IGOR ADRIANO SUFI SOARES DA SILVA Reestruturação da cidade, atividades econômicas e áreas centrais nas cidades médias: os casos de Maringá/PR e Dourados/MS Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Geografia da Faculdade, Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Presidente Prudente, como requisito obrigatório para a obtenção de Bacharel. Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito PRESIDENTE PRUDENTE 2023 AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo — FAPESP (iniciação científica do processo nº 19/09523-2). Agradeço ao meu professor orientador, Eliseu Savério Sposito, por todo o apoio e por todos os ensinamentos que vou guardar não somente para a sequência na carreira acadêmica, mas para a minha humilde trajetória nesse mundo. Professor, você é exemplo, e é uma honra ter participado de alguma forma da sua linda história na Geografia e na vida. Agradeço a todos os companheiros e companheiras do GAsPERR: graduandos, mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos e professores que contribuíram ao escutar um pouco melhor sobre minha pesquisa, ao indicar textos, ao debater conceitos e temas muito importantes, ou ao simplesmente me escutar quando eu precisava desabafar. Agradeço especialmente à Prof.ª Maria Encarnação Beltrão Sposito, ao Prof. Arthur Magon Whitacker, ao Prof. Nécio Turra Neto. Também às pós- doutorandas Vanessa, Késia, Paula e Natália. Aos colegas de laboratório e “aquário”: Bruno, Felipe, Flaviane, Priscila, Mariana, Victor, Bárbara, Bruna, Renata, Ana Carolina, Laércio, Eduardo Nardez, Rebeca e Nathaly. Agradeço aos professores que passaram por minha vida e que são o motivo de eu ter escolhido a licenciatura e a Geografia: Prof.ª Marisa Rodrigues, Prof.ª Sara Bomfim, Prof.ª Mara Altero, na E. E. João Vieira de Mello de Queiroz/SP; Prof. Handerson Lopes, Prof. Aloísio Cássio, Prof.ª Daniele Scaliante, Prof.ª Ângela Pilquevitch, Prof.ª Carola Braz, Prof. Edi Iacida, Prof.ª Eliana Golfeto, Prof. Geraldo Leme, Prof. Ivo Polônio, Prof.ª Luciana Octaviano, Prof. Silvio Ronaldo, Prof.ª Vanilda Druzian, na ETEC Prof. Massuyuki Kawano de Tupã/SP; Prof.ª Paula Vermeersch, Prof.ª Vanessa Iceri, Prof.ª Eda Góes, Prof. Everaldo Melazzo, Prof. Luciano Furini, Prof.ª Margarete Amorim, Prof.ª Terezinha Gomes, alguns dos professores da UNESP de Presidente Prudente. Tenho muito orgulho de ter passado por estes lugares incríveis, de ter tido contato com pessoas tão singulares e que deixaram marcas inesquecíveis. Agradeço aos meus amigos mais próximos e que deram suporte emocional em todo o período da graduação e que me fizeram continuar em frente: Greyce, Maria Carolina, Maria Flora, Danrley, Cleiton, Kauane, Milena, Bruna, que se fizeram presentes mesmo de longe; Maria Júlia, Letícia, Eduardo, Isabela, que estavam sempre do meu lado e nunca me deixaram desistir; Lucas, Rennan, João Victor, Stephanie, Marcela, Andrey, Laura, José, Pâmela, Isabela Scalon, Celina, Laís, amigos da turma LXI. Agradeço a oportunidade que a UNESP me deu de voltar a jogar voleibol, de conhecer pessoas incríveis que me ajudaram de tantas formas que nem consigo descrever. Em meio a um ano que me perdi tanto, reencontrei-me comigo mesmo fazendo uma das coisas que mais amo no mundo. Mônica, agradeço por cada semana me ajudar a trabalhar questões tão importantes para mim. Você é uma profissional incrível, muito obrigado. Alessandro, muito obrigado por ser presente neste ano, desde os momentos em que eu perdi todas as perspectivas, até todas as vezes que eu fui feliz e voltei a ter esperança com a sua ajuda. Agradeço aos meus pais e a minha família, que mesmo nem sempre entendendo bem o que é a universidade e as atividades de pesquisa, estavam me ajudando e apoiando com tudo. Obrigado, amo vocês. É bom ver-se a cidade nos dias de descanso, com as suas lojas fechadas, as suas estreitas ruas desertas, onde os passos ressoam como em claustros silenciosos. A cidade é como um esqueleto, faltam-lhe as carnes, que são a agitação, o movimento de carros, de carroças e gente. Triste Fim de Policarpo Quaresma, livro de Lima Barreto. RESUMO A contínua complexificação econômica e as reestruturações produtivas influenciam diretamente em uma reestruturação urbana quanto aos papéis que as cidades desempenham na rede urbana, mas também em uma reestruturação da própria cidade, especialmente quanto às áreas centrais — nas quais se concentram diversas e numerosas estabelecimentos e atividades econômicas — que exercem particulares centralidades no tecido urbano e são transformadas pela chegada de novos empreendimentos econômicos alinhados ao regime de acumulação flexível. Tais processos não deixam de ocorrer nas cidades médias de Maringá (localizada no norte do estado do Paraná) e de Dourados (localizada no sul do estado do Mato Grosso do Sul), estas que foram escolhidas como recortes de pesquisa. Neste contexto, os principais objetivos deste trabalho são: analisar as lógicas espaciais dos agentes econômicos na escala da cidade, para verificar se suas estratégias recaem sobre as áreas centrais “tradicionais” (centro principal e subcentros) ou reforçam a tendência contemporânea de implantação de novos espaços nas cidades médias em questão. Para tanto, foram aplicadas metodologias que consideram tanto o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos, quanto o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, que permitiram mapear a concentração dos estabelecimentos presentes em cada uma das cidades estudadas e das atividades econômicas associadas a eles. Ademais, foram feitos trabalhos de campo e entrevistas com associações comerciais e empresariais locais. Em síntese, foi perceptível nos dois recortes o processo de reestruturação da cidade e de mudanças na conformação das áreas centrais, logicamente que de maneiras diversas, assim como em diferentes níveis de complexidade. Em Maringá/PR, perceberam-se áreas centrais muito bem definidas, mas com novas centralidades e novas funções aparecendo, mesmo que ainda não seja possível dizer que estabeleçam qualquer competitividade com o centro tradicional. Já Em Dourados/MS, é evidente a existência de um núcleo central mais bem definido e até mesmo “tradicional”. Conclui-se ponderando sobre a potencialidade das metodologias utilizadas em dialogar com outras produções sobre os mesmos temas, assim como a possibilidade de estudos similares no futuro. Palavras-chave: Cidades médias; Áreas centrais; Atividades econômicas; Reestruturação da cidade. ABSTRACT The continuous economic complexification and productive restructuring directly influence an urban restructuring in terms of the roles that cities play in the urban network, but also in a restructuring of the city itself, especially in terms of central areas — in which diverse and numerous establishments and economic activities are concentrated. — which exercise particular centrality in the urban fabric and are transformed by the arrival of new economic ventures aligned with the flexible accumulation regime. Such processes do not cease to occur in the medium cities of Maringá (located in the north of the state of Paraná) and Dourados (located in the south of the state of Mato Grosso do Sul), which were chosen as part of the research. In this context, the main objectives of this work are: to analyze the spatial logics of economic agents at the city scale, to verify whether their strategies fall on the “traditional” central areas (main center and subcenters) or reinforce the contemporary trend of implantation of new spaces in these medium cities. To this end, methodologies were applied that consider both the Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (National Register of Addresses for Statistical Purposes) and the Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (National Register of Legal Entities), which allowed mapping the concentration of establishments present in each of the cities studied and the economic activities associated with them. In addition, fieldwork and interviews with local trade and business associations were carried out. In summary, the process of restructuring the city and changes in the conformation of the central areas were perceptible in both cutouts, logically in different ways, as well as in different levels of complexity. In Maringá, central areas are very well defined, but with new centralities and new functions appearing, even if it is still not possible to say that they establish any competitiveness with the traditional center. In Dourados, the existence of a better defined and even “traditional” central core is evident. This academic paper concludes by pondering the potential of the methodologies used in dialoguing with other productions on the same themes, as well as the possibility of similar studies in the future. Keywords: Medium cities; Central areas; Economic activities; Restructuring of the city. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Conjunto de mapas com a malha urbana e a localização da cidade de Maringá/PR ............................................................................................................... 32 Figura 2: Conjunto de mapas com a malha urbana e a localização da cidade de Dourados/MS ............................................................................................................ 36 Figura 3: Mapa da concentração das atividades econômicas em Maringá/PR no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ................................................................... 42 Figura 4: Principais vias em Maringá/PR citadas no texto ........................................ 43 Figura 5: Mapa da concentração de CNPJ ativos e em baixa durante os anos de 1990, 2000, 2010 e 2021 na cidade média de Maringá/PR ................................................ 49 Figura 6: Mapa da concentração do comércio varejista em Maringá/PR no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ........................................................................ 50 Figura 7: Grade de fotografias que representam o comércio varejista no centro de Maringá/PR: presença de grandes redes .................................................................. 53 Figura 8: Grade de fotografias que representam o comércio varejista no centro de Maringá/PR ............................................................................................................... 53 Figura 9: Grade de fotografias que representam o comércio varejista na Avenida Mandacaru ................................................................................................................ 54 Figura 10: Grade de fotografias que representam o comércio varejista na Avenida Cerro Azul ................................................................................................................. 55 Figura 11: Mapa da concentração do comércio e da manutenção de veículos em Maringá/PR no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ................................... 56 Figura 12: Grade de fotografias que representam o comércio e a manutenção de veículos na Avenida Colombo ................................................................................... 57 Figura 13: Grade de fotografias que representam o comércio e a manutenção de veículos na Avenida Morangueira ............................................................................. 57 Figura 14: Grade de fotografias que representam o comércio e a manutenção de veículos na Avenida Pedro Taques ........................................................................... 58 Figura 15: Mapa da concentração das atividades voltadas à saúde humana em Maringá/PR no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ................................... 59 Figura 16: Grade de fotografias que representam a concentração de atividades voltadas à saúde humana em Maringá/PR................................................................ 59 Figura 17: Mapa da concentração das atividades econômicas em Dourados/MS no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ............................................................ 