ANA PAULA MENDES DA SILVA O ENSINO E A CORREÇÃO DE PRODUÇÕES TEXTUAIS, NO QUINTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, PELA PERSPECTIVA DAS PROFESSORAS ALI ATUANTES Presidente Prudente 2020 ANA PAULA MENDES DA SILVA O ENSINO E A CORREÇÃO DE PRODUÇÕES TEXTUAIS, NO QUINTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, PELA PERSPECTIVA DAS PROFESSORAS ALI ATUANTES Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da FCT/UNESP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: “Processos Formativos, Ensino e Aprendizagem”. Orientadora: Profa. Dra. Ana Luzia Videira Parisotto. Presidente Prudente 2020 Seja forte e corajoso! Não fique desanimado, nem tenha medo, porque eu, o Senhor, seu DEUS, estarei com você em qualquer lugar para onde você for! Josué 1.9. À minha mãe Elza À minha irmã Ana Claudia Aos meus queridos alunos do 3º ano A, turma de 2018 da Escola Adelaide (Martinópolis) AGRADECIMENTOS Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Eclesiastes 3:1 Agradeço em primeiro lugar a DEUS, que me abrigou (e abriga) debaixo de seus braços de amor e foi quem me permitiu trilhar esta jornada. À minha mãe e à minha irmã, auxílios constantes, obrigada pelo apoio! Ao meu querido tio Airton Mendes por acreditar na Educação e sempre me incentivar aos estudos. À Patrícia Regina de Souza, companheira desde os tempos de graduação, principal motivadora para o meu ingresso no curso, ser de luz, que, desde o projeto de Mestrado até a conclusão da dissertação, está me auxiliando e motivando. Agradeço pelo apoio, pelas conversas, por ser tão paciente e por ouvir meus desabafos, obrigada por sua amizade! À Renata Daniela Cristo, ser iluminado por DEUS, obrigada pela amizade e parceria constante. À Mayara Aparecida Menezes por sua amizade e auxílio, e pelo companheirismo na profissão. À Valquiria Tonacio por ser amiga e divulgadora de bom humor e de luz. À minha querida orientadora Ana Luzia Videira Parisotto, exemplo de profissional e pessoa, obrigada pelas preciosas orientações e contribuições, agradeço por tornar possível esta jornada! Agradeço à Edimarcia Paes por proferir “O seu sonho, é o meu sonho!”. Não tenho dúvidas de que as palavras são poderosas! À Nádia Caroline Martins e Simone Molina, obrigada por todo o apoio e companheirismo, principalmente por me motivarem a fazer o curso. À Ediléia Regina Inácio Nunes, amiga e conselheira formidável. Obrigada pelo apoio e pelas conversas leves e tranquilas em momentos de tanta ansiedade. Às professoras Lisandra Carla Orlando Fabris e Renata Cristina de Almeida por me acolherem e ajudarem tanto. Sou grata a DEUS por ter permitido o convívio com docentes tão sábias e dedicadas aos seus discentes. À Deize Heloiza, amiga querida, presente que Deus me concedeu nessa caminhada do Mestrado. https://www.bibliaonline.com.br/acf/ec/3/1+ À banca examinadora: Prof. Dr. Odilon Helou Fleury Curado e Profa. Dra. Rozana Aparecida Lopes Messias, pelos olhares minuciosos e valiosos, e, principalmente, por aceitarem contribuir com o estudo. À excepcional equipe da Adelaide, escola maravilhosa na qual lecionei por três anos, muito obrigada pelo apoio, especialmente durante as aulas da pós-graduação! A todos os professores que fizeram parte da minha jornada acadêmica desde a educação infantil à pós-graduação, em especial aos inesquecíveis docentes: Cristina Silva, Cristina Marioto, José Ricardo de Lima, Edileusa Oliveira, Ilaíde Mantovani Alves, Elcie Sanches Eller e Vera Valentin. Obrigada por permitirem que sonhos fossem alcançados!!! À Michele Germani e Andrea Ramos pelo apoio, pela disposição em sempre ajudar e pela sabedoria compartilhada. À Samanta Kasper por gentilmente contribuir com o abstract. Ao Grupo de Pesquisa “Formação de Professores e Práticas de Ensino na Educação Básica e Superior” que fomentou discussões sobre as instâncias educacionais; construção da escrita acadêmica; auxiliou na constituição do corpus teórico do estudo e enriqueceu meu olhar para a pesquisa, o ensino e a formação docente. Agradeço em especial às professoras doutoras Ana Luzia Videira Parisotto e Renata Portela Rinaldi, líderes do grupo, docentes excepcionais e referência no trabalho e nas pesquisas que desenvolvem. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Presidente Prudente) que permitiu o encontro entre diferentes pessoas e culturas, seres singulares, com suas poesias e sotaques. Muito obrigada! SILVA, Ana Paula Mendes da. O ensino e a correção de produções textuais, no quinto ano do Ensino Fundamental, pela perspectiva das professoras ali atuantes. 2020. 141f. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista, - Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente/SP. 2020. RESUMO Esta pesquisa, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação (Mestrado) da FCT/UNESP de Presidente Prudente e à linha “Processos Formativos, Ensino e Aprendizagem”, tem por objeto de estudo a produção textual no Ensino Fundamental. O trabalho com a produção de textos geralmente não é apreciado pelos estudantes e as dificuldades podem estar relacionadas a aspectos discursivos, semânticos e gramaticais que se concretizam, dentre outros fatores, em dúvidas sobre: como iniciar um texto, quem será o interlocutor desse texto; qual é o modo de composição do gênero textual a ser escrito; se a pontuação e a ortografização estão corretas. Dessa forma, a avaliação/correção dos textos produzidos também costuma ser objeto de preocupação para os docentes. Sendo assim, o objetivo geral deste estudo é investigar o processo de ensino de produção textual em dois quintos anos do Ensino Fundamental, com ênfase nas ações docentes voltadas para a correção de textos, analisando desde a proposta de produção inicial até as atividades decorrentes dela, uma vez que a produção de texto inicial não deve ser vista como produto final. E os objetivos específicos são: descrever o perfil teórico-metodológico do professor quanto a aspectos relacionados ao trabalho com textos; observar e descrever quais são as práticas docentes para o trabalho com a produção textual, enfatizando a produção escrita inicial; verificar e analisar o tipo de intervenção proposta pelo professor para a correção dos textos dos alunos e identificar e analisar os critérios de correção utilizados pelos docentes para corrigir quatro produções textuais elaboradas por alunos de cada turma pesquisada. Nesse sentido, por meio da pesquisa realizada, de natureza qualitativa e do tipo estudo de caso, foi possível depreender que as participantes do estudo reconhecem a importância do ensino de língua materna e da escrita de textos diante das demandas do dia a dia. Também identificam a correção textual como uma etapa importante do trabalho com textos e pontuam que a correção permite que o estudante reflita sobre sua escrita. Desse modo, mediante a investigação, concluímos que não houve atividades individuais que favorecessem a revisão e a reescrita ricas em interação e diálogo nas duas turmas pesquisadas. Acerca da correção, as professoras aceitam que ela seja capaz de provocar a melhoria na escrita do aluno, revelando o que é errado e indicando o caminho correto. O tipo de correção realizada também merece atenção, pois, a partir dela, o trabalho com o texto continuará ganhando novos contornos através da revisão e da reescrita, favorecendo a reflexão sobre a escrita e um maior domínio da autoria. Analisando os dados obtidos por meio do questionário e os registros das observações em sala de aula, é imprescindível refletir sobre os cursos de formações de professores dos Anos Iniciais, pensar a respeito da concepção de língua e as capacitações oferecidas aos docentes atuantes no Ensino Fundamental. Faz-se necessário, da mesma forma, refletir sobre uma realidade que proporcione ao docente assumir o papel de pesquisador e produtor de textos, um indivíduo que seja capaz de formar produtores de textos. Palavras-chave: Produção textual. Correção de textos. Ensino Fundamental. Formação docente. SILVA, Ana Paula Mendes da. Teaching and correction of textual productions in the fifth grade of elementary education from the teachers’ perspective. 2020. 141f. Dissertation. Graduate Program in Education, São Paulo State University - School of Sciences and Technology. Presidente Prudente/SP. 2020. ABSTRACT This research is associated with the Postgraduate Program in Education (Master level) of FCT/UNESP in Presidente Prudente and developed within line of research “Formative Processes, Teaching and Learning”. Its object of study is the textual production in elementary education. The production of texts is generally not appreciated by students and the difficulties can be related to discursive, semantic and grammatical aspects that are materialized, among others, in doubts about: how to start a text, who the text interlocutor will be; what the composition of the textual genre is; whether the punctuation and spelling are correct. Thus, the evaluation/correction of the texts produced is also usually an object of concern for teachers. Therefore, the general objective of this study is to investigate the teaching process of textual production in two fifth grades of elementary school, with an emphasis on teachers’ approaches related to the correction of texts. The analysis goes from the initial production proposal to the activities resulting from it, since the initial text production should not be seen as a the final product. Moreover, the specific objectives are: to describe the theoretical and methodological profile of the teacher regarding aspects related to working with texts; to observe and describe what the teaching practices for working with textual production are, emphasizing the initial written production; to verify and analyze the type of intervention proposed by the teacher to correct the students' texts and to identify and analyze the correction criteria used by the teachers to correct four textual productions made by students from each of class investigated. This way, through the conduction of qualitative research, and more specifically, a case study, it was possible to conclude that the study participants recognize the importance of teaching their mother tongue and writing texts before the day to day demands. They also identify textual correction as an important step in working with texts and point out that the correction allows the student to reflect on his writing. Therefore, we concluded that there were no individual activities in both groups that favored a meaningful review and rewriting regarding interaction and dialogue. When it comes to correction, teachers accept that it is capable of improving student's writing, revealing what is wrong and indicating the right path. The type of correction carried out also needs to be highlighted, since, from there, the text will continue to gain new outlines through revision and rewriting, favoring reflection on writing and its mastery. Analyzing the data obtained through the questionnaire and the classroom observations records, it is essential to reflect on the Early Grades teacher education courses, on the language concept and on the training offered to Elementary Education teachers. It is also necessary to reflect on a reality that allows the teacher to take on a role of researcher and producer of texts, an individual who is capable of training texts producers. Keywords: Textual production. Text correction. Elementary School. Teacher