UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA / CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CARTOGRÁFICAS ALEX GARCEZ UTSUMI INFERÊNCIA ESPACIAL DE CIANOBACTÉRIAS A PARTIR DA FLUORESCÊNCIA IN VIVO DO PIGMENTO FICOCIANINA Presidente Prudente 2012 ALEX GARCEZ UTSUMI INFERÊNCIA ESPACIAL DE CIANOBACTÉRIAS A PARTIR DA FLUORESCÊNCIA IN VIVO DO PIGMENTO FICOCIANINA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Cartográficas da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Cartográficas. Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes Bueno Trindade Galo Co-orientadora: Profa. Dra. Vilma Mayumi Tachibana Presidente Prudente 2012 Utsumi, Alex Garcez. U95i Inferência espacial de cianobactérias a partir da fluorescência in vivo do pigmento ficocianina / Alex Garcez Utsumi - Presidente Prudente : [s.n], 2012 110 f. Orientador: Maria de Lourdes Bueno Trindade Galo Coorientador: Vilma Mayumi Tachibana Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Cianobactérias. 2. Ficocianina. 3. Inferência espacial. I. Galo, Maria de Lourdes Bueno Trindade. II. Tachibana, Vilma Mayumi. III. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação- UNESP, Campus de Presidente Prudente. Agradecimentos Primeiramente agradeço a Deus por me guiar durante toda minha, mostrando sempre os melhores caminhos a serem percorridos em todos os momentos. Agradeço ao apoio da minha família, que sempre me incentivou em minhas decisões, especialmente ao meu pai Seissiro Utsumi e à minha mãe Lucia Helena Garcez de Souza. Agradeço à Prof.ª Maria de Lourdes Bueno Trindade Galo pelos ensinamentos passados na orientação da pesquisa, pela atenção prestada em todos os momentos e pela dedicação ao longo desses dois anos. Agradeço à Prof.ª Vilma Mayumi Tachibana pela co-orientação do projeto, sendo atenciosa e paciente em todos os momentos, e pelo conhecimento passado para contribuir na pesquisa. Ao Prof. Nilton Nobuhiro Imai, Renata Araújo e Cristina Rizk responsáveis pelo Laboratório de Tecnologia e Informação espacial, pelo suporte oferecido nos momentos em que foram realizados os trabalhos de campo. Ao Prof. Edivaldo Velini e ao Thiago Henrique (Unesp- FCA) por viabilizarem a utilização do fluorômetro e pelo auxílio prestado em diversos momentos. Aos amigos Luiz Henrique da Silva Rotta, Rejane Ennes e Monique Sacardo Ferreira, pela ajuda prestada ao longo de toda essa trajetória, pelos trabalhos de campo compartilhados debaixo de um sol escaldante e pelos momentos de alegria. Agradeço ao pessoal do grupo de pesquisa Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento na análise e Modelagem Ambiental, pela troca de informações sobre o projeto, especialmente ao prof. Nilton Nobuhiro Imai, Fernanda Sayuri e Letícia Sabo. Aos membros da banca pelas dicas e sugestões apresentadas para a melhoria do trabalho. À CAPES, pela concessão da bolsa durante dois anos, à qual foi imprescindível para a realização desse trabalho. À FEPAF pelo auxílio financeiro no projeto desenvolvido no reservatório de Nova Avanhandava. Agradeço aos amigos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Cartográficas pelo convívio diário na sala de permanência, pela troca de informações e pelos momentos de descontração. Aos amigos do prédio Santa Helena, em especial Diego Guita, Felipe Fiatokoski, João Paulo Carvalho e Felipe Smu, pela parceria formada desde a época da graduação e que continua até os dias de hoje. Agradeço aos amigos da República Calangos, onde morei desde a época de graduação, e que me proporcionaram momentos de debates, descontração, churrascos e piadas sem graça na hora do almoço. Agradeço à Cida, nossa secretária do lar durante todo esse período, não só por organizar a casa, mas também por ouvir e dar conselhos. “O primeiro passo em direção ao sucesso é o conhecimento.” (Nicola Tesla) RESUMO O florescimento de cianobactérias em lagos e reservatórios é um problema em escala mundial, uma vez que pode degradar a qualidade da água, de modo a inviabilizar seu uso e consumo. Sendo assim, é imprescindível que haja meios para avaliar o nível de qualidade do corpo hídrico, de acordo com seu respectivo uso. A fluorescência dos pigmentos contidos nas cianobactérias é a única técnica disponível sensível o bastante para detectar cianobactérias em níveis naturais sem a necessidade de realização dos procedimentos de concentração e extração. O pigmento acessório ficocianina, presente apenas em cianobactérias, apresenta características específicas de absorção e espalhamento da radiação, tornando-se um indicador desse grupo fitoplanctônico. A presente pesquisa buscou realizar a inferência espacial das cianobactérias em uma área de estudos localizada no reservatório de Nova Avanhandava-SP, a partir de fluorometria de campo do pigmento fitoplanctônico ficocianina. Para espacializar a distribuição das algas azuis em toda a área de estudo foram utilizados diferentes métodos de interpolação: Média Simples, Vizinho Mais Próximo, Média Ponderada e Krigagem Ordinária. Para validar os processos de inferência espacial foi utilizado o Erro Médio Quadrático (EMQ) e para analisar a classificação temática foi usado o Índice de Exatidão Global (IEG). A inferência por Krigagem Ordinária mostrou-se mais adequada pelo fato de apresentar baixo valor do EMQ e pela possibilidade de observar a confiabilidade no processo de inferência, por meio do mapeamento da variância do erro de estimação, mesmo considerando que, independente do método de inferência utilizado, o valor máximo de ficocianina não ultrapassou a concentração de 10 ppb. Esse valor, embora baixo, pode ser considerado como um nível de alerta, uma vez que o reservatório apresenta usos múltiplos, sendo um deles o abastecimento público. Além disso, foram utilizados outros parâmetros para auxiliar na compreensão do ambiente aquático como a concentração de clorofila-a, turbidez, disco de Secchi, temperatura, pH, condutividade e espectrorradiometria de campo. Verificou-se que o sistema aquático apresentava estado de água clara, ou seja, com baixa turbidez. Porém, o ambiente estava em estágio inicial de transição entre águas de estado claro para águas turvas. Isso está associado ao fato de que as medições “in situ” foram feitas no início do verão e por esse motivo as variáveis atuantes no desenvolvimento do fitoplâncton não apresentavam as condições ótimas para que ocorresse o florescimento. Constatou- se, enfim, que uso da fluorescência in vivo da ficocianina se mostrou eficiente na detecção de cianobactérias, mesmo em seu estágio inicial, mostrando-se como uma técnica complementar à contagem de células. Palavras-chave: cianobactérias, ficocianina, inferência espacial, fluorescência in vivo ABSTRACT Cyanobacterial blooms in lakes and reservoirs are becoming a problem on a worldwide scale, since it can degrade water quality in order to frustrate their use and consumption. It is essential to have means to assess the quality level of the water body, according to its uses. The accessory pigment phycocyanin is present only in cyanobacteria and has specifics characteristics of absorption and scattering of radiation light, making it a good indicator of this group of phytoplankton. The fluorescence of the pigments contained in cyanobacteria is the only technique available sensitive enough to detect cyanobacteria at natural levels without the need of carrying out the procedures of extraction and concentration. In this context, this research aims to make the inference of the special distribution of cyanobacteria in a study area in Nova Avanhandava reservoir, from field fluorometry of the pigment phycocyanin. To infer the spatial distribution of algae throughout the study area, it was used different interpolation methods: Simple Average, Nearest Neighbor, Weighted Average and Ordinary Kriging. Mean Square Error (MSE) was used to validate the spatial inference and the Index of Global Accuracy (IGA) to analyze thematic classification. The inference by Ordinary Kriging was more suitable because of its low value of MSE, and the possibility of observing the reliability of the inference process, by mapping the variance of the estimation error. On the other hand, was observed that the maximum value of phycocyanin concentration did not exceed 10 ppb, regardless of the method of inference adopted. This value, although low, can be considered as an alert level, since the reservoir has multiple uses, mainly as water supply. Furthermore, other parameters were used to aid understanding the aquatic system, as the concentration of chlorophyll- a, turbidity, Secchi disk, temperature, pH, conductivity and field spectroradiometry. It was noted that water system had been clear water, with low turbidity. However, the environment was in early stages of transition from clear water to turbid waters. The reason is because the period of field campaign was performed in the early period of summer, so the active variables in the development of phytoplankton did not have optimal conditions to occur bloom. It was found, finally, that the use of in vivo fluorescence of phycocyanin was effective in aiding the detection of cyanobacteria, even in its initial stage, showing itself as a complementary technique to count cells. Keywords: cyanobacteria, phycocyanin, spatial inference, fluorescence in vivo LISTA DE FIGURAS Figura 1- Estrutura das ficobilinas ................................................................................................. 17 Figura 2- Gêneros de cianobactérias frequentemente encontrados em águas continentais............... 20 Figura 3-Absorção e espalhamento da luz em água pura ................................................................ 26 Figura 4-Espectros de absorbância das clorofilas a, b e c. .............................................................. 27 Figura 5- Comportamento espectral da água pura (clara) e da água contendo algas ........................ 28 Figura 7- Comportamento espectral da água contendo apenas cl a (verde) e outra com cl a e ficocianina .................................................................................................................................... 29 Figura 9-Curva de absorção de matéria orgânica obtidas em diferentes ambientes ......................... 31 Figura 11-Reflectância da planta aquática Ceratophyllum demersum em diferentes profundidades: (a) na água pura; (b) na água com presença do fitoplâncton ........................................................... 34 Figura 12- Diagrama de Perrin-Jablónski ...................................................................................... 35 Figura 13- Interpolador por Média ponderada por quadrante utilizando-se 1 elemento amostral por quadrante em (a) e 2 elementos amostrais por quadrante em (b) .................................................... 44 Figura 14- Principais componentes da variação espacial. (a) Variação abrupta e (b) Tendência constante ....................................................................................................................................... 46 Figura 16- Parâmetros para obtenção de valores do semivariograma a partir de rede irregular ....... 50 Figura 18- Anisotropia geométrica ................................................................................................ 52 Figura 19- Diagrama de rosa ......................................................................................................... 52 Figura 20- Anisotropia zonal ......................................................................................................... 53 Figura 21- Anisotropia Combinada ............................................................................................... 54 Figura 22-Modelos teóricos de semivariogramas ........................................................................... 54 Figura 23-Fluxograma do desenvolvimento metodológico............................................................. 62 Figura 24-Área de estudo: trecho do reservatório de Nova Avanhandava- SP ................................ 