UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP ANDRÉ LEITE ARAUJO DELIBERAÇÃO DE ATOS INTERNACIONAIS PELO CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO: A TRAMITAÇÃO DO INGRESSO DA VENEZUELA NO MERCOSUL ENTRE 2007 E 2009 SÃO PAULO 2018 ANDRÉ LEITE ARAUJO DELIBERAÇÃO DE ATOS INTERNACIONAIS PELO CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO: A TRAMITAÇÃO DO INGRESSO DA VENEZUELA NO MERCOSUL ENTRE 2007 E 2009 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Política Externa”. Orientadora: Professora Doutora Karina Lilia Pasquariello Mariano. SÃO PAULO 2018 ANDRÉ LEITE ARAUJO DELIBERAÇÃO DE ATOS INTERNACIONAIS PELO CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO: A TRAMITAÇÃO DO INGRESSO DA VENEZUELA NO MERCOSUL ENTRE 2007 E 2009 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Política Externa”. Orientadora: Professora Doutora Karina Lilia Pasquariello Mariano. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Professora Doutora Karina Lilia Pasquariello Mariano (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) ______________________________________________ Professor Doutor Dawisson Elvécio Belém Lopes (Universidade Federal de Minas Gerais) ______________________________________________ Professor Doutor Camilo López Burian (Universidad de la República) São Paulo, 28 de março de 2018. Aos que sempre me apoiaram, à minha família AGRADECIMENTOS Aos meus familiares por acreditarem e pela confiança que depositaram em mim. Muito especialmente a Alexandre (pelas eternas risadas e por se mostrar sempre disposto a ajudar e fazer as coisas juntos), Carmem (pelo imensurável amor e por ser o melhor exemplo de pessoa, de superação e de dedicação que poderia ter em cada dia da minha vida), Milton (pelo carinho, pela sabedoria e pela atenção aos detalhes que servem como fontes de inspiração), Roberson (por sempre me ajudar de todas as formas possíveis e nunca deixar de se preocupar com todos) e Simony (pelas contínuas demonstrações de afeto e gentileza). A todos os amigos que me acompanham desde antes do Mestrado. E os mais próximos, David, Jean, Julie, Lívia e Marina, sabem o quanto foram inestimáveis por estarem comigo nos momentos mais difíceis e me fazerem ver que, apesar dos erros, vale a pena recomeçar e não desistir jamais. Aos grandes parceiros que conheci no Programa San Tiago Dantas, com os quais compartilhei as muitas emoções dos anos de Mestrado. Citar nomes formaria uma lista interminável, mas com elas e eles, consegui ter ânimo para continuar e espero haver contribuído à altura para suas trajetórias, acadêmica e pessoal. À Flavia Loss, cujo apoio e companheirismo me guiou e me ensinou a lidar com as condições classistas de ser pós-graduando. Torço por haver retribuído na construção de seu caminho. À professora Karina Mariano, por aceitar ser minha orientadora, pelas correções, pelos desafios e questionamentos colocados que foram estímulos intelectuais, sempre me dando autonomia para aprender. Para além dos resultados desta pesquisa, permitiu desenvolver-me acadêmica e profissionalmente, mantendo o compromisso com o trabalho e a função social da ciência. Aos professores Clodoaldo Bueno e Paulo Pereira que, ao me orientarem, conduziram o impulso que originou esta pesquisa e auxiliaram a construir as bases do desenvolvimento do trabalho. Aos professores Camilo Burian, Dawisson Lopes e Flavia Mello por aceitarem participar das bancas de qualificação e defesa e que contribuíram imensamente à pesquisa com suas atentas observações, permitindo o desenvolvimento final da dissertação. À professora Terra Budini, pela valiosa oportunidade de me ensinar a transmitir o conhecimento e por poder fazer o estágio-docência na minha universidade de formação. Aos professores do San Tiago Dantas, pelos valiosos ensinamentos. Por causa do que aprendi, pude ir avançando em cada passo, notar minhas falhas e perceber a trilha que ainda há para ser seguida. Através deles, estendo meus agradecimentos a todos os docentes que, ao longo da vida, contribuíram para minha formação. A todos do Observatório de Regionalismo, pelos debates e pelas pesquisas. Ao Flávio Contrera, que me auxiliou a conhecer um novo campo metodológico. A Graziela, Giovana, Isabela e Fred que, sempre muito gentis, trabalham para que sejam possíveis os estudos e o desempenho do Programa. A todos os demais trabalhadores da UNESP, da PUC-SP e de tantas outras instituições que, sob uma injusta e sistêmica desigualdade social, mantém a estrutura universitária enquanto os pesquisadores usufruem de seus privilégios de raça e classe para pensar sobre os problemas mundiais. A todas e todos, ao mesmo tempo em que peço desculpas pela minha distância e pelo meu silêncio em alguns momentos, pelas minhas reclamações e por quando precisei dizer “não” – ocasiões que ainda ecoam em minha consciência –, dirijo meu mais sincero obrigado por compreenderem as escolhas que fiz e o caminho que segui nos últimos anos, inclusive os erros cometidos. Tudo isso não nos afastou, mas sim nos aproximou ao vivermos juntos mais essa etapa. A felicidade é a finalidade (DOSTOIÉVSKI, 2013, p. 71). RESUMO A presente pesquisa analisa a posição do Congresso Nacional brasileiro no processo decisório de política externa, verificando que o Legislativo busca ter maior participação nesse tema, como forma de redistribuir os poderes no nível doméstico. Nesse sentido, o eixo central da argumentação é de que, em contexto de globalização e de aproximação das esferas internacional e doméstica, a principal variável que estimula esse posicionamento é os interesses dos atores políticos na arena nacional, isto é, a relação partidária entre governo e oposição e entre Executivo e Legislativo. Sendo assim, a dissertação desenvolve um estudo de caso sobre o comportamento dos parlamentares e partidos na deliberação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, entre 2007 e 2009. Analisando a tramitação em 4 comissões e 2 plenários, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, utiliza-se como fontes primárias os votos, os discursos e os trâmites parlamentares. Como explicações complementares, a ideologia política e a relação da Unidade da Federação com a Venezuela servem para compreender as exceções ao padrão. Portanto, o posicionamento do Legislativo em política internacional é entendido dentro do jogo político doméstico com o Executivo. Assim, a apreciação de atos internacionais é uma das oportunidades para que o Congresso opine sobre e controle as ações de política externa, além de ser um espaço de barganha frente ao Executivo, reivindicando suas funções nas relações exteriores brasileiras. Palavras-chave: Brasil. Legislativo. Mercosul. Partidos políticos. Política externa. Venezuela. ABSTRACT This research analyses the Brazilian National Congress position in the foreign policy decision-making process, verifying that the Legislative aims to participate more in this issue, as a way to redistribute the powers in domestic level. In this sense, the central axis of the argumentation is that, in a context of globalisation and closeness of international and domestic spheres, the main variable that stimulates this position is the interests of political actors in the national arena, i.e., the partisan relationship between government and opposition and between the Executive and the Legislative. Therefore, the dissertation develops a case study about the parliamentarians and parties behaviour in the deliberation of the Protocol of Adhesion of the Bolivarian Republic of Venezuela to Mercosur, from 2007 to 2009. Analysing the proceeding in 4 committees and 2 chambers, in the Chamber of Deputies and in the Federal Senate, parliamentarian votes, speeches and proceedings are used as primary sources. As complementary explanations, political ideology and the relation of the Federative Units with Venezuela serve to understand the exceptions to the pattern. Therefore, the Legislative positioning in international policy is understood within the domestic political game with the Executive. So, the appreciation of international acts is one of the opportunities for the Congress opine about and control the actions of foreign policy, besides being a space of bargaining with the Executive, claiming its functions in the Brazilian foreign affairs. Keywords: Brazil. Legislative. Mercosur. Political parties. Foreign policy. Venezuela. RESUMEN La presente investigación analiza la posición del Congreso Nacional brasileño en el proceso decisorio de política exterior, verificando que el Legislativo busca tener más participación en ese tema, como una manera de redistribuir los poderes en nivel doméstico. En ese sentido, el eje central de la argumentación es de que, en un contexto de globalización y de acercamiento de las esferas internacional y doméstica, la principal variable que impulsa ese posicionamiento es los intereses de los actores políticos en la arena nacional, es decir, la relación partidaria entre oficialismo y oposición y entre Ejecutivo y Legislativo. Así, la disertación desarrolla un estudio de caso sobre el comportamiento de los parlamentarios y partidos en la deliberación del Protocolo de Adhesión de la República Bolivariana al Mercosur, entre 2007 y 2009. Analizando la tramitación en 4 comisiones y 2 plenos, de la Cámara de Diputados y del Senado Federal, se utiliza como fuentes primarias los votos, los discursos y los trámites parlamentarios. Como explicaciones complementarias, la ideología política y la relación de la Unidad Federativa con Venezuela sirven para comprender las excepciones al patrón. Por lo tanto, el posicionamiento del Legislativo en política internacional es entendido dentro del juego político doméstico con el Ejecutivo. Así, la apreciación de los actos internacionales es una de las oportunidades para que el Congreso opine sobre y controle las acciones de política exterior, más allá de ser un espacio de negociación ante el Ejecutivo, reivindicando sus funciones en las relaciones exteriores brasileñas. Palabras clave: Brasil. Legislativo. Mercosur. Partidos políticos. Política exterior. Venezuela. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – Exportações e importações entre Brasil e Venezuela (1989-2017).................. 62 Ilustração 2 – Exportações das UFs brasileiras para a Venezuela em 2007............................ 65 Ilustração 3 – Importações das UFs brasileiras para a Venezuela em 2007............................ 66 Ilustração 4 – Votação na CREDN.......................................................................................... 79 Ilustração 5 – Votação na CCJC.............................................................................................. 82 Ilustração 6 – Comparação dos resultados da indicação ao Tribunal de Contas da União e da adesão da Venezuela ao Mercosul............................................................... 84 Ilustração 7 – Votação no Plenário da Câmara........................................................................ 86 Ilustração 8 – Votação no Plenário da Câmara........................................................................ 88 Ilustração 9 – Faltas dos deputados federais na apreciação do Protocolo de Adesão em 2008, organizadas por UFs............................................................................... 90 Ilustração 10 – Faltas dos deputados federais na apreciação do Protocolo de Adesão em 2008, organizadas por partidos políticos.......................................................... 92 Ilustração 11 – Votação na RBPM............................................................................................ 95 Ilustração 12 – Votação na CRE................................................................................................ 107 Ilustração 13 – Votação no Plenário do Senado........................................................................ 