Programa de Pós-Graduação em Geografia Eduardo Nardez Presidente Prudente/SP 2024 IN D Ú S T R IA 4 .0 E D E S E N V O L V IM E N T O R E G IO N A L : A N Á L IS E D E P A T E N T E S N O M U N IC ÍP IO D E C A M P IN A S /S P Eduardo Nardez Indústria 4.0 e Desenvolvimento Regional: análise de patentes no município de Campinas/SP Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” FCT/UNESP – campus de Presidente Prudente/SP, para obtenção do título de mestre na Área de Desenvolvimento Territorial. Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito Agência de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – Processo: 2021/13492-5 Presidente Prudente/SP 2024 Agradecimentos Aos meus pais, minha irmã e minha sobrinha, expresso minha profunda gratidão pelo apoio e pelos constantes incentivos ao longo desta jornada acadêmica. A presença constante de vocês foi fundamental para que eu pudesse enfrentar os desafios e alcançar meus objetivos. Este trabalho é, em grande parte, resultado do apoio e dedicação de vocês. À minha companheira Tatiane, pelo amor incondicional, pela presença constante e pelo incentivo contínuo. Sua companhia durante este tempo foi essencial, permitindo-me viver a vida sob novas perspectivas. As viagens que fizemos juntos, as encantadoras cafeterias que exploramos e as ideias que compartilhamos enriqueceram a minha vida e proporcionaram momentos de inspiração e alegria. Muito obrigado por estar ao meu lado nesta etapa importante da minha vida. Expresso minha gratidão ao Marcelo, Ramon e Matheus, com quem tive o privilégio de morar durante esta jornada. Agradeço pelo apoio mútuo, pelos momentos de descontração, pelas conversas e risadas, e pelo companheirismo que tornaram essa trajetória mais leve. Meus agradecimentos ao Bruno Vicente, amigo de longa data e parceiro constante nas conversas. Suas contribuições, seja nas discussões profundas sobre nossas pesquisas ou nos momentos descontraídos de confraternização, foram inestimáveis. A Nayara Leva e a Nayara Rodrigues pela ajuda essencial no final do mestrado com indicações e oportunidades de empregos que foi importante para se manter em Presidente Prudente. Ao Guilherme Magon Whitacker, que me ajudou na redação do projeto, na qualificação, defesa e ofereceu ideias para a dissertação. Seu apoio e disposição foram essenciais ao longo deste processo. Aos amigos da sala da pós-graduação, cuja convivência foi fundamental durante esta jornada. Em especial, à Raisa, pelas conversas descontraídas e pelo apoio na pesquisa, e à Janaina, pela oportunidade de compartilhar ideias, já que nossas pesquisas são próximas, e pela generosidade de me oferecer um lugar para ficar no Rio de Janeiro. Gostaria de expressar meus agradecimentos ao Rodney, do CPQD, e à Mariana, do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, por disponibilizarem seu tempo e conhecimento ao concederem entrevistas sobre os avanços e o desenvolvimento em suas instituições referentes à indústria 4.0. Suas palavras enriqueceram significativamente este trabalho e proporcionaram uma perspectiva prática sobre o estado da arte da Indústria 4.0 no Brasil. Ao pesquisador Jorge Vicente Lopes da Silva (in memoriam), que foi diretor do Centro de Tecnologia da Informação – CTI Renato Archer. Foi um privilégio entrevistá-lo e ter a oportunidade de conhecê-lo, sendo recebido com muito carinho e atenção. Sua trajetória notável e suas contribuições foram inestimáveis para o avanço da tecnologia no Brasil. Deixará um legado na ciência e tecnologia, motivando futuras gerações de pesquisadores e profissionais. Ao meu orientador, professor Eliseu Savério Sposito, cuja orientação e incontáveis ensinamentos foram essenciais para que eu realizasse uma pesquisa de qualidade ao longo desta jornada de graduação e mestrado. Sou grato por me guiar para a realização deste trabalho. Aos membros da banca examinadora, Regina Helena Tunes e Maria Terezinha Serafim Gomes, pelas valiosas contribuições durante o processo de qualificação e defesa, cuja participação foi essencial para o aprimoramento deste trabalho. Aos membros do grupo de pesquisa GAsPERR, especificamente ao pessoal do pós- doutorado, por cederem parte do tempo para me ajudarem na elaboração do projeto de mestrado, traduções de artigos e nas burocracias da FAPESP. Também agradeço aos funcionários da Unesp, especialmente à Tamae, pela assistência prestada nas prestações de contas com a FAPESP, e à Gisele, pelo auxílio nos protocolos exigidos pelo comitê de ética. Aos professores Renato Garcia e Antônio Carlos Diegues, e principalmente à doutoranda Anelise Peixoto dos Santos, do Instituto de Economia da Unicamp, pela atenção e ensinamentos. Foi devido a eles que consegui identificar quais seriam as patentes por trás da indústria 4.0 em Campinas. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP – Processo: 2021/13492-5 – Mestrado) recebido durante o mestrado, que proporcionou auxílio financeiro para a dedicação exclusiva à pesquisa. Resumo O trabalho tem como objetivo levantar indicadores de propriedade intelectual, incluindo patentes de invenção, para auxiliar na compreensão do desenvolvimento da indústria 4.0 em Campinas/SP, identificando as políticas públicas que influenciam no desenvolvimento regional, abordando a infraestrutura disponível no município, como entrevistas com atores das instituições de ciência e tecnologia (CT&I) que estão acompanhando as tendências mundiais na construção de um ambiente favorável à Indústria 4.0. O procedimento metodológico consistiu na utilização da base de dados do INPI, juntamente com a dissertação de Santos (2023), o relatório Patents and the Fourth Industrial Revolution e entrevistas com as instituições científicas e tecnológicas de Campinas. Por fim, foram realizadas a organização, interpretação, avaliação e representação cartográfica de dados e indicadores concernentes às etapas e objetivos enunciados. Como contribuição, temos: o enfoque nos indicadores de propriedade intelectual, como patentes de invenção, demonstrando que, apesar de existirem outros métodos para registrar o potencial da indústria 4.0 no Brasil, a geração de patentes pode ser uma das formas de produzir informações sobre esse potencial. A patente é um instrumento que aplica a incorporação de P&D e força de trabalho qualificada em áreas de ciência e tecnologia. Os resultados mostram que, apesar de Campinas ser um importante polo tecnológico com indústrias de alta tecnologia, é a presença forte das instituições públicas de pesquisa que mostra a força para o desenvolvimento de patentes na indústria 4.0. Considera-se que a indústria 4.0 tem suas implicações espaciais no desenvolvimento desigual que pode surgir desses avanços, enfatizando a necessidade de políticas que apoiem o progresso tecnológico e social. Palavras-Chaves: Indústria 4.0; Patentes; Metodologia; Desenvolvimento Regional. Abstract The objective of this study is to gather intellectual property indicators, including invention patents, to aid in understanding the development of Industry 4.0 in Campinas/SP. It seeks to identify public policies influencing this development, address the available infrastructure in Campinas, and examine how interviews with actors from science and technology institutions (S&T) are keeping up with global trends in building a favorable environment for Industry 4.0. The methodological procedure involved using the INPI database, along with Santos' dissertation (2023), the "Patents and the Fourth Industrial Revolution" report, and interviews with scientific and technological institutions in Campinas. Finally, the organization, interpretation, evaluation, and cartographic representation of data and indicators related to the outlined stages and objectives were carried out. As a contribution, we focus on intellectual property indicators, such as invention patents, showing that although there are other methods for registering the potential of Industry 4.0 in Brazil, patent generation can be one of the ways to produce information about this potential. Patents serve as an instrument that applies R&D incorporation and a qualified workforce in science and technology areas. The results show that, although Campinas is an important technological hub with high-tech industries, it is the strong presence of public research institutions that drives the development of patents in Industry 4.0. It is considered that Industry 4.0 has spatial implications on the uneven development that may arise from these advances, highlighting the need for policies that support both technological and social progress. Keywords: Industry 4.0; Patents; Methodology; Regional Development. Lista de Figuras Figura 1 - Taxonomia de intensidade tecnológica da OCDE ................................................................ 30 Figura 2 - Exemplo de uma classe na estrutura CNAE ......................................................................... 31 Figura 3 - Símbolo completo da classificação ....................................................................................... 36 Figura 4 - Tecnologias e dispositivos usados para formar rede de suporte para IoT ............................ 64 Figura 5 - Modelo de atuação do CPQ de Tecnhology Readiness Level ............................................ 123 Figura 6 - Produtos e soluções do CPQD para o mercado .................................................................. 124 Figura 7 - Plataformas tecnológicas do CPQD ................................................................................... 125 Figura 8 - Impactos, prazo de adoção e maturidade das tecnologias na sua área de atuação .............. 126 Figura 9 - Projetos desenvolvidos em parceria com EMBRAPII........................................................ 128 Lista de Quadros Quadro 1 - Ramos de alta intensidade em P&D .................................................................................... 31 Quadro 2 - Ramos de média-alta tecnologia em P&D .......................................................................... 32 Quadro 3 - Atividades de serviços de alta intensidade de P&D ............................................................ 34 Quadro 4 - Atividades de serviços de média alta intensidade de P&D ................................................. 34 Quadro 5 - Classificação dos pedidos de patentes associados à indústria 4.0 ....................................... 40 Quadro 6 - Políticas da indústria 4.0 pelo mundo ................................................................................. 66 Quadro 7 - Principais ações e políticas públicas de indústria 4.0 no Brasil .......................................... 67 Quadro 8 - Tipos de instrumentos de transformação digital da indústria .............................................. 69 Quadro 9 - Setor farmacêutico em faturamento no Brasil ................................................................... 101 Quadro 10 - Universidades e Instituições científicas e de inovação tecnológica ................................ 102 Quadro 11 - Lista de projetos de PD&I executados pelo CTI ............................................................. 116 Quadro 12 - Atividades e setores econômicos das tecnologias da informação e comunicação (TIC) 132 Quadro 13 - Municípios da RMC com maior número de empregos formais nas atividades e setores econômicos das tecnologias da informação e comunicação (TIC) em 2021 ....................................... 135 Quadro 14 - Número de códigos depositados no subgrupo hardware ................................................. 149 Quadro 15 - Número de códigos depositados no subgrupo connectivity ............................................ 151 Quadro 16 - Número de códigos depositados no subgrupo software .................................................. 