64 Figura 25-Imagens Landsat do reservatório em diferentes épocas do ano ...................................... 65 Figura 26- (a) Aparência do fitoplâncton na zona pelágica; (b) concentração do fitoplâncton na margem do reservatório. ................................................................................................................ 67 Figura 27- Curva espectral com características de florescimento de cianobactérias na área de estudo ..................................................................................................................................................... 68 Figura 28-Delineamento amostral dos dados espectrais ................................................................. 69 Figura 29-Amostragem dos dados fluorométricos.......................................................................... 70 Figura 30-Distribuição espacial das amostras de ficocianina para modelagem (a) e para validação(b) ..................................................................................................................................................... 73 Figura 31- Estado da água na área de estudo ................................................................................. 77 Figura 32- Florescimento do fitoplâncton aderido às plantas aquáticas .......................................... 78 Figura 33- Curva espectral característica do primeiro grupo .......................................................... 79 Figura 34- Curva espectral característica do segundo grupo........................................................... 79 Figura 35- Curva espectral característica do terceiro grupo ............................................................ 80 Figura 36- Curva de calibração dos dados de clorofila-a ................................................................ 81 Figura 37- Histograma da variável concentração de clorofila-a ..................................................... 82 Figura 38- Gráfico da probabilidade normal da variável concentração de clorofila-a ..................... 82 Figura 39- Variograma omnidirecional da variável clorofila-a....................................................... 83 Figura 40- Variograma da clorofila-a para a direção 0º .................................................................. 83 Figura 41- Variograma da clorofila-a para a direção 45º ................................................................ 83 Figura 42- Variograma da clorofila-a para a direção 90º ................................................................ 84 Figura 43- Variograma da clorofila-a para a direção 135º .............................................................. 84 Figura 44- Variograma Cruzado dos dados de clorofila-a .............................................................. 85 Figura 45- Krigagem ordinária da concentração de clorofila-a ....................................................... 85 Figura 46- Inferência espacial da clorofila-a utilizando todo o conjunto amostral .......................... 86 Figura 47- Mapa de Variância da Clorofila-a ................................................................................ 87 Figura 48- Fatiamento em classes da interpolação da clorofila-a por Krigagem ordinária .............. 87 Figura 49-Gráfico de Probabilidade Normal dos dados de ficocianina ........................................... 89 Figura 50-Histograma dos dados de ficocianina ............................................................................ 89 Figura 51- Mapa variográfico para a variável ficocianina .............................................................. 90 Figura 52-Variograma omnidirecional para variável ficocianina .................................................... 90 Figura 53-Variograma da ficocianina para direção 0º .................................................................... 91 Figura 54- Variograma da ficocianina para direção 45º ................................................................. 91 Figura 55- Variograma da ficocianina para direção 90º ................................................................. 91 Figura 56- Variograma da ficocianina para direção 135º................................................................ 92 Figura 57-Diagrama de Rosa para os dados de ficocianina ............................................................ 92 Figura 58- Modelagem da anisotropia dos dados de ficocianina .................................................... 93 Figura 59- Interpolação da concentração de ficocianina por Krigagem Ordinária .......................... 94 Figura 60- Inferência espacial da ficocianina por Krigagem Ordinária utilizando todo o conjunto amostral ........................................................................................................................................ 94 Figura 61- Mapa de variância da variável ficocianina .................................................................... 95 Figura 62-Classificação da interpolação por Krigagem ordinária da ficocianina ............................ 96 Figura 63-Classificação da interpolação pelo método do Vizinho Mais Próximo ........................... 96 Figura 64- Classificação da interpolação pelo método Média Simples ........................................... 97 Figura 65- Classificação da interpolação pelo método da Média Ponderada ................................... 97 Figura 66- Comparação entre os valores estimados e os valores reais entre os diferentes processos de inferência espacial da ficocianina ............................................................................................. 98 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Parâmetros físico-químicos da água no Reservatório de Nova Avanhandava ................ 67 Quadro 2- Delineamento amostral dos dados do 1º dia (a) e do 2º dia (b) ...................................... 69 Quadro 3- Identificação de espécies fitoplanctônicas ..................................................................... 71 Quadro 4- Valores dos parâmetros limnológicos ........................................................................... 76 Quadro 5- Estatísticas descritivas da concentração de clorofila-a ................................................... 81 Quadro 7- Validação dos dados de ficocianina obtidos por diferentes interpoladores ..................... 98 SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................11 1.1 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................................13 1.2 OBJETIVOS .....................................................................................................................................14 1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO .......................................................................................................14 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................................16 2.1 FITOPLÂNCTON E CIANOBACTÉRIAS .......................................................................................16 2.2 CIANOTOXINAS ............................................................................................................................19 2.3 FATORES CONTROLADORES E LIMITANTES ...........................................................................22 2.4 SENSORIAMENTO REMOTO DA ÁGUA ......................................................................................25 2.5 INFLUÊNCIA DA VEGETAÇÃO AQUÁTICA SUBMERSA NO DESENVOLVIMENTO FITOPLANCTÔNICO ......................................................................................................................32 2.6 FLUOROMETRIA ...........................................................................................................................34 2.7 DETECÇÃO DE FICOCIANINA POR SENSORIAMENTO REMOTO ...........................................36 2.7.1 SENSORES ORBITAIS E AÉREOS ............................................................................................36 2.7.2 ESPECTRORRADIÔMETROS DE CAMPO ...............................................................................38 2.7.3 FLUORÔMETROS DE CAMPO ................................................................................................39 2.8 MODELO NUMÉRICO DO TERRENO ...........................................................................................42 2.9 GEOESTATÍSTICA .........................................................................................................................44 2.9.1 A FUNÇÃO ALEATÓRIA ..........................................................................................................47 2.9.2 HIPÓTESES RESTRITIVAS .......................................................................................................48 2.9.3 PARÂMETROS DO SEMIVARIOGRAMA ..................................................................................49 2.9.4 CÁLCULO DO SEMIVARIOGRAMA A PARTIR DE AMOSTRAS IRREGULARMENTE ESPAÇADAS ......................................................................................................................................50 2.9.5 ANISOTROPIA ..........................................................................................................................51 2.9.6 MODELOS TEÓRICOS DE SEMIVARIOGRAMAS....................................................................54 2.9.7 KRIGAGEM ..............................................................................................................................56 3. MATERIAL E MÉTODO ....................................................................................................................59 3.1 MATERIAL .....................................................................................................................................59 3.2 DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO ....................................................................................61 3.2.1 DEFINIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDOS ......................................................................................63 3.2.2 LEVANTAMENTOS EXPLORATÓRIOS ....................................................................................64 3.2.3 DELINEAMENTO AMOSTRAL .................................................................................................68 3.2.4 REALIZAÇÃO DA CAMPANHA DE CAMPO ............................................................................70 3.2.5 CALIBRAÇÃO DOS DADOS .....................................................................................................72 3.2.6 PROCESSAMENTO DOS DADOS .............................................................................................72 3.2.7 ANÁLISE DOS RESULTADOS ..................................................................................................74 4.RESULTADOS ......................................................................................................................................76 4.1 CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE AQUÁTICO .......................................................................76 4.2.AVALIAÇÃO DAS CURVAS ESPECTRAIS ..................................................................................78 4.3 INFERÊNCIA ESPACIAL DA VARIÁVEL CLOROFILA-A ...........................................................80 4.3.1 CALIBRAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS POR FLUORESCÊNCIA IN VIVO ..............................80 4.3.2 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS DE CLOROFILA-A ..................................................81 4.3.3 KRIGAGEM ORDINÁRIA DA VARIÁVEL CLOROFILA-A ........................................................82 4.3.4 VALIDAÇÃO DO PROCESSO DE INFERÊNCIA ESPACIAL DA VARIÁVEL CLOROFILA-A ..88 4.4 INFERÊNCIA ESPACIAL DA VARIÁVEL FICOCIANINA ...........................................................88 4.4.1 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS DE CONCENTRAÇÃO DE FICOCIANINA .............88 4.4.2 INFERÊNCIA ESPACIAL DA FICOCIANINA POR KRIGAGEM ORDINÁRIA .........................89 4.4.3 INFERÊNCIA ESPACIAL DA FICOCIANINA POR OUTROS INTERPOLADORES ..................96 4.4.4 VALIDAÇÃO DOS PROCESSOS DE INFERÊNCIA DA VARIÁVEL FICOCIANINA .................97 5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS......................................................................................................99 5.1 CONDIÇÕES DO MEIO AQUÁTICO QUANTO À OCORRÊNCIA DE CIANOBACTÉRIAS ........99 5.2 FEIÇÕES ASSOCIADAS AO FITOPLÂNCTON IDENTIFICADAS NAS CURVAS ESPECTRAIS ....................................................................................................................................................... 