiosos posteriores; a questão da datação e da cronologia de suas peças; as fontes do autor para a composição de seus textos (influências gregas e romanas); as influências que ele exerceu nas literaturas posteriores; os conceitos de imitação e de intertextualidade relacionados à sua obra; a métrica utilizada em seus textos trágicos. O estudo trata de características gerais da obra dramática senequiana, que vão desde a maneira como o autor aborda os mitos, até a polêmica sobre os textos terem sido escritos para leitura ou para encenação. Depois, foca-se na tragédia Phoenissae, e, a partir dela, discutem-se questões como: incertezas sobre o título, incompletude da obra, diferenças em relação às outras peças que abordaram o mesmo mito, caracterização da personagem Édipo. Para dar um foco mais preciso ao estudo dessa tragédia, é nela observada a presença do furor, elemento que transforma as personagens em monstro. O assunto é analisado com base em exemplos de que Édipo, na peça, está sendo consumido pelo furor. O furor, na tragédia, é comparado ao conceito de ira presente na obra filosófica de Sêneca, mais especificamente, no tratado De ira (Sobre a Ira). Palavras-chave: Phoenissae, Sêneca, tragédia latina, tradução, furor, Édipo. Abstract The Phoenissae tragedy, by the Roman author Lucius Annaeus Seneca (c. 4 BC – 65 AC) is the object of study herein. It basically consists of two parts: 1 – initial study; 2 – translation of this tragedy, including reference notes. A brief explanation at the beginning of this study as to how theatre arose and its course in ancient times is presented. Brief references to Seneca’s life and composition are quoted. The myth of Oedipus and its expression in sundry historical contexts are also tacked. Other matters herein are: the way Seneca and his dramatic composition was approached by the authors from ancient times and by subsequent scholars; the dating and chronology of his plays; the sources he has used to make his writings up (Greek, Roman influences); how he affected the later literatures; the concepts of imitation and intertextuality concerning his composition; the prosody in his tragic texts. This study addresses the major features of Seneca’s dramatic composition, involving how the author deals with myths, the controversy over the texts for literature or staging and suchlike. Afterwards, the Phoenissae tragedy is stressed, and from it are considered: doubts about the title; incomplete composition, differences between other plays involving the same myth; describing the character Oedipus. For a sharper focus on this tragedy study, the furor is observed, an element that turns the characters into monsters. The subject is based on examples of Oedipus (within the play) being consumed by the furor. The furor within the tragedy is compared to the concept of ira in the Seneca’s philosophical composition, particularly including De Ira (On anger). Key words: Phoenissae, Seneca, latin tragedy, translation, furor, Oedipus. Sumário Agradecimentos --------------------------------------------------------------------------------------- 6 1. Estudo Introdutório -------------------------------------------------------------------------------- 7 1.1. Introdução geral-------------------------------------------------------------------------- 7 1.1.1. O surgimento do teatro e a tragédia na Antiguidade -------------------- 8 1.1.2. O mito de Édipo e sua expressão na arte -------------------------------- 11 1.1.3. Autor e obra ----------------------------------------------------------------- 21 1.1.4. Datação e cronologia das tragédias -------------------------------------- 26 1.1.5. Encenação ou recitatio? --------------------------------------------------- 28 1.1.6. Imitação ---------------------------------------------------------------------- 31 1.1.7. Influências que Sêneca exerceu em obras posteriores ----------------- 38 1.1.8. Métrica ----------------------------------------------------------------------- 41 1.2. Phoenissae ------------------------------------------------------------------------------ 42 1.2.1. A personagem Édipo ------------------------------------------------------- 44 1.2.2. Furor ------------------------------------------------------------------------- 54 1.2.3. Édipo: de homem a monstro ---------------------------------------------- 56 1.2.4. Furor em Phoenissae ------------------------------------------------------ 59 1.2.5. Furor em Sêneca: da filosofia à tragédia -------------------------------- 65 2. Tradução e notas ---------------------------------------------------------------------------------- 69 2.1. Sobre a tradução e as notas ----------------------------------------------------------- 69 2.2. Phoenissae: tradução e notas --------------------------------------------------------- 71 3. Considerações Finais --------------------------------------------------------------------------- 122 4. Referências --------------------------------------------------------------------------------------- 124 5. Bibliografia consultada ------------------------------------------------------------------------- 129 6 Agradecimentos Aos meus pais, Cassiano Martins Teixeira e Janizete Chacon da Silva Martins, pela oportunidade de ter uma vida dedicada aos estudos, pelo respeito às minhas escolhas, pela preocupação, pelo amor; Ao meu marido Fábio Sanches, pelo companheirismo, pelo incentivo, pela paciência, pelo carinho, pela atenção, pelo amor; Ao professor Cláudio Aquati, pelas maravilhosas aulas de latim que fizeram com que eu escolhesse ser uma estudiosa dessa área; à professora Solange Aranha, pela confiança que depositou em mim como aluna e por me apresentar ao incrível professor Alceu Dias Lima; ao professor Alceu, pela acolhida em Araraquara e por me indicar um orientador tão culto e admirável como é o professor Márcio; ao professor Márcio Thamos, pela orientação, pelo apoio, pela paciência; ao professor José Eduardo dos Santos Lohner, pela ideia do projeto desta dissertação e por acreditar no meu esforço; a todos eles e também aos professores João Batista Toledo Prado, Brunno Vinícius Gonçalves Vieira, Giovanna Longo e Luis Augusto Schmidt Totti, pelos ensinamentos, pela amizade, pela disposição e por todas as dicas; A tantos outros professores, que não estiveram diretamente ligados à realização do meu mestrado, mas que sempre farão parte da minha história acadêmica e profissional, como Neide Neli Romani Pontes, Arnaldo Franco Jr., João Ângelo de Oliva Neto, Paulo Martins, Ricardo da Cunha Lima, Elaine Cristine Sartorelli, Sanderleia Roberta Longhin-Thomazi, Belmiro Fernandes Pereira, Maria Clara Ferreira de Araújo Barros Greenfield, Silvia de Cassia Rodrigues Damacena de Oliveira e Deodoro Moreira; Agradeço com sincera afeição. 7 1. Estudo introdutório 1.1. Introdução geral O objeto de investigação deste trabalho é a tragédia Phoenissae, do autor latino Lucius Annaeus Seneca (4 a.C.? – 65 d.C.). Este trabalho consiste em um estudo introdutório e em uma tradução do referido drama senequiano, acompanhada de notas de referência. Assim, é dividido fundamentalmente em duas partes: 1- estudo introdutório; 2- Tradução e notas. No estudo introdutório, far-se-á uma sucinta apresentação sobre o surgimento do teatro e sobre sua trajetória na Antiguidade. Serão feitas breves referências à biografia de Sêneca e citar-se-ão suas obras. O mito de Édipo e sua expressão em diversos contextos históricos serão abordados. Outros assuntos que compõem este trabalho são: a maneira como Sêneca e sua obra trágica foram mencionados pelos autores da Antiguidade e pelos estudiosos posteriores, a questão da datação e da cronologia de suas peças, as fontes do autor para a composição de seus textos (influências gregas e romanas), as influências que ele exerceu nas literaturas posteriores, os conceitos de imitação e de intertextualidade relacionados à sua obra, a métrica utilizada em seus textos trágicos. Tratar-se-á de características gerais da obra dramática senequiana, que vão desde a maneira como o autor aborda os mitos, até a polêmica sobre os textos terem sido escritos para leitura ou para encenação. Depois, há de se focar na tragédia que compõe o córpus deste estudo, Phoenissae, e, a partir dela, discutir-se-ão questões como: incertezas sobre o título, incompletude da obra, diferenças em relação às outras peças que abordaram o mesmo mito, caracterização da personagem Édipo. Para dar um foco mais preciso ao estudo dessa tragédia, será nela observada a presença do furor, elemento que transforma as personagens em monstro (Dupont, 1995). A presença do furor tem destaque nas peças de Sêneca e consiste em uma das características inovadoras da obra desse autor. O assunto será analisado com base em exemplos de que Édipo, na peça, está sendo consumido pelo furor. O furor, na tragédia, será comparado ao conceito de ira presente na obra filosófica de Sêneca, mais especificamente, no tratado De ira (Sobre a Ira). Essa comparação se fundamenta no 8 fato de haver grande proximidade entre o sentimento de furor do herói trágico e o comportamento do indivíduo possuído pela ira, descrito pelo Sêneca filósofo. Finalmente, será apresentada a tradução, do latim para o português, do texto de Phoenissae, juntamente com notas de referência. 1.1.1. O surgimento do teatro e a tragédia na Antiguidade O teatro surgiu na Grécia, no século VI a.C., e sua origem está ligada aos rituais realizados em honra do deus Dioniso, em cantos denominados ditirambos. Primeiramente, havia apenas a figura de um narrador e a do coro, com declamações e cantos, que consistiam no começo daquilo que mais tarde seria o gênero trágico. Depois, a encenação evoluiu para a presença de uma personagem em cena. Foi no século V a.C. que o teatro grego teve seu apogeu. Os grandes tragediógrafos gregos contribuíram para a evolução do gênero de várias formas, dentre as quais, com o aumento do número de atores em cena. Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.) introduziu um segundo ator para contracenar com o já existente. Sófocles (496 a.C. – 406 a.C.), posteriormente, escreveu peças com três atores em cena. Eurípides (480 a.C. – 406 a.C.) manteve as três personagens em cena, tendo efetuado outras mudanças que fizeram parte da história da poesia trágica da Antiguidade, como a menor ligação entre as cenas e os cantos corais. Mas a tragédia não fora o único gênero teatral que nascera. Com ela, surgira, também na Grécia, a comédia. Aristófanes (448 a.C.? – 380 a.C.?) foi autor grego renomado desse outro gênero. Em Roma, a cultura grega chegou principalmente a partir do século III a.C, por ocasião da invasão romana em territórios dominados pelos gregos. A cultura romana era marcada pela belicosidade e pouco se produzira de literatura ali antes da influência helênica. O primeiro registro que se tem de teatro em Roma é de uma tradução do grego produzida por Lívio Andronico (280 – 200 a.C), representada no ano de 240 a.C1. Sobre os autores trágicos de Roma, o único de quem dramas completos sobreviveram ao tempo foi Sêneca. Em comparação às inovações dos autores gregos citados, Sêneca escreveu tragédias com quatro atores2 simultaneamente falando em cena3 (Kohn, 2005) 1 Não se sabe, ao certo, se essa tradução era de uma tragédia ou de uma comédia. 2 Horácio (65-8 a.C.), em sua Arte Poética (escrita entre 14 e 13 a.C.) não admite como conveniente a utilização de um quarto ator falando em cena (Horácio, verso 192; 1984, p. 83). 