education. LISTA DE IMAGENS Imagem 1 – Planilha de correções das produções textuais do 5º ano......................................86 Imagem 2 - Texto 1 – Turma A...............................................................................................87 Imagem 3 - Texto 2 – Turma A...............................................................................................90 Imagem 4 - Texto 3 – Turma A...............................................................................................91 Imagem 5 - Texto 4 – Turma A...............................................................................................92 Imagem 6 – Proposta de escrita da Avaliação da Aprendizagem em Processo.......................96 Imagem 7 - Texto 1 – Turma B................................................................................................97 Imagem 8 - Texto 2 – Turma B................................................................................................97 Imagem 9 - Texto 3 – Turma B................................................................................................98 Imagem 10 - Texto 4 – Turma B..............................................................................................99 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Concepções de linguagem....................................................................................23 Quadro 2 - Etapas distintas e intercomplementares implicadas na atividade da escrita..........34 Quadro 3 - Os saberes dos professores....................................................................................48 Quadro 4 – Primeiro texto sem correção.................................................................................78 Quadro 5 – Primeiro texto após correção................................................................................79 Quadro 6 – Segundo texto sem correção.................................................................................80 Quadro 7 – Segundo texto após correção................................................................................81 Quadro 8 – Questão 1............................................................................................................100 Quadro 9 – Questão 1.1.........................................................................................................102 Quadro 10 – Questão 1.2.......................................................................................................103 Quadro 11 – Questão 2..........................................................................................................104 Quadro 12 – Questão 2.1.......................................................................................................105 Quadro 13 – Questão 3..........................................................................................................106 Quadro 14 – Questão 3.1.......................................................................................................107 Quadro 15 – Questão 4..........................................................................................................108 Quadro 16 – Questão 4.1.......................................................................................................109 Quadro 17 – Questão 5..........................................................................................................110 Quadro 18 – Questão 5.1.......................................................................................................111 Quadro 19 – Questão 5.2.......................................................................................................111 Quadro 20 – Questão 5.3.......................................................................................................112 Quadro 21 – Questão 5.4.......................................................................................................113 Quadro 22 – Questão 6..........................................................................................................114 Quadro 23 – Questão 6.1.......................................................................................................116 LISTA DE SIGLAS AAP Avaliação da Aprendizagem em Processo ANA Avaliação Nacional de Alfabetização BNCC Base Nacional Comum Curricular EMAI Educação Matemática nos Anos Iniciais GELP Grupo de Estudos em Língua Portuguesa Inaf Indicador de Alfabetismo Funcional MG Minas Gerais OBA Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica ONG Organização Não Governamental PNA Política Nacional de Alfabetização PNE Plano Nacional de Educação PROERD Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência Saeb Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 21 2.1 Linguagem e texto ............................................................................................................. 21 2.2 Fatores da textualidade .................................................................................................... 36 2.3 Gênero textual e tipo textual............................................................................................40 2.4 Correção textual ............................................................................................................... 41 2.4.1 Correção indicativa .......................................................................................................... 42 2.4.2 Correção resolutiva .......................................................................................................... 42 2.4.3 Correção classificatória ................................................................................................... 43 2.4.4 Correção textual-interativa .............................................................................................. 43 2.4.5 Correção classificatória interativa ................................................................................... 44 2.5 Formação docente ............................................................................................................. 45 2.6 Alfabetização no Ensino Fundamental I ........................................................................ 51 2.7 A produção de texto no 5º ano de acordo com a Base Nacional Comum Curricular 54 3 METODOLOGIA ............................................................................................................... 58 3.1 O perfil das professoras pesquisadas..............................................................................63 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................................... 66 4.1 Análise do Plano de Ensino da Unidade Escolar ........................................................... 66 4.2 Questionário ...................................................................................................................... 67 4.3. Observação.......................................................................................................................73 4. 3. 1 Observação – Turma A .................................................................................................. 73 4.3.2 Observação - Turma B.....................................................................................................82 4.4 Análise das produções textuais – Turma A .................................................................... 87 4. 5 Análise das produções textuais - Turma B....................................................................95 4.6 Análise das entrevistas ....................................................................................................100 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 118 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 123 APÊNDICES ......................................................................................................................... 131 APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO PARA PROFESSOR ............................................... 131 APÊNDICE B - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA ....................... 134 APÊNDICE C - ROTEIRO DE ENTREVISTA ............................................................... 138 ANEXOS ............................................................................................................................... 139 ANEXO A – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA .................................................. 139 ANEXO B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............... 140 13 1 INTRODUÇÃO Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. (Carlos Drummond de Andrade) Encontrar as palavras na hora de fazer um texto não é uma tarefa fácil, chegando até a ser um processo árduo para muitas pessoas. Assim como o poema de Carlos Drummond de Andrade relata, às vezes as palavras estão dentro de nós, mas colocá-las no papel e construir um texto é muito difícil para a maioria das pessoas, como nos revela também Marcuschi (2010, p. 65): Produzir um texto é uma atividade bastante complexa e pressupõe um sujeito não apenas atento às exigências, às necessidades e aos propósitos requeridos por seu contexto sócio-histórico e cultural, mas também capaz de realizar diversas ações e projeções de natureza textual, discursiva e cognitiva, antes e no decorrer da elaboração textual. O processo de escrita de texto exige do aluno um grande esforço, pois é necessário escrever de forma clara e objetiva, envolvendo a mobilização de intrincadas estratégias cognitivas para participar do processo de interação verbal. Além disso, é essencial atentar para dimensões discursivas, semânticas e gramaticais, que se concretizam, dentre outros aspectos, em dúvidas sobre: como iniciar um texto, quem será o interlocutor desse texto; qual é o modo de composição do gênero textual a ser escrito; a pontuação e a ortografização estão corretas? A elaboração de uma sequência didática, atividade elaborada para o trabalho com um gênero textual, pode solucionar essas dificuldades acima descritas, visto que tem [...] a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de maneira mais adequada numa dada situação de comunicação [...]. As sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p.83). Costa Val (2006, p.3) também enfatiza a situação de comunicação, definindo “texto ou discurso como ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”. 14 Inegavelmente o texto faz parte do ensino, seja de Língua Portuguesa ou de outras disciplinas - na escola não há escapatória. É necessário ler para aprender a escrever textos. Nesse contexto, o trabalho com a escrita deve ter sentido. Desde a educação infantil o nome do aluno se constitui como uma palavra texto, e é igualmente significativo. É vital que o aluno enxergue que a escrita se faz presente no nosso cotidiano e sempre tem uma função. A leitura deve ser bem desenvolvida para o sucesso do aluno na escrita, é necessário que o leitor se distancie de seu texto, leia e reflita, visto que Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita... (LERNER, 2002, p.73). Portanto, devemos estar atentos à qualidade dos textos que oferecemos aos alunos, se são interessantes e atrativos aos olhos daqueles a quem se destinam, e se são de diferentes gêneros. Logo, a leitura constitui-se como alicerce para repertoriar e amparar o aluno durante o processo de escrita, pois, segundo Lerner (2002, p. 90): [...] leitura e escrita se inter-relacionam permanentemente: ler “para escrever” é imprescindível quando se desenvolvem projetos de produção de textos, já que estes sempre exigem um intenso trabalho de leitura para aprofundar o conhecimento dos conteúdos sobre os quais se está escrevendo e das características do gênero em questão [...]