151 Quadro 17 - Número de códigos depositados no subgrupo security ................................................... 152 Quadro 18 - Número de códigos depositados no subgrupo analytics ................................................. 154 Quadro 19 - Número de códigos depositados no subgrupo enterprise ................................................ 156 Quadro 20 - Número de códigos depositados no subgrupo infrastructure .......................................... 157 Quadro 21 - Número de códigos depositados no subgrupo personal .................................................. 158 Quadro 22 - Lista de propriedade intelectual do CTI .......................................................................... 185 Lista de Gráficos Gráfico 1 - Maiores investidores em P&D no município de Campinas entre 2012 e 2020, em R$ milhões ............................................................................................................................................................. 103 Gráfico 2 - Valor de transformação industrial por setor na cidade de Campinas/SP (2018) .............. 134 Gráfico 3 - Projetos apoiados pelo PIPE associados à indústria 4.0 ................................................... 143 Gráfico 4 - Distribuição absoluta dos projetos apoiados pelo Pipe associados à indústria 4.0 por competência tecnológica ..................................................................................................................... 144 Gráfico 5 - Número de pedidos/patentes de máquinas e equipamentos contendo IA dos principais depositantes do setor no Brasil ............................................................................................................ 145 Gráfico 6 - Número de pedidos/patentes dos principais depositante residentes no Brasil no setor de máquinas e equipamentos contendo IA ............................................................................................... 146 Gráfico 7 - Depósitos de Patentes de invenção na região metropolitana de Campinas em 2000-2019147 Lista de Mapas Mapa 1 -Localização do município de Campinas/SP ............................................................................ 18 Mapa 2 - Distribuição das empresas apoiadas pelo programa Pipe (1997 a 2023) ............................... 82 Mapa 3 - Distribuição de fomento por município nas empresas de alta e média alta tecnologia pelo programa Pipe (1998 a 2023) ................................................................................................................ 83 Mapa 4 - Limites da Macrometrópole Paulista ..................................................................................... 89 Mapa 5 - Indústria, inovação e infraestrutura........................................................................................ 90 Mapa 6 - Participação dos empregos em atividades intensivas em conhecimento e tecnologia ........... 91 Mapa 7 - Área com presença de atividades econômicas ....................................................................... 95 Mapa 8 - Localização industrial do ramo de elétricos (2021) ............................................................... 96 Mapa 9 - Localização industrial do ramo de máquinas e equipamentos (2021) ................................... 97 Mapa 10 - Localização industrial do ramo de outros equipamentos de transporte (veículo ferroviário) e (fabricação de aeronaves) (2021) .......................................................................................................... 98 Mapa 11 - Localização industrial do ramo de produtos diversos (2021) .............................................. 98 Mapa 12 - Localização industrial do ramo de químicos (2021) ............................................................ 99 Mapa 13 - Localização industrial do ramo de veículos (2021) ............................................................. 99 Mapa 14 - Localização industrial do ramo de eletrônicos (2021) ....................................................... 100 Mapa 15 - Localização industrial do ramo de farmoquímicos e farmacêuticos (2021) ...................... 101 Mapa 16 - Transporte aéreo de cargas no aeroporto de Campinas/SP ................................................ 105 Mapa 17 - Depósito de patentes de invenção por estado em 2019 ...................................................... 142 Lista de Tabelas Tabela 1 - Classificação Internacional de Patentes (CPC) .................................................................... 35 Tabela 2 - Faixas dos códigos das Invenções ligadas à indústria 4.0 .................................................... 36 Tabela 3 - Tecnologias centrais ............................................................................................................. 37 Tabela 4 - Tecnologias Habilitadoras .................................................................................................... 38 Tabela 5 - Tecnologia de aplicação ....................................................................................................... 39 Lista de Abreviaturas CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas CNI – Confederação Nacional da Indústria CNPEM – Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais CPC – Cooperative Patent Classification CPQD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações CTI – Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer 3D – Impressão Tridimensional EPO – European Patent Office EMBRAPII – Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo IA – Inteligência Artificial ICTS – Instituições Científicas e de Inovação Tecnológica INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial IoT – Internet das Coisas IPC – International Patent Classification I4T – Industry 4.0 Tecnology I4.0 – Indústria 4.0 MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PD&I – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação PIPE – Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas PI – Patentes de Inovação PIB – Produto Interno Bruto P&D – Pesquisa e Desenvolvimento RA – Região Administrativa RFID - Radio-Frequency Identification RM – Região Metropolitana RMSP – Região Metropolitana de São Paulo RIS – Regional Innovation System SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SPTEC - Sistema Paulista de Parque TIC – Tecnologia Informação e Comunicação TI – Tecnologia da Informação TRL - Tecnhology Readiness Level VTI - Valor de Transformação Industrial WSN - Wireless sensor networks Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 17 1. METODOLOGIA ....................................................................................................................... 27 2. OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA .................................................................................................................................... 43 2.1. Território, Técnica e Redes na Construção da Indústria 4.0 ................................................ 44 3. DESVENDANDO A INDÚSTRIA 4.0 ....................................................................................... 58 3.1. Pilares da Indústria 4.0 ......................................................................................................... 63 3.2. Estratégia Nacional de Políticas Públicas para indústria 4.0 ............................................... 65 3.3. O Pensamento Crítico sobre a Indústria 4.0 ......................................................................... 71 4. DESAFIOS DA INSERÇÃO DA INDÚSTRIA 4.0: MUDANÇAS E CONSEQUÊNCIAS DAS DESIGUALDADES REGIONAIS ............................................................................................ 76 4.1. Principais configurações espaciais produtivas, tecnológica e científica de Campinas ........ 86 4.1.1. Parque Científico e Tecnológico da Unicamp ............................................................... 107 4.1.2. Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) .......................................... 112 4.1.3. Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) ...................... 122 4.1.4. Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) ......................................................... 131 5. PATENTES POR TRÁS DA INDÚSTRIA 4.0 EM CAMPINAS ......................................... 140 5.1. Grupos relacionados à Indústria 4.0................................................................................... 148 5.1.1. Tecnologias Centrais ..................................................................................................... 148 5.1.2. Tecnologias Habilitadoras ............................................................................................. 152 5.1.3. Tecnologias de Aplicação .............................................................................................. 155 CONCLUSÕES ................................................................................................................................. 160 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 165 Anexo A .............................................................................................................................................. 180 Anexo B .............................................................................................................................................. 181 Anexo C .............................................................................................................................................. 183 Anexo D .............................................................................................................................................. 185 17 INTRODUÇÃO O presente estudo, apresentado sob o título Indústria 4.0 e desenvolvimento regional: análise de patentes no município de Campinas/SP tem como objetivo geral, levantar indicadores de propriedade intelectual, incluindo patentes de invenção, para auxiliar na compreensão do desenvolvimento da indústria 4.0 em Campinas/SP, identificando as políticas públicas que influenciam no desenvolvimento, abordando a infraestrutura disponível em Campinas, como entrevistas com atores das instituições de ciência e tecnologia (CT&I) que estão acompanhando as tendências mundiais na construção de um ambiente favorável à Indústria 4.0. O contexto histórico-econômico de Campinas/SP (Mapa 1) adquiriu cada vez mais expressividade produtiva com o processo de desconcentração industrial. Investimentos eram realizados para garantir as condições de produção e de logística para as indústrias, como é o caso do conjunto de vias de transportes que ofereceram acessibilidade aos fatores de inversões, arquitetando o que Sposito (2015) chamou de eixo de desenvolvimento, conformado pelas principais rodovias que afetam no sentido positivo, a dinâmica econômica, embasado nas decisões de localização das empresas, o que foi caracterizado, também, por Roxo (2018) que destaca o crescimento industrial ao longo dos eixos de desenvolvimento urbano-industrial da RMC, encontrando-se empreendimentos logísticos e industriais para o transporte, armazenagem e distribuição, além de loteamentos para condomínios industriais e logísticos. Aí se observam novos espaços industriais com a participação de relações entre o capital industrial, 18 imobiliário e financeiro, e entre o industrial e o informacional que engendram a reestruturação produtiva e socioespacial contemporânea. Mapa 1 -Localização do município de Campinas/SP Fonte: Inpe Org.: Eduardo Nardez Foi no processo de desconcentração industrial na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) a partir dos anos de 1970 que houve importantes transformações para o município e sua Região Metropolitana (RM). Com a crise do regime de acumulação fordista, Campinas tornou-se um território fértil para o desenvolvimento industrial. Houve benefícios com a entrada de grandes empresas no interior paulista, principalmente