60 Figura 18: Principais vias em Dourados/MS citadas no texto ................................... 62 Figura 19: Mapa da concentração de CNPJ ativos e em baixa durante os anos de 1990, 2000, 2010 e 2021 na cidade média de Dourados/MS ................................... 64 Figura 20: Mapa da concentração do comércio varejista em Dourados/MS no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ........................................................................ 65 Figura 21: Grade de fotografias que representam o comércio varejista no centro de Dourados/MS: grandes redes e comércio do centro ................................................. 66 Figura 22: Grade de fotografias que representam o comércio varejista no centro de Dourados/MS ............................................................................................................ 66 Figura 23: Mapa da concentração do comércio e da manutenção de veículos em Dourados/MS no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ................................ 68 Figura 24: Grade de fotografias que representam o comércio e a manutenção de veículos na R. Hayel Bon Faker e nas proximidades do Avenida Shopping Center . 68 Figura 25: Grade de fotografias que representam o comércio e a manutenção de veículos na Avenida Marcelino Pires ......................................................................... 69 Figura 26: Mapa da concentração das atividades voltadas à saúde humana em Dourados/MS no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE ................................ 70 Figura 27: Grade de fotografias que representam a concentração de atividades voltadas à saúde humana em Dourados/MS............................................................. 71 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Categorias presentes nos dados fornecidos pelo CNEFE/IBGE .............. 23 Quadro 2: Seções, divisões e grupos da CNAE 2.3/CONCLA .................................. 25 Quadro 3: Estabelecimentos que exercem atividades econômicas em vias que se destacam pela centralidade em Maringá/PR ............................................................. 45 Quadro 4: Estabelecimentos com atividades econômicas em vias que se destacam por ser uma extensão da centralidade tradicional em Maringá/PR ........................... 47 Quadro 5: Vias que se destacam pelo número de estabelecimentos em Dourados/MS .................................................................................................................................. 61 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 ARCABOUÇO TEÓRICO ....................................................................................... 15 2.1 A REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE, AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E A CENTRALIDADE .............. 16 2.2 AS FORMAS DA CIDADE, SUAS FUNÇÕES E A TEMPORALIDADE ................................................. 20 3 METODOLOGIA ..................................................................................................... 21 3.1 CNEFE-CNAE ................................................................................................................................ 22 3.1.1 História, características e possibilidades .............................................................................. 23 3.1.2 Os desafios metodológicos e as maneiras de enfrentamento ............................................. 27 3.1.3 O trabalho de mapeamento ................................................................................................. 28 3.2 BANCO DE CNPJ ........................................................................................................................... 29 3.3 TRABALHOS DE CAMPO E ENTREVISTAS COM ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS ............................... 30 4 AS PARTICULARIDADES DE CADA CIDADE ESTUDADA .................................. 31 4.1 MARINGÁ/PR ............................................................................................................................... 31 4.2 DOURADOS/MS ........................................................................................................................... 35 5 INTERPRETAÇÕES SOBRE AS ÁREAS CENTRAIS NAS CIDADES MÉDIAS A PARTIR DA CONCENTRAÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS ........................ 41 5.1 AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E AS ÁREAS CENTRAIS EM MARINGÁ/PR ................................... 41 5.1.1 O comércio varejista em Maringá/PR .................................................................................. 49 5.1.2 O comércio e a reparação de veículos automotores e motocicletas em Maringá/PR ......... 55 5.1.3 As atividades de atenção à saúde humana em Maringá/PR ................................................ 58 5.2 AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E AS ÁREAS CENTRAIS EM DOURADOS/MS ................................ 60 5.2.1 O comércio varejista em Dourados/MS ............................................................................... 64 5.2.2 O comércio e a reparação de veículos automotores e motocicletas em Dourados/MS ..... 67 5.2.3 As atividades de atenção à saúde humana em Dourados/MS ............................................. 69 5.3 ESBOÇO DE UMA ANÁLISE COMPARATIVA ................................................................................. 71 6 BREVES CONCLUSÕES ....................................................................................... 73 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................................ 78 APÊNDICE ................................................................................................................ 80 ANEXOS ................................................................................................................... 87 13 1 INTRODUÇÃO Muito já foi levantado pela Geografia Urbana sobre como o sistema capitalista influenciou e continua sendo atuante no crescimento, tanto em número quanto em tamanho, das cidades. Porém, também todas as novas tendências e contradições do capitalismo influem em reestruturações tanto na escala da rede urbana quanto na escala intraurbana, em questões tanto de forma quanto de função, de acesso e/ou de segregação. Isso porque as dinâmicas produtivas afetam diretamente na distribuição das atividades econômicas, na divisão, na forma e nas características do trabalho, e mesmo nas próprias relações humanas dentro das cidades, o que interfere social e economicamente na criação e manutenção dos espaços urbanos. Tais tendências passam a se manifestar mais do que nunca nas cidades médias, que nas últimas décadas passam a ampliar seus papéis na rede urbana e passam a ser alvos dos investimentos de empresas, principalmente no que diz respeito ao setor terciário. Já dentro da própria cidade, essas mudanças ocorrem também quanto à dinâmica das centralidades que exercem os espaços urbanos, principalmente com a chegada de alguns empreendimentos econômicos como os shopping centers, os hipermercados, as franquias, as grandes indústrias, os serviços prestados através de aplicativos etc. Foram escolhidas como recorte analítico as cidades médias de Maringá/PR e Dourados/MS, cada uma com suas características peculiares em relação a outra, principalmente por estarem em diferentes regiões do país (Sul e Centro-Oeste) e possuírem contextos distintos tanto em suas formações socioespaciais, assim como em sua participação na divisão social e territorial do trabalho. Apresentam, porém, um ponto de correlação ao se observar seus papéis de comando em relação às cidades pequenas de suas respectivas regiões imediatas e intermediárias. O principal objetivo deste trabalho consiste, portanto, em investigar como se comportam, principalmente, algumas das formas (mas também suas respectivas funções espaciais) nestas cidades ao longo do tempo. Para tanto, optou-se por englobar os agentes econômicos presentes, além das lógicas espaciais que permeiam suas localizações e que produzem o espaço urbano. Desta forma, busca-se verificar se tais agentes econômicos continuam a se instalar majoritariamente sobre as áreas centrais “tradicionais” (centro principal e subcentros) ou se começam a implantar novos espaços de centralidade. 14 Ainda, objetivos secundários derivam-se de tais ideias: construir um banco de dados contendo os endereços das atividades econômicas presentes nas cidades estudadas utilizando a metodologia CNAE-CNEFE, e posteriormente mapeá-lo; analisar um banco de dados de CNPJ contendo dados das empresas de cada uma das cidades estudadas; comparar os resultados obtidos pela metodologia aplicada com a bibliografia já existente sobre as áreas centrais, os centros e as centralidades no recorte escolhido para o trabalho; discutir e apresentar as principais atividades econômicas presentes nas áreas centrais identificadas pela pesquisa desenvolvida, além de analisar a influência de grandes empreendimentos econômicos nas expressões de centralidade do urbano nas cidades estudadas. Visando ampliar as discussões propostas neste trabalho, não serão apenas analisadas as atividades econômicas como um todo em Maringá/PR e em Dourados/MS, mas também os seguintes recortes específicos, considerando a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE): o comércio varejista; o comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas; as atividades de atenção à saúde humana (hospitais e consultórios). Tais configurações foram selecionadas principalmente pela relevância que apresentam na constituição de áreas e eixos centrais muito interessantes no que diz respeito às duas cidades estudadas. Para tanto, foi utilizada como metodologia a combinação de uma base que considera dados de endereço, o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), em que é possível identificar estabelecimentos em que são desenvolvidas atividades econômicas, além de propiciar que sejam georreferenciados e que sigam um padrão de classificação, a CNAE, que permite caracterizar qual atividade é desenvolvida em cada espaço e, desta forma, aprofundar as discussões, considerando o ano de 2010. Com o objetivo de ampliar o arcabouço das análises, também serão pautados dados produzidos pelo Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) — no âmbito do projeto temático “Fragmentação socioespacial e urbanização contemporânea: escalas, vetores, ritmos, formas e conteúdos”, processo FAPESP nº 2018/07701-81 —, referentes aos Cadastros Nacionais da 1 Da mesma forma, o presente trabalho de conclusão de curso provém de uma iniciação científica subsidiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), intitulada: “Padrões de localização das atividades econômicas nas cidades médias brasileiras: Mossoró, Marabá, Dourados e Maringá”, processo nº 19/09523-2, vinculada a este mesmo projeto temático. 15 Pessoa Jurídica (CNPJ), tanto abertos como em situação de baixa, entre os anos de 1990 e 2021, assim como suas respectivas classificações de acordo com a CNAE. A partir disso, foi possível elaborar mapas que evidenciam as transformações na concentração das atividades econômicas considerando os recortes de 1990, 2000, 2010 e 2021. Ambas as metodologias — CNEFE-CNAE, que considera a interpretação de recenseadores sobre as construções nas cidades, e CNPJ, que leva em conta os novos registros de empresas e seu fechamento — somam-se a outros esforços, como trabalhos de campo realizados nas áreas centrais e principais vias de Maringá/PR e Dourados/MS, mas também entrevistas com associações comerciais e empresariais locais, para que, desta forma, pondere-se com certo aprofundamento sobre como se manifestam e como se reestruturaram as centralidades nestas cidades médias. Por fim, destaca-se que este trabalho de conclusão de curso será dividido nas seguintes partes: 1) argumentação teórica, que abarca temas como a reestruturação da cidade, a centralidade, as formas urbanas, as atividades econômicas e as lógicas espaciais, assim como discussões específicas sobre a formação socioespacial e particularidades de cada cidade média escolhida para o desenvolvimento da pesquisa; 2) exposição sobre os procedimentos metodológicos utilizados e as respectivas contribuições com as análises desenvolvidas; 3) apresentação e discussão dos resultados obtidos, tendo em mente uma análise de como se dão as reestruturações em cada uma destas cidades médias no período selecionado; 4) breves considerações finais sobre o que foi desenvolvido neste trabalho, assim como um balanço de suas contribuições. 