101 5.3 ESPACIALIZAÇÃO DO PIGMENTO CLOROFILA-A .................................................................. 101 5.4 ESPACIALIZAÇÃO DO PIGMENTO FICOCIANINA .................................................................. 102 6. CONCLUSÕES ................................................................................................................................... 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 105 11 1.INTRODUÇÃO A água é um recurso natural que vem sendo afetado diretamente pelas atividades antropogênicas, tendo como consequência a degradação de sua qualidade. Em se tratando de uma bacia hidrográfica diversas podem ser as causas para que isso ocorra, de modo que as atividades poluidoras irão refletir em seu corpo hídrico principal. Entre outros efeitos negativos causados por tais atividades destaca-se a eutrofização dos ecossistemas aquáticos. A eutrofização, que é o aumento da concentração de nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo, pode ser natural (processo lento e contínuo) ou pode ser artificial. A eutrofização natural acontece a todo o momento nos corpos d’água, principalmente nos tropicais. Entretanto, devido à dinâmica das reações, o tempo em que esses nutrientes ficam disponíveis para serem assimilados é curto e sua ciclagem acontece de forma natural. Já a eutrofização artificial é de origem antropogênica sendo resultante da utilização de fertilizantes na agricultura e descargas de esgotos industriais e domésticos sem tratamento. Como principal consequência desse enriquecimento artificial dos corpos d’água encontra-se o crescimento rápido do fitoplâncton, ou floração. A floração de algas ocorre comumente em águas paradas, pois estas apresentam características distintas dos cursos d’água. Esses ambientes funcionam como ecossistemas complexos, com interações dinâmicas com a bacia à qual pertencem. O crescimento excessivo do fitoplâncton pode causar riscos para reservatórios, principalmente para mananciais de abastecimento e estações de tratamento de água, podendo ocorrer não somente em ambientes poluídos e eutrofizados, mas também em reservatórios considerados de baixo risco. O fitoplâncton é um grupo heterogêneo formado principalmente por algas fotossintetizantes que se distribui por grande parte dos ambientes marinhos e aquáticos continentais do mundo. Sua função nesses ambientes é captar a energia eletromagnética e transformá-la em energia química, por meio da fotossíntese (ARRAUT et al., 2005). As três principais classes de pigmentos capazes de absorver radiação visível são as clorofilas, os carotenóides e as ficobilinas. A clorofila-a é o principal pigmento que absorve radiação eletromagnética para a realização da fotossíntese, estando presente em todo o fitoplâncton. Por esse motivo, sua detecção é um parâmetro de grande importância para verificar a qualidade da água. Os carotenóides e as ficobilinas são denominados pigmentos acessórios, pois a energia absorvida pelos mesmos pode ser transferida para a clorofila (HALL e RAO, 1980). Dentre os diversos grupos que formam o fitoplâncton, as cianobactérias são consideradas como o mais problemático do ponto de vista sanitário. Isto se deve ao fato de que algumas espécies de cianobactérias são potencialmente tóxicas. A detecção de cianobactérias por sensoriamento remoto é possível pela presença da ficocianina, que é um pigmento acessório presente somente em 12 cianobactérias e algas vermelhas, possuindo características especificas de absorção e espalhamento da radiação. O Brasil possui um histórico recente em relação à contaminação humana por florações de cianobactérias. O caso mais grave foi a chamada “Síndrome de Caruaru”, ocorrido no Nordeste do Brasil em 1996, quando setenta e seis pessoas morreram em uma clínica de hemodiálise. Após esse incidente, a Fundação Nacional da Saúde, em colaboração com a Organização Panamericana de Saúde, revisou a portaria 36/MS/90, relativo às normas e padrões de qualidade da água para consumo humano (OLIVEIRA, 2003). A partir da portaria nº 1469/00/MS a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a exigir dos órgãos competentes e responsáveis pelo tratamento e fornecimento e água o monitoramento da ocorrência de cianobactérias e cianotoxinas, tanto na água bruta do manancial quanto na água tratada para consumo. Além da portaria nº 1469, do Ministério da Saúde, existe outras leis que regem sobre as cianobactérias: a Resolução 274 (BRASIL, 2000) e a Resolução 357 (BRASIL, 2005) do Conselho Nacional do Meio Ambiente, e a Portaria 518 (BRASIL, 2004) do Ministério da Saúde. Os parâmetros físicos e químicos são os mais usuais em programas de monitoramento da qualidade da água, bem como alguns parâmetros biológicos, como bactérias enteropatogênicas. Porém, em virtude da complexidade de alguns parâmetros biológicos foram criados, mais recentemente, indicadores da biomassa fitoplanctônica, como a clorofila-a e a densidade de cianobactérias (BRASIL, 2006). A utilização do Sensoriamento Remoto na detecção de características potencialmente nocivas à qualidade das águas tem se mostrado uma alternativa viável, no caso das substâncias da água que apresentam propriedades ópticas, como ocorre com pigmentos fitoplanctônicos como a clorofila-a e a ficocianina. Além disso, a inferência espacial das concentrações de tais pigmentos no corpo d’água passa a ser um importante indicador da qualidade da água, à medida que permite localizar os locais mais críticos. Nesse contexto, a geoestatística se apresenta como uma importante ferramenta para descrever fenômenos naturais. Com a geoestatística, primeiramente pode-se verificar a existência de autocorrelação espacial do fenômeno de interesse e depois estimar valores em locais onde as observações não foram coletadas, utilizando-se assim os dados em duas etapas. Dessa forma, pode- se realizar o mapeamento do fitoplâncton para toda a área de estudo e lidar com propriedades que variam em diferentes direções. Por outro lado, a identificação de pigmentos fotossintetizantes por fluorescência se baseia na existência de aparatos fotossintéticos no fitoplâncton, que contém proteínas diretamente associadas à captura de fótons (pigmentos-antena), e dispõem de anéis de carbono que apresentam 13 fluorescência. Essas proteínas podem ser encontradas em elementos presentes em corpos d’água, tais como a clorofila-a e a ficocianina, que é um elemento dominante em cianobactérias (RAVEN et al., 1978 apud BARBOSA, 2003) Considerando que o fitoplâncton apresenta características específicas de fluorescência por meio da interação dos pigmentos fotossintéticos com a radiação eletromagnética, e que essa forma de energia pode ser detectada e quantificada por sensoriamento remoto, objetiva-se com esse estudo realizar a inferência espacial de cianobactérias, baseada em dados obtidos por fluorescência in vivo da ficocianina. 1.1 JUSTIFICATIVA Em diversos países é cada vez maior a preocupação em relação à floração de algas, especialmente cianobactérias, pela existência de espécies potencialmente tóxicas. Surtos de contaminação humana por ingestão de água já foram noticiados na Austrália, Reino Unido, China e África do Sul. Em uma revisão de publicações de fitoplâncton no Brasil, Huszar e Silva (1999), constataram que em aproximadamente 50% dos reservatórios estudados nos últimos 50 anos havia predomínio de cianobactérias em períodos de maior biomassa. A detecção de florescimentos densos de cianobactérias já foi mostrada em diversos trabalhos, com a utilização de diferentes sensores, tanto em águas oceânicas como continentais. Também foi visto que a quantificação de cianobactérias por sensoriamento remoto é viável por meio de fotos aéreas, sensoriamento remoto por satélite bem como modelos de inferência a partir de curvas espectrais. Porém, os resultados obtidos foram satisfatórios para concentrações de florações relativamente altas, de modo que a detecção é eficiente quando já ocorreu o florescimento. Nesse contexto, nota-se a necessidade de detecção e espacialização de cianobactérias por meio de métodos mais sensíveis. A fluorescência in vivo é capaz de detectar o florescimento de algas em seu estágio inicial e, entre outros benefícios, destaca-se a rapidez e facilidade de coletar grandes quantidades de dados, além de reduzir o erro por não degradar as amostras de água, antes da análise laboratorial. Assim, espera-se mapear a distribuição de cianobactérias na área de estudo, e dessa forma ajudar na compreensão sobre a dinâmica do fitoplâncton. 14 1.2 OBJETIVOS O objetivo geral desta pesquisa é realizar a inferência espacial de cianobactérias em área de estudo localizada no reservatório de Nova Avanhandava, a partir de fluorometria de campo do pigmento fitoplanctônico ficocianina. Como objetivos específicos propõem-se: Caracterizar o ambiente aquático por meio de parâmetros limnológicos e pelo pigmento fitoplanctônico clorofila-a; Avaliar o potencial da fluorometria de campo na detecção de cianobactérias, por meio do pigmento ficocianina; Avaliar a ocorrência de cianobactérias a partir de curvas espectrais adquiridas por espectrorradiômetro de campo; Comparar o resultado da inferência espacial de cianobactérias por meio de diferentes interpoladores. 1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO No primeiro capítulo, o assunto a ser tratado é exposto de modo geral, apresentando o tema que será abordado no estudo e, em seguida, a justificativa e os objetivos. O segundo capítulo apresenta a fundamentação teórica, na qual são revisados alguns conceitos considerados fundamentais para o desenvolvimento do trabalho. São apresentadas as características do alvo em estudo, ou seja, o fitoplâncton e, em especial, as cianobactérias, detalhando-se algumas características fisiológicas, bem como fatores controladores e limitantes para seu crescimento e sucessão. Em seguida, tem-se uma revisão sobre conceitos básicos do sensoriamento remoto na água, destacando o comportamento espectral dos principais componentes opticamente ativos. Logo após, são expostas as características básicas da fluorometria e sua relação com os pigmentos fotossintéticos, uma vez que essa técnica é utilizada no presente trabalho para detecção e quantificação do fitoplâncton. No estado da arte apresentam-se diferentes métodos de detecção das cianobactérias por meio do sensoriamento remoto. São apresentados alguns trabalhos que utilizam sensores aéreos, os quais se baseiam na resposta da radiação obtida pelo sensor após ter interagido com o alvo; sensores espectrais de campo, que verificam o comportamento do alvo em determinada região do espectro; e 15 sensores ópticos de campo, que se baseiam na fluorescência emitida por um alvo em uma determinada região do espectro eletromagnético. Ainda na fundamentação teórica, são explanadas as características básicas de alguns métodos de interpolação de dados georreferenciados. São apresentadas as características dos interpoladores vizinho mais próximo, média simples, média ponderada, média ponderada por quadrante e por cota. Também foi realizada uma abordagem geral da geoestatística, uma vez que um dos métodos utilizados para inferência espacial do pigmento ficocianina foi a Krigagem Ordinária. O terceiro capítulo apresenta os materiais e métodos utilizados no desenvolvimento da pesquisa. Primeiramente são descritos os materiais utilizados nos levantamentos de campo e processamento dos dados. Logo após é apresentado o desenvolvimento metodológico, no qual se explica detalhadamente o procedimento abordado em cada etapa do trabalho. No quarto capítulo são apresentados os resultados do levantamento de campo final. Desse modo, são mostrados os valores dos dados limnológicos, das curvas espectrais, dos resultados dos processos de inferência espacial e as respectivas validações. O quinto capítulo apresenta a discussão e análise dos resultados obtidos a partir do processamento de informações adquiridas no levantamento de campo final. Em seguida, têm-se as conclusões, onde são expostas as considerações finais referentes aos resultados obtidos e são sugeridas propostas para futuros trabalhos. 