no município-sede, conformando uma complexa rede na cadeia produtiva, com diversos complexos territoriais industriais e por aglomerações integradas por empresas produtivamente vinculadas em encadeamentos iniciais para instalação de indústrias de alta tecnologia. Jóia e Selingardi-Sampaio (1995) afirmam que, na década de 1970, ocorria a expansão do setor de alta tecnologia em Campinas a partir da atuação de três agentes fundamentais: governo federal, estadual e os empresários das indústrias. Na década de 1980 concretizavam- se os polos de alta tecnologia, evidenciados por três fatores: a universidade voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico, fornecendo mão de obra especializada; cinco institutos de pesquisa e seis unidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com destaque para 19 áreas de informática e telecomunicação; e 34 indústrias de alta tecnologia inseridas num ambiente favorável de inovação. Caiado et al. (2002) expressam que a principal motivação para as empresas de alta tecnologia se instalarem em Campinas foi a existência de infraestrutura e logística privilegiadas. Dessa maneira, nota-se que as indústrias de alta tecnologia têm optado pela implantação dos estabelecimentos às margens das rodovias. No eixo Anhanguera (SP-330) e Dom Pedro I (SP- 065) encontra-se o condomínio Techno Park, destinado a empresas de alta tecnologia e trabalhadores de alta qualificação; na rodovia Adhemar de Barros (SP-340) há grandes áreas destinadas às indústrias de alta tecnologia, como o Polo II da Companhia de Alta Tecnologia (CIATEC) e o acelerador de partículas Sirius; em direção a Indaiatuba, pela rodovia Santos Dumont (SP-075), tem-se apresentado potencial para atividades econômicas por causa de sua localização próxima ao Aeroporto Viracopos, da ligação com a região de Sorocaba e da articulação das rodovias Anhanguera e Bandeirantes (SP-348) com as rodovias Castelo Branco (SP-280) e Raposo Tavares (SP-270) (CAIADO e PIRES, 2006). A transformação da Região Administrativa (RA) de Campinas ocorre pelas políticas governamentais, o transbordamento industrial e os crescentes custos de localização na capital paulista fizeram com que se criasse uma força empreendedora em um polo que se torna hegemônico. Desse modo, a RA de Campinas apresenta estrutura econômica diversificada e base industrial que comporta desde atividades tradicionais até as mais especializadas, como aquelas que envolvem ciência e tecnologia. Além desses, possui agricultura moderna e integrada à indústria, bem como um sofisticado setor de serviços associado à dinâmica industrial e urbana regional. Roxo (2018) demonstra que a centralização de capital e o aumento da participação do capital transnacional na economia paulista indicam um processo em que os interesses externos favorecem as economias centrais, como é o caso da RM de Campinas que tende a centralizar as funções de comando e absorver a maior parte da mais-valia gerada no processo de produção industrial; assim, as atividades inovadoras e os ramos industriais de alta tecnologia acabam por se concentrar nas cidades do topo da hierarquia urbana, reafirmando a centralidade desses locais que ficam submetidos aos interesses dominantes, o que prova um crescimento assimétrico e desigual. O movimento em direção ao interior do estado traduziu o que Lencioni (2017) chama de metropolização do espaço da região de Campinas. Segundo a autora, o processo de metropolização de Campinas é resultado do processo de desconcentração industrial da RMSP, 20 que colaborou para o que se denomina de região metropolitana expandida de Campinas e Sorocaba. Campinas e sua região metropolitana contribui para atrair cada vez mais empresas interessadas em se beneficiar do ambiente incentivado para o conhecimento científico e inovação tecnológica, o papel das instituições cientificas é fundamental para o desenvolvimento econômico da indústria 4.0 abordando a questão da estratégia que tem para o desenvolvimento regional que foi moldada pela forte presença industrial passada na região, como demonstrarei no decorrer dessa dissertação a partir dos apontamentos iniciais aqui demonstrados e das sugestões, correções e observações postas por nossos avaliadores. Desse modo, considero necessário debater geograficamente temas que demonstrem a pertinência da proposta da dissertação, dentre eles: Indústria 4.0, Quarta Revolução Industrial, macrometrópole, cidade-região, impacto das regiões econômicas com a ingressão da indústria 4.0, instituições de ciência e tecnologia, inovação tecnológica, empresas de alta tecnologia, pedidos de patentes relacionadas à indústria 4.0 e os desafios do Brasil para Quarta Revolução Industrial, como será apresentado ao longo da dissertação. A Quarta Revolução Industrial é analisada considerando que as novas tecnologias induziram as empresas a adotar decisões diferentes das que tiveram nas revoluções anteriores e para se manterem competitivas em suas capacidades de inovação e adaptação às inovações são fundamentais (SPOSITO, 2019). Por tal motivo, pretendo colaborar com o debate geográfico da indústria 4.0 por ser ele um assunto atual e necessário para compreender o que ocorre em termos de transformações no sistema industrial, e suas características e repercussões no território brasileiro e, nesse ponto, delimito o recorte espacial, especificamente, Campinas/SP. Esse debate tangencia o recorte territorial proposto e as condições de produção que vou estudar. Como afirma Santos (2000), a influência de Campinas/SP transpõe limites cuja dinâmica do desenvolvimento econômico extravasa para as cidades vizinhas, que criam relações interdependentes e de complementaridade, configurando um complexo polo regional industrial, onde se localizam indústrias de alta tecnologia ligadas aos setores de ponta da indústria nacional. Em resumo (e para salientar o estudo), mesmo que o recorte definido seja o município de Campinas, ele não está isolado de sua região (metropolitana) devido às dimensões das relações econômicas, para as quais a proximidade é estrategicamente relevante. Dessa forma, visando desenvolver uma linha de raciocínio coerente e que permita, a partir do objetivo geral já apresentado, elaboro uma questão focal que nos permita melhor definição, qual seja: identificar quais ações, como produtos e tecnologias os centros de pesquisa 21 localizados em Campinas têm desenvolvido para a implementação e aplicação das tecnologias da Indústria 4.0. As abordagens da indústria 4.0 são pouco estudadas por pesquisadores na Geografia, ainda que a inovação tenha ganho maior destaque entre vários geógrafos. Assim, constato que a maioria dos estudos sobre a indústria 4.0 está sob a responsabilidade de economistas e engenheiros, que geralmente adotam uma visão quantitativa, embora acredito ser necessária a integração de conhecimentos de outras áreas. A Geografia parece permanecer na sombra desse debate e, particularmente no Brasil, o tema é pouco discutido em comparação com países mais industrializados, considerando a quantidade de publicações científicas sobre essa temática. Contudo, não considero esse reconhecimento como uma dificuldade, ainda que um desafio, está se torna nossa justificativa. Os estudos de inovação são relevantes para a pesquisa desenvolvida, uma vez que a Indústria 4.0, para se manter competitiva, necessita de capacidades de inovação e adaptação que serão determinantes para o seu futuro. A inovação, neste contexto, deve englobar a introdução de novos produtos no sentido econômico, sendo completa quando há transação comercial envolvendo uma invenção, que pode ser uma ideia, esboço ou modelo para um novo produto ou um artefato melhorado, produto ou processo, conforme discutido neste trabalho pelas patentes. A inovação proposta pela Indústria 4.0 é caracterizada por mudanças no paradigma tecno-econômico que afetam a estrutura e as condições de produção e distribuição de quase todos os ramos da economia (SANTOS, FAZION e MEROE, 2011). Nesse aspecto, estudos da geografia industrial são pertinentes para o entendimento das dimensões espaciais, como demonstra Claval (2005), e a geoeconomia é marcante para compreender as estratégias dos agentes econômicos num mundo em que empresas globais (SANTOS, 2009) desempenham relevância imprescindível na atual etapa do capitalismo neoliberal e, como pretendo demonstrar, a I4.0 está amplamente inserida nesse processo devido à vasta possibilidade de aplicação que se estende, por exemplo, desde a poderosa indústria bélica até as não menos poderosas indústrias voltadas ao agronegócio. Diante desses fatos, considero que entender as implicações espaciais, portanto geográficas, do desenvolvimento industrial, envolve não apenas a evolução das indústrias regionais, mas também seus impactos, positivos ou negativos, sobre a relação entre a sociedade e a natureza na produção do espaço, uma vez que o desenvolvimento da I4.0 pode impactar, a partir dos rápidos exemplos acima expostos, distintas dinâmicas que atuam sobre o planeta, a social e a natural. 22 Nesse aspecto, a geografia pode possuir relevância central no debate acadêmico sobre a I4.0 que renegocia as relações espaciais em diferentes escalas, criando desigualdades espaciais a partir de seu corolário, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1983), bem como em ser um novo potencial para o desenvolvimento regional, apresentando, também, um impacto no contexto local e global que desafia a compreensão de espaço e escala devido a sua capacidade de reestruturar cadeias de valor e redes de conhecimento (FRASKE, 2022). Para desenvolver a I4.0 são necessárias políticas que orientem objetivos propostos, que podem ser definidos com ações públicas baseadas em conhecimentos tecnológicos. A política de inovação tem um papel para o progresso econômico, mas é um processo complexo e sistêmico. Sua complexidade refere-se ao fato de que não basta ter uma boa ciência se não houver uma boa base produtiva, é necessário ter capacidade para utilizar os princípios científicos descobertos para a geração de novos produtos, afirmando, dessa forma, que a política de inovação envolve a relação entre ciência e produção. Por exemplo, as inovações são parcelas importantes para a I4.0 pois envolvem grandes desafios que requerem compromissos de longo prazo e o envolvimento de diferentes agentes, disciplinas e instrumentos. Conforme afirma Tunes (2016, p. 10), a lógica territorial do processo de inovação se dá a partir da horizontalidade em que diferentes agentes da inovação cooperam entre si, isto é, está presente a ideia de aprendizagem coletiva e relações de cooperação entre empresas distintas que levam à complementação da produção. Em vista disso, o processo de capacitação de um país e de sua economia pela apropriação e criação de novas tecnologias não ocorre em curto tempo ou em qualquer espaço, daí a ideia de seletividade socioespacial ser um importante referencial conforme proposto por Correa (2006). Deve-se, ainda, passar por longo processo de formação de recursos humanos, pesquisadores, tecnólogos e gestores. Para Fernandes (2016, p. 5), é importante a criação de mecanismos de estímulo à criatividade e à apropriação no intuito de se apropriar dos benefícios da criatividade para redução de desigualdades regionais e sociais, e para elevar autonomia de pessoas e grupos sociais, ou seja, é preciso considerar o social para o desenvolvimento local e regional. Lundvall (2007, p. 107) concebe a inovação como um processo social, visto que o conhecimento está incorporado nas mentes e corpos dos agentes como nas relações entre as pessoas, que irá envolver nas rotinas das empresas e das organizações. Storper (2018) nomeia tal processo de infraestrutura relacional geral das regiões, que potencializa a trajetória de uma região, como as regras, rotinas, crenças ou convenções coletivas