9 e foi autor de diversas mudanças na história do gênero trágico. Quanto aos comediógrafos latinos, destacaram-se Plauto (250 a.C.? – 184 a.C.?) e Terêncio (185 a.C.? – 159 a.C.). A caracterização de tragédia e de comédia e a diferenciação entre elas foram expostas por Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) em sua Poética4, escrita no século IV a.C. Aristóteles, na verdade, disserta mais longamente sobre o gênero trágico do que sobre comédia. Segundo esse autor, tragégia e comédia, duas formas de imitação de ações humanas, diferem entre si por três vias: os meios utilizados para imitar (ritmo, canto, metro), os objetos imitados (seres superiores ou inferiores aos da atualidade) e o modo como representam cada um desses objetos (narrando, agindo, pela boca da personagem, por meio do coro) (Aristóteles, cap. I-III, 1992, p. 17-25). No início do capítulo VI (1992, p. 37), Aristóteles define tragédia como imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções. Além disso, em IX (Aristóteles, 1992, p. 53), o pensador grego ressalta que “não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade”. Assim, constituem a alma da tragédia, em primeiro lugar, o mito; em segundo, o caráter e, em terceiro, o pensamento. São partes do mito a peripécia, o reconhecimento e a catástrofe (Aristóteles, cap. XI, 1992, p. 63). A peripécia é definida no capítulo XI, sendo “a mutação dos sucessos no contrário” (Aristóteles, cap. XI, 1992, p. 61). No mito de Édipo, por exemplo, ocorre peripécia quando o servo de Corinto, tentando aliviar o rei tebano do receio de vir a ter uma relação incestuosa com sua suposta mãe Mérope, conta que ele não é filho de sangue dos reis de Corinto e acaba por desencadear a descoberta de que o herói já cometera incesto e parricídio. O reconhecimento “é a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para a amizade ou inimizade das personagens que estão destinadas para a dita ou para a 3 Não se comprova a inovação senequiana nesse item da técnica dramática, já que outros autores poderiam ter escrito peças com essa característica, que teriam se perdido no tempo. 4 Aristóteles (1992), principalmente nos capítulos de II a VI. 10 desdita” (Aristóteles, cap. XI, 1992, p. 61). Nesse mesmo momento da história de Édipo, citado pelo autor como exemplo de peripécia, também ocorre o reconhecimento - Aristóteles destaca que a ocorrência de peripécia e reconhecimento de uma só vez é de grande valor para o mito. A catástrofe “é uma ação perniciosa e dolorosa, como o são as mortes em cena, as dores veementes os ferimentos e mais casos semelhantes” (Aristóteles, cap. XI, 1992, p. 63).São exemplos disso, em Oedipus, de Sêneca, a cegueira de Édipo e o suicídio de Jocasta. Em Phoenissae, também de Sêneca, ocorrem diversas evidências da autoflagelação de Édipo. O caráter e o pensamento são “causas naturais que determinam as ações” e “nas ações [...] tem origem a boa ou a má fortuna dos homens” (Aristóteles, cap. VI, 1992, p. 39). Caráter consiste naquilo que “faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade” (Aristóteles, cap. VI, 1992, p. 39). Pensamento consiste em “tudo quanto digam as personagens para demonstrar o que quer que seja ou para manifestar sua decisão” (Aristóteles, cap. VI, 1992, p. 39). O fato de as tragédias suscitarem temor e pena é desenvolvido por Aristóteles no capítulo XIII. O melhor é o herói se encontrar em situação intermediária, nem de terror, nem de piedade, e em ambas ao mesmo tempo. Édipo é exemplo de um herói assim. Trata-se de uma personagem que “não se distingue muito pela virtude e pela justiça; se cai no infortúnio, tal acontece não porque seja vil e malvado, mas por força de algum erro; e esse homem há de ser algum daqueles que gozam de grande reputação e fortuna” (Aristóteles, cap. XIII, 1992, p. 69). Ainda desenvolvendo a questão do terror e da piedade, o autor coloca em relevo o fato de que, quando a catástrofe acontece entre pessoas que se querem bem, o terror dá lugar à monstruosidade. Como exemplos, são citados em seu capítulo XIV (Aristóteles, 1992, p. 73): “o irmão que mata ou esteja em vias de matar o irmão, ou um filho o pai, ou a mãe um filho, ou um filho a mãe, ou quando aconteçam outras coisas tais”. Além disso, a monstruosidade também pode ser praticada sem que o autor tenha consciência dela, mas venha depois a reconhecer o parentesco (XIV, 1992, p. 75). Em relação à temática, a tragédia da Antiguidade greco-romana esteve, em geral, centrada na mitologia, nas relações entre homens e deuses. No entanto, vale lembrar, por exemplo, Os persas, de Ésquilo, e Octauia, do pseudo-Sêneca, que não possuem tema mitológico. 11 Quanto à estrutura, a tragédia ática possui as seguintes partes: prólogo (parte que antecede a entrada do coro), episódios (situados entre os cantos corais), cantos corais (localizados entre os episódios: párodo é o primeiro e os seguintes são denominados estásimos) e êxodo (parte depois da qual não há coro)5. A tragédia latina é dividida em cinco atos separados pelos cantos corais6. Phoenissae, de Sêneca, não possui essas divisões; nela, esta pesquisa considerará apenas a existência de duas partes. 1.1.2. O mito de Édipo e sua expressão na arte Basear obras de arte em temas mitológicos era bastante comum na Antiguidade. Sêneca compõe duas de suas tragédias com a temática do mito de Édipo, personagem tragicamente destinada a matar o próprio pai e a se casar com a própria mãe. Esse mito teve ampla representação em textos, em pinturas, em esculturas, além, é claro, da tradição oral muito anterior a todas essas categorias de arte. A história dessa personagem já existia muito antes de haver literatura escrita na Grécia, tendo sido por Homero (século VIII a.C.) citada na Ilíada (livro XXIII, versos de 679-680) e resumida na Odisseia (livro XI, versos de 271 a 280). Depois, registrou-se o destino trágico do parricida incestuoso nos poemas cíclicos gregos (séc VII a VI a.C.) Edipodia e Tebaida, que não sobreviveram ao tempo. Em seguida, foi a vez de os três grandes tragediógrafos gregos, no século V a.C., utilizarem essa história em suas obras. Ésquilo escreveu Laio, Édipo e Os sete contra Tebas, só tendo chegado aos dias atuais esta última; Sófocles compôs Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona, além da incompleta Édipo Tirano; Eurípides foi autor de Édipo, Antígona e As fenícias, das quais somente a terceira sobreviveu ao tempo. Depois disso, em Roma, Júlio César (100-44 a.C.) escreveu a tragédia Édipo7, da qual não se tem o texto por se ter perdido no tempo. Outro autor latino que teria usado a história desse mito foi Pôntico, poeta épico que começou a escrever uma Tebaida8. Ácio (170-86 a.C) escreveu a peça Phoenissae, da qual restam hoje alguns fragmentos. E Sêneca, então, compôs os dramas Oedipus e Phoenissae. Fora do contexto greco-romano, escreveram-se releituras do mito de Édipo em obras diversas, como Édipo, de Pierre Corneille (1606-1684); Édipo, de François 5 Aristóteles (Poética, Capítulo XII, 1992, p. 65). 6 Horácio (Arte Poética, versos 189-190, 1984, p. 83). 7 Suet. Diu. Iul. 56,9. (A vida dos doze Césares, 2002). 8 Prop. I, 7;9. (Elegías completas, 2007). 12 Voltaire (1694-1778); A máquina infernal, Antígona (1922) e Édipo-Rei (1928), de Jean Cocteau (1889-1963); Édipo e Teseu, de André Gide (1869-1951); Antígona (1944), de Jean Anouilh (1910-1987); Diálogos com Leucó, de Cesare Pavesse (1908-1950); O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges (1899-1986) e Margarita Guerrero. No Brasil pode-se citar pelo menos a trilogia de poemas de Olavo Bilac (1865-1918), no livro Tarde (1919), intitulada “Édipo”, composta pelas poesias “A Pítia”, “A Esfinge” e “Jocasta”. Na música, houve inspiração no mito de Édipo para a composição de obras como as óperas9 Édipo Rei, de Igor Stravinsky (1882-1971) e Édipo, o Tirano, de Carl Orff (1895-1982). Édipo e seu trágico destino também inspiraram obras nas artes plásticas, tais como os dois primeiros vasos que se veem a seguir (figuras 1 e 2), patrimônios da Antiguidade, e que representam o encontro entre Édipo e a Esfinge. A figura três traz um vaso que representa o duelo entre Etéocles e Polinices pelo trono. Figura 1 Figura 2 Figura 3 9 No fim do século XVI, surge a ópera, para que fosse possível o retorno das formas que se desenvolveram no teatro grego, privilegiando-se a música no acompanhamento do texto (Cardoso, 2011, p. 23). 13 Já na época moderna, a escultura Édipo e Antígona (figura 4), do dinamarquês Rudolph Tegner (1873-1950), também se baseou nesse mito, assim como a de Jean- Baptiste Hugues (1849-1930), intitulada Édipo em Colono (figura 5). Figura 4 Figura 5 Entre as pinturas que trataram desse mito estão Édipo e a Esfinge (figura 6), de 1808, do francês Jean Auguste-Dominique Ingres (1780-1867); Édipo e a Esfinge (figura 7), de 1864, do também francês Gustave Moreau (1826-1898); As carícias ou A Esfinge (figura 8), de 1896, do belga Fernand Knopff (1858-1921); A Esfinge questionando Édipo (figura 9), de 1966, de Giorgio de Chirico (1888-1978); Édipo e a Esfínge Depois de Ingres (figura 10), de 1983, de Francis Bacon (1909-1992). Retratando Édipo e Antígona, cita-se: Édipo em Colono (figura 11), de Fulchran-Jean Harriet (1776-1805); Édipo e Antígona (figura 12), de 1828, de Antoni Brodowski (1784-1832); Antígona e Édipo (figura 13), de Camille-Félix Bellanger (1853-1923); entre outras. Figura 6 Figura 7 14 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 A saga edipiana fez-se presente também no cinema, em filmes como Édipo Rei (1967) do diretor Pier Paolo Pasolini (1922-1975); Édipo Rei (1968), dirigido por Philip Saville (1930-); Contos de Nova York (1989), no episódio “Édipo arrasado”, de Woody Allen (1935-). Na televisão brasileira, também houve influência desse mito na telenovela Mandala (1987-1988), de Dias Gomes (1922-1999). O mito de Édipo não tem uma mesma versão em todas essas obras citadas, e neste trabalho serão examinadas apenas as versões mais relevantes para o estudo da 15 tragédia senequiana em questão. As fontes para estas primeiras histórias são, principalmente, a obra Metamorfoses, de Ovídio (43 a.C.