16 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 FITOPLÂNCTON E CIANOBACTÉRIAS Di Bernardo (1995) afirma que os ambientes aquáticos, especialmente os lagos, possuem comunidades planctônicas com variedade, abundância e distribuição próprias que dependem das características abióticas e bióticas. Em geral, é comum a presença de cianofitas, clorofitas, diatomáceas, rotíferos, cladóceros e copépodos, embora as espécies possam variar de um lago para outro. O termo fitoplâncton foi utilizado pela primeira vez em 1897, e descreve um grupo heterogêneo formado principalmente por algas fotossintetizantes que se distribui por grande parte dos ambientes marinhos e aquáticos continentais do mundo. Sua função nesses ambientes é captar a energia eletromagnética e transformá-la em energia química, por meio da fotossíntese, sendo responsáveis por mais de 45% da produção primária líquida do planeta. Além disso, esses organismos têm a função de servir como sumidouro de dióxido de carbono da atmosfera e da água (TUNDISI e TUNDISI, 2008). Os eucariotas fotossintetizantes possuem uma organização celular com núcleo, mitocôndrios, cloroplastos e uma membrana celular. A sua reprodução ocorre por divisão simples, cuja taxa depende das condições de temperatura da água, do suprimento de nutrientes e fisiologia das células. Em muitos organismos do fitoplâncton é comum a formação de cistos e esporos de resistência, que sobrevivem em períodos desfavoráveis. Os cistos formam-se por processos sexuais e assexuais. Nos cistos de resistência, há diminuição de concentração de clorofila e perda de água, enquanto os esporos ocorrem em alguns procariotas e cianofíceas. Desse modo, quando ocorre algum estímulo, a partir de fatores ambientais, os cistos germinam (TUNDISI e TUNDISI, 2008). O poliformismo é outra característica muito comum durante o ciclo de vida de algumas espécies presentes no fitoplâncton. Sendo assim, fatores internos e externos contribuem para a mudança da forma destes organismos. Variáveis como a intensidade luminosa, qualidade da luz, concentração de nutrientes na água, pressão osmótica do meio e temperatura foram descritas como importantes na alteração da morfologia das células e colônias (TUNDISI e TUNDISI, 2008). Tanto a fixação de carbono quanto a produção de oxigênio acontecem devido à fotossíntese. Esse mecanismo ocorre pela absorção da energia eletromagnética pelos pigmentos fotossintéticos. As três principais classes de pigmentos capazes de absorver radiação visível são as clorofilas, os carotenóides e as ficobilinas. Os carotenóides e as ficobilinas são denominados pigmentos 17 acessórios, pois a energia absorvida pelos mesmos pode ser transferida para a clorofila (HALL e RAO, 1980). Os pigmentos clorofilados são divididos em grupos, diferenciados quimicamente, cujas denominações são clorofilas a, b, c e d, sendo a clorofila c, dividida em varias subespécies. Todas as algas verdes contêm clorofila-a e muitas contêm clorofila b e/ou c e raramente d. (WETZEL, 2001). Ao contrário das clorofilas existe um grande número de carotenóides, quase todos com a função primária de fotoproteção. Todos os tipos de carotenóides absorvem a energia fortemente na mesma área do espectro eletromagnético: do ultravioleta ao azul. Apenas as cianobactérias e as algas vermelhas possuem as ficobilinas, também chamadas de ficobiliproteínas, que são pigmentos acessórios de cor vermelha ou azul. Esses pigmentos absorvem a luz na faixa do espectro eletromagnético entre as áreas de absorção dos carotenóides e da clorofila-a, sendo altamente fluorescentes. Segundo Mishra et al. (2009), as cianobactérias contêm no mínimo três ficobilinas espectralmente detectáveis: ficocianina, aloficocianina e ficoeritrina (espécies marinhas). A Figura 1 apresenta a estrutura das ficobilinas. Pode-se notar que, em vez de cloroplastos, as cianobactérias possuem uma estrutura membranosa chamada de tilacóide, na qual estão organizadas as ficobilinas. Figura 1- Estrutura das ficobilinas Fonte: adaptado de Schluchter (1994) As cianobactérias são organismos procariotos, geralmente são aquáticos e liberam oxigênio no processo de fotossíntese. Devido ao fato de possuírem o pigmento azulado (ficocianina), são também denominadas de algas azuis ou cianofíceas. Acredita-se que as algas azuis foram responsáveis pelo início da formação da atmosfera atual, bem como pela evolução de todos os organismos fotossintetizantes, visto que formas relacionadas às atuais cianobactérias provavelmente originaram os cloroplastos, por meio de um evento endossimbiótico (OLIVEIRA, 2003). 18 Anteriormente classificadas como algas, na divisão das Cyanophyta ou Myxophyceae, as cianobactérias são na verdade bactérias, com uma estrutura celular procariótica. Porém, as cianofíceas se distinguem das outras bactérias pela presença da clorofila-a, que é comum nos cloroplastos de algas eucarióticas e plantas superiores. Assim, elas são estruturalmente e fisiologicamente similares às bactérias, mas sua funcionalidade fotossintética é similar a das plantas aquáticas (WETZEL, 2001). As cianobactérias possuem, em sua estrutura, parede celular e ausência de núcleo delimitado pela carioteca. Algumas delas possuem vacúolos gasosos, que as tornam capazes de controlar a flutuabilidade em água, permitindo se localizar em uma profundidade ótima para uma dada quantidade de nutrientes, oxigênio e luz. Para realizar o processo de fotossíntese disponibilizam de dois centros de reação: o fotossistema I e o fotossistema II, mas sem estarem organizados em cloroplastos. As cianofíceas podem ocorrer nas formas unicelular, filamentosa e colonial, sendo que a maioria das cianobactérias planctônicas consiste de membros da família dos cocóides, filamentosas, Nostocaceaea e Rivulariaceae (WETZEL, 2001). Apresentam-se como o maior e mais diverso grupo dos procariotos, possuindo por volta de 150 gêneros e 2000 espécies. Ecologicamente, existem três grupos principais existentes no ambiente aquático: espécies formadoras de “tapete”, as quais formam biofilmes em rochas, sedimentos, e plantas submersas; espécies formadoras de “blooms”, que criam uma ampla variedade de problemas de qualidade da água e são mais comuns em lagos eutrofizados; e picocianobactérias, que são células extremamente pequenas (< 3μm de diâmetro), sendo freqüentemente abundantes em lagos de águas claras (FUNASA, 2003). Uma característica notável das algas azuis é a habilidade de sobreviver em ambientes extremamente quentes ou frios. Elas estão presentes nas termais, nos riachos de montanhas, lagos ártico e antártico, inclusive na própria neve e no gelo. Além disso, possuem espécies que podem habitar os corpos d’água em diferentes estados de eutrofização (WHO, 1999). Em águas continentais, as cianobactérias são predominantes, alcançando uma ampla quantidade de formas, devido às adaptações morfológicas, bioquímicas e fisiológicas, adquiridas ao longo da sua história evolutiva. A presença de células muito pequenas de cianobactérias (variando de 0,2- 2μm) tem sido reconhecida como uma significante fonte de produção primária em vários ambientes aquáticos (WHO, 1999). É necessária apenas uma pequena quantidade de energia para manter a estrutura e função da célula das cianofíceas. Por esse motivo, elas podem manter uma taxa de crescimento relativa alta quando comparado com outros organismos sob condições de baixa intensidade luminosa. Assim, elas apresentam vantagem, em ambientes turvos, em relação a outros tipos de algas. Entretanto, a 19 taxa de reprodução das cianofíceas é mais baixa do que muitas espécies de algas, de modo que, para que haja um florescimento é necessário um tempo de retenção da água relativamente alto (WHO, 1999). De acordo com Harris e Baxter (1996, apud Tundisi e Tundisi, 2008), em lagos tropicais pode ocorrer um padrão de dominância de diatomáceas em períodos de mistura vertical e instabilidade e dominância de cianobactérias em períodos de estratificação e estabilidade térmica. Por esse motivo, os mesmos autores sugerem que até certo ponto da sucessão fitoplanctônica, pode ser feito o controle de cianobactérias pela regulação do fluxo em reservatórios e a diminuição do tempo de ação. 2.2 CIANOTOXINAS A floração de cianofíceas pode causar gosto e odor desagradáveis, além de alterar o equilíbrio ecológico do sistema aquático. Tundisi e Tundisi (2008) afirmam que um dos problemas causados pelas cianobactérias é a ocorrência de espécies tóxicas, das quais vinte foram registradas no Brasil. De acordo com Sant’Anna e Azevedo (2000, apud Funasa, 2003) a espécie Microcystis aeruginosa apresenta a distribuição mais ampla no Brasil e Anabaena é o gênero que possui o maior número de espécies potencialmente tóxicas (A. circinalis, A. flos-aquae, A. planctonica, A.solitaria e A. spiroides). Constatou-se também o aumento da ocorrência da espécie Cylindropermopsis raciborskii em diferentes regiões brasileiras. A Figura 2 apresenta os gêneros de cianobactérias potencialmente tóxicas frequentemente encontrados em ecossistemas aquáticos continentais de maneira geral. 20 Figura 2- Gêneros de cianobactérias frequentemente encontrados em águas continentais Fonte: FUNASA (2003) As cianotoxinas são compostos produzidos pelas cianobactérias que resultam em efeitos tóxicos tanto para os mamíferos terrestres quanto para a biota aquática. Além disso, podem ser acumuladas na rede trófica, ocasionando diversos sintomas de intoxicação e efeitos crônicos. Silva (2009) afirma que as cianotoxinas estão divididas em: neurotóxicas, hepatotóxicas, dermatotóxicas e aquelas caracterizadas como inibidoras da síntese protéica. As neurotoxinas agem em vertebrados através de diferentes mecanismos fisiológicos e podem matar por parada respiratória, sendo sua ação bastante rápida. De acordo com Oliveira (2003), as neurotoxinas conhecidas são: anatoxina-a, anatoxina-a(s), saxitoxina e neosaxitoxina. As hepatotoxinas têm uma reação mais lenta, podendo causar morte em mamíferos dentro de algumas horas a poucos dias. São as toxinas produzidas por cianobactérias mais comumente relacionadas com envenenamento animal e humano. Dentre as hepatotoxinas destacam-se as microcistinas, nodularinas e cilindrospermopsina (OLIVEIRA, 2003). Entre as dermotoxinas, a 21 aplisiatoxina e a lyngbyatoxina-a são as mais comumente encontradas pela população que frequentemente estão em contato com corpos d’água para recreação. A Portaria 1469/00/MS da Agência Nacional de Vigilância Sanitária afirma que, até o estabelecimento de especificações em normas nacionais ou internacionais que disciplinem a matéria, para análise de cianobactérias e cianotoxinas e comprovação de toxicidade por bioensaios em camundongos devem ser adotadas as metodologias propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em sua publicação Toxic Cyanobacteria in water: a guide to their public health consequences, monitoring and management. Nesse sentido, a OMS estabeleceu níveis de alerta para sistemas de tratamento de águas para abastecimento humano. Os níveis devem ser considerados como um sistema geral, reconhecendo que possa ser apropriado adaptar ações e níveis específicos