UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR) E À FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS (UNESP – JABOTICABAL). Caso de interesse: Mandibulectomia parcial em cão após fratura por trauma Marcely Bardez Jorge UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR) E À FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS (UNESP – JABOTICABAL). Caso de interesse: Mandibulectomia parcial em cão após fratura por trauma. Marcely Bardez Jorge Orientadora: Profa. Dra. Paola Castro Moraes Supervisores: Prof. Dr. Rogério Ribas Lange Prof. Dr. Áureo Evangelista Santana JABOTICABAL – S.P. 1º SEMESTRE DE 2024 AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais Marco e Márcia e à minha irmã Maytê por todo apoio, incentivo, acolhimento e por nunca me deixarem desistir da graduação. Sem vocês eu não estaria apresentando este trabalho. Agradeço aos amigos que fiz durante o curso, em especial ao Felipe, Jhennifer, Gabriele, Raíssa, Gabriel e Luana, com certeza sem a presença e apoio de vocês este período seria muito mais difícil. Agradeço aos grupos que tive o privilégio de fazer parte durante a graduação: CAVet, GEFel, e Coral da Unesp que me trouxeram muito aprendizado e crescimento profissional e pessoal. Aos locais de estágio curricular, Laboratório de Odontologia Veterinária e Laboratório de Patologia Clínica Veterinária, agradeço pela oportunidade e experiências e pelas pessoas que conheci e que me ensinaram tanto durante este período, em especial à Juliana, Petra, Caroline, Maria Ângela e ao Gabriel. À minha orientadora Profa. Dra. Paola Castro Moraes, agradeço por toda a paciência, compreensão e suporte passados durante meu estágio curricular e a elaboração deste trabalho. Por fim, mas de maneira alguma menos importante, agradeço à Benê, minha cachorrinha. Sem você eu não conheceria o sentimento mais puro que já senti. Obrigada pelo seu amor e por todos os ensinamentos. vi SUMÁRIO I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO .................................................................................. 1 1. Introdução ........................................................................................................... 1 2. Descrição dos locais de estágio curricular ....................................................... 1 2.1 Hospital Veterinário Da Universidade Federal Do Paraná (HV-UFPR) .......... 1 2.2 Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” (HV) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp - Jaboticabal) ....................................... 4 3. Descrição das atividades.................................................................................... 8 3.1 Hospital Veterinário da Universidade Federal Do Paraná (HV-UFPR) ........... 8 3.2 Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” (HV) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp - Jaboticabal) ......................................12 4. Discussão das atividades desenvolvidas ........................................................15 5. Conclusão ...........................................................................................................16 II. MONOGRAFIA ....................................................................................................17 MANDIBULECTOMIA PARCIAL EM CÃO APÓS FRATURA POR TRAUMA ...........17 1. Introdução ..........................................................................................................17 2. Revisão de Literatura .........................................................................................18 2.1 Revisão anatômica ..........................................................................................18 2.2 Etiologia ...........................................................................................................21 2.3 Manifestações clínicas ....................................................................................22 2.4 Diagnóstico ......................................................................................................22 2.5 Tratamento .......................................................................................................24 2.5.1 Escolha do método de tratamento ...........................................................25 2.5.2 Métodos de tratamento .............................................................................26 2.5.2.1 Imobilização com focinheira ..................................................................26 2.5.2.2 Estabilização interdental (técnica de amarria) .....................................26 2.5.2.3 Tala acrílica intraoral ..............................................................................27 2.5.2.4 Estabilização com fio intraósseo (técnica de cerclagem) ...................28 2.5.2.5 Estabilização com miniplacas e parafusos ..........................................30 