UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS Curso de Graduação Farmácia-Bioquímica Lucas Kenzo Fujihara Montanhal PANORAMA COMPARATIVO DOS MODELOS DE REGULAMENTAÇÃO DE Cannabis sativa L. NO BRASIL E URUGUAI Araraquara, SP 2024 Lucas Kenzo Fujihara Montanhal PANORAMA COMPARATIVO DOS MODELO DE REGULAMENTAÇÃO DE Cannabis sativa L. NO BRASIL E URUGUAI Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Farmácia Bioquímica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Farmacêutico Bioquímico. Orientador: Prof. Dr. André Gonzaga dos Santos Coorientador: Dr. Flavio Alexandre Carvalho Araraquara, SP 2024 Montanhal, Lucas Kenzo Fujihara. M764p Panorama comparativo dos modelos de regulamentação de Cannabis sativa L. no Brasil e Uruguai / Lucas Kenzo Fujihara Montanhal. – Araraquara, 2024. 58 f. : il. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação – Farmácia Bioquímica) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Orientador: André Gonzaga dos Santos. Coorientador: Flavio Alexandre Carvalho. 1. Cannabis sativa. 2. Maconha. 3. Regulamentação. 4. Brasil. 5. Uruguai. I. Santos, André Gonzaga dos, orient. II. Carvalho, Flavio Alexandre. III. Título. Diretoria do Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – Faculdade de Ciências Farmacêuticas UNESP Campus de Araraquara Esta ficha não pode ser modificada LUCAS KENZO FUJIHARA MONTANHAL PANORAMA COMPARATIVO DOS MODELOS DE REGULAMENTAÇÃO DE Cannabis sativa L. NO BRASIL E URUGUAI Trabalho de Conclusão de Curso apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Farmacêuticas UNESP, Araraquara, para obtenção do título de Bacharel(a) em Farmácia-Bioquímica. Data da defesa: 28/05/2024 Banca Examinadora: ______________________________________ Prof. Dr. Andre Gonzaga dos Santos UNESP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Unesp - Campus de Araraqua ______________________________________ Mestrando Sven Zalewski UNESP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Unesp - Campus de Araraquara ______________________________________ Doutorando Júlio Gabriel Sanches de Camargo UNESP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Unesp - Campus de Araraquara ______________________________________ Mestrando Caio Humberto Perego UNESP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Unesp - Campus de Araraquara ______________________________________ Prof. Dr. Luis Vitor Silva do Sacramento UNESP - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Unesp - Campus de Araraquara AGRADECIMENTOS Dedico este trabalho a minha mãe, irmão e tia que sempre me apoiaram e me aconselharam mesmo nos momentos mais difíceis a não desistir e só cheguei aonde estou, por conta deles. A minha namorada Caroline que sempre esteve ao meu lado mesmo distante, me apoiando em todos os momentos e me inspirando e ensinando a ser uma pessoa melhor a cada dia. Aos meus amigos que sempre comemoraram as minhas vitórias e me ergueram nos meus momentos mais difíceis. Ao meu orientador André e coorientador Flavio por terem topado embarcar nesse projeto comigo me auxiliando com muita calma e proporcionando momentos de conhecimento. Por fim, a minha república intrometeu que sempre será a minha segunda casa e família e que tornaram todo esse processo mais leve, divertido e cheio de bons momentos. “Cerre os punhos, sorria e jamais volte para sua quebrada de mão e mente vazia” - Emicida RESUMO No início do século XX foram realizadas diversas convenções internacionais com o objetivo de proibir o consumo de substância psicoativas, incluindo também a proibição da planta Cannabis sativa L. As práticas proibicionistas lideradas pelos Estados Unidos da América e apoiadas pela Liga das Nações e Organização das Nações Unidas foram perpetuadas por setores conservadores diante de interesses econômicos, sociais e raciais. Porém, recentemente é observada uma mudança política e jurídica em vários países, sobre a regulamentação da planta. Como exemplo, o Uruguai que em 2013 coloca em vigor a lei nº19.172 que regulamenta diversas atividades em relação a C. sativa, desde o cultivo até a comercialização de seus derivados, e o Brasil que em 2015 dá o seu primeiro passo legal em relação a Cannabis medicinal por meio da ANVISA aprovando a RDC nº17/15 e posteriormente de forma fragmentada dispõe de novas resoluções que contemplam importação por pessoa jurídica, física e a possibilidade de instituições de ensino realizarem pesquisa e mais recentemente o fornecimento gratuito via SUS. O presente estudo tem como objetivo, comparar as estruturas das políticas regulatórias da cannabis e seus derivados no Brasil e Uruguai, evidenciando bases históricas sociais que influenciaram ambos a seguirem os caminhos da regulamentação da Cannabis. Palavras-chave: Cannabis sativa; maconha; regulamentação; Brasil; Uruguai. ABSTRACT At the beginning of the 20th century, several international conventions were held with the aim of prohibiting the consumption of psychoactive substances, including also the prohibition of the Cannabis sativa L plant. Prohibitionist practices learned by the United States of America and reinforced by the League of Nations and the Organization of Nations United were perpetuated by conservative sectors in the face of economic, social and racial interests. However, recently a political and legal change has been observed in several countries regarding the regulation of the plant. As an example, Uruguay, which in 2013 put into force law nº19,172, which regulates various activities in relation to C. sativa, from cultivation to the commercialization of its derivatives, and Brazil, which in 2015 took its first legal step in relation to medicinal Cannabis through ANVISA approving RDC No. 17/15 and later in a fragmented manner presenting new resolutions that include importation by legal entities, individuals and the possibility of educational institutions carried out in research and more recently that provided free of charge via SUS. The present study aims to compare the structures of regulatory policies for cannabis and its derivatives in Brazil and Uruguay, highlighting social historical bases that influenced both to follow the paths of Cannabis guidance. Keywords: Cannabis sativa. Cannabis regulation in Brazil. Cannabis Regulation in Uruguay. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Embalagem contendo 5 gramas de Cannabis .............................. 37 LISTA DE TERMOS E ABREVIATURAS AE: Autorização Especial AEP: Autorização Especial simplificada ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária ASEP: Acordo Sul-Americano sobre Entorpecentes e Psicotrópicos CBD: Canabidiol CB1: Canabinoides do tipo 1 CP: Consulta Publica FBN: Federal Bureau of Narcotics FCF: Faculdade de Ciências Farmacêuticas FDA: Food and Drugs Administration IMPO: Centro de Informacíon Oficial IRCCA: Instituto de Regulacíon y Control del Cannabis JND: Junta Nacional de Drogas PEC: Proposta de Emenda Constitucional PL: Projeto de Lei RDC: Resolução da Diretoria Colegiada OMS: Organização Mundial da Saúde ONU: Organizações das Nações Unidas SUS: Sistema Unido de Saúde SVS/MS: Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde UNODC: United Nations Office on Drugs and Crime 2 AG: 2-Araquidonoil glycerol Δ9-THC: Delta-9-tetrahidrocanabinol SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13 1.1 Evolução das Políticas sobre Drogas: Brasil e Uruguai ............................ 18 2 OBJETIVO .................................................................................................. 19 3 MÉTODOS .................................................................................................. 19 4 DESENVOLVIMENTO ................................................................................. 20 4.1 Proibição de C. sativa em nível internacional ........................................... 20 4.2 História da regulamentação de C. sativa no Brasil ................................... 23 4.3 História da regulamentação da C. sativa no Uruguai................................ 33 4.4 Discussão entre as políticas regulatórias Brasil x Uruguai ....................... 40 5 CONCLUSÃO ............................................................................................. 46 REFERENCIAS .............................................................................................. 48 13 1 INTRODUÇÃO Cannabis sativa L. é uma das plantas mais antigas que foram cultivadas e utilizadas por vários povos como fonte de fibras, alimentos, óleos, remédios, bem como para fins recreativos e religiosos ao longo dos séculos (Bonini et al., 2018). Segundo Crocq (2020), estudos paleobotânicas demonstram que C sativa estava presente há cerca de 11.700 anos na região da Ásia central, perto das montanhas de Altai, que atualmente ocupa territórios da Rússia, China, Mongólia e Cazaquistão. Além dessas regiões Bonini et al. (2018) insere também o sudeste asiático como suposta região primária para domesticação de C. sativa. Na China, o imperador Shen Nung (2700 a.C.) foi considerado o patrono dos fitoterapeutas e farmacêuticos, pois instruía as pessoas sobre o valor medicinal das ervas (Crocq, 2020). Zuardi (2006 citado por CROQC, 2020) o uso medicinal de C. sativa foi documentado na mais antiga farmacopeia chinesa conhecida como “Shen Nung Pen Ts ‘ao ching” escrito no século I aC, que traz outros remédios tradicionais utilizados na época. Conforme descrito na farmacopeia “Pen Ts ‘ao ching” as flores femininas de C. sativa chamadas de MáFěn eram indicadas para tratar condições de saúde como dor reumática, constipação, malária, beribéri (causada por deficiência em vitamina b1) e distúrbios ginecológicos. Olson (1997 citado por PISANTI, BIFULCO, 2019) relata o aprendizado da medicina tradicional japonesa que baseando-se na Farmacopeia Chinesa, considerou várias preparações à base de C. sativa principalmente como um laxante suave, tônico corporal para tratar asma e patologias da pele e contra parasitas como vermes intestinais e picadas venenosas. Na Índia, C. sativa teve uma aceitação e difusão mais rápida, devido às propriedades sagradas que foram atribuídas a ela. Na medicina tradicional indiana (medicina Ayuvédica) era usada como analgésico, anestésico, antiparasitário, antispástico e diurético (Crocq, 2020). Segundo Pisanti e Bifulco (2019) a difusão de C. sativa na Eurásia ocorreu através da Rússia há 3.500 anos e em outras regiões do mundo se deu por povos nômades como os Citas e Proto-citas, mas também pela sua capacidade de se adaptar a ambiente com condições climáticas desfavoráveis. Segundo o historiador grego Herodoto de Halicarnasso (484-425 a.C), os Citas utilizavam C. sativa em 14 funerais por meio de fumigações e saunas, mas também como fibra (CROCQ, 2020; HERODOTO, 1985). No antigo Egito, Cannabis já era conhecida, sendo utilizada tanto para a confecção de cordéis quanto na medicina, segundo o hieroglifo shemshemet nos “Textos da pirâmide” na opinião de vários estudiosos C. sativa, era administrada por vias como