UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Campus de Araraquara - SP Isabela Fernandes Ierick A elaboração de um texto de divulgação científica sobre uso de polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas ARARAQUARA 2022 Isabela Fernandes Ierick A elaboração de um texto de divulgação científica sobre uso de polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas Monografia apresentada ao Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte das exigências para obtenção do título de Licenciada em Química. Orientador: Prof. Dr. Amadeu Moura Bego ARARAQUARA 2022 I22e Ierick, Isabela Fernandes A elaboração de um texto de divulgação científica sobre uso de polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas / Isabela Fernandes Ierick. -- Araraquara, 2022 87 f. : il. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura - Química) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Química, Araraquara Orientador: Amadeu Moura Bego 1. Divulgação científica. 2. Polímeros impressos. 3. Cromatografia em camada fina. 4. Material didatico. 5. Produtos químicos agrícolas. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Química, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Isabela Fernandes Ierick A elaboração de um texto de divulgação científica sobre uso de polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciada em Química. Araraquara, 16 de dezembro de 2022 Banca examinadora Prof. Dr. Amadeu Moura Bego Instituto de Química/ UNESP Araraquara Esp. Carolina Sotério Universidade de São Paulo/ USP Dr. Sabir Khan Instituto de Química/ UNESP Araraquara DADOS CURRICULARES IDENTIFICAÇÃO: Nome: Isabela Fernandes Ierick Nome em citação bibliográfica: IERICK, I. F. FORMAÇÃO ACADÊMICA/TITULAÇÃO: Graduação em Licenciatura em Química - Instituto de Química UNESP – Araraquara/SP APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS: XXX Congresso de Iniciação Científica da UNESP - IQ/Araraquara. Síntese e aplicação de polímeros biomiméticos fluorescentes em cromatografia em camada delgada. 2018. (Apresentação de pôster). XXXI Congresso de Iniciação Científica da UNESP - IQ/Araraquara. Síntese e aplicação de polímeros biomiméticos fluorescentes em cromatografia em camada delgada. 2019. (Apresentação de pôster). 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) - Foz do Iguaçu. Síntese e caracterização de polímeros fluorescentes com núcleo de sílica para aplicação em cromatografia em camada delgada. 2018. III Workshop INCT DATREM - Araraquara. Síntese e caracterização de polímeros biomiméticos fluorescentes para aplicação em cromatografia em camada delgada. 2020. Dedico este trabalho aos meus pais cuja confiança e amor incondicional tornaram possível minha caminhada até aqui. AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram de certa forma nesta caminhada, e me amparam em momentos difíceis. Meus mais sinceros agradecimentos vão aos meus pais, sem eles nada disso seria possível, pois todo o apoio, consideração e amparo nos momentos de dificuldade, foram essenciais para o cumprimento desta trajetória. Aos meus irmãos, que sempre me serviram de exemplo, e ao meu namorado Yuri, cujo companheirismo e suporte foram essenciais para esta etapa da minha vida acadêmica. Ao Prof. Dr. Amadeu Moura Bego por toda paciência, orientação e ensinamentos, que sem dúvida serão levados para além deste trabalho. As minhas amigas de classe e companheiras de casa, as quais me auxiliaram por todo o processo da graduação, sem elas teria sido impossível; em especial à Carolina Martins Primo, que sempre me orientou de certa forma a tomar atitudes que fossem benéficas ao meu crescimento profissional. Ao Instituto de Química que fornece sustento não só para minha formação como aluna, mas também como cidadã. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.”1 (FREIRE, 1987 p. 33). 1 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 33. RESUMO Diante da “era das fake news” que atingiu a sociedade principalmente em 2020, a qual enfrentou uma pandemia da Covid-19, tem-se ainda mais a necessidade de combater essas falsas informações por meio de comunicação sobre a ciência para a sociedade. A prática da Divulgação Científica (DC) é citada na literatura como uma das “armas” capazes de combater essa era de falsas afirmações, dialogando com o público sobre o conhecimento que acontece nas pesquisas brasileiras. Assim, o trabalho tem como objetivo elaborar um Texto de Divulgação Científica (TDC), produto educacional com potencialidades para comunicar publicamente sobre a ciência. Apesar disto, estreitar a comunicação de ciência e sociedade não é a única potencialidade deste material, podendo também servir de ferramenta nas escolas para a formação de alunos críticos e conscientes sobre questões políticas, econômicas e sociais. Tendo isso em vista, o texto de divulgação produzido, a respeito de “polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas”, apresentou todas as características descritas na literatura para um TDC de qualidade. Características como conteúdo fundamentado e adequado, forma, estrutura e linguagem organizadas de acordo com referenciais teóricos e o público alvo escolhido, que foram os alunos do terceiro ano do Ensino Médio. Tendo isso em vista, desde que utilizado de maneira adequada e bem fundamentada, o texto produzido possui potencial de contribuir tanto para a divulgação do conhecimento científico para a sociedade quanto para o incentivo da leitura crítica e formação de alunos conscientes política, social e economicamente. Palavras-chave: texto de divulgação científica. Polímeros Molecularmente Impressos. Cromatografia em Camada Delgada. produto educacional. agrotóxicos. ABSTRACT Before the "fake news era" that hit society mainly in 2020, in which the world faced the Covid-19 pandemic, there is even more need to fight misinformation through commuinicating science topics to society. The practice of Public Communication of Science and Technology is cited in the literature as one of the "weapons" capable of combating this era of false claims, bringing to the public the knowledge about what happens in Brazilian researchs. Thus, the objective of this work is to elaborate a Popular Science Texts, an educational product with the potential to bring communications about science to the public. Despite this, narrowing the communication between science and society is not the only potentiality of this material, but also serving as a tool in schools for training students with critical thinking regarding politics, economics, and social issues. With this in mind, the published text produced, regarding "selective polymers in chromatography for pesticide identificadion", presented all the characteristics described in the literature for high-quality popular sciencie texts. Characteristics such as reasoned and adequate content, form, structure and language organized according to theoretical references and the chosen target audience, that was the third year of high school. With this in mind, considering that it is used in an appropriate and well-founded manner, the text produced has the potential to contribute both to the public communication of science and tecnology, and to the encouragement of critical reading and the education of politically, socially and economically aware students. Keywords: popular science text; Molecularly Imprinted Polymers. Thin Layer Chromatography. educational product. pesticides. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Médias de proficiência e intervalos de confiança dos países selecionados de leitura em 2018. 21 Figura 2 - Percentual dos entrevistados sobre conhecimento de cientistas e instituições que fazem pesquisa. 22 Figura 3 - Percentual dos entrevistados que se declaram “preocupados” sobre questões ambientais e socioambientais. 23 Figura 4 - Percentual dos entrevistados, segundo a opinião sobre os investimentos em pesquisa científica e tecnológica no Brasil, comparando os resultados de 2015 e 2019. 23 Figura 5 - (a) Razões para os entrevistados não visitarem museus nos últimos 12 meses; (b) consumo de informações sobre C&T nos principais meios de comunicação. 24 Figura 6 - Uso de pesticidas: quantidade total (em 1 mil toneladas). 28 Figura 7 - Preparação de uma placa de cromatografia em camada fina. 30 Figura 8 - Processo de polimerização 31 Figura 9 - Exemplificação do modelo chave-fechadura para receptores biológicos. 32 Figura 10 - Exemplificação do modelo chave-fechadura para receptores biológicos. 32 Figura 11 - Acoplamento de Polímeros Molecularmente Impressos (MIP) em Cromatografia em Camada Delgada (CCD). 33 Figura 12 - Espiral da cultura científica. 35 Figura 13 - Esquematização dos termos utilizados em Divulgação da Ciência. 38 Figura 14 - Veículos para a divulgação da Ciência. 39 Figura 15 - Armadilhas da escrita para a elaboração de um texto de divulgação científica. 47 Figura 16 - Etapas no processo de criação de um TDC. 48 Figura 17 - Percurso metodológico para a escrita do TDC. 49 Figura 18 - Esquema adaptado para análise de TDC. 50 Figura 19 - Esquema para análise do TDC abrangendo a análise geral do conteúdo. 52 Figura 20 - Esquema para análise do TDC abrangendo a análise específica do conteúdo. 54 Figura 21 - Homem manuseando pesticida com proteção de máscara. 63 Figura 22 - Foto da frente do Instituto de Química, onde foi realizada a pesquisa que embasou o TDC. 64 Figura 23 - Imagem explicativa tirada durante os experimentos de uma placa de alumínio com aplicação de polímero fluorescente no lugar da sílica. 64 Figura 24 - Imagem explicativa tirada durante os experimentos de como é uma placa de cromatografia comum. 65 Figura 25 - Charge sobre os perigos do uso irresponsável de agrotóxicos. 65 Figura 26 - Ilustração da reação em cadeia gerando a contaminação por agrotóxicos. 66 Figura 27 - Ilustração de plantações de trigo em contato com a urina de mulheres grávidas e não grávidas. 66 Figura 28 - Charge com ilustrações de cegonhas ao lado de testes de gravidez. 67 Figura 29 - (a) Analogia de como funciona a aplicação da sílica em uma placa cromatográfica; (b) A técnica de como funciona essa aplicação na realidade. 