2 ARCABOUÇO TEÓRICO Este capítulo busca apresentar as principais bases teóricas que orientaram o desenvolvimento do trabalho de pesquisa, assim como discutir as temáticas que permeiam este trabalho de conclusão de curso. Para tanto, foi seccionado em duas partes. A primeira tem como foco o debate em relação aos processos de reestruturação produtiva, urbana e da cidade, assim como a crescente influência destes nas cidades médias brasileiras e o papel que as atividades econômicas podem ter na leitura das constantes mudanças provocadas por eles no tecido urbano e nas centralidades intraurbanas. Já no segundo subcapítulo, discorre-se sobre os conceitos 16 de forma e função na Geografia Urbana, assim como a importância da dimensão temporal para suas análises 2.1 A REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE, AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E A CENTRALIDADE Todo o processo de reestruturação produtiva que perpassa diversos momentos da história, e que recentemente passa pela implementação de um regime de acumulação flexível, possui resultados de natureza econômica, social, política e, consequentemente, espacial (HARVEY, 2007 apud AMORIN, 2013). No caso brasileiro, especialmente a partir das últimas décadas do século XX, tais tendências levaram à incorporação de novas relações trabalhistas e estimularam investimentos públicos e privados para a implantação de técnicas em uma dispersão da produção e do consumo pelo território nacional (AMORIN, 2013). Este ganho de complexidade na divisão social e territorial do trabalho, que caminha junto à expansão do processo de urbanização, contribuiu para uma ampliação nas relações de competição e/ou complementação entre as cidades da rede urbana, o que permite argumentar que, concomitantemente, acontece uma complementação entre as cidades da rede urbana e, desta maneira, as interações espaciais são intensificadas e novos papéis de comendo começam a surgir, agora não mais sendo exercidos apenas por grandes cidades e/ou metrópoles. Isso nos possibilita argumentar sobre a ocorrência de uma reestruturação urbana (SOJA, 1993; AMORIN, 2013; SPOSITO, 2017)”. Ao debruçar-se sobre as profundas mudanças quanto à rede urbana brasileira nos últimos cinquenta anos, destacam-se os novos papéis urbanos e regionais adquiridos pelas cidades médias que, principalmente por conta da ampliação das dinâmicas de consumo, passam a exercer uma posição intermediária entre as cidades pequenas e a metrópole (SPOSITO, 2017), além de abrangerem — ou mesmo, em algumas vezes, se contraporem à implantação de — lógicas globais que tendem a instituir novos espaços de semelhança e de diferença (AMORIN, 2013). Neste contexto, diversos agentes passam a integrar mais que nunca as cidades médias, que passam a ser alvo de investimentos de empresas cada vez mais articuladas com as escalas nacional e global, e que passam a influenciar nas dinâmicas locais e regionais a partir de suas estratégias locacionais. Entende-se, 17 portanto, que estes ramos de atividades econômicas — comerciais, industriais e de serviços — passam a ser peças chaves para a compreensão das novas relações e dinâmicas que fazem parte da reestruturação urbana, em especial no caso destas cidades médias (SPOSITO; SPOSITO, 2017). Dentro destes núcleos, as consecutivas reestruturações econômicas atingem também o âmbito intraurbano — gerando uma reestruturação da própria cidade (SPOSITO, 2005; 2007) — e passam a configurar novas tendências geográficas que vão contribuir para com a reprodução cada vez mais ampla e dinamizada da lógica capitalista. Desta forma, as cidades médias passam a se adequar à chegada de diversas tecnologias e estruturas, como foi o caso do automóvel e é o caso dos meios informacionais, além de empreendimentos econômicos como os hipermercados e os shopping centers (SILVA, 2008). As novas dinâmicas afetam diretamente a atratividade dos espaços urbanos perante os indivíduos que experenciam e constituem a cidade. Defende-se, além disso, que dentro das análises sobre a reestruturação da cidade é pertinente estimular também uma reflexão sobre os papéis dos centros urbanos e das centralidades urbanas, principalmente por representarem não apenas espaços que exercem atratividade sobre as demais partes do tecido urbano, mas também “os nós, as convergências e as dispersões, as conexões e as articulações, os lugares das decisões e comandos, os lugares de encontros, ou seja, a essência das cidades” (SILVA, 2006, p. 214). Tais espaços centrais sempre estiveram em constante transformação tanto em relação às formas quanto seus usos e conteúdos (WHITACKER, 2017), mas com a produção da própria cidade sob novas lógicas, surgem novas centralidades, assim como redefinições das pré-existentes, em conjunto com diversos processos de centralização e descentralização que modificam o espaço urbano e suas formas de ocupação (SILVA, 2008; WHITACKER, 2017). Na redefinição destes espaços centrais não se pode esquecer, porém, que também existem disputas de interesses e embates entre diversos agentes, envolvendo principalmente os grupos dominantes, as grandes empresas, as incorporadoras, os proprietários de terras, o Estado e seus possíveis incentivos etc. (CORRÊA, 2004; OLIVEIRA JÚNIOR, 2008; SPOSITO, 2013). As novas centralidades, ainda, vão implicar em novas funções e novas formas de acessibilidade, o que não acontece da mesma forma para todos os grupos sociais 18 dentro do urbano, por diversas questões, como o poder aquisitivo e o padrão de consumo das pessoas que frequentam os espaços, ou mesmo da dificuldade em locomover-se pela cidade. Ou seja, as reestruturações no tecido urbano também passam a exprimir centralidades que são socialmente segregadas e segregadoras (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008). Ademais, como as cidades médias estão enfrentando diversas mudanças nas últimas décadas — principalmente por serem “jovens” em comparação às metrópoles e estarem passando por processos econômicos que estas já passaram há tempos (SPOSITO, 2013) — é evidente que também são e serão fortemente atingidas pelas reestruturações em suas centralidades, assim como ocorrem e ocorrerão segregações sociais e espaciais em decorrer disso. Sposito (2013), neste sentido, identifica tais tendências em cidades médias como Mossoró/RN, Marabá/PA, Dourados/MS, Uberlândia/MG, Londrina/PR, Bauru/SP, Chapecó/SC etc. Portanto, mesmo com as particularidades de cada cidade média a ser estudada, parte-se de uma tendência de superação das estruturas monocêntricas no tecido urbano, isso não apenas por conta da modernização e da ampliação do acesso aos transportes, ou mesmo da expansão em população e extensão das cidades, mas também por conta das novas e (mais) contraditórias formas de produção do espaço urbano. Isso faz com que as centralidades sejam muitas e sejam diversas dentro das cidades, algumas vezes se localizando inclusive em áreas periféricas, configurando cada vez mais cidades multicêntricas ou policêntricas (SPOSITO, 2013). Analisando mais profundamente essas alterações, é possível afirmar que estão diretamente ligadas, dentre outros fatores, aos novos padrões de organização espacial dos equipamentos comerciais e de serviços (SPOSITO, 1998), que vão transformando a economia, a forma de consumir e de lazer dos sujeitos, assim como seus próprios vínculos com a cidade em seu cotidiano. Em síntese, sem desconsiderar que há também, questões muito complexas referentes ao planejamento urbano e aos interesses e narrativas em disputa dos agentes envolvidos, [...] são os novos papéis determinados às cidades médias no processo de mundialização do capital que impelem nestas cidades a necessidade de criar novas áreas centrais, tornando as cidades médias atrativas à localização de novos artefatos ou equipamentos comerciais e de serviços pautados em novos fluxos, materiais e imateriais, de capital e mercadorias que reproduzem novos signos, 19 idéias, valores, contradições, discursos, dentre outros” (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008, p. 218). Sobre os agentes econômicos em específico, Sposito e Sposito (2017, p. 468) argumentam que as empresas são orientadas por “lógicas” — maneiras de se pensar, de se organizar, considerando a racionalidade que as cerca, neste caso no sentido econômico — dotadas de planejamento, intencionalidade, mensurações, avaliações e reavaliações que permitam optar por escolhas mais acertadas, que “[...] visam, em princípio, diminuir custos e ampliar as bases territoriais de sua ação [...]”. Os autores discutem, entretanto, que apenas a partir de ações efetivas, tanto no espaço quanto no âmbito político, é que se viabilizam tais lógicas econômicas das empresas, que não deixam de ser espaciais. Os mesmos autores, ainda, apontam que mesmo que existam contextos diferentes dos quais as lógicas espaciais das empresas são colocadas em prática, elas continuam sendo gerais, uma vez que possuem características: geométricas, relativas às configurações criadas no espaço a partir das escolhas; imperiosas, visto que subjugam outros interesses na sociedade e se impõem como lógicas únicas; dominantes, porque ditam interesses capitalistas sobre os espaços; e cartesianas, pois buscam sempre maneiras de ampliar espacialmente o alcance da reprodução econômica das atividades econômicas (SPOSITO; SPOSITO, 2017). Argumenta-se, desta forma, que é imprescindível analisar e refletir sobre como atuam os agentes econômicos e como estão localizadas as atividades econômicas territorialmente no tecido urbano das cidades médias, isso porque contribuem de uma maneira muito significativa para a reestruturação tanto das centralidades nas cidades, quanto para a própria reestruturação urbana. Neste sentido, Camagni (2005), ao defender um “espaço econômico” presente no urbano, afirma que existem certas determinações em relação às lógicas que orientam as escolhas de localizações das atividades econômicas, sendo elas: acessibilidade, que remete às condições de movimento das pessoas e das mercadorias; aglomeração, em que a localização se dá por proximidade com outras atividades econômicas; competitividade, que incentiva uma hierarquia tanto na rede urbana como na cidade, e que produz tanto conflitos como complementaridades; a interação espacial, na qual se realizam diversas relações em torno dos principais focos econômicos das cidades (SPOSITO, 2018). 20 As análises feitas a partir dos resultados em relação à localização das atividades econômicas no tecido urbano das cidades médias de Maringá/PR e Dourados/MS levarão em conta, portanto, quais destas determinações mais se destacam em relação às lógicas percebidas nas mudanças em relação à morfologia, especialmente no que diz respeito às suas respectivas áreas centrais. 