a oral, retal, vaginal, por fumigação, olhos e pele (Pisanti; Bifulco, 2019; Russo, 2007). O autor da renomada farmacopeia de Andaluzia, o médico e botânico Ibn al-Bayṭāṭ (1197-1248 dC), mencionou uma espécie de Cannabis diferente chamada pelos Árabes de Qinnab hindī (Cannabis indica), no qual ele não avistou em nenhum outro lugar a não ser no Egito (Crocq, 2020). Tanto as edições judaicas, aramaica da bíblia quanto no “Talmud” foram encontradas evidências documentadas sobre o uso de C. sativa, conhecida como “kanehbosn”, sendo utilizada como incenso para fins religiosos (Pisanti; Bifulco, 2019). Viajantes árabes introduziram C. sativa no continente africano e as primeiras evidências datam no século XIV (Pisanti; Bilfuco, 2019). Porém a difusão e o cultivo da C. sativa tanto no continente africano, quanto na América Latina, se deu pelas expansões marítimas europeias que atracaram nos 2 continentes citados (Maia, 2022) Na era greco-latina, C. sativa foi pouco explorada na área médica, sendo o seu uso principal na confecção de cordas e panos e às vezes o consumo de sementes e as inflorescências como alimento. Galeno, que foi o médico mais famoso do império romano, sendo o médico pessoal do imperador Marco Aurélio, reconhecia o valor terapêutico de C. sativa, bem como as suas advertências sobre o consumo excessivo de bolos contendo sementes de cânhamo, popularmente encontrado em banquetes romanos, pois produziam efeitos como relaxamento, hilaridade e euforia, mas com o efeito colateral de induzir a hiperdipsia (sede excessiva), lentidão, dificuldade de digestão (Arata, 2004; Galen, 2003). Durante a Idade Média, observou-se um período de repressão do uso de C. sativa por parte de entidades religiosas, notavelmente exemplificada pela condenação proclamada pelo Papa Inocêncio VIII. Essa repreensão baseou-se na associação da erva a práticas rituais satânicas, além de sua confusão com o ópio, resultando em uma estigmatização amplamente difundida (Frankhauser, 2002). A partir do século XII o uso medicinal de C. sativa caiu vertiginosamente na Europa, porém a sua finalidade têxtil permaneceu, sendo produzido cordas, velas e amarras que foram utilizadas 15 principalmente em embarcações italianas proclamadas de “Repúblicas Marítimas” (Pisanti; Bifulco, 2019). Santa Hildegarda (Hildegard von Bingen, 1098–1179 dC), uma das primeiras mulheres na história a escrever um tratado médico científico, descreve em sua obra “Livro de medicinais simples” as propriedades terapêuticas de C. sativa. Diferente da Europa Ocidental, a Europa Oriental ainda mantinha uma forte tradição do uso medicinal de C. sativa. O botânico polonês Symon Sirenius (1540-1611) relata sobre o uso da resina de C. sativa no tratamento de queimaduras e de dores articulares (Pisanti; Bifulco, 2019) Durante a segunda metade do Século XIX houve um aumento progressivo do uso de C. sativa na medicina (Pisanti; Bifulco, 2019). Empresas Farmacêuticas como Bristol-Meyers e a Merck, lançaram diferentes formas farmacêuticas de C. sativa como tinturas, comprimidos e extratos que foram utilizados principalmente por conta dos seus efeitos terapêuticos sobre condições inflamatórias, analgesia e antiespásticas (Pisanti; Bifulco, 2019) Um uso muito popular da Cannabis no final do século 19 e início do século 20 no Brasil foi por meio dos Cigarros Índios (Cigarrettes Indiennes) feitos de Cannabis Indica. O produto não tinha qualquer relação com os povos indígenas e era produzido pelo laboratório francês Grimault e Comp. O cigarro canábico era bastante difundido por meio dos jornais tal como o Estadão (Costa, 2023) O psiquiatra francês Jacques-Joseph Moreau realizou em 1840 ensaios experimentais para estudar de forma detalhada os efeitos psicoativos de C. sativa e após administrações em indivíduos com transtornos mentais, foi observado que era útil para o aumento do apetite, indução do sono, sensação de felicidade, excitação e dissociação de ideias, erros de tempo e espaço, aumento do sentido da audição, delírios, flutuações de emoções, impulsos irresistíveis, ilusões e alucinações (Mechoulam; Parker, 2012). Na mesma época um grupo seleto de artistas e escritores franceses usufruíam do haxixe que é uma extração da Cannabis, sendo inspirados pelos relatos de soldados franceses no Norte da África e consequentemente fundando o Club dos Hashischins. O objetivo do grupo é a exploração da mente e da alma humana induzidas pelo uso do haxixe (Cannactiva, 2023). Sir J. Russel Reynods (1890), médico pessoal da Rainha Vitória do Reino Unido, publicou em uma das revistas médicas mais prestigiosas do mundo - The 16 Lancet - os seus estudos sobre C. sativa com mais de 30 anos de experiência com a planta e considerou o potencial terapêutico mais útil para patologias dolorosas (Crocq, 2020). Um dos maiores obstáculos que o médico enfrentou na época, foi o fato dos princípios ativos (canabinoides) não terem sido isolados, o feito só aconteceria em 1964 com o isolamento do THC. Os extratos vegetais produzidos não eram uniformizados, devido às condições climáticas e ambientais que impactam na quantidade do agente terapêutico em C. sativa. Portanto, para preparar as tinturas, Reynolds obtinha a planta sempre da mesma fonte (Reynolds, 1890). O canabidiol (CBD) um dos principais canabinoides da planta foi isolado pela primeira vez em 1940 pelo químico de Harvard, Roger Adams, e sua estrutura foi determinada em 1963 (Crocq, 2020). Porém, somente em 1964 Mechoulam e Gaoni conseguiram isolar o componente psicoativo da maconha Δ9-THC (delta-9- tetrahidrocanabinol), determinando a sua estrutura química e, posteriormente, realizando a sua síntese (Pisanti; Bifulco, 2019). Assim, o THC tornou-se amplamente disponível para pesquisa e uma série de artigos foram publicados sobre ele. Pouco tempo depois das descobertas de Mechoulam, a neurofarmacologista Allyn Howlett e o seu aluno William Devane identificaram em 1988 o receptor endocanabinoide CB1, com a particularidade de ser um receptor acoplado à proteína G e com muita abundância no cérebro (Devane et al., 1988). Um segundo receptor periférico, CB2, foi posteriormente identificado no baço. A descoberta dos receptores canabinoides sugeriu que as moléculas endógenas, que podem estimular ou inibir os receptores, estão presumivelmente presentes no corpo dos mamíferos. Fato que foi confirmado, após isolar e identificar 2 compostos, um no cérebro cujo nome é anandamida e o segundo chamado de 2-araquidonoil glicerol (2-AG) encontrado em tecidos periféricos (Mechoulam; Parker, 2012). Posterior a estas descobertas, na década de 1990, o grupo de pesquisa da Dra. Allyn Howlett junto com cientista de Israel liderados por Raphael Mechoulam, mapearam um conjunto de receptores, dando o nome de Sistema Endocanabinoide, estudo que revolucionou a ciência por trás de C. sativa, sendo a maior descoberta desde que Mechoulam identificou e isolou o CBD e o THC na década de 60 (Mechoulam; Parker, 2012). No ano de 2005, a GW Pharmaceuticals lançou no Canadá o Sativex® (Nabiximols), o primeiro medicamento a base de compostos ativos de C. sativa, THC 17 e CBD. Sua aprovação foi para o tratamento de espasticidade associada à esclerose múltipla. No Brasil, é vendido sob o nome de Mevatyl® e foi o primeiro na categoria a base de C. sativa a ser lançado no país (Anvisa, 2023) Em 2006 a empresa Sanofi-Aventis anunciou a venda de um medicamento antagonista do receptor CB1 (Rimonabant) que foi utilizado no tratamento da obesidade. Porém, o medicamento foi descontinuado no mercado, pois estava associado a um risco aumentado de depressão e ideia suicida, já que o fármaco atuava de forma competitiva com a anandamida que é um endocanabinoide responsável pela regulação do humor. Como resultado, foi-lhe negada a aprovação regulamentar nos EUA e a sua licença foi retirada pela Agência Europeia de Medicamentos em 2008 (M. Bifulco et al., 2007). . Em 2018 o primeiro medicamento de CBD de grau farmacêutico, o Epidiolex foi aprovado pela agência federal reguladora dos Estados Unidos, a FDA (Food and Drugs Administration), sendo indicado para uso em pacientes com as síndromes de Dravet (DS) e Lennox-Gastaut (SGL), revolucionando o tratamento de convulsões refratárias (Pozzi, 2018). Atualmente no Brasil, dispomos de 34 de produtos de Cannabis aprovados pela ANVISA, sendo 12 à base de extratos de C. sativa e 24 de CBD (Anvisa, 2023). No país, o acesso para produtos à base de Cannabis de acordo com a resolução 327/2019 da agência, os pacientes podem comprar medicamentos e derivados autorizados diretamente nas farmácias e drogarias de todo o Brasil, através da prescrição de receita de produtos sujeitos a controle especial a depender das quantidades de THC por um profissional médico devidamente habilitado (Brasil, 2019). Já a RDC nº660/2022 simplifica a importação de produtos derivados da cannabis fabricados em outros países, não havendo a necessidade de receita médica especial. Então após a prescrição por receita simples, o paciente realiza o cadastro na ANVISA e registra o pedido de importação, após a autorização da agência, o paciente poderá importar de forma regular (Castro, 2024). 1.1 Evolução das Políticas sobre Drogas: Brasil e Uruguai No Brasil, a proibição do comércio de todas as substâncias consideradas entorpecentes foi estabelecida em 1921. Em 1938, o Decreto-Lei 891/38 foi 18 promulgado, abordando a questão da internação civil e interdição dos toxicômanos, ao definir a toxicodependência como uma condição passível de internação compulsória (Barros; Peres, 2011). Essas políticas restritivas foram reforçadas após as convenções das Nações Unidas sobre o controle de entorpecentes (1961, 1971 e 1988), especialmente devido à classificação de C. sativa e da resina de C. sativa como substâncias das listas I e IV, implicando o mais rigoroso regime de controle da Convenção de 1961, designado para substâncias consideradas particularmente prejudiciais. No ano de 2006 foi criada a lei 11.434 também conhecida como a “Lei de drogas” que mantem a tipificação do tráfico de drogas como crime, porém estabelece normas direcionadas a prevenção, tratamento e reinserção social de usuários de drogas. Em 2015, a ANVISA publicou uma série de Resoluções de Diretoria Colegiada (RDC) que autorizam o consumo da Cannabis para fins medicinais e terapêuticas em território nacional, ao implementar a RDC nº3/2015 que tira o CBD da lista de substâncias proibidas, sendo está uma atualização da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998. Atualmente, algumas movimentações municipais têm aprovado Projeto de Lei (PL), que permitem o uso da planta para fins medicinais, como é o caso de Niterói-RJ que aprovou a PL 124/2021 que trata da distribuição gratuita de medicamento feitos à base de CBD e THC (Kaya Mind, 2021). Em Araraquara-SP no ano de 2021, vereadores apresentaram o projeto de resolução nº 28/2021 que Institui a Comissão Especial de Estudos denominada “Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis para fins