P r á t ic a s P e d a g ó g ic a s n a h ist ó r ia d e e sc o l a r iz a ç ã o isa bela vic en z o sg o bbi Práticas Pedagógicas na história de escolarização OuvindO alunOs e repensandO práticas ISABELA VICENZO SGOBBI praticas_pedagogicas2_capa_grafica_NOVO_SEM_TEX.indd 1 11/03/2014 16:24:17 Práticas Pedagógicas na História de escolarização praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 1 02/03/2014 20:48:59 CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Responsável pela publicação desta obra Ricardo Ribeiro Newton Duarte Luiz Antônio Calmon Nabuco Lastória Lígia Márcia Martins Sebastião de Souza Lemes praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 2 02/03/2014 20:48:59 ISABELA VICENZO SGOBBI Práticas Pedagógicas na História de escolarização OuVINdO ALuNOS E rEpENSANdO prátICAS praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 3 02/03/2014 20:48:59 © 2013 Editora Unesp Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.culturaacademica.com.br feu@editora.Unesp.br CIP – BraSIl. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de livros, rJ ______________________________________________________________________ S535p Sgobbi, Isabela Vicenzo Práticas pedagógicas na história da escolarização [recur- so eletrônico]: ouvindo alunos e repensando práticas/Isabela VicenzoSgobbi. São Paulo: Cultura acadêmica, 2013. recurso digital Formato: ePDF requisitos do sistema: adobe acrobat reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-490-5 (recurso eletrônico) 1. Educação – 2. Educação - Estudo e ensino.3. Prática de ensino. 4. livros eletrônicos. I. Título. 14-08274 CDD: 370 CDU: 37 _____________________________________________________________________ Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Di- gitais da Pró-reitoria de Pós-Graduação da Universida- de Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) Editora afiliada: praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 4 02/03/2014 20:48:59 Sumário Introdução 7 1 uso de práticas autobiográficas na formação e atuação docente: uma aproximação à produção 23 2 uma breve reflexão sobre práticas pedagógicas e apresentação das fontes 65 3 práticas pedagógicas na memória de futuros professores: um recurso para pensar a formação e atuação docente 83 Considerações finais 133 referências 137 praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 5 02/03/2014 20:48:59 praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 6 02/03/2014 20:48:59 introdução Esta pesquisa1 tem um viés autobiográfico2 tanto pelas características de suas fontes – Histórias de Es- colarização de alunos de pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/unesp – como pelo fato de eu ter também produzido minha História de Escolarização em um momento do mesmo curso. Essas duas razões imbricadas permitem, ou exi- gem, um detalhamento que dê ao leitor a compreensão do referido viés autobiográfico, que por sua vez cons- titui também a historicidade desta investigação. Essa historicidade foi se compondo pelas habilidades que desenvolvi para produzir minha História de Escolari- zação e que foram aprofundadas com o exercício ana- lítico que fiz, com fontes de mesma natureza, durante 1 Este livro derivou da dissertação de mestrado intitulada “práticas pedagógicas na história de escolarização de futuros professores: um recurso didático/metodológico para formação inicial”, defendida no programa de pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/unesp, sob orientação da professora doutora Marilda da Silva, em março/2013. 2 por essa razão, e por exigência do método, a Introdução deste tra- balho será redigida na primeira pessoa do singular. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 7 02/03/2014 20:48:59 8 ISABELA VICENZO SGOBBI minha Iniciação Científica. O relato a seguir dará con- ta de evidenciar tudo isso. * Estamos em 2008. Sou aluna do terceiro ano do curso de pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras – unesp – Campus de Araraquara e uma das discipli- nas da grade curricular é didática II, ministrada pela professora Marilda da Silva. Ouvimos dizer que ela é brava, professora temida, exige que sejam lidos vários livros, pede trabalhos e apresentação de seminários. O semestre começa e a professora explica que a fi- nalização da disciplina se daria com a escrita de nossa História de Escolarização e que já poderíamos come- çar a pensar e a escrever, não deixando tudo para últi- ma hora. Mas, como é próprio do habitus estudantil,3 não nos preocupamos com isso no início do semestre. Assim, decorreram as aulas e estudamos Comenius e sua obra A didática magna (1985), estudamos pierre Bourdieu e seu conceito de habitus, lemos Leitura sig- nificativa (1999) de Frank Smith, e, por fim, de Elias Canetti, lemos o livro A língua absolvida (1987). Conforme o fim do semestre se aproxima, a an- siedade começa a surgir. Como escrever uma história de escolarização? Como registrar tudo o que vivemos na escola? O que escrever? Como se lembrar dos professores de tantos anos atrás? Nem havia tantas lembranças assim! Ledo engano! Após ler Elias Canetti, inúmeras possibilidades se abrem e parece que as lembranças co- meçam a surgir. Com muita maestria, Canetti, em A língua absolvida, nos insere em sua vida, narrando sua 3 A esse respeito, conferir as obras referenciadas ao final deste traba- lho: Silva (1997, 2002, 2003, 2005, 2009, 2011). praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 8 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 9 infância e adolescência, descrevendo seus professores, suas características e as aulas que ministravam, ou seja, entramos em contato com uma abundância de registros memorialísticos sobre as práticas pedagógicas viven- ciadas pelo, então, aluno/autor Elias Canetti. A partir daí, a escrita começa a fluir e fica fácil descrever mo- mentos e situações vividas na fase escolar. Como, por exemplo, as características de muitos professores que marcaram, no caso, a minha trajetória de escolarização. Nasci em 5 de agosto de 1988. Quando era peque- na, segundo relatam meus pais, ficava com meus avós maternos, que gostavam muito de cuidar de mim. An- tes dos dois anos, minha mãe tentou me colocar na es- colinha; ela achava que seria bom eu conviver mais com crianças, já que eu ficava bastante com adultos. desse primeiro contato com o meio escolar, os relatos são, ainda, de meus pais: eu chorava demais e não me adap- tei, além disso, os familiares (tias, principalmente) di- ziam que eu era muito pequena para ficar na escola, por isso voltei a ficar com meus avós por mais um tempo. Com dois anos e meio aproximadamente, ingres- sei na escola novamente, o CCI (Centro de Convi- vência Infantil), uma creche para filhos de funcioná- rios da unesp. Não lembro muita coisa dessa época, só que eu gostava de ficar na sala da coordenadora, observando-a enquanto trabalhava ou então ficava na cozinha junto com a cozinheira d.ª Célia.4 Com 5 anos, comecei a cursar o Jardim II no pe- ríodo da manhã na escola Externato Santa terezinha, um colégio religioso. À tarde, continuei frequentando o CCI até metade da 1ª série, quando eu tinha 6 anos. 4 todos os nomes que serão registrados são fictícios. todavia, como metodologia facilitadora da memória, primeiramente escrevi a his- tória com os nomes reais e depois os troquei para publicação. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 9 02/03/2014 20:49:00 10 ISABELA VICENZO SGOBBI Nesse primeiro ano, minha professora no Externato foi a Irmã Mônica, uma senhora que usava sempre uma saia cinza e blusa branca, como se fosse um uniforme social. Ela falava muito alto e, às vezes, sem querer, “cuspia” nos alunos em consequência de falar gritando. durante a antiga 1ª série – atual 2º ano do Ensino Fundamental Ciclo I5 –, a professora tirou licença e várias substitutas assumiram a classe. Meus pais não gostaram dessa situação – um tanto desorganizada – numa série que consideravam a base para as outras e, por essa razão, mudei de escola. A partir do 3º ano do EFCI, com 8 anos, ingressei no Colégio progresso de Araraquara e praticamente estudei com os mesmos co- legas até o 9º ano, já época da adolescência. No 3º ano EFCI, período vespertino, minha professora foi a tia Alzira; no 4º ano EFCI foi a tia Claudia, das quais só guardo boas lembranças. Ado- rava trocar recadinhos com a tia Claudia: eu e a Lívia, amiga da época, escrevíamos nas bordas dos cadernos, após as lições, e quando ela inseria vistos para quem havia cumprido as atividades, geralmente nos respon- dia com igual carinho. No 5º ano EFCI mudei de período, fui para a ma- nhã, e as professoras foram a Ana (matemática) e dirce (português). Apeguei-me mais a tia Ana, achava a tia dirce mais brava. No final de um de meus cadernos, tia Ana escreveu um bilhete elogiando minha organização, capricho e dedicação; características que sempre me marcaram por gostar de fazer todas as coisas do melhor modo possível. terminada essa primeira fase do EF, veio a ansieda- de de ingressar no 6º ano EFCII – antiga 5ª série –, e o 5 todas as vezes que me referir ao Ensino Fundamental Ciclo I e II, usarei a sigla EFCI e EFCII. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 10 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 11 que mais me animava era o fato de poder usar fichário em vez de caderno. A partir desse período entrei em contato com vários professores, cada um responsável por uma disciplina, e inclusive passei a ter professores homens. Sempre adorei estudar matemática e tive uma faci- lidade muito grande com essa matéria, sendo uma das únicas alunas que gostava do Seu Orlando – profes- sor de matemática nos 7º e 8º anos do EFCII. Ele era um professor exigente, que mantinha a disciplina da classe, era só ele entrar na sala que todos ficavam em silêncio. Ele passava muitos exercícios valendo nota e cobrava as tarefas de casa, conferindo, com os tradicio- nais vistos, os cadernos dos alunos. O 7º ano EFCII foi um ano de muitas aprendiza- gens. Beatriz era a professora de História. Ela propôs, desde o começo, muitas tarefas diferentes, como, por exemplo, o julgamento da Joana d’Arc, quando a es- tudamos. A classe foi dividida entre defesa e acusação, além dos jurados e do juiz, escolhidos pela professora. Outra atividade proposta pela mesma professora foi a encenação de “A Megera domada”, de Willian Sha- kespeare. Novamente a classe foi dividida e eu fiquei responsável por escrever o roteiro da peça. No 8º ano EFCII, a professora de português pro- pôs à classe um trabalho para que investigássemos os adolescentes de diferentes épocas e apresentássemos isso na forma de um jornal escrito. Como sempre, eu e minhas amigas da época mergulhamos de cabeça no trabalho, fazendo entrevistas, buscando fotos e mon- tando o jornal, que se chamou AO, sigla para Adoles- cente de Ontem. O símbolo do jornal era uma inter- rogação, pelo fato do adolescente viver em constantes dúvidas. No dia da apresentação, nos caracterizamos como adolescentes de diferentes épocas e a classe adorou o resultado. Já o professor de Geografia, era praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 11 02/03/2014 20:49:00 12 ISABELA VICENZO SGOBBI jovem e muito divertido. Ele passava filmes e ativida- des extras, intercalando as aulas expositivas e a classe gostava bastante. Quando entrei no 9º ano EFCII, houve mudança no material do Colégio, sendo adotado o sistema pi- tágoras (apostilado). Com a adoção do material pitá- goras, passamos a ter aulas de Espanhol, inicialmente com o Augusto, que me escolheu como representante de sala e costumava me chamar de “Senhorita Sgob- bi”. Logo ele foi substituído, pois houve alguns pro- blemas com alunas, e a professora Nilva assumiu a disciplina: uma senhorinha que à época eu dizia sem muita didática, o que resultava em aulas bagunçadas e quase nada proveitosas. recordo-me das avaliações sobre livros lidos que a professora de português nos dava. A classe ia para a Biblioteca – espaço, que merece todos os meus elogios, pois era um lugar amplo, claro, gostoso e tinha muitos e muitos livros –, e sentava em grupos, nas mesas re- dondas. Ela ia passando de mesa em mesa e realizava a prova oralmente, por intermédio de perguntas. Concluída a segunda etapa do EF, veio, por minha vontade, a decisão de mudar de escola, pois pelos meus pais eu teria continuado no progresso. Escolha feita e, então, eu cursaria o Ensino Médio6 no Colégio Master Anglo de Araraquara. para ingressar nessa escola, tive- mos que fazer uma prova de português e Matemática. O primeiro dia de aula na escola nova pareceu o meu primeiro dia na escola, marcado pela ansiedade. A turma (1º C) era somente de alunos novos, oriundos das mais variadas escolas da cidade e quase metade da turma era de escolas públicas. A turma só recebeu elo- gios e foi uma grande surpresa para os professores, pois 6 A partir de então me referirei ao Ensino Médio como EM. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 12 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 13 todos eram alunos novos e que se destacavam mais do que os alunos que já eram da própria escola. Acredito que todo o 1º C quis aproveitar a oportunidade de estar em uma escola nova, considerada uma das melhores da cidade e, por isso, se esforçava, aproveitando as aula e as oportunidades de aprender. A disciplina de português era dividida em três partes: redação, Literatura e Gramática, ministra- das por três professores diferentes. Nunca conheci al- guém mais apaixonado por literatura do que o profes- sor Arnaldo. Quanta sabedoria! Ao falar com algum aluno, costumava nos chamar de “Vossa Eminência”. por meio da entonação dada em sua fala, podia-se sentir a sua paixão pela literatura. Ao estudarmos os períodos literários, parecia que ele nos transportava até a época remota e podíamos compreender tudo mais facilmente. A parte mais pesada da aula eram os resumos feitos por ele na lousa. tínhamos que escrever folhas e folhas e ele não era muito paciente, pois já ia escrevendo e apagando a matéria. Ele quase nunca usava as apostilas e os exercícios propostos ne- las, mas com seu singular jeito de ensinar, conseguia conquistar os alunos e cativá-los para a literatura. tal professor costumava usar roupa social e no meio das aulas, no meio de tanta empolgação, sempre dobrava as mangas da camisa. Voltei a ter aula com ele no 3º ano do EM, o que foi igualmente prazeroso. No Anglo, a Matemática também era dividida em frentes: A e B. No 1º ano do EM, as aulas eram com o Cesar e o pedro. Nas avaliações do Cesar, tínhamos que executar todos os passos para chegar ao resultado; ele dizia que queria saber como havíamos chegado a tais conclusões. Já nas avaliações do pedro, responsável pela parte de Geometria, sempre havia um desafio ma- temático no final, com pegadinhas. No 2º ano do EM, o praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 13 02/03/2014 20:49:00 14 ISABELA VICENZO SGOBBI professor de álgebra, com foco na trigonometria, era o Bernardo. Como descrever esse professor? Sensacio- nal, divertido, inteligente. Adorava contar piadas, dan- çar, imitar. As aulas eram descontraídas e excelentes. por fim, no 3º ano do EM, deparei-me com o paulo e o Flávio. O primeiro acompanhou a turma nos dois anos anteriores como professor de Física. uma pes- soa com um coração enorme, muito inteligente, muito paciente e muito acessível aos alunos. Se alguém não entendia, ele explicava de novo com a maior paciên- cia. Lembro-me de uma vez apenas, ainda no 1º ano do EM, de tê-lo visto bravo com um aluno, chegando até a colocá-lo para fora da sala. Ao nos explicar Físi- ca, especialmente Mecânica, com aquela infinidade de fórmulas, ensinava musiquinhas ou contava histórias para que pudéssemos recordar com mais facilidade. Ao relembrar de Flávio, a primeira coisa que me vem à cabeça é a lousa muito bagunçada. Chegava um momento que ninguém mais conseguia entender onde começava e onde terminava a matéria. As aulas eram muito cansativas e exigiam muita concentração, tornando-se difícil acompanhá-las. O maior medo era de suas avaliações e, por isso, tínhamos um esquema infalível montado, sentávamos sempre na mesma or- dem e um ajudava o outro naquilo que conseguia fazer: Natália, eu, Fernando e Carol. No 1º ano do EM, as professoras Bete e Isabel eram as responsáveis pelas aulas de Biologia, ambas muito miudinhas e igualmente inteligentes e diverti- das. Apaixonadas por Biologia e pelo ato de ensinar. A matéria, por mais complexa que fosse, ficava fácil e simples com as explicações da Bete. Quanta pa- ciência para nos ensinar os processos de fotossíntese e de respiração celular. tudo que ela falava e ensinava nas aulas era cobrado nas avaliações. Isabel, profes- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 14 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 15 sora espetacular, me ensinou genética, reinos vegetal e animal, vermes, moluscos e muito mais. Em tudo que fazia era muito caprichosa e costumava nos dar listas de exercícios extraídos de vestibulares para nos ajudar nos estudos. ricardo foi o outro professor de Biologia no 2º ano do EM, responsável pela parte de Botânica; tinha ca- belo comprido que usava preso em um rabinho. Sua camiseta branca e calça de tactel preta eram inconfun- díveis. Sempre de bom humor, quando chegava para a aula dizia: “Bom dia, eu sou o ricardo e pra você as- sistir aula você precisa de quatro coisas: uma boa noite de sono, material, uniforme e [...]”, a quarta coisa não me vem à memória. Não gostei disso. É ruim não con- seguir lembrar o que se quer. Química foi uma novidade para mim, pois até o 9º ano EFCII meu contato com essa disciplina foi muito restrito. No Anglo, aprendi muitas coisas no- vas e logo no 1º ano do EM deparei-me com o dia- grama de Linus pauling, pacientemente explicado pela professora. Ela não tinha uma forma adequada para ensinar, falava muito baixinho e as aulas acaba- vam se tornando uma “zoeira” e pode-se dizer que ela perdia o controle da turma. Na outra frente de Química, o professor rafael era adorado por todos nós. Ele tinha um jeito particular de entregar as ava- liações, enrolando aquelas com nota 10. No 2º ano do EM, os responsáveis pela disciplina de Química eram Edson e renata; dois extremos, pes- soas e profissionais bem diferentes, mas seria injusto desvalorizar um em detrimento do outro. Edson, um senhor beirando uns 45 anos, todo sério e recatado; era também pastor. tinha toda a paciência do mundo para nos ensinar e suas aulas eram marcadas pela tran- quilidade e pelo modo como todos prestavam aten- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 15 02/03/2014 20:49:00 16 ISABELA VICENZO SGOBBI ção. renata, uma jovem mulher, era toda despojada e dona de uma frase característica “Coragem, galera, vamos lá!!”. posso carinhosamente descrevê-la como “louquinha”. As aulas dela eram muito descontraídas, divertidas, relaxantes. usava pouco a lousa, gostava bastante de falar e de resolver exercícios. No 3º ano do EM, tivemos a alegria de nos depa- rarmos com o professor Miguel. uma figura, uma pes- soa extraordinária. tinha uma implicância carinhosa com as alunas gordinhas. Ele dizia que “as gordas” podiam sair da aula cinco minutos mais cedo para ficar na fila da cantina e comprar “aquela coxinha!”. Não passava uma aula sem brincar e quando fazia suas gra- ças, ria e ficava sério logo em seguida, e aí não tinha como segurar a turma, era risada na certa. Quanta ri- sada, quanta diversão e tudo isso sem prejudicar o an- damento das aulas. A meu ver são esses professores os mais admirados: aqueles que conseguem dar uma aula séria e descontraída ao mesmo tempo e que sabem o momento de brincar e de retornar ao trabalho que es- tavam realizando. Assim como Química, a matéria de Física era uma novidade pra mim – e que novidade complicadinha! Muitas fórmulas, muitos problemas, muito estudo! Claro que tudo isso ficou mais fácil podendo contar com professores especiais como o Vitor. Não sei se consigo descrever Vitor do jeito que ele merece, mas tentarei. um ser humano excepcional. diria iluminado. Não consigo me lembrar de um só dia em que ele se alterou, perdeu a paciência ou bri- gou com algum aluno. Se queria chamar atenção, o fazia carinhosa e calmamente. Inteligente, paciente, calmo, atencioso. Ele não sossegava até se convencer de que todos haviam entendido suas explicações e de que não restavam mais dúvidas. repetiria uma coisa praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 16 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 17 cem vezes se assim fosse preciso. Não à toa foi escolhi- do como paraninfo da turma, na formatura. todas as homenagens e agradecimentos são poucos. História e Geografia sempre foram áreas que me atraíram. Como gosto de escrever, saía-me bem nas avaliações, que geralmente eram dissertativas, exigin- do mais do que simplesmente saber a matéria. An- dreia foi a professora de Geografia nos dois primeiros anos do EM. Suas aulas eram boas e suas avaliações extensas. Já no 3º ano do EM, as aulas de Geografia eram com o professor toninho. por ter tido um pro- blema grave nas cordas vocais, dava aula utilizando um microfone. Ele tinha cabelo comprido e se achava o galã; suas aulas eram todas preparadas em Power- Point. Apesar desse diferencial, não apreciei muito suas aulas, porque sempre tinham brincadeiras de- mais, o que acabava se tornando chato. Além disso, a matéria ficava sempre atrasada. Quanto aos outros dois professores de História, infelizmente não me restam muitos elogios. No 1º ano do EM, as aulas de História eram no período da tarde e esse fato já trazia certo prejuízo, pois todos já estavam cansados. Somando-se a isso, o professor “não era lá aquelas coisas”, como se diz por aí, e, en- tão, a turma aproveitava: todo o mundo conversava e bagunçava bastante. A mesma coisa aconteceu no 3º ano do EM, neste caso eu chegava a sentir pena do professor. Ele literalmente falava para as paredes; ninguém prestava atenção nas aulas, mesmo sendo, estas, as primeiras da manhã. da professora de Inglês do 1º ano do EM recordo- -me pouco: sempre sorridente, animada, talvez boa- zinha demais, acabava “abusada” pelos alunos. Nos dois anos seguintes, Erik. Só posso descrevê-lo como diversão. Sempre alto-astral e bom humor. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 17 02/03/2014 20:49:00 18 ISABELA VICENZO SGOBBI No Anglo tivemos aula de Artes no 1º e 2º anos do EM. Coincidências da vida, Gorete, que já havia me dado aula de Música no progresso, agora me dava aula de Artes no Anglo. tivemos que fazer um trabalho so- bre Marketing e foi muito legal! pesquisamos, conver- samos com estudantes da uniara e gravamos até uma campanha política, para exemplificar o Marketing po- lítico. O trabalho foi um show! A professora Joana, no 2º ano do EM, bem que tentou nos despertar para os trabalhos artísticos, mas as aulas sempre acabavam em bagunça; era uma daquelas aulas que todo o mundo finge que faz alguma coisa, mas só finge, esperando o tempo passar e se entretendo com outras coisas. O Anglo sempre teve uma mentalidade voltada para o vestibular, mas nunca me senti pressionada por isso. Meus pais também não me pressionavam e, pelo contrário, sempre me apoiaram. Na indecisão de sa- ber o que prestar, participei do projeto de Orientação Vocacional, oferecido pelo Cenpe (unidade Auxiliar da Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Ara- raquara/unesp), um processo que foi muito valioso principalmente para meu autoconhecimento. E eis que eu passei no vestibular e em primeiro lugar! Essa sensação nunca será esquecida! O alívio, a alegria de ver meu nome na lista, os trotes, os pedágios! Novamente surge a ansiedade frente ao desconhecido e o medo de perder meus amigos, pois estava na hora de cada um seguir seu caminho. E quanto à universidade? Bem, essa já é outra história... Foi com a história que acabo de relatar que concluí a disciplina didática II. Essa foi a única disciplina que me levou a refletir sistematizadamente sobre minhas vivências como aluna, descrevendo os professores que tive e as práticas que eles realizavam. O que me permi- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 18 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 19 tiu distanciamentos e aproximações das práticas peda- gógicas que eu vivenciei antes de ingressar no curso de pedagogia. Exatamente por isso é que já afirmei que esta pesquisa tem um viés autobiográfico que constitui seu conteúdo estrutural. por essa razão, no início da introdução me referi à sua historicidade. Ademais, foi também durante o desenvolvimen- to da disciplina didática II que, com uma bolsa de Iniciação Científica (pIBIC)7 trabalhei, pela primeira vez, com fontes do tipo das que usei nesta investiga- ção: História de Escolarização por futuros professo- res. portanto, o presente trabalho tem suas origens na produção da minha História de Escolarização na dis- ciplina didática II e no trabalho realizado durante a Iniciação Científica,8 reitero. O objetivo deste estudo foi mostrar os tipos de práticas pedagógicas vivenciadas por alunos do cur- so de pedagogia da Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/unesp, que em 2005 (perío- do diurno) e 2006 (período noturno) produziram, no âmbito da disciplina didática II, suas Histórias de Escolarização. portanto, o objeto aqui construído são as práticas pedagógicas registradas em 80 Histó- 7 Fui bolsista da professora Marilda da Silva no período que com- preende de agosto/2008 a julho/2010. 