-17 d.C) e a tragédia As bacantes, de Eurípides. Depois, são consideradas para contar o mito de Édipo as obras Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona, de Sófocles, As fenícias, de Eurípides e Oedipus e Phoenissae, de Sêneca. As desgraças sofridas por Édipo são parte de uma maldição que acompanha Tebas e seus governantes desde a fundação da cidade. Cadmo fundou Tebas por ocasião do rapto de sua irmã Europa por Zeus (Júpiter). Ele deveria procurar por ela e não retornar a sua casa (em Tiro, na Fenícia) enquanto não a encontrasse. Como ela nunca foi achada (na verdade, ela fora instalada por Júpiter na ilha de Creta), Cadmo consultou o Oráculo de Delfos, que o orientou a seguir uma vaca e fundar uma cidade no local em que ela parasse. Ele o fez e o animal parou na região da Beócia, onde Tebas foi fundada. Cadmo quis fazer um sacrifício a Atena (Minerva) antes da fundação. Ele pediu que seus homens buscassem água na fonte de Ares (Marte), mas a fonte era guardada por um dragão que matava todos que até lá chegassem para pegar água. Cadmo matou o dragão e, então, Atena lhe disse para plantar os dentes do monstro. Ele levou água, sacrificou a vaca a Atena e semeou os dentes do guardião da fonte. Nasceram daí alguns homens armados que despertaram o receio de Cadmo. O fundador de Tebas, então, jogou pedras entre eles e os fez lutar uns contra os outros, tendo sobrevivido apenas cinco deles: os Spartoi, homens semeados. Cadmo, alvo do ressentimento de Ares por ter matado o dragão, foi colocado a serviço do deus e tornou-se o primeiro rei de Tebas, tendo se casado com a deusa Harmonia, filha de Afrodite (Vênus) e Ares. Os noivos receberam presentes, alguns deles maléficos, que causariam perdas aos que os herdassem. Uma das filhas desse casal foi Sêmele, que, depois de fecundada por Júpiter, deu à luz Dioniso (Baco). Por querer ver seu amante não em forma de homem, mas como deus, foi queimada pela claridade divina e morreu com o filho ainda no ventre e Júpiter terminou de gerá-lo em sua coxa. Por não ter nascido de Sêmele, ninguém em Tebas considerou Dioniso como seu familiar ou conterrâneo. Por causa disso, o deus se voltaria, futuramente, contra a vida de alguns governantes como Penteu e Lábdaco. Outra filha de Cadmo e Harmonia foi Agave, futura mãe de Penteu, herdeiro imediato do trono de Cadmo. O primeiro rei e a primeira rainha da cidade ainda viverão outras experiências antes de serem transformados em serpentes. Agave participará ativamente do triste destino do segundo rei de Tebas, seu filho Penteu, o qual, além de 16 não reconhecer Dioniso como seu familiar, coloca-se contra o culto a esse deus. Como vingança, o deus Dioniso instigaria Agave a participar dos cortejos de bacantes promovidos nos arredores de Tebas e no Monte Citerão. Em delírio, pensando que o filho fosse um animal selvagem, ela o despedaça com a ajuda das outras mulheres, cortando sua cabeça e espetando-a na ponta de um tirso10. Polidoro, irmão de Penteu, ocupou por pouco tempo o trono. Com sua morte, o cetro foi passado a seu filho Lábdaco, que, no entanto, ainda era muito jovem para tomar o poder. Assim, os Spartoi, casados com as filhas de Cadmo, governaram a cidade enquanto Lábdaco crescia. Esse, então, ocupa o trono até ser, como Penteu, despedaçado pelas bacantes por também se opor ao culto a Dioniso. O herdeiro do trono seria Laio, contudo também muito pequeno para assumir as responsabilidades de um rei. Substituiram-no Nicteu e Lico, filhos de Ctônio, um dos Spartoi. Esses governantes são assassinados pelos netos de Lico, Anfíon e Zeto, que haviam sido por ele abandonados quando bebês. Anfíon e Zeto se mantiveram no trono até morrerem. Com as frequentes invasões a Tebas nesse período, diversas vezes Laio precisou fugir da cidade para não ser morto por inimigos. Em uma dessas fugas, já adulto, foi abrigado pelo rei Pélope, em Corinto, onde se apaixonou pelo príncipe Crisipo. Como a paixão não era recíproca, Laio tentou pela força obter o amor do jovem, o que acarretou sérias consequências: Crisipo suicidou-se e Pélope lançou sobre Laio a maldição de que a raça de Laio jamais se perpetuaria. Após a morte de Anfíon e Zeto, Laio subiu ao trono de Tebas e se casou com Jocasta. É justamente esse o ponto inicial da fábula11 da tragédia sofocliana Édipo Rei e da senequiana Oedipus. Laio e Jocasta decidiram procurar o Oráculo de Delfos porque não conseguiam ter filhos. O Oráculo os advertiu de que cessassem todas as tentativas para ter esse filho, pois, se nascesse, viria a matar seu pai, o rei, e a se casar com a rainha, sua mãe. Mesmo sabendo disso e procurando evitar a concepção de um filho, Jocasta engravidou, e nasceu um menino. Laio se dispôs prontamente a eliminar qualquer possibilidade de que a predição de Apolo fosse cumprida e ordenou que um criado de sua confiança levasse o menino para a morte no Monte Citerão. Mas o servo teve piedade da criança e a entregou a um pastor que passava pelo mesmo monte. O menino, então, foi chamado “Édipo” por ter seus pés transpassados e inchados (“pés 10 Bastão envolvido com hera e ramos de videira. 11 O conceito de fábula aqui utilizado é o de história contada, não na ordem em que ela aparece no texto literário, mas na ordem cronológica dos acontecimentos. O termo aparece na Arte poética de Horácio (versos 150-155, 1984, p. 79, tradução de Rosado Fernandes). 17 inchados” – é esse o significado da palavra Édipo, em grego) e foi levado ao rei Pólibo e à rainha Mérope, de Corinto, que o criaram como se fosse filho deles. Mais tarde, já adulto, tendo Édipo descoberto, por meio do mesmo Oráculo de Delfos, qual seria o seu destino, fugiu de Corinto para evitar que ele se cumprisse, já que acreditava serem Pólibo e Mérope seus pais verdadeiros. No caminho por onde andava em sua fuga, Édipo se deparou com alguns homens que o desrespeitaram, considerando-se donos da estrada e exigindo que ele saísse do caminho. Édipo, então, lutou com os homens até que todos eles morressem (mas um deles fugiu). Em seguida, chegou à cidade de Tebas, onde uma terrível peste se alastrava rapidamente. Ele salvou a cidade, decifrando os versos do Enigma da Esfinge, e obteve como prêmio a viúva do rei que fora morto recentemente por desconhecidos. Tornou-se, então, rei de Tebas e teve com Jocasta quatro filhos – Antígona, Etéocles, Ismene e Polinices. Alguns anos mais tarde, outra peste se difundia sobre a cidade. Consultado o Oráculo de Apolo (em Delfos), foi dito que a cidade seria salva se o assassino do falecido rei Laio fosse descoberto e exilado de Tebas. Édipo, então, proclamou a toda a cidade que o criminoso seria encontrado e, quando isso acontecesse, ninguém deveria dirigir-lhe a palavra e ele seria exilado e morto. E iniciou uma profunda investigação. Em Édipo rei, de Sófocles, Édipo soube que um dos criados de Laio sobreviveu ao ataque que matou o rei e mandou chamá-lo. Também requereu a presença do cego e adivinho Tirésias, para que revelasse o nome dos assassinos (que todos acreditaram ser um grupo de homens, de acordo com o depoimento do servo sobrevivente, que mudara para o campo logo após o casamento de Édipo com Jocasta). Tirésias, o primeiro a ser ouvido por Édipo, diante de toda a cidade, relutou bastante em responder às perguntas do rei, mas acabou por expor a todos que o assassino de Laio era o próprio rei Édipo. O rei não acreditou nas palavras do cego e concluiu que Creonte, irmão de Jocasta, tramava contra ele para tirá-lo do poder e tomar seu lugar. Em Oedipus, de Sêneca, essa parte é contada diferentemente. Édipo manda Creonte ao oráculo de Febo e Tirésias é enviado a Tebas, onde executa um ritual de sacrifícios para descobrir o autor do crime, mas o nome não lhe é revelado. É preciso que Édipo escolha alguém para evocar do Érebo (a escuridão) o nome do autor do assassinato. O escolhido é Creonte e quem lhe revela o autor do delito é o próprio fantasma de Laio. Quando Creonte conta a Édipo que o criminoso é o atual rei de Tebas, Édipo não acredita e ameaça prender o cunhado. Contudo, lembrando-se de ter matado 18 dois homens numa briga em uma encruzilhada, Édipo pergunta a Jocasta com que idade morreu Laio, em que época e se alguém morreu com ele. Jocasta dá as respostas coincidentes com as mortes pelas quais ele é realmente o responsável. Antes que ele se diga culpado, chega a eles um velho de Corinto, dando a notícia do falecimento, por morte natural, de Pólibo, seu pai (adotivo, mas que ele acreditava ser de sangue). Também em Sófocles chega à cidade o mensageiro de Corinto para dar a mesma notícia. Édipo contou ao homem sobre o seu trágico fado e disse que ficara feliz com a notícia, já que ela o livrava do destino de matar seu pai, pois Pólibo morrera de velhice. Para tranquilizá-lo ainda mais, o mensageiro revelou que ele nem mesmo corria o risco de casar-se com sua mãe, pois não era filho legítimo do rei e da rainha de Corinto. Ele fora parar lá nas mãos de um pastor de Tebas que trabalhava no monte Citerão e que entregara pessoalmente a ele. É nesse ponto que, em Édipo rei, o protagonista se lembra dos homens que matara na encruzilhada perto de Tebas. A única coisa que o tranquilizava era o fato de o rei ter sido morto por mais de um homem. Agora, o depoimento do servo que sobrevivera se tornava fundamental para desvendar o mistério. Chega ao local o tão esperado servo e é imediatamente reconhecido pelo mensageiro de Corinto como sendo o homem que lhe entregara o bebê no monte Citerão. Como Tirésias, ele reluta em responder às perguntas de Édipo, mas acaba confessando que o bebê que ele entregara ao servo de Corinto era o filho de Laio e Jocasta. Também revelou que foi o próprio rei o único homem que matou Laio e seus servos na encruzilhada. Édipo, diante de todas as tentativas de Laio, de Jocasta e dele mesmo para evitar o cumprimento de seu destino, passou assim mesmo por tudo o que fora previsto pelos Oráculos. Ele entra no Palácio Real e encontra sua mãe-esposa morta enforcada no quarto. Com os alfinetes das roupas que Jocasta usava, ele fura os dois olhos como punição pelo mal que causou à sua família. Esse é o desfecho proposto por Sófocles. Sêneca, em Oedipus, escreve outro final: Édipo entra no palácio, perfura seus olhos com uma espada e sai para que o povo veja sua punição. Em seguida, Jocasta usa a mesma espada para matar-se, em cena, fincando-a no próprio ventre. Édipo rei, de Sófocles, juntamente com Édipo em Colono e Antígona, forma uma de suas trilogias, na qual a segunda peça é continuação da primeira. Nela, depois de ficar um ano preso nos calabouços de seu próprio Palácio (por Creonte, que queria saber dos deuses o que deveria ser feito com o rei, para que a cidade não precisasse passar por novas maldições), Édipo é exilado, para que morra fora das fronteiras de Tebas, nas proximidades da cidade. Antígona segue junto a seu pai para guiá-lo e tentar convencê- 19 lo a voltar para Tebas e a interceder pela paz entre seus dois filhos. Acontece que, logo depois da morte de Jocasta e da cegueira de Édipo, Etéocles e Polinices haviam celebrado um acordo pelo qual se comprometiam a alternar-se anualmente no trono. Embora Polinices fosse o primogênito, era Etéocles quem detinha o poder da cidade no ano em que Édipo esteve preso; mas, quando acabou seu período no trono, não aceitou ceder o cetro ao irmão, expulsando-o da cidade. Polinices encontrou abrigo em Argos e se casou com a princesa daquelas terras, obtendo do rei a promessa de que eles iriam a Tebas com os exércitos argivos para conseguir de volta o trono que lhe pertencia. Enquanto isso, Édipo e Antígona chegavam às proximidades do povoado de Colono, governado pelo rei de Atenas, Teseu, o qual, acolhendo Édipo, prometera não permitir que ninguém o tirasse de lá até o fim de sua vida. Ismene aparece com a notícia de que Creonte queria que Édipo morresse perto de Tebas, mas fosse enterrado fora das fronteiras da cidade. Édipo declara que não sairia de lá e a envia para buscar o que era preciso para fazer uma oferenda à deusa cultuada em Colono. Polinices vai até ele para pedir sua benção antes de atacar as sete portas de Tebas com sete exércitos de Argos. Édipo não o abençoa e prevê que morrerão os dois irmãos nessa batalha. Depois disso, quem chega a Colono é Creonte que, já tendo se apoderado de Ismene, chantageava Édipo para que voltasse a Tebas, ameaçando-o de também sequestrar Antígona. Como Édipo não o obedece, Antígona é levada pelos homens de Creonte. Mas o exército de Teseu os segue e traz de volta as duas moças. Édipo, então, deixa de ser guiado pela filha e leva as jovens e Teseu para o local em que morrerá. Pede que as filhas voltem para Tebas e que Teseu retorne para Colono. Então, Édipo perece só, sem o testemunho das filhas. O único a assistir a sua morte é Teseu, que, no entanto, prometera sigilo absoluto sobre os últimos momentos de Édipo. Ismene e Antígona decidem retornar a Tebas para tentar evitar a luta de seus dois irmãos. Em Antígona, de Sófocles, Ismene e Antígona chegam a Tebas e tomam conhecimento de que Etéocles e Polinices mataram-se um ao outro em batalha. Por decreto de Creonte, Etéocles foi enterrado com todas as honras fúnebres, o que fora terminantemente negado a Polinices, então considerado inimigo da cidade. Quem o sepultasse seria condenado à lapidação. Mas Antígona, agindo contra o decreto real, presta honras fúnebres ao irmão. Para puni-la, Creonte