67 Figura 30 - Processo de polimerização e formação do MIP. 68 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS DC Divulgação Científica SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências TDC Texto de Divulgação Científica BNCC Base Curricular Comum Brasileira PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico CCD Cromatografia em Camada Delgada MIP Polímeros Molecularmente Impressos DDC Discurso da Divulgação Científica PCN Parâmetros Curriculares Nacionais APRESENTAÇÃO Em relação ao ambiente escolar, desde nova desenvolvi um pensamento de que meus estudos deveriam acontecer por minha escolha e nunca deveriam ser impostos a mim como uma obrigação. Um dos principais motivos do desenvolvimento deste pensamento, foi a maneira como fui criada por meus pais, sendo que, desde nova meu pai me permitia tomar minhas próprias decisões (desde que elas não fossem muito drásticas). E foi justamente nesse momento que eu acabei repetindo a quinta série, por faltar demais. Lembro de uma conversa rápida com meu pai que explicava que essa era a consequência das atitudes que eu havia tomado durante o ano, deixando claro que minhas atitudes haviam gerado consequências. Lembro de este ser um momento marcante na minha vida, em que comecei a tomar atitudes mais pensadas e me responsabilizar mais pelos meus atos, foi aí então que eu comecei a levar os estudos mais a sério e realmente me interessar por isso. Sempre tive exemplos de dois extremos na minha casa, meu pai que odiava os professores, sendo este, o motivo para ele largar a educação, e minha mãe que concluiu o ensino médio e realizou curso técnico, porque sempre foi muito influenciada por seus professores. Acredito que durante este texto eu consegui deixar claro o quanto meus pais foram importantes durante a minha formação e o quanto eles sempre me apoiaram e me deixaram decidir sozinha o que era melhor para mim. Foi por isso que eu sempre tomei o ambiente escolar como um lugar em que eu escolhia ir, o que fez com que eu criasse o hábito de observar o comportamento dos professores e como eles podiam me estimular ou desestimular a ir às aulas. Este comportamento me fez refletir do quanto eu gostaria de me tornar uma figura positiva para outros alunos, fazendo com que tomasse a decisão de cursar Licenciatura em Química. Durante a graduação fui percebendo que sempre busquei ter um pensamento um tanto crítico ao analisar as aulas dos Professores, e desenvolvia mais interesse por professores que apresentavam um método de ensino mais diferenciado, ou até mesmo mais pessoal. Afinal, eles sempre foram os únicos responsáveis por manter meu interesse no aprendizado, o que me faz acreditar que acabei desenvolvendo uma tendência em me interessar para a linha temática de ensino e aprendizagem de conceitos e processos científicos. Esta tendência se deve ao fato de que, durante as aulas, tenho impulso de analisar o processo de ensino aprendizagem me perguntando sempre qual foi a maneira que o professor ensinou aquele conceito e como o aluno absorveu aquele conhecimento. Por isso, desde a primeira aula de um certo professor com formação na área de ensino, fiquei tentada a desenvolver algum tipo de pesquisa sobre o ensino de ciências. O que me impediu de levar essa ideia adiante logo no primeiro ano, foi um convite de um amigo, doutorando no departamento de química orgânica, para desenvolver uma Iniciação Científica em um projeto em que ele fazia parte. Essa pesquisa tomou todo o meu tempo durante quatro anos da graduação, o que me fez adiar os planos na área da educação para um futuro mais distante. Durante os meus anos de graduação eu passei os dias, em horário comercial, desenvolvendo pesquisas de Iniciação Científica na área da química pura, em que os únicos momentos em que eu conseguia pensar sobre o ensino de química eram os momentos das aulas de educação. Foi então que, quando precisei de um projeto de pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso que envolvesse não só ciências, mas também a educação, eu pensei em finalmente largar minha pesquisa na área da química dura e pedir ao professor específico que citei acima para que me orientasse em alguma pesquisa de Iniciação Científica, que convenientemente eu utilizaria para o desenvolvimento do meu TCC. Durante conversas com o professor, notei que o fato de eu passar muito tempo desenvolvendo pesquisas na área da química pura fez com que eu criasse um grande interesse em passar esse conhecimento para sociedade fora da universidade, principalmente nas escolas. Além disso, a criatividade sempre foi ressaltada, por pessoas do meu convívio e professores, como um ponto forte em minha personalidade, por isso resolvi desenvolver uma pesquisa voltada para a adequação de linguagens científicas para diferentes públicos, de maneira a desenvolver textos de divulgação científica utilizando pesquisas de dentro da universidade. De maneira geral, as pesquisas realizadas dentro do meio acadêmico sempre se mantiveram a uma grande distância do conhecimento da sociedade, sendo que, tais conhecimentos provenientes dessas pesquisas e seus frutos, podem ser utilizados pela população em geral. Sendo assim, surgem os seguintes questionamentos: A ciência realizada dentro das universidades é valorizada e conhecida pela sociedade? Como é possível desenvolver um material que torne as pesquisas científicas realizadas de fácil entendimento para a população? Partindo deste ponto, uma pesquisa que foi desenvolvida por mim, sob a orientação da Prof. Maria del Pilar Taboada Sotomayor será usada como inspiração para a elaboração do TDC. O fato de ter tido um contato pessoal e direto com esta pesquisa fez com que eu desenvolvesse o interesse de que este estudo, que tem como tema a síntese e aplicação de polímeros biomiméticos em cromatografia em camada delgada para identificação de compostos orgânicos com ênfase na análise de pesticidas, possa ser acessado e entendido por pessoas fora da universidade. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 15 2 OBJETIVOS DE PESQUISA 26 2.1 Objetivos específicos 26 3 REFERENCIAL TEÓRICO 27 3.1 Aporte teórico: Aplicação de Polímeros Molecularmente Impressos em Cromatografia em Camada Delgada 27 3.2 Aporte teórico: Fundamentos da Divulgação Científica 34 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 41 4.1 Forma de análise dos dados: Instrumentos de avaliação de TDC 49 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 52 5.1 Elementos e características do TDC em relação ao conteúdo 52 5.1.1 TEMÁTICA 54 5.1.2 CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE CIENTÍFICA 57 5.1.3 ABORDAGENS E CONTEXTO 59 5.2 Elementos e características do TDC em relação à forma 60 5.2.1 ESTRUTURA 60 5.2.2 LINGUAGEM 61 5.2.3 RECURSOS VISUAIS E TEXTUAIS 63 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 69 REFERÊNCIAS 71 APÊNDICE A – Texto de Divulgação Científica elaborado 75 15 1 INTRODUÇÃO Em 2020, o mundo se deparou com a pandemia da Covid-19, uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Diante dessa crise sanitária, que perdurou por quase dois anos, foi muito comum nos depararmos com a veiculação de diversas notícias falsas, as denominadas fake news, a respeito do vírus, da vacina e das formas de prevenção e tratamento da doença. Neste contexto epidêmico, o fenômeno denominado “infodemia”, que ocorre durante uma epidemia tem se destacado, que é justamente a abundância de informações, algumas precisas e outras não. Neste momento ocorre o grande aumento no volume destas informações associadas a um assunto específico que podem se multiplicar exponencialmente, de maneira semelhante a epidemia (Organização Mundial de Saúde, 2020). A “infodemia” torna difícil para que as pessoas consigam diferenciar e encontrar informações de fonte confiável quando necessário. O Problema se agrava pois, em momentos cruciais como este torna-se indispensável que informações sobre adaptação e comportamento para proteção cheguem até a população (Organização Mundial de Saúde, 2020). Diante de movimentos negacionistas, anti-ciência e de propagação de propostas “milagrosas” cientificamente incoerentes, diversos cientistas e especialistas da comunicação têm buscado combater, diariamente, às fake news e informar o conhecimento científico ao grande público da sociedade. Esse movimento denominado Divulgação Científica (DC) faz parte da grande área da comunicação científica e, apesar de ter tido um reconhecimento significativo no período da pandemia, tem sido alvo de estudo e investigação de diversos autores há muito tempo na literatura especializada. Um aspecto importante que pôde ser observado diante dessa grave situação de saúde pública que enfrentamos é a desvalorização do conhecimento científico, produzido em grande parte por pesquisadores de instituições e universidades públicas do país. Um fator agravante, que faz parte desse grande problema, é que muitas vezes a população acaba não tendo acesso ao que é feito dentro das universidades. De acordo com Sotério e Queiroz (2020), essa problemática da desvalorização do conhecimento científico está na própria divulgação realizada, em que muitas vezes o autor do texto de DC se coloca em um papel de padre que tem como função a transmissão de uma mensagem divina e de autoridade. Para que essa relação vertical 16 não ocorra, se faz necessário que os pesquisadores desenvolvam habilidades que permitam comunicar para a imprensa o conteúdo de seu trabalho de maneira que transforme o conteúdo detalhado em um mais acessível. Para compreender um pouco melhor a DC, é importante retomar brevemente alguns marcos históricos, principalmente entre os séculos XVI e XVIII, em que as atividades voltadas para a comunicação científica eram praticamente inexistentes no Brasil. Sendo ainda uma colônia portuguesa na época, a imprensa e publicação de livros eram proibidas e o conhecimento científico era acessível apenas para uma pequena elite da população (GASCOIGNE et al., 2020). Só mais tarde, no século XIX, é que começaram a surgir as primeiras expressões da DC. Entretanto, por motivos puramente políticos, a chegada da corte portuguesa na colônia brasileira gerou a necessidade da criação de condições mínimas para administração do país. Essas condições envolveram o fim da proibição das publicações, aberturas dos portos e a criação das primeiras instituições direcionadas para Ciência e Tecnologia (C&T) (GASCOIGNE et al., 2020). Desde então as atividades relacionadas à DC no Brasil acontecem com intensidades maiores ou menores, de acordo com os incentivos e iniciativas, como as notícias divulgadas nas mídias para a população em geral e revistas de divulgação da ciência (GASCOIGNE et al., 2020). Sotério e Queiroz (2020), por meio de uma comparação evolutiva da DC, afirmam que primeiramente a divulgação das grandes descobertas científicas tinha como foco apenas enaltecer as maravilhas da ciência, chamando esse momento de Era Gee-Whiz. Após isso a DC passa pela Era Watchdog, onde após episódios polêmicos como bombas atômicas, os escritores se tornaram mais críticos. E finalmente, a Era atual em que a DC se encontra é chamada de Era Digital, que apesar de ser a mais recente, ainda se nota uma dedicação menor para a divulgação da ciência quando comparada às outras áreas como entretenimento, política ou esportes. Na década de 1950, o pós-guerra foi marcado por um aumento no interesse público em relação ao conhecimento em C&T, causado por polêmicas e debates em relação ao uso da energia nuclear para fins militares. Após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de defender melhores condições para a prática científica brasileira, como financiamento, recursos, infraestrutura e reconhecimento, surgiram alguns movimentos com o intuito de aumentar o engajamento público em relação à C&T (GASCOIGNE et al., 2020). 17 Nota-se que não é de hoje que existe uma preocupação em aproximar o diálogo entre a comunidade científica e a sociedade, principalmente por parte da comunidade científica. No Brasil, historicamente, podemos destacar algumas evidências das tentativas de DC, como a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC). A SBPC foi criada após movimentos em prol da DC, tendo como um de seus objetivos a difusão e popularização da ciência no país, visando a defesa do avanço científico e tecnológico e desenvolvimento da educação e cultura brasileiras (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Essa difusão realizada pela SBPC acontece de diversas formas, como eventos regionais e nacionais, que têm como objetivo a realização de debates que visam difundir os avanços da ciência, e principalmente publicações em jornais, revistas, portais na internet e edições de livros, ambos sobre temas relacionados à ciência e cultura (SBPC, 2022). Entende-se, então, que houve um benéfico aumento das atividades que envolvem a comunicação da ciência no Brasil. No entanto, realizar DC ainda envolve uma série de desafios e dificuldades, que podem ser divididos em três segmentos (GASCOIGNE et al., 2020). O primeiro tem como objetivo atingir toda a classe baixa e média da população brasileira, que possuem menor acesso à educação e informação, o que requer muito tempo, recursos e mão de obra especializada. Por isso, é de grande valor a integração de diversos setores, como centros de ciências e museus, que possuem a capacidade de expandir a comunicação da ciência para além das instituições de pesquisas (GASCOIGNE et al., 2020). O segundo está relacionado às políticas públicas, visto que elas são vulneráveis a mudanças de acordo com diferentes atitudes políticas, isto é, possíveis mudanças de governo. Assim, se faz essencial tanto a continuidade das políticas implementadas de um governo para o outro, quanto o aumento de meios e recursos disponibilizados para as mesmas (GASCOIGNE et al., 2020). O terceiro é voltado para a qualidade da comunicação da ciência atual, tendo como objetivo o aprimoramento da formação dos agentes que realizam a comunicação científica e cientistas em si, assim como valorizar e enfatizar as atividades de comunicação científica que são realizadas por estes (GASCOIGNE et al., 2020). 