2.2 AS FORMAS DA CIDADE, SUAS FUNÇÕES E A TEMPORALIDADE O conceito de “morfologia” normalmente é atrelado aos campos da Biologia e da Linguística, vinculado especialmente às análises sobre a forma dos organismos e das palavras, respectivamente. Já quanto às morfologias urbanas, tende-se a superar a abordagem da forma como apenas geométrica e/ou plástica, especialmente porque essa adjetivação denota o próprio processo de produção do espaço urbano, que se reflete na organização e nas configurações do tecido urbano materializado nas cidades (WHITACKER; MIYAZAKI, 2012). A ideia de forma, considerando a Geografia, deveria, portanto, compreender mais do que apenas a observação das formas, mas também dos processos que as criam e tanto de estruturas quanto de novos processos socioespaciais que são reproduzidos por elas (WHITACKER; MIYAZAKI, 2012). Sob a perspectiva de Lefebvre (1999), tais formas podem ainda estar relacionadas com as relações de poder que permeiam a cidade, visto que a disposição espacial dessas formas é uma expressão das ideologias e das ações dos diversos agentes que produzem e disputam o espaço urbano. Whitacker e Miyazaki (2012), argumentam que os estudos que consideram a Morfologia Urbana permitem que sejam realizadas comparações tanto espaciais quanto temporais, visto que o tecido urbano é estabelecido no decorrer do tempo e é constituído de combinações entre o “novo” e o velho” — os autores, inclusive, aproximam essa ideia com o conceito de rugosidade proposto por Santos (2006) — o que permite que seja analisada sua evolução, ou melhor, como se configura em um mosaico que imbrica espaço e tempo. Santos (1978), no mesmo sentido, ao apresentar suas concepções sobre o espaço na Geografia, argumenta que as formas representam as relações sociais — que são extremamente desiguais — ao longo do tempo e do território. Ainda, afirma que se manifestam também por meio de suas respectivas funções, ou seja, os papéis, 21 as atividades e “tarefas” desempenhadas por tais formas, que também se alteram no decorrer do tempo e em decorrência dos grupos sociais que delas se apropriam. Para o autor, portanto, a forma sempre aponta para uma função relacionada, isso porque ela precisa de um “significado”, que vai ser mediado pelo desenvolvimento técnico, pelas demandas sociais e econômicas, por aspectos culturais etc. A partir disso, afirma-se que neste trabalho os estabelecimentos comerciais investigados de acordo com sua localização no tecido urbano são entendidos como formas espaciais que não se desvinculam de suas funções, as atividades econômicas desenvolvidas nestes espaços, suas características e sua concentração. Tendo as dimensões histórica e processual como fundamentais para a compreensão das formas urbanas, de seus conteúdos, dos processos que as produziram e são produzidos por elas, assim como a função que desempenham no âmbito do intraurbano, é que se propõe neste trabalho uma análise das formas produzidas especialmente por agentes econômicos nas cidades médias estudadas, assim como sua evolução em meio às reestruturações (econômica, urbana e da cidade), considerando também como se constituem as áreas centrais nestes espaços. 3 METODOLOGIA O terceiro capítulo deste trabalho tem como objetivo expor as principais bases metodológicas e as maneiras em que foram aplicadas nas investigações que buscam atingir os objetivos estabelecidos para a pesquisa. Para tanto, foi necessário fragmentá-lo em três subdivisões que versam sobre: (1) a metodologia que considera dados de endereço de empresas presentes no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos no ano de 2010, e que resultou no mapeamento da concentração destes estabelecimentos; (2) a metodologia desenvolvida por pós-doutorandas do projeto temático FragUrb, que com procedimentos muito semelhantes aos da anterior, leva em conta dados do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, desta vez em uma série histórica; (3) a metodologia por trás das atividades mais práticas de pesquisa, como foi o caso dos trabalhos de campo em Dourados/MS e Maringá/PR e das entrevistas realizadas em associações comerciais destas cidades. 22 3.1 CNEFE-CNAE Um dos desafios propostos a este trabalho, que é enfatizado desde o primeiro relatório de pesquisa, é o de montar um banco de dados que contemple as empresas de cada uma das cidades médias pesquisadas, além de suas localizações dentro do espaço urbano, visto que buscamos, deste modo, analisar as estratégias de distribuição dos principais agentes do consumo e suas relações com o espaço conformando em uma reestruturação urbana, e principalmente de reestruturação da própria cidade. A partir desta demanda, foi utilizada uma metodologia já desenvolvida anteriormente no Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR), proposta por diversos autores — como Whitacker (2003), Miyazaki (2013), Porto-Salles et al (2014) e Carli (2016) — considerando dados do Cadastro Nacional de Endereços para fins Estatísticos (CNEFE), levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo organizados e reclassificados manualmente pelo próprio pesquisador segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Esta forma de trabalhar somente é viável neste caso, porém, a partir de uma possibilidade que foi apontada, dentre outros trabalhos, por Whitacker (2017), quando afirma que é viável ponderar sobre as centralidades urbanas ao ser investigada a concentração das atividades econômicas no tecido urbano. Ou seja, estas atividades seriam um dos indicadores de centralidade, visto que apresentam espaços conectados e articulados de uma forma mais complexa com a cidade, sendo lugares de comando no urbano e de encontro de muitos indivíduos para as mais diversas finalidades, dentre elas o consumo, a socialização e o lazer, o trabalho etc. A presença de tantas informações permitiu que cada atividade econômica fosse identificada e analisada, mas também localizada e georreferenciada em mapas, por meio de ferramentas presentes em softwares de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), em que também foi possível calcular a concentração destes estabelecimentos, considerando o método da Estimativa de Densidade de Kernel. Portanto, nesta parte do texto serão abordados as principais práticas e temáticas que envolvem os procedimentos metodológicos, desde o percurso histórico das fontes de dados utilizadas, até como são estruturadas e funcionam, os desafios que proporcionaram e as opções escolhidas para resolvê-los. 23 3.1.1 História, características e possibilidades O Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), levantado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é uma base de dados pública e disponível para download a todos que possuam interesse, criada a partir de um levantamento que tem início e é aperfeiçoado entre os Censos Demográficos de 2000 e 2010 (PORTO-SALES et al, 2014). Neste estudo, publicado em 2012 como resultado do Censo Demográfico de 2010, todos os endereços são compostos pelas categorias evidenciadas e exemplificadas no Quadro 1. Todos estes dados detalhados sobre as localidades do urbano são separados pelo CNEFE em diversas variáveis elencadas de 1 a 7 na seguinte ordem: domicílios (1); estabelecimentos domiciliares coletivos (2); estabelecimentos agropecuários (3); estabelecimentos de ensino (4); estabelecimentos de saúde (5); estabelecimentos de outra finalidade (6) e edificações em construção/reforma (7) (IBGE, 2013). Para este trabalho foram selecionadas e analisadas apenas as variáveis 4, 5 e 6: as duas primeiras por representarem espaços (escolas, hospitais, consultórios médicos etc.) que atraem grande público e geram muitos movimentos no urbano, e a última por conter praticamente a totalidade dos endereços empresariais, de comércio e de serviços. Quadro 1: Categorias presentes nos dados fornecidos pelo CNEFE/IBGE Código do setor censitário Unidade territorial para coleta de informações censitárias Tipo de logradouro Ruas, avenidas, vielas, vias, rodovias, becos etc. Título de logradouro Prefeito, Coronel, Presidente, Vereador, Professor etc. Nome de logradouro Nome da via, definido pela Câmara de Vereadores do município Número do lote Numeração do estabelecimento, quando houver. Modificadores Frente, fundos, térreo, andar, número/letra de apartamento etc. Localidade Bairros ou zonas 24 Variável De 1 a 7, segundo o perfil do endereço (domiciliar, coletivo, rural, de ensino, de saúde, econômico ou em construção Identificação do estabelecimento Descrição do que existe naquele endereço Indicação de domicílio individual ou coletivo Número 1 para domicílio e número 2 para pousadas, hotéis, albergues, abrigos etc. Números da quadra e face Registro legal do terreno em cartório Código de Endereçamento Postal (CEP) Código para localização espacial de serviços postais Elaborado pelo autor. Esta riqueza de detalhes sobre os endereços da cidade permitiu, portanto, que se estabelecessem e quantificassem as localizações dos principais pontos de centralidade das cidades de Maringá/PR e Dourados/MS. Isso principalmente porque a categoria “Identificação do estabelecimento” permite, na maior parte dos casos, ponderar sobre qual atividade econômica é exercida naquele espaço, momento que se torna essencial a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A CNAE, por sua vez, surge, mesmo que de forma diferente da atualidade, de uma tendência internacional de padronizações nas classificações, comandada desde os anos 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU), visando uma comparação mundial de índices. Na década de 1990 cria-se, no âmbito do IBGE, a Comissão Nacional de Classificação (CONCLA), que atualiza e publica as normas de classificação das atividades econômicas, assim como outras diretrizes para inúmeros tipos de ordenamentos (BRASIL, 2006, p. 4). As últimas publicações consideram uma estrutura hierárquica, dividida em cinco níveis, respectivamente: seções, divisões, grupos, classes e subclasses, o primeiro com um código alfabético e os demais com códigos numéricos. Uma delimitação foi necessária, entretanto, para a construção do banco de dados, considerando apenas os três primeiros níveis, tanto pelo limite das informações obtidas com as identificações dos endereços no CNEFE, que não oferecem, muitas vezes, detalhes sobres as atividades desenvolvidas nos estabelecimentos, quanto pelo tempo hábil de pesquisa, que não atenderia a demanda para a organização de tantas classes. 25 Segue, já no Quadro 2, o nível das seções e a quantidade de divisões e grupos que estas englobam, de acordo com a CNAE 2.3, utilizada nas classificações da pesquisa. Quadro 2: Seções, divisões e grupos da CNAE 2.3/CONCLA Seções Denominações das seções Divisões Grupos A Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura 01 - 03 011 - 032 B Indústrias extrativas 05 - 09 050 - 099 C Indústrias de transformação 10 - 33 101 - 332 D Eletricidade e gás 35 351 -353 E Água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação 36 - 39 360 - 390 F Construção 41 - 43 411 - 439 G Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas 45 - 47 451 - 478 H Transporte, armazenagem e correio 49 - 53 491 - 532 I Alojamento e alimentação 55 - 56 551 - 562 J Informação e comunicação 58 - 63 581 - 639 K Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados 64 - 66 641 - 663 L Atividades imobiliárias 68 681 - 682 M Atividades profissionais, científicas e técnicas 69 - 75 691 - 750 N Atividades administrativas e serviços complementares 77 - 82 771 - 829 O Administração pública, defesa e seguridade social 84 841 - 843 P Educação 85 851 - 859 Q Saúde humana e serviços sociais 86 - 88 861 - 880 R Artes, cultura, esporte e recreação 90 - 93 900 - 932 S Outras atividades de serviços 94 - 96 941 -960 T Serviços domésticos 97 970 U Organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais 99 990 Fonte: IBGE (2002). Portanto, dentro da metodologia utilizada e proposta, seguem exemplos de como funciona o processo de classificação para diversos tipos de atividades 26 econômicas, partindo das identificações dos estabelecimentos (em caixa alta, assim como disponibilizados pelo IBGE): • Um estabelecimento identificado como “CASA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇAO” é colocado na seção G (comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas), na divisão 47 (comércio varejista) e no grupo 474 (Comércio varejista de material de construção); • Um estabelecimento identificado como “FABRICA DE SAPATOS” é colocado na seção C (indústrias de transformação), na divisão 15 (preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para viagem e calçados) e no grupo 153 (fabricação de calçados); • Um estabelecimento identificado como “DENTISTA” é colocado na seção Q (saúde humana e serviços sociais), na divisão 86 (atividades de atenção à saúde humana) e no grupo 863 (atividades de atenção ambulatorial executadas por médicos e odontólogos); • Um estabelecimento identificado como “ESCRITORIO DE CONTABILIDADE” é colocado na seção M (atividades profissionais, científicas e técnicas), na divisão 69 (atividades jurídicas, de contabilidade e de auditoria) e no grupo 692 (atividades de contabilidade, consultoria e auditoria contábil e tributária); • Um estabelecimento identificado como “LANCHONETE” é colocado na seção I (alojamento e alimentação), na divisão 56 (alimentação) e no grupo 561 (restaurantes e outros serviços de alimentação e bebidas). Tendo todos os dados do CNEFE reclassificados em relação à CNAE, consequentemente é possível, além de localizar os estabelecimentos dentro do tecido urbano, também os qualificar e aprofundar os argumentos sobre o comportamento das centralidades urbanas, dizendo não apenas que elas existem, mas do que são constituídas ou se possuem estabelecimentos com alguma especialização/função específica. Por fim, destaca-se que, como Apêndice 1 deste trabalho, consta um esforço de compilação dos passos para desenvolver um banco de dados que considere dados CNEFE reclassificados segundo à CNAE, o que pode ser uma contribuição para o desenvolvimento de produções futuras, tendo em vista que são apresentados os 27 procedimentos de forma detalhada e levando em conta plataformas e softwares atualizados. 