Medicinais”, com o objetivo de promover, propor e fomentar discussões e ações relacionadas à Cannabis Medicinal (Araraquara, 2022). Já o Uruguai, que é considerado o país mais progressista da América Latina, foi na contramão dos demais países desse continente ao não aderir a política de droga que foi implementada pela convenção de 1961 (Rosa; Rosa, 2018). Em 1974, durante a ditadura cívico-militar, o país implementou a Lei 14.294 que estabelece a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal (Jonathan, 2012). Entretanto o decreto também cita no Artigo 3º. a proibição desde o plantio até a comercialização de “[...] qualquer planta da qual possam ser extraídas narcóticos e outras substâncias que determinam dependência física ou psíquico [...]” salvo algumas exceções descritas no regime (Centro de Información Oficial IMPO, 1974, pg 3). A lei foi alterada em 1999, reduzindo a severidade das punições para cultivo e distribuição, e a 19 “quantidade mínima” foi alterada para “quantidade razoável” (W. John; R. Geoff, 2016). No ano de 2013, o presidente Jóse “Pepe” Mujica e o seu partido “Frente Ampla” tornam o Uruguai o primeiro país do mundo a aprovar uma lei (Lei nº 19.172/2013) que regulamenta toda a cadeia de abastecimento de C. sativa, no qual o Estado está no controle de todas as atividades em relação a planta. Os dois países sul-americanos foram signatários do acordo estabelecido pela convenção de 1961 que tem por objetivo combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas (UNODC, 1961). Entretanto, ao longo dos anos, ambos os países adotaram abordagens notavelmente diferentes em relação a C. sativa que reflete a evolução das atitudes e políticas globais em relação à planta. Esta divergência de abordagens entre o Brasil e o Uruguai manifesta-se em uma série de fatores, incluindo diferenças culturais, históricas, políticas, sociais e econômicas, que influenciaram as decisões tomadas por cada nação em relação à regulamentação da C. sativa. 2 OBJETIVO O objetivo desta revisão foi analisar e comparar as políticas regulatórias de Cannabis sativa L. ao longo dos anos, referentes ao Brasil e Uruguai, evidenciando os contextos históricos e sociais e os impactos das decisões tomadas. 3 MÉTODOS Na metodologia deste trabalho, foram realizadas buscas por trabalhos na literatura científica, como Google Acadêmico, PubMed e Scielo. Além disso, foram consultados os sites oficiais de órgãos competentes dos países relevantes para o estudo e organizações mundiais, tal como ANVISA, Fiocruz, IMPO, Uruguai XXI, OMS e UNODC. E foram acessadas matérias jornalísticas pertinentes ao trabalho em sites como g1, Smoke Buddies, Folhape, El País e BBC. 4 DESENVOLVIMENTO 4.1 Proibição de C. sativa em nível internacional No início do século XX, uma série de convenções marcaram um momento crucial na história das políticas globais de drogas, moldando o curso das 20 regulamentações internacionais. Essas convenções representaram um esforço conjunto de diversos países para proibir e controlar o comércio e o consumo de substâncias consideradas entorpecentes. A criação da Comissão do Ópio de 1909 em Xangai, envolvendo 13 nações, foi uma resposta à epidemia de abuso de ópio na China, onde os impostos sobre as drogas representavam uma parte significativa da renda estatal. Esse evento catalisou o estabelecimento do Sistema Internacional de Controle de Drogas (Silva, 2017). Em 1912, a Convenção de Haia sobre o Ópio foi assinada, representando um marco na regulamentação internacional das drogas ilícitas. O acordo entre os signatários estabelecia um sistema de controle que permitia apenas o uso médico- científico das drogas e exigia limitações na produção e venda de ópio, opiáceos e cocaína, pela primeira vez em nível internacional (Silva, 2017). A Comissão do Ópio de Xangai de 1909 foi precursora da Convenção de Haia sobre o Ópio de 1912, que abordou também a questão do "cânhamo indiano", incentivando os estados a estudarem-na. Posteriormente, a regulação de C. sativa ocorreu com a Convenção Internacional do Ópio de 1925 em Genebra, impulsionada pelo Egito. A Grã-Bretanha manteve uma postura ambígua quanto a regulamentação da planta e os Estados Unidos tenham mantido o foco no ópio. Essa convenção impôs aos signatários que os únicos usos da C. sativa seriam para fins médicos e científicos, regulando o comércio internacional através de autorizações de importação e exportação, sem impor proibições à produção ou ao consumo interno, nem requerer estimativas de produção governamentais (Collins, 2020). Em 1961, os 73 países presentes foram categorizados em 5 grupos, de acordo com suas posições e objetivos em relação ao controle de drogas (Sinha, 2001). O Grupo 1: "Grupo de Estados Orgânicos" incluía países favoráveis ao uso orgânico (matéria-prima) e sociocultural da maconha, como Índia, Paquistão, Birmânia, Turquia e produtores de C. sativa no Chipre, da África e no Sul e Sudeste Asiático. Também abrangia países com forte representação social e cultural da folha de coca, como a Indonésia e países da região Andina da América do Sul, que defendiam controles mais brandos devido ao impacto direto das restrições propostas na Convenção sobre suas populações e indústrias (Sinha, 2001). 21 No Grupo 2: "Grupo de Estados Produtores", estavam nações industrializadas ocidentais como EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Suíça, Alemanha Ocidental, e orientais como o Japão, que se opunham ao uso orgânico de drogas e defendiam controles rigorosos sobre sua produção e tráfico, mas resistiam às restrições à pesquisa médica e distribuição de medicamentos fabricados (Sinha, 2001). O Brasil estava no Grupo 3: "Grupo de Controle Restrito", juntamente com França, Suécia e China Nacionalista, países que não produziam nem participavam diretamente do tráfico de drogas, mas enfrentavam problemas de abuso entre suas populações e eram contrários ao uso cultural da maconha (Sinha, 2001). O Grupo 4: "Grupo de Controle Fraco", liderado pela União Soviética e composto por seus aliados na Europa, Ásia e África, considerava o controle de drogas uma questão interna e se opunha à interferência de órgãos supranacionais em assuntos domésticos, resistindo às restrições da Convenção que conferiam poder a tais órgãos (Sinha, 2001). Por fim, o Grupo 5: "Grupo Neutro" incluía o Uruguai, países da região sub- Andina da América do Sul, a maioria dos países africanos, países da América Central, Luxemburgo e o Vaticano, que não tinham interesse direto na questão, mas buscavam garantir acesso suficiente a medicamentos (Sinha, 2001). Foi então, em 1961, sob o comando de Anslinger, comissário do Departamento de Narcóticos dos Estados Unidos (FBN) que desempenhou um papel significativo na execução da "Lei Seca" nos Estados Unidos entre 1920 e 1933, o que levou à aprovação pela Organização das Nações Unidas (ONU) da "Convenção Única de 1961", que os Estados Unidos conseguiram tornar a política de drogas internacional um regime de acordo com seus moldes. O governo estadunidense aproveitou-se do seu status de superpotência para obter um controle mais restrito sobre C. sativa, em nível internacional. A nação estadunidense conseguiu aprovar, na ONU, a "Convenção Única sobre Drogas Narcóticas". Todos os tratados prévios foram unificados nesse documento, o qual previa sanções, principalmente econômicas, para quem não o cumprisse, funcionando como um receituário, basicamente estadunidense, que deveria ser seguido à risca pelos países (Rosa; Rosa, 2018) Durante os debates para a elaboração da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reafirmou sua posição de que a C. sativa causa dependência, resultando em problemas de saúde 22 pública e sociais. Além disso, enfatizou que o controle sobre essa substância deveria ser mantido, acrescentando que não havia mais justificativa para seu uso medicinal (BEWLEY-TAYLOR et al., 2014). Na Convenção de 1971, o THC foi incluído no Anexo I, o mais restritivo da Convenção, equiparando-se às medidas de controle severas do Anexo IV da Convenção de 1961. Isso implicou na permissão do uso de THC apenas para fins de pesquisa, apresentando obstáculos para usos medicinais e farmacêuticos. O tratado não se aplicava ao cultivo de C. sativa para fins industriais (ou seja, o cultivo de cânhamo para obtenção de sua fibra e semente) e para fins de horticultura. No entanto, as plantas cultivadas para esses fins devem ter baixo teor de canabinoides psicoativos (BEWLEY-TAYLOR et al., 2014) A literatura não oferece dados que indiquem qualquer proibição, especialmente em relação ao CBD, durante as convenções internacionais do século 20. A terceira convenção que ocorreu em 1988 introduziu disposições ainda mais rígidas em relação ao cultivo, comércio e posse de drogas, categorizando essas atividades como crimes. Houve um reforço na obrigação dos países de aplicarem sanções criminais para combater a produção ilegal, posse e tráfico de drogas (BEWLEY-TAYLOR et al., 2014). As políticas restritivas em relação à cannabis foram intensificadas após as convenções das Nações Unidas sobre o controle de entorpecentes em 1961, 1971 e 1988, classificando C. sativa como uma substância das listas I e IV, representando o regime de controle mais pesado reservado para substâncias particularmente nocivas (SOUZA et al., 2022). No entanto, apesar dessas medidas, C. sativa permanece a droga ilícita mais consumida globalmente (OMS, 2018). Isso levou muitas autoridades governamentais a reconhecerem os fracassos das políticas de repressão existentes, destacando os impactos negativos, como o agravamento das injustiças sociais que atingem principalmente jovens pobres e negros e o uso ineficaz dos recursos públicos. Diante disso, há uma crescente tendência para discutir o controle de C. sativa como uma questão de saúde pública nos diálogos internacionais, incluindo a Sessão Extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2016 (Souza; Henriques; Limberger, 2022). 