18 Quando se pensa em atingir todo o público-alvo que se deseja, um dos aspectos importantes a se levar em conta é o interesse da sociedade para com assuntos científicos e tecnológicos. Por isso, a utilização de temas que possam ser mais abrangentes e que estão mais presentes no cotidiano da população, ou impactantes direta ou indiretamente para um público específico, são garantias maiores de um maior engajamento da sociedade. É importante ressaltar que, não existe uma forma de atividade de DC que alcance todos os públicos, pois o “público-geral” é heterogêneo, possuindo diferentes idades, interesses, formas de linguagem e etc. Por isso se faz necessária a definição de um público alvo dentro de um TDC e delimitação do perfil do perfil do público escolhido, nível de discurso específico, natureza dos canais utilizados ou preferidos etc. (BUENO, 2010). Conforme argumentado anteriormente, entende-se que, ainda que se tenha muitos avanços nos últimos anos, a DC ainda enfrenta muitos desafios. Além disso, a literatura especializada aponta que apenas uma boa formação especializada em determinada área do conhecimento e uma capacidade de comunicação não são suficientes para tornar o cientista um divulgador (NUNES; QUEIRÓS, 2020). Isto significa dizer que a DC, em suas diferentes variações, apresenta uma série de características específicas, discutidas pela literatura especializada, para atingir seus propósitos finais e, portanto, não deve ser feita de forma acrítica ou como uma mera “simplificação” dos conhecimentos. Uma das variações da DC, que geralmente são utilizadas no ensino de ciências, é o Texto de Divulgação Científica (TDC). Alguns autores, inclusive, têm sugerido o seu uso como material complementar aos materiais educativos tradicionais, como livros didáticos (SILVA; ALMEIDA, 2005; QUEIROZ et al., 2012). Isto porque a utilização de TDC em salas de aulas vai além de meramente aprender os conhecimentos científicos, mas podem contribuir para a formação de hábitos e atitudes nos estudantes, mesmo após sua formação na escola ou universidade. Assim, os educadores científicos têm voltado suas atenções para os TDC devido a sua natureza simplificada, se constituindo como ferramentas potenciais para o próprio ensino de Ciências (NUNES; QUEIROZ, 2020). [...] a utilização de TDCs em ambientes de educação formal pode favorecer a introdução de novos sentidos para o ensino-aprendizagem de ciências, pois, uma vez aliados a metodologias as quais possibilitem o desenvolvimento também cultural dos estudantes, podem contemplar uma educação para 19 cidadania e propiciar reflexões sobre os valores associados à ciência (FERREIRA; QUEIROZ, 2012, p. 22). Além disso, Rocha (2012) defende que os TDC podem oportunizar aos alunos o contato com informações atualizadas sobre C&T, sobre a forma de produção destes conhecimentos e não somente de seus resultados, como geralmente é feito nas salas de aula. A importância das potencialidades da aplicação do TDC em sala de aula é defendida dentro da própria Base Curricular Comum Brasileira (BNCC), trazendo o uso de TDC como parte do conjunto de aprendizagens e habilidades essenciais que os alunos devem desenvolver durante a educação (BRASIL, 2018, p. 508). Dentro das práticas que devem ser desenvolvidas pelos alunos dentro da sala de aula a BNCC (BRASIL, 2018, P. 508) traz as seguintes habilidades: (EM13LP28) Resumir e resenhar textos, com o manejo adequado das vozes envolvidas (do autor da obra e do resenhador), por meio do uso de paráfrases, marcas do discurso reportado e citações, para uso em textos de divulgação de estudos e pesquisas. (EM13LP30) Compreender criticamente textos de divulgação científica orais, escritos e multissemióticos de diferentes áreas do conhecimento, identificando sua organização tópica e a hierarquização das informações, questionando fontes não confiáveis e problematizando enfoques tendenciosos ou superficiais (BRASIL, 2018, p. 508). Além disso, dentro das competências necessárias para a análise e situações problemas e proposições de soluções utilizando-se das ciências da natureza, a BNCC propõe o desenvolvimento da seguinte habilidade: Interpretar textos de divulgação científica que tratem de temáticas das Ciências da Natureza, disponíveis em diferentes mídias, considerando a apresentação dos dados, a consistência dos argumentos e a coerência das conclusões, visando construir estratégias de seleção de fontes confiáveis de informações (BRASIL, 2018, p. 545). A necessidade da introdução de meios que facilitem a comunicação entre ciência e sociedade se estende para além de apenas fornecer informações sobre o que acontece dentro de centros de pesquisas. Nesse sentido, destacam-se as potencialidades no quesito de preenchimento de lacunas presentes na sociedade em relação ao meio escolar. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, do inglês Programme for International Student Assessment), aplicado pela última vez em 2018, mostra informações importantes que comprovam a existência dessas lacunas na educação. 20 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou o PISA, que acontece a cada 3 anos, visa fornecer evidências para comparação entre 37 países-membros da OCDE e 42 países parceiros sobre o desempenho dos estudantes de 15 anos de idade, oferecendo informações sobre o desempenho destes alunos, permitindo que os países pertencentes avaliem suas as habilidades e conhecimentos (INEP, 2020). O PISA compete avaliar o domínio nas áreas cognitivas de ciências, matemática e leitura em todas as edições, sendo que em cada edição é avaliado um domínio principal, no caso de 2018 o principal domínio avaliado foi leitura. O letramento em leitura compete na capacidade do aluno em interpretar, utilizar, avaliar, aplicar um pensamento crítico e se envolver com textos, visando utilizar este conhecimento desenvolvido para participar ativamente da sociedade (INEP, 2020). De acordo com a avaliação aplicada pelo PISA em 2018, a média de conhecimento dos jovens brasileiros em letramento em leitura foi de 413 pontos, 74 pontos abaixo da média dos países da OCDE, que é de 487 pontos. Como mostra a Figura 1, o Brasil apresenta um baixo rendimento escolar em leitura dos jovens estudantes, gerando uma necessidade de novos recursos no ensino que auxiliem para o aumento dessa média (INEP, 2020). Filomena Elaine Paiva Assonili, professora da USP, em entrevista com Pierri (2021), informa que existe uma relação entre baixo índice de status econômico, social e cultural e o registro de baixa pontuação em leitura. Filomena afirma que a leitura pode contribuir para o rompimento dessa relação, se esta for tornada mais acessível. Sendo assim, mesmo que as ações de comunicação científica não contribuam de forma direta para provocar a mudança dos resultados do PISA, elas podem atuar no começo de uma reação em cadeia, onde o aumento do interesse dos alunos para com a leitura pode vir a auxiliar na construção de leitores dentro e fora dos muros da escola. 21 Figura 1 - Médias de proficiência e intervalos de confiança dos países selecionados de leitura em 2018. Fonte: INEP (2020). Além das lacunas percebidas na área escolar, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) fornece dados que comprovam lacunas presentes na sociedade em geral. O CGEE em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) realiza a pesquisa de percepção pública da C&T no Brasil com a intenção de conhecer o interesse e o grau de informação da população em relação à C&T. Este levantamento foi realizado utilizando um questionário para 2200 pessoas acima de 16 anos, de todas as regiões do Brasil. Em 2019, a pesquisa realizada pelo CGEE sobre conhecimento dos brasileiros sobre a ciência realizada no país mostra dados preocupantes de acessos escassos ao conhecimento científico por parte da população. A pesquisa aponta que os brasileiros encontram grande dificuldade em lembrar informações relacionadas à ciência, como nome de alguma instituição de pesquisa científica ou cientista brasileiro (CGEE, 2019). Durante a entrevista realizada, 90% dos brasileiros não se lembram ou não sabem apontar um cientista do país e cerca de 88% não se recordam ou não conseguem citar uma instituição do setor, como mostra a Figura 2. Até mesmo as universidades (principais centros de produção de conhecimento científico) foram esquecidas pelos entrevistados. 22 Figura 2 - Percentual dos entrevistados sobre conhecimento de cientistas e instituições que fazem pesquisa. Fonte: CGEE (2019). Isso mostra um grande abismo entre o conhecimento científico realizado no meio acadêmico do conhecimento da sociedade, gerando a necessidade da preocupação em dialogar sobre essas pesquisas com a grande massa da população (CGEE, 2019). Apesar disto, é importante salientar que dados como os trazidos na Figura 2, apesar de serem de extrema importância para sociedade, exigem a preocupação de se evitar um discurso deficitário de ciência. Tendo em mente que, essas pesquisas de percepção são realizadas por meio de perguntas sem um contexto prévio (LEWENSTEIN, 2003). Por isso, a utilização dos resultados destas pesquisasse se faz necessária não de maneira a abordar o problema na perspectiva de “preencher” um déficit encontrado e sim entender o problema, medir o problema e criar meios sugeridos para possivelmente lidar com o problema (LEWENSTEIN, 2003). Além disso, pode ser identificada a percepção da população sobre a importância das regulações e o controle social sobre ciência e tecnologia, principalmente no que diz respeito a aspectos éticos e políticos da pesquisa, sendo notada uma preocupação com problemas ambientais e sociais (CGEE, 2019). Os dados apresentados pela Figura 3 mostram que a maioria dos brasileiros demonstra preocupação com temas científicos que atravessam questões ambientais, socioambientais ou de saúde (CGEE, 2019). 