3.1.2 Os desafios metodológicos e as maneiras de enfrentamento Apesar de ser uma ótima ferramenta metodológica, o CNEFE apresenta alguns desafios quanto às identificações dos estabelecimentos, por conta da dimensão interpretativa muito forte dos recenseadores em sua atuação, fazendo com que não exista uma uniformidade nos dados. Ocasionalmente, por conta disso, ocorrem casos de uma atividade ou um estabelecimento ter várias denominações, e um exemplo são os postos de combustível, que podem ser encontrados denominados por “GASOLINA”, “POSTO”, “POSTO DE GASOLINA”, “COMBUSTIVEL”, “POSTO DE COMBUSTIVEL”, “VENDA DE GASOLINA”, “VENDA DE COMBUSTIVEL”, entre muitos outros. Estas situações não são propriamente um desafio, apenas deixando mais complexa a classificação, sendo decidido, por conta disso, não padronizar estes dados, mantendo e evidenciando o que foi publicado pelo IBGE. O contrário também pode acontecer, com atividades diferentes tendo mesmas denominações, como é o caso da identificação “DESPACHANTE”, que pode exprimir tanto a atividade de despachante aduaneiro (seção H, divisão 52 e grupo 525) quanto a de despachante documentalista (seção N, divisão 82 e grupo 829). Nestes episódios optou-se por pesquisar alguns dos endereços na ferramenta Street View do Google Maps, e quando mesmo assim não era possível fazer uma identificação mais precisa, optou-se por classificar parcialmente (apenas em seção e divisão) ou fazer uma amostragem com os estabelecimentos que conseguiram ter suas atividades identificadas e aplicar a proporção para os demais. Dentro desta problemática, ainda, aparecem as identificações que possuem uma generalidade muito forte, como por exemplo: “COMÈRCIO” (varejo ou atacado?) “LOJA” (o que vendem?), e “VENDA” (de qual produto?). Foi decidido como solução classificar as atividades econômicas presentes nestes endereços apenas parcialmente, considerando somente a seção ou a seção e a divisão. Ainda, endereços que apareciam como "VAGO", "FECHADO" ou "EM CONSTRUÇÃO", assim como locais que não eram atividades econômicas ou classificáveis pela CNAE, foram descartados. Também são recorrentes as 28 denominações incompletas e os erros de digitação, que, na maior parte das vezes, podem ser distinguidos na primeira observação, mas que, quando inconclusivos, também foram levados à ferramenta Street View ou pesquisados. Outro desafio é o de lidar com cadastros de duas ou mais atividades econômicas estando presentes no mesmo endereço, como por exemplo “BAR E LANCHONETE”, “PADARIA E MERCEARIA”, “BAR E DANCETERIA” e “OFICINA PET SHOP MERCADO”. Nestes acontecimentos, foi decidido priorizar as atividades, duplicando os endereços e contemplando tudo que é desenvolvido no local. Por fim, os shopping centers se mostraram uma dificuldade, visto que, mesmo comportando diversos estabelecimentos e atividades econômicas, são caracterizados no CNEFE, na maior parte das vezes, como apenas um endereço. Foi decidido, então, consultar a quantidade de shopping centers presentes em cada uma das cidades estudadas por meio da Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCe) e, a partir dessa informação, levantar a quantidade de lojas em cada empreendimento por meio de seus endereços eletrônicos oficiais. Todos esses estabelecimentos comerciais foram classificados e incorporados aos endereços do CNEFE. 3.1.3 O trabalho de mapeamento Para que fosse feita a geocodificação2 dos endereços das atividades econômicas de cada cidade estudada nesta pesquisa, portanto, foi utilizada uma extensão presente no software QGIS, a “HQGIS/HERE GEOCODE API” da empresa HERE Technologies. Ela possibilita — após o credenciamento na plataforma e o resgate de uma chave gratuita de acesso — o processamento de cerca de 800 endereços por vez, criando uma camada com um ponto para cada uma das localidades. Por conta das especificidades desta ferramenta, uma nova visita às tabelas dos bancos de dados das cidades de Dourados/MS e Maringá/PR foi necessária, adicionando três colunas aos dados de endereço: uma para o nome da cidade e as outras para a unidade da federação e para o país. Além disso, as colunas “Tipo de 2 Como parte desta etapa da metodologia CNEFE-CNAE, foram levadas em conta as contribuições das pesquisadoras de pós-doutorado, com bolsas vinculadas ao projeto temático FragUrb: Dr.ª Vanessa Moura de Lacerda Teixeira e Dr.ª Késia Anastácio Alves da Silva. Mesmo que todos os mapas e toda a fase de organização dos dados tenham sido elaborados pelo autor deste trabalho, grande parte dos procedimentos foram desenvolvidas pelas pós-doutorandas. 29 logradouro”, “Título de logradouro”, “Nome de logradouro” e “Número do Lote” foram aglutinadas/concatenadas agora em apenas uma coluna. Por fim, os bancos de dados são separados em novos arquivos de tabelas contendo até 800 endereços cada. Continuando, quando já tratadas de forma adequada, essas planilhas são transformadas de Arquivo do Excel (.xlsx) para arquivos .csv, para que possam ser adicionadas como camadas no QGIS e assim utilizadas pela extensão HQGIS. Ao fim do processo de geocodificação é preciso conferir os resultados e, caso algum endereço não tenha sido encontrado, torna-se necessária a inserção manual do ponto no mapa. É possível, a partir daí, salvar essa camada de pontos em um arquivo shapefile e, quando todos os pontos de uma cidade são processados, mesclar/unir todas as camadas geradas em apenas uma só. Finalmente, para que os mapas de concentração sejam obtidos, é preciso que um sistema de referência de coordenadas plano e adequado para a área de estudo seja adotado e que se utilize a ferramenta “Mapa de calor” do QGIS, que vai considerar o método de Estimativa de Densidade de Kernel3, definindo as áreas de maior ou menor concentração de atividades econômicas na área urbana da cidade em questão. 3.2 BANCO DE CNPJ Os recortes estabelecidos para esta metodologia4 são de um balanço feito entre as aberturas e baixas de CNPJ considerando datas chave que concentram alterações em certos períodos: 1990, com movimentações entre os anos de 1970- 1990, abarcando dados a partir da instituição do antigo Cadastro Geral de Contribuintes (Lei 5.614/70); 2000, com variações entre 1991-2000; 2010, apresentando alterações entre os anos de 2001 e 2010; 2021, representando 3 É um método de interpolação de dados que considera a intensidade pontual de um determinado fenômeno em um recorte específico de estudo. Para que seja executada essa função, é necessário um arquivo vetorial do tipo ponto, que esteja configurado em coordenadas planas, e a definição de um raio (em metros) da qual a intensidade de pontos vai ser analisada. A partir destes procedimentos, uma camada matricial é gerada com um “mapa de calor”, inicialmente em tons de cinza, mas com padrões de cores — que vão da menor concentração de pontos até a maior — adaptáveis ao uso escolhido. 4 Assim como no caso dos dados CNEFE-CNAE, o trabalho com as informações referentes aos registros do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) foi desenvolvido por pós-doutorandas associadas ao projeto temático FragUrb, especialmente: a Dr.ª Késia Anastácio Alves da Silva, a Dr.ª Natália Daniela Soares Sá Britto e a Dr.ª Paula Neumann Novack. Destaco, inclusive que, publicações com melhor detalhamento sobre a construção desta metodologia por tais pesquisadoras encontram-se no prelo. Portanto, será apresentada neste trabalho de conclusão de curso apenas uma síntese do que se consistem estes dados e como foram trabalhados. 30 modificações entre o ano de 2011 e o ano de 2021, sendo este o período com maior abertura de registros, especialmente pelos esforços governamentais em baratear e simplificar a criação e a legalização de empresas. É importante salientar, em vista disso, que são indicadores com características completamente diferentes dos obtidos com a metodologia CNEFE- CNAE, especialmente por dizerem respeito à variação da presença de atividades econômicas — que não necessariamente se constituem em estabelecimentos comerciais, industriais ou de serviços no tecido urbano das cidades — no tempo e no endereço que lhes foi associado no momento do registro. Porém, assim como foi feito em relação aos dados CNEFE-CNAE, este imenso conjunto de informações foi mapeado, considerando etapas muito similares: sistematização do banco de dados, georreferenciamento destes dados considerando o endereço fornecido no cadastro, utilização de ferramentas em softwares de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para aplicação da Estimativa de Densidade de Kernel e a criação de mapas de concentração (também comumente chamados de mapas de calor). 3.3 TRABALHOS DE CAMPO E ENTREVISTAS COM ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS Com o objetivo de aprofundar e melhor discutir as informações produzidas em relação aos dados secundários obtidos, foram feitos três trabalhos de campo. Dois deles na cidade de Maringá/PR: o primeiro ocorrendo ainda no ano de 2020, entre os dias 22 e 24 de janeiro, no qual foram visitados os principais shopping centers e espaços comerciais, assim como o centro da cidade, além de ser realizada uma entrevista semiestruturada com um representante da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM); o segundo ocorrendo já em 2022, após a redução das medidas de restrição sanitárias em relação à pandemia de Covid-19, entre os dias 28 e 30 de março, no qual foram feitos trajetos pelas principais áreas de concentração de atividades econômicas — observadas nos resultados da metodologia CNAE- CNEFE —, tendo como produto anotações de campo e fotografias. Já tendo como foco a cidade de Dourados/MS, foi realizado um único trabalho de campo, entre os dias 20 e 24 de março de 2022, durante o qual foi visitado o Shopping Avenida Center de Dourados e foram privilegiados trajetos pelas áreas que se destacaram como maiores aglutinadoras de atividades econômicas. Para mais, 31 foram feitos contatos para que se realizasse uma entrevista semiestruturada com representantes da Associação Comercial e Empresarial de Dourados (ACED) em que estavam presentes também outros agentes locais bem-informados — o atual secretário municipal de desenvolvimento e um professor universitário aposentado que já foi secretário da indústria, comércio e serviços da cidade —, sendo realizada apenas em 24 de maio de 20225. Nas entrevistas realizadas em cada uma das associações comerciais locais, foram abordados temas como: perfil do entrevistado; perfil e atividades da entidade; visão da associação sobre o crescimento e a economia da cidade; visão sobre o centro da cidade; relação com agentes políticos etc. Os roteiros de entrevista utilizados constam nos Anexos 1 e 2, assim como consta no Anexo 3 um relato sobre a entrevista realizada em Dourados/MS. 4 AS PARTICULARIDADES DE CADA CIDADE ESTUDADA Neste quarto capítulo serão abordadas especificidades em relação às cidades médias estudadas no trabalho. Cada cidade corresponde, portanto, a um subcapítulo que discute — a partir de produções relativamente atuais, levantadas em pesquisas bibliográficas —, sua formação socioespacial; a influência e os papéis desempenhados na rede urbana; a chegada de grandes empreendimentos comerciais; a conformação das áreas centrais e das centralidades que se expressam, assim como a visão dos agentes econômicos e políticos locais sobre tais temas. 