. Sendo assim, é primordial que o docente possibilite ao aluno o uso da tecnologia – do ler e escrever - adquirida atendendo à demanda das práticas sociais de leitura e escrita, ou seja, saber usá-la, envolvendo-se e apropriando-se destas práticas e utilizá-las socialmente e em contextos específicos, saber selecionar o que ler e ser crítico quanto a isso. Significa despertar o gosto pela leitura, levar o discente a enxergar as funções da escrita no mundo. O contato com diversos textos, a leitura de diversos gêneros textuais facilita a produção escrita. A respeito disso, Pereira (2011, p. 79) expõe que “[...] a diversidade de textos precisa ser considerada, no ambiente escolar, e os esforços dos professores devem ser direcionados para explorá-los adequadamente”. Segundo Pasquier e Dolz (2002, apud PEREIRA, 2011, p. 79), “[...] não se aprende globalmente a escrever: aprende-se a narrar, a explicar, a expor, a argumentar, a descrever, a redigir atas, a escrever diversos tipos de cartas etc.” Escrevemos em função de determinada situação, consequentemente, essa situação de comunicação e o interlocutor delinearão o texto tendo em vista a situação sociocomunicativa em que se insere, assim como esclarece Antunes (2018a, p.37): 15 Não existe fala nem escrita autônomas, no sentido de que sua adequação possa ser considerada sem se levar em conta as determinações das situações em que são usadas. A coesão, a coerência, a informatividade, por exemplo, precisam da referência à situação de uso para serem legitimamente avaliadas. Ao abordar determinações das situações ou fazer referência à situação de uso da fala e escrita, a autora deixa claro que [...] para interagir verbalmente, não existe outro recurso senão o texto, oral ou escrito. Em segundo, porque todo texto se submete a uma série de regularidades, que promovem, sinalizam e determinam seu teor de “peça com sentido”, capaz de funcionar como mediação interativa. (ANTUNES, 2018a, p.37). Precisamente, escrever um único gênero textual não basta, e sim escrever conforme a necessidade de comunicação exige. Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que o aluno precisará (EF15LP05) Planejar, com a ajuda do professor, o texto que será produzido, considerando a situação comunicativa, os interlocutores (quem escreve/para quem escreve); a finalidade ou o propósito (escrever para quê); a circulação (onde o texto vai circular); o suporte (qual é o portador do texto); a linguagem, organização e forma do texto e seu tema, pesquisando em meios impressos ou digitais, sempre que for preciso, informações necessárias à produção do texto, organizando em tópicos os dados e as fontes pesquisadas. (BRASIL, 2018, p. 93). O trabalho com o texto requer planejamento, não pode ser fragmentado e deve estar de acordo com seu público alvo, ou seja, ser interessante e desafiador. Ainda, exige levantamento de informação e pesquisas, pois o estudante não conseguirá escrever caso desconheça o assunto, exige também diálogos e revisão. De acordo com Pereira (2011, p. 79), o melhor seria que os alunos escrevessem textos específicos, “[...] como uma notícia de acontecimentos ocorridos na escola [...]”. Neste caso, a demanda consiste em oferecer atividades de produção textual que estejam associadas à vivência do estudante, quer seja na escola ou fora dela. O uso real da escrita é a finalidade da produção de texto, para tanto o discente deverá visualizar a necessidade de escrever, “O aluno tem de sentir que escrever é importante, especialmente para quem pode comunicar ao mundo alguma coisa de si mesmo” (PEREIRA, 2011, p. 82). A intenção é formar alguém que escreva bem e com clareza, não somente nos bancos escolares, também socialmente e como um direito de expressão, como revela Geraldi (2008, p.11): 16 [...] ler e escrever, ao contrário do que previam o fim da era de Gutemberg, torna-se uma necessidade social, porque agora, tecnicamente falando, já é possível que todos tenhamos o direito à expressão, condição necessária para que a liberdade de expressão não seja um privilégio social daqueles que pertencem ao mundo da escrita. Concordamos com Jolibert (1994), quando afirma que é necessário que as crianças encontrem seu lugar no mundo da escrita como leitoras, receptoras, produtoras, editoras e difusoras de textos. À vista disso, fazemos nossas as palavras de Antunes (2018a, p.38-39): O texto que propomos como objeto de estudo da escola preocupada com a formação do cidadão é o texto que é construção e interpretação de um dizer e de um fazer; é o texto que estabelece “um ponto de encontro” entre dois sujeitos historicamente presentes num aqui e num agora definidos. É o texto vivo, que circula, que passa de um interlocutor para outro, que tem finalidades, que não acontece apenas para servir de treino. (Grifo da autora). Porém, infelizmente a tradição escolar tem comprovado que a produção de texto não é apreciada pelos estudantes, já que não veem nela uma atividade autêntica de prática de escrita. O texto da escola não é dotado de unidade sociocomunicativa, semântica e formal, a começar pelo fato de, geralmente, ter o professor como destinatário único (CRUZ, 2008; COSTA-HÜBES, 2011). Os alunos encontram muitas dificuldades para compor seus textos e essa situação já é bem antiga: Ensinar a escrever no Brasil não é tarefa fácil. Muitos fatores negativos perturbam sua consecução, a começar por nossa história cultural, que tem favorecido pouco a atividade de escrita. Basta lembrar que, durante nossos primeiros trezentos anos, foi proibida aqui a impressão e a livre circulação de livros. Quem se aventurasse a escrever tinha de encontrar editor em Portugal, mas só depois de o texto ser devidamente aprovado pela Inquisição e, quando esta foi desmobilizada no governo do marquês de Pombal, pela Real Mesa Censória. (FARACO, 2009 apud GUEDES, 2009, p.11). Nesse sentido, Faraco (2009) aborda na apresentação do livro “Da redação à produção textual: o ensino da escrita”, de Paulo Coimbra Guedes, que faz parte da nossa história, a “cultura da dificuldade de leitura e escrita”, tanto como o pouco desenvolvimento da prática de escrita e o acesso à leitura e impressão de livros. Tudo isso contribui para a inexistência de um Brasil de leitores e escritores, facilitando, assim, a criação e instauração de problemas relacionados à interpretação e produção textual em crianças brasileiras. O bloqueio não se restringe aos alunos, os professores também possuem dificuldades de escrita, como Pereira (2011, p.78) descreve: “[...] os professores também reclamam de seus titubeios, vacilações e traumas, quando se trata de redigir”. Em nossa experiência como 17 docente, estudante e pesquisadora, percebemos que as dificuldades mencionadas por Pereira (2011) se fazem perfeitamente atuais. Colaborando ainda mais para a instalação da dificuldade na produção de texto, existe uma falsa ideia sobre a escrita, “[...] uma relação mí(s)tica”, que o ato de “[...] escrever é coisa para gênios [...]”(GERALDI, 2008, p.10), ou seja, existe a opinião de que a escrita é permitida para poucos, e, assim, muitos não se aventuram neste campo, muitas vezes laborioso, porém, que possui imenso poder de comunicação, de expressão. Ainda, sobre o ato de escrever, remetemo-nos a Antunes (2009, p.38-39): A competência para escrever textos relevantes é uma conquista inteiramente possível. O mito de que somente sabem escrever as pessoas que nasceram com esse “dom” cai por terra numa análise aprofundada e objetiva. O dom de escrever é, na verdade, resultado de muita determinação, de muitas tentativas, de muita prática, afinal. Desde cedo. Redigir textos não é exclusividade de indivíduos dotados da capacidade de escrever, mas uma ação acessível a todos, é uma tarefa que requer dedicação, esforço e perseverança. Assim, a conclusão da escrita (o término do texto) não é o fim do trabalho, mas, sim, o início de uma nova etapa: a correção. Nesse sentido, o docente deve responsabilizar-se por intervenções no texto produzido pelos alunos, como apontam Menegassi e Gasparotto (2016, p. 1020): “[...] ao produzir seu texto e entregar ao professor, o aluno finda a primeira etapa de sua construção”. A correção, segundo Serafini (1995), é uma operação complexa que faz parte do processo de produção textual, e muitos professores possuem dificuldades em corrigir os textos de seus alunos. As dificuldades são muitas, como a do aluno que enfrenta a inabilidade em produzir e a do professor, ao corrigir os textos, priorizando a correção gramatical, enfatizando a ortografia, descartando aspectos relacionados ao sentido e progressão do texto, como descrevem Germani, Henschel e Parisotto (2015, p. 33371). Serafini (1995, p. 97) estabelece que “a correção é o conjunto das intervenções que o professor faz [...]”; a autora afirma que, ao corrigir, o docente indica os defeitos e os erros, para que o estudante reconheça as suas falhas e aperfeiçoe seu texto. Conceição (2004, p.324) partilha dessa definição e acrescenta [...] o aspecto construtivo e interativo que deve ter a correção, isto é, aquilo que pressupõe ao professor uma postura mais distante do juiz, do avaliador e mais próxima do interlocutor que está disposto a dialogar com o texto e seu autor. 18 O modo como a produção textual acontece também interfere na correção, que pode mostrar excessivos erros devido ao caráter artificial do texto, pois [...] na maioria das vezes, a produção textual no ambiente escolar constitui- se em um processo discursivo artificializado e, de certo modo, vazio em termos de interação intersubjetiva. O aluno escreve para obter nota. O professor corrige para atribuir nota. (CAYSER; CRESTANI; DIEDRICH; 2016, p. 1415). Ao corrigir uma produção escrita, o docente pode ter dificuldades devido à artificialidade empregada na escrita, como sugerem as autoras. Depois da correção como deveria proceder para continuar o trabalho? Jesus (1995, p.54-55), em tese de doutorado intitulada “Reescrita: para além da higienização”, já revelava a existência de uma correção voltada para a higienização do texto, que se ocupa dos erros de ortografia, pontuação e concordância. A palavra “higienização”, que envolve limpeza, compara o erro a sujeira. Essa comparação expressa o preconceito linguístico em aceitar as variedades informais da língua. Nesse tipo de correção cabe ao aluno “passar a limpo” sua produção, eliminando os erros indicados pelo professor, consistindo em uma atividade sem reflexão. Dessa forma, a pós-produção textual merece ser objeto de investigação, por sua complexidade e por fazer parte do trabalho de produção textual. O questionamento de como proceder o trabalho após a correção da produção textual foi o motivador deste estudo. A temática produção textual esteve presente em minha1 vida acadêmica desde o primeiro ano de graduação em Pedagogia, em 2011, quando redigi um projeto acerca do tema, como exigência para aprovação na disciplina de Metodologia do Trabalho Científico. Em 2015, após a colação de grau comecei a lecionar na Educação Infantil, na primeira etapa da pré-escola. No ano de 2016, lecionando em um quarto ano do Ensino Fundamental, inquietava- me o trabalho com a produção textual. Questionava-me como deveria ensinar os estudantes a produzirem textos e, após a escrita do aluno, quais etapas deveriam ser percorridas. Estes eram pensamentos recorrentes no exercício da profissão. Ainda em 2016 fiz uma Pós- graduação em Alfabetização e Letramento e como trabalho final escrevi um artigo sobre o ensino de produção textual. Para maior aprofundamento sobre o tema, em 2017, iniciei o processo seletivo para o ingresso no Mestrado. Assim, no ano seguinte (2018) comecei o curso de Pós-graduação em Educação, buscando construir conhecimentos que pudessem ser aplicados em minha prática na sala de aula. 1 A primeira pessoa do singular será utilizada para narrar a minha trajetória acadêmica e experiências pessoais que influenciaram na escolha do tema da presente pesquisa. 