que dão precedência para as novas tecnologias. Neste ponto, busco demonstrar como a I4.0 deve ter respaldo territorial 23 (no recorte municipal, regional ou nacional, no caso brasileiro) e, para tanto, deve ser considerado o papel das políticas públicas, visando fornecer a dimensão real do seu desenvolvimento tecnológico. O destaque da região ocorre pela mesma por apresentar as condições gerais de produção, conceito de origem marxista sobre a relação entre o processo imediato de produção e o processo global de produção no qual a mediação é feita pelos equipamentos de consumo coletivo que se relacionam com o processo produtivo (LOJKINE, 1995, apud TUNES, 2015, p. 429). Desse modo, a região de Campinas faz parte da macrometrópole paulista, porção do espaço em que a atividade inovadora industrial se territorializa. O que faz da macrometrópole uma cidade-região de fato é a sua possibilidade de articulação regional, que supera o entrave municipalista. Assim, considera que o conceito de cidade-região apresenta mais aderência para a construção da macrometrópole em vista de seu papel na reestruturação produtiva, suas relações interescalares, a superação da dimensão urbana e a presença de conflitos territoriais pelo processo de desenvolvimento empreendido (TAVARES, 2018). Dessa forma, Campinas (e sua RM) constitui um centro dinâmico e diversificado que tem condições para a inserção da Manufatura Avançada, contando com um polo de indústrias que agregam alto valor para os seus produtos com domínios tecnológicos de digitalização da produção, nanotecnologia, biotecnologia e de tecnologias de produção digital avançada (PDA), que combinam hardware (robôs avançados, impressoras 3D), software (análise de big data, computação em nuvem e inteligência artificial) e conectividade (internet das coisas – IoT). A cidade mostra-se como um dos principais polos do país na área da IoT. A predominância do setor industrial de informática e eletrônico, e o da ciência da computação e da tecnologia da informação, leva em consideração o setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC) e o setor de informática que, em conjunto com as atividades de softwares, aperfeiçoaram os processos industriais, permitindo alcançar patamares de sofisticação. O trabalho fornece algumas mudanças na produção e no trabalho, incluindo questões relacionadas à desigualdade regional, visto que a composição das economias regionais tem sido fator crucial para entender os caminhos evolutivos das regiões, sendo chave para explicar o declínio, renovação ou diversificação das indústrias nos espaços regionais (PROPRIS e BAILEY, 2020). A desigualdade regional acompanha a territorialização da inovação que se justifica pela relevância do conhecimento de tipo tácito, dependente de contextos socioterritoriais. O processo territorial efetiva-se quando seu segmento econômico depende da localização, ainda 24 mais se os recursos existem em locais específicos. No caso do Brasil, os recursos de conhecimento estão fortemente concentrados em poucas regiões, sobretudo os recursos de conhecimento tácito. Isso faz com que a região seja seletivamente diferenciada das demais aglomerações pela sua intensidade e diversidade de usos e movimentos de todos os tipos (TAVARES, 2018; TUNES, 2015). Assim, torna-se estratégico para a manufatura brasileira acelerar o ritmo de difusão das tecnologias da I4.0 que visam intensificar a nova onda tecnológica. No entanto, a estratégia mostra carência de um plano nacional e falta de coordenação entre as instituições públicas entre si, e entre elas e o setor privado. Portanto, deve-se levar em consideração o planejamento nas três esferas: União, estados e municípios para se adequar à era digital, visto que o advento e o acesso às novas tecnologias permitem que surjam novas cadeias produtivas mais bem adaptadas à realidade nacional e global. O mapeamento da indústria 4.0 traz resultados que podem ajudar para estudos futuros sobre o planejamento de políticas industriais, pois quando tomamos conhecimento das características regionais, é possível compreender as políticas públicas direcionadas para o crescimento econômico, a competitividade e o desenvolvimento. Dessa maneira, no capítulo 1, escrito a partir do trabalho de Santos (2023) e da CNI (2023), que mapeou as patentes da Indústria 4.0 no Brasil. Juntamente com a utilização dos autores, usou o relatório Patents and the Fourth Industrial Revolution, elaborado pelo European Patent Office (EPO) que deu respaldo para que servisse como início de partida para a pesquisa dessa dissertação. Esse trabalho faz a relação entre códigos do Cooperative Patent Classification (CPC) e grupos de tecnologias definidos como relativos à Indústria 4.0. O relatório derivou nos grupos de tecnologias que originou em uma lista de classificações de tecnologias relacionadas à Indústria 4.0. Foram estabelecidos três grandes grupos: tecnologias centrais, tecnologias habilitadoras e setores de aplicação. Cada grupo contém subgrupos, que serão definidos de forma detalhada no capítulo. Os dados de patentes foram retirados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual que um dos serviços prestados é os registros de patentes, a base de dados fornece uma visão do uso de propriedade intelectual no Brasil. Fornecem informações sobre quem e em quais tecnologias da indústria 4.0 tem sido depositada e usada. O capítulo 2 recompõe os conceitos de território, técnica e redes para explicar a construção da indústria 4.0. Assim, o capítulo divide os conceitos com a finalidade de compreender a realidade do tema, que é multidisciplinar, transversal, multidimensional e global. O território fornece a base para as condições das relações de produção, inovações e 25 tecnologia, caracterizando-se por um território corporativo por grandes empresas, mergulhando no conceito de sistemas de redes das novas tecnologias da informação. Portanto, o território será a base material para as técnicas que representam o avanço que estamos vivendo nos processos produtivos e de conhecimento. A união entre a técnica e ciência, juntamente com o acúmulo de conhecimento e especialização moldado por diferentes modos de produção em diferentes estágios do desenvolvimento histórico do capitalismo, midiatizada pelo trabalho, que movimentado pelas redes, vai permitir conectar e distribuir esses avanços, criando um sistema integrado, interdependente e desigual que caracteriza a indústria 4.0. O capítulo 3 apresenta uma conceituação da Indústria 4.0, juntamente com seus pilares, que incluem tecnologias habilitadoras como sistemas ciberfísicos, internet das coisas (IoT) e computação em nuvem. Uma das características da Indústria 4.0 é a integração, que se tornou central para a transformação digital e as novas tecnologias mencionadas neste capítulo. São três tipos de integração abordados: horizontal, vertical e de ponta a ponta, demonstra que esse novo avanço tem como chave o fator tecnológico, com a elaboração e transmissão de grandes volumes de dados, informações, comunicações e textos, permitindo processos de produção remotos, automatizados, robotizados e integrados. O capítulo observa o sistema multiescalar das políticas brasileiras destinadas a facilitar a inovação e a introdução da indústria 4.0 no Brasil. As ações de políticas públicas identificada pode desempenhar melhores condições para o conhecimento. Por fim, discute-se brevemente a ascensão dos aspectos da digitalização acompanhado de forma dialética a relação entre trabalho vivo subjugada pelo trabalho morto com a interface máquina-máquina que já é capaz de dispensar a atuação humana direta. O capítulo 4 enfoca a importância da capacidade regional, visto que as tecnologias 4.0 fazem parte de uma evolução da tecnologia 3.0, que está ligada ao paradigma das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Propondo que as regiões mais propensas à diversificação seriam aquelas onde essas tecnologias estão mais presentes. O que evidencia as consequências da indústria 4.0 para a desigualdade regional, por serem tecnologias complexas, elas tendem a se concentrar em regiões mais dinâmicas. Além disso, o capítulo trouxe a ideia de que, apesar das tecnologias presentes no território influenciarem no desenvolvimento regional, há outras variáveis que podem desempenhar um papel ao impulsionar as regiões. Portanto, abordou-se os múltiplos atores do conhecimento, tanto empresariais quanto não empresariais, institutos de pesquisa e instituições educacionais, como o Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento 26 em Telecomunicações (CPQD) que determinam a capacidade de aprendizagem e desenvolvimento da região de Campinas, sendo um facilitador para a indústria 4.0. O capítulo 5 concentrou-se para determinantes locais em Campinas/SP para obter evidências empíricas da criação de conhecimento na indústria 4.0. De todas as descobertas podemos trazer alguns fatos interessantes que a maior parte das patentes é liderada por instituições públicas, mais precisamente pela Unicamp e pelos institutos de ciência e tecnologia que impulsionam o conhecimento. Olhou-se de perto os campos de aplicação das tecnologias da indústria 4.0 e quais tipos de tecnologias seriam produzidas e implementadas em Campinas/SP. 27 1. METODOLOGIA 28 Em termos metodológicos, foram necessários ajustes para produzir as informações geográficas, isso porque, como escrevo acima, a pesquisa pode apresentar uma nova fração da realidade sobre o tema proposto. A falta de técnicas metodológicas mais concretas ainda representa um desafio para explorar todo potencial da I4.0. Apesar de algumas limitações, como pretendo demonstrar, os estudos sobre dados de patentes1 são aqui considerados adequados para considerar invenções e criações de conhecimento. Isso ocorre pois eles permitem identificar a base de conhecimento regional por meio de códigos tecnológicos2 depositados na região. Assim, utilizo os dados de patentes para capturar potenciais informações das regiões que possam contribuir para a produção de novos conhecimentos em tecnologia da indústria 4.0 (Industry 4.0 Tecnology – I4T, sigla em inglês). Embora as patentes sejam uma fonte rica de informações, pode haver outras fontes de conhecimento (incorporadas em P&D e habilidades das pessoas, diversidade cultural) que são altamente relevantes para I4Ts e que não são absorvidas por dados de patentes, devido à dificuldade de quantificar adequadamente as habilidades cognitivas. Essas limitações surgem devido ao fato que algumas invenções e inovações 4.0 relevantes podem não ter sido patenteadas (SUZIGAN et al., 2006; LAFFI e BOSCHMA, 2021). Outro ponto a destacar é que as regiões podem aproveitar o paradigma tecnológico 4.0 por meio de adoções passivas produzidas em outros lugares, ou seja, existem diversos fatores que podem dificultar a investigação sobre os investimentos e adoção de tecnologia 4.0. Assim, saliento a importância de indicadores múltiplos, pois o esforço tecnológico das empresas depende de múltiplos fatores, e não de um indicador baseado apenas em um tipo de informação, como o registro de patentes (SUZIGAN et al., 2006; LAFFI e BOSCHMA, 2021). Em decorrência desses fatores, proponho uma metodologia que pode avaliar como o município de Campinas está acompanhando as tendências tecnológicas da I4.0 por meio dos pedidos de patentes. Espera-se que as patentes tenham papel decisivo para um possível caminho de captar a indústria 4.0 por representar um ativo que pode ser implementado em diversos domínios e complementado com outros procedimentos metodológicos, como vou expor a seguir, iniciando pelo proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 1 Banco de patentes nacionais e internacionais do INPI para descobrir detalhes sobre qualquer invenção. 2 O código é como o CEP de um endereço físico para localizar o documento a fim de facilitar o acesso às informações tecnológicas. 