4.1 MARINGÁ/PR A cidade média de Maringá é localizada no norte do estado do Paraná (Figura 1) e, de acordo com a pesquisa “Região de Influência das Cidades” de 2018, é tida como uma Capital Regional B que desempenha um papel importante na rede urbana da região em que faz parte, influenciando diretamente em 108 outros núcleos urbanos, sem deixar de ter relações com a metrópole regional de Curitiba/PR e com a metrópole nacional de São Paulo/SP (IBGE, 2020). 5 Com a colaboração do Dr. Hamilton Romero e da Prof.ª Dr.ª Maria José Martinelli Silva Calixto, ambos pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e ligados ao projeto temático FragUrb. 32 Figura 1: Conjunto de mapas com a malha urbana e a localização da cidade de Maringá/PR Fonte: Open Street Map, 2021; IBGE, 2010. Organizado por Igor Adriano Sufi. Parte dessa influência tem origem no fato de Maringá/PR ser um grande polo fornecedor de bens e serviços, que abrange tanto sua população quanto sua vasta área de influência. Ghizzo e Ribeiro (2016), a partir disso, contribuem argumentando que desde a consolidação do município fortemente enraizada na produção cafeeira — ou seja, desde os primeiros planos da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) para a reocupação e urbanização destes espaços — a cidade foi planejada para ser protagonista e ter um papel de comando em relação aos núcleos urbanos próximos, o que faz com que ainda atualmente a cidade se destaque principalmente no setor terciário. A cidade, já na década de 1950 polarizava o fornecimento de produtos industrializados e tinha um comércio muito atuante, tanto no setor varejista quanto no atacadista. Ainda, para que esse papel estratégico na rede urbana fosse possível, foram feitos diversos investimentos nas próximas décadas, tanto do poder público 33 quanto do privado (GHIZZO; RIBEIRO, 2016) em certas áreas específicas, o que aconteceu majoritariamente nos anos 1970 com a ampliação das rodovias. Silva (2008), neste mesmo caminho, evidencia que as grandes obras, ou mesmo os principais projetos de reestruturação que exigiram altos investimentos em infraestrutura, foram implementados principalmente no Centro Principal e no projeto Novo Centro, que são contíguos. Todas estas políticas, portanto, acabam influenciando no reforço de uma centralidade mais polarizada em um centro tido como tradicional, ainda que existam zonas — e não eixos, como acontece em outras cidades, sendo Londrina/PR um exemplo, segundo Silva (2008) — de expansão dele. Ainda no final da década de 1980 e início da década de 1990, porém, começam a chegar empreendimentos econômicos, como os shopping centers e os hipermercados, dinamizando, diversificando e complexificando ainda mais as relações de consumo no âmbito local e regional. Sobre isso, Whitacker (2017) afirma que principalmente as inaugurações mais recentes — do Catuaí Shopping Maringá e do Shopping Cidade Maringá — contribuem para uma certa expansão do centro tradicional da cidade, pois se localizam nas extremidades de vias que possibilitam seu acesso. A variedade na oferta de produtos também chega ao comércio atacadista, que ganha força em Maringá/PR na década de 1990, com destaque para os shopping centers atacadistas de confecções, que consolidam a cidade como um dos principais polos atacadistas em moda no país. Asalin (2014) contribui para o debate ao afirmar que, mesmo que este setor influencie em uma centralidade urbana não tão polarizada quanto o centro tradicional, suas dinâmicas espaciais divergem do restante da cidade e não dialogam tão bem com circuito econômico local. Isso principalmente pelo público que tais empreendimentos atraem, constituído de compristas/lojistas de todo o estado do Paraná e do Brasil, não sendo necessariamente de consumidores locais. Em suma, o que se pode dizer com base no que já foi escrito sobre as dinâmicas centrais de Maringá/PR é que existiria, de fato, uma reestruturação da cidade e, da mesma forma, áreas alternativas ao centro principal, mesmo que suas ocorrências sejam muito sutis e ligadas às centralidades já previamente existentes. Isso porque o centro principal continua tendo o papel mais importante na articulação com as demais áreas do tecido urbano e são poucos os espaços de grande abrangência quanto ao consumo que estão em outras localizações (SILVA, 2008; 2010). 34 Essa prevalência do centro de Maringá/PR como principal teria relação, segundo Silva (2010, p. 40-41) com a cidade e “[...] suas formas, [que] permitem que haja um maior espraiamento das atividades funcionais por meio de avenidas que se comportam como indutoras e que terminam por não saturar o Centro Principal [...]”, pelo contrário, acabam o reforçando e agem como indutoras de expansões centrais, visto que a maior parte das atividades econômicas ainda prefere o centro principal para se estabelecer. Para mais, é preciso ter em mente que existem estratégias de atuação dos agentes econômicos — que fazem parte destas centralidades discutidas até o momento — no que diz respeito ao intraurbano. Neste sentido, a entrevista com um representante da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM) revela que são diversas as parcerias entre os agentes econômicos e a Prefeitura Municipal, em âmbitos que muitas vezes se confundem: [...] está tendo uma lei lá na Câmara Municipal que um vereador apresenta, que vai prejudicar o comércio. Nós atuamos diretamente sobre aquilo, fazendo pesquisa, levantamento do impacto negativo ou positivo que aquilo traria. Se for positivo, nós estamos dentro, estamos apoiando. Se for negativo, nós vamos lá e apresentamos que isso precisa ser refeito, se isso não foi analisado. [...] Além do Observatório Social de Maringá, que foi criado pela ACIM, e está dentro da nossa estrutura. E ele faz o quê? Ele fica analisando os editais da prefeitura. Então, ele analisa todos os critérios, se tem alguma coisa que não está sendo cumprida, ou se não está claro e objetivo o porquê precisa daquela compra. Nós também, analisamos, levantamos e mostramos para a Secretaria, para o prefeito, para eles somarem as correções. Porque a gente cuida do dinheiro público, é o nosso dinheiro que está sendo gasto ali [...] nós nos preocupamos tanto com esta questão que nós criamos o CODEM, que é Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá, e ele é o grande guardião das nossas vocações e daquilo que a gente quer para a cidade. O que nós víamos que acontecia aqui antes: projetos de prefeito para prefeito, quando mudava a gestão, um abandonava, não dava prosseguimento e a cidade só perde com isso. Então, o CODEM foi criado para isso, para cobrar do poder público também: “olha, esse projeto foi concebido, tem futuro, tá dando certo, vamos continuar”. É praticamente um plano de governo que a gente entrega pro governo municipal [...] (Gerente Institucional da ACIM. Entrevista realizada pelo autor, pessoalmente, em janeiro de 2020, sendo transcrita em fevereiro de 2020). Por fim, é importante destacar que, assim como argumenta Corrêa (2004), as empresas também possuem interesses e atuam na produção do espaço urbano, o que é evidente em Maringá/PR quando é dado o ponto de vista da ACIM sobre a 35 expansão/o crescimento da cidade média, deixando clara a defesa de um planejamento urbano que contemple pautas chave para os agentes econômicos, estes que se organizam para reivindicá-las: [...] nós temos [...] o Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial. Nós temos um assento lá, nós somos convidados a participar com um representante. E esses assuntos quando são tratados, esse representante nos traz as informações e tudo mais. Eu sei que tinha até uma ZEIS, Zonas Especiais de Interesse Social. Tinham alguns espaços vazios na cidade que eles queriam criar essas zonas pra construção de prédios de habitação, só que, assim, o nosso representante trouxe a preocupação de a área que estavam querendo ocupar com prédios residenciais para pessoas de baixa renda era uma área que não tinha infraestrutura de serviços da cidade, como, por exemplo, escola, creche, UPA etc. Então nós alertamos o poder público com relação a isso. Ou construiu esses imóveis numa área onde tinha reclamação de mal cheiro, que era onde tinha, sei lá... um matadouro de aves, onde tem três matadouros de aves um do lado do outro, ali perto da saída pra Mandaguaçu, por exemplo. Então nós alertamos isso, que é inviável isso, porque daí as pessoas vão morar lá e vão começar a reclamar. Aí nós vamos ter que fazer o que? Eles vão querer que mude aquelas indústrias de lugar, mas quem estava lá primeiro? A indústria. [...] nós também pensamos no crescimento da cidade, o crescimento ordenado. Nós não queremos [...] nós não queremos crescer um milhão de habitantes. Maringá não quer ter um milhão de habitantes, nós queremos crescer, com qualidade de vida até certo ponto. Depois disso a cidade se torna inviável para as vias que foram planejadas. Como nossa cidade foi planejada desde o início, nós queremos manter esse planejamento, entende? Nós não queremos crescer, crescer... trazer indústrias, indústrias e indústrias, sabe? Nós queremos crescer até certo ponto e manter a nossa qualidade de vida. (Gerente Institucional da ACIM. Entrevista realizada pelo autor, pessoalmente, em janeiro de 2020, sendo transcrita em fevereiro de 2020). 4.2 DOURADOS/MS A cidade média de Dourados se localiza no sul do estado do Mato Grosso do Sul (Figura 2), desempenhando também um papel importante em sua região, visto que é tida como uma Capital Regional C, tendo influência em cidades mesmo fora dos limites estaduais, principalmente nos ramos de serviços, comércio e lazer. É indiscutível, da mesma forma, a enorme relevância das atividades agroindustriais — e de todo um aparato comercial e de serviços que formou e forma para este setor um sistema de apoio — para a consolidação deste papel abrangente na rede urbana (SILVA, 2012). 36 Figura 2: Conjunto de mapas com a malha urbana e a localização da cidade de Dourados/MS Fonte: Open Street Map, 2021; IBGE, 2010. Organizado por Igor Adriano Sufi. Após ser palco da Guerra do Paraguai, na segunda metade do século XIX, a região passa a ter mais atenção dos investimentos nacionais em processos de colonização, especialmente por ser do interesse do Estado brasileiro a consolidação das fronteiras. Ainda em 1882, a cidade já ganha uma grande empresa, a Companhia Matte Laranjeira, que extraía e exportava a erva-mate (SILVA, 2012). É a partir da década de 1940, porém, que as maiores mudanças acontecem. Isso porque a região é atingida pelas políticas de “integração nacional” do governo brasileiro, que tinham o objetivo de ocupar áreas consideradas “vazias”. Aumentam a partir destes estímulos, consequentemente, as oportunidades de negócio para os setores imobiliário e comercial, o que influencia também em um crescimento demográfico (SILVA, 2012; CALIXTO, 2003). Desta época se originam diversas indústrias que visam o beneficiamento dos produtos agrícolas, animais e florestais que já eram anteriormente obtidos (SILVA, 2012). 