23 4.2. História da regulamentação de C. sativa no Brasil Segundo Pedro Rosado (1959), C. sativa foi introduzida no Brasil, a partir de 1549, pelos africanos escravizados. Durante o trajeto dos navios, as sementes de cânhamo eram comumente trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas (Carline, 2006). No século XVIII passou a ser preocupação da Coroa portuguesa o cultivo da cannabis no Brasil. Mas ao contrário do que poderia se esperar, a Coroa procurava incentivar a cultura da Cannabis: Aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei [...] enviava carta ao Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo [...] recomendando o plantio de cânhamo por ser de interesse da Metrópole [...] remetia a porto de Santos [...] dezesseis sacas com 39 alqueires de sementes de maconha [...] (Fonseca, 1980, pg 02). A Coroa tentou por diversas vezes estabelecer a agricultura de cânhamo em suas colônias, devido ao seu uso para a confecção das cordoarias e velas da indústria naval (Rosa, 2020). Com o tempo, o uso não medicinal da planta se espalhou entre os negros escravizados, alcançando também os povos indigenas, que começaram a cultivá-la para uso próprio. Pouca atenção era dada a esse uso na época, pois estava principalmente concentrado nas camadas socioeconômicas menos privilegiadas, não despertando interesse da classe dominante branca (Carline, 2006). No momento em que a Coroa Portuguesa fugiu das tropas de Napoleão, em novembro de 1807 e ao chegarem ao Brasil, os aproximadamente 15 mil portugueses se depararam com uma população majoritariamente composta por escravos (Barros; Peres, 2011). Em 1809, a Guarda Real de Polícia foi estabelecida para manter a ordem pública, porém conforme os anos a abordagem policial passou a reprimir parte da cultura festiva africana festas com cachaça, música afro-brasileira e Cannabis. Deste modo, foi identificado que as raízes da criminalização da maconha no Brasil estão indiscutivelmente ligadas à difusão da cultura africana (Barros; Peres, 2011). A primeira proibição da Cannabis no Brasil ocorreu em 1830, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro emitiu uma portaria que vedava a venda ou consumo do "pito de pango" (cannabis, frequentemente fumada em um tipo de narguilé), assim como sua presença em espaços públicos, de acordo com Bewley-Taylor; Blickman; Jelsma (2014). 24 Aqueles que vendessem pango estariam sujeitos a uma multa de 20 mil réis (cerca de US$ 40 na taxa de câmbio de 1830), e qualquer escravo ou outra pessoa que usasse pango poderia ser condenado em até três dias de prisão. Outras Câmaras Municipais seguiram diretrizes semelhantes, como Caxias em 1846, São Luís em 1866, Santos em 1870 e Campinas em 1876, embora não esteja claro se essas leis foram efetivamente aplicadas. Uma diretriz de 1886 em São Luís, capital do norte do estado do Maranhão, proibiu a venda, exposição pública e fumo de cannabis, com escravos violando a lei sujeitos a quatro dias de prisão (Bewley-Taylor; Blickman; Jelsma , 2014). A pena para quem usava a planta era mais grave do que para quem traficava, isto porque, naquela ocasião, os traficantes eram da classe média branca e os usuários, negros escravizados (Martins; Posso, 2023). O Brasil em meados do século XIX, ao defender a partir de discursos pseudocientíficos, que determinadas raças carregavam características naturais que os levavam a criminalidade, criminalizou os negros, sua religião, sua cultura e, obviamente, o hábito de fumar Cannabis. Deste modo, seu consumo era considerado um impulsionador da prática de condutas penais e seus consumidores, tidos como criminosos de antemão. Com a Abolição da Escravatura, esse pensamento viria a controlar e reprimir a liberdade, de maneira que ex-escravos e seus descendentes foram criminalizados (Barros; Peres, 2011). No ano 1890, quando a constituição entra em vigor, a república instaurou instrumentos de controle dos negros: o Código Penal e a "Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação", a fim de combater cultos de origem africana e ao uso da Cannabis, utilizada em rituais do Candomblé, considerado “baixo espiritismo” (Barros; Peres, 2011). O psiquiatra Rodrigues Dória (1857-1958) teve grande influência na criminalização da maconha, chegando a associá-la a uma espécie de vingança de negros “selvagens” contra brancos “civilizados” que os haviam escravizado (Barros; Peres, 2011). Em 1925, na II Conferência Internacional do Ópio, em Genebra, o delegado brasileiro e médico Pedro José de Oliveira Pernambuco filho ou também conhecido como Dr Pernambuco afirmou, para delegações de 45 outros países, que “a maconha é mais perigosa que o ópio”. Fato este que influenciou e impulsionou a criminalização 25 da Cannabis em todo o mundo (Barros; Peres, 2011). No ano de 1928, o Decreto-Lei 891/28 que estabelece a dependência como doença compulsória, tratando de internação civil e interdição dos dependentes. Já em 1932, entrou em vigor, no Brasil, o decreto 2.930/32 que passava a penalizar também o usuário, porém, diferenciando- o do traficante (Barros; Peres, 2011). Em 1940, foi instituído o decreto 2848/40 no qual contém o art. 281, que punia a prática do tráfico como é descrito abaixo: A pena para o crime é de reclusão de 1 a 5 anos e multa de 2 a 10 contos de réis. Se o agente for farmacêutico, médico ou dentista, a pena é de reclusão de 2 a 8 anos e multa de 3 a 12 contos de réis. Médicos ou dentistas que prescrevem substâncias entorpecentes fora das indicações terapêuticas estão sujeitos a detenção de 6 meses a 2 anos e multa de 500 mil réis a 5 contos de réis (Barros; Peres, 2021). Durante a ditadura militar em 1968, o Decreto-Lei 385/68 equiparou os usuários de drogas aos traficantes, aplicando punições iguais. Posteriormente, em 29 de outubro de 1971, a Lei 5.726/71 manteve essa equiparação e aumentou a repressão, permitindo denúncias mesmo na ausência de provas materiais e em 1976, foi promulgada a lei 6.368/76, que diferenciava o traficante (artigo 12), do usuário (artigo 16) (Barros; Peres, 2011). O artigo 12º do Código Penal prevê penas de reclusão de 3 a 15 anos e pagamento de multa de 50 a 360 dias para o crime de tráfico de drogas. O parágrafo 1º amplia as condutas criminalizadas, englobando importação, exportação, fabricação, venda, transporte e armazenamento de matéria-prima para produção de substâncias entorpecentes. O parágrafo 2º estende as mesmas penalidades para quem comete tais crimes. O artigo 16º prevê pena de detenção de 6 meses a 2 anos, além de pagamento de multa de 20 a 50 dias, para quem adquirir, guardar ou portar para uso próprio substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com a lei (Casa Civil, 1976). No Brasil, C. sativa é listada como proscrita (proibida) na Portaria SVS/MS n. 344/1998. Em 2006, a Lei nº 11.343/06 permitiu o cultivo da planta para fins medicinais ou científicos, sujeito a autorização governamental e vigilância estatal. No entanto, a regulamentação dessa atividade não foi concluída, dificultando sua implementação prática (SOUZA et al., 2022). O uso ilegal de cannabis é considerado crime segundo o artigo 28 da Lei nº 11.343/06 no Brasil. Quem for pego adquirindo, guardando, transportando ou portando drogas para uso pessoal sem autorização enfrentará as 26 seguintes penalidades: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programas educativos (Martins; Posso, 2023). Entre 2006 e 2015, embora houvesse legislação, o Poder Executivo não regulamentou o uso de produtos à base de Cannabis. Em 2015, a Anvisa começou a cumprir seu dever legal ao emitir a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) ANVISA nº 17. Essa resolução estabeleceu critérios para a importação excepcional de produtos à base de canabidiol, em conjunto com outros canabinoides, por indivíduos para uso pessoal, com prescrição médica. Isso exigia uma autorização administrativa para a importação de produtos à base de Cannabis para uso pessoal (Santos; Vasconcelos, 2020). Em 5 de Dezembro de 2016, a ANVISA atualizou a Portaria SVS/MS nº 344/98 por meio da RDC ANVISA 130/16, permitindo o registro de medicamentos derivados da cannabis com concentrações de 30 mg/mL de CBD e 30 mg/mL de tetrahidrocanabinol. No ano seguinte, em 2017, a ANVISA incluiu C. sativa na denominação comum brasileira (DCB 11543) como planta medicinal por meio da RDC ANVISA nº 156/17 (Martins; Posso, 2023). A RDC ANVISA nº 327/19, publicada em dezembro de 2019, estabeleceu os procedimentos para concessão de autorização sanitária para fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis para uso humano com fins medicinais (Martins; Posso, 2023). É importante ressaltar que os produtos de cannabis regulamentados pela RDC ANVISA nº 327/19 devem conter principalmente CBD e não exceder 0,2 % de THC. No entanto, produtos com teor de THC acima de 0,2 % são permitidos para cuidados paliativos de pacientes sem alternativas terapêuticas em situações clínicas irreversíveis ou terminais. Define também rotulagem e embalagem exigindo que os produtos à base de CBD tenham rótulos claros e informativos, fornecendo informações sobre conteúdo, uso adequado e advertências necessárias. Estabelece requisitos para garantir a qualidade e a segurança da matéria prima e derivados de Cannabis. Prescrição médica por profissionais devidamente habilitados e registrados, locais de dispensação que são exclusivos de farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante apresentação de prescrição por profissional médico, legalmente habilitado. 27 Monitoramento por meio de notificações de eventos adversos referentes à utilização de produtos de Cannabis, nos termos da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 36, de 25 de julho de 2013, ou suas atualizações. Portanto, a RDC ANVISA nº 327/2019 foi crucial para garantir que os pacientes que dependem do CBD como parte de seu tratamento médico tenham acesso a produtos de qualidade e seguros (Brasil, 2019). A RDC ANVISA nº 17/15 foi substituída pela RDC ANVISA nº 335/20 visando simplificar o processo de importação excepcional de produtos à base de Cannabis pela Anvisa. Entre as principais mudanças estão a ampliação do prazo de cadastro para dois anos e a exigência apenas da prescrição médica para autorização de importação. Anteriormente, além da prescrição, eram necessários laudo médico e termo de consentimento. Esta resolução também estabeleceu que os produtos importados devem ser produzidos e distribuídos por empresas regularizadas pelas autoridades competentes em seus países de origem (Santos; Vasconcelos 2020). A RDC ANVISA nº 570/21 substitui a RDC ANVISA nº 335/20 alterando o tempo de aprovação do cadastro pela ANVISA, possibilitando que os pacientes tenham um acesso mais rápido aos produtos derivados de Cannabis para tratamentos de saúde (Brasil, 2021) Posteriormente, a RDC ANVISA nº 660/22 consolidou a regulamentação que estava dividida em duas normas distintas que são as RDC ANVISA nº 335/20 e ANVISA nº 570/21 (Tamer, 2022). Em linhas gerais a RDC ANVISA nº 660/22 permite a importação por pessoa física, mediante a prescrição de um profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde por produto derivado de Cannabis. A importação pode ser realizada pelo responsável legal do paciente ou por seu procurador legalmente habilitado (Tamer, 2022). A importação ainda poderá ser intermediada por entidade hospitalar, unidade governamental ligada à área da saúde, operadora de plano de saúde para atendimento exclusivo e direcionado ao paciente previamente cadastrado na Anvisa (Brasil, 2022). O produto a ser importado deve ser produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização (Brasil, 2022). 