8 Foi no período de Iniciação Científica que entrei em contato com o projeto de pesquisa coordenado pela professora Marilda, denomi- nado “Modos de ser professor: identificação dos elementos básicos da organização do habitus professoral II”. Nesse período, além de relatórios elaborados como exigência institucional da bolsa pIBIC, apresentamos trabalhos derivados das leituras e sistematizações ini- ciais. Em 2009, apresentamos o trabalho “práticas que constituem um habitus professoral: a partir de representações de estudantes da Graduação em pedagogia” nos Congressos de Iniciação Cientí- fica da unesp e da uFSCar. Já em 2010, apresentamos o trabalho “As práticas que constituem um habitus professoral: a partir de re- presentações de estudantes do período diurno do curso de pedago- gia (2005 e 2007)” no Congresso de Iniciação Científica da unesp. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 19 02/03/2014 20:49:00 20 ISABELA VICENZO SGOBBI rias de Escolarização produzidas pelos dois grupos de sujeitos, tendo em vista mostrá-las em síntese como um recurso, devido ao conteúdo delas, para se pensar a formação e atuação docente, especialmente no curso de pedagogia e, de modo geral, a docência. Algumas questões ajudaram no desenvolvimen- to das reflexões aqui apresentadas: em qual nível de ensino há mais práticas descritas? Como o professor concretiza suas ideias em sala de aula? Como ele vei- cula os conceitos e conteúdos aos alunos? Quais são as ações, atitudes, gestos e outros aspectos relacionados com o professor que aparecem nas práticas descritas? Como os alunos percebem a prática pedagógica do professor? A que se referem as práticas lembradas por nossos sujeitos: à aprendizagem, ao ensino, à re- lação professor-aluno? Esta pesquisa está na esfera da abordagem qua- litativa, caracterizando-se como um estudo de caso descritivo-analítico. Apresento a seguir a súmula das partes que a compõem. O Capítulo 1, intitulado “O uso de práticas auto- biográficas na formação e atuação docente: uma apro- ximação à produção”, discorre a respeito da impor- tância de dados autobiográficos/história de vida para o entendimento da profissão docente. desse modo, dialogamos com autores como Nóvoa (1988; 1992; 1995), Goodson (1992), Catani (2002; 2003), Bueno (2002; 2003) e outros que defendem a utilização de práticas autobiográficas em processos de formação. Além disso, apresentamos trabalhos que se referem, de algum modo, ao dar voz a alunos, levando em conta o período de 2001 a 2010. para esse recorte consultou- -se a produção realizada, no referido período, nas três universidades públicas estaduais de São paulo: unesp, unicamp e uSp. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 20 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 21 No Capítulo 2, “uma breve reflexão sobre práti- cas pedagógicas e apresentação das fontes”, trazemos ao leitor reflexões a respeito da prática pedagógica, tendo em vista que ela constitui o núcleo de nosso ob- jetivo, para tanto, apresentamos nossas fontes. por fim, no Capítulo 3, “práticas pedagógicas na memória de futuros professores: um recurso para pensar a formação e atuação docente”, organizamos os dados e procedemos às respectivas análises. Cami- nhando para a finalização deste trabalho apresentamos as considerações finais, as quais sintetizam as ideias básicas construídas e indicam inquietações para futu- ros investimentos. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 21 02/03/2014 20:49:00 praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 22 02/03/2014 20:49:00 1 Uso de práticas aUtobiográficas na formação e atUação docente: Uma aproximação à prodUção Estabelecemos1 um diálogo com autores que tra- balham com a abordagem autobiográfica e com a his- tória de vida na formação de professores, como Nóvoa (1988; 1992; 1995), Goodson (1992), Bueno (2002; 2003), Catani (2002; 2003), perdigão (2002), Oliveira (2004), entre outros. tais autores defendem a utiliza- ção de práticas autobiográficas em processos de for- mação inicial e/ou continuada e também na produção de pesquisas sobre essas formações, bem como sobre a atuação docente. Nóvoa (1992; 1995), em seus estudos, propõe prá- ticas de formação que reconheçam as experiências de 1 A partir de então assumimos a primeira pessoa do plural. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 23 02/03/2014 20:49:00 24 ISABELA VICENZO SGOBBI vida dos sujeitos como fonte de aprendizagem e de sa- beres que consolidam e subsidiam o trabalho peda- gógico efetivado. Nessa perspectiva, o trabalho com histórias de vida dos professores apresenta-se como alternativa metodológica, uma vez que, para Nóvoa (1988, p.16), “[...] a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos de vida”. Ain- da segundo o autor, a abordagem biográfica reforça o princípio de que é a própria pessoa que se forma, à medida que elabora uma compreensão sobre seu percurso de vida. Analisando sua história, o professor pode autodefinir-se e buscar transformar sua perfor- mance quando decidir e programar suas atividades em sala de aula. Nesse sentido, trabalhar com história de vida viabiliza um momento reflexivo, pois não se trata simplesmente de lembrar e recordar, tratando-se de estabelecer significações e ressignificações. Goodson (1992), seguindo a mesma linha de re- flexão de Nóvoa, defende a importância das narrati- vas autobiográficas que, quando utilizadas, tanto em situações de pesquisa como de formação, permitem que a voz do professor seja ouvida. O autor critica as pesquisas que tomam a prática pedagógica como ob- jeto de estudo sem considerar as implicações da vida pessoal do professor no desenvolvimento dessa práti- ca, uma vez que, por sua experiência como pesquisa- dor, em situações de entrevistas com professores em formação, constatou que os docentes, ao responderem a questões relacionadas à prática pedagógica, sempre remetem a dados sobre a própria vida. tal fato, para o autor, demonstra a relevância dos estudos referentes à vida do professor como estratégia metodológica. defendendo o uso de narrativas autobiográficas em contexto de formação, Bueno (2002) chama atenção para as possibilidades formativas do método autobio- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 24 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 25 gráfico, “[...] uma vez que ao voltar-se para seu passa- do e reconstituir seu percurso o indivíduo exercita sua reflexão e é levado a uma tomada de consciência tanto no plano individual como no coletivo” (2002, p.23). Seguindo tais reflexões, vamos ao encontro das hipó- teses levantadas por Catani (2003), que, ao examinar as implicações pedagógicas das práticas autobiográfi- cas na formação profissional daqueles que pretendem seguir a carreira docente ou já atuam nela, insiste nas potencialidades autoformativas que as narrativas au- tobiográficas, os relatos de formação e as histórias de vida de formação possuem. Além disso, a autora assinala que práticas autobiográficas favorecem a re- configuração das experiências de formação e escolari- zação, pois desencadeiam análises e reflexões sobre as diferentes relações dos sujeitos com os conhecimentos, com os espaços escolares e com os outros sujeitos que estão presentes no contexto escolar. por meio das reflexões apresentadas até este mo- mento, vemos que o pressuposto que fundamenta a utilização do relato autobiográfico, oral ou escrito, tanto nos estudos sobre a prática pedagógica quan- to em espaços de formação profissional, é o de que a narrativa pode funcionar como uma das possibilida- des que o professor tem para refletir sobre o que vive, pensa e o que faz. desse modo, por meio dos relatos autobiográficos é possível repensar as imagens de professor que ficaram registradas na memória e que podem influenciar a maneira de ser professor, a qual se manifesta nas práticas pedagógicas efetivadas em sala de aula. Salientamos que, nesse sentido, nosso trabalho será diferente, pois dará voz a alunos que cursam pe- dagogia, ou seja, se preparam para serem professores. Contudo, torna-se necessário destacar que, a nosso praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 25 02/03/2014 20:49:00 26 ISABELA VICENZO SGOBBI ver, trabalhar com histórias de vida desses sujeitos, enquanto alunos, carrega as mesmas potencialidades, ou seja, constitui-se em um modo de investigação dos processos formativos, permitindo que o aluno expresse suas memórias, explicitando os modelos, concepções e ideias que traz consigo, passando – já na formação ini- cial – pelo processo de enfrentar, ressignificar e recon- figurar discursos, imagens e modos de ser professor. Abre-se, desse modo, a possibilidade de reconfigura- ção das experiências de formação e escolarização, o que, acreditamos, ajuda o futuro professor na aquisição da consciência crítico-reflexiva, pensando em sua futura atuação profissional. Analisar o próprio processo de aprendizagem, segundo perdigão (2002), constitui-se em ferra- menta poderosa para colocar em cheque concepções pessoais, percebendo o que aprendemos, o que não aprendemos e de que forma tudo isso se realizou. Oli- veira (2004, p.14), por sua vez, acrescenta: A intenção de revisitar o passado, através do trabalho da memória, permite ao professor um exercício de descons- trução das imagens instituídas socialmente com relação à docência, possibilitando, também, a construção de um outro imaginário, a instauração de um outro proces- so de subjetivação. A utilização de narrativas como estratégia de formação e investigação se revela como espaço e mo- mento propícios à reconstrução dos conhecimentos e da compreensão dos processos de aprendizagem da docência. Assim, os relatos sobre as experiências vivi- das constituem-se como recurso pedagógico formativo por possibilitarem ao sujeito que narra o exercício de (re)ver-se e produzir sentidos para o que foi vivido no praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 26 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 27 passado e para o que é vivido no presente, conferindo, dessa forma, possibilidades, perspectivas e significados para a prática profissional que já é efetivada por alguns alunos que estão em formação e que será efetivada pela maioria ao término da Graduação. pode-se dizer, assim, que a aprendizagem profis- sional da docência é um processo complexo e contínuo. Neste caso, como apontam os estudos anteriormente mencionados e outros que não foram mencionados aqui, a experiência pessoal, bem como a prática pro- fissional, são fontes importantes de aprendizagem. Em vista disso considera-se que os professores, ao longo de suas vidas, acatam, geram, formulam e elaboram cren- ças, atitudes, valores, juízos, princípios práticos etc., os quais orientam a ação docente e ajudam a configurar as práticas pedagógicas que efetivam em sala de aula e que, no conjunto, compõem a historicidade das práti- cas pedagógicas como um todo. portanto, os saberes inerentes à profissão docente são oriundos de diversas fontes, espaços, tempos e ex- periências que, conjuntamente, configuram a base do trabalho do professor. É