que se ajustem às condições de diferentes países. Foi proposta a seguinte sequência de níveis de alerta: Nível de Vigilância, Nível de alerta 1 e Nível de alerta 2. É importante destacar que os níveis de alerta foram feitos para o operador do sistema de tratamento de água, porém também se constitui um importante parâmetro para gestores responsáveis pelos mananciais de água bruta (WHO, 1999). Sendo assim, o Nível de Vigilância engloba a possibilidade de estágios iniciais do florescimento de cianobactérias, quando ainda as mesmas se encontram de forma concentrada nas amostras de água. O valor indicativo desse nível é a detecção de uma colônia, ou de cinco filamentos de cianobactéria em 1mL de amostra de água. Sabor e odor podem ser detectáveis, porém a sua ausência não exclui a presença de cianobactérias tóxicas. O Volume de biomassa superior a 2.000 células de cianobactéria/mL caracteriza o Nível de alerta 1, assumindo que as espécies de cianobactérias existentes são potencialmente produtoras de toxinas. A avaliação desse nível de alerta deve ser feita preferencialmente a partir da concentração de cianotoxinas por métodos quantitativos, como a cromatografia líquida de alta pressão. O Nível de alerta 1 requer uma avaliação se a existe a possibilidade da redução das cianobactérias tóxicas no local e se o sistema de tratamento de água são efetivos na remoção de tais toxinas (WHO, 1999). Acima de 100.000 células de cianobactérias/mL e confirmada a presença de cianotoxinas se configura o Nível de alerta 2, podendo haver a presença de escumas em determinados locais. Em tais condições, existe o risco de efeitos adversos à saúde humana se a água para consumo humano não for tratada, ou se o tratamento for ineficaz, mesmo se o prazo de exposição for curto. A aplicação de algicidas pode aumentar o problema, uma vez que podem ser liberadas maiores concentrações de cianotoxinas com a quebra celular (WHO, 1999). No Brasil, a Portaria MS n.º 518/2004 estabelece normas para o monitoramento para os sistemas de abastecimento de água de acordo com o número de cianobactérias. Sendo assim, a portaria exige monitoramento mensal quando o número de cianobactérias não exceder 10.000 22 células/ mL no ponto de captação da água do manancial. Quando esse valor ultrapassar 10.000 células/mL o monitoramento deve ser semanal. Ainda, acima de 20.000 células/mL, é vedado o uso de algicidas, pois pode ocorrer a lise celular de cianobactérias e possível liberação de cianotoxinas. 2.3 FATORES CONTROLADORES E LIMITANTES Diversos são os fatores que controlam e limitam a composição das espécies presentes no fitoplâncton, bem como sua sucessão ao longo do tempo. Dentre os principais fatores podemos considerar a qualidade e quantidade da luz, temperatura, disponibilidade de nutrientes, tempo de retenção da água no ambiente e fatores biológicos. Inicialmente, é importante destacar que um dos principais fatores que interferem na fisiologia, no crescimento e na reprodução dos organismos são a qualidade e a quantidade de luz, as quais variam de acordo com o clima de radiação e das características das massas de água (TUNDISI E TUNDISI, 2008). A limitação da luz é um fator dominante da produtividade na maioria dos reservatórios, assim como em muitos rios e lagos naturais. Na maioria dos casos, essa limitação ocorre devido a partículas de argila inorgânica e à turbidez causada pelos sedimentos suspensos. Em locais onde a limitação da luz é proveniente de altas cargas de matéria orgânica, como ocorre em muitos reservatórios de regiões tropicais e subtropicais, a atenuação da seletividade espectral e total da luz é similar àquela que ocorre em lagos naturais (WETZEL, 2001). Por outro lado, quando ocorrem altas taxas de energia radiante, há uma inibição da fotossíntese no momento em que as taxas máximas do processo enzimático são atingidas. A inativação do mecanismo fotoquímico da fotossíntese se baseia no fato de que, em reservatórios com alta transparência e em dias de alta radiação solar, a taxa máxima de fotossíntese se encontra a uma profundidade correspondente entre 30%-50% da radiação subaquática à superfície (TUNDISI E TUNDISI, 2008) A alta intensidade da luz é prejudicial a muitas espécies e reduz a taxa de fotossíntese. A fotoinibição ocorre quando a quantidade de luz excede a saturação fisiológica resultando em um excesso de fótons que não são dissipados pela fixação do carbono, fluorescência ou reações de esfriamento (Long et al., 1994; Falkowski and Raven, 1997 apud Wetzel, 2001). A diminuição da concentração de pigmentos geralmente ocorre por volta do meio-dia em dias claros. A luz ultravioleta pode inativar o fotossistema II, quebrar o transporte de elétrons e causar danos aos pigmentos e membranas. A maioria das cianobactérias é sensível a períodos prolongados de exposição a altas intensidades de luz. O crescimento da Planktothrix agardhi, por exemplo, é inibido quando ocorre uma exposição prolongada em intensidade de luz superior a 180 μE/m².s. Extensos períodos de 23 exposição a intensidades de 320 μE/m².s se torna letal para muitas espécies. Entretanto, a exposição intermitente a altas intensidades de luz faz com que a taxa máxima de crescimento seja alcançada. Essa intensidade corresponde a menos da metade da intensidade na superfície do corpo d’água, que pode chegar 700-1000 μE/m².s. As cianobactérias que formam “blooms” na superfície possuem alta tolerância a alta intensidade de luz devido a maior concentração dos carotenóides (WHO, 1999). O fitoplâncton pode se recuperar dos efeitos inibidores da intensa radiação se ele for submetido a uma menor intensidade de radiação. Quanto maior for a exposição à luz brilhante maior será o tempo de recuperação. Estudos em um lago no País de Gales, com populações de diatomáceas (Asterionella), mostraram que após duas horas de exposição à luz intensa foram necessárias quatro horas de fraca intensidade de luz para completa recuperação, sendo que após seis horas de exposição a altas intensidades luminosas esse tempo de recuperação subiu para vinte horas (KIRK, 1994). A temperatura é outro fator que possui grande influencia no desenvolvimento do fitoplâncton. Os organismos seguem a Lei Geral Q10, na qual os processos metabólicos dobram a cada aumento de 10º C. Sendo assim, a temperatura limita a taxa de saturação da fotossíntese do fitoplâncton, de modo que em baixas intensidades luminosas a fotossíntese aumenta proporcionalmente a intensidade luminosa, porém atinge um máximo que depende da temperatura (TUNDISI E TUNDISI, 2008). Entre os grupos de algas existe uma grande diversidade de tolerâncias em relação às variações de temperaturas. A temperatura mínima em que pode ocorrer a fotossíntese depende de cada espécie. Para as diatomáceas, por exemplo, a temperatura crítica é de 5ºC, enquanto que para outras espécies esse valor sobe para 15ºC. No caso de algumas algas verdes e cianobactérias são necessárias, na maioria das vezes, temperaturas ainda maiores para que ocorra o início da fotossíntese. Muitas espécies de cianobactérias têm uma temperatura ótima mais alta que algas eucarióticas, sendo que as algas termofílicas são quase que exclusivamente cianobactérias, com temperaturas ótimas acima de 45°C (WETZEL, 2001). Além da radiação e da temperatura, existem outros fatores que também influenciam na organização, distribuição espacial e sucessão das comunidades fitoplanctônicas. Sabe-se que ao contrário das águas marinhas, as águas continentais apresentam alta diversidade na composição química. Entre os principais nutrientes necessários para a sustentabilidade e reprodução das populações fitoplanctônicas estão o carbono, o fósforo e o nitrogênio. Quando a comunidade fitoplanctônica fica exaurida de algum nutriente essencial, a biomassa fotossintética pára de crescer. Em contrapartida, quando a concentração de nutrientes aumenta, devido ao escoamento superficial em locais onde há agricultura ou despejo de efluentes, a 24 população do fitoplâncton começa a crescer e, portanto, aumenta-se o total de fotossíntese (KIRK, 1994). O nitrogênio é utilizado para a síntese de aminoácidos e proteínas, sendo que suas principais fontes são nitrato, nitrito e amônia. Algumas espécies de cianobactérias com heterocistos podem fixar nitrogênio atmosférico disponível como Anabaena, Anabaenopsis, Cylindropermopsis e Gloetrichia, em águas interiores, e Trichodesmium em águas marinhas (TUNDISI E TUNDISI, 2008). Essa habilidade de fixar nitrogênio molecular, em meios deficientes de nitrato e amônia, é considerada um aspecto favorável para a dominância de formas fixadoras. O fósforo regula as sínteses moleculares e o transporte de íons, estando disponível sob a forma de ortofosfatos. Esse nutriente apresenta a maior contribuição para a eutrofização do corpo d’água, uma vez que a concentração de 0,1 mg/L já é suficiente para induzir o florescimento de algas. Além disso, as cianobactérias podem armazenar uma grande quantidade de fósforo dentro da célula, para utilizar em períodos de escassez (WHO, 1999). Como o florescimento das algas azuis ocorre geralmente em ambientes eutrofizados, foi assumido originalmente que elas necessitavam de altas concentrações de fósforo e nitrogênio. Porém, constatou-se por meio de dados experimentais que a afinidade das algas azuis com o nitrogênio ou o fósforo é maior do que a afinidade desses nutrientes com outros organismos fotossintéticos. Como resultado, verificou-se que as cianobactérias podem competir com outros grupos fitoplanctônicos mesmo sob condições de limitação da concentração de nitrogênio e fósforo (WHO, 1999). Um importante fator limitante para a fotossíntese é a concentração de dióxido de carbono. Mesmo em baixas quantidades de intensidade de luz, o aumento da concentração de dióxido de carbono leva a um aumento na taxa fotossintética. Oceanos e a maioria das águas interiores contêm muito mais carbono inorgânico na forma de íon bicarbonato do que na forma de dióxido de carbono. Entretanto, a maioria das espécies é capaz de utilizar o íon carbonato como substrato para a fotossíntese. Para valores de pH superiores a 9, essa habilidade se torna ineficaz para a maioria das macrófitas de águas continentais, uma vez que torna-se mais difícil extrair o carbono do íon carbonato , reduzindo fortemente a taxa de fotossíntese. Já alguns tipos de cianobactérias Anabaena, Microcistis e Spirulina conseguem manter alta taxa de fotossíntese mesmo em locais com altos valores de pH e pequenas concentrações de dióxido de carbono. Esse pode ser um dos principais motivos que contribuem para a dominância de cianofíceas em lagos eutróficos no final do verão (KIRK, 1994). Outro fator que interfere no crescimento e produtividade do fitoplâncton é o parasitismo causado por vírus e fungos. As doenças causadas por vírus podem forçar a quebra de diferentes 25 tipos de algas e cianobactérias. Como muitas espécies de vírus e fungos exibem especificidade de hospedeiros, a infecção de alguma espécie presente no fitoplâncton pode favorecer o desenvolvimento sucessional de espécies competidoras (WETZEL, 2001). 