115 Ilustração 14 – Votação no Plenário do Senado........................................................................ 115 Ilustração 15 – Comparação de todas as votações.................................................................... 117 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Probabilidade do voto do deputado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ser favorável a entrada da Venezuela no Mercosul.................................. 83 Tabela 2 – Probabilidade do voto do deputado no Plenário ser favorável a entrada da Venezuela no Mercosul.......................................................................................... 89 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial AC Acre AL Alagoas ALALC Associação Latino-Americana de Livre-Comércio ALBA Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América ALBA-TCP Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos ALCA Área de Livre Comércio das Américas ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana AM Amazonas AP Amapá BA Bahia CAN Comunidade Andina CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CE Ceará CELAC Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos CNI Confederação Nacional da Indústria COP-15 Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas CRE Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal CREDN Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados DEM Democratas DF Distrito Federal ES Espírito Santo EUA Estados Unidos da América FECOMERCIO Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro GO Goiás MA Maranhão MAS Movimiento al Socialismo Mercosul Mercado Comum do Sul MG Minas Gerais MRE Ministério das Relações Exteriores MS Mato Grosso do Sul MT Mato Grosso NAFTA North American Free Trade Agreement OEA Organização dos Estados Americanos OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PA Pará PAN Partido dos Aposentados da Nação Parlasul Parlamento do Mercosul PB Paraíba PCdoB Partido Comunista do Brasil PDT Partido Democrático Trabalhista PDVSA Petróleos de Venezuela, S.A. PE Pernambuco PHS Partido Humanista da Solidariedade PI Piauí PIB Produto Interno Bruto PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN Partido da Mobilização Nacional PP Partido Progressista PPS Partido Popular Socialista PR Paraná PR Partido da República PRB Partido Republicano Brasileiro PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSB Partido Socialista Brasileiro PSC Partido Social Cristão PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSOL Partido Socialismo e Liberdade PSUV Partido Socialista Unido de Venezuela PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro PTC Partido Trabalhista Cristão PTdoB Partido Trabalhista do Brasil PV Partido Verde RBPM Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul RCTV Radio Caracas Televisión RJ Rio de Janeiro RN Rio Grande do Norte RO Rondônia RR Roraima RS Rio Grande do Sul SC Santa Catarina SE Sergipe SP São Paulo TCU Tribunal de Contas da União TLC Tratado de Livre Comércio TO Tocantins UE União Europeia UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UF Unidade da Federação UNASUL União de Nações Sul-Americanas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 17 1.1 Adesão da Venezuela ao Mercosul ................................................................................. 23 2 O LEGISLATIVO NA ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA ............................................ 29 2.1 Congresso e Política Externa .......................................................................................... 29 2.2 Partidos e Política Externa .............................................................................................. 40 2.3 Atividade internacional dos parlamentos ........................................................................ 45 2.4 Votações de atos internacionais ...................................................................................... 48 2.5 Integração Regional ........................................................................................................ 54 3 RELAÇÕES ENTRE BRASIL E VENEZUELA ................................................................. 59 3.1 Entrada no Mercosul ....................................................................................................... 59 3.2 Questões econômicas ...................................................................................................... 61 3.2.1 Relações entre as Unidades da Federação brasileiras e a Venezuela ....................... 63 3.3 Questões políticas ........................................................................................................... 69 4 O PROTOCOLO DE ADESÃO DA VENEZUELA AO MERCOSUL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ........................................................................................................................... 72 4.1 Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional .................................................... 74 4.2 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ....................................................... 80 4.3 Plenário ........................................................................................................................... 83 5 O PROTOCOLO DE ADESÃO DA VENEZUELA AO MERCOSUL NO SENADO FEDERAL ................................................................................................................................ 93 5.1 Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul ................................................... 93 5.2 Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional .................................................... 96 5.3 Plenário ......................................................................................................................... 107 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 120 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 126 APÊNDICE A – BALANÇA COMERCIAL DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRAS COM A VENEZUELA (2005-2009) ........................................................... 135 APÊNDICE B – POSIÇÃO DA VENEZUELA NO COMÉRCIO EXTERIOR DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRAS (2005-2009) ............................................ 136 APÊNDICE C – VALORES DE EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES ENTRE BRASIL E VENEZUELA (1989 A 2017)................................................................................................. 137 ANEXO – PROTOCOLO DE ADESÃO DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA VENEZUELA AO MERCOSUL ........................................................................................... 138 17 1 INTRODUÇÃO Nesta pesquisa, investigamos o papel do Congresso Nacional em política externa, observando os posicionamentos tomados nos processos referentes a atos internacionais na instância legislativa. Em primeiro lugar, verificamos se há, no período recente, uma redistribuição das forças entre o Executivo e o Legislativo, na qual o Congresso reivindique seu papel na deliberação sobre política externa. Assim, para compreender porque os parlamentares possam haver se reposicionado, intencionamos definir as variáveis que pautam suas decisões nos procedimentos relativos à análise dos acordos internacionais, através das votações, dos discursos e dos procedimentos parlamentares. Essa discussão será conduzida para responder à questão “o Congresso brasileiro aumentou sua participação no processo decisório de política externa?”. Desse modo, temos como hipótese central que está em andamento um rearranjo na divisão de funções entre os dois poderes, Executivo e Legislativo1, que inclui o tratamento dado nas deliberações sobre política externa brasileira. Sugerimos que, nos últimos anos, a mudança no meio político vem conferindo mais força ao Congresso, em questões de políticas internacionais. Isso posto, como hipótese secundária, para explicar o que motiva essa atuação dos legisladores, propomos que são, principalmente, a filiação partidária e a conjuntura do jogo político doméstico, que determinam os resultados das deliberações sobre acordos internacionais. Portanto, ao ser deliberado por uma instituição nacional, o ato internacional estaria sujeito às relações e aos interesses praticados no jogo doméstico. Para Lopes (2017, p. 147), nos anos 2000 a política externa ganhou maior projeção inclusive nas disputas eleitorais, porque os cidadãos passaram a sentir o impacto das relações internacionais em suas vidas e as diferenças nos projetos dos principais partidos que disputam a Presidência, PSDB e PT. Por questões metodológicas, ainda que a política externa seja considerada mais ampla do que os textos formalmente assinados e submetidos à deliberação, a análise enfatiza os atos internacionais que são firmados e enviados ao Legislativo, permitindo uma verificação mais precisa das atuações parlamentares. Conforme afirma Diniz (2012, p. 172), os atos internacionais são instrumentos para a concretização da política externa, assim como outros mecanismos legislativos o fazem com as demais políticas públicas. Assim sendo, são propostas que buscam ser aprovadas ou obstruídas por diferentes atores políticos, com 1 O debate contemporâneo situa a proeminência do Poder Judiciário, além do Legislativo, no cenário político brasileiro. Entretanto, esta pesquisa dedica-se ao estudo sobre o Congresso, devido ao seu papel na validação de acordos internacionais, por meio dos debates entre os partidos ali representados. 18 interesses múltiplos. A escolha pela análise do Legislativo se deu pela motivação de analisar a dinâmica interna do processo decisório de política externa, buscando compreender os avanços no regionalismo sul-americano e a ação internacional do Estado brasileiro e da materialização de dita política através dos acordos formais, sob a perspectiva institucionalista. Para tanto, fez-se necessário observar a estrutura de deliberação de atos internacionais, que passa centralmente pelo Congresso. A investigação sobre o Legislativo adiciona complexidade à Análise de Política Externa, ao incorporar outras camadas de atores envolvidos que nem sempre são estudados, problematizando a concepção de interesse nacional e a formulação do posicionamento que é manifestado e executado pelo Estado no sistema internacional. Ademais, esse ramo de pesquisa contribui para identificar distintos projetos de inserção internacional que atendem interesses de grupos diversos. Assim, debruçamo-nos sobre o seu papel na política externa brasileira e, consequentemente, na integração regional, e as variáveis que condicionam seu comportamento. Dessa maneira, cabe ressaltar, conforme Sánchez (2010, p. 1) assinala, que os parlamentos validam a ação internacional estatal, democratizam a política externa e legitimam as decisões multilaterais. Nesse sentido, a proposta da dissertação para testar as motivações sobre os parlamentares é realizar um estudo de caso, através da análise da apreciação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul (cujo teor se encontra disponível no Anexo). Assinado em julho de 2006, tramitou no Congresso brasileiro entre 2007 e 2009 – recorte temporal que utilizamos para verificar os processos nas comissões e nos plenários das duas Casas legislativas. Diferentemente dos parlamentos da Argentina, do Uruguai e da Venezuela, nos quais a aprovação do Protocolo foi menos polarizada e em tempos mais reduzidos por haver grandes coalizões favoráveis ao governo e à ampliação do Mercosul, no Brasil a tramitação foi mais longa e com discussões mais contundentes. Por outro lado, o Congresso paraguaio não havia aprovado o instrumento até a suspensão de Assunção – que permitiu a entrada em vigor do documento e o ingresso de Caracas como Estado-parte2 –, porque havia maioria contrária à incorporação venezuelana, que impediu a ratificação da matéria pelo Paraguai. Essa tensão factual nos impulsiona a dirigir a pesquisa ao processo 2 O processo de impeachment do Presidente Fernando Lugo (Frente Guazú), em 2012, foi lido pelos demais Estados-parte (Argentina, Brasil e Uruguai) como ruptura da ordem democrática e, conforme o Protocolo de Ushuaia, o Paraguai foi suspenso até a normalização institucional com as eleições presidenciais em 2013. Nesse cenário, foi entendido que não era necessária a aprovação paraguaia do ingresso da Venezuela, por estar o Paraguai suspenso das obrigações do Mercosul, e que seriam suficientes as aprovações dos Estados que estavam regulares, isto é, Argentina, Brasil e Uruguai. 