nesse sentido que há inúme- ros contextos formativos, que permitem o desenvolvi- mento profissional da docência, como os percursos de vida, as decisões, as experiências e as aprendizagens pessoais e profissionais. Ao longo de sua vida acadêmica – na verdade, desde seu tempo como aluno – o professor constrói diferentes esquemas de “ser professor”, de ação didático-pedagó- gica, de “ser aluno”, de “dar aula de...” etc., ancorado, às vezes, em teorias sistematizadas aprendidas em cur- so de formação, às vezes no “ouvir dizer e ver fazer” ou no simples fazer, ou mesmo numa mistura de tudo isso. (Chakur, 2000, p. 232, grifos nossos). praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 27 02/03/2014 20:49:00 28 ISABELA VICENZO SGOBBI de acordo com os pressupostos que vimos apre- sentando, pode-se dizer, talvez, que a aprendizagem da docência se inicia bem antes do curso de forma- ção inicial, por meio das próprias vivências do futuro professor como aluno, permeia o curso de graduação e continua durante toda a vida do professor, consti- tuindo uma gama variada de experiências. de acor- do com reali e tancredi (2002, p.76, grifos nossos): tais experiências auxiliam na modelagem das tendên- cias e das práticas pedagógicas dos professores. A in- fluência das experiências de escolarização como aluno é aparentemente forte na prática docente posterior, já que os professores passam por um processo de aprendizagem por observação, informal, ao longo do tempo. A aprendi- zagem profissional dos professores, nesse aspecto difere da preparação de outros profissionais, uma vez que já vi- venciaram a prática, embora sob outra ótica, antes de in- gressarem no curso de formação básica. trata-se de um desafio a vencer: ultrapassar os limites da experiência e da vivência dado que muitas dessas experiências não são as desejáveis. Seguindo essa possibilidade interpretativa, po- demos dizer que os professores passam por uma for- mação incidental, que acontece em todo o ambiente escolar, isto é, desde a primeira vez que ingressaram em uma instituição que tinha um professor para lhes ensinar algo até quando saíram da última instituição que os certificou professores. devido ao longo tempo em que foram alunos, acabam incorporando determi- nadas ideias sobre o ensino que podem se perpetuar em sua prática profissional. São essas vivências pe- dagógicas como alunos um texto aberto da formação docente. A esse propósito, vale a pena o destaque que torres (1999) dá para a importância do tipo de bio- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 28 02/03/2014 20:49:00 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 29 grafia escolar do docente no que diz respeito à defi- nição de suas práticas educativas e estilos de ensino. também nesse sentido, a literatura educacional sobre o desenvolvimento profissional da docência tem mostrado que as teorias pessoais dos professo- res, que também são chamadas de teorias implícitas e práticas tácitas, têm força na configuração das prá- ticas pedagógicas. Os professores aprendem a tomar decisões instrucionais, a conduzir aulas, a escolher e avaliar estratégias de ensino, a imprimir ritmo de aprendizagem, a manter disciplina e inúmeras outras ações e atitudes, as quais caracterizam sua prática pedagógica. tal aprendizado se dá por meio de suas experiências diretas enquanto estudantes e enquanto professores. Os conhecimentos sobre o ensino são in- terpretados pelos professores a partir de seus próprios valores, experiências e conhecimentos prévios, dentre outros aspectos, que podem validar ou desconsiderar os saberes advindos da formação específica. Estudando o ciclo de vida dos professores, Cavaco (1995) observa que o jovem professor, diante da ne- cessidade de encontrar soluções para as situações com que se depara em sala de aula, é tentado a recuperar suas experiências enquanto aluno e elaborar formas de atuação rotineiras que se afastam das propostas teóri- cas inovadoras. desse modo constata-se que as con- cepções do professor adquiridas basicamente ao longo de sua formação ambiental – de seu percurso escolar – não se modificam somente pelo processo de formação específica, ou seja, os professores tendem a basear suas ações e argumentações na própria experiência, seja ela pessoal ou profissional. Com relação à influência de modelos de ex-pro- fessores e das experiências enquanto estudantes como elementos que influenciam a prática pedagógica, te- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 29 02/03/2014 20:49:00 30 ISABELA VICENZO SGOBBI mos as seguintes pesquisas: Pinto e Miorando (2004), Monteiro (2002) e Montalvão e Mizukami (2002). De acordo com Pinto e Miorando (2004), imagens de ex- -professores servem de referência para balizar a prática pedagógica – modelo e antimodelo – como observaram no trabalho docente realizado pelas professoras que fo- ram sujeitos da referida pesquisa. Afirmam as autoras: Ao nos apropriarmos das histórias de vida das pessoas com as quais trabalhamos, deparamo-nos com um ma- terial provido de intensa subjetividade, subjetividade essa que delineia as atitudes presentes, hoje, em sua prá- tica docente. (Pinto; Miorando, 2004, p.230). Pesquisando professoras das séries iniciais do En- sino Fundamental em exercício no Magistério Público, Monteiro (2002) analisou seis narrativas produzidas por essas professoras que englobavam os seus percur- sos pessoais e profissionais e constatou que, em início de carreira, as professoras utilizam variadas fontes de informação para tomarem decisões quanto às suas atuações pedagógicas, com destaque para a influência das experiências enquanto estudantes. Em pesquisa com alunas que frequentavam o CEFAM – Centro Específico de Formação e Aper- feiçoamento do Magistério –, durante o ano de 1999, em início e em final de curso, as autoras Montalvão e Mizukami (2002) puderam perceber que as alunas iniciantes realizavam análises de situações de ensino tomando como referência as experiências pessoais vi- vidas enquanto alunas, reproduzindo modelos e ex- periências de seu processo de escolarização, mesmo depois de iniciado um curso de formação específica. Afirmam as autoras (2002, p.124): praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 30 16/04/2014 17:14:26 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 31 Apoiando-se na literatura recente sobre o pensamento do professor, no caso da formação inicial, não se pode desconsiderar os saberes que as futuras professoras tra- zem para o curso, saberes esses marcados por crenças, hipóteses, concepções e teorias pessoais relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, construídos a partir de uma trajetória de vida e de escolarização particular a cada uma. Nesse sentido, Perdigão (2002), mais uma vez, con- tribui com esta pesquisa na medida em que acredita que a experiência de muitos anos com a instituição escolar legitima um modelo sobre o que é a escola, qual seu pa- pel, qual é o papel do currículo, o que ensinar, qual o papel do professor e do estudante etc. A trajetória esco- lar de cada sujeito forja e legitima concepções a respeito de todos esses elementos constituintes e envolvidos na prática educativa desenvolvida na escola. Tendo em vista essas considerações a respeito de autobiografias e narrativas e as características de nossas fontes – histórias de escolarização de alunos de Pedago- gia –, buscamos trabalhos que dessem voz aos alunos de qualquer nível de ensino, visando conhecer e/ou analisar sua história de escolarização, suas experiências educativas, os professores que tiveram, as práticas dos referidos profissionais etc. Portanto não selecionamos apenas trabalhos cujas fontes são semelhantes às nossas. Quando isso ocorreu, no texto a seguir, exploraremos a identificação de fontes. Contudo, consideramos “voz” estudos que como coletas de dados utilizaram questio- nários, entrevistas, relatos e assim por diante. Optamos por pesquisar trabalhos, Mestrado e Dou- torado, produzidos nas três universidades públicas do Es- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 31 16/04/2014 17:14:26 32 ISABELA VICENZO SGOBBI tado de São paulo2 – unesp, unicamp e uSp – conside- rando um período de 10 anos (2001-2010). Nosso recorte temporal considerou a última década, ou seja, o período de 2001 a 2010, tendo em vista que 10 anos de produção é bastante significativo para uma análise da natureza que estamos operacionalizando. Outrossim decidimos por tal recorte devido ao fato de que o início da produção das His- tórias de Escolarização, nossas fontes, data do ano 2003. Nossa busca foi feita no Banco de teses disponi- bilizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (Capes)3 valendo-nos dos seguintes descritores: “narrativas orais”, “narrativas escritas”, “histórias de vidas de alunos”, “história de vida”, “depoimentos de alunos”, “autobiografia” e “autobiografia e pedagogia”. para cada descritor, de- limitamos o ano, a instituição e o nível de pesquisa de acordo com a estrutura do site. O que encontramos por descritor foi o seguinte:4 Quadro 1 – Trabalhos encontrados por descritor e universidade Descritor Unesp Unicamp USP Narrativas orais (Expressão exata) Não selecionado Não selecionado Não selecionado 2 Essa decisão baseou-se apenas na possibilidade de fazer uma varre- dura bibliográfica circunscrita às universidades públicas do Estado de São paulo. 3 disponível em: . 4 Explicamos ao leitor que ao digitar o descritor no campo assunto há três opções que podemos selecionar: todas as palavras, qualquer uma das palavras e expressão exata. No quadro, explicitamos qual foi nossa opção para cada descritor. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 32 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 33 Narrativas escritas (Expressão exata) 2007, Mestrado Rodrigues, M.U. Não selecionado Não selecionado Histórias de vidas de alunos (Expressão exata) Não selecionado Não localizado Não selecionado História de vida (Expressão exata) 2003, Mestrado Machado, V.M. 2007, Mestrado Maitino, L.M. Não selecionado Não selecionado História de vida (Todas as palavras) 2006, Mestrado KIMURA, N. S. S. 2003, Mestrado Ledesma, L. V. R. 2006, Mestrado Souza, F. M. de 2008, Mestrado Oliveira, A. C. G. de 2010, Mestrado Santos, C. A. P. do 2003, Doutorado Koehler, S. M. F. 2009, Mestrado Nascimento, E. P. 2009, Mestrado Guaraldo, L. M. 2010, Mestrado Guimarães, A. C. 2010, Mestrado Dittrich, R. V. Depoimentos de alunos (Expressão exata) Não selecionado 2001, Mestrado Araújo, M. T. de Não selecionado praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 33 02/03/2014 20:49:01 34 ISABELA VICENZO SGOBBI Autobiografia (Todas as palavras) 2004, Mestrado Tuchapesk, M. 2005, Doutorado Pereira, P. S. 2003, Mestrado Romão, A. M. 2004, Mestrado Marinheiro, F. B. 2006, Mestrado Sampaio, P. S. 2007, Mestrado Pincheira, A. E. R. 2008, Mestrado Saffiotti, A. Autobiografia e Pedagogia (Todas as palavras) Não selecionado 2009, Mestrado Batista, V. L. Não selecionado Fonte: elaborado pela autora. por meio da leitura dos resumos selecionamos as pesquisas de nosso interesse, totalizando inicial- mente 22 trabalhos, conforme se verifica no quadro anterior. Lemos os 22 trabalhos, atentando para os objetivos, as metodologias e aos sujeitos pesquisa- dos. dessa forma, descartamos 14 trabalhos, pois, apesar da leitura dos resumos ter nos feito selecioná- -los, tais trabalhos, ainda que trouxessem a voz dos alunos, dedicaram-se a outros objetivos, não estando voltados à história escolar dos discentes. Nosso corpus teórico ficou composto por 8 pes- quisas, sendo 7 de Mestrado e apenas 1 de doutora- do. do total de trabalhos, 2 são da unesp, 3 são da unicamp e 3 são da uSp. No quadro a seguir, tra- zemos ao leitor as informações principais a respeito de cada uma dessas pesquisas, o que já permite per- ceber qual tipo de investigação tem sido realizada levando-se em conta o “dar voz aos alunos”. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 34 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 35 Q ua dr o 2 – Si st em at iz aç ão d as p es qu is as se le ci on ad as n a re vi sã o bi bl io gr áfi ca A no , n ív el e In st itu iç ão A ut or Su je ito s In st ru m en to s d e co le ta de d ad os T em a/ O bj et iv o P ri nc ip al 20 01 M E U ni ca m p A ra új o, M . T . 