decide encerrá-la em uma caverna para que espere a morte ou se suicide. Além disso, Polinices é exumado e tem seu corpo esquartejado e espalhado para ser devorado por aves carniceiras. Antes que a pena de Antígona fosse executada, Hêmon, filho de Creonte e noivo da moça, aconselha 20 o pai a não castigá-la, dizendo ser essa a vontade de toda a cidade de Tebas. Mas Creonte não o ouve e cumpre sua decisão. Depois, o cego Tirésias volta a fazer previsões: por não haver enterrado o corpo de Polinices e por ter condenado Antígona à morte, maldições cairão sobre a casa do rei. Creonte, tentando reverter a situação, enterra os restos mortais de Polinices e tenta, em vão, libertar Antígona , que já se enforcara na caverna onde fora encerrada. Hêmon, junto a ela, com uma espada, também se suicidara. Voltando ao palácio, Creonte descobre que também sua esposa Eurídice se matara e decide ter esse mesmo fim. Assim dá-se o fim da peça e da trilogia sofocliana. As fenícias, de Eurípides, tem a mesma trama e o mesmo herói protagonista, mas é contada sob um ângulo diferente. O início se dá a partir de outro ponto da história e a peça apresenta algumas divergências com relação a algumas personagens. Nesta peça, Édipo está preso no palácio depois de se ter cegado com a descoberta sobre o assassinato de seu pai e o casamento com sua mãe. Jocasta ainda não se matou. Etéocles detém o trono de Tebas e está terminado o prazo de um ano, quando o trono deveria ter sido entregue a Polinices. O título da peça remete ao fato de o coro ser formado por mulheres fenícias prisioneiras de guerra. Há destaque para o ponto de vista feminino por causa do coro e, também, porque a peça tem início com uma extensa fala de Jocasta (no prólogo) e, logo depois, Antígona toma conta da cena, observando os sete exércitos argivos que acompanham seu irmão Polinices e que estão prestes a atacar Tebas. Jocasta promove um encontro pacífico entre os dois irmãos antes que a batalha comece, para tentar evitar que a maldição de Édipo se cumpra (o pai dissera que os dois irmãos haveriam de se matar um ao outro). O diálogo acontece em vão, pois Etéocles não admite passar o trono a seu irmão e Polinices não aceita que o trato seja descumprido. Vale destacar que, nesta tragédia, é Etéocles o irmão mais velho (em Sófocles, o primogênito era Polinices). Sem um acordo entre os irmãos, haverá guerra. Tirésias diz a Creonte que a única forma de salvar Tebas consiste no sacrifício de seu filho Meneceu. Creonte recusa a solução do adivinho e ordena que seu filho fuja da cidade. Mas Meneceu faz o que deve ser feito, oferece seu sangue ao antro do dragão. O combate tem início e o exército tebano está vencendo o argivo, mas muitas mortes ocorrem de ambos os lados. Então, Etéocles propõe que os soldados fossem poupados e que a guerra fosse decidida com um combate singular entre ele e Polinices. Jocasta recebe a notícia de que haverá a luta e vai até o local da batalha junto com Antígona, mas elas chegam tarde demais. Os dois já haviam ferido um ao outro e estão prestes a 21 morrer. Polinices pede para ser enterrado em solo tebano. Jocasta se mata com a espada de um dos filhos. A guerra continua, até que os homens argivos ainda vivos fujam da cidade, dando vitória definitiva a Tebas. Antígona vai contar a Édipo os últimos acontecimentos. Creonte diz que Édipo será exilado, que Antígona se casará com seu filho Hêmon e que está proibido prestar honras fúnebres a Polinices, inimigo de Tebas. Antígona diz que enterrará o irmão e que não se casará; irá ao exílio junto com Édipo, para guiá-lo. Pai e filha partem rumo a Colono, povoado de Atenas, onde Édipo afirma ser seu destino morrer. Em Phoenissae, de Sêneca, Jocasta está viva e Édipo inicia a peça já cego e autoexilado. O protagonista tem Antígona como guia e quer suicidar-se. Antígona está convencida a morrer junto com o pai caso ele não desista da pena e quase o convence a viver. Um mensageiro de Tebas pede que Édipo retorne para salvar os filhos. Jocasta tenta fazer com que os dois filhos se entendam e cessem as desavenças. Ela se coloca entre os dois e argumenta a favor da paz. Os irmãos continuam a se desentender e a discussão é interrompida, não havendo final para a tragédia12. 1.1.3. Autor e obra Lúcio Aneu Sêneca13 nasceu em Córdoba (na atual Espanha), em 4 a.C.(?) e viveu em Roma durante os impérios de Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), Tibério (14 - 37 d. C.), Calígula (37 - 41 d.C.), Cláudio (41 - 54 d.C.) e Nero (54 - 68 d.C.). Assistiu à sede de poder dos imperadores e aos seus atos torpes e irracionais14. Foi exilado por Cláudio, mas voltou a Roma para ser tutor de Nero. Posteriormente, foi condenado ao suicídio durante o império do próprio Nero em 65 d.C15. Foi orador, 12 Nessa tragédia há uma quebra abrupta no verso 664. Este trabalho tratará, mais adiante, sobre a questão da incompletude dessa obra (em 1.2.). Além disso, sua fábula será mais detalhadamente contada (em 1.1.3.). 13 Sêneca é frequentemente mencionado como “Sêneca, o jovem”, para distingui-lo de seu pai, Sêneca, o velho (60 a.C.-39 d.C), autor de dez livros de Controvérsias (gênero judicial, no qual se simula o julgamento de um caso fictício) e um de Suasórias (gênero deliberativo ou político, tentativa do orador de guiar as ações de uma pessoa famosa, da História ou da Mitologia, que esteja enfrentando uma difícil situação imaginária). 14 Suetônio descreve o comportamento dos imperadores na sua obra De vita Caesarum (A vida dos doze Césares, 2002). 15 Sua morte é descrita por Tácito nos Anais (15, 62-63) - (Anais, 1952). 22 ocupou cargos políticos e se notabilizou posteriormente como filósofo estoico16 e como tragediógrafo. Na área da filosofia, escreveu obras variadas, de cunho moral, a saber: as Ad Lucilium epistolae morales (Cartas a Lucílio); dez diálogos em 12 livros (nove monossilábicos e o De ira em 3 livros) – Ad Marciam consolatio (Consolação para Márcia), Ad matrem Helviam (Consolação para a mãe Hélvia), Ad Polybium (Consolação para Políbio); De brevitate vitae (Sobre a brevidade da vida), De otio (Sobre o ócio), De constantia sapientis (Sobre a constância do sábio), De vita beata (Sobre a vida feliz), De tranquillitate animi (Sobre a tranquilidade do espírito), De Providentia (Sobre a providência), De ira (Sobre a ira), em três livros –; três tratados - De beneficiis (Sobre os benefícios), em sete livros, De clementia (Sobre a clemência), em dois livros e, no campo da física, Naturales quaestiones (Investigações sobre a natureza), em sete livros. Além disso, foi autor também da sátira menipeia, Apocolocynthosis (Apocolocintose). Como tragediógrafo atribuem-se-lhe pelo menos oito tragédias17, que sobreviveram ao tempo: Agamêmnon (Agamêmnon), Hercules furens (Hércules louco), Medea (Medeia), Oedipus (Édipo), Phaedra (Fedra), Phoenissae (Fenícias), Troades (Troianas) e Thyestes (Tiestes). É possível encontrar, como particularidade das tragédias de Sêneca, várias relações com os preceitos estoicos, como as máximas filosóficas, a caracterização retórica dos diálogos, a presença do furor na construção das personagens, etc. Por outro lado, como era comum na dramaturgia antiga, Sêneca desenvolve nas suas tragédias uma temática ligada à mitologia greco-romana. Assim, Agamemnon conta a história do rei que retorna a Argos após dez anos na Guerra de Troia. Tendo sacrificado a própria filha, Ifigênia, em troca da permissão dos deuses para a viagem a Troia, no retorno a Micenas, ele é morto em seu palácio por sua esposa Clitemnestra, com o auxílio do filho de Tiestes, Egisto. A esposa vinga-se da 16 Em relação ao estoicismo, cabe acrescentar, sucintamente, que, de acordo com os preceitos dessa doutrina filosófica, o homem pode chegar à felicidade por meio da razão, isto é, por meio de reflexões sobre a vida, sobre a moral, sobre as virtudes humanas. Ao comparar o Estoicismo com o Cristianismo, Gazolla (2010, p. 18) os diferencia da seguinte maneira: “para o Cristianismo, a salvação do homem encontra-se em Deus; para o Estoicismo, somente o homem é capaz de salvar a si mesmo”. 17 Os manuscritos da tradução A atribuem a Sêneca dez peças, incluindo entre as outras Hercules Oetaeus e Otavia; os da tradição E transmitem nove peças (não incluem Octauia). Essas duas, porém, foram depois excluídas do conjunto de obras desse autor (Fitch, 1981 e Lohner, 2009), entre outros motivos, porque esta possui referências posteriores à morte de Sêneca, enquanto aquela é demasiado extensa e possui dados estilísticos que não parecem ser senequianos. 23 morte da filha e das infidelidades do marido; Egisto ajuda no assassinato do rei a pedido do espectro de Tiestes (no início do drama). Cassandra, a vidente troiana, prisioneira de guerra e amante de Agamêmnon, previra a morte do rei de Argos, mas ele não compreendera as comparações proféticas feitas por ela entre a morte dele e a de Príamo, em Troia. Com uma veste ofertada ao esposo, Clitemnestra o sufoca enquanto Egisto aplica-lhe o primeiro golpe, seguido pelo golpe fatal da esposa. Cassandra é degolada e Electra, filha de Clitemnestra, é presa por ter entregado seu irmão Orestes a um amigo de fora do palácio, com quem estaria seguro. A peça Hercules furens conta a pendência entre o semideus Hércules – filho de Júpiter com a mortal Alcmena – e a deusa Juno (Hera), a esposa traída do deus, que quer destruir todos os frutos originados das traições de seu marido. A deusa conclui, após muitas tentativas malsucedidas de levar o enteado à morte, que a única forma de acabar com ele é colocá-lo contra si mesmo, por meio da loucura. Com a descida de Hércules aos Infernos, sua mulher, Megara, filha de Creonte, e seus filhos ficam sob o domínio de Lico, que assume o trono de Tebas. Lico, querendo se casar com Megara e tendo sido, no entanto, recusado por ela, ameaça matar todos os filhos de Hércules. Este retorna da viagem e, juntamente com Teseu, mata Lico e seus aliados. Mas, posteiormente, tomado pela loucura e pelo furor, Hércules confunde seus próprios filhos com os filhos de Lico, bem como também Megara com Juno e os acaba matando a todos. Quando a crise de insanidade chega ao fim, ele se descobre autor dos crimes contra sua família e quer castigar a si mesmo com a morte. Mas Anfitrião o impede de cometer essa nova atrocidade e Teseu promete levá-lo a Atenas para se purificar dos crimes. Na peça homônima, Medea é uma feiticeira que, tendo traído e repudiado seu povo e sua família para construir um lar com Jasão, vive com ele e com os dois filhos que tiveram juntos. Com a notícia de que seu amado a abandonará para se casar com Creúsa, filha de Creonte, o rei de Corinto, Medeia se revolta e planeja contra os três uma severíssima vingança. Expulsa de Corinto por Creonte, ela ganha, no entanto, o prazo de um dia para que possa se despedir dos filhos antes de partir. Medeia, então, tem um dia para se vingar. Antes, porém, ela tenta convencer Jasão a ficar com sua família, mas ele se nega e afirma que esse casamento real dará proteção a eles, principalmente aos dois filhos. Ela, então, inicia o cumprimento de seus planos: envia a Creúsa um manto enfeitiçado como presente. Assim que a moça o veste, o tecido se 24 incendeia, matando Creúsa e Creonte. Em seguida, Medeia mata os dois filhos18 e foge pelos ares em um carro puxado por duas serpentes. Em Phaedra, Fedra é uma rainha que se apaixona por Hipólito, filho de seu marido Teseu com Antíope, a Amazona. Teseu está em sua viagem aos Infernos. Auxiliada pela própria ama e aproveitando a ausência do marido, Fedra tenta seduzir seu amado, o qual, no entanto, foge dela. Tendo sido rejeitada pelo enteado e, com medo de que seu marido