23 Figura 3 - Percentual dos entrevistados que se declaram “preocupados” sobre questões ambientais e socioambientais. Fonte: CGEE (2019). Quanto ao apoio da população aos investimentos em C&T, observa-se uma resposta favorável em que a maioria dos entrevistados afirma que o governo deve aumentar investimentos em pesquisa, sendo que 66% declarou querer aumentos e 24% deixar os investimentos como estão, de acordo com a Figura 4 (CGEE, 2019). Porém, ao se comparar os resultados das pesquisas em 2015 para 2019, surge uma preocupação com o decaimento da porcentagem de brasileiros que é a favor de aumentar investimentos nas pesquisas de 78% para 66%. Figura 4 - Percentual dos entrevistados, segundo a opinião sobre os investimentos em pesquisa científica e tecnológica no Brasil, comparando os resultados de 2015 e 2019. Fonte: CGEE (2019). É importante ressaltar que esses indicadores de preocupação e disposição em investimentos na ciência estão associados a um interesse com temas científicos e facilidade de acesso a esses conteúdos que levam em consideração os aspectos da C&T diretamente ligados ao desenvolvimento social e econômico (CGEE, 2019). Em relação ao acesso a informações, a Figura 5 mostra o decaimento ao consumo de conhecimento sobre C&T nos principais meios de comunicação, trazendo 24 uma ideia de que possivelmente um aumento dessas informações em outros meios, possa ajudar a aumentar esse acesso. Figura 5 - (a) Razões para os entrevistados não visitarem museus nos últimos 12 meses; (b) consumo de informações sobre C&T nos principais meios de comunicação. Fonte: CGEE (2019). Olhando para existências de lacunas presentes na sociedade, fora e dentro do meio escolar, que podem vir a ser preenchidas por meio de ações que visam aproximar o diálogo de C&T com a população, percebe-se a importância da DC. Tendo em vista a importância de divulgar os conhecimentos científicos produzidos pelas universidades, as potencialidades dos TDC e as lacunas apontadas em relação à C&T evidenciadas por avaliações de larga escala, o presente trabalho se trata de uma pesquisa de desenvolvimento para a produção de um TDC sobre uma pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida em uma universidade pública. A perspectiva é que o TDC produzido possa contribuir para o alcance do conhecimento científico produzido pela pesquisa em questão, com uma linguagem acessível e contextualizada. A pesquisa em questão a ser divulgada, de forma geral, trata-se do desenvolvimento de um método analítico simplificado e de baixo custo para identificação da presença de pesticidas em diversos produtos. A necessidade do 25 desenvolvimento desse método é explicada por alguns motivos, que serão discutidos a seguir. A poluição de origem rural da água vem crescendo nos últimos anos, decorrente do aumento do uso de pesticidas na agricultura brasileira. O aumento da poluição acaba estimulando a criação de leis com elevado número de restrições quanto ao uso de agrotóxicos (MORAES, 2019). A preocupação com um aumento ainda maior destas restrições cria uma necessidade de monitoramento constante da presença de pesticidas em produtos, que atualmente só existe na forma de técnicas complexas e de alto custo. Assim, observa-se a importância de pesquisas que têm como objetivo o desenvolvimento de métodos de análises mais simplificados e de baixo custo. Dentre os métodos de detecção e identificação eficientes e simplificados tem- se a Cromatografia em Camada Delgada (CCD) e o uso dos Polímeros Molecularmente Impressos (MIP, do inglês Molecularly Imprinted Polymer). Visto isso, a pesquisa utilizada para a criação do TDC apresenta enfoque na junção das duas técnicas citadas, visando a síntese de um método de detecção mais efetivo técnica e economicamente. Os conhecimentos produzidos pela pesquisa possuem um potencial de alta relevância para a sociedade devido a sua simplicidade, que gera uma redução de custo e o torna mais acessível. Esses estudos oferecem maior segurança em relação ao meio ambiente e à saúde, por possuir potencial de aumentar a ocorrência com que os testes são realizados, prometendo uma melhoria em questões econômicas e ambientais. Os assuntos de cunho econômico e ambiental devem ser discutidos pela sociedade como um todo, já que o impacto que esses resultados podem trazer será sofrido por todos, e não apenas pelos pesquisadores. Porém, assim como outras pesquisas realizadas por grupos da universidade, esses conhecimentos gerados acabam ficando restritos somente aos pesquisadores da área e ao grupo de pesquisa. Assim, surge a necessidade de atividades e ações que tenham como objetivo levar até o conhecimento da população informações sobre C&T que são geradas em centros de pesquisa brasileiros. Na próxima seção apresenta-se os objetivos geral e específicos da pesquisa. 26 2 OBJETIVOS DE PESQUISA Considerando a relevância da pesquisa científica apresentada e a importância de se divulgar a ciência, o objetivo geral do trabalho foi elaborar um Texto de Divulgação Científica voltado para alunos do 3º ano do Ensino Médio, sobre uso de polímeros seletivos em cromatografia para identificação de pesticidas 2.1 Objetivos específicos ● Entender os conceitos químicos que envolvem a pesquisa de Síntese e aplicação de polímeros biomiméticos em cromatografia em camada delgada e os conceitos químicos sobre identificação de pesticidas. ● Identificar características pedagógicas necessárias para a elaboração de um Texto de Divulgação Científica. ● Produzir um Texto de Divulgação Científica sobre Identificação de pesticidas por meio de sínteses e aplicação de polímeros biomiméticos em cromatografia em camada delgada. 27 3 REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo de referencial teórico foram apresentados os conteúdos químicos que fundamentam a produção do TDC, assim como os fundamentos teóricos da DC enquanto um gênero de discurso próprio. Visto isso, a seção foi dividida em dois blocos, em que o primeiro tem como foco apresentar os conceitos químicos envolvidos na pesquisa, tais como CCD e MIP, bem como sua junção para o desenvolvimento da pesquisa. Enquanto o segundo, objetiva discorrer sobre os conceitos, fundamentos teóricos, propósitos e vantagens da DC. 3.1 Aporte teórico: Aplicação de Polímeros Molecularmente Impressos em Cromatografia em Camada Delgada Historicamente, a agricultura brasileira é uma das bases da economia, pois responde por cerca de um terço do PIB do país, metade das exportações realizadas e um quinto do emprego nacional. A estimativa de área plantada no Brasil totaliza cerca de 60 milhões de hectares sendo o setor agropecuário responsável por suprir uma fração significativa de alimentos ao mundo. As exportações cresceram cerca de 400% em valor de 2000 a 2019, com destaque para soja, carne, milho e algodão (EMBRAPA, 2022; CONTINI; ARAGÃO, 2021; SOUZA, 2022) O Brasil é abundante em recursos naturais, possui áreas extensas para agricultura e grande disponibilidade de água, calor e luz. Isso fez com que a agricultura evoluísse cada vez mais ao longo dos anos, pois, diante destas qualidades, o investimento em pesquisas agrícolas aumentou e trouxe significativos avanços na tecnologia, ciência e inovação. O uso de recursos hídricos no meio rural brasileiro representa cerca de 80,7% do consumo total de água no Brasil sendo 67,2% destinados para irrigação, porém, por conta de sistemas inadequados de irrigação, 40% desta água não é aproveitada pelas plantas (EMBRAPA, 2022). Em relação à qualidade da água, a poluição de origem rural é causada pela elevada utilização de fertilizantes e pesticidas, que causam prejuízos à biodiversidade aquática, saúde humana e economia do país. O uso destes pesticidas no Brasil cresceu preocupantemente a partir dos anos 1990, como mostra a Figura 6. O Brasil esteve entre os países que mais aumentaram o seu consumo de pesticidas (MORAES, 2019). 28 Figura 6 - Uso de pesticidas: quantidade total (em 1 mil toneladas). Fonte: MORAES (2019, p. 19). A lei brasileira apresenta diversas restrições ao que se trata do uso de agrotóxicos no país, visto que de acordo com a Lei Nº 7.802 de Julho de 1989 (BRASIL, 1989) que diz: Fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins: a) para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública; b) para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil; c) que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica; d) que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica; e) que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido demonstrar, segundo critérios técnicos e científicos atualizados; f) cujas características causem danos ao meio ambiente (BRASIL, 1989). Como pode ser observado, o uso de agrotóxicos no Brasil tem sido crescente, o que incentiva os produtores de agrotóxicos e rurais a se mobilizarem para evitar a introdução de regras mais restritivas. Devido aos riscos que os pesticidas trazem, há uma necessidade de um monitoramento constante dos níveis de resíduos destes nos mais variados produtos (MORAES, 2019). 29 Ainda com a necessidade de uma análise regular de pesticidas em diversos produtos, as instituições com laboratórios capazes de analisar estes resíduos são escassas em diversas regiões e ausentes em outras, pois os métodos analíticos que são comumente empregados para essas análises requerem equipamentos sofisticados e pessoal técnico especializado (MORAES, 2019). Além disso, essas técnicas demandam um alto investimento, um exemplo de técnica utilizada é a Espectrometria de massa, com isso tem-se a importância da busca de novos métodos para monitorar resíduos de pesticidas, tanto sob o ponto de vista ambiental como sob o da economia e saúde pública. Dessa forma, o desenvolvimento de métodos de análises simples, de baixo custo, que não exigem necessidade de equipamentos sofisticados podem ajudar a controlar a qualidade e quantidade desses produtos nas principais regiões agrícolas do Brasil (CHIARELLO, 2018). Dentre os métodos de análises identificados como simples e de baixo custo, tem se destacado a CCD como a maneira mais eficiente e simples para análise de diversos compostos. Em comparação à técnica de espectrometria de massas, a CCD se mostra mais eficiente economicamente por não necessitar de um maquinário ou pessoal especializado para ser realizada. Na maioria das análises químicas é importante separar de uma mistura seus componentes químicos para isolar um composto ou identificá-lo. A CCD é um dos métodos mais fáceis e versáteis de separação devido ao seu baixo custo, simplicidade, rápido tempo de desenvolvimento, alta sensibilidade e boa reprodutibilidade. A CCD é usada por muitas indústrias e áreas de pesquisa, incluindo produção farmacêutica, análises clínicas, química industrial, toxicologia ambiental, química alimentar, água, análises inorgânicas e de pesticidas, pureza de corantes, cosméticos, materiais vegetais e análises de ervas (SHERMA, 2015). A CCD consiste na separação dos componentes de uma mistura sólido-líquido cuja a fase móvel (líquida) migra sobre uma camada delgada de adsorvente (geralmente de sílica-gel, óxido de alumínio ou celulose) retido em uma superfície plana (fase estacionária – sólida). O processo está fundamentado, principalmente, no fenômeno de adsorção; sendo que o adsorvente (normalmente sílica) é um pó insolúvel, espalhado de forma muito fina, inerte e é capaz de adsorver diferentes substâncias em sua superfície extensa. Existem diversas formas de se preparar uma placa cromatográfica, ou seja, de adicionar a sílica na superfície da placa, sendo que https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADlica-gel https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93xido_de_alum%C3%ADnio https://pt.wikipedia.org/wiki/Celulose 30 uma delas acontece manualmente com o emprego de espalhadores, tornando a pesquisa para desenvolvimento de testes desses métodos em diversas detecções mais simplificadas e acessíveis (COLLINS, 1997). Quando não se dispõe de um aplicador, existem outras formas de preparar a placa, uma delas consiste em preparar-se a suspensão do adsorvente no solvente adequado e, mantendo-se a placa na horizontal, transfere-se a suspensão para a superfície da placa, espalhando-a de maneira uniforme com auxílio de um bastão de vidro e oscilando-a para facilitar a uniformização da suspensão, como se pode observar na Figura 7. Repousa-se a placa em uma superfície plana horizontal e deixa- se secar ao ar. A dificuldade encontrada neste processo é a obtenção de superfícies uniformes (COLLINS, 1997). Figura 7 - Preparação de uma placa de cromatografia em camada fina. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Em meio aos variados modos existentes utilizados para selecionar e concentrar moléculas distintas, como as moléculas de pesticidas, um caminho alternativo e inovador que vem sendo utilizado é a síntese de Polímeros Molecularmente Impressos. Os estudos que permeiam a vertente “polímeros” pertencem a diversas áreas da química, se ramificando em suas subáreas, como química inorgânica e físico- química. A química orgânica é outro exemplo de subárea que realiza estudos de tais materiais, uma vez que as macromoléculas poliméricas são compostas por uma alta 31 quantidade de átomos de carbono, podendo alcançar grandes tamanhos e assim adquirindo diversas aplicações (ATKINS; JONES, 2012). Tendo isso em vista, é importante ressaltar que, do ponto de vista atômico- molecular, polímeros são moléculas maiores (macromoléculas) que são originadas a partir da junção de várias unidades de moléculas menores (monômeros). Estes monômeros se ligam através de ligações covalentes uns aos outros, dando origem a uma molécula maior denominada de polímero, como mostra a Figura 8 (ATKINS; JONES, 2012). Figura 8 - Processo de polimerização Fonte: Elaborado pela autora (2022). Os MIP têm sido se mostrado cada vez mais promissores por sua eficiência como ferramenta analítica capaz de detectar e separar seletivamente diversos analitos, como pesticidas, fármacos, proteínas, anticorpos, hormônios etc. (SONG et al., 2018) Um fator de grande importância desses polímeros se deve ao fato de possuírem a capacidade de agir de maneira similar aos receptores biológicos do corpo humano, que se baseiam na reação de anticorpo-antígeno, comumente exemplificada pelo modelo da Figura 9, devido a sua especificidade entre si. Por conta disso, esses polímeros têm sido chamados de anticorpos artificiais, por serem capazes de se ligar a uma molécula específica (BEZERRA et al., 2022). 32 Figura 9 - Exemplificação do modelo chave-fechadura para receptores biológicos. Fonte: Elaborado pela autora (2022). A impressão molecular é utilizada para formar polímeros que atuam como receptores artificiais que possuam capacidade de reconhecer seletivamente e especificamente um analito (material a que se deseja identificar ou analisar) predeterminado. A Figura 10 mostra o esquema geral de preparo de polímeros altamente seletivos, o MIP, que ocorre por meio de automontagem, com a ligação da molécula molde (analito) com um ou mais monômeros funcionais por ligação covalente ou não covalente. Após isso, com a presença de um iniciador ocorre a reação de polimerização, permitindo a formação da matriz polimérica em torno da molécula molde. Por fim, é realizada uma “lavagem" do analito, removendo-o desta estrutura, formando uma matriz polimérica altamente seletiva para a molécula escolhida, para assim ser utilizada em inúmeros campos de aplicação (BEZERRA et al., 2022). Figura 10 - Exemplificação do modelo chave-fechadura para receptores biológicos. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Os MIPs tem a sua cavidade seletiva formada a partir do complexo analito e monômero funcional, formando uma rede polimérica tridimensional após a adição do monômero estrutural. Portanto eles realizam o reconhecimento seletivo de uma molécula por possuírem cavidades que são complementares física (estruturalmente) 33 e quimicamente (grupos funcionais) ao analito. Formam um complexo entre um analito (molde) e um monômero funcional, formando uma rede polimérica tridimensional após a adição de um monômero estrutural, capaz de captar um material específico (VASAPOLLO, 2011). Os MIPs têm sido promissores como tecnologia de alternativa em relação a outras análises, pois podem ter sua aplicação voltada para diferentes tipos de identificação, como pesticidas. Essa utilização se torna importante para o meio ambiente, já que uma detecção prévia de certos pesticidas adquiridos fora do país pode evitar diversos tipos de contaminações ambientais (VASAPOLLO, 2011). Então, visando o desenvolvimento de metodologias simples e de baixo custo que tornam a análise de compostos mais rápida e eficaz, realizou-se uma pesquisa, no departamento de Química Analítica, de Iniciação Científica entre 2017 e 2019 para desenvolver o acoplamento de MIP com a técnica de CCD, criando uma nova técnica de detecção possuidora de vantagens como simplicidade, baixo custo e versatilidade. A junção dessas duas técnicas foi realizada trocando a sílica comumente utilizada na CCD por MIP, como mostra a Figura 11. Figura 11 - Acoplamento de Polímeros Molecularmente Impressos (MIP) em Cromatografia em Camada Delgada (CCD). Fonte: Elaborado pela autora (2022). A Figura 11 exemplifica como funciona o processo de construção de uma placa cromatográfica, onde utiliza-se um bastão de vidro para espalhar o material de fase estacionária, que está demonstrado na cor laranja, exemplificando a troca da sílica comumente usada, para o polímero (MIP). O MIP, então, é espalhado por toda a placa com a ajuda do bastão, permitindo a adsorção dele na placa. 34 Como a junção de CCD e MIP permite a criação de um novo método de análise que seja capaz de identificar diferentes moléculas e compostos, dentre eles os pesticidas, essa nova técnica fornece ajuda para situações preocupantes no Brasil, que necessita de uma análise sistemática de pesticidas presentes em alimentos. Sendo o aumento da agricultura um agravante para a maior utilização de pesticidas, a poluição da água de origem rural que é causada pela utilização de fertilizantes e pesticidas cresce substancialmente de acordo com o aumento da importância da agricultura. Como a agricultura é uma das bases da economia brasileira, se faz necessária a existência de leis que regulam o consumo desses pesticidas visando evitar problemas de saúde, ambientais e econômicos. No entanto, a identificação de determinados pesticidas e seus componentes é considerada complexa e de alto custo, gerando a necessidade de estudos que busquem facilitar essas análises ditas como complicadas, levando ao surgimento de pesquisas que tem como objetivo simplificar e baratear essas análises. As pesquisas, comumente realizadas dentro de universidades, por cientistas, tendem a se manter conhecidas apenas pela comunidade científica. Como já foi discutido, tem-se uma grande necessidade de uma aproximação do diálogo entre ciência e sociedade. Visto isso, a próxima subseção apresenta os fundamentos teóricos sobre a DC. 3.2 Aporte teórico: Fundamentos da Divulgação Científica O diálogo entre comunidade científica e sociedade pode ser denominado em diversos termos que mudam de acordo com o tipo de destinatário e remetente. O termo comunicação científica é o mais abrangente, sendo este compreendido por um conjunto de atividades feitas por diversas pessoas e instituições que têm como objetivo levar a informação científica para um determinado grupo, facilitando a síntese e compartilhamento de conceitos entre indivíduos (CARIBÉ, 2015). Esse processo se estende desde uma escala micro, em que ocorre a interação entre os colegas de pesquisa, até a escala macro, que se trata da exposição de novas ideias da mídia para o público não-especialista (CARIBÉ, 2015). Dentre os inúmeros termos utilizados para descrever a comunicação da ciência, Vogt e Morales (2017) determinam que cultura científica é o que melhor tem a capacidade de englobar todos os demais termos, considerando que o 35 desenvolvimento da ciência está entrelaçado com o processo cultural, partindo de sua produção, até seu último estágio de divulgação na sociedade. Visando explicar melhor essa relação entre cultura e ciência, Vogt (2012) propõe um modelo teórico denominado “espiral da cultura científica”, que está contido sobre dois eixos. O eixo vertical representa o espaço, e horizontal representa o tempo. O autor divide essa espiral em quatro quadrantes, que se localizam em uma evolução de um determinado tempo e espaço, como observa-se na Figura 12. Figura 12 - Espiral da cultura científica. Fonte: VOGT (2012, p. 7). A espiral, representada pela Figura 12, é utilizada para explicar as manifestações e interações da comunicação da ciência na sociedade. Em cada quadrante ocorre um modo de comunicação diferente, sendo que conforme o caminho entre os quadrantes é percorrido pela espiral, o público que ela atinge aumenta e os objetivos mudam (VOGT; MORALES, 2017). Sendo assim, o primeiro quadrante representa a produção científica e a sua difusão realizada entre pares, ou seja, entre cientistas que se encontram no mesmo campo científico, ocorrendo na forma de publicação de trabalhos e artigos. O segundo quadrante ocorre no momento que o conteúdo científico produzido é utilizado para a formação de pessoas qualificadas sobre algum assunto, como graduação e pós- graduação (VOGT; MORALES, 2017). No terceiro quadrante, nota-se que conforme a espiral circula o espaço aumenta, ou seja, seu público aumenta. Então, é neste quadrante que a ciência é manifestada em museus e feiras de ciência, agora sem a intenção de formar uma 36 pessoa qualificada nesse ramo. Por último, o quarto quadrante representa a divulgação mais ampla da ciência, disponível para diferentes públicos por meio de livros, filmes, músicas, matérias jornalísticas etc. (VOGT; MORALES, 2017). Esse último quadrante retorna ao eixo inicial, mas não ao ponto exato de partida, mostrando que esse movimento continua. Porém, com uma amplitude maior a cada volta, pois a sociedade sofre uma modificação causada pelos conhecimentos adquiridos, e a cada volta um conhecimento assimilado provoca uma mudança em como os próximos conhecimentos serão assimilados (VOGT; MORALES, 2017). É importante destacar que esses quadrantes propostos por Vogt (2017) quando relacionados a vida real, possuem fronteiras “borradas”. Isso se explicar por meio das formas de ensino/DC por exemplo, que se misturam e fogem dos quadrantes aos quais foram originalmente propostos. Um exemplo dessa “fuga” é o próprio TDC produzido neste trabalho que originalmente pertence ao terceiro quadrante, porém, se lavado até a sala de aula pode estar presente no segundo quadrante. O termo comunicação científica aparece na literatura comumente como um termo amplo, sendo um processo comportamental associado à criação e à comunicação de ideias (entre cientistas ou no público não-especialista) que tem como subordinados os termos tais como difusão científica, divulgação científica, popularização da ciência e disseminação científica (CARIBÉ, 2015). Em 1686, Bernard de Bouyer de Fontenelle cita em sua obra “Entretiens sur la puralité des mondes'' sobre a necessidade de encontrar uma linguagem explicativa que se faça entender tanto para especialistas quanto para o público não-especialista. De acordo com Caribé (2015), o autor Semir em sua obra de 2002 “Aproximación a la historia de la divulgación científica” afirma que essa foi a primeira definição do termo DC. Adentrando a esses termos tidos como subordinados de comunicação científica, tem-se a difusão científica como todo processo utilizado na transmissão da informação científica e tecnológica, seja para o público não-especialista ou para especialistas, dependendo de qual linguagem e público essa informação possui. Este termo abrange periódicos especializados, bancos de dados e reuniões científicas como programas de rádio e televisão, jornais e revistas (CARIBÉ, 2015). Quando essa comunicação acontece entre pares, ou seja, com o objetivo de difundir a ciência para especialistas, designa-se o termo Disseminação Científica, 37 sendo essa transferência realizada em uma linguagem com códigos especializados direcionados para um público específico e restrito, chamada de comunicação horizontal. Ainda dentro da disseminação científica, existem dois blocos: ● Intrapares: Veiculação da informação científica e tecnológica entre uma área específica ou áreas que se conectam, ou seja, para um público entendedor completo daquela linguagem e códigos específicos. Revistas de geologia, física ou ortodontia são exemplos de disseminação intrapares. ● Extrapares: Circulação da informação científica e tecnológica para um público especializado, porém não possuidor de um domínio completo daquela linguagem. Revistas de economia política ou ciências sociais são exemplos desta modalidade, pois podem ser consumidas por diferentes especialistas, não obrigatoriamente economistas, cientistas, políticos ou sociólogos (CARIBÉ, 2015; BUENO, 1985). Se essa comunicação é direcionada para o público não-especialista, os termos mais comuns são DC, popularização científica ou vulgarização científica. A divulgação, então, engloba todo tipo de comunicação de informação científica e tecnológica a partir de uma linguagem decodificada e compreensível para um público generalizado (CUNHA, 2019; CARIBÉ, 2015). Bueno (1985) explica que a DC compreende o compartilhamento de informações científicas e tecnológicas ao público não-especialista, por meio de recursos e técnicas ou processos de recodificação, que competem em uma transposição de uma linguagem especializada (entendida apenas entre especialistas) para uma linguagem acessível a um público mais abrangente. O conceito de DC comumente é confundido como sendo restrito apenas ao campo da imprensa, sendo este um segmento da DC chamado de jornalismo científico. Portanto, tem-se difusão científica como termo genérico, enquanto que disseminação científica e divulgação da ciência são termos específicos, sendo que dentro do primeiro, existem os blocos “intrapares” e “extrapares”. Buscando facilitar o entendimento, esses termos podem ser esquematizados na Figura 13. 