18 a lu no s d e um a es co la p úb lic a de 2 º g ra u E nt re vi st as In ve sti ga r q ua is os ob jet iv os , o s sig ni fic ad os e as co ns eq uê nc ias q ue os alu no s a tri bu em ao s p ro ce di m en to s di sc ip lin ar es d a e sc ol a. 20 03 M E U ne sp M ac ha do , V . M . 2 ex -a lu no s d o C ur so d e Pe da go gi a da F C T e a p ró pr ia pe sq ui sa do ra R eg is tr o de m em ór ia (h is tó ri a de v id a da pe sq ui sa do ra ); en tr ev is ta s se m ie st ru tu ra da s; a ná lis e do P PP d o cu rs o de Pe da go gi a. A na lis ar a c on tr ib ui çã o do c ur so d e P ed ag og ia d a F C T n a fo rm aç ão d o pr of es so r c om o in te le ct ua l c rí tic o- re fle xi vo . R ec up er ar a e xp er iê nc ia ed uc ac io na l a nt er io r d e al un os in gr es sa nt es d o cu rs o de P ed ag og ia da U ni ca m p, n o an o 20 00 . praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 35 02/03/2014 20:49:01 36 ISABELA VICENZO SGOBBI A no , n ív el e In st itu iç ão A ut or Su je ito s In st ru m en to s d e co le ta d e da do s T em a/ O bj et iv o Pr in ci pa l 20 03 M E U ni ca m p L ed es m a, L .V .R . 75 a lu no s i ng re ss an te s n o cu rs o de P ed ag og ia R el at os d e vi da – m em or ia l R ec up er ar a e xp er iê nc ia ed uc ac io na l a nt er io r d e al un os in gr es sa nt es d o cu rs o de P ed ag og ia da U ni ca m p, n o an o 20 00 . 20 03 D O U SP K oe hl er , S . M . F . 51 6 al un os d e 8ª sé ri e do E ns in o F un da m en ta l, de e sc ol as p úb lic as e pa rt ic ul ar es Q ue st io ná ri o; d es en ho e fr as e so br e o pi or pr of es so r R eg is tr ar a s m ar ca s q ue fi ca ra m na m em ór ia d o ad ol es ce nt e so br e su as e xp er iê nc ia s d e re la çõ es in te rp es so ai s c om o p io r p ro fe ss or . praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 36 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 37 A no , n ív el e In st itu iç ão A ut or Su je ito s In st ru m en to s d e co le ta d e da do s T em a/ O bj et iv o Pr in ci pa l 20 04 M E U ne sp T uc ha pe sk , M . 6 al un os d e 1º a no d o E ns in o M éd io d e um a es co la e st ad ua l e se us p ai s; 3 p ro fe ss or es d e M at em át ic a e 2 co or de na do re s A ut ob io gr afi as te m át ic as ; e nt re vi st as se m ie st ru tu ra da s C om pr ee nd er a s i nt er aç õe s q ue se d ão e nt re E sc ol a, F am íli a e M at em át ic a. 20 06 M E U ni ca m p So uz a, F . M . d e 19 a lu no s d e cu rs os su pe ri or es va ri ad os , l ev an do e m c on ta a au to cl as si fic aç ão c om o af ro de sc en de nt es E nt re vi st as R ec up er ar a s t ra je tó ri as e sc ol ar es d e al un os n eg ro s d a U ni ca m p. A no , n ív el e In st itu iç ão A ut or Su je ito s In st ru m en to s d e co le ta d e da do s T em a/ O bj et iv o Pr in ci pa l praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 37 02/03/2014 20:49:01 38 ISABELA VICENZO SGOBBI 20 08 M E U SP Sa ffi ot ti, A . 3 ex -a lu no s d e cu rs in ho e o p ró pr io p es qu is ad or R ec on st ru çã o au to bi og rá fic a do pe sq ui sa do r; e nt re vi st as E st ud ar a e xp er iê nc ia d e al un os de b ai xa re nd a em u m c ur si nh o po pu la r d a Sã o Pa ul o. 20 10 M E U SP D itt ri ch , R . V . 3 al un os d e 3º a no d o E ns in o M éd io E nt re vi st as re co rr en te s In ve st ig ar q ua is sã o os fa to re s q ue fa vo re ce m o u es tim ul am o su ce ss o na a pr en di za ge m d a m at em át ic a e, m ai s e sp ec ifi ca m en te , d e qu e m an ei ra a in te rv en çã o do p ro fe ss or co nt ri bu i p ar a is so . Fo nt e: e la bo ra do p el a au to ra . praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 38 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 39 O que dizem os trabalhos da Unesp Foram dois os trabalhos selecionados da unesp: Machado (2003) e tuchapesk (2004), ambos no nível de Mestrado. Machado (2003) desenvolveu um estu- do de caso em que analisou a contribuição do curso de pedagogia da Faculdade de Ciências e tecnologia (FCt), Campus de presidente prudente/unesp, para a formação do professor crítico-reflexivo. utili- zou o seu registro de memória acerca de sua história de vida, analisou o projeto político pedagógico do referi- do curso e realizou entrevistas semiestruturadas com dois ex-alunos que frequentaram o curso no período de 1994 a 1998 e que, no momento da pesquisa, já atuavam como professores. O registro memorialístico da autora, que também foi utilizado na triangulação dos dados, dizia respeito especificamente à sua expe- riência como aluna no curso de pedagogia. Exatamen- te por isso incluímos seu trabalho neste momento de nossa investigação. A respeito de registrar sua história de vida, a autora nos conta: “[...] foi um exercício fas- cinante, recheado de lágrimas, descobertas e um sabor inexplicável” (Machado, 2003, p.18). A autora relata com seu olhar os cinco anos do curso de pedagogia noturno da FCt/unesp, descre- vendo algumas práticas realizadas em disciplinas: A professora apresentava diversos temas para os semi- nários. A turma formava os grupos e escolhia os temas. Cada grupo recebia um conjunto de textos sobre seu tema. Os alunos liam, discutiam e redigiam um texto básico que inicialmente apresentavam e discutiam com a professora [...] durante o desenvolvimento do seminá- rio professor e alunos faziam comentários e indagações. O professor finalizava o trabalho com as considerações praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 39 02/03/2014 20:49:01 40 ISABELA VICENZO SGOBBI pertinentes. (Machado, 2003, p.128 – referência à dis- ciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino Funda- mental e Médio) O professor que lecionava a disciplina faltava muito, suas aulas fundamentavam-se em leituras e trabalhos re- digidos individualmente ou em grupos. trabalhos que, raramente, eram devolvidos. (Machado, 2003, p.130 – referência à disciplina didática) relata, também, as lacunas que percebeu: Na realidade, a devolução da avaliação (trabalhos, tex- tos, seminários, relatórios e provas) raramente ocorria. demoravam a serem corrigidos, dificilmente eram co- mentados em sala de aula, ou retornavam aos alunos com comentários por escrito, ou mesmo a possibilidade de serem reelaborados. Em algumas disciplinas, apenas ao término das aulas os alunos recebiam os trabalhos, em outras, concluíam a disciplina sem saber se haviam sido aprovados ou retidos. para a pesquisadora, a falta de correção das avaliações com os alunos impediam o amadurecimento e a autonomia na escrita. (Machado, 2003, p.139). de acordo com Machado (2003), os saberes pró- prios da especificidade do curso de pedagogia foram trabalhados pelas disciplinas, entretanto, desenvol- vidos de modo teórico e sem articulação com a reali- dade escolar, havendo ainda problemas de conteúdo nas disciplinas de Educação Física e Artes. A autora entendeu que há desvalorização dos saberes da ex- periência no curso de pedagogia, destacando que tal desvalorização precisa ser superada para garantir a formação do professor com perfil crítico-reflexivo: praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 40 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 41 Conhecer os alunos e seus projetos de vida, perceber que cada sujeito possui uma história única, observar que o professor, também, é ser humano eram aspectos “tidos” como essenciais para o trabalho docente. No entanto, não foram priorizados no trabalho com os alunos, futuros professores no curso de pedagogia da FCt-unesp. (Ma- chado, 2003, p.137). Observa-se que Machado (2003) mostra que as práticas pedagógicas exercidas no curso de peda- gogia investigado não são satisfatórias no que diz respeito à formação de um profissional crítico-refle- xivo, pois não considera a vida real, ou o eu pessoal do aluno, nas teorizações no âmbito das diferentes disciplinas. Nesse sentido, a autora evidencia a importância dos dados advindos da vida como um todo na formação de professores. A outra pesquisa realizada na unesp, a de tucha- pesk (2004), adotou a História Oral como método de investigação, objetivando compreender as interações entre Escola, Família e Matemática. para tanto, uti- lizou, dentre outros procedimentos, a Autobiografia temática. A partir dessas produções ela escolheu os sujeitos de sua pesquisa: 6 alunos do 1º ano do Ensino Médio. As entrevistas semiestruturadas permitiram tomar os depoimentos dos alunos, pais, professores de Matemática e dos coordenadores da escola. A propósi- to da História Oral a autora afirma: [...] ao darmos o direito à voz a esses sujeitos, estamos permitindo que o grupo [...] encontre sua voz e que esta possa levá-los a uma nova visão da história local e regio- nal e, ainda, que possa ajudá-los a criar um entendimen- to mais profundo das condições sociais e culturais que os afetam. (tuchapesk, 2004, p.5). praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 41 02/03/2014 20:49:01 42 ISABELA VICENZO SGOBBI Nesse sentido, a autora ressalta a importância de ouvir os alunos para que a escola, responsável por sua formação, tenha elementos férteis para avaliar se as práticas pedagógicas que efetiva atendem àquelas necessidades do aluno que são conhecidas somente quando se dá voz a ele, com o objetivo desse sujeito se colocar inteiramente no processo de formação ao qual está submetido. por exemplo, excertos da pes- quisa em questão esclarecem essa nossa observação: Sempre fui bem em Matemática; uma vez só que tirei nota baixa, pois eu não ia com a cara da professora da 6ª série. Não gostava da maneira da professora ensinar, eu não entendia o que ela falava, e a professora não se en- caixava comigo. [...] ela brigava muito na aula, tinha que ficar em silêncio, e eu não entendia as palavras que ela usava [...] pessoalmente, a professora era briguenta, ela era muito irritada e brava, nossa classe era bagunceira, e ela gritava muito [...] Já na 7ª série eu entendia tudo: por causa do jeito que a professora explicava, eu conseguia entender. Ela era um amor, um anjinho, ela falava baixo, falava meigo: “por favor, gente, vamos prestar atenção em mim”. dava aula e depois brincava no meio, dava uma aula diferente, ela dava conta para os alunos ao ar livre, ela cativava a gente (tuchapesk, 2004, p.49, relato da aluna Ketilin). Observe que por meio da voz do aluno podemos apreender tipos de práticas diferentes, sendo uma que desagrada e uma que agrada ao aluno. tais informa- ções são preciosas para uma escola, pois nem sempre, sem a voz do aluno, a escola teria informação daqui- lo que é adequado para ensinar e aquilo que não é. Outras informações a respeito da prática pedagógica permitidas pela voz do aluno no texto de tuchapesk (2004) são: uso do livro didático, passar matéria na praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 42 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 43 lousa, explicar a matéria, passar exercícios e não per- mitir conversa na sala de aula. Nesse sentido, os rela- tos a seguir materializam nossa observação: Na aula de Matemática, a professora ia à lousa, expli- cava, mandava a gente fazer e depois ela corrigia. Na 5ª série e 6ª, tinha livro, minha professora tinha o livro e ela passava na lousa, nós tínhamos um livro próprio que nós tínhamos que fazer, ela tirava as dúvidas, e ela ex- plicava também (tuchapesk, 2004, p.61, relato da aluna Juliana). Mas naquela época [7ª série], eu era mais fraquinho, porque eu não gostava de Matemática aquele tempo por causa da professora, porque no começo eu não tinha muita amizade com ela, então ela era meio ruim com nós. Ela era brava, não podia nem falar na classe, se desse um suspiro, ela mandava ir para fora (tuchapesk, 2004, p.71, relato do aluno Vitor). A aula de Matemática passa rápido, é gostosa, o profes- sor vai explicando, já vai passando exercício, eu já vou aprendendo [...] Não gosto do professor, porque, às vezes, ele pega muito no pé, ele fala muito, ele reclama muito [...] não pode conversar, não na hora que ele está explicando, mas na hora que está fazendo exercício, ele não quer que converse, ele não quer que faça nada, mas ele explica muito bem [...] (tuchapesk, 2004, p.94, rela- to da aluna Monique). de posse de todos os dados colhidos, a pesquisado- ra procurou indicar convergências no que foi dito pelos depoentes, classificando as tendências encontradas em três categorias: tendências de Conservação, tendên- cias de Mudança e tendências em Movimento. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 43 02/03/2014 20:49:01 44 ISABELA VICENZO SGOBBI Na categoria “tendências de Conservação”, a au- tora inclui o uso do uniforme escolar, a valorização do estudo como forma de conquistar uma boa profissão e a interação família-escola, esta última acontecendo geralmente quando os alunos têm problemas de de- sempenho ou de disciplina. A autora também observa a mesma tendência com relação às práticas na sala de aula, sendo que o ensino de Matemática foi descrito como tradicional e centrado no professor, o qual ex- põe o conteúdo e os exercícios na lousa. A questão do fracasso na aprendizagem de Matemática é classificada como uma “tendência em Movimento”. Já no que diz respeito ao relacionamento entre professor e aluno, a autora observa uma “tendência de Mudança”, visto que tempos atrás o professor se apresentava como uma pessoa autoritária, imbuída de todo saber e todo poder e vista pelos alunos como auto- ridade máxima. Atualmente, porém, a autora observa que os alunos criticam abertamente o professor, tanto no modo de explicar a matéria quanto no que se refe- re à relação professor-aluno, sendo que os professores elogiados são aqueles que em sua prática se mostram amigos e que se importam com as dificuldades e os problemas dos alunos. O que dizem os trabalhos da Unicamp Foram 3 as pesquisas selecionadas que usaram a voz dos alunos: Araújo (2001), Ledesma (2003) e Sou- za (2006), todas desenvolvidas no nível de Mestrado. Araújo (2001) tomou como objeto de estudo o processo de educação formal vivido por crianças e jovens na instituição escolar e por eles narrado. Os sujeitos são alunos de uma escola pública de 2º grau praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 44 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 45 que atende em três turnos e recebe adolescentes na faixa etária de 14 a 18 anos. A autora entrevistou, no final do ano de 1996, 18 alunos, sendo 8 do período noturno, 7 do vespertino e 3 do matutino. Os alunos-sujeitos apontam a sala de aula como local privilegiado, quase exclusivo, para a efetivação do processo ensino-aprendizagem. A autora observou que neste espaço se mantém a organização que reserva aos alunos o lugar de espectadores, mais ou menos pas- sivos, dependendo do professor e das práticas pedagó- gicas efetivadas por ele. Ao investigar o que os sujeitos estão aprendendo, a autora constatou que a maioria dos alunos, ao falar sobre os conteúdos curriculares que mais ou menos gostam, faz referência ao grau de empatia com o professor que ministra a matéria. referindo-se às recordações da escola, um dos en- trevistados – aluno do período noturno – afirma que a lembrança mais forte é a de duas professoras que o marcaram muito em sua vida e descreve vários aspec- tos das práticas pedagógicas efetivadas por elas: “porque essas duas professoras, na sala, elas davam uma atenção especial para o aluno, entendeu; tanto para aqueles que eram mais bagunceiros (que eu era um dos mais bagunceiros), quanto para aqueles que eram mais empenhados, entendeu. Era como um pai e uma mãe assim: dava conselho, dava dicas para gente se divertir, numa boa, saudável, ela ajudava o grêmio a participar, assim, de eventos, tipo campeonatos; foram as professo- ras que não só davam a aula mas também participavam na vida particular do aluno; davam um conselho, assim: às vezes alunos que tinham problemas com os pais, en- tendeu, ela ajudava, ou então chamava a mãe para con- versar. [...]. Então quando vem esse lance de lembrar de colégio, de escola, antepassado assim, eu lembro dessas duas professoras.” (Araújo, 2001, p. 35, grifos nossos). praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 45 02/03/2014 20:49:01 46 ISABELA VICENZO SGOBBI O mesmo aluno descreve a prática pedagógica de um professor de Geografia, a qual, para a autora, representa uma nova abordagem, indo além da pers- pectiva que exige que os alunos somente memorizem conteúdos: “As aulas dele eram muito legais. Além de falar da geo- grafia, ele fala bastante politicamente, explica a situação política do país. Ele é bem político, ele fala bastante nes- se meio. Ele é, também, um professor bem didático, bem legal.” (Araújo, 2001, p.68). E ainda refere-se à professora de História, que adota uma prática pedagógica baseada na explicação oral, o que para o aluno é uma prática positiva: “[...] ela fala muito, ela explica muito, então não tem o que você escrever na aula dela, você escreve o que você entende. Ela não é aquela professora que faz você de- corar, preenche a lousa de matéria e é isso que eu não gosto, de ficar copiando, copiando, copiando [...].” (Araújo, 2001, p.71). Note que, desde já, há várias informações acerca da prática pedagógica que foram apreendidas a par- tir das narrativas de alunos. Acreditamos que não somente para a escola como instituição essas infor- mações sejam imprescindíveis para a sua organização didática. Acreditamos que se professores, indepen- dentemente da disciplina que ministram, tiverem acesso a dados como esses seguramente eles consti- tuirão informações úteis para o trabalho que reali- zam, provocando até reflexão sobre as características do professor que agradam e não agradam ao aluno. Araújo (2001) afirma, por exemplo, que a maneira do praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 46 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 47 professor conduzir as aulas constitui-se em impor- tante definidor na preferência da matéria pelo aluno, bem como na facilidade ou não em compreendê-la. Já Ledesma (2003) teve por objetivo recuperar a experiência educacional dos alunos que ingressaram no curso de pedagogia da Faculdade de Educação da universidade Estadual de Campinas – unicamp, no ano 2000, focalizando suas vivências educativas ante- riores ao seu ingresso. A pesquisa se situa numa linha de investigação sobre as histórias de vida e os relatos de experiência como fontes de conhecimento da prática educacional. Vale ressaltar que o objetivo desse traba- lho é bastante próximo ao que estamos apresentando, uma vez que mostra a história de escolarização dos alu- nos pregressa ao ingresso no curso de pedagogia. A autora relata-nos que um dos pontos de parti- da do curso de pedagogia da referida instituição está na recuperação da experiência discente, por meio de um relato de experiência escrito na disciplina “In- trodução à pedagogia”, cursada no primeiro semes- tre do curso. desse modo, nas primeiras semanas de aula, foi solicitado aos alunos do período diurno e noturno que elaborassem relatos de vida escritos individualmente, contendo as experiências mais sig- nificativas de sua vivência educativa, alertando para que não registrassem apenas os eventos da vida esco- lar, mas outras situações em que o fenômeno educa- tivo poderia acontecer. tais relatos foram feitos sem parâmetros rígidos, na forma de um memorial, sem limite de laudas e com a possibilidade de usar foto- grafias e documentos. Observe a aproximação das fontes do trabalho em questão às fontes do trabalho que estamos apresentando, reitera-se. de posse desses materiais, o próximo passo foi estudar os relatos a fim de sistematizar os fatos re- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 47 02/03/2014 20:49:01 48 ISABELA VICENZO SGOBBI gistrados em núcleos temáticos mais significativos para o grupo de alunos, procurando semelhanças e diferenças entre eles: Na maioria dos casos começam fazendo referência ao pe- ríodo dos 3 anos de idade quando entraram na pré-escola, sendo esta descrita como um fato marcante e decisivo em sua vida tanto pessoal como profissional. Num total de 75 relatos fica, relativamente, claro que os alunos tiveram uma educação infantil formal sendo 90% em escolas privadas e 6 escolas de educação infantis públicas, somente 2 alunos foram diretamente para a educação básica sem ter passado antes por nenhuma instituição educacional. desta forma, seguem desenvolvendo sua história até a decisão de fazer cursinho para tentar garantir com isso chegar à universida- de. (Ledesma, 2003, p.19). A maior porcentagem de dados relatados quan- titativamente foi referente a fatos marcantes no cursinho (66%), seguido do período do Magistério (21%). porém, de acordo com os sujeitos, o nível que apresentou fatos mais marcantes foi o primário – que hoje corresponde ao Ciclo I do Ensino Fundamen- tal –, tanto em alunos que cursaram escolas públicas como particulares. O núcleo Educação tradicional foi encontrado em 51% dos relatos e a autora sintetiza os dados da seguin- te forma: [...] a educação oferecida a estes alunos segundo os rela- tos obtidos é uma educação de caráter repressivo, onde o aluno não tem nenhuma possibilidade de expressar e discordar do “ser supremo”, neste caso o professor, tam- bém existe quem defina esta educação como tradicional, onde o poder estava concentrado nas mãos do professor e o aluno era simplesmente um ouvinte e o bom aluno era praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 48 02/03/2014 20:49:01 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 49 aquele que mais se parecia com o modelo padrão. (Le- desma, 2003, p.49-50). Outro núcleo temático que apareceu com bas- tante destaque nas histórias de vida é a questão da Educação Familiar, com uma incidência de 68% nos relatos, por meio da ideia de mãe como pri- meira educadora. Em outra etapa da pesquisa, no final do primeiro semestre, os alunos foram convidados a escreverem um novo relato, procurando identificar possíveis mu- danças na concepção de educação, levando em con- sideração os conteúdos desenvolvidos nas disciplinas Filosofia e História da Educação. A autora verificou que houve a construção de novos conceitos e/ou a re- formulação de aprendizados. Escrevendo o segundo relato, todos os depoimentos salientaram o enrique- cimento obtido ao ter uma visão mais clara e objetiva de sua experiência educativa dentro do contexto his- tórico e social em que aconteceu e a importância disso na formação profissional como educadores. O excerto a seguir mostra que o aluno conseguiu utilizar os co- nhecimentos adquiridos em uma das disciplinas para entender um tipo de prática pedagógica efetivada por uma ex-professora: A experiência mais marcante que tive foi com uma pro- fessora de física, ela era a professora chefe da minha sala, mas no fim não fazia nada pelos alunos, para ela era tudo impossível, nada tinha solução. A sua forma de agir com os alunos, a sua maneira de dar aula, pude entendê-las através das aulas de Filosofia da Educação, e por um li- vro que o professor regis de Morais escreveu: Violência e Educação. (Ledesma, 2003, p.54). praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 49 02/03/2014 20:49:02 50 ISABELA VICENZO SGOBBI Como afirmamos anteriormente, dados oriun- dos da voz de alunos sobre a sua escolarização po- dem provocar reflexões por parte do professor que os conhece. O último excerto mostra, objetivamente, como produzir histórias de escolarização pode pro- vocar também nos alunos reflexões sobre as práticas pedagógicas às quais foram submetidos durante o seu percurso escolar. No caso em questão, em que o aluno será professor e portanto cursa pedagogia, a ativida- de narrativa é inflexionada pela teoria específica dessa formação, permitindo uma reflexão metadidática de práticas pedagógicas. por fim, o trabalho de Souza (2006) procurou recuperar as trajetórias escolares de alunos negros da unicamp, buscando compreender como a cor da pele interferiu e interfere nas vivências dos entrevis- tados, especialmente nos ambientes escolares pelos quais têm passado. Nesse sentido, a autora pressu- punha que as trajetórias de estudantes negros tra- ziam referências acerca do preconceito vivenciado em ambientes escolares. Entretanto, a pesquisadora se surpreendeu, pois não encontrou somente um grupo com menores condições socioeconômicas, o que era esperado tendo em vista a bibliografia pesquisada, mas encontrou um grupo de estudantes negros cujas trajetórias sociais os aproximava de um estudante universitário brasileiro padrão: jovens, filhos de pais com alto nível de escolaridade e com renda familiar elevada. por meio dos dados obtidos nas entrevistas, a autora pôde perceber que as condições de estudo pré-universitário dos sujeitos seguiram o padrão so- cioeconômico da renda de suas famílias. Assim, os entrevistados com melhor condição socioeco- nômica (maioria entre os entrevistados) têm um históri- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 50 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 51 co escolar similar ao de qualquer outro jovem das clas- ses sociais mais abastadas: colégios particulares, cursos diversos, tempo livre para estudo (sem necessidade de trabalhar), enfim contaram com todo apoio emocional e financeiro de suas famílias. (Souza, 2006, p.30). A maior parte dos entrevistados se calou quando questionados a respeito de experiências preconcei- tuosas e discriminatórias que possivelmente teriam sofrido na escola e, para a autora, o que se eviden- ciou foi o incômodo com a questão, manifestado pela negação enfática de tais experiências nas trajetórias escolares. referindo -se às práticas pedagógicas dos professores, os alunos disseram: “Ah, não! Os professores tratavam todo mundo igual!!!” (aluno de Engenharia Agrícola) “[...] Lá na minha escola não tinha isso não. Inclusive tinha uma professora lá que sempre falava das diferen- ças sociais em nosso país. Ela sempre falava: ‘quantos negros têm na nossa turma?’ Lá tinha essa consciência sim”. (aluno de Biologia) “Não! Os professores sempre me trataram bem!” (aluna de Engenharia Mecatrônica) (Souza, 2006, p.40). por meio das narrativas, acerca da história de es- colarização vivida antes do ingresso na universidade, a pesquisadora observou que a maior parte dos entre- vistados só se lembrava de situações de preconceito e discriminação fora da escola, o que indica, para a auto- ra, que a associação entre escola e racismo parece não fazer sentido para seus sujeitos. Entretanto, relem- brando situações pelas quais passou em sua própria escolarização, a autora descreve: praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 51 02/03/2014 20:49:02 52 ISABELA VICENZO SGOBBI um dia, depois de mais um interminável intervalo sozi- nha no pátio, voltei à sala para o recomeço da aula. [...]. Naquele dia, quando voltei, meus materiais estavam no chão, no centro da sala. As mesas eram coletivas, desti- nadas a quatro crianças cada uma. tentei voltar para a mesa que estava. tentei sentar nas outras, mas todas es- tavam ocupadas. triste e com medo, sentei no chão jun- to com as minhas coisas. Quando a professora voltou, não pensou duas vezes, chamou minha atenção, gritou comigo e falou que era para eu parar de “gracinha”. Na minha timidez, medo e, sobretudo, vontade de sumir, tentei explicar, mas ela não quis ouvir. para ela, tudo estava claro: eu estivera brincando no chão na hora do intervalo e não respeitara o sinal do recomeço da aula. para aquela professora eu não passava de uma menina indisciplinada, embora o meu comportamento não des- se margem para tal interpretação. (Souza, 2006, p.41). Note que a autora da pesquisa a que estamos nos referindo, neste momento, é negra e devido também à sua experiência em relação a preconceito em ambiente escolar acreditava que outros alunos, de outra geração, de outro momento histórico, haviam sofrido do mesmo preconceito que denuncia. Contudo, os dados advindos da história de escolarização de seus sujeitos não con- firmaram seu pressuposto. Obviamente não estamos tratando, nesta investigação, de questões relacionadas diretamente ao preconceito, mas estamos exatamente nesta etapa da pesquisa mostrando a fertilidade de es- tudos que dão voz aos alunos. No último caso, o efeito de estudos com fontes subjetivas serviu, pode-se dizer, para a autora estabelecer relação entre a história de seu tempo e a história do tempo de seus sujeitos. também não é o objetivo de nossa pesquisa refletir sobre as pos- síveis razões, ou não, dos sujeitos da investigação em questão terem dito que não sofreram preconceitos. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 52 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 53 Em relação às experiências na universidade, os alu- nos relataram que têm a sensação de solidão no espaço acadêmico, associada ao medo de passar por situações constrangedoras. No que diz respeito a casos de cons- trangimento racial envolvendo professores da univer- sidade, evidenciou-se, para a autora, a dificuldade de classificar tais situações como preconceituosas e dis- criminatórias. Embora alguns alunos relatassem um tratamento diferente por parte de algum professor, não conseguiram afirmar que tivessem sido vítimas de pre- conceito e de discriminação racial. Com exceção de um depoimento – do aluno de Quími- ca – os demais entrevistados que narraram situações de constrangimento envolvendo professores, o fizeram com ressalvas. É interessante o relato de dois entrevistados, que equiparam o preconceito racial com o preconceito etário [...]. Eles colocam em suspeição a discriminação racial, pois ficaram em dúvida se o tratamento de alguns professores é fruto de discriminação por causa da raça ou porque tratam mal alguns tipos de alunos “indese- jáveis”, como os mais velhos, por exemplo. O interes- sante é que eles não se dão conta justamente disso: se o professor trata mal alguém por ser mais velho, por es- tar na categoria dos “indesejáveis” é sinal que ser negro também é estar dentro desta categoria por alguma razão. [...] Assim, podemos inferir que ser negro, para alguns professores, deve estar no rol dos alunos “indesejáveis”, justamente pela imagem que se deve ter do negro: um “fracasso” escolar; com dificuldades cognitivas. É o es- tigma da cor da pele atuando nas interações acadêmicas de forma a prejudicar o desempenho e o futuro profis- sional destes alunos. (Souza, 2006, p.65-66). para a autora, há um silenciamento das práticas preconceituosas e discriminatórias que são efetivadas praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 53 02/03/2014 20:49:02 54 ISABELA VICENZO SGOBBI no ambiente acadêmico. Segundo ela, isso pode contri- buir para a reprodução do discurso conservador de que a universidade não é espaço para negros e, assim, as situações de exclusão do negro neste ambiente são rea- limentadas, mantendo-se o atual quadro de invisibi- lidade do grupo no espaço universitário. O problema transversal que este trabalho suscita é o seguinte: se os sujeitos da pesquisa não sofreram preconceito duran- te a escolarização do Ensino Fundamental e Médio, como afirmaram, de onde vem o medo do preconceito na universidade? Seria um problema da “Autoridade” que a universidade representa ou os respondentes, por alguma razão, não assumiram o preconceito durante sua escolarização pregressa? de todo modo, as narra- tivas de alunos decididamente são muito férteis como fontes de pesquisa. O que dizem os trabalhos da USP da uSp selecionamos três trabalhos: Koehler (2003), Saffiotti (2008) e dittrich (2010). O trabalho de Koehler (2003) é o único doutorado que foi selecio- nado na revisão bibliográfica. para abordar questões relativas à violência psico- lógica, Koehler (2003, p.5) se propôs a ouvir o que os adolescentes têm a dizer: “trata-se especificamente de registrar as marcas que ficaram na memória do adoles- cente sobre as suas experiências de relações interpes- soais com o ‘pior professor’ enquanto eram crianças.”. A autora utilizou como instrumentos de coleta de dados um questionário com 31 questões, além de um desenho do professor e uma frase a respeito do docente, cujo objetivo principal era conhecer as características do “pior professor” desde o dia em que o aluno ingres- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 54 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 55 sou na escola. O questionário se estruturou em três blocos: sobre o aluno, contendo questões sobre o tipo de escola, idade do sujeito, situação ocupacional da fa- mília; sobre o perfil do “pior professor”, com questões relativas à série, disciplina, gênero e idade do professor; sobre a vida do aluno com esse professor, com questões buscando identificar ações dos professores considera- das violentas, as suas frequências e os sentimentos dos sujeitos frente a tais ações. A nosso ver tais blocos se relacionam, direta ou indiretamente, com as práticas pedagógicas efetivadas pelos professores. Os sujeitos da pesquisa foram 516 alunos de 8ª série do Ensino Fundamental, matriculados em escolas públicas (441 sujeitos) e particulares (75 sujeitos) do município de Guaratinguetá, no ano de 2001. A autora justifica a escolha por esta série devido ao fato de que os alunos já vivenciaram uma parte considerável de sua escolarização e que já sa- bem identificar e nomear seus próprios sentimentos, distinguindo, com clareza, o adulto que atrapalha ou auxilia seu desenvolvimento. de posse de todos os dados, a autora pôde cons- tatar que atos de violência psicológica estiveram pre- sentes na trajetória de 488 sujeitos, o que equivale a quase 95% da amostra. Além disso, os dados mostra- ram que o fenômeno da violência psicológica atinge indiscriminadamente meninos e meninas de ambas as redes de ensino do município estudado. por or- dem de frequência, em ambas as redes, aparecem os atos de gritar (32,8%), humilhar (28,1%) e comparar depreciando (16,6%). Em percentual menor aparece- ram os atos de ameaçar alunos, atirar objetos, mentir, agredir fisicamente e quebrar objetos. Os sentimen- tos dos alunos com relação aos atos de violência fo- ram registrados como vergonha, humilhação e raiva. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 55 02/03/2014 20:49:02 56 ISABELA VICENZO SGOBBI Koehler (2003, p.9) nos apresenta outros dados: Considerando toda a amostra, a maioria dos alunos informa que os professores propensos aos AtOS de Violência psicológica lecionam Matemática (30,7%), se- guidos dos de História (23,4%) e de português (20,1%). Analisando-se, dentro das redes de Ensino, verifica-se que na pública se repete o observado em toda amostra (Matemática – 31,5% e História – 22,6%). Na rede particular, foi mais citada a disciplina História (28,0%), seguida da mesma participação (24,6%) nas disciplinas de Matemática e português. para analisar os desenhos feitos pelos alunos, a au- tora valeu-se de uma categorização temática e encon- trou o seguinte quadro: • figura humana – atitudes desfavoráveis: professor autoritário, agressivo, punitivo, gestos que demonstram o poder, como, por exemplo, bra- ços erguidos, mãos na cintura, rosto sisudo, olhar de reprovação, régua na mão do professor em posição ameaçadora (36,2%); • figuras mitológicas que causam medo: bruxa, demônio com tridente e chifres, monstros (23,8%); • figuras humanas ridicularizadas/humor: nariz enorme, corpo desproporcional, gordos, des- cabelados (14,7%); • figura humana – aspectos intelectuais ou cog- nitivos da aprendizagem: professor com livro, óculos destacados no desenho, quadro negro com operações matemáticas (9,8%); • ambiente: sala de aula, mesa, carteiras com alunos (5,6%); praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 56 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 57 • figura humana – atitudes favoráveis: sorriso no rosto do professor, professor com os braços abertos, coração na camisa (4,4%); • objetos: caderno, garrafa de pinga, lousa, tubo de cola, livro, régua (3,3%); • figura de um animal: vaca, macaco, cobra, baleia, cachorro (2,2%). Os dados da amostra indicaram que a violência psi- cológica ocorre independente do gênero ou do tipo de escola. Quase 71% dos professores descritos pertencem ao gênero feminino, entretanto, a autora chama a atenção para o fato da predominância das mulheres na profissão docente. portanto, a autora mostrou, por meio da voz dos alunos e dos dados estatísticos, que a violência psicoló- gica ocorre nas relações professor-aluno nas escolas de Ensino Fundamental de Guaratinguetá, ou seja, é uma realidade nas práticas efetivadas em sala de aula. Saffiotti (2008) se propôs a estudar a experiência de alunos de baixa renda em um cursinho popular de São paulo. para isso, partiu de sua própria história como aluno no curso ao qual pertencem seus sujei- tos. E aplicou entrevistas em profundidade com três ex-alunos do mesmo cursinho, procurando fomentar narrativas que possibilitassem a livre expressão a res- peito das práticas no contexto desse cursinho popular. O tempo abrangido pela entrevista incluiu a vida social pregressa – família, casa, escola, trabalho, cursinho – e encerrou-se com os resultados dos vestibulares. Esse autor, a propósito de sua reconstrução au- tobiográfica, descreve alguns de seus professores, evidenciando algumas ações que compõem a prática pedagógica em um tipo de relato que se aproxima das Histórias de Escolarização escritas por nossos sujeitos: praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 57 02/03/2014 20:49:02 58 ISABELA VICENZO SGOBBI Lembro-me com carinho de um professor de matemá- tica [...] que nos fazia recortar cartolinas para entender o sentido das formas algébricas e da geometria. Fre- quentemente nos colocava para trabalhar em grupo e estimulava, dando pontos na nota final, resoluções cria- tivas para os problemas propostos. [...] [Zuza, professor de geografia] Fazia questão de nos contar vivamente sua experiência com o coronelismo [...]