ficasse sabendo de sua paixão pelo rapaz, ela e a ama acusam Hipólito de ter violentado a rainha. Teseu, então, impreca contra o filho a vingança de Netuno, provocando a morte do rapaz. Netuno desperta um monstro marinho que põe medo nos cavalos de Hipólito, os quais, apavorados, arrastam-no, até que seu corpo fique despedaçado. Diante das partes do corpo de Hipólito, Fedra revela a verdade e, angustiada e com remorso, mata-se. Teseu se arrepende, pensa em como punir a si mesmo e sepulta os restos mortais de seu filho. Troades se inicia com os lamentos de Hécuba e das troianas pela queda de Troia. A sombra de Aquiles aparecera sobre seu túmulo pedindo que Políxena lhe fosse sacrificada. Agamêmnon e Pirro discordam sobre o que deve ser feito: Pirro quer sacrificar a princesa como prêmio de guerra ao herói Aquiles, mas Agamêmnon acredita ser esse um ato desumano. Consultado o adivinho Calcante, profeta de Apolo, reafirma- se que ela deveria, sim, morrer, e que, além disso, para que a viagem de volta à Grécia pudesse ser realizada, Astíanax, filho de Heitor e Andrômaca, deveria ser atirado de cima dos muros de Troia. Andrômaca, avisada em sonho por Heitor sobre o que aconteceria ao filho, tentou evitar sua captura. Escondeu-o no túmulo do pai e afirmou que ele morrera. Mas Ulisses não acredita e o apanha. Helena é encarregada de levar Políxena aos chefes gregos, mas não só ela não o faz, como também revela a verdade. Pirro, entretanto, rapta Políxena. As mortes de Políxena e Astíanax são relatadas e Hécuba as lamenta. Thyestes, da peça homônima, é irmão de Atreu, que reina em Argos. Querendo tomar o cetro do irmão, Tiestes seduzira sua cunhada, a rainha Aérope, que o auxiliara em seu plano de roubar o carneiro (ou velo) de ouro, símbolo do poder real, para mudar o destino do reino. Tiestes fora exilado. O drama começa com o fantasma de Tântalo chegando do mundo subterrâneo para contaminar negativamente o reino de Argos e insuflar a ação criminosa de Atreu. Atreu, para vingar-se do irmão pelo suposto 18 Na peça, esse ato de Medeia ocorre em cena. 25 adultério com sua esposa, faz planos de revanche e decide convidar Tiestes e seus filhos a retornarem do exílio para um banquete de reconciliação. Tiestes reluta em confiar no irmão, mas é convencido por seus filhos a aceitar o convite. Atreu recebe-o muito bem e lhe prepara uma refeição: os filhos de Tiestes são mortos, suas carnes são cozidas e o sangue é misturado ao vinho. Tiestes, ainda desconfiado do irmão, mas sem saber como fora preparada a refeição, come a carne dos próprios filhos. O Sol escurece diante de tal atrocidade. Então, os restos mortais de ambos são revelados e o pai reconhece as cabeças dos filhos. Tiestes, enlouquecido de dor, roga aos deuses por vingança. Oedipus, de Sêneca, tem início com a descrição da peste que assola a cidade e com o desejo de Édipo de pôr fim ao sofrimento dos tebanos. Édipo enviou Creonte ao oráculo de Febo e o próprio Febo mandou que Tirésias fosse ter com Édipo. Seria preciso descobrir o assassino de Laio e exilá-lo para salvar a cidade daqueles males. Tirésias executa um ritual de sacrifícios para descobrir o autor do crime, mas o nome não lhe é revelado. É preciso que Édipo escolha alguém para evocar do Érebo (a escuridão) o nome do autor do assassinato. O escolhido é Creonte e quem lhe revela o autor do delito é o próprio fantasma de Laio. Quando Creonte conta a Édipo que o criminoso é o atual rei de Tebas, Édipo não acredita e ameaça prender o cunhado. Contudo, lembrando-se de ter matado dois homens numa briga em uma encruzilhada, Édipo pergunta a Jocasta com que idade morreu Laio, em que época e se alguém morreu com ele. Jocasta dá as respostas coincidentes com as mortes pelas quais ele é realmente o responsável. Antes que ele se diga culpado, chega a eles um velho de Corinto, dando a notícia do falecimento de Pólibo, seu pai (adotivo, mas que ele acreditava ser de sangue). O mesmo velho acaba por revelar que ele não é filho verdadeiro de Pólibo e Mérope, e que lhe foi entregue, quando bebê, pelas mãos de um pastor de Tebas no monte Citerão. Édipo chama seus pastores para que o homem que entregou a criança ao velho seja reconhecido e interrogado. Os dois (o pastor de Tebas e o velho de Corinto) confirmam que a criança tinha os pés perfurados e, enfim, o pastor diz que o filho era de Laio e de Jocasta. Tudo fora desvendado agora. Édipo entra no palácio, perfura seus olhos com uma espada e sai para que o povo veja sua punição. Em seguida, Jocasta usa a mesma espada para matar-se, fincando-a no próprio ventre. Édipo sai. Fim da peça. Em Phoenissae, Jocasta está viva. A primeira parte do texto (versos 1 a 362) tem início com o protagonista já cego e autoexilado, depois de ter furado os próprios olhos ao descobrir que, sim, cumpriu o destino previsto pelos oráculos – cometeu parricídio e incesto. Nessa cena, Édipo tem Antígona como guia, e partem ambos: ele em busca da 26 morte (executando a pena que ele mesmo desejou para o assassino de Laio, qual seja, exílio e morte); ela em busca de convencê-lo a desistir dessa pena e de levá-lo de volta a Tebas. Édipo quer que a filha o abandone e retorne para casa; Antígona quer que o pai desista da morte e volte com ela à cidade, para tentar evitar que Etéocles e Polinices matem um ao outro em batalha pelo trono. Antígona está convencida a morrer junto com o pai caso ele não desista da pena. Ele pretende morrer no Monte Citerão, onde sua vida já devia ter chegado ao fim desde criança. Ela, com sua argumentação, sua pureza e seu choro sincero, quase o convence a viver, mas ele torna a professar sua própria morte. Então, chega um mensageiro de Tebas, pedindo que Édipo retorne para salvar os filhos e a cena é interrompida, ficando o protagonista escondido entre rochedos, perto do campo de batalhas tebano, para escutar o que se passa na cena seguinte19. Na segunda parte (versos 363 a 664), Antígona está de volta à cidade e incentiva Jocasta a interceder na luta entre os dois irmãos. A mãe tenta fazer com que os dois filhos se entendam e cessem as desavenças. Ela se coloca fisicamente entre os dois e argumenta a favor da paz. Os irmãos continuam a se desentender e a discussão é interrompida, não havendo final para a tragédia. 1.1.4. Datação e cronologia das tragédias Dentre as obras dramáticas de Sêneca, a única de que se tem certa segurança na datação é Hercules furens, escrita em meados de 54 d.C. Isso porque essa peça é parodiada na sátira Apocolocyntosis, que foi certamente posterior a 54, por causa da morte do imperador Cláudio nesse ano, que é assunto da sátira. Quanto à cronologia das demais tragédias desse autor20, um estudo de John Fitch (1981) atesta a ordem de composição das oito peças trágicas de acordo com a análise da métrica e dos procedimentos de construção dos versos. Fitch observou que, em algumas peças, havia muito mais trocas de fala de personagens no meio dos versos do que em outras. Em seguida, ele contabilizou o número de pausas de sentido no interior dos versos, existentes nas peças todas (pausas que delimitam uma unidade de pensamento, marcadas nas edições dos textos pela utilização de ponto final, ponto de exclamação, ponto de interrogação, vírgula, ponto-e-vírgula, dois pontos, travessão), e percebeu que 19 Esse é um indício de que, provavelmente, Édipo estaria em cena durante a segunda parte. 20 Nos dois conjuntos de manuscritos que fizeram sobreviver ao tempo as tragédias senequianas (“Família A” e “Família E”), os dramas estão apresentados em ordens diferentes, o que faz com que seja descartada a hipótese de considerar a cronologia de acordo com a ordem ali encontrada. 27 os resultados coincidiam com as estatísticas obtidas anteriormente, ou seja, as peças com mais pausas de sentido eram também as que tinham mais trocas de fala de personagens no meio dos versos. Além disso, ele comparou os dados obtidos na análise das tragédias senequianas com os dados resultantes de uma investigação das obras de Shakespeare (1564-1616), de quem se sabe mais sobre as datas de composição, seguindo os mesmos critérios. Confrontou também com a análise desses procedimentos nas tragédias de Sófocles, já que há documentações sobre as datas de apresentação das peças, para investigar se isso acontecia também com peças alguns séculos mais antigas. Tendo feito isso, observou que o critério era, sim, pertinente. Nos três autores, dentre as peças de autoria de cada um deles, quanto mais tardio é o drama, mais pausas de sentido ele possui, e mais trocas de fala no meio dos versos são encontradas. Não se pode afirmar que o uso de mais ou menos pausas de sentido, por exemplo, tenha sido intencional por parte de Sêneca. Mas, segundo o próprio Fitch, “[...] it is not difficult to accept that largely instinctive feeling would evolve over a period of time” (Ficth, 1981, p. 292). Fitch acrescenta: At an apprentice stage, I supposed, the poet cautiously used the line as a sense- unit and shaped the sense to fit within it, but with greater experience he could allow the sense to flow over the end of the line, and indeed create an attractive conflict between the metrical units and the free-flowing sense-units (FITCH, 1981, p. 292). Além desses aspectos, há outras evidências da cronologia das tragédias de Sêneca proposta por Fitch. Uma delas é a de que Sêneca, em suas obras, utiliza de forma não usual o “o” final das terminações verbais de primeira pessoa do singular do indicativo. Se, nos autores anteriores, essa vogal era considerada longa, em Sêneca, encontram-se essas vogais apresentadas ora como longas, ora como breves, com frequência de aparição de acordo com a cronologia das peças. As peças que ele escreveu antes apresentam mais frequentemente o “o” longo, enquanto as escritas por último apresentam menos o “o” longo e mais o “o” breve. Phoenissae, por exemplo, apresenta apenas cinco ocorrências de “o” longo e 42 de “o” breve nas terminações verbais de primeira pessoa, segundo esse mesmo estudo21. O verso 139 contém um exemplo de “o” breve em Phoenissae, no verbo haerebo: “hāerē|bŏ º fā|tī || tār|dŭs º īn|tērprēs |mĕī” (hesitarei, estúpido, intérprete de meu fado). 21 Fitch, 1981, p. 303. 