19 deliberativo no Brasil e não nos demais parlamentos dos membros do Mercosul. Conforme aponta Ruiz (2009, p. 9), no momento em que a Venezuela foi aceita, não havia uma normativa que regulasse como se dava o ingresso de um novo membro. Assim, a relevância deste estudo de caso também se dá por ser o único ingresso concluído ao bloco desde a sua criação, em 1991, pois a incorporação da Bolívia como membro pleno não foi concluída. A única etapa faltante para a conclusão da adesão boliviana é a aprovação pelo Congresso brasileiro, que recebeu o acordo da Presidência em 2016, no último dia de exercício do governo Dilma Rousseff. Considerando esse ponto, entender a dinâmica da experiência venezuelana prévia é importante para refletir sobre a realidade presente, porque o impeditivo que Legislativo paraguaio colocou à entrada de Caracas até 2012 é – ressalvadas as devidas dissimilitudes – equivalente ao que o Brasil coloca ao ingresso de La Paz. Ademais, dada a situação atual na qual a Venezuela está suspensa do Mercosul e uma das razões alegadas recai sobre as condições de sua entrada3, ganha destaque a necessidade de conhecer e problematizar a situação de ingresso para compreender a suspensão, o que pode se aplicar aos demais membros. Assim, a análise da formação doméstica da política brasileira também contribui ao debate sobre a estrutura intergovernamental do Mercosul. Outrossim, esse estudo de caso foi escolhido porque trata-se de um ponto de inflexão na politização de temas internacionais no ambiente doméstico, marcando um importante significado em relação aos precedentes históricos. Apesar de haver antecedentes da participação do Congresso na política externa – como a rejeição ao acordo bilateral com os Estados Unidos para o uso da base de lançamentos de Alcântara (MA), em 2001 (NEVES, 2006) –, no momento da deliberação sobre a Venezuela no Mercosul, o processo de reposicionamento do Congresso tornou-se mais evidente, simbolizando uma inflexão de uma tendência mais assertiva do Legislativo em política internacional, conforme observado abaixo. Em outras palavras, houve um esgotamento do relativo consenso a respeito do paradigma de política externa brasileira e, consequentemente, entre os atores políticos e entre as instituições, Presidência e Congresso. Desse modo, ao aprofundar as divisões a respeito dos rumos que a política externa deveria seguir, as instâncias decisórias aumentaram sua polarização e politização em torno do tema. Nos anos que se sucederam é possível notar alguns acontecimentos que exemplificam 3 Em 2016, na primeira das duas suspensões do Mercosul que a Venezuela sofreu, o comunicado assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai justificou a medida porque Caracas não havia internalizado toda a normativa mercosulina ao seu ordenamento jurídico doméstico, entre 2012 e 2016, conforme previsto no Protocolo de Adesão. 20 esse posicionamento do parlamento, tanto por legisladores governistas quanto por oposicionistas, ao longo de governos distintos. Podemos citar: a) a condenação ao golpe a Manuel Zelaya, em Honduras em 2009, inclusive com a recepção do presidente deposto no Congresso em Brasília, mas também questionamentos ao Governo Federal sobre a presença de Zelaya na embaixada brasileira (GOMIDE, 2009; HERÁCLITO, 2009); b) as colocações a respeito da intermediação brasileira no acordo nuclear entre Irã e Turquia (POLÍTICA, 2010); c) as divergências a respeito do processo de destituição do presidente Fernando Lugo, no Paraguai, em junho de 2012, em menos de 24 horas (CONGRESSO, 2012); d) as ponderações sobre o modo como a Venezuela efetivamente entrou no Mercosul, após o golpe no Paraguai, isto é, 3 anos depois da aprovação pelo Congresso brasileiro (MORAIS, 2012); e) os posicionamentos positivos e negativos em relação à implementação do programa Mais Médicos, com a vinda de profissionais cubanos para trabalhar no Brasil, a partir de 2013 (BRASIL, 2013); f) a divisão de opiniões favoráveis e contrárias a respeito do transporte até o Brasil, em 2013, de Roger Pinto Molino (senador de oposição na Bolívia que estava asilado na embaixada brasileira) por um diplomata sem autorização do Itamaraty (OLIVEIRA, P., 2013); g) as manifestações contrárias a respeito do escândalo de espionagem estadunidense sobre instituições federais em 2013, que foram acompanhadas de questionamentos sobre o adiamento da visita de Estado de Dilma Rousseff a Washington (AGRIPINO, 2013); h) as críticas ao financiamento do porto de Mariel em Cuba, que foram expostas em vários anos, mas se intensificaram como conteúdo dos debates eleitorais em 2014. Este também foi o ano de uma Proposta de Emenda à Constituição que garantisse que os empréstimos a governos estrangeiros fossem autorizados pelo Congresso (PEC, 2014); i) o envio de duas Comissões Parlamentares Externas, compostas por senadores, à Caracas para avaliar a situação política venezuelana, em 2015. Ao passo que o 21 segundo grupo foi composto por senadores da base e apresentou uma imagem mais favorável tanto do governo da Venezuela quanto do Brasil, o primeiro foi formado por legisladores críticos a ambos os governos e não cumpriu sua agenda, devido aos protestos locais. Assim, gerou uma crise tanto entre Brasil e Venezuela quanto entre o Legislativo e o Executivo, que foi acusado de não prestar assistência nem garantir a segurança senatorial (BARRETO, 2015); j) a missão do presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, Aloysio Nunes, a Washington para discutir a crise política e o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, inclusive junto a senadores estadunidenses (ALOYSIO, 2016); k) seguidamente, as nomeações de dois senadores em exercício ao cargo de ministro das Relações Exteriores. Durante o governo de Michel Temer (PMDB), a partir de 2016, os dois chanceleres, José Serra e Aloysio Nunes, são senadores do PSDB de São Paulo. Ambos são políticos tradicionais, mas chama especial atenção a nomeação de Aloysio Nunes, que havia sido presidente da CRE e era líder do governo no Senado. Assim, provindo do Legislativo, foi escolhido um nome de relevo no jogo político interno e com experiência na área de política externa para conduzir a pasta no Executivo. Considerando o período da Nova República, antes de Serra e Nunes, o senador Fernando Henrique Cardoso – também do PSDB paulista – havia sido o único congressista a deixar o cargo para assumir o Itamaraty, entre 1992 e 1993. Nesses casos, os legisladores deixam de ter o papel de ratificadores de acordos internacionais e passam a comandar o próprio processo decisório que tradicionalmente não inclui o Congresso. Considerando todos os políticos – não apenas senadores em exercício – Lopes (2017, p. 171; 173) demonstra que desde 1985 houve, por mais tempo, maior número de políticos como chefes do Itamaraty, em comparação aos 21 anos de ditadura militar. Portanto, percebemos que o Congresso não abdicou de lidar com a política internacional, mas vem tendo uma posição mais assertiva, reclamando para si seus poderes. Entretanto, não se consolida como um ator central nesse processo, pois há um subaproveitamento de suas capacidades de impor vontades na política externa. Nas relações internacionais, os estudos legislativos são relevantes, entre outras razões, porque contribuem para a reflexão sobre o déficit democrático nos processos de integração regional. Conforme Beetham (2006, p. 156) afirma, no contexto de globalização, a maioria 22 das instituições democráticas está situada no nível doméstico, mas muitas decisões são tomadas pelos governos no plano internacional, sem controle direto dos cidadãos ou de órgãos estatais. Assim, as decisões políticas se globalizam, mas não na mesma velocidade em que os processos políticos, incluindo mecanismos de prestação de contas e de freios e contrapesos, como os existentes entre o Executivo e o Legislativo na sociedade doméstica. Nesse sentido, Os novos desafios internacionais e a multiplicidade de temas, de um lado, e o fortalecimento das instituições democráticas brasileiras, de outro, certamente demandarão uma formulação e a condução mais transparente da diplomacia nacional. E é na garantia dessa transparência que reside a importância do Congresso Nacional e seu papel na formulação e na condução da política exterior do País. Se a ingerência das instituições domésticas, como o Poder Legislativo, afeta positiva ou negativamente a política externa de um país, aumentando o poder de barganha, tornando-a mais crível ou mais complexa, pouco importa. Ao final, assim como todas as políticas públicas, a política externa torna-se mais legítima quando há o crivo do Congresso Nacional. (NEVES, 2006, p. 386-7) Ademais, como destaca Lindsay (1994, p. viii), os parlamentos são atores importantes no processo de política externa, mas não a controlam, assumindo papel crítico e legitimador. Em outros termos, não se desenvolve um modelo que superestime as competências do Legislativo, nem se desconsidera o Executivo, pois a proposta é ampliar o escopo da análise, incorporando mais atores na investigação sobre política externa. Na introdução, além de apresentar nossos tema, objeto e hipóteses, nos dedicamos a sistematizar o quadro das demais pesquisas que se dedicaram à análise da adesão venezuelana, indicando qual será a contribuição feita por esta investigação. Em seguida, no primeiro capítulo, descrevemos o panorama teórico-conceitual que contribui para a análise proposta nesta pesquisa. O segundo capítulo apresenta o contexto histórico do objeto. No terceiro e quarto capítulos realizamos o estudo de caso na Câmara dos Deputados e no Senado, respectivamente. Sendo assim, enfatizamos o papel do Poder Legislativo no processo decisório da política externa, especificando o caso brasileiro, sob a luz das teorias e abordagens que compõem a Análise de Política Externa e a Integração Regional, dado o objeto de pesquisa que é a deliberação congressual de uma ação de política externa para o regionalismo sul- americano. Dessa maneira, buscamos utilizar os instrumentais teóricos apresentados para compreender a atuação dos partidos e dos parlamentares nos debates e nas votações, dentro das funções que competem ao Congresso Nacional. Conforme argumentamos, essa instituição não deve ser lida isoladamente, mas sim num sistema mais amplo no qual estão presentes outros organismos governamentais, os processos eleitorais e atores privados. Apesar da 23 bibliografia especializada sinalizar que o Executivo possui preponderância no processo decisório de política externa, há diversas interpretações sobre as dimensões e as razões para o papel do Legislativo nessa área. Acerca das determinantes do comportamento parlamentar em política externa, não há consenso sobre uma única causalidade, mas tende-se a recorrer a explicações que cubram as múltiplas e complexas dinâmicas do conjunto de congressistas. Nesse sentido, dedicamo-nos a situar o estado da arte dos estudos sobre as determinantes que influenciam o comportamento dos partidos e dos parlamentares, no Congresso brasileiro, ao decidirem sobre matérias de política externa. Além disso, precisamos o espaço no qual pretendemos contribuir com nosso trabalho, avançando no campo apresentado, ao investigar os componentes domésticos e internacionais que afetam o processo decisório do Congresso sobre política externa. Percebemos que os interesses manifestados pelos parlamentares podem indicar como o Legislativo decide sobre atos internacionais e o papel dos partidos em conduzi-los. Considerando os espaços de ação no Congresso, podemos sistematizá-los em 3 grupos: os debates realizados entre os parlamentares e com a sociedade civil, com atores estrangeiros ou com o Executivo; o uso dos procedimentos institucionais que controlam o andamento do processo; e os resultados das votações nas comissões e nos plenários, que finalizam a decisão do Legislativo. Sendo assim, objetivamos analisar o processo incluindo essas 3 categorizações, investigando as variáveis que determinaram os posicionamentos no caso em estudo. 