38 Figura 13 - Esquematização dos termos utilizados em Divulgação da Ciência. Fonte: Elaborado pela autora com base em Cunha (2019) e Caribé (2015). Tem-se, portanto, os termos DC, popularização científica e vulgarização científica como equivalentes, sendo que o segundo surgiu como alternativa ao terceiro. Apesar de ambos possuírem origem na França, em alguns países, o termo vulgarização é tido como pejorativo, o que fez com que os termos divulgação e popularização fossem mais aceitos em países latino-americanos (CUNHA, 2019). A DC está sempre em evolução ao longo do tempo, acompanhando o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Albagli (1996) discute que seus objetivos podem se caracterizar em três perspectivas: I) educacional, cujo intuito é a ampliação do conhecimento e da compreensão do público não-especialista a respeito do processo científico; II) cívico, em que pretendesse desenvolver a opinião pública sobre impactos do desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade; III) mobilização popular, cujo objetivo é a ampliação da possibilidade de participação da sociedade na formulação de políticas públicas. Essas definições diversificadas comprovam as amplas possibilidades de atividades de DC como contribuição na sociedade, sendo que dependendo da ênfase que se dá nos objetivos ocorre uma variação no público-alvo (ALBAGLI, 1996). Assim, pode-se ressaltar o caráter transformador da DC, que hoje é usada para dialogar com a sociedade a respeito de impactos sociais da C&T, utilizando uma linguagem acessível ao público não-especialista, e não mais apenas para traduzir um conteúdo científico de uma linguagem específica para uma mais simples, isto é, a DC não é mais vista como uma mera “simplificação” da linguagem científica. Então, a DC foi sendo cada vez mais utilizada para a circulação do conhecimento científico e se tornou tão importante para a sociedade quanto para a comunidade científica. O acesso pela população a esse conhecimento provoca a 39 legitimação da sua prática social pela conscientização da sociedade para os benefícios que a ciência e tecnologia fornecem (ALBAGLI, 1996; LIMA e GIORDAN, 2021). É importante ressaltar que o termo DC é bastante amplo e pode ser aplicado de diversas formas por meio de diferentes mecanismos e veículos, como livros didáticos, aulas de ciências, histórias em quadrinhos, websites, peças teatrais, vídeos, texto escrito, entre outros diversos materiais e recursos, como mostra a Figura 14 (BUENO, 1985). Figura 14 - Veículos para a divulgação da Ciência. Fonte: Elaborado pela autora com base em Bueno (1985). Dentre os recursos capazes de complementar o uso de livros didáticos na área da educação, os Textos de Divulgação Científica (TDC) têm se mostrado relevantes quando se trata do ensino. Essas práticas em sala de aula facilitam a inserção de um saber científico que são de grande importância por contribuírem para a formação de hábitos nos estudantes que permanecerão após sua formação (FERREIRA; QUEIROZ, 2012). Os TDC podem ter utilização para diferentes intenções e objetivos, funcionando de diferentes modos dependendo da atividade escolhida, do contexto e expectativas dos alunos. Assim, seu uso pode ser eficaz para estimular hábitos de leitura no contexto escolar, favorecer a compreensão da produção do conhecimento científico, estimular pensamento crítico, promover o interesse dos alunos aos estudos, incentivar discussões e debates em aula, facilitar a aprendizagem de conceitos e ajudar no 40 desenvolvimento de habilidades de comunicação oral e escrita (FERREIRA; QUEIROZ, 2012). Dentre as vantagens e contribuições do uso do TDC em sala de aula, desde que bem fundamentado e adequado, é válido salientar as experiências relatadas que apontam para o aumento no interesse pela leitura por parte dos alunos. Essas melhorias acontecem por instigar a curiosidade, formando um contexto de leitura efetivo em sala que novas práticas de leitura e debates com alto grau de participação dos alunos (FERREIRA; QUEIROZ, 2012). Cunha (2019) realiza um trabalho de acompanhamento e análise de estudantes de uma turma de 2º ano de ensino médio em relação à aplicação de um TDC em aulas de Química. Esse acompanhamento foi realizado utilizando TDCs sobre o tema de “combustíveis” durante a aplicação dos conteúdos de Termoquímica da disciplina. De acordo com a análise, os alunos tendem a preferir textos curtos que não exigem qualquer tipo de investigação e apresentem de pronto o conteúdo que deve ser consumido. Esse desinteresse por textos longos de caráter investigativo, ou até mesmo diferente do comum que é usado em sala de aula, causa uma dificuldade em interpretar textos formulando suas próprias conclusões (CUNHA, 2019). Essa falta de capacidade de leitura crítica pode vir a causar problemas em outros aspectos nas vidas dos estudantes, futuros cidadãos participantes da sociedade, pois eles se tornam suscetíveis a tomar como verdade quaisquer tipos de informações sobre C&T recebidas pela mídia. Sendo que essas informações são muitas vezes parciais e fragmentadas, ou seja, se tornam reféns de qualquer veículo de informação que tenha como intenção formar um conhecimento que nem sempre é inteiramente verdadeiro (CUNHA, 2019). Visto isso, Cunha (2019) sugere que para buscar resolver esses problemas de alienação e falta de interesse para com a leitura de textos que veiculam informações científicas, sejam inseridos cada vez mais os TDCs em sala de aula, desde que estes sejam analisados em conjunto (professor e alunos), de forma crítica. Observando os resultados obtidos na aplicação de TDC, de forma adequada e crítica, em atividades didáticas, nota-se principalmente os avanços em relação à leitura, escrita e capacidade de argumentação. Além disso, essas formas diferenciadas de aprendizado se mostram motivadoras para os alunos participarem de atividades de leitura, sendo que, se bem direcionada, a leitura do TDC leva os 41 alunos a se interessarem pelos temas abordados, apresentando dúvidas e questionamentos (CORREIA; DECIAN; SAUERWEIN, 2017). De acordo com Targino e Giordan (2021), além do estímulo ao pensamento crítico, os TDC podem contribuir para o aumento do repertório cultural dos estudantes, assim como o processo de letramento científico por conta dos estímulos que esses textos geram para a leitura de temas que não estão presentes no cotidiano dos alunos. Visto a importância da DC para a sociedade como um todo, tanto na área da educação quanto na área econômica e ambiental, a próxima seção apresenta o referencial metodológico utilizado no desenvolvimento desta pesquisa. 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS É importante salientar que o presente trabalho consiste em uma pesquisa de desenvolvimento, que propõe a elaboração de um produto educacional, um TDC. Por esse motivo, não possui a etapa de coleta de dados. Sendo assim, nesta seção discute-se sobre os fundamentos metodológicos para a elaboração de um TDC, isto é, as características e fundamentos de como desenvolver um bom material de DC, encontradas na literatura especializada. Essas características permitem a elaboração de um “manual” para a elaboração de um TDC. Este manual contém tanto qualidades que devem estar contidas neste material, quanto características que devem ser evitadas e cuidados a serem tomados durante a sua escrita. Chagas e Massarani (2020) afirmam que, normalmente a DC é descrita como uma maneira de divulgar a ciência para todos, ou seja, para o público não-especialista, gerando um equívoco muito comum para quem decide realizar essa divulgação. Esse equívoco decorre do pensamento de que o material escolhido (seja um TDC, um jogo, um vídeo, entre outros) para a comunicação da ciência terá a capacidade de se fazer entendível para um público não-especialista, como um todo. É de extrema importância ter em mente que qualquer tipo de comunicação só será efetiva se o locutor possuir um público-alvo específico em mente. E só então, a partir disso, que podem ser escolhidos o tema a ser abordado, o meio de comunicação que irá ser utilizado, a forma como o tema será abordado e outros aspectos (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Ao escolher adolescentes como audiência para a DC, que é o caso do presente trabalho, é necessário estar preparado para um trabalho minucioso. Este trabalho 42 envolve um estudo aprofundado sobre esse público-alvo, entendendo a linguagem que ele usa e o tipo de assunto que mais lhe interessa, visto que estes são conhecidos por não desenvolverem muito interesse por ciência (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Durante a adolescência, o jovem está passando por uma transição muito importante, pois virá a se tornar um cidadão com poder de decisões que podem impactar a sociedade e o meio ambiente. Por isso, é importante mostrar como a ciência está inserida em seu cotidiano e qual a importância dela, principalmente fora da escola (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Esta investigação vai desde entender o tipo de linguagem do alvo, até mesmo que redes sociais eles usam, quais livros e revistas mais se identificam, o que mais se interessam nas músicas e cinema (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Quando se menciona o tipo de linguagem do alvo, é importante entender o uso da linguagem e como o emprego da língua se faz por meio de enunciados (orais e escritos). Mesmo que cada enunciado tenha sua particularidade e individualidade, o campo da linguagem compõe tipos de enunciados relativamente estáveis, que são chamados de gêneros de discurso (BAKHTIN, 2003). Bakhtin (2003) afirma que todos os campos de atividade humana estão ligados pela palavra e cada esfera desse campo (esfera científica, esfera midiática, cotidiana, escolar, etc.) produz repertórios de discursos relativamente estáveis (gêneros de discurso). Porém, apesar desses campos possuírem uma unidade nacional de uma língua, são tão multiformes como as esferas da atividade humana. A heterogeneidade dos gêneros discursivos é tamanha que existe a necessidade de classificá-los em simples e complexos, porém, essa classificação não se trata de uma diferença de função (BAKHTIN, 2003). O gênero discursivo primário, o mais simples, se forma em condições de comunicação discursiva imediata (carta, bilhete, diálogo cotidiano, etc.), enquanto que os gêneros discursivos secundários são os mais complexos (romance, tese científica, teatro, etc.) que surgem por meio do convívio cultural desenvolvido, organizado e complexo, sendo que eles incorporam e reelaboram múltiplos gêneros primários (simples) (BAKHTIN, 2003). O fato de ocorrer essa integração de gêneros mais simples para formar os gêneros mais complexos, faz com que os últimos adquiram então um caráter especial, ou seja, tomam uma forma ainda mais diversificada e individual, refletindo as condições específicas e finalidades de cada esfera. Sendo assim, os enunciados 43 podem ser analisados de acordo com