2.4 SENSORIAMENTO REMOTO DA ÁGUA A cor de um corpo d’água natural é governada pela dependência espectral da absorção e espalhamento da radiação pela própria água e de seus componentes opticamente ativos (COAs) orgânicos e inorgânicos existentes no instante em que a observação remota é realizada. Os COAs considerados são geralmente o fitoplâncton, os sedimentos suspensos, e a matéria orgânica dissolvida. As concentrações desses COAs são tomadas por sensoriamento remoto para definir a qualidade da água (BUKATA, 2005). Águas naturais, tanto salinas quanto doces, variam de acordo com os materiais particulados e dissolvidos. Esses solutos e partículas são opticamente significantes e altamente variáveis em tipos e concentrações. Consequentemente, as propriedades ópticas das águas naturais mostram grandes variações espaciais e temporais e, raramente são parecidas com aquelas presentes em águas puras (MOBLEY, 1995). A corrente classificação bipartite dos tipos de água foi criada por Morel e Prieur (1977), sendo aperfeiçoada mais tarde por outros autores. Esta classificação divide as águas em dois tipos, de acordo com a relação entre a concentração de pigmentos e o coeficiente de espalhamento. As águas do caso 1 (águas oceânicas) são aquelas cujas propriedades ópticas são determinadas pela água molecular, juntamente com o fitoplâncton e sua matéria detrítica. Já as águas do tipo 2 (águas continentais) são aquelas cujas propriedades ópticas são determinadas pelas partículas suspensas inorgânicas, matéria orgânica dissolvida, e possivelmente matéria orgânica suspensa de origem terrestre, em adição à água molecular, fitoplâncton e detritos (BUKATA, 2005). Ao se conduzir uma investigação em sensoriamento remoto de corpos d’água, é primeiramente útil entender como a água pura absorve ou espalha seletivamente a radiação incidente. Em seguida, é importante considerar como a radiação é afetada quando a coluna d’água não é pura, contendo materiais orgânicos e inorgânicos (JENSEN, 2009). Água A estrutura das propriedades ópticas da água é convenientemente dividida em duas classes exclusivas: inerentes e aparentes. As propriedades ópticas inerentes (POI’s) são aquelas propriedades que dependem somente do meio e, portanto, são independentes do campo de luz 26 ambiente dentro do meio. As duas POI’s fundamentais são coeficiente de absorção e a função de espalhamento volumétrico. Outras POI’s incluem o índice de refração, o coeficiente de atenuação do raio incidente e o espalhamento do albedo. As propriedades ópticas aparentes (POA’s) são aquelas que dependem tanto do meio quanto da geometria do campo de luz ambiente, e apresentam características regulares e estáveis que podem ser descritores úteis do corpo d’água. As POA’s comumente usadas são a irradiância e a reflectância, o cosseno médio, e vários coeficientes de atenuação difusos (MOBLEY, 1995). A Figura 3 mostra o gráfico da absorção e espalhamento da luz em água pura, provenientes de diferentes fontes compiladas por Bukata et al. (1995). O pico de absorção molecular da água predomina no ultravioleta e na faixa do amarelo até a região do infravermelho próximo do espectro. Já o espalhamento é especialmente importante nas porções do violeta, azul escuro e azul claro, sendo esta a razão pela qual a água pura é azul aos nossos olhos. Figura 3-Absorção e espalhamento da luz em água pura Fonte: Bukata et al. (1995) Fitoplâncton As células e colônias presentes no fitoplâncton espalham e absorvem a luz, podendo ter uma significante contribuição no comportamento do espalhamento total do meio aquático, mas em uma proporção que varia de acordo com cada espécie (KIRK, 1994). 27 Uma molécula, após ser atingida por uma onda de luz, reflete parte da energia ou pode absorvê-la, ficando em um estado de maior energia. No processo da fotossíntese os pigmentos fotossintetizantes aproveitam principalmente a radiação da faixa do azul (400 a 500 nm) e do vermelho (600 a 700 nm), apresentando maior absorção nessas faixas do que na região espectral do verde (500 a 600 nm). A absorção da luz pelos pigmentos fotossintéticos - clorofilas, carotenóides e ficobiliproteínas - do fitoplâncton contribui para a atenuação da energia eletromagnética com a profundidade. A quantidade de luz absorvida pelo fitoplâncton depende não somente da quantidade dos pigmentos fotossintéticos presentes, mas também do tipo e forma das células algais ou colônias nos quais os pigmentos estão localizados (KIRK, 1994). As clorofilas são pigmentos que dão a cor característica das plantas: o verde. São responsáveis pela captação da luz, sendo que nas algas verdes e em plantas superiores estão inseridas no cloroplasto. A Figura 4 mostra os espectros de absorbância das clorofilas a, b e c. Percebe-se que os picos de absorção das clorofilas a e b são mais distintos entre si do que os picos de absorção das clorofilas c1 e c2. Figura 4-Espectros de absorbância das clorofilas a, b e c. A clorofila-a é geralmente considerada um substituto quantificável para o fitoplâncton, uma vez que ela está presente em todos os grupos algais. Ela tem como função ser o centro de reação fotossintética e possui dois picos de absorção: um no azul (em 433 nm, chamado "Soret") e outro no vermelho (em 686 nm, chamado pico "alpha"). A clorofila-a, ao ser introduzida na água pura, provoca alterações nas suas características de reflectância espectral, ou seja, em sua cor (Figura 5). Quatro feições de espalhamento e absorção por clorofila são evidentes em águas onde este pigmento é abundante (JENSEN, 2009): 28 Forte absorção da luz pela clorofila-a entre 400 e 500 nm; Forte absorção da luz vermelha pela clorofila-a em aproximadamente 675 nm; Máximo de reflectância em torno de 550 nm (pico do verde); Um pico de reflectância em torno de 690-700 nm, causado pelo espalhamento celular de algas e de um efeito combinado mínimo de absorção por pigmento de água. Figura 5- Comportamento espectral da água pura (clara) e da água contendo algas Fonte: Jensen (2009) A estimativa da concentração de clorofila é de fundamental importância para a geração de produtos de qualidade da água utilizando sensoriamento remoto. Porém, apesar da clorofila-a apresentar a característica da fluorescência, a avaliação da distribuição das cianobactérias não pode ser avaliada usando a fluorescência in vivo da clorofila-a. Isso ocorre devido ao fato de que a maioria deste pigmento em cianobactérias está localizada no fotossistema I, que não possui a característica da fluorescência. A utilização de diferentes técnicas de sensoriamento remoto para detecção de cianobactérias é possível pelo fato deste grupo possuir algumas diferenças nos tipos e quantidade de pigmentos, em comparação com os organismos eucarióticos. A presença das ficobiliproteínas nas cianobactérias proporciona um comportamento espectral distinto dos demais grupos algais. A Figura 6 demonstra o padrão de absorção da radiação das ficobiliproteínas. 29 Figura 6- Padrão de absorção do espectro das ficobilinas Fonte: adaptado de Kirk (1993, apud Londe, 2008) Por se localizar no fotossistema II a ficocianina exibe pico de fluorescência em 650 nm e de absorção em 620 nm. Por esse motivo, o comportamento espectral das cianobactérias se torna distinto dos demais grupos, criando, portanto, uma característica espectral para diagnóstico. Tem sido crescente o número de pesquisas para detecção de cianobactérias através do comportamento espectral do pigmento ficocianina, o qual apresenta o pico de absorção da energia eletromagnética entre os carotenóides e a clorofila-a (MISHRA et al. 2009). A Figura 7 apresenta o comportamento espectral da água contendo apenas clorofila-a e outra com clorofila-a e ficocianina. Nota-se a diferença na curva espectral na região entre 620 e 650 nm devido à absorção e espalhamento por fluorescência do pigmento ficocianina. Figura 7- Comportamento espectral da água contendo apenas cl a (verde) e outra com cl a e ficocianina Fonte: Vincent et al. ( 2004) 30 Sólidos inorgânicos em suspensão Os sólidos inorgânicos em suspensão (SIS) possuem reflectância na região do visível e do infravermelho próximo, conferindo um sinal que muitas vezes predomina em relação a outros componentes opticamente ativos. Os SIS desenvolvem um papel importante para toda a cadeia trófica, pois carreia grande quantidade de material orgânico adsorvido em suas partículas como fonte de energia e nutrientes para todo o sistema aquático. Os minerais suspensos são considerados como parâmetro de quantificação dos sedimentos suspensos. Os minerais ricos em silício, alumínio e óxidos de ferro são encontrados em suspensão em muitos corpos d’água naturais. As partículas variam desde a argila fina (3-4 μm em diâmetro) a silte (5-40 μm), areia fina (41-130 μm) e areia grosseira (131-250 μm). Tais sedimentos são provenientes de várias fontes, como a erosão em áreas agrícolas, o intemperismo de terrenos montanhosos, a erosão costeira causada por ondas naturais e tráfico de barcos. Os oceanos claros e profundos, distantes da costa, contêm sedimento em suspensão com pequeno diâmetro, de modo que a concentração de sedimentos nesses ambientes não é significativa. Já os corpos d’água interiores e costeiros podem transportar uma carga importante de sedimentos em suspensão que pode afetar dramaticamente as características de sua reflectância espectral (JENSEN, 2009). A porcentagem de energia refletida na região entre 570 e 700 nm aumenta com o acréscimo da concentração de SIS no corpo d’água e também apresenta uma elevação na curva espectral em 800 nm, devido ao espalhamento. Outra característica interessante é o deslocamento do máximo de energia refletida para comprimentos de onda mais longos com o aumento da concentração dos SIS (Figura 8). Figura 8-Reflectância espectral da água com diferentes concentrações de argila (a) e silte (b) Fonte: Jensen (2009) 31 Matéria orgânica A matéria orgânica dissolvida também é chamada de substância amarela, substâncias húmicas e gilvin. Ela provém do processo de decomposição e ciclo de nutrientes de material alóctone, podendo ser quantificada pela presença de Carbono Orgânico Dissolvido (LOBO, 2009). Essa denominação refere-se ao fato de que esses compostos removem o componente azul eficientemente nos primeiros centímetros da coluna d’água, fazendo que o corpo d’água tenha uma coloração amarelada. Os compostos que formam as substâncias húmicas variam em tamanho em uma faixa que se estende desde moléculas solúveis a agregados macromoleculares insolúveis (KIRK, 1994). O espectro de absorção típico da matéria orgânica dissolvida em águas continentais é representado por uma absorção da radiação muito baixa na região do vermelho, aumentando a medida que se caminha para menores comprimentos de onda, de modo que na região do ultravioleta ainda é alta (Figura 9). Figura 9-Curva de absorção de matéria orgânica obtidas em diferentes ambientes Fonte: Kirk (1995). A presença da matéria orgânica dissolvida em águas continentais é geralmente de fácil reconhecimento visual. Em águas marinhas, onde a concentração é muito menor, essa característica não é tão evidente, porém ainda é bastante importante para esses ecossistemas. Um parâmetro conveniente para indicar a concentração das substâncias amarelas na água é o coeficiente de absorção em 440 nm. Essa região corresponde ao ponto médio da região do azul em que a maioria das classes de algas tem em seu espectro de ação fotossintética (KIRK, 1994). 32 2.5 INFLUÊNCIA DA VEGETAÇÃO AQUÁTICA SUBMERSA NO DESENVOLVIMENTO FITOPLANCTÔNICO A vegetação aquática submersa representa um componente muito importante nas zonas costeiras, estuarinos e águas continentais. Elas fornecem abrigo e comida para os peixes e invertebrados, além de fornecerem oxigênio. Durante o seu crescimento, as macrófitas retêm nitrogênio e fósforo, removendo o excesso de nutrientes, de modo a dificultar o florescimento do fitoplâncton (HAN e RUNDQUIST, 2003). Devido ao impacto de atividades humanas nas margens dos reservatórios e lagoas, a qualidade da água pode sofrer alterações e, em consequência disso, alterar as características do sistema aquático. Dentre os impactos destacam-se as alterações no nível de flutuação da água e a eutrofização, os quais podem induzir a mudança de estado oligotrófico para um estado eutrofizado. O estado trófico de lagos rasos está associado com a transparência da água ou turbidez, e consequentemente, com os níveis de interações no sistema. O estado de água túrbida é decorrente da proliferação de algas fitoplanctônicas e cria condições desfavoráveis para o desenvolvimento de macrófitas (VAN DEN BERG et al., 1998 apud FERREIRA et al., 2008). Já o estado claro de transparência da água permite o desenvolvimento e sucessão da vegetação submersa e favorece condições meso a oligotróficas, prevenindo a dominância de cianobactérias, e portanto promovendo a valoração do ambiente para fins paisagísticos e recreacionais (VAN NES et al, 2002 apud FERREIRA et al, 2008). Após sua decomposição, os restos dos tecidos lignificados das plantas aquáticas contribuem para a cadeia de detritos, disponibilizando carbono na forma particulada, o qual posteriormente se tornará disponível para os níveis primários e superiores após o processo mais lento de degradação do carbono detrital e mineralização (FERREIRA et al, 2008). Os processos que podem governar lagos em diferentes estados de eutrofização operam em uma variedade de escalas temporais e frequências. A mudança entre dois estados pode ser tamponada por fatores que previnem tal condição mesmo quando sejam favoráveis. A resistência dos mecanismos de amortecimento depende de fatores como a liberação de nutrientes do sedimento, magnitude e duração de entrada de cargas externas de nutrientes, taxa de escoamento hidráulico, tempo de residência, rede trófica e sua ligação com a ciclagem interna de nutrientes (SCHEFFER et al., 1994; JEPPENSEN et al., 1997 apud FERREIRA et al, 2008). A Figura 10 apresenta um modelo conceitual das condições de estado claro e túrbido e a relação com a presença de macrófitas. O modelo assume que acima de um nível de turbidez, as macrófitas se tornariam ausentes no sistema. As linhas sólidas representam estados estáveis alternativos. As flechas indicam o ponto de equilíbrio para cada estado após uma perturbação no sistema. A linha pontilhada representa a turbidez crítica que separa os dois estados alternativos. 