2.5.2.6 Mandibulectomia ....................................................................................31 2.6 Complicações ..................................................................................................32 3. Relato de caso ....................................................................................................33 4. Discussão ...........................................................................................................42 5. Conclusão ...........................................................................................................45 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................46 vii MANDIBULECTOMIA PARCIAL EM CÃO APÓS FRATURA POR TRAUMA RESUMO - As fraturas mandibulares são de grande importância na rotina veterinária de animais de pequeno porte, e quando ocorrem, é necessário imobilizar a lesão para restabelecer a mobilidade funcional do osso. Muitas técnicas são propostas para o tratamento, como o uso de focinheira de esparadrapo, a fixação com fios interdentais ou intraósseos, o uso de tala acrílica intraoral ou de placas ósseas, ou ainda a mandibulectomia, técnica cirúrgica de retirada da mandíbula de acordo com a localização e extensão do comprometimento ósseo. Sua indicação é comum nos casos de reparo primário malsucedido e subsequente osteomielite mandibular, ou quando não é possível outro tratamento. O presente estudo relata o caso de um cão da raça shih-tzu, com histórico de queda de um beliche. Por meio de radiografias cranianas e intraorais foi constatada a fratura mandibular. Foram relatadas várias tentativas de tratamento em clínica veterinária externa, porém malsucedidas. O paciente foi encaminhado para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná quando já apresentava união óssea retardada crônica que evoluiu para uma não- união óssea com defeitos ósseos, levando a uma extensa reabsorção óssea. Diante disso, a técnica escolhida como tratamento foi a mandibulectomia parcial. Foi prescrito no período pós-operatório anti-inflamatório, analgésico, dieta pastosa e limpeza oral. A recuperação total do animal se deu após sete dias de procedimento cirúrgico. Palavras-chave: fratura mandibular, união óssea retardada, não-união óssea, reabsorção óssea viii PARTIAL MANDIBULECTOMY IN DOG SUBSEQUENT TO TRAUMA FRACTURE ABSTRACT - Mandibular fractures are common in the veterinary routine of small animals, and when they occur, it is necessary to immobilize the injury to reestablish the functional mobility of the bone. Many techniques are proposed for treatment, such as the use of taping muzzles, interdental or intraosseous fixation, the use of an intraoral acrylic splint or bone plates, or even mandibulectomy, a surgical technique for removing the jaw according to the location and extent of bone involvement. Its indication is common in cases of unsuccessful primary repair and subsequent mandibular osteomyelitis, or when no other treatment is possible. The present study reports the case of a dog's shih-tzu, with a history of falling from a bunk bed. Through cranial and intraoral radiographs, the mandibular fracture was confirmed. Several attempts at treatment in an external veterinary clinic were reported but were unsuccessful. The patient was forwarded to the Veterinary Hospital of the Federal University of Paraná when he already had chronic union delayed bone that evolved into bone non-union with bone defects, leading to extensive bone resorption. Therefore, the technique chosen as treatment was partial mandibulectomy. Anti-inflammatory, analgesic, past diet, and oral cleansing were prescribed in the postoperative period. The total recovery of the animal was given seven days after surgery. Keywords: mandibular fracture, union delayed bone, bone non-union, bone resorption 1 I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 1. Introdução Este relatório tem como finalidade descrever as atividades desenvolvidas durante o período de estágio curricular obrigatório em prática veterinária pela discente Marcely Bardez Jorge, graduanda do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Câmpus de Jaboticabal, sob orientação da Profa. Dra. Paola Castro Moraes. O referido estágio foi realizado em dois locais distintos no período de 01 de fevereiro a 30 de junho de 2023, totalizando 666 horas. No período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023, o estágio foi realizado no Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV) do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR), sob supervisão do Prof. Dr. Rogério Ribas Lange, perfazendo o total de 281 horas. No período de 10 de abril a 30 de junho de 2023, o estágio foi realizado no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV) do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp - Jaboticabal), sob supervisão do Prof. Dr. Áureo Evangelista Santana, perfazendo o total de 385 horas. 