19 A escrita sempre me fascinou e o poder das palavras redigidas me encanta, contudo, escrever é um exercício laborioso e especialmente difícil quando não temos o amparo do outro para mediar e dialogar com o nosso texto. Há ainda maior complexidade quando precisamos ensinar as crianças a produzirem seus textos. Nesse sentido, a graduação em Pedagogia proveu uma base para a prática docente, mas para sustentá-la e edificá-la seria necessário continuar a estudar e pesquisar. Desse modo, diante do levantamento bibliográfico realizado para elaboração de nossa pesquisa, entendemos que a produção de texto é um trabalho complexo, que reivindica mediação e interação, implica um fazer e refazer constante, e seu desenvolvimento deve ser orientado para a formação de produtores de texto. Posto isso, o nosso problema de pesquisa relacionou-se ao modo como se delineia o processo de produção de texto no quinto ano. Assim, nossa atenção nesta pesquisa se voltou para o processo de ensino de produção texto como objeto de estudo que merece grande atenção devido a sua importância, visto que aprender a produzir textos é um requisito para a participação e inclusão na vida social e profissional. (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2011). Por isso, a intenção foi buscar respostas para as seguintes questões norteadoras que se colocaram para esta pesquisa, quais sejam: como o docente desenvolve o trabalho com produção de texto? Quais são os procedimentos adotados pelo professor antes, durante e depois da produção textual? Como ocorre a correção dos textos produzidos pelos alunos no que tange ao processo executado pelo professor durante a correção? Logo, o trabalho com a produção de texto precisa ser profícuo e capaz de inserir o discente no mundo da escrita diante das exigências sociais enfrentadas diariamente, não apenas privilégio de poucos. Portanto, a correção precisa ser eficiente no sentido de auxiliar o aluno em sua escrita, promovendo reflexão e aprendizagem. Dessa forma, esta pesquisa tem por objetivo geral investigar o processo de ensino de produção textual em quintos anos do Ensino Fundamental2, com ênfase nas ações docentes voltadas para a correção de textos, analisando desde a proposta de produção inicial até as atividades decorrentes dela, uma vez que a produção de texto inicial não deve ser vista como produto final. E os objetivos específicos do estudo são:  Descrever o perfil teórico-metodológico do professor quanto a aspectos relacionados ao trabalho com textos. 2 A escola, local do estudo, é municipal e localiza-se em um município do interior do oeste paulista. Não iremos fazer a identificação da escola e do município em razão da confidencialidade da pesquisa. 20  Observar e descrever quais são as práticas docentes para o trabalho com a produção textual, enfatizando a produção escrita inicial.  Verificar e analisar o tipo de intervenção proposta pelo professor para a correção dos textos dos alunos.  Identificar e analisar os critérios de correção utilizados pelos docentes para corrigir quatro produções textuais elaboradas por alunos de cada turma pesquisada. A dissertação está dividida em seções, a primeira esta Introdução, as seguintes são intituladas de Referencial Teórico, Metodologia, Resultados e Discussões e por fim as Considerações Finais. No Referencial Teórico abordamos as concepções de linguagem e texto; os fatores da textualidade; a definição de correção; abrangemos os tipos de correção; tratamos também da formação docente; alfabetização no Ensino Fundamental I e a produção de texto no 5º ano de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. Na seção Metodologia, descrevemos as etapas da pesquisa, o percurso trilhado para a construção dos dados do estudo. Em Resultados e Discussões, seção 4, discutimos a análise do Plano de Ensino da Unidade Escolar (local da pesquisa), os dados do questionário, detalhamos as observações realizadas em sala de aula e trazemos as discussões e análise das entrevistas. Ao final, tecemos as Considerações Finais, buscando trazer as considerações acerca da pesquisa. 21 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Linguagem e texto No ensino de Língua Portuguesa o trabalho com a produção de textos abrange também as concepções de linguagem. Nesse sentido, Geraldi (2006) expõe três concepções: a linguagem como expressão do pensamento, a linguagem enquanto instrumento de comunicação e a linguagem como forma de interação. O autor aponta que essas concepções se relacionam a três correntes linguísticas, respectivamente: à gramática tradicional, ao estruturalismo e transformacionalismo e à linguística da enunciação. A visão da linguagem como expressão do pensamento explica os estudos tradicionais. Segundo o autor, se assumirmos esse conceito, aceitaremos que pessoas que não têm a capacidade de se expressar não pensam, enquanto a linguagem como instrumento de comunicação assume a língua como um código, o qual transmite uma mensagem ao receptor. Já a linguagem como uma forma de interação é entendida como um lugar de interação humana, “Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala” (GERALDI, 2006, p. 41). Por meio da linguagem conseguimos estabelecer o diálogo com o outro, a interação é firmada. A concepção de linguagem como expressão do pensamento, segundo Curado (2011, p.26), O ser humano [...] representa para si o mundo por meio da linguagem, cuja função seria, pois, a de representar (“refletir”) seu pensamento, seu conhecimento de mundo. Um indivíduo que não pensasse, deixaria de se expressar bem, porquanto a expressão construir-se-ia no interior da mente, a instância de produção, secundarizando-se a língua, útil apenas por exteriorizar, traduzir o pensamento. A eficiência comunicativa dependeria da capacidade de o indivíduo organizar de maneira lógica seu pensamento; para tal organização, haveria regras disciplinando-o e, como consequência, a própria linguagem. Daí, a valorização das normas gramaticais do falar e do escrever “bem”. Diante de tal perspectiva, a enunciação (a ação de enunciar) põe-se como ato monológico, individual, prescindindo-se do outro e das circunstâncias, da situação social em que a enunciação ocorre. A respeito da linguagem como instrumento de comunicação, Curado (2011) ressalta que a finalidade da linguagem é a de transmitir informações. Além disso, O código deve ser de domínio dos falantes, usado de modo semelhante, convencionado, preestabelecido, para garantir a eficácia daquela 22 transmissão. O sistema linguístico, neste caso, sustenta-se como um dado externo à consciência do indivíduo. Abstrata e coletiva, a língua define-se por um “código virtual”, isolado de sua utilização, e, enquanto norma pronta, disponível, opõe-se ao indivíduo, que se obriga a aceitá-la como tal. Isso motivou a Linguística a não considerar os falantes e nem tampouco a situação de uso como determinantes dos fatos e regras da língua. Ao se afastar o falante da língua, ou seja, da sua dimensão social e histórica, tem-se uma visão monológica e imanente (voltada para si mesma), formalista, valorizando-se o seu funcionamento interno. (CURADO, 2011, p. 26-27). Em reflexão sobre a terceira concepção de linguagem, como forma de interação, o autor analisa que O indivíduo, ao fazer uso da língua, não exterioriza apenas o seu pensamento, nem transmite somente informações; mais do que isso, realiza ações, age, atua, orientado por determinada finalidade, sobre o outro. A linguagem passa a ser vista como lugar de interação, inclusive comunicativa, a partir da produção, construção de efeitos de sentido entre os falantes, em certa situação de comunicação e em um contexto específico. Conforme Travaglia (1996, p. 23), “[...] os usuários da língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e ‘falam’ e ‘ouvem’ desses lugares de acordo com formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais”. Esses lugares possibilitam, então, a prática de atos diversos, suscitando reações, comportamentos, “[...] levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes” (KOCH, 1995, p. 10). Assim, sob esse ponto de vista, o diálogo (na medida da interação, da relevância do outro, do ouvinte/leitor) compõe- se como característica decisiva da linguagem. Tem-se uma perspectiva sedimentando o que se costuma chamar de gramática internalizada, conjunto de regras aprendido e usado na interação comunicativa, desenvolvendo a “competência textual/discursiva”, isto é, a capacidade de produzir e interpretar textos. (CURADO, 2011, p. 27). Pensar a respeito de concepções de linguagem dentro da sala de aula, é entender que quando um docente adota a concepção de linguagem como expressão do pensamento, seu trabalho com a língua materna atenderá à gramática prescritiva, regras serão seguidas para que o sucesso da escrita e fala sejam alcançados. (CURADO, 2011; DORETTO, BELOTI, 2011; DUARTE, 2014). As aulas terão um enfoque gramatical, como pontua Duarte (2014, p.21): Nessa perspectiva, a aula de língua é confundida com aula de gramática. Privilegia-se o trabalho com a forma em detrimento do uso. A memorização das estruturas é o principal objetivo do ensino de língua, pois se entende que, quanto maior o armazenamento de estruturas linguísticas, mais o aluno terá facilidade de expressar-se por escrito e oralmente. Ao assumir a próxima vertente, a concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a gramática descritiva é priorizada, eleita em favor de garantir a 23 intencionalidade prática e comunicativa da linguagem. (CURADO, 2011; DORETTO, BELOTI, 2011; DUARTE, 2014). Assumir a linguagem como forma de interação em aulas de português, corresponde ao trabalho com a gramática contextualizada, aceita-se o dialogismo, o diálogo entre os interlocutores. (DORETTO, BELOTI, 2011; DUARTE, 2014). Dessa forma, Os processos de leitura e produção textual não estão mais voltados para a emissão e recepção de mensagens diretas e definidas, mas, sim, para um processo de construção de sentido que leva em conta, por exemplo, pressupostos, intenções implícitas entre outros mecanismos de construção textual. (DUARTE, 2014, p.26). Para ampliar o entendimento sobre as ramificações das três concepções de linguagem abordadas, apresentamos o recorte de um quadro formalizado por Doretto e Beloti (2011), os quais sintetizam discussões acerca das vertentes. Quadro 1. Concepções de linguagem Conceitos Subjacentes Concepções de linguagem Expressão do pensamento Instrumento de comunicação Processo de interação Sujeito A linguagem é considerada dom, o sujeito pode controlar o êxito e a boa comunicação, logo, é “consciente” e “individual”. A linguagem é competência, o sujeito, determinado e assujeitado, ao codificar sua mensagem, espera que seu receptor decodifique-a exatamente da maneira que foi intencionalizada. A linguagem é interação, o sujeito psicossocial, ativo na produção de sentidos, construído na e pela linguagem, passa a ocupar posições sujeito determinadas. Texto e Sentido Texto: produto pronto e acabado, dependente da capacidade de criatividade individual, ligado à retórica. Sentido: único. Texto: modelo a ser seguido. Sentido: único. Texto: é o próprio lugar da interação, produzindo sentido conforme a situação. Sentido: polissêmico. Produção Textual Colocar o pensamento em forma de linguagem e seguir as regras impostas pela gramática tradicional. Seguir os modelos já existentes, baseados nas tipologias textuais: narração, descrição e dissertação. Interagir com os demais sujeitos, a partir de reais necessidades, com finalidade, interlocutores e gênero discursivo definidos. 