28 Do mesmo modo, as tragédias posteriores de Sêneca possuem menos variedade métrica que as primeiras, sugerindo a hipótese de que, com o tempo, Sêneca tenha descartado certos metros e optado por ritmos mais contidos. Por tudo isso, de acordo com Fitch, a ordem de composição das tragédias senequianas, até agora não contestada por nenhum outro estudioso, é a seguinte: teriam sido primeiramente compostas Agamemnon, Phaedra e Oedipus; depois, Sêneca teria escrito Medea, Troades e Hercules furens; por último, viriam Thyestes e Phoenissae. Considera-se hoje a hipótese de que todas as tragédias senequianas tenham sido escritas entre 40 e 65 d.C., nos últimos 25 anos de vida do escritor (Lohner, 2009, p. 15). Assim, as peças do primeiro grupo teriam sido escritas entre 40 e 54 d.C., as do segundo grupo, por volta de 54 d.C e as do terceiro grupo, entre 54 e 65 d.C. 1.1.5. Encenação ou recitatio? Se as peças de Sêneca foram escritas para simples leitura ou se se destinaram à encenação, isso sempre foi motivo de polêmica nos estudos sobre o dramaturgo romano. De Carli (2008, p. 15) afirma que “suas peças [de Sêneca], algumas vezes, são denominadas peças de leitura. Tal designação restritiva é uma tentativa de identificar o teatro senequiano, o qual é visto como distante do ‘padrão teatral’”. E não é o intuito deste estudo, de forma alguma, negar a possibilidade de encenação dos dramas de Sêneca, pois cada um deles pode, perfeitamente, ser levado ao palco. Apenas são apresentadas algumas ponderações sobre o assunto e sobre os costumes do período em que as obras foram escritas. O teatro é, muitas vezes, primeiramente apresentado como um texto literário. E o texto literário possui, por definição, a finalidade de leitura. Mas, se o texto literário tem por finalidade a leitura, o teatro não se resume a ele; sua existência, por si só, pressupõe a possibilidade de encenação de qualquer texto do gênero dramático. Isso faz parte da própria conceituação de obra dramática. Não há nenhum registro de que as tragédias de Sêneca tenham sido encenadas durante a Antiguidade. O estudo de Goldberg (1996) é bastante esclarecedor a esse respeito. Na verdade, diz-se que, no tempo em que Sêneca produziu seus poemas trágicos, já não havia mais montagens de peças inteiras como antes. O que ocorria eram apresentações de algumas cenas isoladas, geralmente impactantes. Anteriormente, no 29 período republicano, já se haviam encenado peças inteiras, mas já com menos falas e mais espetáculo visual. De acordo com Goldberg (1996, p. 727-273), With mimes, pantomimes, and other public spectacles on the rise, tragedy began losing its popular audience. […] A distinction between popular entertainment and literary theater that would have been as incomprehensible to second-century Romans as to fifth-century Athenians now becomes an increasingly significant fact of Roman stage history. Under the Principate, literary drama began to abandon public theaters for the more intimate (and more aristocratic) confines of smaller roofed halls and private homes. Recitation rather than fully staged performance became the norm, the kind of performance long established for the presentation of Latin literary works. A respeito das tragédias senequianas, de acordo com Lohner (2009, p. 9), “em geral, se admite que tenham sido concebidas para a leitura pública ou particular, embora não apresentem, e tampouco lhes falte, qualquer elemento que pudesse, tanto na época quanto hoje, impossibilitar sua apresentação no palco”. Essa afirmação faz referência à prática da recitatio, muito comum no período romano em que viveu Sêneca. Faziam-se frequentemente leituras de textos para um grupo seleto de amigos com a finalidade de se receber opiniões para o aprimoramento dos próprios textos. A recitatio consistia, portanto, em uma recitação e, no caso das tragédias, consistia em uma espécie de leitura dramática realizada pelo próprio autor ou por outra pessoa escolhida por ele. Vários estudiosos, como Boissier (1861), Pociña Pérez (1973), Dupont (1995 e 2000), Fitch (2000), Lohner (2009), entre outros, defendem a possibilidade de as tragédias senequianas terem sido lidas em recitationes. Segundo Dupont (1995, p. 12): Il est vraisemblable que Sénèque a écrit ses tragédies en ne les destinant pas aux scènes romaines mais à une lecture publique, comme bien d'autres poètes dramatiques issus de l'élite de la société qui l'avaient précédé, et cela depuis près d'un demi-siècle. Dupont (2000) afirma que, em uma recitatio, o autor apenas lê seu texto não publicado para um pequeno grupo de amigos convidados, em local privado, num evento particular e dissociado de qualquer outro acontecimento de maiores proporções. A autora reconhece as potencialidades teatrais de uma recitatio (Dupont, 2000, p. 51): As a result, the recitatio is always on the verge of becoming theater that other pole of ludism. The text, which is always exploited for its formal qualities, 30 becomes the basis of a vocal exhibition in which the appreciation of a rhetorical piece of writing disappears in favor of a spectacular interpretation on the part of the speaker which in turn calls for a musical and sensuous reception of the text. Diversos autores já se posicionaram sobre esse assunto. Por exemplo, o fato de a recitatio ter sido muito comum no período imperial não leva à certeza de que os textos de Sêneca foram lidos nesse tipo de evento. Para Kragelund (2008, p. 182), “the popularity of such recitals is of course no proof that the extant tragedies belong to this category”. Beare (1955, p. 208), por sua vez, argumenta que as tragédias senequianas não teriam sido representadas em Roma: “Es incrible que Séneca, uno de los hombres más ricos de Roma, que admite abiertamente su disgusto por el estrecho contacto con el pueblo común o sus diversiones, compusiera obras destinadas a ganarse el favor del gran público”. Para rebater o argumento de que os teatros antigos não estariam preparados para as peças de Sêneca porque seriam necessários diferentes cenários em uma mesma representação, Cardoso (2005, p. 68) afirma: Os teatros romanos, sobre os quais temos abundância de informações, se prestariam, por sua arquitetura particular, à representação das tragédias de Sêneca, ou melhor, elas teriam sido escritas, levando-se em consideração a especificidade de tais teatros nos quais o proscenium, ou seja, o palco, é largo e profundo, permitindo o deslocamento de grupos de figurantes, o mesmo ocorrendo com o pulpitum, que poderia conter todo o coro e era separado da orchestra por degraus. Nas peças de Sêneca, a presença do coro é intermitente, o que faz supor que, uma vez executado o canto coral, os coreutas se afastariam do pulpitum, aguardando, na orchestra, o momento de retornar à cena. De acordo com Fitch (2000, p. 3), há uma cena escrita por Sêneca que não pode ser destinada à encenação. Trata-se do trecho de Oedipus em que um animal é sacrificado em cena e Tirésias, com a ajuda de sua filha, examina suas vísceras para descobrir quem fora o assassino de Laio. Fitch afirma que “it is intended for recitatio, where its vivid and detailed descriptions would have a spectacular effect in the audience’s imagination” (2000, p. 11). Outras cenas, ainda segundo Fitch (2000, p. 3), necessitam veementemente que haja, sim, uma encenação para que possam ser compreendidas, como a parte de Thyestes em que Atreu espera que o irmão descubra que está, na verdade, comendo a carne de seus próprios filhos, quando reconhecer os restos mortais deles. O texto não ilustra 31 explicitamente o que está acontecendo durante o diálogo, e a revelação é somente realizada com as ações das personagens – Atreu abre as portas do palácio e permite, assim, que Tiestes reconheça as cabeças de seus filhos (Thyestes, versos 903-907). Para Fitch (2000, p. 4), “the scene’s critical moment of recognition, the moment towards which the whole play moves, depends for its effect on a physical action – Atreus’ revealing of the heads of the children”. Não é objetivo deste trabalho afirmar se as tragédias senequianas são destinadas somente à leitura ou à encenação. Essas respostas são especulações que dificilmente poderão ser provadas ou suficientemente evidenciadas. Resta, então, admitir que, de qualquer maneira, há certa inovação: se os dramas foram escritos para serem lidos ou recitados, são inovadores por serem os primeiros22 a possuir esse caráter; se foram escritos para serem encenados, são também inovadores, pois sugerem propostas de encenações não previstas pelas técnicas teatrais do período, ousando, inclusive, ultrapassar os limites impostos por Aristóteles e por Horácio em suas obras Poética e Arte poética, respectivamente. O que importa, na verdade, é que as obras trágicas senequianas possuem valor artístico por sua simples existência como textos literários e, tendo sido ou não destinadas à encenação, são passíveis de serem encenadas com qualidade. 1.1.6. Imitação Na composição de suas tragédias, Sêneca sofreu influência de autores gregos e também dos autores romanos que o antecederam. Entretanto, Phoenissae “does not reveal a great dependence on any Greek or Roman drama, certainly not enough to justify the use of the word ‘model’ with reference to any one of its extant predecessors” (Frank, 1995, p. 27). É com essa certeza que se inicia este tópico sobre as influências exercidas sobre a tragédia senequiana tabalhada neste estudo. As fenícias, de Eurípides, e Édipo em colono, de Sófocles, certamente serviram como importantes fontes para a criação do texto de Phoenissae, pelo processo da imitatio. Esse conceito é aqui usado como o que hodiernamente se chama intertextualidade. Vasconcellos (2001 e 2007) estabelece relações entre o conceito de intertextualidade e as noções de imitação, emulação (aemulatio) e alusão aos modos de 22 Os primeiros que resistiram ao tempo e chegaram aos dias atuais. 32 enunciação: “trata-se de reproduzir não uma passagem qualquer de um precursor, transformando-a seja como for, mas de concretizar, reatualizando, na nova obra as regras de um código, extraídas de todo um repertório de textos paradigmáticos” (Vasconcellos, 2001, p.42). Para Juliani (2011, p. 721), “a alusão faz parte do jogo de significação de uma obra, e este só pode ser solucionado por aqueles que percebem tais apropriações”. Assim, a imitação, nessa concepção, não é, de forma alguma, oposta à inovação; aliás, esses são processos complementares. Os autores da Antiguidade produziram, sim, obras com originalidade, assim como se produz até hoje. A imitatio de que tratamos aqui não é aquela que consiste num conceito primeiramente discutido por Aristóteles em sua Poética (I; 2005, p. 19-20) quando define a arte como imitação e a tragédia como imitação de ações e, e que posteriormente estará presente em diversos autores até o Renascimento. O conceito de imitação de que tratamos aqui é de um autor para outro, isto é, da obra grega para a romana. “Os próprios poetas tinham consciência clara de seu débito para com seus antecessores” (Achcar, 1994, p.53-54). Nesse sentido, Horácio (Arte Poética, 119-152 e 268-269) menciona e valoriza a imitação como procedimento literário. Em sua Epístola a Augusto (II, 1)23, versos 156- 167, Horácio afirma que a verdadeira literatura latina começa por influência grega, depois da conquista da Grécia por Roma. Couto (2002, p. 127) ressalta, sobre o conteúdo essa epístola, que: No fundo, o que Horácio defende é um juízo estético fundamentado em critérios correctos e objectivos, e não apenas resultante de uma inconsistente valorização da Antiguidade, de tal modo que seja possível valorizar positivamente aquilo que não só os antigos mas também os modernos têm de bom. Assim, imitação seria um movimento de assimilação e apropriação criativa das fontes. Não se trata de uma visão da arte como algo que deva superar as obras anteriormente realizadas. Além disso, a imitação não consiste no restabelecimento do antigo, mas em sua recriação, ou seja, a imitação diz mais sobre aquele que imita do que sobre quem é imitado. Outrossim, como reforça Achcar (1994, p. 54), O reconhecimento do conhecido e a surpresa de se defrontar com ele num arranjo 23 Horácio. Obras Completas (1941). 