1.1 Adesão da Venezuela ao Mercosul Nos últimos anos, o tópico vem sendo abordado pela área de Análise de Política Externa, tanto observando o papel do Congresso quanto pelas relações entre Brasil e Venezuela, no âmbito do processo de regionalismo. Dentro desse escopo, destacamos algumas pesquisas que se debruçaram especificamente sobre a análise do processo deliberativo do Protocolo de Adesão da Venezuela, no Congresso brasileiro, e os incentivos – internacionais ou domésticos – para os posicionamentos parlamentares. De acordo com Santos e Vilarouca (2011), as diferenças nas tramitações dos 5 membros permanentes do Mercosul são explicadas pela composição político-partidária das 24 assembleias nacionais e pelos recursos presidenciais em cada país, além de variáveis externas, como a ação internacional de Hugo Chávez, então presidente. Segundo os autores, deve-se interpretar o caso do Brasil sob a chave governo-oposição. Em seu texto, interpretam todas as etapas da tramitação no Congresso, contribuindo para a pesquisa e acompanhamento cronológico dos encaminhamentos dados ao Protocolo e os debates ocorridos entre os parlamentares. Sua leitura considera que, ademais da discussão sobre a Venezuela no Mercosul, os trâmites foram caracterizados pelas manifestações contrárias acerca do modelo de inserção internacional que o Brasil deveria seguir (SANTOS; VILAROUCA, 2011, p. 76). Para Santos e Vilarouca (2011), alguns acontecimentos envolvendo Chávez influenciaram as decisões acerca do Protocolo. Dessa forma, essa abordagem inclui o elemento ideológico, presente nos discursos dos congressistas, como uma variável explicativa para a polarização que ocorreu durante o processo deliberativo, ocasionando em maior tempo até a confirmação da matéria. Segundo o que foi dito por parlamentares, as discussões ocorriam em relação à presidência de Chávez e não à Venezuela. Tal diferenciação foi utilizada tanto pelos que eram contrários à entrada de Caracas, argumentando que não seguiria as regras e traria instabilidade ao Mercosul, quanto pelos favoráveis à adesão, afirmando que as eventuais complicações com o governo de Chávez seriam temporárias e que seriam melhor geridas pelas instâncias de monitoramento do bloco. Também, Santos e Vilarouca (2007) verificam os trâmites do Protocolo no Congresso e identificam aspectos que dificultaram sua aprovação, inclusive os instrumentos da estrutura de comissões para controlar o processo. Além disso, investigam os interesses dos setores empresariais acerca da liberalização comercial com a Venezuela e detectam uma crise no processo deliberativo, por ocasião da não-renovação da concessão à Radio Caracas de Televisión, que gerou embates diretos entre Chávez e o Senado brasileiro. Paralelamente, de acordo com os autores, essa conjuntura foi utilizada para criticar o governo Lula e a condução da política externa pelo Itamaraty. Ademais, Matilde de Souza e Bernardo Ramos Bahia (2011) analisam a tramitação do Protocolo de Adesão na Comissão de Relações Exteriores do Senado, na qual foi recebido em 2009. Situam a proposta de ampliação do Mercosul como estratégia de diplomacia presidencial – devido ao envolvimento pessoal dos presidentes Fernando Henrique e Lula – e agrupam os debates dos senadores na Comissão em 3 categorias: econômica, técnica e política. Sendo assim, os argumentos favoráveis e contrários são classificados nessa tipologia, abordando as vantagens e desvantagens que o status de Estado-membro à Venezuela traria, 25 assim como o andamento dos trabalhos referentes à incorporação de normas do Mercosul por Caracas. Ademais, a aplicabilidade da cláusula democrática, do Protocolo de Ushuaia, ao governo venezuelano foi repetidamente utilizada para indicar que a Venezuela não estaria preparada para permanecer no bloco. Paralelamente, outros congressistas afirmavam que o instrumento da cláusula democrática seria favorável para constranger o comportamento político da presidência de Chávez. Ademais, a pesquisa feita por Coelho (2015) também buscou verificar o que influenciava o comportamento dos parlamentares – especialmente os com comportamento dissidente –, observando diversas variáveis, como alinhamento ao governo, ideologia, origem federativa e interesses de lobby, identificados por doações de campanha. Entretanto, conclui que os lobistas não determinaram o resultado final nessa ocasião, mas suas ações explicariam os votos dissidentes da oposição. Díaz (2014) faz uma análise comparativa da tramitação do Protocolo nos parlamentos argentino, brasileiro, paraguaio e uruguaio. Em uma generalização, apesar de comportamentos distintos em cada caso, variando na duração e na polarização dos processos, nota-se que em todos as decisões legislativas podem ser explicadas através da chave situação-oposição, resguardadas as devidas exceções de parlamentares específicos. Em outros termos, a correlação de forças partidárias influenciou no resultado, sendo mais favorável onde havia maioria legislativa de apoio ao Executivo. Entretanto, para precisar a capacidade explicativa de cada caso, a conjuntura internacional, as estruturas institucionais e os contextos de cada país influenciam para verificar as especificidades das atuações de cada parlamento. Na Argentina, onde a coalizão de Néstor Kirchner tinha maioria nas duas Casas do Congresso, o Protocolo de Caracas foi aprovado e promulgado em dezembro de 2006, por ocasião da visita de Hugo Chávez. Para este caso, ressaltamos o ligeiro tempo em que cumpriu todos os trâmites em comissões e plenários nas duas Casas legislativas. Com menor oposição partidária e posicionando o projeto como uma prioridade, pode ser aprovado com facilidade e rapidez. No Paraguai, o Protocolo tramitou 4 vezes no Congresso, sendo que foi retirado pelo Executivo em 2007 e 2010, foi arquivado devido à rejeição em 2012 e, finalmente, foi aprovado e publicado em 2013. As primeiras ocasiões foram concluídas pela retirada do projeto pelo Executivo, percebendo que não havia condições para a aprovação da matéria, devido principalmente à oposição da Asociación Nacional Republicana-Partido Colorado e do Partido Liberal Radical Auténtico. Em 2012, no período em que o liberal Federico Franco 26 ocupou a Presidência guarani, o acordo foi enviado ao Congresso para ser rejeitado em menos de 1 mês. Isso pode ser entendido como uma forma de o governo do Paraguai – que não reconhecia nem sua suspensão do Mercosul nem o ingresso da Venezuela – manifestar que Caracas não havia sido aceita por todos os membros, isto é, não era um tema pendente, mas resolvido pela negativa. Nesse sentido, invalidaria juridicamente a incorporação venezuelana. Entretanto, essa manobra não foi reconhecida pelos demais Estados-parte, devido à suspensão aplicada à Assunção. Por fim, durante a presidência de Horacio Cartes (Partido Colorado), em 2013, também em menos de 1 mês a matéria foi aprovada, como forma de o Paraguai validar a entrada de Caracas, por ocasião do retorno paraguaio ao bloco, e resolver o impasse de não haver reconhecido a adesão de 2012. Dessa maneira, nota-se que a cooperação entre Executivo e Legislativo, quando possuem uma formação partidária alinhada, tanto pode ser pela aprovação quanto pela rejeição de um acordo internacional. Com a mudança de governo em 2012, os setores parlamentares oposicionistas tornaram-se governistas e puderam aplicar seu posicionamento contrário, convergindo com os interesses do Palácio de López. Durante o governo de Tabaré Vázquez (Frente Amplio), no Uruguai, primeiro país a promulgar a adesão venezuelana, todos os trâmites foram concluídos em 2006, mesmo ano de firma do Protocolo de Adesão. Primeiramente, no Senado, esteve por um tempo relativamente mais longo, entre 25 de julho e 31 de outubro. Porém, na Câmara de Deputados, foi recebido no dia 1 de novembro e sancionado no dia seguinte, passando pela Comissão de Assuntos Internacionais e pelo Plenário em um prazo reduzido. Para Díaz, isso se explica pelo incremento das relações entre Montevidéu e Caracas, a partir da ascensão do Frente Amplio à Presidência, em 2005. Sendo assim, diferenciando a dificuldade institucional e política para aprovar a adesão da Venezuela, Díaz agrupa os 4 casos em 2 grupos: Argentina e Uruguai; e Brasil e Paraguai. Para ele, “Cuando en el mes de julio de 2006 los cuatro países suscribieron en Caracas el protocolo de adhesión, no previeron que el tratamiento legislativo en las arenas domésticas fuera a ser el factor determinante de bloqueo del juego político” (DÍAZ, 2014). Em 2012, a estratégia de suspender Assunção e aceitar a entrada de Caracas foi o meio encontrado para superar a resistência parlamentar, que estava ligada não apenas à discussão de regionalismo sul-americano, mas também à dinâmica política nacional no Paraguai. Em outros termos, apesar da vontade dos Executivos em implementar um acordo rapidamente, não foi possível concretizá-lo devido às etapas de ratificação nos âmbitos internos, nos quais mais atores 27 políticos se envolveram no tema regional. Por isso, é um processo que tardou 6 anos para ser finalizado, ou 7, se considerarmos o tempo de ratificação no Paraguai após a incorporação da Venezuela. Nesse período, houve mudanças substanciais em cada país do Mercosul, incluindo Brasil e Venezuela, na própria condução do Mercosul e no sistema internacional de modo mais amplo, o que ocasionou que o resultado final da adesão da Venezuela haja sido distinto ao planejado inicialmente. Nossa proposta, por meio da análise da tramitação do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, entre 2007 e 2009 nas comissões e nos plenários da Câmara e do Senado brasileiros, é contribuir à área com a investigação dos fatores que acreditamos que influenciam a formação de preferências dos legisladores. A observação do período permitirá identificar diferenças nos padrões ao longo desses anos, assim como entre as Câmaras baixa e alta e entre comissões e plenários. Para explicar o comportamento das bancadas parlamentares, retomamos a hipótese secundária de que a filiação partidária e o pertencimento à base ou a oposição, relação na qual a base governista apoia a proposta do Presidente e os partidos contrários votam contra o governo, demonstrando satisfação ou insatisfação não apenas como a pauta em deliberação, mas com o projeto político em vigor, é a principal chave explicativa. Contudo, como explicações complementares para compreender a ação legislativa, adicionamos: a ideologia, que motiva os partidos e parlamentares a seguirem seu programa e atenderem os ideais de sua base; e a origem dos congressistas, que sofreriam pressões de suas bases eleitorais nas Unidades da Federação para votar de determinado modo em algumas matérias, ainda que contrariamente à orientação partidária. Com uma abordagem multimétodos, incluímos tanto os resultados numéricos das votações quanto os conteúdos dos discursos dos congressistas nas sessões analisadas, o que nos permite somar dados e alcançar conclusões que não eram claramente identificadas pela interpretação exclusiva dos resultados. Assim, desenvolvemos uma perspectiva de processo mais ampla, na qual as votações finais são consequências e reflexo das interações manifestadas nas etapas anteriores. Para tanto, conforme estruturado nos capítulos seguintes verificaremos 3 ações parlamentares: as votações; os debates; e os trâmites. Os votos sintetizam as colocações dos partidos e dos parlamentares e definem o resultado das instâncias legislativas e autorizam ou negam a execução do ato pelo governo, ao passo que os debates realizados apresentam os argumentos e os interesses construídos, expondo as motivações aparentes desses atores. Além 28 disso, as disposições institucionais permitem controlar o processo de tramitação, o que afeta as demais fases deliberativas. Desse modo, o uso dos trâmites pode ser considerado intencional para influenciar o resultado. Em suma, através desses meios, os congressistas intervêm no processo de aprovação da política externa brasileira e manifestam os posicionamentos a respeito da pauta. Ou demonstram que não assumem posição especificamente em relação ao ato em discussão, mas sim no que se refere às relações políticas domésticas. 