24 Principais Atividades de Ensino Classificação de palavras; análise lógica; regras gramaticais. Seguir o modelo; preencher lacunas; repetir, treinar; centro nas estruturas da língua. Leitura; produção de textos (baseada nos gêneros discursivos); análise linguística; oralidade. Objetivo ao Ensinar Atividades Metalinguísticas para dominar a norma culta: estudo das regras e nomes. Atividades Metalinguísticas para reconhecer as estruturas da língua e segui-las. Atividades Epilinguísticas e Metalinguísticas para promover o desenvolvimento das habilidades linguísticas e discursivas. Fonte: DORETTO, Shirlei Aparecida; BELOTI, Adriana. Concepções de linguagem e conceitos correlatos: a influencia no trato da língua e da linguagem. Revista Encontros de Vista, 8 ed., jul./dez. 2011, p.100-101 (quadro adaptado pela pesquisadora). No livro “O texto na sala de aula: um clássico sobre o ensino de Língua Portuguesa”, no texto “Por que práticas de produção de textos, de leitura e de análise linguísticas? ”, Geraldi (2014) discute sobre suas produções da década de 1980 e revisita as escritas com um olhar crítico e passível de novos sentidos. O estudioso afirma que para aprender a língua é necessário praticar, sendo assim aprendemos a escrever escrevendo, e mais Geraldi (2014) enfatiza a importância e essencialidade da mediação na escrita, logo o professor exerce o papel de mediador. Sobre a prática de escrita, Geraldi (2014, p. 215) expõe: [...] escrever textos não é comportar-se segundo regras dadas! Há princípios, aqueles dados pela situação, pelo gênero, pelos objetivos etc., mas não há regras de como escrever um texto. E todo texto escrito sempre pode ser reescrito. Além de certificar que não há regras para a escrita de um texto, o pesquisador alerta que não é necessário fazer exercícios para aprender a escrever para depois escrever, esta ação se caracteriza como artificial e bancária, “[...] em que o que se aprende é uma poupança que garantirá um futuro feliz [...]”. (GERALDI, 2014, p. 216). Outro aspecto levantado por Geraldi (2014) é a diferenciação entre os termos redação e produção de textos, para o autor a palavra redação é costumeiramente vinculada a uma prova, a intenção maior do redator é expor que ele sabe escrever; portanto, a redação tem um caráter monológico. Quanto à produção de textos, o termo é definido como “[...] busca de diálogo [...]”. (GERALDI, 2014, p. 217). Nesse cenário, o professor é o leitor mediador, um interlocutor, um coautor que em parceria com seu aluno reescreve o texto. (GERALDI, 2014, p. 217). Ao trabalharem juntos, 25 educador e educando, se estabelece a interação, logo “Considerar a interação na produção textual é dar vida ao trabalho de construção do texto”. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 110). Ao refletir sobre os princípios teóricos linguísticos, Antunes (2018b, p.41) aborda duas grandes tendências sobre a linguagem: a) uma tendência centrada na língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto abstrato de signos e de regras, desvinculado de suas condições de realização; b) uma tendência centrada na língua enquanto atuação social, enquanto atividade e interação verbal de dois ou mais interlocutores e, assim, enquanto sistema-em-função, vinculado, portanto, às circunstâncias concretas e diversificadas de sua atualização. (Grifo da autora). Quando traz estas duas tendências, a estudiosa afirma que a segunda permite um trabalho em sala de aula que seja profícuo e pertinente. E ainda, conclui: [...] a evidência de que as línguas só existem para promover a interação entre as pessoas nos leva a admitir que somente uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja, individual e socialmente, produtivo e relevante. (ANTUNES, 2018b, p. 41, grifo da autora). Nesse sentido, a atividade de produção de texto é interativa [...] quando é realizada, conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ações se interdependem na busca dos mesmos fins. Assim, numa inter-ação (“ação entre”), o que cada um faz depende daquilo que o outro faz também: a iniciativa de um é regulada pelas condições do outro, e toda decisão leva em conta essas condições. (ANTUNES, 2018b, p. 45, grifo da autora). Tratar da interação na produção escrita é reconhecer a presença do outro, e também suas ações, é considerar as exigências impostas pelo outro. Cada indivíduo estabelece suas condições e depende do outro para regulá-las, logo uma teia de interações começa a ser entrelaçada a fim de estabelecer o diálogo. Assim “Uma visão interacionista da escrita supõe, desse modo, encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que aconteça a comunhão das ideias, das informações e das intenções pretendidas”. (ANTUNES, 2018b, p. 45). O encontro entre os sujeitos, que partilham a escrita, pode ser concomitante, como no repasse de pequenos bilhetes entre alunos durante às aulas, ou não exigir a presença dos interlocutores, contudo independentemente do quão perto estão os envolvidos na construção da escrita, o texto faz parte da faculdade da linguagem. (ANTUNES, 2018b). 26 Para a especialista “[...] toda ação de linguagem, toda ação linguística, é realizada conjuntamente, que quer dizer, na interação com outro interlocutor [...]” (ANTUNES, 2019, p. 18, grifo da autora). Logo, a escrita, como ação da linguagem, requer o outro, contempla um “encontro”, “reciprocidade” e “disposição colaborativa”, como afirma Antunes (2019). A reciprocidade marca o caráter dialógico de toda ação de linguagem. (ANTUNES, 2019, p. 19). Assim, uma das sustentações do viés dialógico “é o caráter social da linguagem”, “O social, aquilo que é exterior ao indivíduo, é que o constitui”. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 109). A ação da linguagem pode ser entendida a partir do princípio teórico de que a linguagem é responsiva, “Quando falamos, de fato, estamos “respondendo”, no sentido de que, em geral, procuramos dizer aquilo que supomos ser uma resposta ao que o outro quer saber”. (ANTUNES, 2019, p. 19). Com a finalidade de explicar o caráter responsivo da linguagem, trazemos Antunes (2019, p.20) determinando que: Uma ação de linguagem é, em qualquer condição, um fazer, um agir de um com outro, de um para outro, no sentido de que a finalidade última do que é dito é gerar uma resposta no outro. Tanto assim que essa resposta já é costumeiramente esperada. Grifo da autora. Se ao conversar com o outro esperamos uma resposta, ao escrever, a resposta igualmente é almejada, porque quem lê certamente emite sua opinião sobre o texto lido, pode comentar, agradecer, responder, criticar, elogiar, dentre outros propósitos do texto; ademais, a mediação e intervenção feita pelo professor na escrita do aluno carrega indícios responsivos, pois o estudante espera que antes de qualquer sujeito o docente leia seu texto, teça comentários e ajude em sua composição. Vale destacar, as discrepâncias e divergências existirão na linguagem como ação dialógica, em razão da singularidade de cada sujeito e afinal, a interação é real. (ANTUNES, 2019). A ênfase na presença do “outro”, a “interação” entre os sujeitos, a importância dos interlocutores na escrita é registrada por Antunes (2018b, p. 46) quando declara que: “Escrever sem saber para quem é, logo de saída, uma tarefa difícil, dolorosa e, por fim, é uma tarefa ineficaz, pois falta a referência do outro, a quem todo texto deve adequar-se”. Produzir um texto sem a definição de um interlocutor torna a tarefa de redigir pungente e aflitiva, institui-se assim a magnitude do interlocutor, inclusive em contextos escolares, como salienta a autora: “O professor não pode, sob nenhum pretexto, insistir na prática de uma escrita 27 escolar sem leitor, sem destinatário; sem referência, portanto, para se decidir sobre o que vai ser escrito”. (ANTUNES, 2018b, p. 47). A interação humana acontece por meio da enunciação, definida por Bakhtin (2006, p. 114) como “[...] produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados [...]”. Para o autor a enunciação é a palavra. Ao interagir, o indivíduo pronuncia a palavra a um interlocutor, sendo ela território comum de ambas as partes, do locutor e interlocutor (BAKHTIN, 2006). Menegassi e Gasparotto (2019) afirmam que a palavra é “polifônica” na enunciação discursiva, pois ela é social. Ancorados em Bakhtin (2010) os autores discutem a concepção de palavra a partir das seguintes representações: palavra neutra, minha e alheia. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 110). No que se refere à representação da palavra neutra, seu uso é atribuído em referência “à palavra em sua abstração, fora de uso”, quando a palavra é utilizada não existe neutralidade. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 110). A palavra alheia é o que o sujeito ouve e lê, este discurso é internalizado, logo começa a fazer parte de tudo o que o sujeito ouviu e leu. Quando o indivíduo adquire a palavra alheia realiza um julgamento, “[...] reelabora, reacentua e, então, a exterioriza, já em forma de palavra minha. A minha palavra é, portanto, o produto ideológico de tudo aquilo que é exterior somado à subjetividade”. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 110, grifos dos autores). O texto é marcado pela interação entre dois sujeitos que praticam a ação de linguagem. Ao falar/escrever esperamos que um outro nos ouça/leia e responda. Esta interação é um aspecto importante da linguagem, o que, de acordo com Antunes (2018b), Bakhtin (1995) caracteriza como dialogismo. Menegassi e Gasparotto (2019, p. 109) explicitam que Entender o conceito do dialogismo é compreender que todo evento comunicativo é regido por múltiplos outros discursos e também pela alteridade entre os interlocutores, num processo em que a enunciação é sempre uma resposta a discursos anteriores, assim como a devolução da palavra ao outro. (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 109). Para melhor compreensão, Menegassi e Gasparotto (2019, p. 112) definem o conceito de dialogismo: - É o princípio constitutivo da linguagem, tendo em vista o seu caráter histórico. Nenhum dizer é novo, nem monológico, mas sempre carregado de múltiplas outras vozes que constituem o sujeito; 28 - As relações dialógicas são ininterruptas, ocorrem em fluxo contínuo e se estabelecem a partir de um ponto de vista do sujeito; - Todas as relações dialógicas pressupõem um contexto imediato de interação verbal, um contexto mais amplo que permeia a enunciação e elementos extraverbais que incidem diretamente sobre o evento enunciativo. Tratar do conceito de dialogismo é criar possibilidades de entender a interação do evento enunciativo e do diálogo entre o produtor de textos e seus conhecimentos na hora de escrever, entre o docente e o produtor e o encontro entre as interações na revisão e rescrita (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, p. 112). Diante do exposto acerca da interação, palavra e dialogismo, o locutor e o interlocutor interagem por meio da palavra, buscando adequá-la de acordo com a situação e o grau de proximidade dos atores envolvidos na interação verbal, constituída, para Bakhtin (2006) como realidade fundamental da língua; assim o diálogo é uma das formas mais significativas da interação verbal. O vocábulo diálogo é compreendido “[...] não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”. (BAKHTIN, 2006, p. 125). Nesse sentido, com base em Bakhtin (2006), pode-se concluir que o texto é elemento de interação verbal, dispondo de locutor e interlocutor, além de ser redigido com adequações no sentido de atender a certa finalidade. Dado o caráter essencial da linguagem no estabelecimento de certas ações humanas, nosso estudo assume que a linguagem é uma forma de interação, pois “[...] situa a linguagem como lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 2006, p. 41), e “A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução. E é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo”. (GERALDI, 2006, p. 42). O autor enfatiza que a língua existe por meio da interlocução. Para Antunes (2018a, p. 21): [...] a língua, por um lado, é provida de uma dimensão imanente, aquela própria do sistema em si mesmo, do sistema autônomo em potencialidade, conjunto de recursos disponíveis; algo pronto para ser ativado pelos sujeitos, quando necessário. Por outro lado, a língua comporta a dimensão de sistema em uso, de sistema preso à realidade histórico-social do povo, brecha por onde entra a heterogeneidade das pessoas e dos grupos sociais, com suas individualidades, concepções, histórias, interesses e pretensões. Uma língua que, mesmo na condição de sistema, continua fazendo-se, construindo-se. (Grifos da autora). 29 Na opinião da autora a língua, em seu aspecto concreto, não existe, mas sim os indivíduos que a usam em práticas sociais. Desse modo, a língua constitui-se em Um fenômeno social, como prática de atuação interativa, dependente da cultura de seus usuários, no sentido mais amplo da palavra. Assim, a língua assume um caráter político, um caráter histórico e sociocultural, que ultrapassa em muito o conjunto de suas determinações internas, ainda que consistentes e sistemáticas. (ANTUNES, 2018a, p. 21, grifo da autora). Logo, Antunes (20018a) delineia que o uso da língua envolve a linguística, questões de ordem política, histórica, social e cultural; nesse sentido, a autora alerta que somente a gramática ou manuais de redação não são suficientes para solucionar questões do uso da língua. Sobre o ensino da língua na escola, a autora considera importantes essas questões para possibilidade de formação de um cidadão consciente e participativo. Destacam-se a seguir os objetivos do ensino da língua: Saber falar e escutar em contextos formais inserido no mundo da comunicação escrita e da comunicação virtual, saber apreciar os valores literários e todas as expressões da cultura, ter consciência das imensas possibilidades de criação e de participação social promovidas pelo uso da linguagem. (ANTUNES, 2018a, p.40). Ao refletimos especificamente sobre os objetivos de saber falar e escutar em contextos formais no mundo da comunicação escrita, é possível apontar que a gramática unicamente não consegue atingir esta meta, como discursa Antunes (2018a, p.41): “no que concerne ao estudo de línguas, com raras exceções, temos tido, até o momento, um ensino centrado em gramática; melhor dizendo, em classificação e nomenclatura gramatical”. A autora critica este ensino como “transmissão de conhecimento”. No que confere à correção de textos, o foco gramatical tampouco ajudaria na aprendizagem do aluno ou na contribuição para a formação de um cidadão atuante em práticas sociais de escrita, como reflete a autora: “De fato, um dos maiores equívocos consiste em se acreditar que o conhecimento da gramática é suficiente para se conseguir ler e escrever com sucesso os mais diferentes gêneros de texto, conforme as exigências da escrita formal e socialmente prestigiada”. (ANTUNES, 2010, p.53). Assim, um bom texto não se constitui somente pela gramática, como acentua Antunes (2018a, p.59). Para a pesquisadora: O texto “bom” não seria visto, portanto, simplesmente pela ótica da correção gramatical, conforme pensa muita gente. Um texto absolutamente correto pode estar fora das especificidades de seu gênero, por exemplo, e, assim, já não seria um exemplar da boa linguagem. Uma palavra mal escolhida pode 30 quebrar o fio de coerência ou gerar problemas de clareza que afetam o entendimento. É preciso que tenhamos olhos para ver outras coisas nos textos além de sua correção gramatical. A escola não pode centrar-se apenas no estudo da gramática e deixar para descrições sumárias e superficiais a complexidade das questões textuais. Nesse sentido, o texto escrito atende a uma finalidade, não é construído unicamente para servir a princípios gramaticais ou a um mero exercício; o texto que Antunes (2018a, p. 38-39) preconiza [...] é o texto que é construção e interpretação de um dizer e de um fazer; é o texto que estabelece “um ponto de encontro” entre dois sujeitos historicamente presentes num aqui e num agora definidos. É o texto vivo, que circula, que passa de um interlocutor para outro, que tem finalidades, que não acontece apenas para servir de treino. (ANTUNES, 2018a, p. 38-39, grifo da autora). A ênfase empregada à gramática proclama a artificialidade do texto e desconsidera sua finalidade, além de engessar a escrita do aluno, como no caso da ortografia: O excesso de preocupação com a ortografia desvia a atenção do aluno, destruindo o discurso linguístico, o texto, para se concentrar no aspecto mais secundário e menos interessante da atividade de escrita. (CAGLIARI, 2009, p.107). O autor afirma que o controle ortográfico erradica o incentivo que a produção textual provoca no aluno (CAGLIARI, 2009). O estudioso, ao apontar a vigilância que os produtores de textos sofrem no que diz respeito à ortografia, traz mais evidências sobre as práticas equivocadas no ensino de Língua Portuguesa e a as dificuldades enfrentadas pelos alunos na escrita de textos. Para enfrentar e superar estes impasses, conhecer o objeto que tem sido o problema (o texto) é urgente. Assim, o texto, segundo Koch e Travaglia (2015, p. 8), [...] é uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão. Marcuschi (2015, p. 88) defende que “[...] o texto é a unidade máxima de funcionamento da língua”. O autor faz referência a uma unidade funcional, de natureza discursiva, assim o tamanho do texto não é pré-requisito para defini-lo como tal, o estudioso ainda exemplifica que uma palavra pode ser texto, a exemplo disso traz a palavra PARE, escrita em placas de trânsito. O que garante a legitimidade do texto é a discusividade, inteligibilidade e articulação. (MARCUSCHI, 2015). 31 Ao definir o texto, os autores (KOCH; TRAVAGLIA, 2015; MARCUSCHI, 2015) consideram-no uma unidade linguística que os indivíduos utilizam em um momento que requer interação comunicativa, que, por sua vez, não tem a gramática como única preocupação. Entende-se a importância da gramática no texto, porque “[...] não existe atividade de língua sem gramática; então, ela é necessária [...]” (ANTUNES, 2017, p.144, grifos da autora). Entretanto, o desenvolvimento de um trabalho com a escrita não pode ter a gramática como centro. Como salienta Cagliari (2009), a escola possui um apego à gramática normativa, portanto, o docente de Língua Portuguesa precisa mostrar ao seu aluno como a linguagem funciona, o que é uma língua, suas características e usos, e qual é o procedimento da sociedade frente aos usos linguísticos em diversas situações do dia a dia. (CAGLIARI, 2009). Todavia, a gramática não é a única geradora de problemas no ensino da produção textual. Para produzir um texto é necessário que: a) Se tenha o que dizer; b) Se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) Se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) O locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz; e) Se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 1993, p. 137). O evidenciado por Geraldi (1993) revela a necessidade de um trabalho sistematizado e capaz de fornecer condições para a produção textual do discente, que não conseguirá escrever sem ter assunto ou informações, sem tem uma boa razão para a escrita e sem ter um interlocutor já predefinido. Costa Val (2006), ao tratar das unidades sociocomunicativa, semântica e formal do texto ou discurso, define que “[...] um texto é uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa” (2006, p. 3-4) e destaca os fatores da primeira unidade, a sociocomunicativa, que contribuem para a criação de sentido, na produção e recepção do texto, quais sejam: [...] as intenções do produtor; o jogo de imagens mentais que cada um dos interlocutores faz de si, do outro e do outro com relação a si mesmo e ao tema do discurso; e o espaço de perceptibilidade visual e acústica comum, na comunicação face a face. (COSTA VAL, 2006, p.4). A autora descreve as características que compõem o texto e sinaliza que o contexto sociocultural também é um elemento essencial para a construção de sentido (COSTA VAL, 32 2006). Durante a escrita, representamos no texto o contexto do qual se origina. Assim a significação acontece no compartilhamento deste. A segunda unidade, a semântica, confirma a autenticidade do texto quando o interlocutor percebe o todo significativo, ou seja, a coerência, sendo o elemento encarregado pelo sentido. (COSTA VAL, 2006). A última unidade, a formal, é a coesão. A autora expõe que os componentes linguísticos precisam estar integrados, o texto deve ser um todo coeso. Conforme a autora, para um bom entendimento de um texto são necessários três aspectos: a) o pragmático, que tem a ver com seu funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa; b) o semântico-conceitual, de que depende sua coerência; c) o formal, que diz respeito à sua coesão. (COSTA VAL, 2006, p.4-5) Em concordância com Geraldi (1993) e Costa Val (2006), são muitas as propriedades envolvidas na produção de um texto; os elementos linguísticos necessitam de integração para a garantia de entendimento e estabelecimento de interação entre os interlocutores, inclusive para a correção do docente. Todavia, estas propriedades precisam ser trabalhadas no ensino de Língua Portuguesa para garantir o sucesso do autor de textos. Ainda sobre o fator pragmático, Costa Val (2006) aborda a textualidade, definida por um agrupamento de características responsáveis por garantir a efetividade de um texto. Alicerçada em Beaugrande e Dressler (1983), a autora revela os sete fatores da textualidade, sendo eles: “[...] a coerência e a coesão, que se relacionam com o material conceitual e linguístico do texto, e a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade” (COSTA VAL, 2006, p. 5). Nesse sentido, em conformidade com a definição de texto e as particularidades