alguns aspectos de sua linguagem, como as questões linguísticas (BAKHTIN, 2003). Cunha (2019), baseando-se na obra “Marxismo e filosofia da linguagem” de Bakhtin, apresenta três principais elementos, independente da esfera que os gêneros estão inseridos: I) conteúdo temático, que deve definir uma enunciação, sendo único, concreto e histórico, procurando se adaptar à evolução das esferas; II) estilo, que contém uma seleção de recursos fraseológicos e gramaticais da língua; III) forma composicional, que é modo que será realizada a constituição do discurso e suas relações dialógicas entre interlocutores. Estes elementos, principalmente a forma composicional, refletirão as características da esfera específica que estão inseridos. É importante ressaltar que o gênero discursivo, quando presente em uma determinada esfera, tenha a sua forma composicional moldada de acordo com aquela esfera. Apesar de relativamente estável, o gênero irá sofrer transformações para se adaptar ao contexto da comunicação social, acompanhando as mudanças que podem ocorrer no campo em questão (CUNHA, 2019). No campo científico, existem diferentes posicionamentos a respeito do discurso da divulgação da ciência, pois alguns autores defendem apenas a reformulação do discurso científico, outros a estruturação de um novo discurso, enquanto que alguns ainda citam um discurso presente entre o discurso da ciência e o da DC (CUNHA, 2019). No discurso da ciência, tem-se como locutor o cientista, enquanto que no discurso da divulgação científica (DDC), o locutor é o divulgador, que “decodifica” o texto científico para o público-alvo. Ao comparar o discurso da ciência com o de DDC, nota-se que no primeiro são utilizadas ferramentas que causam um apagamento do sujeito (cientista), que neste caso não expõe suas ideias pessoais ao discurso. O discurso da DC, por outro lado, tem esse “apagamento do sujeito” relativizado, sendo que, ao levar para o público o conhecimento científico do cientista, o divulgador fornece ao discurso suas próprias percepções e concepções sobre ciência (CUNHA, 2019). Sendo assim, o ato de divulgar informações sobre C&T para o grande público é um ato complexo, que envolve entender o público (interlocutor), o conteúdo temático a ser utilizado, necessitando de diferentes estilos e formas composicionais da linguagem (CUNHA, 2019). 44 Para Zamboni (2001), o discurso da DC (DDC) deve ser formulado como um novo gênero discursivo, e não apenas uma reformulação de um gênero de discurso já existente. Este novo gênero deve ser equivalente ao discurso da ciência, pois uma mera reformulação colocaria o DDC em uma posição desfavorável, como se este fosse uma versão degradada do original (discurso científico). Esta degradação traz uma interpretação de menor complexidade, o que não pode ser aceita, visto que no DDC existe a presença de mais um interlocutor no discurso (divulgador). O divulgador fala pela voz do cientista e tem como papel intérprete do conhecimento científico e do cotidiano, provando a existência de um mesmo grau de complexidade em relação ao discurso científico (ZAMBONI, 2001). Esta transposição realizada pelo divulgador do conhecimento gerado pelo cientista, simplificando os termos mais complexos, pode gerar diferentes tipos de interpretações, até mesmo equivocadas. Isso torna o papel do divulgador ainda mais complexo no processo de democratização do conhecimento científico (ZAMBONI, 2001). Visando denominar a DC enquanto gênero discursivo, pode-se utilizar as suas características (conteúdo temático, estilo e forma composicional) estabelecendo uma relação entre elas com a DC: I) conteúdo temático, que possui assuntos da ciência e tecnologia como tema único, concreto e histórico, porém se adaptando às condições do momento; II) estilo, que na produção de TDC ocorre a utilização de metáforas, analogias, comparações e exemplificações como recursos lexicais; III) forma composicional, que são utilizados procedimentos discursivos variados como recuperação de conhecimento tácitos e estratégias de criação de situações de suspense visando prender a atenção do leitor, estratégias muito utilizadas na DC (CUNHA,2019). Apesar de Bakhtin não afirmar ao certo especificações sobre o gênero da DC, ele deixa como contribuição considerações sobre o caráter dialógico e ideológico dos gêneros discursivos, para o entendimento da DC como gênero de discurso (CUNHA, 2019). Cunha (2019) determina que, de acordo com Bakhtin, nas relações dialógicas, os sujeitos reconhecem a presença do outro, e a compreensão necessita do estabelecimento de um diálogo em que o discurso do “eu” é marcado pela “voz do outro”. Além disso, as palavras são ideológicas e carregam um sentido já pronto 45 quando inseridas no diálogo, ou seja, que a consciência individual do interlocutor está contaminada pela palavra do outro. Nota-se a semelhança do caráter dialógico e ideológico por Bakhtin na DC, em que os divulgadores precisam despertar o interesse e curiosidade do leitor, necessitando de adaptações na linguagem, criando um gênero específico, que se adapte. Dessa forma, o interlocutor é determinante na criação do discurso da DC, e é a partir dele que será escolhido o estilo do discurso, uma das características sugeridas por Bakhtin para a composição do discurso de gênero (CUNHA, 2020). Grillo (2008) comprova uma relação direta que um veículo de DC possui com o perfil de seus interlocutores e com as ideologias da esfera de circulação ao analisar reportagens de capa da Revista Pesquisa Fapesp entre os anos de 1995 e 2007. A revista em questão tem como ideologia ou intencionalidade levar ao interlocutor uma imagem positiva tanto de C&T quanto os avanços realizados pelo órgão financiador da mesma, seu conteúdo temático é visivelmente produzido com uma relação emocionalmente apreciável pelo autor (GRILLO, 2008). O destinatário da revista é composto por lideranças do setor produtivo, administradores e público interessado em meio ambiente. Para alcançar os interlocutores houve uma mudança no conteúdo temático da revista, confirmando Bakhtin que existe uma relação entre o interlocutor e o conteúdo temático (GRILLO, 2008). Além disso, os estilos e formas composicionais dependem estritamente do conteúdo temático, que fazem com que a DC seja caracterizada como um gênero próprio de discurso (GRILLO, 2008). Assim, nota-se a existência da relação entre interlocutor, calculado pelos editores e as ideologias que acompanham cada esfera, sendo esses os elementos que definem um gênero discursivo. Com base nos estudos realizados, pode-se afirmar que a DC é um gênero próprio de discurso por conter todas as características de um gênero discursivo de Bakhtin (GRILLO, 2008). Com o gênero de discurso bem definido, Chagas e Massarani (2020) fornecem uma série de passos a se tomar para a elaboração de um bom TDC. A primeira preocupação é a delimitação de um público-alvo e, então, a escolha do tema adequado que se deseja divulgar. Após isso, se deve determinar até onde este público possui conhecimento sobre este tema e então estabelecer o formato e a linguagem adequados para o público em questão (CHAGAS; MASSARANI, 2020). 46 Apesar de Faiad (2021) trazer um guia sobre produção de jornalismo científico, mesmo este sendo um outro segmento da DC, existem algumas informações que também podem ser utilizadas para a produção de um TDC, visto que ambos necessitam da produção de um texto para a divulgação da ciência. Uma destas informações é sobre o tema escolhido em que Faiad (2021) deixa claro que, caso o tema se baseie em uma pesquisa, o autor do TDC deverá conhecer muito bem o problema da pesquisa, o método utilizado para resolver o problema, qual resultado foi obtido, quais as implicações do resultado, de que maneira a pesquisa impacta a vida das pessoas e quais foram os pesquisadores que realizaram esse estudo. Após a delimitação do tema, o próximo passo consiste na escolha dos pontos principais a serem abordados, afinal, um tema pode ser extremamente amplo, o que torna inviável incluir em um só texto todas as informações existentes sobre um assunto. Esta delimitação evitará que o texto se desvie para questões que não são o foco e se torne prolixo e cansativo (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Após a determinação dos pontos relevantes que se deseja divulgar, é importante alinhar os tópicos na ordem que eles devem aparecer no texto, e então, verificar se todas as informações necessárias para a escrita se encontram disponíveis para o autor (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Faiad (2021) afirma que “a primeira impressão é a que fica”, por isso, é interessante que, ao contrário dos artigos científicos, em que as informações principais ficam no final do texto, a informação relevante pode ser dada no início. Quando se inicia um TDC com informações chamativas e relevantes aumenta a capacidade do texto se mostrar atrativo para o leitor e garantir que ele se interesse o suficiente para levar a leitura até o fim (CHAGAS; MASSARANI, 2020). Para a elaboração do corpo do texto, Faiad (2021) oferece seis dicas rápidas: I) utilizar figuras de linguagem, como metáforas, analogias e comparações; II) ser objetivo e direto, evitando redundância e repetição; III) utilizar a norma padrão da língua portuguesa aproximando da língua falada, evitando os termos informais e rebuscados; IV) apresentar os fundamentos científicos de maneira a mostrar que a ciência é embasada em experimentos e teorias, e não em “achismos”; V) não utilizar jargões científicos; VI) utilizar terceira pessoa para manter o texto da forma mais impessoal possível. 47 Além dos aspectos fundamentais que precisam conter em um TDC, mencionados anteriormente, existem algumas armadilhas durante a escrita que devem ser evitadas que causem uma impressão negativa no leitor, como mostra a Figura 15. Figura 15 - Armadilhas da escrita para a elaboração de um texto de divulgação científica. Fonte: Elaborado pela autora com base em Chagas e Massarani (2020). Sunaga e Cypriano (2021) trazem um compilado das principais características de um TDC que despertam o interesse do público jovem pela ciência, e traz um processo criativo para a criação de um TDC. Esse processo começa quando o cientista completa sua pesquisa sobre um tema que possa vir a ser de interesse de um público específico. Apenas a identificação de um tema de pesquisa que seja considerado possivelmente interessante não é suficiente para que o texto realmente seja efetivo, ou seja, de fato desperte o interesse de seu público-alvo. Existem uma série de cuidados e caminhos a serem tomados que auxiliem nesse processo criativo de um TDC, assim Sunaga e Cypriano (2021) fornecem um diagrama (Figura 16), que mostram as etapas contidas na elaboração de um TDC. 48 Figura 16 - Etapas no processo de criação de um TDC. Fonte: SUNAGA; CYPRIANO (2021, p. 25). A fase do planejamento é o momento em que as informações são organizadas e é delimitado um planejamento com objetivos claros e bem definidos e em seguida ocorre a aquisição dos dados que serão usados para elaboração do material (SUNAGA; CYPRIANO, 2021). A fase de produção visual consiste na seleção de todas as imagens, notícias e todo material que visa auxiliar para a compreensão do conteúdo. Após isso, a fase de edição envolve desde a adequação da linguagem à produção do texto com base nas características adequadas como adequação de linguagem, uso de metáforas e analogias e abordagem histórica (SUNAGA; CYPRIANO, 2021). Após a produção do texto, este passa pela validação, em que é enviado para o cientista que fica responsável por verificar a consistência das informações. E por último a distribuição ou utilização do texto para seu fim (SUNAGA; CYPRIANO, 2021). Assim, com base nos autores utilizados nesta seção, pode ser estabelecida uma série de ações que antecedem a escrita do TDC, visando uma organização pré escrita do texto, como mostra a Figura 17. 