29 A pesquisa para a indústria 4.0 em Campinas/SP tem sido analisada a partir da classificação da função da intensidade tecnológica. Para o desenvolvimento da pesquisa e proposição metodológica, parto da metodologia organizada na figura 1 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que se baseia no indicador de intensidade em P&D a partir da razão entre os investimentos em P&D e o PIB. A OCDE, com a atualização de 2016, classifica a indústria de transformação em cinco grupos: alta, média-alta, média, média-baixa e baixa intensidade tecnológica (MORCEIRO, 2019). A nova característica da taxonomia da OCDE segue a Classificação Internacional Normalizada Industrial (em inglês, ISIC) que inclui na sua 4ª revisão (OCDE, 2016) a inclusão de indústrias na manufatureiras, especialmente serviços, com destaque para serviços de tecnologia da informação, pesquisa e desenvolvimento científico que emergem como ramos intensivo em P&D. 30 Figura 1 - Taxonomia de intensidade tecnológica da OCDE Fonte: extraído de Moreiro, 2019 Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por não considerar as indústrias de baixa tecnologia, uma vez que o foco da análise está nas indústrias de alta e média alta tecnologia, em termos de inovação e desenvolvimento tecnológico no contexto investigado. Dessas, fazem parte 10 ramos manufatureiros e 3 de serviços que reúnem a produção de aviões, desenvolvimento de sistemas (software), produtos farmacêuticos, informática e eletrônicos, 31 armas e munições, automóveis, máquinas e equipamentos, químicos, serviços da informação e outros. O desenvolvimento de sistemas (software) é o setor tecnológico de serviços que terá maior relevância a partir dos desdobramentos da indústria 4.0, por contar com empresas como a Microsoft, Oracle e Google etc. (MORCEIRO, 2019). Apesar de focar apenas nas empresas de alta e média-alta intensidade tecnológica, ressalto que as firmas dos estratos de baixa intensidade tecnológica pode ter a mesma capacidade de inovação, assim como os ramos de alta intensidade tecnológica não necessariamente terão mais capacidade de inovação. O trabalho buscou, em seguida, mostrar quais atividades da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) correspondem aos setores da OCDE. Assim, o passo foi identificar quais destas classes econômicas seriam consideradas alta e média alta intensidade em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Para isso, é válido entender o lugar que uma classe econômica ocupa na estrutura da CNAE. A CNAE está estruturada em cinco níveis hierárquicos: seção, divisão, grupo, classe e subclasse. São 27 seções, 87 divisões, 285 grupos, 673 classes e 1.329 subclasses. As seções são identificadas por letras maiúsculas, enquanto os demais níveis são identificados por dígitos - divisões, grupos, classes e subclasses são apresentados por 2, 3, 5 e 7 dígitos, respectivamente (INPI, 202). Para ilustrar como o nível se relaciona com os demais níveis da CNAE, a figura 2 traz como exemplo a classe “21.21-1 Fabricação de medicamentos para o uso humano”, que é um dos ramos considerados de alta intensidade em P&D. Figura 2 - Exemplo de uma classe na estrutura CNAE Fonte: IBGE Diante do exposto, no quadro 1, 2, 3 e 4 observa-se o agrupamento setorial em cada uma das categorias da tipologia tecnológica (intensidade de P&D) propostas no âmbito da OCDE. Quadro 1 - Ramos de alta intensidade em P&D Número hierarquia CNAE Segmento 32 Divisão 30 FABRICAÇÃO DE OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE, EXCETO VEÍCULOS AUTOMOTORES Grupo 30.4 Fabricação de aeronaves Divisão 21 FABRICAÇÃO DE PRODUTOS FARMOQUÍMICOS E FARMACÊUTICOS Grupo 21.2 Fabricação de produtos farmacêuticos Grupo 21.1 Fabricação de produtos farmoquímicos Divisão 26 FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA, PRODUTOS ELETRÔNICOS E ÓPTICOS Grupo 26.1 Fabricação de componentes eletrônicos Grupo 26.2 Fabricação de equipamentos de informática e periféricos Grupo 26.3 Fabricação de equipamentos de comunicação Grupo 26.4 Grupo 26.5 Fabricação de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle; cronômetros e relógios Grupo 26.6 Fabricação de aparelhos eletromédicos e eletroterapêuticos e equipamentos de irradiação Grupo 26.7 Fabricação de equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e cinematográficos Grupo 26.8 Fabricação de mídias virgens, magnéticas e ópticas Quadro 2 - Ramos de média-alta tecnologia em P&D Número hierarquia CNAE Segmento Divisão 25 FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DE METAL, EXCETO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS Grupo 25.5 Fabricação de equipamento bélico pesado, armas e munições Divisão 29 FABRICAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, REBOQUES E CARROCERIAS Grupo 29.1 Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários Grupo 29.2 Fabricação de caminhões e ônibus Grupo 29.3 Fabricação de cabines, carrocerias e reboques para veículos automotores Grupo 29.4 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores Grupo 29.5 Recondicionamento e recuperação de motores para veículos automotores 33 Divisão 32 FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DIVERSOS Grupo 32.5 Fabricação de instrumentos e materiais para uso médico e odontológico e de artigos ópticos Divisão 28 FABRICAÇÃO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS Grupo 28.1 Fabricação de motores, bombas, compressores e equipamentos de transmissão Grupo 28.2 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral Grupo 28.3 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária Grupo 28.4 Fabricação de máquinas-ferramenta Grupo 28.5 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso na extração mineral e na construção Grupo 28.6 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso industrial específico Divisão 20 FABRICAÇÃO DE PRODUTOS QUÍMICOS Grupo 20.1 Fabricação de produtos químicos inorgânicos Grupo 20.2 Fabricação de produtos químicos orgânicos Grupo 20.3 Fabricação de resinas e elastômeros Grupo 20.4 Fabricação de fibras artificiais e sintéticas Grupo 20.5 Fabricação de defensivos agrícolas e desinfestantes domissanitários Grupo 20.6 Fabricação de sabões, detergentes, produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal Grupo 20.7 Fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produtos afins Grupo 20.9 Fabricação de produtos e preparados químicos diversos Divisão 27 FABRICAÇÃO DE MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS ELÉTRICOS Grupo 27.1 Fabricação de geradores, transformadores e motores elétricos Grupo 27.2 Fabricação de pilhas, baterias e acumuladores elétricos Grupo 27.3 Fabricação de equipamentos para distribuição e controle de energia elétrica Grupo 27.4 Fabricação de lâmpadas e outros equipamentos de iluminação Grupo 27.5 Fabricação de eletrodomésticos Grupo 27.9 Fabricação de equipamentos e aparelhos elétricos não especificados anteriormente 34 Divisão 30 FABRICAÇÃO DE OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE, EXCETO VEÍCULOS AUTOMOTORES Grupo 30.3 Fabricação de veículos ferroviários Grupo 30.5 Fabricação de veículos militares de combate Quadro 3 - Atividades de serviços de alta intensidade de P&D Número hierarquia CNAE Segmento Divisão 72 PESQUISA E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO Grupo 72.1 Pesquisa e desenvolvimento experimental em ciências físicas e naturais Grupo 72.2 Pesquisa e desenvolvimento experimental em ciências sociais e humanas Divisão 62 ATIVIDADES DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Grupo 62.0 Atividades dos serviços de tecnologia da informação Grupo 62.01-5 Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda Grupo 62.02-3 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis Grupo 62.03-1 Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis Grupo 62.04-0 Consultoria em tecnologia da informação Grupo 62.09-1 Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação Quadro 4 - Atividades de serviços de média alta intensidade de P&D Número hierarquia CNAE Segmento Divisão 63 ATIVIDADES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO Grupo 63.1 Tratamento de dados, hospedagem na internet e outras atividades relacionadas Grupo 63.11-9 Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e serviços de hospedagem na internet 35 Grupo 63.19-4 Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet Fonte: CNAE Depois do recorte dos setores de alta e média alta, a partir da OCDE, considero o estudo por meio de dados por patentes que sustentam a I4.0. Essa opção decorre do fato que é impulsionado pelo progresso científico visto as invenções patenteadas. É difícil decidir o que está relacionado à indústria 4.0, assim, me baseio na metodologia de Santos (2023) que buscou mapear as tecnologias ligadas à indústria 4.0 provenientes da base de dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), juntamente com o relatório “Patents and the Fourth Industrial Revolution”, desenvolvido pelo European Patent Office (EPO) que relaciona os códigos do Cooperative Patent Classification (CPC), definindo o que seria a indústria 4.0. Complemento com a publicação da Confederação Nacional da Indústria (2021), que seguiu o relatório da European Patent Office (EPO) para conhecer o cenário das invenções relacionadas às tecnologias da I4.0 no Brasil a partir de um levantamento quantitativo das patentes depositadas no país. A Classificação Cooperativa de Patentes (CPC, sigla em inglês) na tabela 1 representa o sistema de classificação criado pelo European Patent Office (EPO) e United States Patent and Trademark Office (USPTO), baseado no International Patent Classification (IPC), sistema de classificação internacional, cujas áreas tecnológicas são dívidas nas classes A a H, e dentro de cada classe há subclasses, grupos principais e grupos por meio de um sistema hierárquico (INPI, 2022). O CPC como o IPC é um código alfanumérico que auxilia na busca de patentes, como se fosse o CEP de um endereço físico demonstrando qual a área tecnológica. Tabela 1 - Classificação Internacional de Patentes (CPC) Seção A Necessidades Humanas Seção B Operações de Processamento; Transporte Seção C Química e Metalurgia Seção D Têxteis e Papel Seção E Construções Fixas Seção F Eng. Mecânica; Iluminação; Aquecimento; Armas; Explosão Seção G Física Seção H Eletricidade Fonte: INPI, 2015. 