que o definem como tal, Turkiewicz e Costa-Hübes (2017), com base nas condições de Geraldi (1993) e Costa-Hübes (2012), sugerem aos alunos que, ao produzirem textos, orais e escritos, ponderem sobre a esfera social, os interlocutores, o gênero, o tema, a finalidade e as estratégias de produção, para tanto a mediação docente é necessária, o profissional cria e gerencia “[...] uma necessidade de interlocução por meio de determinado gênero, em função de interlocutor(es) definido(s), de um tema, de uma finalidade e de formas de circulação do texto”. (TURKIEWICZ; COSTA-HÜBES, 2017, p.88). Os autores supracitados, ao esclarecerem as condições de produção, contribuem para firmar o papel do professor como mediador responsável por encaminhar a escrita e 33 proporcionar momentos de reflexão ao seu aluno, e este espera direção e interação do docente durante o trabalho. Menegassi (2004) assegura que o trabalho com a produção de texto requisita esta interação entre texto, professor e aluno, e alerta, amparado por Geraldi (1993), que a falta de interação pode qualificar o texto à categoria de redação, sendo uma atividade para cumprir as exigências do professor, com fim avaliativo e escolar (MENEGASSI, 2004); o autor acredita em uma interação orientada para a geração de novos sentidos, proporcionando assim aprendizado ao escritor. Por isso, além das condições de produção, a escrita reivindica leitura, diálogo, correção, revisão e reescrita. A respeito da revisão e da reescrita, Menegassi e Gasparotto (2019, p. 108) relatam que “Ao defender o trabalho de revisão e reescrita de textos no contexto escolar, entende-se a interação entre professor e aluno como processo de significação, de internalização, de apropriação, de sistematização e de desenvolvimento de habilidades de escrita”. A escrita de um texto não é somente redigir palavras, requer, segundo Antunes (2018b, p.54), “[...] várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da reescrita”. As etapas, comentadas pela autora, são: o planejamento, a escrita e a terceira etapa consiste na revisão e na reescrita. O produtor ao planejar precisa: a. delimitar o tema de seu texto e aquilo que lhe dará unidade; b. eleger os objetivos; c. escolher o gênero; d. delimitar os critérios de ordenação das ideias; e. prever as condições de seus leitores e a forma linguística (mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumir. (ANTUNES, 2018b, p. 55). Ao escrever, o planejamento será grafado, as palavras serão escolhidas e as estruturas das frases definidas em concordância com a primeira etapa, a situação à qual se destina o texto, a coerência e relevância. Na terceira etapa, a produção será analisada a fim de garantir que o delineado no planejamento foi alcançado, é também espaço de reestruturação, de conservar ou se desfazer de palavras ou frases (ANTUNES, 2018b). A escolha do parceiro de interação, de interlocução e da escrita propriamente dita não satisfaz ou abarca os meandros da produção textual, pois [...] produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quando tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe, ao contrário, várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e reescrita. Cada etapa cumpre, assim, uma 34 função específica, e a condição final do texto vai depender de como se respeitou cada uma destas funções. (ANTUNES, 2018b, p. 54). Em sua obra intitulada “Aula de português: encontro e interação”, Antunes (2018b) propõe um esquema que aborda as várias etapas da escrita as quais são descritas no quadro: Quadro 2 - Etapas distintas e intercomplementares implicadas na atividade da escrita 1. PLANEJAR 2. ESCREVER 3. REESCREVER É a etapa para o sujeito: É a etapa para o sujeito: É a etapa para o sujeito: ampliar seu repertório; pôr no papel o que foi planejado; rever o que foi escrito; delimitar o tema e escolher o ponto de vista a ser tratado; realizar a tarefa motora de escrever; confirmar se os objetivos foram cumpridos; eleger o objetivo, a finalidade com que vai escrever; cuidar para que os itens planejados sejam todos cumpridos; Avaliar a continuidade temática; escolher os critérios de ordenação das ideias, das informações; observar a concatenação entre os períodos, entre os parágrafos; ou entre os blocos superparagráficos; prever as condições dos possíveis leitores; avaliar a clareza do que foi comunicado; avaliar a adequação do texto às condições da situação; considerar a situação em que o texto vai circular; Enfim, essa é uma etapa intermediária, que prevê a atividade anterior de planejar e a outra posterior de rever o que foi escrito. rever a fidelidade de sua formulação linguística às normas da sintaxe e da semântica, conforme prevê a gramática da estrutura da língua; decidir quanto às estratégias textuais que podem deixar o texto adequado à situação; rever aspectos da superfície do texto, tais como a pontuação, a ortografia e a divisão do texto em parágrafos. estar seguro quanto ao que pretende dizer a seu parceiro; enfim, estar seguro quanto ao núcleo de suas ideias e de suas intenções. Normalmente, a escola tem concentrado sua atenção na etapa de escrever e tem enfocado apenas a escrita gramaticalmente correta. Fonte: ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2018b, p.57-58. Como esquematiza a autora, a atividade de escrita requer três etapas diferentes: planejar, escrever e reescrever. Logo, não é uma prática que pode ser exercida de maneira apressada e sem esforço, é preciso tempo e oportunidade para executar as etapas de escrita e 35 obter um texto de qualidade desejável, como sugere Antunes (2018b). A concepção de que o texto ideal se encontra tão logo quanto é escrito pela primeira vez é motivo de reflexão, visto que Antunes (2018b) adota a reescrita com a terceira etapa. O trabalho de produção textual requer maturidade, como ilustra a autora ao explicitar que: A maturidade na atividade de escrever textos adequados e relevantes se faz assim, e é uma conquista inteiramente possível a todos – mas é “uma conquista”, “uma aquisição”, isto é, não acontece gratuitamente, por acaso, sem ensino, sem esforço, sem persistência. Supõe orientação, vontade, determinação, exercício, prática, tentativas (com rasuras, inclusive!), aprendizagem. Exige tempo, afinal. (ANTUNES, 2018b, p. 60). Então, o tempo para a escrita é um elemento precioso e fundamental para alcançar um texto de qualidade desejável, tempo, inclusive, para praticar, porque a prática ensina e aprimora a escrita. Restringindo o foco sobre a atividade escrita, trazemos o conceito de reescrita proposto por Fiad (2009, p.148), que a considera um “[...] conjunto de modificações escriturais pelas quais diversos estados do texto constituem as sequências recuperáveis visando um texto terminal”. O aluno, ao receber seu texto corrigido, realiza várias alterações, que são mediadas pela interação entre aluno e professor, a fim de deixar a produção apta à intenção comunicativa. A respeito da reescrita, Fiad (2009, p.148) destaca: É considerada importante no contexto de ensino de língua devido a dois aspectos: por um lado refere-se aos processos enunciativos mais gerais, possibilitando modificar as representações sobre a escrita e, com alguma orientação, melhorar sensivelmente as produções escritas; por outro lado, refere-se também aos processos individuais, caracterizando os alunos em seus diferentes percursos de aprendizagem. O exercício de reescrita é comum entre os escritores consagrados, segundo Fiad (2009), e ainda tem como característica a prática social e a prática escolar. Social, pois é exercitada além das fronteiras escolares, e escolar, porque o trabalho de reescrita é feito como uma resposta à correção do professor, firmando sua autenticidade com a escrita fora da escola, o que permite aos estudantes agirem como escritores. Então, a correção precisa levar em conta a reescrita, permitindo respostas aos apontamentos do docente e autenticar o papel do produtor de textos. Nas palavras de Fiad (2009, p.158), “[...] a reescrita é uma prática que não se dissocia da escrita, que pode e deve ser incorporada ao ensino da escrita, que pode levar os alunos a se descobrirem nas possibilidades da língua e a gostarem de reescrever”. Dessa 36 forma, a importância da reescrita no ensino da produção de textos fica clara; no entanto, para que ela aconteça depende do direcionamento da correção realizada pelo docente. Portanto, diante do apresentado, concordamos com Geraldi quando já afirmava em 1993 que o trabalho com a produção de textos, orais ou escritos, é o ponto de partida e de chegada do ensino e aprendizagem da língua. 2.2 Fatores da textualidade A textualidade define critérios para que um texto seja reconhecido como texto. Os sete fatores da textualidade - coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade - certificam que um texto seja aceito como tal. Estes aspectos são explicitados com base em Costa Val (2006), que os aborda tendo por apoio estudos de Beaugrande e Dressler (1983). De acordo com Costa Val (2006), a coerência é responsável pelo sentido do texto, portanto, é um elemento primordial da textualidade, e [...] resulta da configuração que assumem os conceitos e relações subjacentes à superfície textual [...] Envolve não só aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do partilhar de conhecimentos entre os interlocutores. (COSTA VAL, 2006, p.5, grifo da autora). Os conceitos e as relações implícitas à superfície do texto constroem a coerência, implícita, pois Koch e Travaglia (2015) afirmam que o receptor precisa ativar seu conhecimento de mundo e dessa maneira determinar o sentido do texto; assim, o produtor e alocutário definem a coerência. Massini-Cagliari (2001) considera a coerência uma ocorrência relacionada à interlocução. No mesmo sentido, Koch e Travaglia (2015, p.21) afirmam que: [...] a coerência está ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois coerência é global. Diante da definição dos autores, entendemos que o produtor e interlocutor exercem papel fundamental na garantia de firmar a coerência do texto. Quanto à coesão, Costa Val (2006) alega ser a demonstração linguística da coerência, proveniente de mecanismos gramaticais e lexicais. Complementando, Koch (2016, p. 16) anuncia: 37 [...] que o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequenciação que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual. Na opinião de Costa Val (2006), a ligação coerente entre as ideias é indispensável e o uso de recursos coesivos é conveniente, mas pode não ser obrigatório, ou seja, existem textos coerentes e sem coesão; entretanto, somente a coesão não garante que um texto seja considerado texto; porém, Koch (2016) salienta a importância de elementos coesivos para legitimar o texto. Ainda de acordo com Costa Val (2006), a respeito dos fatores da textualidade, a pesquisadora explica a intencionalidade como a dedicação que o escritor emprega em um discurso para que este seja coerente e atenda aos objetivos da situação comunicativa, e a intenção conduzirá à construção do texto. A intencionalidade é o fator mais importante na atuação comunicativa (COSTA VAL, 2006). Antunes (2018c) conceitua a intencionalidade enquanto vontade do falante em apenas revelar coisas com sentido, coerentes. Conforme citação de Koch e Travaglia (2015, p.97), “A intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados”. O enunciador esforça-se para tecer e oferecer um texto