33 imprevisto, além de fonte de prazer estético, eram instrumentos importantes da integração do indivíduo no mundo da cultura e, pois, no mundo”. Este estudo trata a obra senequiana como inovadora e precursora de formas teatrais posteriores, tanto quanto também foram as obras gregas. Não há que se investigar aqui os aspectos de semelhança entre as tragédias de Sêneca e as de Sófocles e Eurípides. Mesmo assim, o questionamento acerca da imitação é necessário num estudo que faz uma introdução geral sobre Phoenissae. Oedipus é uma peça cuja eleboração segue os preceitos da tragédia grega, de acordo, em termos estruturais, com o padrão descrito por Aristóteles em sua Poética. É, indiscutivelmente, uma imitação do Édipo Rei de Sófocles e, como tal, consiste numa recriação a partir da assimilação da fonte. Sêneca, porém, tratou com originalidade o mito de Édipo, deixando em sua obra características como: a expressão de seus ideais filosóficos, a humanização do herói, as cenas de horror, a o uso do furor na caracterização das personagens, além de haver proposto algumas mudanças no próprio mito, como o fato de ser o próprio fantasma de Laio quem revela o nome do seu assassino. Phoenissae, em sua primeira parte (versos 1 a 362), tem relações intertextuais com Édipo em Colono, de Sófocles. Há semelhanças entre ambas as obras no que diz respeito ao ponto de partida, ao ponto de vista sob o qual é narrada a saga da personagem e à forma de construção dos diálogos. Por isso se fala em imitação. Mas na tragédia de Sófocles, Édipo é exilado por Creonte e lamenta não ter sido defendido pelos filhos Etéocles e Polinices, enquanto na de Sêneca ele se autoexila, cumprindo a punição que prometera para o assassino de Laio, e procura morrer, sem lamentos e sem o desejo de defesa. Na segunda peça da trilogia grega, Édipo aceita Antígona como guia até o seu destino, Colono, aonde vai pedir abrigo ao rei e permanecer até chegar a hora da sua morte. Na tragédia romana, Édipo deseja morrer no Monte Citerão e não quer a companhia de Antígona, sua filha, que está disposta a morrer com ele, se for o caso, e a convencê-lo de desistir da morte. Durante o trajeto de pai e filha, na tragédia senequiana, aparece o fantasma de Laio e, com ele, Édipo trava um diálogo - ocorrência inexistente em Sófocles, Quanto à segunda parte de Phoenissae (versos 363 a 664), a intertextualidade dá-se com As Fenícias de Eurípides. Tanto na versão de Eurípides quanto na de Sêneca, há a intensificação da palavra feminina (de Antígona e de Jocasta) sobre um assunto que é, na época em que se passa a ação, exclusivamente masculino. Entretanto, no drama 34 grego, Édipo está preso no palácio no momento do duelo entre os dois irmãos, enquanto na tragédia romana, perto do campo de batalha, ouvindo a discussão. Na peça de Eurípides, Jocasta chega ao local da luta quando muitos homens já morreram em combate e os seus filhos já feriram um ao outro, estando prestes a morrer, e se mata em seguida. Em Sêneca, a mãe chega lá antes do início da guerra, coloca-se fisicamente entre eles, entre suas armas, e tenta persuadi-los à paz. Na peça grega, o duelo é apenas narrado pelo mensageiro, enquanto em Phoenissae há o diálogo de fato entre os dois herdeiros do trono, já no campo de batalha e em vias de se travar o duelo. Era muito mais valorizada, no pensamento clássico, a escritura de tragédias a partir de histórias tradicionais do que a partir de fábulas criadas pelos próprios autores. Essa ideia está presente tanto em Aristóteles (Poética, XIII; 1992, p. 69) quanto em Horácio (Arte Poética, 125-130; 1984, p. 75). Sêneca é fiel a essa tradição e se espelha nos maiores tragediógrafos então conhecidos. Hoje, seu nome também está incluído entre eles. Como afirma Perozim (1977, p. 11): Sêneca, no Édipo, como em suas demais tragédias, utiliza um mito já explorado por outros tragediógrafos, mas o faz, sobretudo, como alegoria, veículo de seus ideais filosóficos, como retrato e crítica de sua época. Isto era comum nos primeiros anos do Império, quando a composição de dramas satíricos, com tais finalidades, era uma constante da literatura. Sêneca, com efeito, assume atitude de independência em relação aos modelos gregos e romanos, servindo-se de seu argumento, não só como afirmação e confirmação de seus ideais, como também da moral estoica, sobretudo a do estoicismo romano. O tragediógrafo romano acaba por se afastar, em alguns de seus textos, de princípios da tragédia ditados por Aristóteles e Horácio em suas poéticas. Por exemplo, Sêneca quebra a lei das três unidades24 – ações de uma mesma peça se passam em lugares diferentes em tempos diferentes. Em Phoenissae, o diálogo entre Édipo e Antígona acontece na floresta das imediações de Tebas, enquanto a disputa dos irmãos Etéocles e Polinices se passa na cidade, no campo de batalha. Além disso, ações atrozes e desumanas, que em outros autores são narradas por terceiros, em Sêneca, muitas vezes acontecem na própria cena, diante dos olhos do público (no caso da encenação dos textos). Embora em sua Arte Poética (185-190; 1984, p. 83) Horácio tenha afirmado que uma situação como aquela em que Medeia mata os filhos deveria ser narrada por 24 De acordo com a Lei das Três Unidades (ação, espaço e tempo), as tragédias devem ser dramatizadas segundo uma única ação, se passam em um único espaço e em um único tempo. Essa lei não se aplica à obra de Sêneca. 35 uma testemulha, na peça senequiana, a princesa bárbara assassina os seus filhos durante a última cena. Em relação à similaridade com as tragédias de Eurípides e Sêneca, Kenney (1982, p. 521) afirma: “there are very many scenes [..] with have no parallel at all in the Greek; and even those scenes that do follow the general shape of a Greek prototype are given new colours and different proportions”. Além disso, de acordo com Tarrant, “[…] Seneca's plays employ a later Greek dramatic form […] [and] Seneca's conception of tragic form and style, as well as much of the content of his plays, came to him from Latin writers of the Augustan period” (1978, p. 214). Esse diferencial encontrado em Sêneca distingue-o não só dos gregos como também dos demais autores romanos, e o leva a ser considerado, depois de uma fase em que sua obra foi execrada pela crítica, um dos autores latinos de maior valor. Fitch (2002, p. 279-280) especifica o que a tragédia de Sêneca em questão possui em comum com as obras gregas citadas e no que se diferencia delas: [...] there are [...] great differences [between Seneca’s play and Sophocles Oedipus at Colonus], amounting to complete reversals, in the locale and its significance, and in the meaning of Oedipus’ desire to end his life. We cannot tell whether Seneca is responding directly to Sophocles’ play, or to intermediate versions, or both. […] Euripides’ Phoenician Women […] contains an episode in which Jocasta pleads with her sons in Thebas, and a later episode in which she hastens to intercede with them on the battlefield, only to find them already mortally wounded. One might infer that Seneca has adapted these two episodes into his single scene of Jocasta intervening between her still living sons on the battlefield. But in fact such a scene is attested long before Seneca wrote. Seneca’s imagination was no doubt fulled by many versions including Eurupide’s, rather than by Euripides exclusively. A tragédia de Sêneca é diferente das gregas por servir a outra finalidade. Segundo Marti (1946, p. 216), Sêneca acreditava que “Life is too short […] to be wasted in such superfluous occupations as the study of philology, of dialectic, or the reading of the lyric poets (Ep. 49.5 ff.). Literature must be the interpreter of life and should teach justice, moral duty, abstinence and purity”. Assim, temos que, de acordo com o pensamento desse autor, a escrita de Sêneca traz seu estilo moralista e filosófico e, também nesse sentido, é inovadora. Julgar que Sêneca se baseou apenas nos textos de Sófocles e Eurípides é reduzir o leque de possibilidades que a história de Édipo permite. As peças gregas Édipo em Colono e As fenícias, provavelmente conhecidas pelo tragediógrafo romano, são 36 elementos importantes usados por ele para escrever sua obra e, mais especificamente, para escrever Phoenissae. Mas, além deles, com toda a possibilidade, ele teve acesso a diversas outras fontes sobre a história da personagem Édipo e seus desdobramentos, afinal, a narrativa do mito dos Labdácidas e do ciclo tebano tem muitas versões na Antiguidade, com expressões quer literárias, quer pictóricas (como já se indicou no item 3.1.2.). Cardoso (2005, p. 41) menciona a possível influência do Édipo, de Eurípides, e da Antígona, de Sófocles. É relevante observar a existência de outras influências gregas exercidas sobre a obra dramática senequiana, como as obras de tragediógrafos gregos dos séculos V e IV a.C., tais como Néfron e Íon de Quios, e a obra trágica de escritores Alexandrinos, como Lícofron (Cardoso, 2005, p. 38). Ao falar das influências gregas trazidas pela obra senequiana, há de se realçar o fato de que houve também, obviamente, influências romanas. Por não terem resistido ao tempo, tragédias completas escritas por outro autor romano que não seja Sêneca, torna- se mais difícil dizer quais sejam essas influências. Ênio (239-169 a.C), Pacúvio (220- 130 a.C.) e Ácio, os três maiores tragediógrafos romanos da época da República, teriam escrito, respectivamente, 22, 14 e 48 tragédias, das quais restaram apenas alguns fragmentos. Em razão dessa enorme lacuna, que limita o conhecimento da evolução do gênero trágico entre os gregos depois de Eurípides, e entre os latinos, desde o século III a.C. até a época de Augusto, de modo geral, a poesia dramática de Sêneca mostra-se, aos olhos modernos, repleta de singularidades, sobretudo no tocante aos procedimentos de construção observados (LOHNER, 2009, p. 111- 112). Também escreveram tragédias em Roma Lívio Andronico, Névio (?-201 a.C), Ovídio, Vário (74-14 a.C) e tantos outros25. Os citados, juntamente com Ênio, Pacúvio e Ácio, serviram como fonte para Sêneca, de acordo com a pesquisa de Herrmann (1924) documentada em Le théatre de Sénèque. Seu estudo observou os excertos que restaram das tragédias desses romanos para atestar sua influência na obra senequiana. Ácio escreveu uma tragédia também denominada Phoenissae, da qual sobreviveram alguns fragmentos. Frank (1995, p. 25-27) analisa as influências que a peça de Ácio poderia ter sobre essa obra de Sêneca. Em Phoenissae, de Ácio, Édipo está 25 Cardoso (2005) cita diversos autores trágicos latinos em seu capítulo “Tragédia latina: origem e história”, pertencente ao livro Estudos sobre as tragédias de Sêneca. 37 preso em Tebas e ainda não foi exilado, como no texto homônimo euripidiano. Além disso, no drama de Ácio, é Édipo quem decide que os dois filhos devem dividir o trono. Como Phoenissae de Sêneca está incompleta, não é possível saber se o autor do período imperial seguiu nesse ponto a ideia apresentada pelo tragediógrafo republicano. Mas essa obra de Ácio apresenta grande probabilidade de ter contribuído para a criação senequiana que tem como suporte a saga de Édipo. Comumente se reconhece que foram de grande peso para a composição das peças de Sêneca as poesias lírica e épica produzidas em Roma, dentre as quais vale citar as de Virgílio (70-19 a. C.), de Ovídio e de Horácio e, talvez, de Lucano (39 d.C – 65 d.C.). A título de exemplificação, são apresentados dois trechos de Phoenissae, semelhantes a obras respectivamente de Vírgílio e de Lucano. Nos versos 89-90 da peça incompleta de Sêneca – Vnica Oedipodae est salus,/ non esse salvum (A única salvação para Édipo é não ser salvo) – há intertextualidade com a Eneida de Vírgílio: Vna salus victis/ nullam sperare salutem (Nenhuma salvação existe para os vencidos, a não ser esperar pela salvação, En. II, 354). Fitch (2002, p. 307) observa que os versos 354-355 do texto senequiano – non satis est adhuc/ civile bellum: frater in fratrem ruat. (uma guerra civil ainda não é suficiente: que irmão derrube irmão) – assemelham-se aos versos iniciais da Farsália, de Lucano: Bella per Emathios plus quam ciuilia campos/ iusque datum sceleri canimus, populumque potentem/ in sua uictrici conuersum uiscera dextra/ cognatasque acies, et rupto foedere regni/ certatum totis concussi uiribus orbis/ in commune nefas, infestisque obuia signis/ signa, pares aquilas et pila minantia pilis. (As guerras, sobre o Emátio chão, mais que civis/ e a lei, cantamos, dada ao crime, e o povo altivo/ que ao ventre seu voltou a destra vencedora,/ e hostes irmãs, e, à ruína do pacto regente,/ o combate violento de um mundo caduco/ por um nefas total, e estandartes adversos/ serem águias iguais, e pilos contra pilos26, versos 1 a 7). Sobre a relação da obra trágica senequiana com a produção de Lucano, não se sabe ao certo qual foi influenciada por qual. Apenas se observam pontos de encontro entre seus textos (Mariner, 1985 e Prieto, 1997). Sobre a métrica utilizada por Sêneca e a influência, nesse sentido, exercida sobre ele pelos autores romanos anteriores, Lohner (2009, p. 147-148) afirma que, “nos cantos 26 Tradução de Brunno V. G. Vieira (Lucano, 2011, p. 74-77). 