33 Figura 10-Modelo conceitual da presença de macrófitas em diferentes estados tróficos Fonte: Scheffer et al. (1993 apud FERREIRA et al., 2008). Com o intuito de verificar a diferença da resposta espectral das macrófitas Han e Rundquist (2003) realizaram um experimento para verificar as mudanças nas feições das curvas espectrais de um ambiente apenas com macrófitas e outro com macrófitas e fitoplâncton. A partir da Figura 11(a) nota-se que acima de 700 nm o valor da reflectância se eleva, apresentando características típicas dos vegetais. Porém ocorre uma divisão do Plateau em dois picos (720-815 nm) devido à absorção da água. Além disso, conforme é aumentada a profundidade da planta aquática menores são os valores de reflectância. Observa-se na Figura 11 (b) que ocorre um padrão de resposta similar após os comprimentos de onda superiores a 700 nm. Entretanto, a região do pico do verde (550 nm) apresenta aumento de reflectância conforme aumenta-se a profundidade das macrófitas. Isso se deve ao fato do aumento da reflectância causada pela presença de algas ao contrário da diminuição da reflectância das plantas aquáticas conforme o aumenta-se a profundidade. 34 Figura 11-Reflectância da planta aquática Ceratophyllum demersum em diferentes profundidades: (a) na água pura; (b) na água com presença do fitoplâncton 2.6 FLUOROMETRIA Quando uma molécula absorve a radiação eletromagnética, a forma como ela retorna ao estado fundamental é regida pela sua estrutura e pelas propriedades físico-químicas do seu ambiente local. No retorno ao estado fundamental podem acontecer três processos: perda de calor; transferência de energia a uma molécula adjacente; ou emisssão de um fóton. Se esta emissão é de um estado singleto o processo é chamado de fluorescência, e o grupo molecular que emite a radiação é chamado de fluoróforo (NAKAEMA E SANCHES, 1999). Embora os fluoróforos possam ser excitados em diferentes estados singletos de nível de energia ( , , etc), uma rápida termalização ocorre invariavelmente, de modo que a emissão por fluorescência ocorre geralmente do estado vibracional mais baixo do primeiro estado eletrônico excitado (JAMESON et al., 2003). A Figura 12 mostra o diagrama de Perrin-Jablónski, no qual é o estado fundamental e e são estados eletrônicos excitados. 35 Figura 12- Diagrama de Perrin-Jablónski Fonte: Jameson (2003) O comprimento de onda ótimo para que haja absorção de luz pela molécula e os comprimentos de onda das emissões posteriores, são determinados basicamente pela estrutura da molécula; apesar de que parâmetros externos, como por exemplo, temperatura, pressão e concentração contribuam na intensidade da fluorescência. A singularidade do espectro de fluorescência para uma dada estrutura molecular torna possível a identificação de uma substância, assim como a intensidade da radiação pode ser utilizada para quantificar sua concentração (GROSS, 1972). A energia de excitação, no sistema fotossintético ou em uma molécula, pode ser perdida pela re-emissão da radiação. Em células algais fotossintetizadoras, apenas uma pequena proporção (1%) da luz absorvida é perdida desta forma. A maioria da energia absorvida se for capturada inicialmente pela clorofila, carotenóide ou ficobiliproteína, é transferida por ressonância indutiva para os centros de reação para acarretar mudanças bioquímicas (KIRK, 1994). Apesar dessa baixa proporção em relação ao total de luz absorvida, o monitoramento por fluorescência dos pigmentos contidos em organismos fotossintetizantes tem se mostrado uma técnica particularmente interessante, pois, a fluorescência é percebida externamente ao organismo de forma não destrutiva, permitindo uma melhor estimativa da concentração dos pigmentos. O poder de detecção da fluorescência é três vezes superior que ao de espectrometria de absorção, permitindo ser utilizada quando as concentrações são baixas ou a sua amplitude de variação é reduzida. Ademais, o método realizado em campo possibilita coletar um grande número de elementos amostrais, bem como a obtenção de dados em fluxo contínuo (TURNER DESIGNS, 2004). 36 A identificação de pigmentos fotossintetizantes por fluorescência se baseia na existência de aparatos fotossintéticos no fitoplâncton, que contém proteínas diretamente associadas à captura de fótons (pigmentos-antena), e dispõem de anéis de carbono que apresentam fluorescência. Essas proteínas podem ser encontradas em elementos presentes em corpos d’água, tais como a clorofila-a e a ficocianina, que é um elemento dominante em cianobactérias (RAVEN et al., 1978 apud BARBOSA, 2003). A clorofila-a, naturalmente, absorve a luz azul e emite a luz vermelha. Assim, ela pode ser detectada pela fluorescência pela transmissão de um feixe de excitação de luz em 440 nm (azul) e pela detecção de luz emitida pela amostra em 680 nm (vermelho). Geralmente, a emissão de luz é diretamente proporcional a concentração do material em questão (TURNER DESIGNS, 2004). A fluorescência dos pigmentos contidos nas cianobactérias é a única técnica disponível sensível o bastante para detectar cianobactérias em níveis naturais sem a necessidade de realização dos procedimentos de concentração e extração. Por esse motivo, esta técnica vem sendo usada por pesquisadores e gestores de mananciais de água para melhorar os sistemas de monitoramento da qualidade da água (TURNER DESIGNS, 2004). Isto é possível devido à fluorescência do pigmento ficocianina, cuja absorção se dá na região de 620 nm e emissão por fluorescência na região de 650 nm. 2.7 DETECÇÃO DE FICOCIANINA POR SENSORIAMENTO REMOTO A seguir apresenta-se o estado da arte relacionado com a detecção de ficocianina a partir de Sensoriamento Remoto, destacando a utilização de imagens tomadas por sensores aéreos e orbitais, dados obtidos por espectrorradiômetros e medidas fluorimétricas de campo. 2.7.1 SENSORES ORBITAIS E AÉREOS Os sensores podem ter a capacidade de obter uma informação específica sobre um determinado objeto ou sobre a extensão de um fenômeno geográfico. A energia eletromagnética emitida ou refletida por um objeto ou área é usada como um substituto da propriedade real. Para isso, é necessário o uso de técnicas visuais e de processamento digital de imagens. As medidas radiométricas permitem caracterizar o comportamento espectral dos componentes da superfície terrestre, e a partir daí, inferir suas propriedades. Estes estudos começaram a ser realizados há quase meio século, principalmente em estudos de rochas e vegetação. A partir das diferentes substâncias opticamente ativas presentes na água pôde-se obter 37 padrões de absorção e retroespalhamento da absorção da energia, criando assinaturas espectrais para cada tipo de água. Estudos que visam correlacionar a resposta espectral com a ocorrência de componentes opticamente ativos, os quais indicam a qualidade da água em reservatórios, têm sido relatados desde que imagens orbitais do sensor MSS do satélite Landsat tornaram-se disponíveis. A aquisição de informações com aplicações em recursos naturais pode ser feita por meio de sensores instalados em plataformas orbitais, como é o caso dos sistemas Landsat, CBERS e Ikonos (LIMA, 2006). Uma das dificuldades em se utilizar o sensoriamento remoto nos estudos de sistemas aquáticos é a falta de informações sobre os componentes opticamente ativos da água em condições controladas de iluminação e medição. Além disso, é necessário relacionar as respostas espectrais com a composição e concentração dos pigmentos com os diversos grupos taxonômicos. Kutser et al. (2006), em trabalhos anteriores, demonstrou a viabilidade do mapeamento quantitativo de cianobactérias com o sensor hiperespectral Hyperion, em condições de florescimento de algas. Entretanto, a resolução espacial e temporal deste sensor não permite o monitoramento regular do florescimento de cianobactérias em reservatórios. Ao analisar sensores multiespectrais, os autores não conseguiram separar águas dominadas por cianobactérias daquelas dominadas por outras espécies de algas utilizando imagens do ALI (Advanced Land Imager), Landsat ou MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer). Todavia, quando foram utilizadas as bandas 6 e 7 do sensor MERIS (Medium Resolution Imaging Spectrometer), pôde-se detectar a presença de florescimento de cianobactérias, porém apenas quando a concentração de clorofila-a já estava relativamente alta 10-30 mg/m³. Este resultado mostrou que o sensor MERIS não pode ser utilizado como sistema de alerta de florescimento de algas, uma vez que a concentração de clorofila-a de 4 mg/m³ já é considerada como florescimento no Oceano Báltico. Vincent et al. (2004), em seus estudos, concluíram que a ficocianina pode ser detectada por meio de imagens do sensor TM Lansdsat, de modo a verificar a qualidade da água. Entretanto, os resultados obtidos pelos autores podem ser explicados apenas quando há correlação da ficocianina com alguma outra característica óptica que possui, por sua vez, correlação com os dados Landsat, como por exemplo a turbidez. Simis et al. (2005) utilizaram imagens do sensor MERIS para monitorar populações de cianobactérias no Lago Loodsdrescht e Lago Ijesselmer, localizados na Holanda. Os valores estimados mais correlacionados com os dados do MERIS ocorreram quando houve alta abundância relativa de cianobactérias na comunidade fitoplanctônica. O erro na estimativa de ficocianina foi de 19.7% para concentrações acima de 80 μg/L. Os autores perceberam que a influência de outros pigmentos que absorvem a radiação em 620 nm e o efeito da composição do fitoplâncton nos parâmetros do modelo, merecem estudos mais aprofundados. 38 Os sistemas aéreos vêm sendo usados como alternativa para o sensoriamento do fitoplâncton e de outros parâmetros de qualidade da água, apresentando vantagens e desvantagens. Dentre as vantagens tem-se a maior resolução espacial e espectral em relação aos sensores instalados em plataformas orbitais, além do fato de se poder programar os canais necessários para o estudo. Entre as desvantagens tem-se uma resolução espectral mais baixa do que espectrorradiômetros de campo, a necessidade de calibração atmosférica e o alto custo envolvido na tomada dos dados. Dentre as plataformas aéreas mais usadas para esta finalidade têm-se CAMS (Calibrated Airborne Multispectral Scanner), PMI (Programmable Multispectral Imager), CAESAR (CCD Airborne Experimental Scanner for Applications in Remote Sensing), CASI (Compact Airborne Spectrographic Imager) e AISA (Airborne Imaging Spectrometer For Applications) (SENGPIEL, 2007). Sengpiel (2007) estimou a concentração de fitoplâncton (clorofila-a e ficocianina) utilizando o sensor hiperespectral aéreo AISA nos reservatórios Morse, Geist e Eagle Creek em Idiana, Estados Unidos. Para calibrar o sensor foram utilizadas medidas espectrorradiométricas de campo, bem como amostras de água analisadas em laboratório. Os resultados da autora mostraram que a reflectância espectral do sensor aéreo foi estatisticamente significante na predição dos pigmentos clorofila-a e ficocianina nos três reservatórios. 