. Ele energicamente repetia sobre a importância do estudo na vida [...]. Mui- tos colegas não gostavam de ambos por considerá-los muito “rigorosos”, entretanto foram professores e aulas que fortemente me marcaram. (Saffiotti, 2008, p. 57). referindo-se às aulas de Matemática, Física e Química e aos professores que as ministravam, o au- tor nos descreve um tipo de prática que não considera positivo: [...] um amontoado de fórmulas que nos levavam do nada para lugar nenhum, resumindo-se a números e letras. [...] também me ressentia pela falta de envolvi- mento de alguns professores conosco e com o próprio conteúdo das disciplinas que ministravam, dando aulas como quem reproduz uma gravação: eles não falavam para mim, ou comigo, não havia ninguém ali. (Saffiotti, 2008, p.59). Vale dizer que após um ano de cursinho, o autor, em seu relato, informa que foi aprovado no vestibular da uSp. Além disso, apresenta uma outra avaliação dos professores que teve no cursinho, que foi seu cam- po de pesquisa: Foram conteúdos programáticos daquilo que deveria ter visto no Ensino Médio e não vi? Foi isso e foi mais. Eram professores com autoridade, mas não eram autoritários, e praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 58 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 59 essa autoridade os fazia maiores, mas não superiores [...] para mim, sobretudo fez diferença eles não nos tratarem como “carentes”: éramos unicamente alunos, e o investi- mento e a dedicação destes professores, cônscios de nossas dificuldades, apontavam mais para nossas potencialidades do que para nossas dificuldades. (Saffiotti, 2008, p.89). No que se refere aos sujeitos depoentes na pes- quisa de Saffiotti (2008), Madalena descreve suas memórias do Ensino Médio recordando-se de pro- fessores sem compromisso, que faltavam muito ou ficavam apenas sentados na sala de aula: “[...] os professores, quando eles dava aula era aquela coi- sa totalmente desinteressante de encher o quadro de lousa, copiar e pedir dez respostas sobre aque- le texto.” (Saffiotti, 2008, p.96). Ao ingressar no cursinho encontra uma nova realidade com pro- fessores comprometidos, dedicados e acolhedores e isso funciona, para ela, como um estímulo para estudar. Jonas, outro depoente, também chamou atenção para o compromisso dos professores do cursinho que, segundo ele, resultavam em aulas mais interessantes. por fim, daniel, o terceiro de- poente, exalta o fato de os professores do cursinho partilharem suas histórias de vida e, por intermédio delas, criarem uma paisagem humana no cursinho, não desenvolvendo um distanciamento hierárquico e autoritário entre professores e alunos. Já nas considerações finais, o autor afirma que para além do objetivo de favorecer o ingresso de estudantes de baixa renda em universidades públicas, a vivência no cursinho popular possibilitou experiências de comuni- dade, que se mostraram fundamentais para a aprendiza- gem, uma vez que permitiram o resgate e a compreensão de vivências de humilhação social sofridas pelos sujeitos, praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 59 02/03/2014 20:49:02 60 ISABELA VICENZO SGOBBI criando, ao mesmo tempo, novos modos de relações pos- síveis entre os alunos e os demais. O último estudo a ser apresentado neste capítulo é o de dittrich (2010). para realizar sua pesquisa a autora valeu-se do método das entrevistas recorrentes. A de- finição dos sujeitos participantes da pesquisa levou em conta dois critérios: o aluno ser considerado bom aluno em Matemática por seus professores e afirmar gostar de Matemática. Foram selecionados três alunos, estudantes do 3º ano do Ensino Médio. referindo-se ao ensino da Matemática e a profes- sores que ministravam tal disciplina, o sujeito 1 recorda de um professor da 5ª série que utilizava desafios ma- temáticos, o que era considerado algo estimulante. O sujeito 2 destacou professores que sempre deram aulas práticas, com exemplos e utilização de materiais mani- puláveis, como o uso de barra de chocolate no ensino de frações. também deu destaque para o fato de que seus professores procuravam ensinar de uma forma que pro- porcionasse o entendimento das fórmulas matemáticas e não apenas o ato de decorar e aplicar em exercícios. Já o sujeito 3 refere-se à professora da 3ª série , afirmando gostar do método de ensino utilizado: “Normalmente ela pegava a última meia hora da aula [...] e fazia ta- buada. daí ela fazia um joguinho, quem acertasse três vezes, primeiro, três contas matemáticas de multiplica- ção, era liberado da sala” (dittrichi, 2010, p.96). todos os sujeitos fazem referência à questão da afe- tividade na relação professor-aluno, acreditando que uma relação de amizade entre alunos e professor colabo- ra muito na aprendizagem, conforme relata o sujeito 2: Mas tem professores que se tornam amigos, sabe, não uma questão de amizade assim, mas tem um relaciona- mento bom. dá vontade de ir pra aula, você quer apren- praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 60 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 61 der, você quer entender o conteúdo, fica mais fácil de você aprender, do que você só estar indo lá por obriga- ção, entendeu! [...] não aquele professor piadista, mas professor que se envolve com a turma assim, a gente tem mais vontade de aprender, né. do que aquele professor sistemático que entra na matéria, faz chamada e só isso. Então, eu acho que com certeza a questão de relacionamento com o pro- fessor influencia bastante. (dittrichi, 2010, p.99). A autora constatou que a questão do gosto pela Matemática dos pais e irmãos mais velhos de seus su- jeitos parece ter influenciado sobremaneira. Na mes- ma direção, a mediação e a afetividade em sala de aula foram pontos especialmente levantados pelos sujeitos: uma mediação com marcas afetivas, baseada na amiza- de entre professor e aluno, a proximidade e o contato, a admiração e práticas significativas são fatores que colaboram tanto para gostar da disciplina quanto para ser um aluno bem-sucedido em Matemática. As atitudes do professor, sua forma de ensinar, a rela- ção que instaura com os alunos em sala, assim como sua capacidade de sustentar uma relação positiva diante do objeto de conhecimento, no caso a Matemática, é um ponto fundamental para alcançar o sucesso na discipli- na. Outra consideração feita foi a questão do professor conseguir manter a disciplina e a ordem em sala de aula a fim de possibilitar a concentração dos alunos. (dittrichi, 2012, p.127). percebemos que a questão de manter a disciplina e a ordem em sala de aula é um aspecto considerado im- portante pelos alunos ao referirem-se aos seus profes- sores. A autora conclui que o professor é fundamental para o sucesso do aluno na disciplina de Matemática. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 61 02/03/2014 20:49:02 62 ISABELA VICENZO SGOBBI terminamos aqui a exposição das pesquisas por nós selecionadas e apresentamos, para finalizar o ca- pítulo, uma síntese do que observamos. A primeira questão se refere à pouca quantidade de trabalhos se- lecionados. É claro que não podemos nos esquecer dos recortes adotados, mas considerando-se a produção das três universidades públicas estaduais de São paulo, é um número muito reduzido levando-se em conta da- dos coletados de caráter autobiográfico e/ou História de Escolarização de alunos no período de 2001 a 2010. Isso pode estar relacionado, a nosso ver, com o fato de as produções e pesquisas estarem mais voltadas ao pro- fessor, à sua prática e à sua formação do que ao aluno. Além disso, nosso descarte foi grande, pois as pes- quisas que trazem a voz do aluno estão basicamente voltadas a outros objetivos que não seja conhecer, ana- lisar ou investigar o percurso escolar do aluno, os pro- fessores que tiveram e as práticas de tais professores. desse modo, selecionamos apenas oito pesquisas que atenderam aos nossos critérios de busca, explicitados no início do capítulo. do total, três pesquisas tomaram como sujeitos alunos do Ensino Superior, três pesqui- sas estudaram alunos do Ensino Médio, uma pesqui- sa investigou alunos da 8ª série (atual 9º ano EFCII) e uma pesquisa foi realizada com ex-alunos de um cur- sinho popular. Salientamos que as justificativas dos autores, ao estudarem alunos da 9ª série e do Ensino Médio, se voltam ao fato de esses sujeitos já haverem passado tempo suficiente na escola para poderem falar e julgar professores e práticas efetivadas por eles e pe- las escolas nas quais estudam. das três pesquisas reali- zadas com alunos do Ensino Superior, duas foram rea- lizadas com alunos de pedagogia e uma com alunos de diversos cursos superiores. portanto, especificamente para nossa investigação, contamos apenas com duas praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 62 02/03/2014 20:49:02 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA... 63 pesquisas produzidas com alunos do curso de pedago- gia, que é o nosso caso. Entretanto, apesar de serem poucos trabalhos, trouxeram contribuições importantes no entendimen- to de nossos dados e nos ajudaram a construir a discus- são a que nos propusemos, uma vez que, por meio dos trabalhos da revisão pudemos apreender aspectos rela- cionados com a prática pedagógica de professores, com a relação professor-aluno, com aquilo que os alunos valorizam no professor e como são as marcas deixadas pelos professores, tanto os considerados bons como os ruins. Consideramos que os oito trabalhos trouxeram informações importantes e relacionadas com nosso ob- jeto/objetivo: dados advindos da voz de alunos sobre as práticas pedagógicas e informações afins. No que diz respeito à força e/ou fertilidade de nossas fontes, podemos perguntar: ora, não é o percur- so escolar vivenciado por, no mínimo, 11 anos,5 uma fonte riquíssima de informação? Acreditamos que sim e, desse modo, nos dedicaremos a explorar o que alu- nos do curso de pedagogia oferecido pela Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/unesp têm a nos dizer sobre experiências vividas na sua his- tória de escolarização até seu ingresso na universida- de. É exatamente sobre a voz desses alunos que trata o próximo capítulo. 5 todos os nossos sujeitos cursaram, no mínimo, os 8 anos do En- sino Fundamental e os 3 anos do Ensino Médio, totalizando 11 anos de estudos. Salientamos que quando cursaram esses níveis de ensino, ainda valia a denominação antiga dos mesmos, qual seja: 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e Colegial. praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 63 02/03/2014 20:49:02 praticas_pedagogicas2_NOVO.indd 64 02/03/2014 20:49:02 2 Uma breve reflexão sobre práticas pedagógicas e apresentação das fontes “O vento é o mesmo, mas sua resposta é diferente em cada folha” Cecília Meireles (1973, p. 45) O que autores dizem sobre a prática pedagógica primeiramente é importante apreender o s