38 corais, além do tradicional dímetro anapéstico, Sêneca emprega os metros da lírica grega adaptados por Horácio e até mesmo, em alguns coros das peças Édipo e Medeia, o hexâmetro datílico, similar, no tratamento, ao de Virgílio”. Como observa Lohner (2009, p. 12-13), um dos procedimentos de escrita muito usados por Sêneca na composição de suas tragédias é a mistura de gêneros. Sêneca se aproxima na forma e no tema das odes de Horácio em seus coros, nutre afinidades com a poesia épica nos longos relatos feitos por diversas de suas personagens, emprega artifícios característicos da poesia elegíaca na forma como trata o amor, escreve hinos diversos, poesia de caça e catálogos, além de utilizar, em seus dramas, elementos do discurso declamatório. “É um importante aspecto em comum entre a obra de Ovídio e a de Sêneca: a prática de gêneros variados e uma poesia genericamente híbrida” (Lohner, 2009, p. 14). A utilização de tão variados recursos faz com que a obra senequiana apresente certas sutilezas. São recursos que auxiliam o texto a dizer o indizível, que só pode ser expresso com palavras quando há uma manipulação de figuras. Enfim, sobre o aspecto inovador da obra trágica desse autor, diante de tantas interposições, Perozim (1977, p. 10-11) afirma: Sêneca é substancialmente original enquanto exprime a luta do homem para fugir à dependência simples e irracional do “Fatum” e da vontade dos deuses. Deve agir, pessoalmente, na procura da verdade – não a coletiva, manifestada nas intervenções do coro ligado ao passado, – mas a pessoal e individual, do homem que rompe as barreiras, os laços que o prendem ao grupo e ao passado, para viver, no presente, de um saber racional proveniente da busca e do esforço pessoal. Essa luta do presente contra o passado, essa oposição do saber revelado e infuso, tem como consequência a queda do mundo mítico, a divinização do humano e a humanização do divino, características essas que levam alguns estudiosos a verem a obra de Sêneca como precursora do “Barroco”. A obra de Sêneca tem sua originalidade reconhecida pela própria literatura de diversas épocas posteriores à Antiguidade. A influência exercida por suas tragédias em dramas de tantos outros autores é prova disso. 1.1.7. Influências que Sêneca exerceu em obras posteriores Sêneca não se encontra entre os tragediógrafos citados pelos próprios romanos, além de não ser mencionado entre os autores dramáticos por compêndios de literatura dramática, como o de Brackett (1964) e o de Carlson (1997). Apesar disso, os dois autores, ao falar da literatura europeia, reconhecem que Sêneca exerceu grande 39 influência para autores como Shakespeare, Montaigne (1533-1592), Racine (1639- 1699), Quevedo (1580-1645), entre outros. De Carli (2008, p. 10; 29-30) cita vários autores que reconhecem a grande influência que Sêneca exerceu sobre o drama europeu, mesmo que alguns deles não tenham afirmado o valor de sua obra dramática. Para Brackett (1964, p. 90) “he was a major influence of Renaissance tragedy”. Conte (1999, p. 423) diz que “Renaissence tragedy is unconceivable without Seneca”. Albrecht (1997, p. 97) afirma que “through Seneca, Rome gave indispensable stimulus to European drama”. Segundo Paratore (1983, p. 611), “através do teatro isabelino, as tragédias de Sêneca influíram também no teatro pré-romântico alemão”. Eliot (1934, p. 65-66) escreve: No author exercised a wider or deeper influence upon the Elizabethan mind or upon the Elizabethan form of tragedy than did Seneca. […] In the Renaissence, no Latin author was more highly esteemed than Seneca; in modern times, few Latin authors have been more consistently damned. Para Cardoso (2011, p. 17), “a influência exercida por esse teatro sobre o mundo ocidental, desde a Idade Média tardia até hoje, acentuando-se na época renascentista, barroca e neoclássica, é um fato incontestável”. A peça Édipo (1715), de Voltaire, coloca em cena o fantasma de Laio informando aos cidadãos tebanos qual a causa dos sofrimentos pelos quais todos têm passado. O autor francês se inspirou, ao que parece, em Oedipus, de Sêneca, em que o espectro de Laio revela a Creonte que o assassino a ser punido é o próprio Édipo. Ou, pode ter se influenciado também por Phoenissae, em que o fantasma de Laio é personagem e interage com seu filho, aumentando o desejo do protagonista de buscar a própria morte. A tragédia Hamlet (1602?), de Shakespeare, também apresenta um fantasma, logo no início da obra. Trata-se do rei morto, o pai de Hamlet, que clama por vingança. Esse espectro talvez tenha mais semelhanças com o de Tiestes, no drama senequiano Agamemnon, em que o pai de Egisto aparece para ele pedindo que o rei de Argos seja morto. Martinez de la Rosa (1787-1862) escreveu a tragédia Édipo, baseando-se em Sêneca e em Sófocles. Estefanía (1997) estuda as influências exercidas pela obra senequiana nessa peça – principalmente na cena de necromancia. 40 Também influenciado por Sófocles e por Sêneca, José María Pemán (1898- 1981) escreveu sua tragédia Édipo. Quem destaca os aspectos em comum entre esse drama e o Oedipus senequiano é Fuentes (1997). Em língua portuguesa, considerando-se a obra trágica senequiana em geral, é certo que ela influenciou a composição das duas versões existentes da tragédia que conta a história de Inês de Castro, ambas escritas por Antônio Ferreira (1528-1569). Pociña Lopez (1997) estuda a influência da tragédia de Sêneca nessas obras. Além disso, o drama de Sêneca “ha influido de forma importante en la filosofia teatral que Antonin Artaud desarrolla entre 1932 y 1936, en su Teatro de la Crueldad” (Sánchez León, 1997, p. 711). Os estudos de Sánchez León, que o fizeram chegar a essa conclusão, baseiam-se no dossiê Atreu e Tiestes, de Artaud (1896-1948). O teatro da crueldade está diretamente relacionado à característica senequiana do horror em cena, isto é, ao fato de as tragédias senequianas levarem, aos olhos do público, cenas chocantes, de atrocidades, de mortes. Cardoso (2011, p. 26) relata mais obras inspiradas nos poemas dramáticos senequianos. Etienne Jodelle (1532-1573) escreveu a tragédia Dido sacrificando-se (1552), inspirada na Eneida de Virgílio e bastante influenciada pelas peças de Sêneca. Hipólito, drama de Robert Garnier (1544-1590), baseia-se em Sêneca, assim como Medeia (1629) e Édipo (composta entre 1643 e 1671), ambas do francês Pierre Corneille (1606-1684). Racine escreve a tragédia A Tebaida (1663). Ainda com base em Cardoso (2011, p. 42-43), sabe-se que, em 1996, foi encenada Édipo de Tabas, dirigida por Renato Borghi (1937-), a partir de adaptação livre dos textos de Eurípides e Sêneca, realizada por Christiane Esteves; em 1997, estreia Medeia, dirigida e adaptada por Jorge Takla (1951-), em que também foram levados em consideração os textos de Eurípides e de Sêneca. Fitch (2002) destaca duas obras pós-senequianas que remontam trechos de Phoenissae, de Sêneca. Na obra The bloody brother, de Francis Beaumont (1584-1616) e John Fletcher (1579-1625), há intertextualidade com Phoenissae. O seguinte trecho, da fala de Sofia a seus irmãos, relaciona-se à tragédia senequiana: “Know yet, my sons, when of necessity/ You must deceive or be deceived, ‘tis better/ To suffer treason than to act the traitor –/ And in a war like this, in which the glory/ Is his that’s overcome”. Nos versos 493 e 494 de Phoenissae, Jocasta afirma que quotiens necesse est fallere aut falli a suis,/ patiare potius ipse quam facias scelus (Todas as vezes em que é necessário enganar ou ser enganado pelos teus,/ antes sofreres que cometeres o crime). 41 Na obra The misfortunes of Arthur 2.2, do dramaturgo inglês Thomas Hughes (1822-1896), Fitch (2002) encontrou outro trecho que se relaciona a essa mesma tragédia romana: “You lose your country, whiles you win it thus:/ To make it yours, you strive to make it none”. Nos versos 558 e 559 de Phoenissae, Jocasta questiona Polinices: petendo patriam perdis? ut fiat tua,/ vis esse nullam? (Perderás [tua] pátria reclamando-a? Para que se torne tua,/ queres que ela seja aniquilada?). 1.1.8. Métrica Sêneca utilizou metros variados em sua poesia dramática. Neste trabalho destacar-se-á o metro utilizado em Phoenissae, isto é, o trímetro iâmbico – metro dos diálogos (já que o texto que se tem desse drama não possui coro). Além do trímetro iâmbico, outros metros são usados para as partes faladas nas demais tragédias senequianas. Assim, como é comum nos dramas latinos, metros líricos ocorrem em falas para “marcar mudanças na dinâmica dos eventos ou caracterizar a tonalidade específica de uma fala em particular” (Lohner, 2009, p. 146-147). Nos coros dos dramas de Sêneca, encontram-se o dímetro anapéstico, o hexâmetro datílico, alguns metros líricos e algumas polimetrias. Herrero (1997, p. 482) traz “el porcentaje de los distintos versos que contienen las tragedias” de Sêneca: - Más del 70% son trímetros yámbicos; en cambio, no llegan al 1% el resto de los yambotrocaicos, y hay que destacar que el tetrámetro trocaico cataléctico, el segundo del teatro arcaico en importancia numérica, sólo aparece en tiradas cortas en Medea, Fedra y Edipo; esta es ya una diferencia notable con el teatro precedente [...]. Representan un pequeño porcentaje, apenas el 0’57%, los dímetros yámbicos acatalécticos del Agamenón, catalécticos y braquicatalécticos de la Medea, tragedia en la que, además, Séneca incluyó una breve tirada de dísticos epódicos horacianos. - Alredor de 14% son anapésticos. - Los eolios rondan el 10%, y en cuanto a los dactílicos, el porcentaje es inferior a 1%. - Sólo dos tragedias, Edipo y Agamenón, contienen secciones polimétricas, con un porcentaje algo superior al 1’5%. De colometría muy discutida y distinta según los códices, los versos de estos cantica son eolios en su gran mayoría, aunque hay algunos anapésticos y dactílicos. A utilização do trímetro iâmbico é uniforme e rígida. Sêneca utiliza esse metro em todos os diálogos de suas tragédias, intercalando-o, muitas vezes, com outros tipos 42 de metro para diferentes efeitos de sentido. O trimetro iâmbico dói usado por Sêneca para seguir a tradição dos demais tragediógrafos da Antiguidade greco-romana, mas com adaptações como as realizadas pelos escritores do gênero no século I d.C., sendo o segundo e o quarto pés sempre puros, com três tempos (iambo ou tríbraco), o quinto pé sempre condensado, com quatro tempos (espondeu ou anapesto) e sendo possíveis as substituições nos outros pés por espondeus, dátilos, anapestos e, no primeiro pé, também por proceleusmático. O esquema desse metro pode ser representado da seguinte forma: 1 2 3 4 5 6 U – U – U – U – U U – U – – – U U U – – U U U – – U U – U U – U U U U – U U – U U U U Um exemplo prático desse metro está apresentado logo abaixo, com a escansão dos três versos iniciais de Phoenissae, pertencentes à primeira fala de Édipo. Cāecīs |părēn|tīs || rĕgĭ|mĕn ēt | fēssi_ū|nĭcŭm pătrīs |lĕvā|mēn, || nā|tă, quām | tānti_ēst |mĭhĭ gĕnŭī|ssĕ vēl |sīc, || dĕ|sĕre_īn|fāustūm |pătrēm. Guia deste pai cego e único consolo deste pai cansado, ó filha, que para mim é muito importante ter gerado, ainda que desse