36 Figura 3 - Símbolo completo da classificação Fonte: INPI, 2015. A partir da produção dos examinadores e do banco de patentes da EPO com base nos códigos do CPC, é possível inferir as invenções que seriam indústria 4.0, bem como o(s) subgrupo(s) a que essas invenções deveriam ser atribuídas. Assim, gerou-se uma tabela com cerca de 320 códigos em todas as áreas e todos os setores de aplicação (CNI, 2021; EPO, 2017). Tabela 2 - Faixas dos códigos das Invenções ligadas à indústria 4.0 Códigos CPC Campos de atuação A61M2016/0015 Personal, Hardware A61H31/005 Personal A61B34/32 Personal, Enterprise, Manufacture, Analytics, User interfaces, 3D systems, Position determination,Hardware, Software, Connectivity A61B5/7264 Personal, Enterprise, Analytics, Artificial intelligence, Hardware A61B5/7465 Personal, Enterprise, Connectivity A63B71/06 Personal, Analytics A63B24/00 Personal, Analytics, User interfaces, Software A61B8/4472 Personal, Analytics, Power supply, Connectivity A61B8/56 Personal, Analytics, Power supply, Connectivity A61N2005/1041 Personal, Analytics, Power supply, Connectivity F01N9/00 Manufacture, Analytics F01D21/003 Manufacture, Analytics, Security F01B25/00 Manufacture, Analytics, Hardware F01C20/00 Manufacture, Analytics, Hardware F01N11/00 Manufacture, Analytics, Hardware F02D1/00 Manufacture, Analytics, Hardware F02K9/00 Manufacture, Analytics, Hardware F02N11/08 Manufacture, Analytics, Hardware F02P5/00 Manufacture, Analytics, Hardware F03B15/00 Manufacture, Analytics, Hardware H04L63/308 Security, Connectivity 37 H04L9/38 Security, Connectivity H04W12/12 Security, Connectivity H03K19/00338 Hardware H03K19/17796 Hardware H04R31/006 Hardware H04S7/40 Hardware H04L67/42 Software, Connectivity H04B7/2696 Connectivity H04L61/6095 Connectivity H04L69/40 Connectivity H04M13/00 Connectivity H04W72/10 Connectivity H04W84/22 Connectivity Fonte: SANTOS, 2023 Distinguiu-se as tecnologias relacionadas à indústria 4.0 em três grandes grupos: a) tecnologias centrais, b) tecnologias habilitadoras e c) setores de aplicação. Cada grupo principal é subdividido em vários subgrupos e, no caso das tecnologias centrais, são classificadas em três subgrupos tecnológicos: hardware, software e conectividade. As tecnologias habilitadoras compreendem sete subgrupos de tecnologias: análise de dados, interface do usuário, tecnologias 3D, inteligência artificial, sistemas de localização, sistemas de energia e sistemas de segurança. Por fim, as tecnologias de aplicação são classificadas em seis subgrupos de tecnologia: artigos pessoais, residencial, automóveis, empresas não industriais, indústria e cidades. A) Tecnologias Centrais: correspondem à estrutura para a construção das tecnologias I4.0 que são construídas. Por exemplo, permitem transformar um produto em um dispositivo inteligente ligado à internet. As tecnologias centrais consistem em invenções que contribuem para três campos das Tecnologias da Informação e Comunicação. Tabela 3 - Tecnologias centrais Campo Definição Exemplo Hardware Tecnologias básicas de hardware Sensores, memórias avançadas, processadores, telas adaptáveis Software Tecnologias básicas de software Armazenamento em nuvem e estruturas computacionais, banco de dados adaptativos, sistemas operacionais móveis, virtualização 38 Conectividade (Connectivity) Sistemas básicos de conectividade Protocolo de rede para dispositivos conectados, sistemas de dados sem fio Fonte: CNI; EPO (2020; 2017) B) Tecnologias Habilitadoras da Indústria 4.0: são tecnologias construídas sobre e complementares às tecnologias centrais e podem ser usadas para várias aplicações. As tecnologias habilitadoras foram subdivididas em sete campos de tecnologia. Tabela 4 - Tecnologias Habilitadoras Campo Definição Exemplo Análise de Dados (Analytics) Permitem a interpretação de informações Sistema de diagnóstico para grandes quantidades de dados Interface com o usuário (User Interfaces) Tecnologias que possibilitam a apresentação e inserção de informações Realidade virtual, visores de informação em óculos Tecnologias 3D (3D Systems) Tecnologias que possibilitam a realização de sistemas 3D ou simulados Impressoras 3D e scanners para fabricação de partes, design 3D e simulações automatizadas Inteligência Artificial (Artificial Intelligence) Sistemas que possibilitam tomadas de decisões autônomas por máquinas e equipamentos Aprendizado de máquinas, redes neurais Sistema de Localização (Position Determination) Tecnologias que possibilitam a determinação da posição de objetos Sistemas de GPS avançados, posicionamento relativo e absoluto de dispositivos a dispositivo Sistema de Energia (Power Supply) Tecnologias que possibilitam a administração inteligente de energia Sistemas de carregamento situacionais, transmissão de energia compartilhada 39 Sistema de Segurança (Security) Tecnologias que possibilitam a segurança de dados ou objetos físicos Sistemas de segurança adaptáveis, sistemas à prova de inteligência Fonte: CNI; EPO (2020; 2017) C) Setores de aplicação: abrangem tecnologias da indústria 4.0 destinadas aos usuários finais e para várias partes da economia. Foram divididos em seis campos de tecnologia diferentes. Tabela 5 - Tecnologia de aplicação Campo Definição Exemplo Artigos pessoais (Personal) Aplicações destinadas ao indivíduo Dispositivos de monitoramento da saúde pessoal, dispositivos de entretenimento, smart wearables Residencial (Home) Aplicações destinadas para o ambiente residencial Casas inteligentes, sistemas de alarme, iluminação e aquecimento inteligentes Automóveis (Vehicles) Aplicações para veículos Direção autônoma, aparatos de navegação de frotas de veículos Empresas não industriais (Enterprise) Aplicações para empresas e negócios Sistemas inteligentes de varejo, sistemas autônomos para escritórios inteligentes Indústria (Manufacture) Aplicações nas indústrias Fábricas inteligentes, robótica inteligente, sistemas de integração de máquina à máquina Cidades (Infrastructure) Aplicações para infraestrutura das cidades Redes inteligentes de transporte, redes inteligentes de distribuição de energia sistemas inteligentes de iluminação 40 Fonte: CNI; EPO (2020; 2017) A tabela com os 320 códigos da EPO serviu como ponto de partida para analisar os dados de pedidos de patentes armazenados pelo INPI, responsável pelo registro e concessão de patentes, marcas, desenho industrial, transferência de tecnologia etc. De acordo com a classificação da EPO (2017), uma patente da quarta revolução industrial pode pertencer a mais de um campo, por exemplo, ser uma patente classificada como artigos pessoais, interface do usuário, hardware, software e conectividade. Ou seja, representando uma tecnologia central, tecnologia habilitadora e tecnologia de aplicação. A tabela com os 320 códigos da EPO serviu como ponto de partida para analisar os dados de pedidos de patentes armazenados pelo INPI, responsável pelo registro e concessão de patentes, marcas, desenho industrial, transferência de tecnologia etc. Com base nos dados do INPI, foram coletados os registros de propriedade intelectual no município de Campinas no período de 1997 a 2020. A escolha desse recorte temporal deve-se à disponibilidade dos dados no INPI para esses anos. Os depósitos de patentes de invenção (PI), em Campinas, nos anos 1997 a 2020, mostram a predominância da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a responsável pela maior parcela dos depósitos de PI, com total de 1.134. Ela é seguida pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), que gerou um depósito de 289 patentes. Em seguida, temos as empresas multinacionais Bosch e Samsung, com 162 e 71 depósitos, respectivamente. O que se nota é a importância das instituições de natureza pública para a produção de conhecimento tecnológico, com as multinacionais, em seguida, que tendem a ter um extenso portfólio de patentes. Apresento, a seguir, no quadro 5, exemplos de códigos do CPC, juntamente com a descrição da função e/ou com a aplicação/finalidade da patente3. Quadro 5 - Classificação dos pedidos de patentes associados à indústria 4.0 Instituição depositante Códigos da Patente depositada pela instituição Códigos relacionados à I4.0 e sua aplicação Centro de Pesquisas Avançadas Wernher Von Braun G08B13/02; B60R25/102; B625/20 B62H5/20 - Veículos Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer A61H3/061; A61H3/06; G08B 3/1016; H04W 4/02; H04H 20/53 A61H 3/061 - Artigos Pessoais e Determinação de Posição 3 Os resultados aqui apresentados são parciais como forma de exemplo visto que no capítulo 5 que os dados estarão presentes de forma completa. 41 Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações H04W72/04; H04W72/0453 H04W72/04 - Conectividades Robert Bosch B67D 7/30; B60S5/02 B60S5/02 - Veículos e Infraestrutura Samsung A61B 8/00; A61B8/565 A61B8/565 - Artigos Pessoais, Análise de dados, Energia e Conectividade Universidade Estadual de Campinas G06F11/30 G06F11/30 - Análise de dados e Hardware Fonte: INPI e EPO; 2017 Os códigos da última coluna são correspondentes ao grupo e subgrupo relacionados à indústria 4.0. Por exemplo, G06F11/30 faz parte do monitoramento de erros em armazenamento da informação, baseado no movimento relativo entre o suporte de dados, especificamente, monitoração para registro ou avaliação estatística de atividade do computador, como do tempo de desligamento, de operações de entrada/saída (IPC/WIPO, s.d.). Dessa forma, participa do grupo de tecnologias centrais, que é o de hardware, a base para praticamente todas as tecnologias habilitadoras da indústria 4.0, que podem contar com sensores e atuadores que possibilitam inúmeras aplicações no processo industrial, e está no subgrupo de tecnologias relacionadas à análise de dados, atribuído a interpretação das informações, ferramenta essencial para soluções da indústria 4.0 de aquisição, tratamento e análise de dados. Nota-se, pelo quadro 9, que as tecnologias relacionadas à indústria 4.0 são transversais com uma invenção, podendo servir a diversos segmentos tecnológicos e atividades econômicas, por exemplo, um sensor é capaz de ser empregado na indústria têxtil ou na indústria química (CNI, 2017). Apesar de haver uma literatura crescente sobre a temática de tecnologias que fazem parte da I4.0, os trabalhos encontram-se com base em estudos econométricos. A escassez de estudos geográficos fez com que eu procurasse um ponto de partida de aspecto metodológico para produzir e fornecer informações capazes de identificar e classificar tecnologias por meio de informações de patentes. Observa-se o peso das instituições de ensino e pesquisa entre os líderes em patenteamentos. Na previsão que se percebe a relevância das instituições públicas de pesquisa para a produção de conhecimento, mas não noto um vigor entre as empresas, principalmente as nacionais, na produção de conhecimentos patenteáveis (PÓVOA, 2006). As empresas nacionais são requisitadas apenas para o suprimento de componentes mais simples, com baixa incorporação de avanços tecnológicos. Também percebo a baixa relevância das multinacionais nas empresas instaladas em Campinas autodenominadas de alta tecnologia, o que é algo 42 questionável, pois são apenas montadoras de equipamentos com componentes eletrônicos de alta tecnologia (SANTOS, 2003). Por fim, a metodologia das entrevistas (Anexo A, B e C) foi realizada com atores chave, como Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD) em Campinas/SP. As perguntas foram cuidadosamente elaboradas para explorar como o parque científico e tecnológico da Unicamp, CTI e o CPQD contribuem para o desenvolvimento da Indústria 4.0 e para investigar seu papel no cenário local, nacional e internacional. A entrevista foi estruturada em blocos temáticos para organizar, de maneira clara e objetiva, as diferentes áreas de investigação e garantir uma cobertura abrangente dos tópicos de interesse. Esses blocos foram organizados da seguinte forma: 1) perfil do entrevistado: Esse bloco inicial teve o objetivo de coletar informações sobre o entrevistado, como seu nome, cargo, histórico profissional e tempo de atuação na instituição. Essas informações são essenciais para contextualizar as respostas subsequentes e entender a perspectiva a partir da qual o entrevistado fala. 2) atuação dos centros: Nesse bloco, as perguntas servem para entender o papel das instituições no desenvolvimento científico e tecnológico, bem como na inovação em diversas áreas. 3) indústria 4.0: As perguntas investigam como o centro está acompanhando as tendências globais, desenvolvendo novas tecnologias. Também é discutido o papel das instituições no fortalecimento de setores industriais locais e na capacitação de profissionais para atuar na economia 4.0. 4) Desafios: O último bloco aborda os desafios enfrentados, tanto em termos de responder as crises recentes, como a pandemia de Covid-19, quanto em lidar com os desafios contínuos de promover o desenvolvimento tecnológico no Brasil. As questões levantam reflexões sobre o futuro das instituições e as necessidades tecnológicas do país para superar o colonialismo tecnológico e se reposicionar na Divisão Internacional do Trabalho. 