28 Ainda em 2022, a ANVISA implementou a RDC ANVISA nº 659, revogando a resolução anterior, RDC ANVISA nº 367/20. Esta regulamentação dispõe sobre o controle de importação e exportação de substâncias, plantas e medicamentos sujeitos a controle especial, além de estabelecer critérios para a concessão da Autorização Especial Simplificada para Instituições de Ensino e Pesquisa (AEP) (ANVISA, 2022), permitindo a pesquisa com derivados de C. sativa por instituições de ensino. A Autorização Especial Simplificada para Instituições de Ensino e Pesquisa (AEP) é um documento emitido pela Anvisa, que permite que instituições de ensino superior ou técnico, incluindo suas fundações de apoio, adquiram e utilizem plantas, padrões analíticos, substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial para fins de atividades acadêmicas de ensino e pesquisa. Essa autorização é semelhante à Autorização Especial (AE) concedida a estabelecimentos comerciais, como indústrias e distribuidoras, para lidar com substâncias controladas. Para outras pessoas jurídicas, incluindo aquelas dedicadas à pesquisa, é necessário obter uma Autorização Especial (ANVISA, 2022). A empresa Kaya Mind apresentou no seu relatório de 2023 as principais universidades que conduzem pesquisa com Cannabis e o número de autorizações concedidas pela ANVISA desde 2015. Segundo o relatório, a universidade que mais conseguiu autorização para realizar o estudo com a planta foi a UNICAMP por volta de 8, seguida da Universidade Federal de São João Del Rey com 7. Essas autorizações permitem que as instituições conduzam projetos de pesquisa pré-clínica para avaliação da eficácia e segurança de combinações de fitocanabinoides no manejo de sinais e sintomas associados a diversas condições médicas (Kaya Mind, 2023). Recentemente, o Grupo Cannabis Medicinal, liderado pelos professores André Gonzaga dos Santos e Luis Vítor Silva do Sacramento da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP, realizou uma reunião com a diretora da ANVISA, Dra. Meiruze Freitas, e outras partes interessadas, como a Associação Terapêutica Cannabis Medicinal Flor da Vida e o deputado Eduardo Suplicy. O objetivo foi a discussão acerca da autorização para estudos com material da Associação, incluindo partes da planta e derivados fitoterápicos e Cannabis sativa. A reunião foi considerada um passo importante no processo de autorização. Até o momento, a FCF não realiza estudos com Cannabis sativa, mas já obteve aprovação para duas Autorizações 29 Especiais de Pesquisa (AEP) usando material fornecido por empresas paraguaias e uruguaias. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2015 foram concedidas 850 autorizações para importação de medicamentos à base de Cannabis e em 2022 esse número cresceu 9311%, atingindo quase 80.000 mil pacientes (Yoneshigue, 2022). Porém, o acesso é feito apenas de 3 maneiras: 1) a importação de produtos à base de cannabis para uso pessoal, mediante prescrição médica e autorização da ANVISA (RDC ANVISA nº660/22) representando um total de 219 mil pacientes que recorrem a esta via; 2) aquisição nacional de produtos à base de cannabis produzidos por empresas autorizadas, desde que sejam adquiridos em farmácias ou drogarias, mediante prescrição médica (RDC ANVISA n 327/19) com um total de 97 mil pacientes que recorrem a este meio; e 3) associações de cannabis medicinal com 114 mil pacientes atendidos. Além disso, há pacientes que praticam o auto cultivo e produzem seus fitoterápicos, com ou sem autorização judicial. As associações são formadas por pacientes, familiares, profissionais da saúde e ativistas que se unem com o objetivo de promover o acesso seguro à cannabis para fins medicinais (Kaya Mind, 2023). Até 2023, apenas médicos e dentistas podem prescrever cannabis medicinal. No entanto, em junho de 2023, o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) autorizou que biomédicos também possam prescrever produtos à base de cannabis. A inclusão de novos profissionais na lista de prescritores contribui para aumentar a disponibilidade de cannabis medicinal no país e para melhorar o acesso a esse tratamento para pacientes com patologias mais diversas (Kaya Mind, 2023). Porém as vendas nas farmácias, por sua vez, estão restritas, conforme art. 13 da RDC 327/19 da Anvisa, aos “profissionais médicos legalmente habilitados pelo Conselho Federal de Medicina.” (Kaya Mind, 2023). A capacitação em Cannabis é essencial para o crescimento do mercado no Brasil. Com a regulamentação, a demanda por profissionais qualificados aumenta, e a educação desempenha um papel crucial ao fornecer informações sobre os benefícios terapêuticos da cannabis e seu uso consciente. Os cursos disponíveis contribuem significativamente para a conscientização e formação da população, impulsionando o desenvolvimento no setor. Só em 2023 foram disponibilizados 72 cursos, com diferentes áreas como, nutrição, veterinária, cultivo/extrações, dentre 30 outras. Esses cursos não apenas capacitam profissionais para atender às necessidades da comunidade, mas também ajudam a aumentar a conscientização geral sobre os aspectos médicos, regulatórios e de mercado relacionados à cannabis medicinal (Kaya Mind, 2023). A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em parceria com Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), o Movimento pela Regulamentação da Cannabis Medicinal (Movrecan) e o Padre Antônio Luiz Marchioni e o Prof Dr. Elisaldo Carlini, promoveram um curso sobre a utilização medicinal da Cannabis. O curso é referência nacional para acadêmicos, familiares e pacientes, que leva não somente a educação profissionalizante, bem como a redução dos estigmas em relação a Cannabis, seu uso terapêutico e o estímulo a pesquisa cientifica que traz evidências robustas para que cada vez mais a planta seja utilizada e recomendada. O curso ainda traz atualizações sobre regulamentações, maneira de ampliar o acesso do medicamento de forma democrática e sustentável (Castilho, 2023; Ermano, 2022) Segundo o relatório produzido em 2023 pela empresa Kaya Mind, apenas 6,9 milhões de pessoas, ou seja, 3,4% da população brasileira poderiam ser atendidas pelas terapias com Cannabis, devido à variedade de condições médicas, sem levar em consideração condições transversais tais como, sono, dores e estresse. No dia 26 de dezembro de 2023, a gestão do Governador de São Paulo publicou o Decreto n. 17.618 que regulamenta o fornecimento de medicamentos à base de canabidiol (CBD) e de outros compostos da cannabis medicinal pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O decreto prevê somente medicamentos contendo canabidiol registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e produtos derivados de Cannabis para fins medicinais, industrializados e com autorização sanitária pela Anvisa (Cambrioli, 2023). De acordo com a secretaria de estado da Saúde, pacientes que fazem tratamento para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e para Esclerose Tuberosa serão os primeiros a ter acesso aos novos fármacos (São Paulo, 2023). A cadeia produtiva da Cannabis no Brasil ainda é incipiente e requer regulamentação para que as atividades desde o cultivo até a sua distribuição deixem de ser fragmentadas. Tal como empresas sediadas em países que o cultivo é legalizado e que atuam desde o princípio da cadeia, as associações com autorização também o fazem, sendo responsáveis por cultivar a planta sob condições controladas, 31 garantindo a qualidade e a consistência dos produtos. As associações ainda fazem o fornecimento nacional dos derivados para os tratamentos de pacientes que necessitam da Cannabis. A empresas segundo a RDC ANVISA nº 327/19 não podem produzir e nem importar insumos vegetais, porém é possível importar extratos, mais ou menos purificados bem como efetuar novos beneficiamentos e diluições em território nacional, ou ainda trazer os produtos prontos para serem envasados e rotulados no país. Com marcas e produtos disponíveis, inicia-se o processo de distribuição aos pacientes que é intermediado por farmácias, drogarias e empresas que lidam com importação e entrega de produtos (Kaya Mind, 2023). A ANVISA abriu a Consulta pública (CP) 1.233/2024, a fim de receber contribuições sobre duas novas monografias e sete revisões de monografias da Farmacopeia Brasileira. Uma das propostas de inclusão é da nova monografia para as inflorescências de Cannabis sativa (Cannabis flos) (Brasil, 2024). A Agência esclarece que a publicação da monografia não representa a autorização para o cultivo da Cannabis no Brasil, nem altera as regras existentes para a comercialização e o uso da espécie e seus derivados (RDC 327/2019). Assim, não foram alteradas as atuais restrições ao plantio e à importação da planta in natura (Brasil, 2024). Segundo a Anvisa, o objetivo é estabelecer requisitos de qualidade a serem observados em inflorescências femininas e secas, inteiras ou fragmentadas, que são as matérias primas utilizadas na obtenção de produtos à base de Cannabis (Brasil, 2024). O Brasil continua avançando na regulamentação sobre a Cannabis embora o país não goze de uma lei solida e inclusiva como a do vizinho sulamericano. Como a revisão da RDC nº327/19 que teve seu debate no início de 2022 e prevê avanços significativos como novas vias de administração, regularização das farmácias de manipulação, retificação das quantidades limites de THC e inclusão da odontologia com possibilidade de prescrição. A atualização gera impactos no aumento do acesso aos medicamentos com Cannabis e abrangência de mais tratamentos (Kaya Mind, 2023). Dispomos também do PL (Projeto de Lei) 399/15 que permite o cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, manipulação, comercialização, importação e exportação de produtos à base de qualquer variedade de plantas do gênero Cannabis. O objetivo da PL é justamente fazer com que o Brasil tenha insumos próprios que possam auxiliar tanto na pesquisa, 32 quanto na democratizam do seu acesso. O Projeto de Lei chegou ser aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 2021, mas no mesmo ano o tema não chegou a avançar para o senado. Porém, diante de todo avanço que está sendo feito em relação à Cannabis, no dia 16 de abril de 2024, o Senado aprovou em plenário, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição das Drogas. A PEC 45/2023 acrescenta um inciso ao artigo 5º da Constituição estabelecendo como crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga, mesmo que seja para uso pessoal (BBC Brasil, 2024). A PEC só reforçaria as injustiças que já afetam especialmente jovens negros que moram em comunidades pobres que seriam presos e processados como traficantes, apesar de portarem pequenas quantidades de drogas, segundo especialistas. (BBC Brasil, 2024). O julgamento foi paralisado por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli, que tem até junho de 2024 para devolvê-lo. 4.3 História da regulamentação da C. sativa no Uruguai Desde o começo do século XX, o Uruguai se destacou por liderar a implementação de políticas públicas voltadas para a diminuição das disparidades sociais e econômicas. Durante o período batllista, sob a liderança de Batlle y Ordóñez, conhecido por suas ideias liberais, o país introduziu uma série de reformas progressistas e inovadoras com o intuito de criar um estado de bem-estar social para sua população, incentivando uma cultura