29 2 O LEGISLATIVO NA ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA Este capítulo foi estruturado em cinco seções que sistematizam o estado da arte da bibliografia que baseia a presente pesquisa. Inicialmente, discutimos a relação entre os parlamentos e a política externa, seguida pelo debate sobre partidos e política externa. Em terceiro lugar, trazemos as interpretações sobre a atuação internacional dos parlamentos. Na quarta seção, enfatizamos os entendimentos sobre as motivações das votações de atos internacionais. Por fim, é feita uma revisão sobre as abordagens de Integração Regional. Diferentemente do modelo de Estado unitário, neste trabalho debruçamo-nos sobre a miríade de elementos explicativos que, no plano doméstico, afetam as ações internacionais do Estado (ALLISON; ZELIKOW, 1999, p. 143). Portanto, as decisões assumidas junto aos demais Estados não seriam resultantes imutáveis de uma coesão nacional em torno da política externa, mas sim dinâmicas em curso que manifestam as pressões e os objetivos de diferentes atores e instituições que agem sobre o Estado ou mesmo dentro dele, como é o caso do Congresso. Incorporando autores nacionais e internacionais, o conjunto da literatura aqui exposta dá aportes para compreender as recentes mudanças no papel do parlamento, no Brasil e no mundo, e como os especialistas vêm interpretando o processo decisório de política externa, envolvendo o Legislativo, e as motivações para o posicionamento dos parlamentares, que são aprofundadas posteriormente nesta dissertação. 2.1 Congresso e Política Externa As abordagens de Análise de Política Externa têm influência majoritariamente vinda do Liberalismo estadunidense que, diferentemente do Realismo, destaca o papel de indivíduos, ideias, forças sociais e instituições políticas nos efeitos sobre a política externa. Assim, de modo geral, questionam o Estado como ator fundamental das relações internacionais e que seus objetivos sejam exclusivamente definidos pela via exógena do sistema internacional, focando no processo de tomada de decisão e suas possíveis divergências (DOYLE, 2008, p. 50). Em outras palavras, verificam tanto os atores quanto as estruturas. Deve-se destacar que, no campo acadêmico das Relações Internacionais, não há uma teoria geral de política externa, mas abordagens que são classificadas dentro da subdisciplina de Análise de Política Externa. Nesse contexto, tanto pode-se considerar que há 30 pluralismo – devido às opções metodológicas e variáveis de análise – quanto entender que é um desarranjo, pelo baixo nível de estruturação da área para sistematizar sua produção científica. De acordo com o argumento de Smith (1986, p. 26), as teorias centradas no conceito de interesse nacional não se atêm a comportamentos que afetam os resultados da política externa. Os agentes que a influenciam estão difusos para além de uma elite específica e, apesar de não se limitarem aos formuladores estatais, estão concentrados ao redor do Estado que, por definição, carrega as instituições legitimadas para exercer essa ação internacional. Nesse sentido, é importante lembrar que a formulação, a decisão e a implementação da política externa podem estar separadas em instituições diferentes. O Congresso, no Brasil, tem atribuições principalmente na etapa decisória, mas pouca atividade na formulação e na implementação. É importante ressaltar que, usualmente, os modelos analíticos utilizados na bibliografia aqui selecionada possuem influências dos estudos desenvolvidos nos Estados Unidos. Não obstante, as pesquisas oferecem contribuições para a interpretação em outros países, inclusive no Brasil, apesar da transposição de modelos e categorias analíticas nem sempre se adequar totalmente às especificidades de cada local e conjuntura, porque os atores e as estruturas divergem. Nesse cenário, indubitavelmente, o trabalho de Robert Putnam (1988) é proeminente entre as referências da literatura internacional desse campo de pesquisas, com um modelo sobre os conflitos domésticos para definir o “interesse nacional”. Considerando o Congresso como porta-voz da sociedade dos EUA, seu artigo reflete sobre o sistema estadunidense, que é marcado por algumas especificidades nas funções congressuais, nas relações entre Executivo e Legislativo e no sistema partidário, diferentes da organização institucional no Brasil. Entretanto, seu instrumental analítico oferece contribuições para a aplicação ao caso brasileiro, porque, em síntese, conduz a investigação para examinar que há estruturas exógenas que constrangem o Executivo, quando este negocia nos níveis doméstico e internacional, porque age antecipando as possíveis reações do encaminhamento de um ato internacional ao Parlamento. Para Lima (2000, p. 276), a contribuição do modelo de Putnam integra a relação de causalidade da política doméstica na formação da política externa, ao verificar que os problemas de negociações entre Estados estão sobrepostos a suas ordens internas poliárquicas. Diante dessas considerações, apresentamos alguns aspectos da obra de Putnam (1988), 31 que elabora o conceito de “jogos de dois níveis”, ou seja, dois níveis nos quais o Estado – representado pelo Executivo nacional – age paralelamente, porque organiza as preferências domésticas e as representa, com uma posição média, nas negociações internacionais, cujos resultados devem ser discutidos internamente para ratificação. Assim, o governo busca atender às pressões domésticas, assim como evitar consequências negativas nas relações internacionais. Após a assinatura dos atos, tais instrumentos devem ser submetidos ao Congresso para aprovação e, consequentemente, obtenção de validade jurídica. Nesse ponto, deve-se sublinhar o pensamento de Putnam, porque entende que o Executivo negocia prevendo as reações que os resultados podem sofrer no plano doméstico. Em outros termos, sua margem de manobra não é totalmente livre, mas limitada pelas possíveis aprovações, junto ao Congresso, e pelos possíveis impactos que poderá obter, com outros atores domésticos que pressionam a conduta do Executivo para representar seus interesses e esperam resultados positivos. Entretanto, por questões de ordem conjuntural, os governos podem aproximar-se ou distanciar-se dos atores domésticos e querer maximizar seus interesses no plano internacional. Isso nos leva a crer que, apesar dos esforços analíticos de categorizar separadamente, não há divisão rígida entre as esferas do doméstico e do internacional, mas sim continuidade entre ambas, porque são mutuamente construídas. Dessa maneira, o autor afirma que se deve compreender três aspectos: as preferências e coalizões domésticas; as instituições domésticas; e as estratégias dos negociadores internacionais (PUTNAM, 1988, p. 442). Os atores internos que se interessam e se posicionam podem variar conforme a temática e a politização da agenda. No entanto, os negociadores no plano internacional nem sempre conhecem a situação doméstica que fortalece ou enfraquece o representante do Estado, as pressões que recebe de grupos internos e as capacidades de ratificação dos atos internacionais. Na perspectiva do autor, a investigação das determinantes domésticas da política externa, além das instituições e dos funcionários, deve verificar a política de partidos, classes, grupos de interesses, legisladores, opinião pública e eleições (PUTNAM, 1988, p. 432). Conforme salienta Lopes (2013), dentro da sociedade, são os atores com mais recursos que intervém no governo. É nessa lógica que convém diferenciar influência e atividade (MARTIN, 2000, p. 8-9), pois para compreender a relação entre Legislativo e política externa é necessário observar não apenas os resultados do que foi feito, mas também os processos que demonstram a influência do parlamento na construção da política externa. Assim, além da decisão pelos votos, há outros dispositivos que podem ser usados pelos congressistas em questões de relações 32 exteriores. Em uma estrutura como a do Brasil, é possível entender que há pouca atividade, mas maior influência em política externa, porque as preferências dos membros do Congresso são consideradas nas negociações com o Executivo, assim como os legisladores podem controlar o processo através de seus mecanismos procedimentais, como os de obstrução da pauta. De acordo com Diniz (2009, p. 28), além dos elementos observáveis como as votações, a influência do Congresso se dá pela antecipação das reações entre Executivo e Legislativo. Em outras palavras, ao formular e enviar um ato internacional, o Planalto planeja as possíveis respostas do Legislativo e as considera em sua estratégia, assim como o Legislativo busca prever as ações do Executivo e inseri-las no jogo de poder doméstico. Portanto, o Executivo tende a necessitar do apoio não apenas de suas bancadas, mas também dos líderes partidários e das Mesas Diretoras para facilitar a tramitação dos atos internacionais. Temos como exemplo, a capacidade da Mesa Diretora estabelecer regimes de urgência, de prioridade ou ordinários, quando recebe as mensagens presidenciais, para a tramitação nas comissões da Casa. Assim, dependendo da situação, o processo pode ocorrer mais rapidamente, diminuindo as possibilidades de oposição parlamentar, geralmente numa relação política doméstica de situação e oposição com o Governo Federal (DINIZ; RIBEIRO, 2008, p. 22). Os atos que passam por diversos temas devem ser analisados por diversas comissões, conforme o caso, o que pode acrescentar tempo ao processo, assim como oportunidades de rejeição ou de mantê-los tramitando sem votar a favor ou contra. Também para Lisa Martin (2000, p. 43), um dos mecanismos de influência parlamentar, a antecipação de reações legislativas pelo Executivo, influencia dois aspectos: os acordos que serão alcançados após as negociações e a percepção dos benefícios de cooperação internacional, o que facilitaria a aprovação dos atos atendendo tanto interesses do Executivo quanto do Legislativo e dando mais credibilidade às relações exteriores, o que é uma preocupação da autora em seu livro. De acordo com Krasner (1978, p. 63-4), o Congresso pode representar um problema para a Presidência, porque possui interesses diferentes e está fragmentado entre diversos atores. Ao representar localidades, atendem demandas mais específicas do que o governo que lida com o país de modo mais amplo. São essas bases que não apenas os influenciam durante o mandato, mas que também os elegem, local ou nacionalmente. Ademais, ao não ser coeso e centralizado como é o Executivo, o Legislativo demanda ao governo uma série de negociações em cada uma de suas instâncias, como as comissões e os partidos componentes. 