com sentido ao seu interlocutor. Já a aceitabilidade, [...] concerne à expectativa do recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos ou cooperar com os objetivos do produtor. (COSTA VAL, 2006, p. 11). A aceitabilidade relaciona-se ao interlocutor e a sua aceitação ao discurso do outro, previamente ele aceita como texto a sequência linguística que lê/ouve. A situacionalidade refere-se à preocupação em responder à situação sociocomunicativa; o escritor atenta-se em produzir uma escrita de acordo com o contexto social. (COSTA VAL, 2006). Outro fator abordado pela autora é a informatividade, ou seja, as informações no texto podem provocar o receptor a aceitar o discurso, as informações conhecidas ou não, em excesso ou não, têm o poder de convidar o alocutário ao discurso (COSTA VAL, 2006). Para a especialista, a informatividade no texto deve manter equilíbrio entre ocorrências conhecidas e novas, porque um texto que porta somente informações novas pode ser desprezado pelo 38 interlocutor, pois tende a achar difícil de processar, no entanto um texto que associe ocorrências conhecidas e traga novidades (o imprevisível) torna-se intrigante. (COSTA VAL, 2006). Ainda, a autora apresenta outro requisito, além dos apresentados pela base teórica da pesquisadora, sem interferência de Beaugrane e Dressler (1983). Costa Val (2006, p. 14) propõe a suficiência de dados, “Isso significa que o texto tem que apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com o sentido que o produtor pretende”, afirmando a impossibilidade de o discurso apresentar todas as informações necessárias e a inconveniência de tal ação, contudo, o que for essencial para a compreensão deve ser claro. A intertextualidade, último fator, consiste no apoio que um texto exige de outro (s) texto (s) para fazer sentido. Escrevemos ou falamos a partir de um outro discurso anteriormente já articulado, alguns textos só podem fazer sentido quando relacionados a outros, que agem como seu contexto. (COSTA VAL, 2006). Antunes (2018c, p. 36) determina que “a intertextualidade concerne ao recurso de inserção, de entrada, em um texto particular, de outro (s) texto (s) já em circulação” (grifos da autora). O texto produzido se relaciona ou precisa de suporte de outro (s) para ser entendido, ser complementado com informações enunciadas antes. Sobre os fatores ou propriedades da textualidade, Antunes (2018c) pondera que a coesão, a coerência, a informatividade e a intertextualidade são propriedades do texto, estão ligadas à composição do texto. A intencionalidade, a aceitabilidade e a situacionalidade aproximam-se das condições de efetivação do texto, dizem respeito especificamente aos interlocutores. Após adentrarmos nos meandros da textualidade, é fundamental expor os apontamentos e considerações de Marcuschi (2015, p. 93). Em sua avaliação, os critérios de textualidade, abordados por Beaugrande e Dressler (1981), devem ser considerados mediante três observações: primeira: “[...] não se podem dividir os aspectos da textualidade de forma tão estanque e categórica. Alguns critérios são redundantes e se recobrem”, segunda “[...] não se deve concentrar a visão de texto na primazia do código nem na primazia da forma” e por último “[...] porque não se pode ver nesses critérios algo assim como princípios de boa formação textual, pois isto seria equivocado, já que um texto não se pauta pela boa formação tal como a frase, por exemplo.”. Assim, o texto para Marcuschi (2015, p. 94) “[...] não é apenas um sistema formal e sim uma realização linguística a que chamamos de evento comunicativo e que preenche condições não meramente formais”. O pesquisador considera o texto como uma proposta de 39 sentido, firmada pelo envolvimento de quem está lendo ou ouvindo. De acordo com Marcuschi (2015) todos os textos articulam-se em três aspectos: aspectos linguísticos, aspectos sociais e aspectos cognitivos. Desse modo, o autor e o leitor de determinado texto não estão distantes durante sua produção ou recepção. Nessa linha de pensamento, as condições da textualidade para Marcuschi (2015, p. 97) são: [...] critérios de acesso à produção de sentido. Esses sete critérios não têm todos o mesmo peso nem a mesma relevância. Além disso, não se distinguem de maneira tão clara com aparentam. Alguns são até mesmo redundantes. Também seria equivocado correlacionar esses critérios a alguma área da linguística [...] não é correto correlacionar a coesão com o nível morfossintático; nem a coerência com o nível semântico; nem a intencionalidade, situacionalidade e aceitabilidade com a pragmática; nem a informatividade com a relação tópico-comentário ou a intertextualidade com o estilo. O autor não reconhece que os aspectos da textualidade operem como regras linguísticas, pois são critérios, e mesmo inexistentes não impossibilitam que se obtenha um texto. Assim, “O texto, quando considerado como unidade, é uma unidade de sentido e não unidade linguística”. (MARCUSCHI, 2015, p. 97). O estudioso afirma que os sete critérios da textualidade estão ligados ao acesso à construção de sentido e não tanto aos princípios de uma boa composição textual (MARCUSCHI, 2015). Os critérios podem ser notados sendo: a) dois deles são orientados pelo texto (coesão e coerência) b) dois pelo aspecto psicológico (intencionalidade e aceitabilidade) c) um pelo aspecto computacional (informatividade) d) dois pelo aspecto sociodiscursivo (situacionalidade e intertextualidade). (MARCUSCHI, 2015, p. 133). A partir do exposto, um texto pode ser percebido através de alguns aspectos centrais: “língua; cognição; processamento e sociedade” (MARCUSCHI, 2015, p. 133). Ante a exposição acerca da textualidade, é admissível que os sete fatores aqui descritos sejam objetos de ensino, como defende Antunes (2018c, p. 30). Para a autora a textualidade deve ser assumida “[...] como o princípio que manifesta e que regula as atividades de linguagem”. O excerto mencionado confirma a relevância do ensino de produção textual e impõe critérios reguladores para a atividade, contudo não devem ser regras fixas como adverte Marcuschi (2015). 40 2.3 Gênero textual e tipo textual O gênero textual e tipo textual pertencem ao universo do ensino de produção de textos, “Isso porque toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero”. (MARCUSCHI, 2015, p. 154). Assim, o termo gênero textual [...] refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística [...] e assim por diante. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastantes estáveis, histórica e socialmente situadas. (MARCUSCHI, 2015, p. 155, grifo do autor). Em contrapartida, tipo textual [...] designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. (MARCUSCHI, 2015, p. 154-155, grifos do autor). Segundo o autor, os gêneros não são modelos rígidos, mas dinâmicos. Ponderando a respeito da produção textual, os gêneros influenciam em nossas escolhas durante a escrita, direcionam, não permitindo a total liberdade no grau de formalidade, por exemplo (MARCUSCHI, 2015). É indispensável considerar que os gêneros e tipos textuais estão ligados e se complementam. (MARCUSCHI, 2015). Ao tratar de assuntos referentes aos tipos textuais, Antunes (2018c, p. 43-44) explana: A questão dos tipos de texto é mais simples, pois está menos sujeita a fatores de ordem pragmática do que os gêneros. De fato, os tipos são marcados por características linguísticas e estruturais, como, por exemplo, o modo de seleção lexical, a escolha dos tempos verbais. Distribuem-se em cinco 41 categorias, ou seja: os tipos narrativo, descritivo, expositivo, dissertativo e injuntivo. Cada um desses tipos pode acontecer na composição de diferentes gêneros. Pensar em gêneros textuais é considerar que quando precisamos nos comunicar queremos atender à situação de comunicação, a situação regulará o discurso escrito (ou oral) e delineará os contornos do texto. Ao produzir uma fábula, por exemplo, fazemo-lo de modo diferente do de uma carta (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004): Os textos escritos ou orais que produzimos diferenciam-se uns dos outros e isso porque são produzidos em condições diferentes. Apesar dessa diversidade, podemos constatar regularidades. Em situações semelhantes, escrevemos textos com características semelhantes, que podemos chamar de gêneros de textos, conhecidos de e reconhecidos por todos, e que, por isso mesmo, facilitam a comunicação [...]. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p.83, grifo dos autores). A concepção sobre gêneros de textos é um importante condutor para o trabalho com produção textual, já que os gêneros facilitam a comunicação e o esboço do texto a ser escrito. Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004) sugerem um trabalho com gêneros cujo domínio os estudantes ainda não adquiriram ou aqueles aos quais não tiveram acesso. Investir em gêneros textuais significa ampliar a edificação de modelos culturais, de produções relacionadas ao patrimônio cultural e também ao legado social, pertencente à teia da intertextualidade. (DOLZ; GAGNON; DECÂNDIO, 2011). 2.4 Correção textual A correção é explicada por Ruiz (2015) como a atitude do docente ao ler um texto e fazer marcações, frequentemente com a caneta vermelha, indicando os erros e as resoluções. Define-se correção como: [...] o trabalho que o professor (visando à reescrita do texto do aluno) faz nesse mesmo texto, no sentido de chamar a sua atenção para algum problema de produção. Correção é, pois, o texto que o professor faz por escrito no (e de modo sobreposto ao) texto do aluno, para falar desse mesmo texto. (RUIZ, 2015, p. 19). Nesse sentido, o ensino da produção textual não é finalizado após o aluno terminar seu texto, em seguida o professor inicia uma nova etapa de trabalho, a correção, a qual [...] atribui ao professor o papel de coautor e interlocutor real do aluno, pois, é nesse momento que apresenta intervenções que incidem na transformação 42 ou aprimoramento do texto produzido. (TURKIEWICZ; COSTA-HÜBES, 2017, p. 90). O momento da correção é marcado pela participação ativa do docente na construção do texto em parceria com o discente, estabelecendo assim a coautoria. As intervenções precisam levar o estudante a mobilizar ações que lhe permitam refletir sobre sua escrita. Justamente por isso, o modo como o professor corrige merece atenção. Serafini (1995) afirma que os professores elaboram sua própria metodologia de correção e, antes disso, para corrigirem textos se baseiam em técnicas dos seus antigos professores. A pesquisadora nos alerta que a atividade de escrita é uma prática pouco exercitada entre os professores, o que pode ser um dos motivos dessa dificuldade em corrigir. Apoiando-se em Applebee (1981a), Serafini (1995) apresenta três tipos de correção: a indicativa, resolutiva e classificatória. Ruiz (1998, p.67), em tese de doutorado denominada “Como se corrige redação na escola”, pesquisa o tipo de correção textual-interativa, por meio da qual o corretor faz comentários após o texto do aluno. Os comentários são registrados como se fossem bilhetes, comunicando os problemas do texto ou sobre a correção realizada. Já Simioni (2012), segundo Turkiewicz e Costa-Hübes (2017), elabora a correção classificatória interativa tendo como base Serafini (1995) e Ruiz (2013 [2001]). 2.4.1 Correção indicativa Na correção indicativa o professor utiliza a margem ou o corpo do texto para marcar os erros, que na maioria