cívica (Hypolito, 2018). As farmácias uruguaias já possuíam substâncias controladas desde o século XIX, incluindo opiáceos, cannabis e cocaína, frequentemente encontrados em kits de primeiros socorros, sendo o ópio o principal analgésico da época (Bastos, 2018). Em 1908, o Uruguai tentou regular a distribuição dessas substâncias, estabelecendo que os farmacêuticos não poderiam fornecer ópio ou cocaína mais de uma vez ao mesmo paciente sem uma prescrição médica, odontológica ou veterinária. No entanto, somente a partir de 1925 houve um esforço mais significativo para regulamentar essas substâncias conforme estipulado pela Convenção Internacional do Ópio (Bastos, 2018). As substâncias abrangidas foram ópio, cannabis e cocaína. O controle foi gradualmente fortalecido, incluindo posteriormente limites para a 33 quantidade máxima mensal que um profissional de saúde poderia prescrever aos seus pacientes (Garat, 2015). No decorrer do governo de Baltasar Brum (1919-1923), com Gabriel Terra como Ministro do Interior, foram realizadas campanhas intensas contra as drogas, destacando seus efeitos devastadores de forma desproporcional à população uruguaia. Anos depois (1931), Terra assumiu a presidência, mantendo políticas repressivas semelhantes (Hypolito, 2018). No regime do ditador Gabriel Terra (1931-1938), o Uruguai implementou uma política repressiva contra as drogas, tal como a lei 9.692/37, que penalizava indivíduos em posse de drogas sem prescrição médica, punível com um a dois anos de prisão. Em caso de reincidência, o infrator incorrerá em pena de dois a quatro anos de prisão (IMPO, 1937). Portanto, foi encerrada a tolerância ao consumo, que, segundo relatos da época, estava presente em todas as classes sociais. O governo lançou uma extensa campanha, principalmente através do rádio, alertando sobre as supostas consequências das drogas, como crime, prostituição, perda de valores e morte, embora não houvesse embasamento científico para tais declarações, que se baseavam em uma moralidade convencional (Garat, 2015; Gomes, 2013). A campanha, liderada pela Comisión de Defensa contra las Toxicomanías y de Contralor del Tráfico de Estupefacientes em 1934, foi considerada bem-sucedida, reduzindo o consumo e associando as drogas a consequências sociais e pessoais prejudiciais. Essa política envolveu toda a sociedade, destacando os órgãos governamentais repressivos e de saúde, levando várias substâncias à ilegalidade, exceto a cannabis (Garat, 2015). Por um longo período, a política de drogas no Uruguai seguiu as diretrizes internacionais estabelecidas por diversos tratados, especialmente a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 das Nações Unidas. No contexto regional, o Acordo Sul- Americano sobre Entorpecentes e Psicotrópicos (ASEP), firmado em 1973, influenciou a legislação de drogas do Uruguai em 1974, marcando uma tendência repressiva na abordagem às drogas. (Kestler, 2021). Em 1974, durante a ditadura uruguaia, foi ratificado um tratado firmado dois anos antes por meio do Decreto-Lei nº 14.294/74, ainda em vigor hoje, substituindo assim a Lei nº 9.692/37. A Lei nº 14.294/74 adotou uma abordagem estritamente proibicionista e estabeleceu estruturas estatais para sua execução. Vale ressaltar que, 34 ao contrário de outras convenções internacionais, essa lei não tornou o uso de drogas um crime, embora tenha permitido a internação compulsória para tratamento, sujeita à decisão judicial (Hypolito, 2018) (Garat, 2013). Na prática policial e jurídica, não havia uma distinção clara entre consumidores e traficantes de drogas, especialmente no caso da cannabis. A legislação permitia que os juízes decidissem a quantidade considerada para consumo próprio em cada caso, levando muitos consumidores à perseguição legal. Por vezes, os critérios empregados por polícias e magistrados era o fator social e econômico dos indivíduos envolvidos (Hypolito, 2018; Garcia, 2013) Com a redemocratização do país em 1984, o debate sobre drogas, anteriormente reprimido pelo regime autoritário, ressurgiu, permitindo que o Estado respondesse novamente às preocupações da sociedade civil em relação aos excessos e falhas da política de guerra às drogas. Essa mudança também foi refletida na terminologia utilizada, com termos pejorativos como "toxicômanos" sendo substituídos por expressões mais neutras como "consumidores" ou "usuários" (Garcia, 2013). Em 1998, o parlamento uruguaio aprovou a Lei 17.016/98, que, embora tenha sido considerada progressista ao retirar explicitamente o porte para consumo do âmbito penal e permitir o porte de "razoáveis quantidades de drogas" para uso pessoal, também aumentou as penalidades para o tráfico de entorpecentes. No entanto, apesar dos avanços, a falta de critérios objetivos para distinguir o porte para consumo do porte para o tráfico persistiu, deixando os usuários em uma zona de incerteza que frequentemente prejudica aqueles em situações socioeconômicas mais vulneráveis (Hypolito, 2018; Uruguay, 1998). Em 2001, o presidente Jorge Batlle do Partido Colorado, expressou abertamente a necessidade da legalização das drogas. Ele fundamentou sua posição em economistas liberais como Milton Friedman e Gary Becker, os quais argumentam que a liberalização poderia reduzir os preços das drogas, consequentemente diminuindo a oferta (Garat, 2013). O apoio a essa mudança política também foi indicado por membros da Suprema Corte de Justiça do Uruguai e pela Junta Nacional de Drogas (JND), uma agência estabelecida em 1988 e encarregada da coordenação, supervisão e avaliação da política de drogas (Garat, 2013). Sob a liderança de Leonardo Costa, presidente 35 da JND, a instituição desenvolveu iniciativas para reduzir riscos e danos do consumo de drogas, priorizando o acesso à informação e evitando o estigma aos usuários (Garat, 2013). Costa desempenhou um papel crucial na implementação de uma visão política liberal na JND, promovendo programas sociais urbanos que visavam a integração e proporcionam um ambiente seguro para discutir sobre drogas, reduzindo riscos e danos, e realizando atividades culturais (Garat, 2013). Nos anos seguintes, diversas manifestações ocorreram no Uruguai com o intuito de acabar com o estigma criado sobre a Cannabis, promover a conscientização sobre a questão da planta e mobilizar o apoio público para mudanças nas políticas relacionadas às drogas no país. Em maio de 2007, cerca de 10.000 pessoas foram mobilizadas, marcando uma das maiores manifestações desde a redemocratização em 1984 (Kestler, 2021). Os movimentos ativistas ganharam visibilidade ao longo do tempo, trazendo o tema da maconha para as ruas e a agenda política do Uruguai. Julio Calzada, sociólogo e secretário da JND entre 2011 e 2015, considera essas iniciativas cruciais, pois até 2010, todos os partidos parlamentares tinham propostas para reformar a política de drogas, especialmente em relação à regulação da maconha (Hypolito, 2018). Desde 2008, a segurança pública se tornou a principal preocupação dos uruguaios devido à cobertura frequente da mídia sobre crimes diversos (Hypolito, 2018). Em resposta, em março de 2012, o presidente Mujica propôs um grupo de trabalho para analisar o aumento da violência, reconhecendo as populações mais vulneráveis como as mais afetadas (Garat, 2013). Isso resultou na “Estrategia por la Vida y la Convivencia”, anunciada pela Defesa Nacional e Desenvolvimento Social, em conjunto com o Secretário da Presidência, composta por quinze medidas destinadas a abordar questões de segurança, incluindo mudanças sanitárias para usuários de drogas (Hypolito, 2018). A medida 5 discute sobre a abordagem integral dos problemas das pessoas afetadas pelo consumo problemático de drogas e do seu ambiente, gerando uma estratégia integral para atuar sobre as principais consequências do consumo de drogas, particularmente a pasta base de cocaína. E a medida 7 que aborda a questão da legalização da Cannabis com o controle total do estado na sua produção, bem 36 como a divulgação do tema em fóruns internacionais, como forma de combate ao consumo e ao tráfico de drogas (Uruguai, 2012). Deste modo, Mujica, já reconhecido como um líder popular e com grande visibilidade internacional, tornou o Uruguai o primeiro país do mundo a propor um modelo nacional de regulação do mercado de maconha com controle estatal. Esse modelo foi estabelecido pela Lei nº 19.172/13 (Uruguay, 2014), promulgada em 20 de dezembro de 2013 e publicada em 07 de janeiro de 2014, sob o nome de “Regulación y Control del Cannabis”. A Figura 1 mostra pacotes de Cannabis que são vendidos em farmácias no Uruguai. Figura 1: Embalagem contendo 5 gramas de Inflorescências de Cannabis Sativa. Fonte: BBC Brasil Além dos 44 artigos do texto legal, foram publicados 6 Decretos Regulamentares para ajustar o modelo de regulação à medida que era implementado (Hypolito, 2018). Segundo a legislação, o Estado assume o controle e regulação de todas as atividades relacionadas à cannabis e seus derivados, conforme estabelecido pela Lei 37 nº 19.172/13, descrito nos artigos 5º e art. 18. Isso inclui importação, exportação, plantio, cultivo, colheita, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição, supervisionados pelo Instituto de Regularização e Controle da Cannabis (IRCCA). Os artigos 1º e 4º desta legislação visam proteger a saúde pública e os cidadãos do país. O artigo 1º estabelece a implementação de ações para minimizar os riscos e danos associados ao uso de cannabis, promovendo informações, educação e medidas preventivas, além de oferecer tratamento e reintegração social para usuários problemáticos de drogas. Enquanto isso, o artigo 4º busca proteger contra os riscos do envolvimento com o comércio ilegal e tráfico de drogas, intervindo para combater as consequências devastadoras para a saúde e a sociedade, reduzindo a incidência do tráfico de drogas e do crime organizado (IMPO, 2014). Além disso, os art. 9 e art. 10 tratam dos papéis do Sistema Nacional Integrado de Saúde e do Sistema Nacional de Educação Pública, respectivamente. Eles garantem tratamento para aqueles que apresentam "uso problemático de cannabis" e estabelecem dispositivos de tratamento, aconselhamento e orientação para aqueles que buscam ajuda (IMPO, 2014). Adicionalmente, são previstas políticas educativas e de prevenção nas escolas, visando reduzir o consumo dessa substância entre crianças e adolescentes menores de 18 anos, incluindo a inclusão de uma disciplina obrigatória sobre "Prevenção ao uso problemático de drogas" (Rosa; Rosa, 2018) O art. 11 proíbe completamente a publicidade e a propaganda de cannabis em território uruguaio. Quanto às multas e sanções, o artigo 7º da legislação prevê uma pena de prisão de 20 meses a 10 anos para aqueles que operarem fora dos limites estabelecidos, incluindo a importação, exportação, distribuição, transporte, venda, armazenamento e posse sem finalidade de consumo próprio (IMPO, 2014). O Decreto 120/14 oferece uma explicação mais detalhada sobre as regras da legalização da cannabis, abordando procedimentos e requisitos específicos, tais como: ● O auto cultivo de até seis pés em fase de floração e a produção máxima de 480 gramas por ano são permitidos. 