33 Para Ferreira (2005), apesar do Congresso buscar participar mais do processo de política externa, a estrutura centralizada dificulta a atuação independente dos legisladores, em relação ao Executivo. No Brasil, desde a redemocratização e, principalmente, nos anos 2000, foram realizados mais trabalhos sobre a relação entre o Congresso e política externa, revisando as teses de que o Parlamento abdicaria de suas funções ou as delegaria ao Executivo, no tocante à política internacional. Dessa maneira, nota-se uma ampliação na Análise de Política Externa Brasileira ao dedicar investigações para outros atores do Estado, ou seja, além dos que compõem o Executivo, como a Presidência e os Ministérios de Relações Exteriores e de Defesa. Assim, o Legislativo é situado como parte do processo decisório e composto tanto por sua estrutura interna (Casas legislativas, comissões, partidos e parlamentares) quanto por sua relação com demais instituições do Estado e da sociedade civil. Esse movimento é importante para debater o argumento de que o Legislativo, após o processo constituinte na década de 1980, decidiu abdicar suas competências em política externa ou delegá-las ao Executivo. Segundo Lopes (2013), a democratização do Brasil e da política externa brasileira distribui competências entre os 3 poderes, cabendo ao Legislativo ratificar o que é assinado pelo Executivo, ao passo que o Judiciário verifica sua constitucionalidade, em um sistema de freios e contrapesos que mantém a institucionalidade da produção de política externa. Para Lima (2003), a delegação do Legislativo ao Executivo ocorre porque há concordância de objetivos entre as duas instituições, mas que o Congresso não abdica de seus poderes, podendo ter incentivos para retomá-los se houver discordâncias entre os dois Poderes, principalmente quando o tema se torna mais politizado, afetando o conjunto da sociedade ou setores específicos da mesma. Em sua análise, isso pode ocorrer por duas maneiras: devido a custos e benefícios que atinjam diretamente grupos de interesse ou parcelas do eleitorado que influenciarão os parlamentares; ou pelo custo simbólico da soberania nacional que mobilize o eleitorado. Também de acordo com Lima (2003), a ratificação interna do que é negociado externamente confere credibilidade às relações exteriores de um Estado e, em seu argumento, é o elemento da credibilidade que vincula a política externa ao Legislativo, assegurando que o Executivo possa implementar o que assinou no nível internacional. Já Ribeiro (2016) entende que, dentro das atribuições que lhe competem, o Legislativo tem atuação e debate sobre política externa, com posições favoráveis ou desfavoráveis ao 34 governo estabelecido no Executivo, demonstrando o interesse na participação desse processo decisório. Pinheiro (2003) afirma que as preferências dos eleitores deveriam ser formalizadas pelos congressistas, porém no Brasil isso não ocorre com política externa. Logo, não há construção de consensos antes da efetivação dos atos internacionais, mas sim posteriormente. Aqui, convém ressaltar que, antes de submeter ao Legislativo, o que é decidido pelo Executivo nas negociações internacionais não é resultado de unanimidade, mas envolve disputas dentro dos grupos do governo para decidir as prioridades da política do Estado. No caso brasileiro, a diplomacia é preponderante na tomada de decisão, mas necessita lidar com a complexidade da articulação com os demais órgãos da administração federal (VIGEVANI; MARIANO, 1997). Nesse sentido, detemo-nos sobre o marco jurídico que regula a aprovação dos atos internacionais e a interação entre os Poderes neste aspecto, estabelecendo o grau de delegação de funções entre as partes. Ressaltamos o texto constitucional de 1988 que estabelece as atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo referentes à política externa. Para o primeiro, mais especificamente para o Presidente, determina, no artigo 84, que é de sua competência “manter relações com Estados estrangeiros” e “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (BRASIL, 2012, p. 106). Já pelo artigo 49, ao Congresso compete “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (BRASIL, 2012, p. 81). Dessa maneira, conforme Coelho (2015, p. 12) afirma, o Legislativo tem o poder de vetar definitivamente um acordo, não sendo possível o Executivo revogar o veto. Entretanto, a ratificação para validar um ato internacional não se encerra com a aprovação congressual, pois necessita da sanção da Presidência. Sendo assim, com poucas modificações em relação à Constituição da ditadura militar – no que se refere à produção de política externa4 –, nota-se que o Executivo brasileiro é responsável direto pela formulação e pela execução da política externa, representando o Estado no exterior, mantendo relações com os atores estrangeiros, escrevendo e assinando os atos internacionais5. Lopes e Valente (2016) assinalam que, ao especificar orientações temáticas à política externa na Constituição de 1988, redistribuiu-se as capacidades entre os 4 Por outro lado, houve inovação no artigo 4º da Constituição de 1988, que orienta os princípios das relações exteriores brasileiras, principalmente ao especificar a integração latino-americana como um objetivo. A interpretação a respeito desse artigo conforme os diferentes governos demonstra um campo de disputas a respeito das relações internacionais que se vincula ao cenário político doméstico. 5 Para mais informações sobre as continuidades e descontinuidades na política externa na transição da ditadura à democracia, sugere-se ver Lopes (2017) e Ferreira (2005). 35 Poderes, pois o Legislativo e o Judiciário passaram a poder controlar se a condução da política externa pelo Executivo atende os princípios constitucionais. No entanto, os atos assinados pelo Executivo não são incorporados automaticamente ao ordenamento jurídico doméstico, porque necessitam da aprovação das duas Casas do Congresso – tendo a Presidência a faculdade de decidir o momento do encaminhamento do Executivo ao Legislativo. Portanto, apesar de não estar envolvido na construção dessa agenda, o Legislativo tem a função de, numa segunda etapa do processo e seguindo sua velocidade, decidir sobre a validade dos protocolos assinados pelo Executivo, contudo sem poder de alteração do texto, isto é, age após a firma do ato. Logo, a ação inicial do Executivo na política externa e os encaminhamentos dados podem ser constrangidos pelas facilidades ou dificuldades de obter resultados positivos do Legislativo que controla o processo referente à incorporação das normas. No entanto, as matérias aprovadas no parlamento, publicadas como Decretos Legislativos, devem ser sancionadas ou vetadas pela Presidência. Assim, apesar da Constituição especificar que o Congresso resolve “definitivamente” sobre esses acordos, caso haja uma deliberação favorável, a última etapa do processo de ratificação é dada pela Presidência. Em síntese, as decisões iniciais e finais dos atos para sua validação são prerrogativas do Executivo. Segundo Rezek (2011, p. 88), deve haver interação entre os dois Poderes para que haja consentimento institucional a respeito dos atos internacionais, porque os procedimentos de ambos são necessários, mas, individualmente, não são suficientes para que sejam ratificados. Nesse sentido, a cooperação e a negociação entre as duas partes – e seus respectivos grupos componentes – formam parte dos instrumentos para conseguir a aprovação. Em outras palavras, a formulação, a decisão e a implementação da política externa podem ocorrer em instituições diferentes, cabendo ao Congresso funções sobretudo na fase decisória, com pouca atividade na formulação e na implementação. Sendo assim, o que é aprovado pelo Legislativo pode ou não ser efetivamente executado pela Presidência. Apesar de não se deterem nas unicidades da política externa, algumas pesquisas da área da Ciência Política contribuem à compreensão do papel do Congresso como ator no processo aqui analisado, diante da relativa escassez de trabalhos no Brasil que se detenham especificamente na relação entre política externa, Congresso e partidos políticos. Considerando que parte das obras deste tema investigam o cenário estadunidense que possui características distintas das brasileiras, destacamos alguns aspectos a seguir. Com um sistema 36 virtualmente bipartidário6, a Casa Branca é apoiada pelo partido do Presidente e não por uma coalizão multipartidária e multideológica, como é o caso do Planalto e outros países presidencialistas. Diante disso, para entender o texto constitucional brasileiro apresentado acima, ressalta-se a conceituação desenvolvida por Cheibub e Elkins (2009) que entende a Constituição de 1988 como híbrida. Em outras palavras, apresenta tanto elementos presidencialistas quanto parlamentaristas. Assim, os dispositivos brasileiros de interação entre Legislativo e Executivo não se enquadram nos modelos para presidencialismo ou parlamentarismo, mas apresentam características específicas nessa Constituição. Segundo os autores, a principal diferença entre os dois sistemas baseia-se na necessidade de o Planalto depender, ou não, de maioria parlamentar para sobreviver. No entanto, outras características, analisadas por Cheibub e Elkins (2009), demonstram a constituição brasileira como não sendo exclusivamente presidencialista, no seu desenho de relações entre os dois Poderes. Dessa maneira, nota-se um importante papel do Congresso para aprovar as pautas de interesse do Executivo, assim como para este formular suas políticas. Esse quadro deve ser lido diante da característica brasileira do presidencialismo de coalizão, porque a “agenda da maioria” (LIMONGI; FIGUEIREDO, 2009) é composta por preferências de diversos partidos e dos atores que os compõem. Logo, há esforços para ter sucesso com grande número de partidos na coalizão, devido à possível falta de concordância de interesses entre eles. Dessa forma, observa-se chaves explicativas que auxiliam a interpretar o tratamento da política externa no Congresso e seus resultados, conforme a composição partidária de cada legislatura e governo, a partir dos resultados eleitorais. Portanto, apesar do poder de agenda que o Executivo possui, necessita do apoio da maioria para a aprovação dos atos, não conseguindo governar contra a maioria. Ademais, Limongi e Figueiredo (2009) investigam o poder de agenda do Executivo sobre o Legislativo e a capacidade de aprovação das pautas que envia ao Congresso que consideram altas, devido à formação de bases partidárias de apoio. No entanto, realçam o aspecto de que o Executivo busca antecipar as reações do Legislativo, selecionando como, quando e quais propostas serão submetidas aos trâmites parlamentares. Logo, enviam as que tem maior chance de aprovação, como podemos verificar no tempo de encaminhamento do Protocolo de Adesão ao Congresso. Apesar de assinado em julho de 2006, foi apresentado pelo Executivo à Câmara dos Deputados em fevereiro de 2007. Dessa maneira, o período em que o documento ficou retido na Presidência pode ser lido como uma estratégia para enviá-lo 6 Utilizando o conceito de partidos relevantes de Sartori (1982). 