37 As décadas de 1950 e 1960 são marcadas pela falta de infraestrutura básica, como a de saneamento e rede elétrica adequados, por exemplo. Ainda, havia muita especulação imobiliária, muita presença de posseiros, o que insatisfazia a população, que à propósito crescia em ritmo acelerado. Ainda assim, Dourados/MS já passa a se destacar como um polo regional de comércio e de serviços, principalmente por conta deste aumento populacional, que também fazia crescer o mercado consumidor e, em consequência, a expansão das atividades econômicas (CALIXTO, 2003). É na década de 1970, porém, que mais se intensificam os investimentos para inserir a região no circuito capitalista de produção, o que aconteceu por meio da criação de vias e investimento no setor de transportes, da ampliação da capacidade energética, das políticas de habitação, da modernização do campo etc. (SILVA, 2012). Neste momento, portanto, Dourados/MS se torna um forte expoente de um sistema agrícola tecnificado e com fortes ligações com a indústria, inserindo-se como um espaço especializado na produção de carne bovina e de grãos, atendendo não somente aos interesses regionais, mas também aos mercados nacional e internacional (CALIXTO, 2003). Já nas próximas décadas, devido às transformações do período anterior, a cidade passa a ser conhecida como “Grande Dourados” e ampliam-se as atividades econômicas — com comércio e serviços mais diversos — assim como as atividades essenciais, como saúde e educação. Desta forma, a cidade de Dourados/MS: [...] dinamiza-se, capitalizando recursos dos centros vizinhos, polarizando atividades, sobretudo aquelas ligadas ao consumo de bens e de serviços, consolidando o papel de destaque no contexto regional enquanto prestadora de serviços a este mercado consumidor (SILVA, 2012, p. 109-110). Mais recentemente, já na década de 2000, surge o Shopping Avenida Center de Dourados — a partir de investimentos de empresários de Maringá/PR — fazendo com que a cidade experiencie uma forma diferenciada de consumo, o que segundo Romero (2016) vai reestruturar as centralidades no tecido urbano. O autor assim argumenta, ao evidenciar que após a implementação deste empreendimento, que as proximidades a ele também receberam novos setores comerciais e de serviços, como as concessionárias de carros novos, as agências bancárias, os hotéis, os restaurantes tidos como gourmet e os hipermercados, por exemplo. 38 Mesmo assim, é “[...] importante reforçar que a implantação do shopping center não retirou do centro comercial tradicional o status de principal área de concentração funcional e financeira da cidade” (ROMERO, 2016, p. 95). Whitacker (2017), neste mesmo sentido, comenta que em Dourados/MS ainda se configura um padrão monocêntrico, visto que existe um “[...] reforço da centralidade exercida pelo centro da cidade com a instalação de novos espaços de consumo, como [...] shopping centers e/ou hipermercados, notadamente em posição pericentral” (WHITACKER, 2017, p. 186). Para além do centro tradicional, por fim, os trabalhos já existentes sobre as centralidades nesta cidade também evidenciam que algumas vias estão ganhando novos usos e novas importâncias, como são os casos da Rua Hayel Bon Faker, que passa a concentrar produtos industriais e agrícolas, além de ter muitas lojas de revendas de veículos, e da Avenida Weimar Gonçalves Torres, que passa a concentrar estabelecimentos para públicos específicos, como é o caso das butiques (ROMERO, 2016). Também se destaca, relativamente, a Avenida Presidente Vargas, que corta o município do lado Norte ao centro tradicional. Entretanto, ao se analisar a entrevista realizada na Associação Comercial e Empresarial de Dourados (ACED) — que abarcou o Presidente da associação, o Secretário Municipal de Desenvolvimento e um ex-Secretário Municipal de Indústria Comércio e Turismo de Dourados/MS — por outro lado, é perceptível nas falas destes agentes econômicos e políticos uma visão de que a cidade já se encontra em um processo de descentralização: Dourados descentralizou [...] vai chegar em um ponto que nem é Presidente Prudente, São Paulo mesmo, em que existem centros velhos [...] A cidade está expandindo nos quatro cantos e os bairros cresceram muito também [...] o comércio descentralizou e hoje Dourados está muito forte, está abastecido de atacarejos e de mercados, nós perdemos a característica de centro único, vai ser centro velho. (Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Dourados. Entrevista realizada por Hamilton Romero, pessoalmente, em maio de 2022). Tais afirmativas, que comparecem em consonância com um discurso mesmo saudosista sobre o crescimento da cidade por meio de esforços da associação comercial, também continuam a evidenciar, assim como no caso de Maringá/PR, o 39 intuito dos agentes econômicos em desenvolver ações e planejar em conjunto com os agentes políticos da cidade, ou ainda que no futuro não seja mais necessário mesmo depender da esfera pública municipal para realizar ações determinantes na cidade. É interessante observar, ainda, que a cidade paranaense — no que tange especialmente seu processo de reestruturação produtiva, que culminou em novos papéis na rede urbana, assim como novas dinâmicas intraurbanas — é vista como exemplo a ser seguido por Dourados/MS: [A ideia] não é entregar para o município, mas trabalhar em conjunto [...] Silvio Barros é o ex-prefeito de Maringá que está fazendo a mentoria hoje com o Alan [atual Prefeito Municipal de Dourados] e consequentemente para nós que estamos neste corpo aí. Ele tem trazido para nós expertises que Maringá passou nos últimos 25 anos, que foi quando ele atuou principalmente, e todas elas levaram Maringá a ser o que é hoje, um exemplo a ser seguido, uma das melhores cidades do Brasil para se viver, para se empreender e para se instaurar. A área industrial de Maringá deixou de ser objeto de doação, para você ter uma ideia, para ser disputada por empresas. Por quê? Por conta de uma política pública bem elaborada, em conjunto com a sociedade organizada, para atração. Essa é uma preocupação que é pertinente para o momento atual de Dourados, mas a visão de futuro é que nós não dependamos nem de Estado e nem do próprio município, que o próprio distrito industrial tenha sua força própria, que é o ideal. (Secretário Municipal de Desenvolvimento. Entrevista realizada por Hamilton Romero, pessoalmente, em maio de 2022). Para mais, o shopping center volta à pauta quando é discutida sua relevância para a consolidação de Dourados/MS como um polo regional, bem como os efeitos de sua chegada também no âmbito do intraurbano. Complementando o que é trazido por Romero (2016), o que é discutido é que o empreendimento não apenas alterou as dinâmicas de centralidade na cidade média, mas também o próprio caráter do comércio de rua local, que teria se “reinventado” a partir do estímulo de estar nas proximidades do Shopping Avenida Center e de outras grandes empresas que se instalaram em seu entorno: O shopping realmente foi um marco aqui, o comércio de Dourados anteriormente ao shopping ele era ainda um comércio que tinha um perfil mais provinciano. Não havia uma certa cultura, por exemplo, de investir para dar uma outra cara para o empreendimento “loja”, as lojas no geral eram muito simples. Com a chegada do shopping, ele serve um pouco de referência para estimular o comerciante de rua a investir mais, a mudar um pouco o layout da loja, a aparência da loja, tentando 40 fazer com que a loja se aproxime mais desse padrão de shopping. Isso terminou repercutindo favoravelmente com o nosso comércio, mas acho que o impacto maior do shopping foi também alterar a configuração do centro da cidade, do comércio da área central, porque anteriormente ao shopping o comércio tinha uma delimitação muito acanhada, ficava mais concentrada ali em torno da Praça Antônio João, algumas quadras pra lá, algumas quadras pra cá, era um quadrilátero mais delimitado, com cara de cidade bem do interior, bem simples. [...] o shopping serviu como um atrativo que puxou, de certa forma, também o comércio para a sua vizinhança [...] você tem a abertura de agências bancárias, você tem a abertura de supermercados, a Havan quando decide vir para cá decide se instalar ali também, o supermercado Extra também ali naquela redondeza. [...] Hoje aquela área é praticamente um centro novo, melhor dizendo, é uma extensão do centro tradicional da cidade, que se ampliou enormemente [...] houve também uma elevação de padrão do comércio de rua. (Professor universitário aposentado da UFGD e ex-Secretário Municipal de Indústria Comércio e Turismo de Dourados. Entrevista realizada por Hamilton Romero, pessoalmente, em maio de 2022). Enfim, ao se abordar a possível vinda de um novo shopping center em Dourados/MS, desta vez fora do centro tradicional e próximo aos bairros de alto padrão da cidade — o que poderia significar a tendência de futuras novas reestruturações em relação às centralidades intraurbanas da cidade — comparecem críticas às lógicas espaciais que influenciaram na localização do próprio Shopping Avenida Center, que teria se localizado em áreas menos “nobres”: A localização do shopping talvez não tenha sido a mais apropriada, sobretudo quando nós pensamos no shopping atraindo esses empreendimentos de um padrão mais elevado [restaurantes gourmet]. Afirmo isso porque a área nobre da cidade está localizada da Avenida Marcelino Pires para o Norte, é aí onde se concentra a população de maior poder aquisitivo. Quando se discutiu a vinda deles [empreendedores de Maringá que trouxeram o empreendimento], eu tinha chamado atenção [...] a respeito disso, mas enfim, eles decidiram localizar ali, e ali tem outro agravante, é vizinho da rodoviária [...] eu penso que isso acabou cobrando um preço deles. (Professor universitário aposentado da UFGD e ex-Secretário Municipal de Indústria Comércio e Turismo de Dourados. Entrevista realizada por Hamilton Romero, pessoalmente, em maio de 2022). Ao debruçar-se sobre o que foi apresentado sobre as duas cidades médias que são o recorte deste estudo, percebe-se que: ambas possuem uma vasta influência no que tange as regiões das quais pertencem; nos dois casos os agentes econômicos mostram-se profundamente articulados com o Estado na produção do espaço urbano levando em conta os interesses hegemônicos; as referências levantadas apontam 41 que, para a consolidação destas cidades como centros regionais, os eventos que ocorreram na década de 1970 e os investimentos públicos no modal rodoviário foram chave. Ademais, os diversos autores aqui destacados percebem e evidenciam, cada um à sua maneira, a reestruturação da cidade no decorrer do tempo nas duas conjunturas específicas, assim como mudanças também nas áreas centrais e em suas centralidades. Transformações que foram atreladas especialmente aos empreendimentos como shopping centers e hipermercados. Notoriamente, porém, existem particularidades tanto em Dourados/MS quanto em Maringá/PR no que diz respeito à aspectos como a abrangência e a complexidade que tais processos assumem em cada um dos recortes. Tais singularidades serão esmiuçadas no próximo capítulo. 5 INTERPRETAÇÕES SOBRE AS ÁREAS CENTRAIS NAS CIDADES MÉDIAS A PARTIR DA CONCENTRAÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS Este último capítulo tem como objetivo expor e analisar os principais resultados obtidos a partir da aplicação das metodologias e da interpretação dos dados tendo em mente as bases teóricas já apresentadas. A partir disso, foi subdivido em três subcapítulos: os dois primeiros tratam das áreas centrais indicadas pela presença de atividades econômicas — considerando tanto os mapeamentos de CNEFE-CNAE como dos dados de CNPJ — assim como discussões sobre a concentração locacional de setores específicos dentro do tecido urbano em cada uma das cidades estudadas; e o terceiro, que busca articular comparações entre os casos de Maringá/PR e Dourados/MS. 5.1 AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E AS ÁREAS CENTRAIS EM MARINGÁ/PR Ao debruçar-se, afinal, sobre o produto cartográfico (Figura 3) e sobre as informações geradas ao comparar os endereços do CNEFE com as diretrizes da CNAE, evidencia-se no caso de Maringá/PR uma área central bem consolidada, mas com áreas de expansão do centro tradicional que se dispõem em eixos que o cortam, assim como já comentava Whitacker (2017). Além de algumas áreas que se colocam 42 como alternativas ao centro principal, mas que não são comparáveis em questão de complexidade, o que vai de acordo com o que propõe Silva (2008). Ademais, também se confirma o fato de existirem áreas mais funcionalizadas e isoladas do restante do circuito econômico e, por conseguinte, das demais centralidades, conforme propunha Asalin (2014). Ainda, chama atenção o caráter mais horizontal, ao ter o mapa como referência, da forma como as áreas centrais se dispõem no tecido urbano da cidade. Figura 3: Mapa da concentração das atividades econômicas em Maringá/PR no ano de 2010, considerando o CNEFE-CNAE Fonte: IBGE, 2010; IBGE, 2013. Elaborado pelo autor. Destaca-se a existência de um eixo, o da Avenida Colombo, que exerce uma certa centralidade e, mesmo não sendo a principal, detém diversos núcleos de concentração de atividades econômicas, principalmente no que diz respeito aos shopping centers presentes, o Catuaí Shopping Maringá (inaugurado em 2010) e o Shopping Cidade Maringá (inaugurado em 2003). Esta via, assim como outras citadas no texto, são evidenciadas na Figura 4. 