2.7.2 ESPECTRORRADIÔMETROS DE CAMPO Medidas com espectrorradiômetros de campo são comumente usadas em projetos de sensoriamento remoto porque são comparativamente menos onerosas, o equipamento é de fácil transporte e apresentam alta resolução espectral, sendo adequadas para a maioria das variáveis de qualidade da água que apresentam características ópticas (SENGPIEL, 2007). Medidas espectrorradiométricas realizadas in situ são importantes para o desenvolvimento de algoritmos de extração de dados de sensoriamento remoto, de modo que seja possível a ligação entre esses dados e os dados tomados por sensoriamento remoto orbital ou aerotransportado. As medidas realizadas in situ eliminam alguns efeitos indesejáveis como a influência atmosférica e o efeito de escala (BARBOSA, 2005). Os primeiros esforços para quantificar a ficocianina por meio de espectros de reflectância foram a linha de base semi-empírica (Dekker, 1993) e os algoritmos de razão de bandas (Schalles & Yacobi, 2000), focando na característica de absorção causada pela presença da ficocianina e da clorofila-a na região de 620-625 nm. Entretanto, os maiores problemas encontrados nesses algoritmos empíricos é que eles não consideram as variações de clorofila-a no ambiente nem a razão entre a ficocianina e a clorofila-a. 39 O sensor MERIS foi o primeiro a tornar possível a combinação de muitas bandas estreitas para detectar a presença de clorofila-a e pigmentos acessórios na região espectral do vermelho. Simis et al. (2005) basearam-se nas bandas desse sensor para criar o Algoritmo Semi-empírico de Razão de Bandas Aninhadas para quantificar a concentração de ficocianina. Os autores consideraram a razão de bandas na região de 709 e 620 nm para fazer a correção da absorção da clorofila-a e evitar a superestimação da ficocianina. Eles concluíram que os maiores erros do modelo foram apresentados com o decréscimo da razão entre a ficocianina e a clorofila-a, provando a evidência do efeito da absorção deste pigmento na região de 620 nm. Randolph et al. (2008) avaliaram a espectroscopia de campo como método de avaliação de florescimentos de cianobactérias em dois lagos em Indianópolis, Estados Unidos. Os autores utilizaram o espectrorradiômetro ASD Fieldspec para estimar a concentração de ficocianina e clorofila-a por meio de algoritmos semi-empíricos (SIMIS et al., 2005). Para estimação da ficocianina, os autores utilizaram a região de absorção do espectro de 620 nm, obtendo uma correlação de 0,85. Os maiores erros foram obtidos quando a concentração de ficocianina estava abaixo de 10 μg/L e também onde a abundância de ficocianina era baixa em relação à clorofila-a. Os autores observaram uma forte correlação entre as concentrações de ficocianina e o biovolume de cianobactérias (r = 0,89), enquanto que a correlação entre clorofila-a e cianobatérias foi fraca (r = 0,66). Ruiz-Verdú et al. (2008) avaliaram a eficácia de três algoritmos (Linha de base, Razão de Reflectância Única e Algoritmo Semi-empírico de Razão de Bandas Aninhadas) publicados para detectar ficocianina em águas continentais, usando dados radiométricos de campo obtidos na Holanda e Espanha no período de 2001 a 2005. Todos os algoritmos tiveram melhores performances em concentrações moderadas e altas de ficocianina (50-200 μg/L), de modo que valores abaixo de 50 μg/L apresentaram os maiores erros. O Algoritmo Semi-empírico de Razão de Bandas Aninhadas obteve os melhores resultados entre os valores reais medidos em campo e os estimados. Isto pode ser explicado pela correção da absorção da clorofila-a na região de 620 nm. Já Algoritmo de Razão de Reflectância Única foi insensível a mudanças na amplitude da reflectância espectral. 2.7.3 FLUORÔMETROS DE CAMPO A avaliação da concentração da ficocianina é um procedimento trabalhoso e, em vista disso, vários métodos foram propostos para extrair esse pigmento de dentro das células como ciclos de congelamento-descongelamento; choque osmótico; moagem; disruptura enzimática e sonicação. 40 Infelizmente, estudos comparativos dos efeitos de tais métodos na estabilidade da estrutura da ficobiliproteína e suas propriedades de absorção ainda são carentes. Os diferentes métodos apresentaram problemas de seletividade no tipo e robustez do material da célula (SIMIS et al., 2005). Nesse sentido, medições a partir da fluorescência vêm sendo usadas para o monitoramento da ficocianina, revelando-se uma forma não evasiva e não destrutiva de amostragem. A fluorescência espectral é baseada na excitação seletiva dos diferentes pigmentos entre os grupos taxonômicos das algas (RICHARDSON et al., 2010). A fluorimetria é um método de análise usado na determinação quantitativa e qualitativa de substâncias que são capazes de emitir fluorescência. O método de análise por fluorescência in vivo é uma técnica simples que vem sendo usada por oceanógrafos e limnologistas há mais de trinta anos. Mais recentemente, esta técnica foi aprimorada para detecção de cianobactérias, por meio de seu pigmento característico, a ficocianina. Entre outros benefícios estão a rapidez e facilidade de coletar grandes quantidades de dados, além de reduzir o erro por não degradar as amostras. Simis et al. (2007) compararam a abordagem fluorimétrica com dois métodos de extração de ficocianina. O primeiro método de extração da ficocianina foi baseado em ciclos de congelamento- descongelamento; o segundo método de extração foi a moagem mecânica em amostras concentradas em filtros de fibra de vidro e ressuspenso em glicerol. Após os dois métodos de extração a concentração de ficocianina foi computada por meio do espectro de absorção dos sobrenadantes das amostras centrifugadas. A quantificação da ficocianina por fluorescência foi tomada in situ utilizando o fluorômetro de campo Mini-tracka II calibrado de fábrica em intervalo 0,03-100 mg/m3 (Chealsea Instruments Ltd., Reino Unido). Os três métodos de quantificação de ficocianina apresentaram valores similares para medidas simultâneas, entretanto, os autores sugerem que se deve ter um cuidado minucioso para aquisição de medidas reais. Os mesmos autores sugerem que medidas in vivo da fluorescência da ficocianina sejam mais promissoras devido ao fato de não haver necessidade de preservar a amostra nem extrair o pigmento. Seppala et al. (2007) utilizaram a fluorescência do pigmento ficocianina para realizar a detecção de cianobactérias. Para isso, foi utilizado um fluorômetro de campo Turner 10-AU instalado em um navio de carga com rota entre a Finlândia e a Alemanha. Além da ficocianina, foi mensurada a quantidade de clorofila-a e a turbidez, para avaliar a correlação entre as variáveis. Notou-se que a variabilidade da concentração da clorofila-a foi mais bem explicada pela fluorescência da ficocianina do que pela fluorescência da clorofila-a, indicando a dominância da cianobactérias na área de estudo. Izydorczyk et al. (2005) utilizaram o fluorômetro Turner 10-AU-005 para fazer o monitoramento de cianobactérias por meio do pigmento ficocianina. O nível mínimo de detecção foi em torno de 15 mg de biomassa/L, indicando que o método poderia ser um eficiente mecanismo 41 para um sistema de alerta. Para encontrar a biomassa foi feita análise volumétrica das células usando a aproximação geométrica. O valor máximo de biomassa de cianobactérias encontrado foi de 50 mg/L. O estudo demonstrou boa correlação entre a fluorescência da ficocianina e a biomassa de cianobactérias (r=0,65), quando a biomassa de cinobactérias estava abaixo de 15 mg/L e o fitoplâncton estava dominado pela Microcystis aeruoginosa. Notou-se que os valores de fluorescência alteraram rapidamente quando o vento estava forte, demonstrando a importância dessa variável na localização dos florescimentos de cianobactérias. Os valores dispersos encontrados na correlação entre as variáveis podem ter sido provocados por mudanças na concentração de nitrogênio ou quantidade de luz atingindo o corpo d’água. Isto acontece porque a falta de nitrogênio induz a degradação da ficocianina, assim como a baixa intensidade de luz estimula a produção deste pigmento. Os autores não conseguiram encontrar boa correlação entre a fluorescência da ficocianina e o total de concentração de microcistina. Alguns autores já demonstraram que a concentração desta toxina por célula de cianobactéria não é constante, pois depende de parâmetros como temperatura e disponibilidade de nutrientes. Existem poucos estudos comparando a fluorescência da ficocianina com outros parâmetros de biomassa de cianobactérias em florescimentos naturais. Gregor et al. (2007) utilizaram o fluorômetro Bio-Tek FLX 800 para detectar a presença de cianobactérias potencialmente tóxicas em um reservatório na República Tcheca. O fitoplâncton foi quantificado, por meio de contagem de células, em três profundidades diferentes: 10, 30 e 50 m. Os autores encontraram maior correlação da fluorescência com a contagem de células na profundidade de 10 m (r =0,96). Para as demais profundidades essa correlação caiu para r =0,88. Isso ocorreu pelo fato de que em profundidades maiores o número de células foi significativamente menor, aumentando a chance de erro no método de contagem. Entretanto, os resultados encontrados pelo autor dão suporte para a aplicabilidade da fluorescência da ficocianina na detecção e quantificação de cianobactérias. Bastien et al (2011) constataram que alguns autores utilizam as concentrações de ficocianina como parâmetro de alerta para determinar a frequência de amostragem de água para identificação e contagem de cianobactérias. Desse modo, a amostragem seria otimizada em pontos que possuíssem maiores riscos, de forma a reduzir os custos em programas de monitoramento. Tendo em vista que a fluorescência da ficocianina é altamente relacionada com a contagem de células, ao contrário da clorofila-a, Bastien et al (2011) em seus estudos, analisaram essa relação para a espécie Microcystis aeruginosa. Como não existem padrões de qualidade da água que considerem a concentração da ficocianina como parâmetro, os autores resolveram determinar os valores correspondentes em células por mL, para facilitar o monitoramento de florescimentos de cianobactérias. As análises foram realizadas em condições controladas no laboratório e amostras 42 coletadas em campo, sendo que o objetivo de sua pesquisa era avaliar o grau de confiabilidade de dois fluorômetros de campo: YSI 6600 e TRIOS micro Flu-blue. Os limites de detecção encontrados para os fluorômetros foram: 1500 cel/mL para o YSI e de 0,69 ppb para o TRIOS. Os autores observaram que para a concentração de 1 ppb de ficocianina existia a proporção de aproximadamente 1260 células por mL. Sendo assim, o limite de 15 ppb de ficocianina, ou aproximadamente 19.000 cel cianobatérias/mL seria um bom critério de decisão de alerta da presença de cianobactérias, uma vez que o limite adotado por muitos gestores é de 20.000 cel cianobactérias/mL. 2.8 MODELO NUMÉRICO DO TERRENO O Processo de construção de um modelo numérico do terreno (MNT) pode ser divido em duas etapas: aquisição das amostras (amostragem) e geração do modelo propriamente dito (interpolação). Após a definição do modelo pode-se desenvolver diversas aplicações (FELGUEIRAS, 2001). A amostragem compreende a aquisição de um conjunto de amostras representativas do fenômeno de interesse. Geralmente essas amostras estão representadas por curvas de isovalores e pontos tridimensionais. A interpolação envolve a criação de estruturas de dados e a definição de superfícies de ajuste com o objeti