37 em condições nas quais tivesse mais chances de aprovação, diminuindo o risco de ser rejeitado e/ou de criar debates intensos que afetassem seus interesses no jogo político doméstico. Isso porque, entre julho de 2006 e fevereiro de 2007 devem ser destacadas as eleições, nas quais houve a reeleição de Lula e a renovação de mandatos dos deputados federais e de 1/3 dos senadores. Dessa maneira, o Parlamento assume um papel importante por controlar o que é incorporado ao ordenamento jurídico interno, mesmo que as propostas sejam assinadas pelo Executivo. Em suma, reitera-se o argumento de que o Estado não é ator unitário, nem possui interesse nacional consensual, mas apresenta uma multiplicidade de agentes domésticos que afetam a condução da política externa. Apesar de o Executivo ter o papel de representação e negociação no plano externo, os atos consequentes dependem das dinâmicas de tramitação e aprovação legislativa. Ainda que se considere apenas o Executivo, tampouco é uma estrutura unificada. Seus dirigentes destacam-se na intermediação das demandas das esferas interna e externa, porque estão expostos a ambas e negociando nas duas frentes, isto é, não estão isolados das pressões nem tem uma perspectiva homogênea (PUTNAM, 1988, p. 432-3). Portanto, as coalizões políticas de apoio ou oposição estão mescladas nessas fases do processo de política externa. Sendo assim, as regras e os procedimentos legais domésticos são fatores que afetam o processo decisório, ao decidirem se as ações de política externa podem ou não ser implementadas no país. Simone Diniz (2009), ao verificar o status de todas as matérias internacionais tramitadas no Legislativo a partir da redemocratização, conclui que o Congresso, além de aprovar ou rejeitar, tem o poder de “não-aprovar”. Utilizando a Câmara dos Deputados como estudo de caso para o Congresso, trabalha com 3 hipóteses para explicar as proposições não- aprovadas: o Legislativo seria um ator de veto ao Executivo; as matérias não seriam prioritárias para a agenda do Executivo; os prazos seriam normais para os padrões legislativos. A autora elimina a hipótese de que haja um sistemático veto institucional ao Executivo e apresenta uma série de variáveis que explicam as não-aprovações. São elas: a revisão da posição do governo em relação à matéria; priorização de outros projetos pelo Executivo; estrutura da agenda legislativa que diminui a prioridade da apreciação de atos internacionais; tramitação regular dos trabalhos parlamentares, sem que o Executivo demande que sua base de apoio acelere os processos; e oposições dos congressistas, em poucas ocasiões. Na sua análise sobre as leis deliberadas durante os mandatos dos presidentes Sarney, 38 Collor, Itamar, Cardoso e Lula7, Diniz (2009) indica que, apesar da média geral de aprovação ser de 89%, no governo Lula apenas 58% dos atos foram aprovados, isto é, do total de 189 nesse período, 128 foram aprovados e 61, não-aprovados, diferenciando esse período dos demais que possuem taxas de 90% ou mais de aprovação dos atos internacionais enviados. Esses dados incluem mensagens encaminhadas por gestões anteriores, mas com decisões na legislatura deste período. Ao investigar quais foram aprovados no mesmo mandato em que foram enviados, nota-se que o governo Lula teve a maior taxa de sucesso, com 78%. Frente ao exposto, a autora demonstra que os resultados das deliberações estão vinculados às relações entre o governo e sua base de apoio congressual. Nesse sentido, Diniz (2009) entende que, por meio dos procedimentos à disposição, os parlamentares podem controlar a velocidade da tramitação das matérias, conforme as barganhas feitas entre Legislativo e Palácio do Planalto e entre oposição e governo. Dessa maneira, considera-se como uma estratégia intencional a indefinição sobre a legislação, sem aprovar nem rejeitar. Na interpretação de Ferrari (2011, p. 89), também deve ser feita uma análise qualitativa dos acordos deliberados no Congresso, pois a maioria que foi aprovada podia ser de temas no quais não houvesse interesse dos legisladores ou conflito entre suas opiniões, que se manifesta na porção minoritária que enfrenta maior dificuldade para aprovação. Outro modo de mensurar a atuação congressual em política externa é oferecido por Lemos (2010), indicando que a aprovação de embaixadores pelo Senado é mais demorada (75 dias, em média) do que a de ministros do Supremo Tribunal Federal (19 dias) e presidentes e diretores do Banco Central (16 dias). Esse dado tanto pode ser interpretado como indiferença do Legislativo à nomeação de embaixadores, tendo autoridades domésticas como maior preocupação, quanto como uma preocupação para validar os indicados, construir consensos para sua aprovação e sinalizar ao Executivo que há uma relação de dependência entre os dois poderes e que o parlamento pode rejeitar os nomes a embaixadores. Lemos também aponta que o número de audiências públicas sobre relações exteriores é alto, em comparação aos temas domésticos, o que significa uma dedicação do trabalho do Congresso a essa agenda. Em sua pesquisa, detectou também que esses assuntos não são exclusivos das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e do Senado, mas passam por outras instâncias, em um sinal de descentralização do debate que inclui mais legisladores além dos 7 No levantamento de dados feito por Simone Diniz, apenas o primeiro mandato de Lula (2003-2007) é coletado. 39 que estariam primariamente interessados na pauta internacional. Herculano (2016), analisa as faces jurídica e política das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado, durante as legislaturas entre 2003 e 2010. A autora sintetiza que o Congresso atua apenas na aprovação ou rejeição após a assinatura do texto, sem agir nas demais fases referentes aos tratados, que cabem ao Executivo. Seu trabalho conclui que essas comissões possuem autonomia ao lidar com temas da pauta internacional, o que não significa concordar automaticamente com o Planalto ou com o Itamaraty. Em outros termos, as comissões parlamentares assumem protagonismo na tomada de decisões sobre a política externa, podendo convergir ou divergir com os atores do Executivo. Para Herculano, ambas as comissões representaram os embates com o Planalto, no período pesquisado, principalmente no âmbito do Senado, onde a oposição esteve mais representada. Sendo assim, essa perspectiva pluralista entende que as relações internacionais se definem não apenas pelas interações entre os Estados, mas também pelas condicionantes internas. A pesquisa de Herculano (2016) aponta que a maior parte das propostas analisadas pela CREDN, na Câmara, é constituída por Mensagens do Executivo, grupo no qual se insere o Protocolo de Caracas. Para a autora, esse dado não ressalta o poder de agenda do Executivo, mas é um fator dentro da normalidade, pois o Executivo detém a representação estatal para a assinatura dos atos internacionais, que são encaminhados ao Congresso como Mensagens. Em seu levantamento, detectou também que a quantidade de questões referentes ao Mercosul assumiu a maior parcela das agendas da CREDN e da CRE. O estudo de caso que nos propomos a fazer enfatiza a deliberação em relação ao Protocolo de Caracas. Este ato internacional foi enviado ao Congresso para aprovação que lhe conferiu validade jurídica, incorporando-o ao ordenamento jurídico interno e permitindo sua execução externa, no Mercosul. Portanto, é uma ação da política externa brasileira voltada à integração regional sul-americana. Nesse contexto, cabe destacar que Alcântara (2001) argumenta que os atos internacionais provenientes dos processos de regionalismo são distintos dos demais atos de política externa deliberados nacionalmente, por terem maior peso do Executivo na decisão de aprovação e por proverem de um acordo previamente existente – no caso, o Tratado de Assunção, de 1991 – que estimula a aprovação dos atos. Conforme Mariano e Ramanzini Júnior (2012, p. 33), o Mercosul apresenta uma “inclusão limitada de novos atores domésticos”, concentrando a condução do bloco nos presidentes e nos diplomatas, sem envolvimento de outros atores domésticos. Além disso, 40 Vigevani, Mariano e Oliveira (2001) sustentam que apesar do Legislativo ter participação formal no Mercosul desde o seu início, através da Comissão Parlamentar Conjunta, não conseguiu influenciar os resultados da integração, nem representar os interesses políticos e sociais – o que levou à criação do Foro Consultivo Econômico-Social. Para os autores, os partidos e os congressistas não participaram ativamente no processo de integração, porque se envolviam com a agenda doméstica no contexto da redemocratização e não viam resultados eleitorais com o envolvimento no Mercosul, dando autonomia aos negociadores do Executivo. Um dos resultados do artigo é que “nenhum fato ou decisão relevante ocorrido no Mercosul na década de noventa contou com a participação dos representantes do legislativo” (VIGEVANI; MARIANO; OLIVEIRA, 2001, p. 207). Ao atualizar a discussão para um período mais recente, percebemos que houve uma mudança nesse espaço de tempo e o Congresso conseguiu mais espaço de atuação no Mercosul, assumindo uma posição mais ativa, como é visto pelo caso em estudo, no qual um dos episódios mais importantes da história do Mercosul teve um papel decisivo dos parlamentos. Assinalamos também que o parlamento, na perspectiva do quadro institucional republicano, é a representação política e conciliação de interesses de diversos setores do território e também é o espaço de debates entre os parlamentares eleitos e estruturados em partidos. Sendo assim, destacamos abordagens da bibliografia que aprofundam as divergências que podem haver dentro do Poder Legislativo. Logo, é possível analisar as divergências e as convergências entre os partidos que, nas democracias representativas, são organizados com o monopólio da representação política e ocupam as cadeiras eleitas para o Congresso. 2.2 Partidos e Política Externa Dentro do órgão parlamentar, nota-se a competição de projetos de inserção internacional, de modelos econômicos e posicionamentos políticos dos congressistas e dos partidos que podem ser vistos nas manifestações sobre a ampliação do Mercosul. Nesta seção, discutimos a literatura que analisa o tema da política externa dentro do Congresso, verificando o papel dos partidos, dos parlamentares e da estrutura institucional do Legislativo, em interação com atores econômicos, sociedade civil, eleitorado e Poder Executivo. Em sua obra pioneira, Marcel Merle (1978) afirma que a prática partidária privilegia a 41 política doméstica, em detrimento da externa. Considerando a pequena quantidade de debates e ações envolvendo o internacional, com exceção das provindas de alguns filiados que se especializam no tema, o autor destaca a importância de analisar qualitativamente, e não quantitativamente, o papel dos partidos em política externa. Logo, para o autor, independentemente dos posicionamentos ideológicos, os assuntos internacionais se inserem na estratégia dos partidos, visando a disputa por poder na arena doméstica com os opositores ou apoiadores, apesar de não ser um interesse divulgado abertamente à sociedade (MERLE, 1978, p. 84). Segundo Merle, as exceções a esse padrão ocorrem quando algum fenômeno internacional converge maior interesse da população. Assim, os partidos podem apresentar o cenário internacional e os Estados tidos como modelos a serem seguidos ou a serem repudiados para criticar o governo ou propor soluções que fariam no poder. Isso posto, denota-se que a atuação da política internacional tem faces interna e externa. Em síntese, o argumento de Merle versa que os temas de política externa são tratados pelos partidos dentro da lógica de política doméstica, nas relações estratégicas com os demais partidos, com o eleitorado e com a oposição ou situação. Isso decorre da atuação essencialmente focada no jogo político interno, sem poder de ação direta nos acontecimentos além das fronteiras dos Estados. Ao considerar que os cidadãos se preocupam mais com a situação doméstica, mesmo que tenha raízes externas, os partidos agem no âmbito no qual podem responder a tais pressões. Portanto, a política externa é utilizada como instrumento da política interna (MERLE, 1976, p. 417). Ademais, o artigo de Paulo Roberto de Almeida (1986) é uma das primeiras sistematizações brasileiras sobre partidos e política externa. Almeida afirmou que os temas de política externa estavam em