38 ● Os clubes têm permissão para cultivar até 99 pés, com um máximo de 45 sócios, cada um podendo receber até 40 gramas por mês (480 gramas por ano). ● A venda em farmácias, com receita médica, é permitida para maconha cultivada por empresas selecionadas através de licitação. ● A regulamentação aborda os locais onde o uso é proibido, tanto em espaços públicos quanto no ambiente de trabalho, conforme estabelecido pela lei 18.256/08. Desde 2013, o estado tem regulado a produção, comercialização e consumo. Até 2021 foram concedidas 180 licenças e 46 em avaliação para cultivo, industrialização e investigação, o que envolve 195 empresas que operam em diferentes fases da cadeia (Uruguay XXI, 2021). Medicinalmente a Cannabis não sofreu sanções ao longo dos anos no Uruguai, porém a discussão para a sua legalização foi no movimento contra ao que é visto em outros países, sendo o uso recreativo legalizado primeiramente em relação ao uso medicinal. Em 2013 com a Lei 19.172 o artº 5 prevê que o uso da Cannabis para fins de pesquisa e para fabricação de produtos médicos fiquem fora da esfera criminal. Somente em 2015 o Uruguai coloca em vigor o decreto 46/2015 que a preparação de especialidades vegetais (ervas ou mistura de ervas para fins medicinais) ou especialidades farmacêuticas para uso medicinal e determina que a produção precisa primeiro ser aprova pelo IRCCA (Instituto de Regulação e Controle da Cannabis) (Queirolo; Sotto; Álvarez, 2021). Porém só em 2020 a lei 19.847 estabeleceu instruções para o acesso à Cannabis medicinal e definiu 4 tipos de medicamentos como: especialidade farmacêuticas, produtos vegetais, medicina fitoterápica e produtos vegetais a base de Cannabis. Recentemente em 2021 foi revogado o decreto 46/2015, passando a incluir agora a oportunidade de produzir matérias primas ou produtos semiacabados e exportá-los, diferente do que era proposto no decreto de 2015 que permitia apenas a exportação de produtos acabados (Ferrere, 2021). Entretanto, com todo o avanço em relação a regulamentação do uso medicinal da Cannabis, apenas 1 organização é autorizada pelo IRCCA a vender seus produtos nas farmácias uruguaias. Há três remédios disponíveis para uso, sendo dois deles com canabidiol e a quantidade mínima de THC, e um com CBD isolado, sendo 39 necessário a prescrição médica para obtê-los e os preços variam de US $20 a US $130 (Santos, 2021) O Inefop (Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional) do Uruguai lançou um programa de formação em manejo de inflorescências de cânhamo para aqueles interessados em ingressar no setor de cannabis. O curso é voltado para maiores de 18 anos com experiência em colheitas e visa desenvolver habilidades necessárias para manipular as inflorescências durante o cultivo e colheita (Smoke Buddies, 2022). Atualmente, o setor de cânhamo no país emprega mais de 1.000 pessoas, com mais de 120 empresas envolvidas, sendo a maioria Micro e Pequenas Empresas (MiPeME) (Smoke Buddies, 2022). Em 2020, foram exportados 7,5 milhões de USD e, até agora, em 2021, 5,2 milhões de USD. Os produtos exportados incluem inflorescências com teor de THC elevado para fins medicinais, inflorescências com teor de THC baixo para fins não medicinais e, em menor grau, medicamentos e sementes (Uruguai XXI, 2021). O pesquisador Marcos Baudean, do projeto Monitor Cannabis em 2018, revelou em entrevista ao El País que o mercado consumidor de cannabis no Uruguai é estimado em 40 milhões de dólares, com 10 milhões já direcionados para o setor legal. O valor de 30 milhões não reflete precisamente o lucro do mercado ilegal, uma vez que o “mercado cinza” no qual cannabis é produzida legalmente, mas distribuída fora da regulamentação, tem parte deste montante (Fiore; Pereira, 2021). Até julho de 2019, estima-se que o mercado legal representava apenas 20 % do mercado total. O mercado ilegal, portanto, ainda atende a 80 % dos usuários de drogas no país (Fiore; Pereira, 2021b). Porém em 2021 a porcentagem que representa o mercado legal subiu para 27 %, ou seja, do total de usuários, mais de 70 % compram no mercado ilegal, segundo um estudo do IRCCA (Instituto de Regulação e Controle de Cannabis) (g1, 2022). O (IRCCA) estima que no Uruguai existem aproximadamente 250.000 usuários desta planta. Deles, 86.207 são cadastrados e têm acesso por uma das três vias permitidas por lei: farmácias, cultivo domiciliar ou clubes de cannabis. Milhares de outros fazem-no através do uso partilhado de marijuana obtida no circuito legal, pelo que o IRCCA estima que no último ano o mercado real atingiu 51% dos consumidores. (Campanella, 2023) 40 4.4 Discussão entre as políticas regulatórias Brasil x Uruguai A história da abordagem da Cannabis no Brasil e no Uruguai apresenta contrastes significativos, refletindo diferentes contextos históricos, políticos e sociais em cada país. Enquanto o Brasil adotou uma política de proibição e criminalização associada a preconceitos raciais e sociais, o Uruguai optou por uma abordagem progressista de regulação estatal da Cannabis, como foco na redução de danos, segurança pública e no controle do mercado. No Brasil, a Cannabis foi introduzida no começo da colonização por escravos vindos da África que inicialmente foi incentivada pela Coroa portuguesa por motivos econômicos. No entanto, durante o século XIX, a Cannabis passou a ser criminalizada como um instrumento de controle social, ou seja, toda forma de seu uso e distribuição foi associada a uma imagem de desordem social representando uma ameaça à sociedade da época. Essa criminalização serviu para reforçar estruturas de poder existentes e marginalizar minorias como por exemplo os negros. Esta abordagem repressiva também foi impulsionada pelo aumento da imigração europeia e pela disseminação de discursos pseudocientíficos que associavam a planta a comportamentos criminosos. Esse processo se intensificou especialmente após a abolição da escravatura, quando os ex-escravos foram estigmatizados por conta do seu uso cultural da Cannabis. Essa estigmatização persistiu ao longo dos anos, resultando em décadas de repressão e criminalização, inclusive durante o período da ditadura militar e até os dias atuais. Por outro lado, no Uruguai, uma tradição de reformas progressistas e políticas sociais inclusivas, moldou uma abordagem mais liberal em relação à Cannabis. Durante o período batllista (1903-1907 e 1911-1915), o país implementou reformas pioneiras em direitos trabalhistas e sociais, estabelecendo uma base para políticas mais progressistas. Apesar da repressão vivida durante a ditadura de Gabriel Terra (1931-1938), as consequentes convenções internacionais que ocorreram durante o século XX que disseminavam uma política mais proibicionista e repressiva em relação às drogas e a ditadura em 1974, o Uruguai com a redemocratização e sucessivas políticas mais liberais, se destacou na América Latina ao adotar uma abordagem inovadora na regulação e controle estatal da Cannabis. Essa mudança 41 culminou na legalização do uso adulto/recreativo da planta em 2013, tornando-o pioneiro mundial nesse aspecto. No Brasil, houve uma evolução nas políticas em relação à Cannabis, indo de uma abordagem de criminalização generalizada para uma mais flexível e com alguns avanços . A Lei nº 11.343/06 foi um marco importante nesse processo, pois embora ainda penalize indivíduos que são usuários de drogas, introduziu a possibilidade de penas alternativas para eles, visando diminuir o encarceramento em massa e priorizar abordagens mais humanizadas para lidar com o uso de drogas. Em 2015, foi dado o primeiro passo na regulamentação do uso terapêutico de C. sativa com a publicação da RDC ANVISA n. 17/15, que dispõe sobre a importação de produtos à base de Cannabis para fins medicinais, por meio de pessoas físicas e com prescrição médica. Direito este que era assegurado já em 2006 com a lei 11.343 no art. 2º, porém somente em 2015 a regularização foi iniciada. A RDC 327/2019 desempenha um papel essencial na construção de uma estrutura regulatória incipiente que permite o desenvolvimento, fabricação e distribuição segura e controlada de produtos à base de Cannabis em nosso país. Isso não apenas atende às necessidades dos pacientes que dependem da planta como parte de seu tratamento médico, mas também garante que esses produtos atendam a padrões rigorosos de qualidade e segurança. Esse conjunto abrangente de regulamentações criou um ambiente mais seguro e regulamentado para aqueles que buscam tratamentos à base de Cannabis. No entanto, é crucial que a legislação evolua para contemplar a produção nacional, possibilitando que mais pacientes tenham acesso a tratamentos adequados de forma sustentável. Outro obstáculo a ser destacado é a limitada quantidade de THC que estão presentes na resolução, afetando uma conduta individualizada em relação ao tratamento de pacientes que necessitam de uma terapia com quantidades maiores do ativo. Mas em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária colocou em vigor a RDC 660/22 que permite a importação por pessoa física que é a via de acesso mais recorrida por pacientes que necessitam de tratamentos com medicamentos à base de Cannabis. A resolução não limita as concentrações de THC dos medicamentos importados, portanto, a medida acaba abrangendo uma terapia mais individualizada, 42 levando em consideração a condição a ser tratada do paciente, mediante a uma prescrição de receita simples acompanhados por um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O acesso aos medicamentos à base de Cannabis ainda é pequeno e incipiente tendo em vista que a regulamentação para se obter um medicamento à base de Cannabis sem que fosse necessária uma medida legal, só aconteceu em 2019 com a RDC ANVISA n. 327. O processo para se obter o medicamento conta com etapas burocráticas, poucos profissionais que as prescrevem como os médicos e dentistas e agora mais recentemente os biomédicos. É evidente que a educação desempenha um papel fundamental na expansão e desenvolvimento do mercado da cannabis no Brasil, garantindo profissionais qualificados que estejam disponíveis para atender à demanda crescente, além de possibilitar que a população em geral tenha acesso a informações precisas e atualizadas sobre o tema. Portanto, a disponibilização de cursos em diversas áreas que abordam a Cannabis medicinal pode contribuir tanto para uma melhora na qualidade dos serviços prestados aos pacientes quanto para uma compreensão mais ampla e consciente do uso terapêutico da planta Um número ainda baixo de medicamentos disponíveis no mercado e a necessidade de importar os insumos farmacêuticos ativos impactam diretamente no valor atribuído ao produto, dado que a oferta é baixa e a demanda é grande. Aproximadamente 430 mil pessoas têm acesso ao medicamento, porém é visto que quase 7 