43 Figura 4: Principais vias em Maringá/PR citadas no texto Elaborado pelo autor. Também é uma tendência que pode ser observada, o fato de estes empreendimentos comerciais citados influenciarem no reforço de uma centralidade mais horizontalizada — novamente considerando o produto cartográfico como referência — e seguirem as vias que perpassam o centro tradicional, como propõe Whitacker (2017). Uma determinação em relação às lógicas que orientam a localização das atividades econômicas (CAMAGNI, 2005) que parece se destacar nas escolhas locacionais destes estabelecimentos é a de acessibilidade, visto que estão em uma via que “corta a cidade no meio” e dá acesso às avenidas secundárias, ou seja, é um eixo de muitos fluxos. Apenas essa via — que cruza todo o tecido urbano no sentido Leste-Oeste — possui um total de 635 estabelecimentos, o que seria 3,94% em relação ao total de atividades econômicas encontradas em Maringá/PR (16.107 unidades). Todavia, por conta de sua extensão, nem todos os espaços em seu caminho apresentam uma 44 concentração alta de atividades econômicas, que é maior apenas onde estão os shopping centers, estes que possuem somados 205 estabelecimentos comerciais. As observações de campo também permitem ponderar sobre áreas centrais que se destacam nas proximidades das centralidades exercidas pela Avenida Colombo e pelo centro principal, seguindo também uma tendência da horizontalidade. Estas áreas, apesar de não possuírem uma grande quantidade de estabelecimentos, destacam-se pela presença do Mercadão de Maringá — um empreendimento que engloba uma grande quantidade de restaurantes — e de diversos hipermercados de grandes redes. Uma tendência perceptível neste caso é a da determinação da interação espacial (CAMAGNI, 2005) para as lógicas espaciais envolvidas nas localizações destes estabelecimentos, visto que estão próximos e interagem com uma grande e diversa concentração de atividades econômicas. Já as principais áreas centrais de Maringá/PR possuem uma gama de estabelecimentos comerciais e de serviços que se concentram majoritariamente na Avenida Brasil, esta que sozinha possui cerca de 5% de todos as atividades econômicas encontradas na cidade. É uma centralidade predominante, mesmo porque chama a atenção a diferença na quantidade de atividades presentes em relação às vias próximas (Quadro 3) e que compõem essa área central. É presente uma grande quantidade de lojas, principalmente quanto ao comércio varejista de roupas, calçados e bolsas, mas também de artigos para casa. Sobressai-se, porém, a existência de dois shopping centers, um deles o mais tradicional e com implementação mais antiga, o Shopping Avenida Center Maringá (inaugurado em 1989), e o outro com grifes de maior influência internacional, o Shopping Maringá Park (antes Aspen Park, de 1996, sendo reinaugurado em 2008 com nova denominação), ambos somando 316 atividades econômicas dos mais diversos tipos em seus espaços. Ainda analisando as lógicas espaciais que guiam os agentes econômicos na conformação do tecido urbano de Maringá/PR, com base no que é observado nos resultados desta pesquisa, argumenta-se que a determinação proeminente para a localização dos estabelecimentos é a aglomeração (CAMAGNI, 2005), ou seja, a necessidade de estarem próximos às outras atividades econômicas que estão localizadas no centro da cidade e em suas proximidades. 45 Quadro 3: Estabelecimentos que exercem atividades econômicas em vias que se destacam pela centralidade em Maringá/PR Via(s) Nº de estabelecime ntos % em relação ao total Destaques com base na CNAE Eixo Avenida Tamandaré/ Rua Fernão Dias 38 0,24% Comércio varejista de roupas, presentes; cabelereiros. Eixo Avenida Mauá/Rua Joubert de Carvalho/A venida Carneiro Leão 251 1,56% Metalúrgicas; oficinas e borracharias; materiais de construção; artigos para casa; roupas; restaurantes. Avenida Brasil 790 4,90% Bancos; oficinas e lojas de equipamento automotivo; distribuidoras; comércio varejista muito variado, mas principalmente de roupas, calçados e artigos para casa; escritórios; restaurantes; consultórios. Rua Santos Dumont 272 1,69% Concessionárias; confecções; lojas de presentes, roupas e calçados; óticas; escritórios; cabelereiros; consultórios. Avenida XV de Novembro 88 0,55% Administração pública; imobiliárias; escritórios. Avenida Tiradentes 76 0,47% Restaurantes; lojas de artigos para casa e presentes; consultórios. Avenida São Paulo (verticalme nte no mapa) 417 2,59% Dois shopping centers, também com entradas voltadas para as Avenidas Mauá e Brasil, além da Rua Santos Dumont. Fonte: IBGE (2002, 2012). Voltando aos grandes centros de compra, tanto os presentes no centro principal quanto os que se instalam fora dele, os dados levantados pela Associação Brasileira de Shopping Centers destacam que são muito diversificados em relação ao público que atendem, com um deles recebendo majoritariamente a Classe A, dois 46 deles a Classe B e dois deles a Classe C6 (ABRASCE, 2021). Isso mostra que além de proporcionarem uma grande centralidade, tais áreas centrais se tornam muito ricas em diversidade e em abrangência de consumidores. No caso de Maringá/PR, não é possível ignorar a proeminência do comércio atacadista que, por sua vez, concentra-se às margens da PR-317, via que possui uma quantidade de 453 estabelecimentos que exercem atividades econômicas, sendo majoritariamente contidos nos shopping centers atacadistas (Shopping Avenida Fashion, Shopping Vest Sul e Paraná Moda Park), que sozinhos possuem 327 lojas de confecções. Esta informação já ilustra bem o que pode ser visto no mapa, pois mesmo com uma razoável quantidade de estabelecimentos industriais e postos de gasolina também se instalando nas margens da rodovia segundo as análises com base na CNAE, estes estão bem distribuídos, não gerando tanta atratividade para um mesmo local assim como geram os centros comerciais do atacado. Portanto, confirmam-se as afirmações de Asalin (2014) quando argumenta que este setor é isolado das demais centralidades urbanas de Maringá/PR. As lógicas espaciais neste caso voltam a se estabelecer tendo como destaque a determinação da acessibilidade (CAMAGNI, 2005), visto que tais estabelecimentos prezam pela proximidade com uma via que traz consumidores de fora da cidade de Maringá/PR, estes que são seu público-alvo. Ainda examinando o mapeamento dos dados CNEFE-CNAE, são nítidas algumas linhas que se originam nas áreas centrais e, como raízes, aprofundam-se no tecido urbano em direção às bordas periféricas da cidade em alguns eixos: um que vai em direção ao sul da cidade, seguindo a Avenida Cerro Azul; dois outros orientados ao norte/nordeste, seguindo o rumo das Avenidas Morangueira e Pedro Taques; o último, por fim, que tende ao norte/noroeste de Maringá, percorrendo o caminho da Avenida Mandacaru. Suas principais atividades econômicas em destaque segundo a CNAE, além da quantidade de estabelecimentos presentes de acordo com o CNEFE, encontram- se detalhadas no Quadro 4. Apesar de não possuírem uma centralidade tamanha a das Avenidas Brasil e Colombo, por exemplo, estas vias concentram uma razoável quantidade de atividades econômicas desenvolvidas em seus espaços. Já o produto 6 O levantamento feito pela Associação Brasileira de Shopping Centers, porém, não evidencia as faixas de renda que correspondem a cada classe socioeconômica classificada. 47 cartográfico, no que lhe diz respeito, mostra que tais vias possuem mais concentração de estabelecimentos econômicos do que muitos dos trechos da própria Avenida Colombo. Quadro 4: Estabelecimentos com atividades econômicas em vias que se destacam por ser uma extensão da centralidade tradicional em Maringá/PR Via Nº de estabelecime ntos % em relação ao total Destaques com base na CNAE Avenida Cerro Azul 234 1,45% Confecções; distribuidoras; lojas de artigos para casa e estabelecimentos de manutenção; restaurantes; escritórios; consultórios; cabelereiros. Avenida Morangueira 338 2,10% Concessionárias; oficinas e lojas de artigos automotivos; metalúrgicas; postos de combustível; materiais de construção. Avenida Pedro Taques 427 2,65% Concessionárias; oficinas e lojas de artigos automotivos; supermercados e conveniências; farmácias; artigos para casa e materiais de construção; consultórios. Avenida Mandacaru 361 2,24% Confecções; madeireiras; concessionárias e lojas de artigos automotivos; supermercados; pet shops; roupas; escritórios; delegacias; cabelereiros; consultórios; pequeno shopping center. Fonte: IBGE (2002, 2012). A reclassificação segundo à CNAE contribui dizendo que, apesar da diversidade destas atividades, destacam-se as concessionárias, as oficinas, as lojas de artigos para veículos, as confecções de roupas, as metalúrgicas, os escritórios e os consultórios, além da presença do quinto e último shopping center em Maringá/PR, o Shopping Mandacaru Boulevard. Tais informações permitem uma reflexão sobre as áreas de expansão do centro principal não serem apenas por meio de zonas, como dá a entender Silva (2008), mas também por meio de eixos que possuem certa centralidade e atratividade. 48 Argumenta-se, porém, que a determinação que se mostra mais presente para a localização de tais estabelecimentos (CAMAGNI, 2005) não é a de competitividade, visto que estes eixos possuem relações estreitas com o centro principal e tendem, como argumenta Silva (2010), a reforçar suas centralidades e possibilidades de expansão. Tendo isso em mente, apontam-se as interações espaciais que são possibilitadas pela proximidade com o centro — assim como a acessibilidade proporcionada pelas vias que são mediadoras de diversos fluxos — como as principais determinantes para as lógicas espaciais dos agentes econômicos que localizam-se nestas áreas. Já os dados de CNPJ mapeados em série histórica entre os anos de 1990 até o ano de 2021 (Figura 5), mostram que ao mesmo tempo que com o passar das décadas o centro tradicional da cidade de Maringá/PR reforçou sua centralidade — o que vai ao encontro do que Silva (2008) argumenta sobre estes espaços terem sido focos dos principais investimentos públicos e privados na cidade — também outros eixos e áreas importantes se consolidaram. Já ao considerar o balanço das aberturas e fechamentos de CNPJ até o ano de 1990 como indícios de como estão estruturadas as formas urbanas, percebe-se que o centro principal de Maringá/PR já se mostrava bem consolidado como notável expressão de centralidade — inclusive já contando com dois shopping centers instalados — sem muita competição com outras áreas, sendo que os poucos eixos que se destacam são de acesso a ele. Essa realidade começa a se alterar, porém, entre as décadas de 2000 e 2010, nas quais estas vias de acesso passam a ganhar mais expressão, mesmo que tenham na verdade também contribuído com a manutenção e a expansão do centro principal (SILVA, 2008). Outra periodização importante que é perceptível no produto cartográfico é o surgimento e a consolidação do polo atacadista de confecções da cidade d