crescente importância nas estratégias dos partidos brasileiros, ainda que se mantivessem e se mantenham como temas de importância secundária nos seus programas. Sua exposição, escrita na década de 1980, oferece um panorama da política externa dentro dos partidos, tendo como base os estudos europeus existentes à época, e analisando os partidos da República de 46, da ditadura militar e do sistema partidário que começou a ser desenhado no final do regime. Um dos aspectos que destaca é o da redemocratização permitir maior participação dos partidos nos assuntos internacionais, permeando a estrutura organizacional controlada pela ditadura. Para compreender a atuação dos agrupamentos partidários, que agem através dos representantes eleitos para o Legislativo e para o Executivo, em relação à política externa, destacamos a investigação de Mesquita (2012) que propõe explicações para o comportamento 42 dos partidos políticos em relação à política externa, no período pós-redemocratização, partindo do pressuposto que nesse recorte temporal os partidos deram maior importância aos temas de política externa no Brasil. Assim, entende que na transição da ditadura militar para a Nova República, mais atores domésticos puderam participar da formulação e da decisão da política externa. Seu artigo apresenta quatro hipóteses para a mudança nessas décadas. De acordo com o autor, a primeira passa pelo processo de politização da política externa, devido à redemocratização que permitiu a participação dos partidos como atores nas instâncias referentes a essa política. Mesquita destaca, principalmente, o relativo desencapsulamento do Itamaraty. A segunda hipótese refere-se à dinâmica sistêmica e à inserção internacional brasileira como catalisadora do interesse partidário pela agenda externa, porque as esferas doméstica e internacional estariam mais interligadas, afetando as estratégias dos atores políticos. A terceira hipótese propõe que a participação de alguns partidos na política externa impulsionou que outros agrupamentos competissem para agir nessa arena. Por fim, a quarta aborda a estrutura interna dos partidos que haveria incentivado o desenvolvimento da reflexão e da ação sobre política externa. No artigo, debruça-se sobre as alterações ocorridas dentro do PSDB que passou a dedicar-se à temática recentemente, diferentemente do PT que possui uma tradição internacionalista desde sua fundação. Essas quatro explicações não são excludentes entre si, mas se cruzam, para apresentar um quadro analítico que permite compreender a atuação dos partidos especificamente em política externa. Contudo, isso tampouco significa que os partidos sejam, isoladamente, atores com poderes para conduzir essa política. Logo, devem ser lidos na dinâmica mais ampla da estrutura de governo. Oliveira e Onuki (2010) abordam a polarização partidária existente em política externa e sua influência, direta e indireta, destacando o papel específico dos partidos, sem desconsiderar a variável da composição de coalizões governamentais entre Executivo e Legislativo. Uma de suas propostas é discutir se a coesão ideológica (relação entre os valores do ator e o expressado no Congresso) e a disciplina partidária (baixa dissidências nas votações, controlada por benefícios ou sanções) são diferentes em matérias de política externa, comparando-as com as domésticas. Considerando que a política externa não é um tema com grande impacto eleitoral, as lideranças partidárias teriam menor interesse em controlar os votos dos parlamentares de suas bancadas, permitindo que expressassem suas opiniões sem constrangimentos, evidenciando a polarização ao redor do tema. No entanto, 43 temas considerados críticos podem despertar outros comportamentos. Além disso, Oliveira e Onuki analisam os programas da maioria dos partidos (com maior ênfase em PMDB, PPS, PSDB e PT), para identificar as alterações nos conteúdos das diretrizes para a política externa. Para os autores, esses posicionamentos podem ser agrupados em três conjuntos: os que divergem numa base esquerda-direita (como a importância dada às relações Sul-Sul e Norte-Sul e a integração regional com o Mercosul); os que tem conteúdos comuns, independentemente da ideologia partidária (participação em organismos multilaterais, por exemplo); e os que tem prioridades específicas que não são compartilhadas com outros partidos. Nesse sentido, nota-se que há polarização ao redor da Política Externa Brasileira, articulada pelos principais partidos – sobretudo, PT e PSDB –, mas também que grande número de partidos se posiciona genericamente sobre o tema, como o DEM, sem aprofundar um posicionamento claro em seus programas político-ideológicos. Dessa maneira, o tópico é conduzido conforme a conjuntura desenvolvida durante os governos. De acordo com os autores, nas últimas duas décadas, os posicionamentos partidários a respeito do Mercosul se polarizaram, culminando no auge da discussão sobre a entrada da Venezuela no arranjo regional. Esse entendimento também é seguido por Velasco e Cruz que afirma que “Para a oposição a política externa surge como uma área privilegiada porque nela o ataque direto ao governo pode ser conduzido a um custo mínimo, dada a indiferença da grande maioria da população a questões internacionais” (CRUZ, 2010, p. 114). Em sua obra, também destaca a incorporação da Venezuela como um episódio de maior relevo dentro da ação do Congresso de tramitações de política externa. A partir das discussões sobre o impacto da redemocratização, o trabalho de Lima (2000), sobre a compatibilidade entre instituições democráticas e política externa, ressalta convergências entre as políticas doméstica e externa, quando os governantes democráticos ambicionam aprovação da opinião pública, para continuarem a ser eleitos. Para Lima, o processo de aprovação congressual pode ser lido como um mecanismo de prestação de contas que limita os excessos do Executivo. Ademais, de acordo com a autora, deve-se diferenciar Estado e governo, permitindo a ênfase nos governantes e assumindo que não há consenso interno em torno do interesse nacional. Em seu argumento, com a reforma institucional a partir da redemocratização e da abertura econômica liberalizante, os setores envolvidos procuraram ter mais representação na política externa, permeando mais seus processos decisórios, assim como os das demais políticas que implicam em distribuições. Desse modo, 44 entende-se que a conjuntura doméstica, em suas facetas política e econômica, e questões de ordem sistêmica, como o fim da Guerra Fria e o redesenho da distribuição de poder mundial, afetaram a interação dos grupos de interesse com a política externa, pressionando tanto o Executivo quanto o Legislativo. Por outro lado, Pedro Feliú Ribeiro e Flávio Pinheiro (2016) debatem a problemática do apoio legislativo às iniciativas de política externa, questionando se há diferenças nos níveis dados às políticas doméstica e externa e examinando os fatores determinantes em diferentes governos latino-americanos. Seus dados passam por 22 presidentes, em 8 países, entre 1994 e 2014. Mais especificamente, observam o Brasil entre 1995 e 2011, isto é, sob os mandatos de Fernando Henrique e Lula. Uma das conclusões dos autores é que as ideologias partidárias, o tamanho das coalizões governantes e o número efetivo de partidos são as principais variáveis para determinar o apoio à política externa da Presidência (RIBEIRO; PINHEIRO, 2016, p. 469). Outros dois elementos que acrescentam a essa explicação são o bicameralismo e o “período de lua-de-mel”. Este refere-se ao momento imediatamente posterior à posse, no qual há maior facilidade para aprovação de projetos, porque os atores políticos buscam compor o governo. O estudo desenvolvido pelos autores indica que a taxa de aprovação das propostas presidenciais de política externa é alta em todos os países analisados. Os resultados de suas análises apontam que coalizões maiores não significam maiores polarizações nos debates de iniciativas de ordem internacional. Segundo os autores, a explicação para esse padrão se dá porque os parlamentares têm menores custos para se expressar contrariamente nesses casos. Em outras palavras, desenham uma estratégia para que se apresentem como alternativas eleitorais e políticas ao projeto internacional que é conduzido pelo governo. Nesse contexto, os dados coletados reforçam a premissa de que a divisão entre situação e oposição importa para o padrão de votação parlamentar nas matérias de política externa. Os membros da oposição votariam contra o governo para manifestar sua oposição à Presidência e não sua opinião específica contra a proposta (RIBEIRO; PINHEIRO, 2016, p. 484). Ademais, Ribeiro e Pinheiro utilizam a votação do ingresso venezuelano ao Mercosul como estudo de caso. Para o episódio do Mercosul, verificam que os comportamentos dos congressistas acompanharam a relação entre governo e oposição, além da variável regional, isto é, representantes de áreas economicamente mais vinculadas com a Venezuela tiveram mais incentivos para votar a favor da adesão, apesar de serem oposicionistas ao governo do PT. Vale ressaltar o argumento que, na América Latina, com grandes coalizões de governo, 45 os partidos de oposição acreditam que tem poucas chances de efetivarem suas alternativas e, portanto, utilizam o processo legislativo para discursarem contra, mas prevendo que as matérias serão aprovadas pela situação a favor da Presidência. Sendo assim, considerando que os presidentes são eleitos sem maioria de seus partidos no Congresso e que o Legislativo possui condições para bloquear a agenda presidencial, os partidos são estratégicos para a definição das políticas (INÁCIO, 2011, p. 168). De acordo com Power e Zucco Jr. (2011a, p. 306), dentro de um presidencialismo de coalizão como é o caso do Brasil, a clivagem entre governo e oposição é uma das principais explicações acerca das estratégias que condicionam o comportamento dos parlamentares. Portanto, somando à concepção de Diniz (2012, p. 175), pode-se entender que uma alta taxa de aprovação dos atos internacionais submetidos ao Congresso decorre da associação entre o Executivo e sua base parlamentar, ao mesmo tempo em que demonstra que há oposição e propostas distintas de relações exteriores pelos legisladores. Em síntese, não há consenso sobre o que determina os posicionamentos tomados pelos legisladores em temas internacionais e, logo, podemos entender que não há uma única explicação, mas sim uma multiplicidade de causas que interagem na dinâmica do jogo político. Acreditamos, assim como parte da literatura interpreta, que tais posicionamentos são definidos nas relações entre Executivo e Legislativo e, mais especificamente, entre situação e oposição. Dessa maneira, a filiação partidária importa para orientar como votam os deputados federais e senadores, porque os situam no contexto político doméstico. As exceções a esse padrão podem ser explicadas por outros fatores, como o projeto ideológico ou a origem federativa do parlamentar que, por razões eleitorais, buscaria atender interesses locais de sua base de apoio pessoal. Sendo assim, a proposta da investigação é avançar no debate sobre as razões que determinam os comportamentos das bancadas parlamentares, especificando os aspectos que não foram aprofundados pela literatura. 2.3 Atividade internacional dos parlamentos Conforme visto anteriormente, uma das mudanças no ambiente do sistema político brasileiro nos últimos anos é a redistribuição de forças na tripartição dos poderes da República, com o Legislativo reivindicando maior papel, inclusive no espaço de deliberação da política externa. No contexto de globalização, as questões internacionais – como a pauta de 46 integração regional – foram incorporadas à agenda doméstica, em um cenário no qual os parlamentos nacionais interagem com os dois níveis. Diante dessa leitura, co