milhões de brasileiros poderiam se beneficiar com o tratamento à base de Cannabis. Existem algumas propostas que ainda não foram de fato colocadas em vigor, sendo elas a revisão da RDC nº327/19 que resumindo teria um impacto positivo tanto na diversidade de tratamento e acesso e a PL 399/15 que fortalece a cadeia produtiva, gerando trabalho, oportunidade de pesquisa e a democratização do acesso. O acesso público aos medicamentos à base de Cannabis está para se tornar realidade no final de 2023 pelo Decreto n. 17.618 do governo de São Paulo. A medida é um passo inicial para o fornecimento de medicamentos pelo SUS de forma gratuita. Isso ressalta o crescente debate sobre o uso da planta para fins medicinais e como o seu acesso é restrito para boa parte da população. Além disso, em 2022 a RDC ANVISA n. 659/22 permitiu que instituições de ensino possam importar substâncias, plantas e medicamentos sujeitos a controle 43 especial, para desenvolver atividades de ensino e pesquisa. Essas autorizações permitem que as instituições conduzam projetos de pesquisa pré-clínica para avaliação da eficácia e segurança de combinações de fitocanabinoides no manejo de sinais e sintomas associados a diversas condições médicas. Esta produção de conhecimentos e resultados de alta evidência científica pode contribuir tanto para uma maior aceitação de profissionais que as prescrevem, visto que há a comprovação de uso clínico da planta para diversas condições médica. Somado a essa oportunidade de instituições realizarem pesquisa sobre a planta, existe a proposta de uma monografia da Farmacopeia Brasileira para as inflorescências da Cannabis. A monografia pode servir de referência para o desenvolvimento de especificações apropriadas para o controle de qualidade de extratos e produtos já disponibilizados no mercado nacional. É essencial ir além das instituições e conectar-se com os pesquisadores, educadores e divulgadores científicos que se dedicam às descobertas em torno da Cannabis. Estas figuras desempenham um papel crucial ao destacar os benefícios medicinais da planta, defender uma política de droga menos restritiva e enfatizar o valor do avanço científico na construção de um mercado nacional sólido. No entanto, apesar desses avanços, a implementação prática dessas medidas tem sido desafiadora. A Cannabis no Brasil, continua sendo ilegal para uso adulto/recreativo, sujeita a punições, o que cria um cenário de discrepância entre a percepção da sociedade sobre o uso da planta e as políticas governamentais. Essa dicotomia gera debates e desafios contínuos sobre a eficácia e a justiça das políticas de drogas no país, destacando a necessidade de uma abordagem mais abrangente e baseada em evidências para lidar com a questão da Cannabis. A PEC n. 45/2023 corrobora para a continuação da ilegalidade da planta, visto que embora a medida vise uma diferença em relação a uso pessoal e tráfico, a falta de objetividade abre espaço para uma interpretação subjetiva que só ressaltaria ainda mais toda construção social histórica do Brasil, sendo os periféricos e pessoas pretas as mais prejudicadas. Enquanto isso, o Uruguai alcançou um marco histórico ao se tornar o primeiro país do mundo a legalizar completamente a Cannabis para uso recreativo, médico e industrial em 2013, colocando em vigor a Lei 19.172/13, sob a liderança do presidente José Mujica. Essa medida representou uma ruptura significativa com a tradicional 44 política de drogas, tornando o Uruguai uma referência mundial em termos de regulação da Cannabis, embora medicinalmente falando a sua abordagem ainda é bem menos consolidade que o uso recreativo. Após a legalização, o Uruguai continuou a desenvolver suas políticas, estabelecendo o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA) para supervisionar e regulamentar todas as atividades relacionadas à Cannabis e seus produtos derivados. O IRCCA desempenha um papel crucial na implementação e monitoramento das políticas de Cannabis, garantindo que a produção, venda e consumo estejam em conformidade com os regulamentos estabelecidos. Essa abordagem baseada no controle estatal tem por objetivo não apenas garantir a segurança e a qualidade dos produtos de Cannabis, mas também desmantelar o mercado ilegal e promover a segurança pública. A implementação dessa abordagem regulatória tem sido um catalisador crucial para o crescimento do mercado da cannabis no Uruguai. Consequentemente, tem havido um notável aumento no número de empresas que adentram nesse setor em expansão, o que não apenas diversifica a economia, mas também fomenta a geração de empregos. Esse crescimento é particularmente favorável para micro e pequenas empresas, que encontram oportunidades de crescimento e desenvolvimento em um mercado em ascensão. Além disso, os esforços do governo para garantir que a mão de obra necessária para sustentar esse crescimento seja devidamente qualificada. A implementação de programas de formação profissional demonstra um compromisso em atender à demanda por trabalhadores qualificados, garantindo que o setor da cannabis no Uruguai possa prosperar de maneira sustentável e segura. Essa abordagem não apenas beneficia a economia local, mas também promove o desenvolvimento social ao proporcionar oportunidades de emprego para os cidadãos. O mercado legal da Cannabis conta com 51% dos indivíduos que fazem o uso recreativo da planta que recorrem a esta via, um número que gradualmente vem aumentado desde a legalização em 2013. Apesar dos progressos, tanto o Brasil quanto o Uruguai, ainda enfrentam desafios significativos em suas políticas de drogas. No Brasil, embora tenha havido avanços na regulamentação, a implementação eficaz de leis solidas e abragentes e a redução das disparidades socioeconômicas na aplicação da lei continuam sendo 45 questões críticas. A garantia de que as regulamentações sejam aplicadas de maneira equitativa e justa, sem discriminação de classe ou raça, é essencial para promover uma abordagem mais justa e eficaz no tratamento do uso de drogas. Por outro lado, o Uruguai enfrenta o desafio de equilibrar a regulação da Canabis com as preocupações de saúde pública e segurança. Embora tenha sido pioneiro na legalização da planta para uso recreativo, o país precisa garantir que suas políticas continuem a priorizar a saúde e o bem-estar dos cidadãos. Isso implica não apenas em estabelecer políticas robustas, mas também investir em programas abrangentes de educação e prevenção, visando mitigar os potenciais impactos adversos do uso da substância. 5. CONCLUSÃO O estudo permitiu uma análise comparativa das políticas da Cannabis adotadas pelo Brasil e pelo Uruguai revelando contrastes significativos entre os dois países, refletindo diferentes contextos históricos, políticos e sociais em cada país. No Brasil, a Cannabis ainda é amplamente estigmatizada, com raízes profundas em questões culturais, sociais e raciais. Esse estigma alimenta regulamentações restritivas, burocracias excessivas e reduz os recursos destinados à pesquisa científica. No entanto, a pesquisa desempenha um papel crucial ao fornecer evidências sólidas sobre a eficácia e segurança da cannabis no tratamento de diversas condições médicas e outras finalidades. Apesar dos desafios, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo na conscientização sobre os benefícios medicinais e terapêuticos dos compostos da Cannabis. Isso tem resultado em um maior acesso aos tratamentos à base de Cannabis e em uma compreensão mais ampla do seu potencial na área da saúde. Esse progresso é evidente ao se observar o aumento no número total de pacientes, profissionais de saúde que prescrevem os derivados e seu impacto no mercado da cannabis medicinal no Brasil. O crescimento do mercado e a crescente base de evidências científicas têm levado a um aumento no número de pacientes. No entanto, é essencial que a legislação avance para incluir a produção nacional, permitindo que mais pacientes tenham acesso a tratamentos adequados de forma sustentável. Assegurar um acesso igualitário é crucial, evitando que a Cannabis medicinal se torne um privilégio 46 reservado apenas a uma parte da sociedade, como é o caso atualmente no Brasil. É fundamental desenvolver políticas públicas inclusivas, levando em conta diversas realidades socioeconômicas para garantir que todos que precisam tenham acesso a tratamento eficazes Por outro lado, o Uruguai optou por uma abordagem progressista, baseada em reformas sociais e trabalhistas históricas que resultaram na legalização da Cannabis em 2013. Essa decisão pioneira reflete a priorização da saúde pública e do controle estatal do mercado. Por sua vez, a legalização criou a possibilidade de abandonar o mercado ilícito, com um maior controle de qualidade, educação que dissemine os benefícios e malefícios da planta pesquisas que impactam no público e setores em geral, seja pela possibilidade de mais aplicações ou a própria conscientização que é criada em torno da sociedade e a quebra do estigma sobre a planta. O Uruguai tem proporcionado benefícios tangíveis, como o crescimento do mercado legal da cannabis, diversificação da economia e a geração de empregos, especialmente para micro e pequenas empresas e uma qualificação da mão de obra que consequentemente impacta nos serviços prestados e dissemina conhecimento sobre a planta. No Uruguai, embora tenha havido progressos na regulação da Canabis, como a criação do Instituto de Regulação e Controle da Canabis (IRCCA), a legalização vem gerando um aumento progressivamente do número de usuário que recorrem ao mercado legal, entretanto, tal feito foi gradualmente acontecendo levando quase 1 década para atingir tal por porcentagem, mas ainda sim é visto o impacto positivo na redução da acessibilidade ao produto de forma ilegal. Portanto, é crucial que ambos os países continuem investindo na Cannabis, dada a sua ampla aplicabilidade que pode impactar e alavancar diversos setores da sociedade, indo da medicina à construção civil. Apesar disso, esse progresso deve ser acompanhado por medidas educativas que visem a desconstrução de estigmas historicamente enraizados, resultantes de eventos passados em ambos os países e que promovam uma compreensão mais ampla e informada sobre os benefícios potenciais da planta. A trajetória de ambos os países em relação à Cannabis, pode servir de parâmetro para outros países em todo o mundo. Ao revisarem suas próprias políticas, 47 esses países podem aprender com as experiências do Brasil e Uruguai, usufruindo dos múltiplos benefícios dessa planta ancestral. 6. REFERÊNCIAS AFP. Uruguai freia narcotráfico de cannabis, mas mercado ilegal ainda predomina: a descriminalização da maconha no Uruguai ajudou a tirar os narcotraficantes do mercado. Folha Pe. 2022. Disponível em: https://www.folhape.com.br/economia/uruguai-freia-narcotrafico-de-cannabis-mas- mercado-ilegal-ainda/240861/. Acesso em: 13 abr. 2024. ARATA, L. (2004). Nepenthes and Cannabis in ancient Greece. 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