43 2. OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS FUNDAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA 44 2.1.Território, Técnica e Redes na Construção da Indústria 4.0 A industrialização moderna se materializa na região e na cidade. Dessa forma, o conceito do território é aqui utilizado a partir da relação do sujeito-objeto, ou seja, trato da relação em que o sujeito (pesquisador) insere seu objeto de pesquisa na perspectiva territorial. Reconheço que existem várias abordagens e concepções de território, contudo, nesta pesquisa, a intenção é apenas apresentar pontos teóricos que contribuam na compreensão da relação entre indústria e território, ou seja, apresento uma opção de uso do conceito de território que mais se aproxima da Geografia econômica e da Geografia das indústrias. Méndez (1998, p. 32) afirma que os interesses dos geógrafos precisam estar na dinâmica das inter-relações indústria-espaço, dado o crescente estudo dos processos que definem a reestruturação do sistema produtivo e suas evidentes consequências na reorganização do espaço industrial. Vale ressaltar que o território é um conceito mutável, isto é, certas funções que costumavam ser consideradas essenciais para o conceito de território perderam muito do seu significado, que acaba sendo norteado por novos princípios (GOTTMANN, 1973). Segundo o Dicionário de Geografia Aplicada (2016, p. 493), o uso do termo está vinculado à relação de poder. Dependendo da definição de poder, o conceito de território muda, assim como a sua conceção varia conforme os sujeitos envolvidos. Para as grandes corporações transnacionais, o território tem caráter funcional, que envolve poder e interesses econômico- políticos. Souza (2000, p. 78) esclarece que o território “[...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” o que significa que o território é um campo de forças que tem as relações espacialmente delimitadas, e opera sobre um substrato referencial para argumentar que o território está longe de ser um substrato do espaço social (críticas às ideias de Raffestin). O território para as indústrias deve ser trabalhado pensando em uma perspectiva temporal. As estratégias buscadas pelas empresas, desde a segunda metade do século XIX, em decorrência da Revolução Industrial, vieram a ter transformações importantes ao longo da história (HAESBAERT e LIMONAD, 2007, p. 50), portanto, o conceito de território esteve em mudança com avanço da tecnologia. Sendo assim, o território vem acompanhado pela ideia de poder e, nesse caso, consideramos o poder das grandes empresas que ultrapassam grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas, tornando-as porosas frente à expansão do capital internacional (SANTOS, 2008). O sistema territorial constituído pela implantação de nós e a construção de redes pelas práticas espaciais induzida por um sistema de ações e comportamentos estabelece a produção 45 do território (RAFFESTIN, 1980, p. 150). A constituição e coesão do sistema de malhas, de nós e redes no território é exercido pelo poder que as pessoas, instituições e grupos realizam: sem a presença desses agentes, isto é, dos conjuntos de relações sociais, não conseguimos definir o território. As tessituras, nós e as redes são estruturas que mantêm a prática espacial, conforme Saquet (2013, p. 75). Assim, o estudo da Geografia se dá, também, pelas relações sociais, efetivadas entre os sujeitos e os objetos que contribuem para que as relações sejam concretizadas no território. As indústrias, por exemplo, ao se apropriarem do espaço, têm a capacidade de territorializá-lo, por ser um agente sintagmático que realiza um programa de produção, contribuindo para a produção do território. Isso acontece pela finalidade das organizações que buscam alcançar seus objetivos (RAFFESTIN, 1980). As grandes corporações produzem espaços econômicos supranacionais em que os territórios nacionais dos países não passam de regiões. Isso está ligado ao que Becker (1983) chama de multidimensionalidade do poder: as empresas mantêm relações multidimensionais de poder em diferentes níveis espaciais. O poder multidimensional implica no reconhecimento de diversos agentes sociais com suas estratégias e conflitos presentes em diferentes escalas espaciais, e na necessidade de alterar o conceito de Estado. Pode-se dizer que as grandes corporações criam seus próprios espaços econômicos definindo os limites territoriais (BECKER, 1983, p. 2). Assim, não seria um poder sobre os outros, mas um poder exercido com os outros. Os Estados não usufruem do mesmo grau de autonomia política soberana, uma vez que o processo de globalização intensificado pelo neoliberalismo fez com que se encontrem menos capazes ou desejosos de proteger os interesses regionais e locais dentro de sua jurisdição. Para Haesbaert e Limonad (2007), a globalização forma uma peça importante na atividade econômica, por implicar a integração entre atividades econômicas dispersas em escala planetária e por ter um crescimento de fluxos e mobilidade. A integração, principalmente econômica, tem caráter seletivo para se inserir nos circuitos da globalização, relativamente restrito para a produção, circulação e consumo. Fica, pois, claro que o território tende a fragmentar-se, podendo ser no aspecto inclusivo da lógica de “fragmentar para melhor globalizar” ou excludente fruto da concentração do capital com processos de desigualdade. No entanto, ao mesmo tempo que amplia e integra o mercado, o processo de inovação continua baseado em regiões ou localidades estratégicas para seu desenvolvimento. Isso revela, também, sua desigualdade (DINIZ e GONÇALVES, 2005). 46 O que leva a fragmentação para melhor globalizar ou criar processos desiguais e nesse processo, revela-se a valorização, desvalorização e revalorização do território. Segundo Santos e Silveira (2006, p. 301-302), partes do território podem ter aumento de valor, ao mesmo tempo que pode ter desvalorização. Assim, “[...] o território é sensível, nervoso e objeto de numerosas mudanças de conteúdo”. Temos sobre a indústria territórios globais que “[...] tendem a se fragmentar e ao mesmo tempo se re-articular pela presença de diversos tipos de rede que vinculam seus diversos segmentos” (HAESBAERT E LIMONAD, 2007, p. 49). O território terá maior possibilidade de ser entrecruzado com outros territórios, com abrangência na escala local ou extrapolando os limites do Estado-nação, tornando-se complexa teia de múltiplas escalas (HAESBAERT E LIMONAD, 2007, p. 50). A melhor forma de elucidar a definição de territórios globais, que seria a multiplicidade de territórios, é por meio da glocalização, em que o global e o local combinados ao mesmo tempo, surgem como um novo processo (HAESBAERT, 2004, p. 347). Storper (1994, p. 15) aponta que as empresas produtivas-chave que dispõem de maiores conteúdos de especialização, conhecimento ou tecnologia são indústrias territorializadas, fortemente enraizadas nas áreas territoriais centrais, mas ao mesmo tempo estão inseridas em redes de relacionamento com outros centros territorializados e com áreas da empresa desterritorializadas, como os seus sistemas de produção e marketing. Em vista disso, tanto a territorialização quanto a desterritorialização estão presentes, dando origem ao sistema de produção de localização globalizada, em outras palavras, sistemas de produção glocalizados. É o que Machado (1993, p. 10) descreve de uma hipótese de avaliar que a “[...] nova geopolítica se esboça, no sentido de colocar o local na rede internacional”. Isso significa o domínio da posse das redes, principalmente a rede de telecomunicações, da qual a informação circula e integra outras redes. A articulação das escalas geográficas tem a capacidade de ter relação direta entre os microespaços e as redes transnacionais. A concepção mais relevante e teoricamente mais consistente seria de Milton Santos, em que o “uso” econômico é o definidor do território por ser um local que tece uma complexa trama de relações complementares e conflitantes, envolvendo a interação entre o sistema de objetos e o sistema de ações (HAESBAERT, 2004). Santos (1999) considera que as empresas globais no território são um agente que produz desorganização e desagregação por impor interesses próprios. O território continha o dinheiro, ou seja, o território regia o dinheiro. Hoje, o território, para o autor, tornou-se influência do dinheiro, e as regulações internas do território escapam, o que traz para os agentes sentimento de instabilidade devido à globalização perversa. 47 O território, que era a base/fundamento do Estado-Nação, torna-se uma noção pós- moderna de transnacionalização do território, isto é, a interdependência universal dos lugares é a nova realidade do território. A produção do espaço e o novo funcionamento do território ocorrem, dentre outras formas, por meio da horizontalidade e verticalidade. O primeiro processo será formado de domínios das contiguidades de lugares vizinhos por uma continuidade territorial, enquanto o segundo, a verticalidade, será formado por pontos distantes uns dos outros (SANTOS, 1996, p. 15). A união vertical traz desordem às regiões; por exemplo, os créditos internacionais que são disponibilizados aos países mais pobres permitem que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital, mas há também os lugares que podem unir-se horizontalmente para reconstruir uma base de vida comum. Nesse aspecto, o território está inserido em um tipo de anomalia chamada de democracia de mercado, e este será o suporte de redes para transportar regras e normas que asseguram a eficácia da união vertical, como é o caso das políticas neoliberais (SANTOS, 1996, p. 19). Desse modo, as grandes empresas mantêm relações verticais com os lugares. Os pontos nos territórios que as empresas se instalam podem constituir apenas uma base de operação que depois são abandonadas quando deixam de ser vantajosas. Em vista disso, o território é adjetivado como um território corporativo pelas grandes empresas, que influenciam o comportamento do poder público, o que permite considerar que estão no comando da vida econômica e social e da dinâmica territorial. Assim, o acontecer hierárquico é resultado de uma racionalização das atividades comandado por uma informação privilegiada que tende a ser concentrada pelas grandes organizações (SANTOS e SILVEIRA, 2006, p. 291; SANTOS, 1998). Nota-se, assim, as diversas linhas de interpretação do território com diversas possibilidades de entender o mesmo. Haesbaert (2007, p. 66) estabelece que o território se torna mais complexo, múltiplo, e ao mesmo tempo mais híbrido e flexível quando mergulhado nos sistemas de redes, multiescalares, das novas tecnologias da informação. Considera que poder e território são conceitos autônomos, mas vão ser focados juntos para consolidação do território (SPOSITO, 2004). Nesse ponto, passo do território – a base material – para as técnicas e as redes, contudo, alerto nossos leitores que não consideramos como dispersas ou isoladas dos territórios. Essa separação, nesse momento, ocorre apenas para fins analíticos e interpretativos. Para o filósofo italiano Umberto Galimberti a palavra técnica vai além de máquinas que englobam as 48 tecnologias. É possível compreender a técnica como um tipo de racionalidade que consiste em alcançar os máximos objetivos com emprego mínimo de meios (IHU ON-LINE, 2014). A partir de 1600, com o fenômeno da ciência moderna por meio do método científico de formular hipóteses sobre a natureza, submeter a experiências e transformar as suposições em leis da natureza, ocorre o momento em que frações da sociedade tornam-se dominadoras do mundo com a chamada revolução tecnocientífica. A passagem de um conjunto de técnicas para um sistema de técnicas que tome o lugar das anteriores torna a vida das técnicas sistêmicas e sua evolução, também. A industrialização pesada, a partir do século XX, determinou a consolidação do meio técnico-científico- informacional, como conceituou Milton Santos. A união entre