49 Figura 17 - Percurso metodológico para a escrita do TDC. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Por meio do caminho metodológico apresentado, pode ser sintetizado um “manual” de como produzir um bom TDC, contendo quais ações e características são fundamentais e quais ações que não se deve tomar em sua elaboração. Essas características e fundamentos aqui descritos forneceram subsídio para a elaboração do TDC, proposta da presente pesquisa. A próxima subseção apresenta o instrumento utilizado como forma de análise dos dados. 4.1 Forma de análise dos dados: Instrumentos de avaliação de TDC Após a elaboração do texto, é importante que o material produzido possa ser analisado de forma fundamentada na literatura especializada, para garantir que o texto esteja dentro do que se espera no que diz respeito à qualidade e aplicabilidade. Além de investigar de que forma o TDC pode contribuir para o ensino de Química. Um importante instrumento de análise de TDC foi construído por Ribeiro e Kawamura (2005), que objetiva identificar elementos característicos de um TDC, permitindo observar o potencial educacional desses textos. Apesar da DC possuir o objetivo fornecer ao público não-especialista informações sobre C&T, quando se trata de um TDC, este também pode apresentar uma função didática, sendo um produto educacional. Isso leva a necessidade de discutir sobre de qual maneira esse tipo de material pode contribuir para o ensino (RIBEIRO; KAWAMURA, 2005). 50 Esse instrumento foi desenvolvido buscando analisar os TDC em duas dimensões diferentes, o conteúdo e a forma. O conteúdo visa observar a temática; os elementos da dinâmica interna da ciência; a contextualização dos fatos noticiados e como foram abordados e a ciência como instituição social (RIBEIRO; KAWAMURA, 2005). A categoria denominada “forma” visa analisar a estrutura; uso de recursos visuais e textuais; linguagem; e os gêneros discursivos utilizados no texto, além do uso de analogias e metáforas. Vale ressaltar que, inicialmente, o instrumento elaborado por Ribeiro e Kawamura (2005) foi elaborado para analisar TDC voltados para a área da Física. Ferreira (2012), anos depois, propôs a adaptação do instrumento, voltado para a análise de TDC da área da Química. A Figura 18 mostra o instrumento adaptado por Ferreira (2012) organizando as perspectivas “conteúdo” e “forma” para a área da Química. Figura 18 - Esquema adaptado para análise de TDC. Fonte: FERREIRA (2012, p. 56). Em relação ao conteúdo, é feita uma análise geral e específica, sendo que na primeira os artigos são classificados de acordo com seu conteúdo em três subcategorias: I) Química, II) fronteiras; III) temas transversais. A primeira é relacionada aos conteúdos de química que se enquadram na estrutura formal do ensino que é aplicada nas escolas (FERREIRA, 2012). A subcategoria “fronteiras” enquadra os conteúdos que transpassam pela química, isto é, estão relacionados a ela, mas não são tradicionalmente incluídos no ensino desta disciplina, como a física. Os “temas transversais” estão classificados nos Parâmetros Curriculares Nacionais 51 (PCN) por não se enquadrarem em nenhuma disciplina específica, são temas relacionados à valores e cidadania (BRASIL, 1998). Em relação à análise específica do bloco “conteúdos”, esta se subdivide nas subcategorias: I) temática; II) características da atividade científica; III) abordagens e contexto. A primeira, “temática”, trata de observar quais foram os enfoques dados ao tema escolhido e os conhecimentos necessários para a compreensão deste tema (FERREIRA, 2012). A subcategoria denominada “características de atividade científica” abrange as formas como são explicitadas no texto as tomadas de dados e de que modo interferem no resultado encontrado, o papel da experimentação, processo de análise de dados e interpretação dos resultados, além de observar também o funcionamento institucional da ciência, como as controvérsias científicas, diversidade de ideias e a necessidade de debate público sobre as descobertas científicas (FERREIRA, 2012). A subcategoria “abordagens e contexto” verifica a forma que o texto é contextualizado, os impactos sociais, implicações econômicas e políticas da ciência e tecnologia que são abrangidos no texto. Ou seja, os processos e produtos da ciência e como eles estão relacionados com o contexto social, político e econômico (FERREIRA, 2012). Partindo para o segundo bloco, referente à forma, observa-se as subcategorias: I) estrutura; II) linguagem e III) recursos visuais e textuais. A “estrutura”, analisa a construção e distribuição das informações ao longo do texto (FERREIRA, 2012). Na subcategoria “linguagens” avalia-se a clareza da escrita e o uso de termo, conceitos, metáforas, analogias, gêneros discursivos etc. Por fim, a subcategoria denominada “recursos visuais e textuais” permite identificar a distribuição espacial das informações e o uso de ilustrações, notas de margens, figuras etc. (FERREIRA, 2012). Visto isso, o instrumento de análise sintetizado por Ribeiro e Kawamura (2005), com adaptação realizada por Ferreira (2012), para a área da química, foi utilizado com o intuito de avaliar e analisar o TDC construído. Esta análise será discutida na próxima seção. 52 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesta seção foi realizada a análise do TDC produzido, suas características, elementos principais e organização do texto, de forma a estabelecer um diálogo com o referencial teórico e metodológico, apresentados anteriormente. Como o material a ser analisado foi produzido neste trabalho em questão, todas as citações e Figuras apresentadas nesta seção estão presentes no Apêndice A. Para a realização desta análise, foi utilizado o instrumento proposto por Ribeiro e Kawamura (2005) e adaptado por Ferreira (2012), que permitiu a caracterização do TDC de forma a estabelecer elementos que orientem sua utilização no ensino de Química e permitissem identificar o potencial educacional desse texto. Como o instrumento de análise é baseado em categorias referentes ao conteúdo e a forma, a seção presente foi subdividida de maneira que na seção 5.1 discute-se sobre os elementos presentes no conteúdo no texto e na seção 5.2 discute- se sobre as características presentes na forma. 5.1 Elementos e características do TDC em relação ao conteúdo Dentro do aspecto conteúdo é realizada uma análise geral, em que os conteúdos principais são selecionados e subdivididos em três subtópicos: I) Química; II) fronteiras; e III) temas transversais, como mencionado anteriormente. Do mesmo modo, foi realizada uma análise específica que é subdivida nos subtópicos: I) temática; II) características da atividade científica; e III) abordagens e contexto. A Figura 19 mostra um esquema da divisão destes dois tópicos. Figura 19 - Esquema para análise do TDC abrangendo a análise geral do conteúdo. Fonte: Elaborado pela autora com base em Ferreira (2012). 53 O TDC elaborado neste trabalho com o título de "O perigo oculto: Saiba como a química pode diminuir contaminações causadas por agrotóxicos” foi assinado por Isabela Fernandes Ierick, sob a orientação do Professor Amadeu Moura Bego, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de Araraquara (APÊNDICE A). O TDC em questão discorre sobre os fundamentos e potencialidades de uma pesquisa realizada no Instituto de Química da UNESP. Nesse sentido, o texto traz uma discussão sobre análises químicas que podem ser utilizadas para identificar diferentes compostos, em específico os pesticidas presentes nos alimentos. Iniciando pela análise geral, pode-se dizer que o TDC em questão se enquadra na área da Química, uma vez que este abrange conceitos, técnicas e metodologias provenientes dessa área do conhecimento. Além disso, apresenta algumas reações químicas existentes nas análises realizadas para identificar pesticidas (BRASIL, 2018, p. 540). A Biologia pode ser observada como um conteúdo de fronteira, presente em alguns momentos do texto, quando são retratados processos de saúde-doença e questões ambientais envolvidas no uso de agrotóxicos. Durante o texto é retratada a cadeia alimentar, organismos e populações, também presentes na área da Biologia, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p. 542). Esses trechos são: Os agrotóxicos/pesticidas estão presentes na maioria dos alimentos (frutas e verduras) ingeridos no dia a dia e a ingestão destes agrotóxicos em altas quantidades pode causar problemas de saúde. Uma ingestão alta e constante de pesticidas pode causar diversas doenças. Quando são aplicados no solo onde existem plantações contaminam reservatórios de água, rios, bacias fluviais e podem até interferir nos organismos vivos aquáticos. A contaminação indireta nos seres humanos se dá pela contaminação do ambiente e de resíduos químicos que podem ser deixados em alimentos que foram cultivados com esses compostos. Na sétima página, são retratados processos biológicos do corpo humano, onde são discutidas reações entre antígenos e anticorpos. Esse conteúdo pode ser facilmente enquadrado como conteúdo de fronteira de Biologia em relação a Química (BRASIL, 2018, p. 542). Os temas transversais presentes no texto podem ser identificados quando este traz à tona a questão da ética e conservação ambiental, retratando o uso desordenado de agrotóxicos, que pode causar problemas de saúde e poluição do meio ambiente (BRASIL, 1998). 54 É dada importância a esse tipo de discussão ao longo do texto, visto que analisar as questões da problemática de utilização de produtos químicos sem cautela fornece ao estudante uma visão crítica. Essa visão auxilia no desenvolvimento moral do estudante, que consequentemente tem a capacidade de gerar valores éticos e noções de cidadania. Podem ser notados exemplos das questões éticas e ambientais trazidas no texto no seguinte trecho: Os agrotóxicos podem e devem ser utilizados, mas necessitam da obtenção de um registro, em que são avaliados quanto aos impactos ao meio ambiente, à saúde humana e à eficácia agronômica. A falta de vigilância eficiente dos alimentos nas centrais de abastecimento pode gerar uma incerteza na situação deles em relação a possíveis resíduos. Com os temas devidamente classificados em conteúdo de Química, Fronteira e Temas Transversais, as próximas três seções irão discutir sobre a análise específica de cada um destes temas. A Figura 20 mostra uma breve explicação sobre cada subtópico contidos nessa análise, visando relembrá-los de seções anteriores. Figura 20 - Esquema para análise do TDC abrangendo a análise específica do conteúdo. Fonte: Elaborado pela autora com base em Ferreira (2012). A análise específica foi dividida em três subtópicos desta seção: temática, características da atividade científica e abordagens e contextos. 5.1.1 TEMÁTICA O TDC tem como assunto central a problemática que envolve a utilização de agrotóxicos de maneira descontrolada e sem análise em plantações de alimentos. Para isso, no texto aborda-se a importância da existência de métodos analíticos capazes de identificar pesticidas presentes em amostras e introduz a pesquisa 55 realizada no Instituto de Química sobre as potencialidades da junção de MIP com a técnica de CCD para tal finalidade. O TDC se inicia apresentando as complicações de saúde causadas pela ingestão ou contato com agrotóxicos quando são administrados de maneira errada. Essa introdução da problemática principal do texto traz um gancho para a pergunta “Tenho que parar de ingerir esses alimentos?”, que permitem uma contextualização histórica e geográfica sobre o Brasil, a respeito da agricultura e utilização de pesticidas. É importante ressaltar que o texto tem início com a inserção direta da problemática, e somente após isso ocorre uma contextualização acerca do assunto principal. Esta inserção da problemática logo no início, corta os “rodeios” que normalmente