técnica e ciência, em especial, e o surgimento da informação como a energia principal para o funcionamento dos novos progressos foi fundamental para os processos sociais e dos territórios na facilitação da circulação de capitais (SANTOS 2008). Ainda que as novas técnicas não sejam diferentes dos outros temas (redes e território) tratados de difundir de maneira desigual, o desenvolvimento histórico mostra a desigualdade de acumulação de técnicas, visto que há uma tendência de acúmulo de conhecimento e especialização ao longo do tempo. Consequentemente, o valor do espaço será desigual com distribuição de intensidades variáveis. O capital, por condições técnicas que permitem os fluxos financeiros a partir de fixos territoriais, rompe os obstáculos naturais para produção determinando a realização ou não da valorização do espaço segundo o critério de custos e retorno do capital aplicado (MORAES e COSTA, 1984). A valorização capitalista do espaço é uma relação capital-espaço que apresenta materialidade nos territórios, ou seja, o processo de valorização do espaço nada mais é que a própria valorização do capital, e o espaço é uma condição de existência e produção da sociedade. Por isso, precisa-se de entendimento que as sociedades humanas reproduzem as condições de sua existência e relações vitais com o espaço, quer dizer, a relação sociedade- espaço é, desde logo, uma relação valor-espaço materializada nos territórios. Isso porque em qualquer época ou lugar, a sociedade produz e reproduz sua própria valorização do espaço com apropriação de recursos próprios para produção de obras humanas que representarão a forma valor. A produção do valor está no trabalho assalariado e na propriedade privada, ou seja, é nos territórios que se encontram as bases fundamentais para o processo de valorização do espaço (MORAES e COSTA, 1984). 49 A técnica constitui um dos elementos de explicação da sociedade e de cada um dos lugares geográficos por ser portadora de respectivo meio de trabalho. Preside à hierarquização entre lugares produtivos, às possibilidades de expansão que diferem para cada lugar. As relações sociais contribuem também para explicar como, em diferentes lugares, o conjunto de técnicas pode atribuir diferentes resultados que extrapolam o processo de produção para um processo político de produção (SANTOS, 1997). A base técnica da sociedade e do espaço contribui para explicar a valorização do espaço, visto que a técnica está em todos os aspectos da vida humana. As variáveis sincrônicas e assincrônicas são possíveis de explicarem as formas técnicas, pois o espaço nunca é portador de técnicas da mesma idade ou de variáveis sincrônicas, mas sim de um espaço assincrônico, revelador e organizador da sincronia (SANTOS, 1997). O espaço trata-se de uma condição universal e preexistente do trabalho, ou melhor, um valor de uso. A produção se realizou sobre formas preexistentes nos territórios como um palimpsesto resultado de uma acumulação, na qual revela um conjunto de técnicas em cada momento histórico que permaneceram intactas ou modificadas, enquanto outras desapareceram para promover lugares para novas técnicas (MORAES e COSTA, 1984; SANTOS, 1997). Esse pensamento, corroborando Harvey (2013, p. 315), conduz à percepção de um território usado, compreendido como um sistema de recursos vastos, utilizados para a produção, a troca e o consumo. Surge também que a paisagem se molda nos diferentes modos de produção e nos diferentes estágios do desenvolvimento histórico. A quantidade de capital fixado, os investimentos para o desenvolvimento dos meios de produção, o progresso técnico com equipamentos produtivos para as condições materiais de produção em geral, resultam na agregação e acumulação crescente de trabalho morto4. Ações que representam o valor do espaço, por meio daquilo que Harvey (2013) denominou circuito secundário do capital, aquele destinado tanto à própria produção quanto ao consumo. Portanto, a hegemonia das relações capitalistas no espaço aparece na função de produção como parte do valor sob forma de capital constante (MORAES e COSTA, 1984); (COSTA, 2021). Os investimentos, na atualidade, estão relacionados à esfera financeira e imobiliária. Na produção de residências, como mercadorias ou investimentos de equipamentos de infraestrutura, que correspondem a uma maneira de produção do espaço subordinado aos desígnios de valorização do valor, ou seja, vendidos no mercado com finalidade de valorizar 4 “[...] Aumentos na produtividade resultantes de novos métodos de produção, nos quais o trabalho morto sob forma de máquinas assume o lugar do trabalho vivo” (BOTTOMORE, 1988, p. 364). 50 o capital. Tornando-se um conceito do espaço-mercadoria, o que caracteriza o valor do espaço que condiciona diretamente o valor no espaço pensado para a produção e circulação das mercadorias (COSTA, 2021). Mas, para produção do espaço valorizado e de um produto de forma de conhecimento agregado, concordamos com aquilo que Raffestin (1980) denomina de Ar, ou seja, do Ator (A) e da técnica mediatizada pelo trabalho (r). O ator precisa ser capaz de mobilizar uma técnica que pode ser muito aperfeiçoada ou muito rudimentar, e essa tecnicidade precisa levar em conta o conjunto de relações que o homem mantém com as matérias. Essa relação tecnicidade e matéria é o apêndice da territorialidade. A tecnicidade se envolve diretamente na esfera do poder, mas também exprime relações de poder não somente com a matéria. Assim, os recursos naturais, a matéria, pode ser vista como um “trunfo do poder”. Isso tem a ver com a produção dos recursos que podem apresentar uma dominação de uma porção do quadro espaço-temporal. Raffestin (1980) expõe que o recurso não é propriamente instrumental, é também político, e toda relação com a matéria é uma relação de poder que envolve o campo político por intermédio do modo de produção. A política depende da economia, pois esta decide se os investimentos estão conforme as disponibilidades e os recursos técnicos. O aumento de conflitos bélicos, por exemplo, tem sido utilizado como argumento para melhorias tecnológicas que dependem de investimentos em pesquisa para a superioridade da técnica, o que envolve a coordenação dos equipamentos para o funcionamento regular e coordenado. A interrupção de um pequeno segmento confere consequências, por exemplo, na atividade do setor industrial (GALIMBERTI, 2015). A técnica é produzida por agentes sociais, portanto, pode pensar a I4.0 em suas relações com o território, visto que não se deve esquecer das redes para o comprimento da indústria que, a partir do aumento da integração intersetorial e interindustrial de modo intenso, formam um todo que contorna o que conhecemos como economia e sociedade em rede (DINIZ e GONÇALVES, 2005). A oportunidade para a I4.0 está na expansão das redes, que podem ser entendidas como uma configuração que ultrapassa as fronteiras nacionais, pois acabam sendo as transmissoras do processo de globalização, esse que seria impossível sem a fluidez de informações instantânea a partir de fixos territoriais (SANTOS, 2008). Assim, as grandes empresas atuam na produção e organização do território, e o território atua como suporte para construção das redes, pois as redes favorecem a ação dos atores para o exercício do poder. 51 Logo, as redes, além de serem técnicas, são também sociais, e sua produção e implantação vinculam-se às questões econômicas, sociais e políticas no centro do capitalismo. É justamente por esse meio que se organizam e estruturam os espaços de acordo com seus interesses, ou seja, as redes são instrumentos no espaço geográfico a serviço de determinados interesses, especificamente os grupos dominantes, resultante das manifestações das coações técnicas, econômicas, políticas e sociais (SANTOS, 2008). Portanto, técnica, redes e territórios se apresentam como inseparáveis, uma vez que as redes só podem existir à medida que se instalam em determinado território (COSTA e UEDA, 2007). Com base nessas, o conceito de poder torna-se, também, inseparável dos outros, uma vez que o poder dispõe das redes globais e dos territórios para exercer a sua influência, dado que o poder se torna um meio coercitivo que se encontra à disposição dos atores que produzem e controlam o exercício de seu comando. As definições e conceituações nas quais se enquadra a rede estão em duas grandes matrizes, segundo Santos (2008): considerada a realidade material apropriada por toda infraestrutura que proporciona o transporte da matéria, energia e informação inscrita sobre um território que conta com a topologia dos pontos de acesso ou terminais, arcos de transmissão, nós de bifurcação ou de comunicação. A segunda rede seria social e política, produzida pelas pessoas, mensagens e valores que a frequentam. O que nos interessa é o terceiro momento na produção e na vida das redes, aquele concebido com o período técnico-científico-informacional. Os avanços tecnológicos nas áreas de informática e telecomunicações constituem uma base para as novas redes informacionais que são apropriadas por grandes indústrias a partir da lógica do capital e seu poder de seletividade socioespacial (CORREA, 2005). A globalização, expressa em suas redes que permitem o funcionamento do sistema- mundo, permite que os espaços sejam habitados e funcionalizados por redes interligadas (SANTOS, 2009). Elas também se distribuem de forma desigual, com áreas que escapam do desenho reticular representando baixa intensidade (SANTOS, 2008). Destaca-se que o espaço globalizado não é o todo, apenas alguns lugares são mundiais, visto que a globalidade é desigual por procurarem os lugares mais rentáveis e seguros para o capital, produzindo assim territórios heterogêneos (SANTOS, 2009). O território pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em redes, ou seja, os lugares e pontos contêm simultaneamente funcionalidades diferentes. A simultaneidade torna-se possível pela relevância e papel da ciência, da tecnologia e da informação (SANTOS, 1998). Logo, tem-se a ideia de um território multifacetado, de uma sobreposição num único espaço, de territórios funcionando segundo diferentes matrizes e em 52 diferentes níveis, e mais ou menos interconectado. Territórios bem servidos de todo o tipo de redes, e outros pouco, ou até mesmo desconectados para interesses dos operadores das redes (OFFNER, 1993). O espaço-tempo não corresponde mais ao espaço euclidiano, mas sim ao espaço relativo, ou seja, a conectividade se impõe igual ou, talvez, mais importante para a estruturação de territórios. Portanto, à medida que nos permite avaliar a proximidade de dois lugares, não é mais a distância geográfica que constitui o espaço de Newton e Descartes, mas as características das redes que os conectam, associado principalmente ao nome de Einstein e às geometrias não- euclidianas marcadas pela circulação e fluxo de mercadorias, informações, capitais (OFFNER, 1993; HARVEY, 2006.) Com o desenvolvimento da I4.0, surgem demandas para novas redes técnicas, que sustentam a história de novas inovações, no caso, a tecnologia 5G, que permite a diversidade da fluidez de elementos que constituem os territórios. Como as mercadorias estão estritamente associadas à intensa circulação, vai ultrapassar a inércia da distância absoluta, visto que a intensidade se dá pela velocidade dos fluxos e a escala de produção, que relativiza, de forma absoluta, a distância. Uma transformação na relação espaço-tempo como forma de produtividade do capital, sujeita o espaço ao seu domínio, relativizando as distâncias. O avanço da indústria 4.0 pode proporcionar o aumento da escala no sentido de encurtamento das distâncias do espaço que afeta diretamente a produção e a circulação. O processo de compressão espaço-tempo, com a globalização da economia dos fluxos de trocas, constitui uma forma avançada do processo de v