2. Descrição dos locais de estágio curricular 2.1 Hospital Veterinário Da Universidade Federal Do Paraná (HV- UFPR) O Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR) fica localizado no Setor de Ciências Agrárias, na Rua dos Funcionários, nº 1540, bairro Juvevê na cidade de Curitiba-PR. O horário de funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira das 7h às 12h e das 13h às 19h, sendo que os atendimentos ocorrem das 8h às 12h e das 13h30min às 18h30min, mediante agendamento. O local oferece serviços aos animais de companhia, animais de 2 produção e animais silvestres. Adicionalmente, são realizados plantões diários e aos finais de semana, para promover os cuidados aos pacientes que necessitem permanecer internados para tratamento e observação. Além do setor de Odontologia Veterinária, o hospital possui os setores de Anestesiologia Veterinária, Cardiologia de Pequenos Animais, Clínica Médica de Pequenos Animais, Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, Clínica Médica e Cirúrgica de Grandes Animais, Medicina Zoológica, Dermatologia Veterinária, Diagnóstico por Imagem, Medicina Veterinária do Coletivo, Oncologia Veterinária, Oftalmologia Veterinária, Ornitopatologia, Patologia Veterinária e Patologia Clínica Veterinária. A infraestrutura hospitalar para pequenos animais é composta pela recepção com áreas de espera, consultórios, sala de coleta, laboratório de patologia clínica, farmácia, unidade de tratamento intensivo (UTI), centro cirúrgico, sala de internação, além dos consultórios dos setores já citados anteriormente. No Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV) são realizados os procedimentos odontológicos. A sala possui uma bancada com computador, scanner de leitura de imagem radiográfica digital e um limpador ultrassônico utilizado para lavar os instrumentos cirúrgicos utilizados durante os procedimentos. Conta também com uma pia, armários com os instrumentais cirúrgicos e materiais odontológicos para uso na rotina, cobertores e uma caixa para descarte de materiais perfurocortantes. Além disso, a sala é composta por um aparelho de radiografia odontológica de parede, mesa gradeada de aço inox para os procedimentos, carrinho auxiliar odontológico, refletor odontológico, aparelho de anestesia inalatória e monitor multiparamétrico, autoclave, cilindro de oxigênio e três gaiolas de aço inox móveis onde são colocados os pacientes para aguardarem no pré e pós-operatório. A sala de atendimento utilizada pelos residentes e estagiários da odontologia veterinária para realização de consultas e retornos é composta por mesa de atendimento para exame físico do paciente, um armário com materiais 3 úteis para consulta, pia para lavagem das mãos, caixa de perfurocortantes e mesa com computador para anotar a anamnese. As figuras 1, 2 e 3 ilustram a estrutura física da UFPR. Figura 1. Estrutura do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR). A. Fachada do Hospital; B. Recepção. Fonte: Arquivo pessoal e site do HV-UFPR. Figura 2. Estrutura do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR). A. Laboratório de diagnóstico por imagem (seta vermelha) e farmácia (seta preta); B. Sala de atendimento da Odontologia Veterinária. Fonte: Arquivo pessoal. 4 Figura 3. Estrutura do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR). A. Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV) Fonte: Arquivo pessoal. 2.2 Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” (HV) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp - Jaboticabal) O Hospital Veterinário Governador Laudo Natel” (HV) da Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp – Jaboticabal) fica localizado na Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n – Jaboticabal - SP. O horário de funcionamento é de segunda-feira a sexta-feira das 8h às 12h e das 14h às 18h, sendo os atendimentos por ordem de chegada ou mediante agendamento, aos animais de companhia e animais de produção. Foi acompanhado o setor de Patologia Clínica Veterinária, porém o hospital possui outros setores, como: Anestesiologia Veterinária, Cardiologia Veterinária, Clínica Médica de Pequenos Animais, Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, Ortopedia Veterinária, Clínica Médica de Grandes Animais, Clínica Cirúrgica de Grandes Animais, Diagnóstico por Imagem, Nutrição e Nutrição 5 Clínica de Cães e Gatos, Obstetrícia e Reprodução Animal, Oftalmologia Veterinária e Oncologia Veterinária. O espaço físico do hospital possui salas de atendimentos para as especialidades citadas anteriormente, centros cirúrgicos de grandes e de pequenos animais, laboratório de patologia veterinária, farmácia (figura 4), recepção com áreas de espera (figura 5), sala de esterilização, canis, estábulos e currais para grandes animais. Figura 4. Estrutura do Hospital Veterinário Governador Laudo Natel” (HV). A. Fachada do hospital; B. Entrada do hospital; C. Farmácia; D. Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV). Fonte: Arquivo pessoal. 6 Figura 5. Estrutura do Hospital Veterinário Governador Laudo Natel” (HV). A. Recepção; B. Entrada para as salas de atendimento de pequenos animais. Fonte: Arquivo pessoal. O Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV) possui uma área destinada à entrega das amostras, que são cadastradas por um técnico de laboratório. Possui também salas utilizadas por pós-graduandos com microscópios e equipamento para fluxometria, sala de aula prática para a disciplina de Patologia Clínica Veterinária ministrada na graduação e pós graduação, copa, banheiros e vestiários, depósito de materiais e a área na qual são realizados os exames que o laboratório oferece, que é dividida em três subáreas: para realizar os exames hematológicos, raspados de pele, otológicos e histopatológicos, para os bioquímicos e para os de urinálise e de coprologia. Na parte destinada aos exames de hematologia há uma bancada com impressora, computador, pia, e área para a realização dos esfregaços sanguíneos e separação do sangue destinado à leitura de hematócrito, proteínas plasmáticas totais, fibrinogênio, reticulócitos e gota espessa; a realização da coloração do esfregaço através de panótico ou de corante Rosenfeld; e a análise 7 automática através de um aparelho específico. Há também outra bancada com os microscópios para leitura destes esfregaços sanguíneos. A área de realização dos exames bioquímicos possui uma bancada com centrífuga, pipetas, aparelho de análise de hemogasometria, bico de Bunsen, aparelho digital para Banho Maria e pia. Ainda, o local conta com geladeiras para armazenamento de amostras de sangue e urina; outra bancada com um analisador bioquímico e um refrigerador para armazenar bolsas de sangue. Já na região destinada a análise de fezes e urina, há uma bancada com pia e equipamentos apropriados para a realização destes exames, como microscópio, balança, centrífuga e estufa para secar as vidrarias do laboratório depois de lavadas. As figuras 6 e 7 ilustram a estrutura física do LPCV. Figura 6. Estrutura do Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV). A. Área de entrega das amostras. B. Sala dos pós-graduandos. C. Área dos exames hematológicos. Fonte: Arquivo pessoal. 8 Figura 7. Estrutura do Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV). A. Área dos exames bioquímicos. B. Área dos exames de urinálise e de coprologia. Fonte: Arquivo pessoal. 3. Descrição das atividades 3.1 Hospital Veterinário da Universidade Federal Do Paraná (HV- UFPR) O Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV) conta com dois médicos veterinários residentes, sendo um do primeiro ano e um do segundo ano de residência e um preceptor, sob supervisão do Professor Dr. Rogério Ribas Lange. A agenda é fechada nas terças e quintas-feiras à tarde para consultas e retornos, e o restante dos dias para os procedimentos cirúrgicos odontológicos. Às quintas-feiras de manhã são reservadas para procedimentos odontológicos de animais silvestres. Os estagiários acompanhavam as consultas e retornos de cães e gatos, auxiliavam os residentes no procedimento odontológico dos pacientes, na organização da sala para o pré e pós procedimento, na coleta de exames 9 hematológicos e eram, ainda, responsáveis por limpar, embalar e autoclavar os instrumentos cirúrgicos. Durante a consulta de cães e gatos, era realizada anamnese, exame físico geral e exame específico da cavidade oral, explicação sobre a afecção apresentada pelo paciente e, quando necessário, orçamento e agendamento para o procedimento odontológico. Antes do procedimento ser feito, obrigatoriamente as residentes solicitavam exames pré-anestésicos, como hemograma e bioquímico para todos os pacientes, e ecocardiograma e eletrocardiograma para pacientes idosos ou que possuíssem comorbidade já diagnosticada. Era realizada consulta pré-anestésica, já inclusa, com um residente de anestesiologia para avaliação dos resultados dos exames e, em casos favoráveis, o animal era submetido ao procedimento odontológico. Após a cirurgia, os pacientes caninos e felinos aguardavam nas gaiolas do LAOV até o momento da alta médica, que era realizada no mesmo dia. Era orientado ofertar dieta pastosa para os animais que realizavam extração dos dentes até o dia do retorno, que era agendado para uma semana após o procedimento. As consultas, os exames e as altas dos animais silvestres eram realizados pelo setor de medicina zoológica, sendo, portanto, o setor de odontologia responsável apenas pelos procedimentos odontológicos destes pacientes. No período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023 foram acompanhados 34 pacientes, sendo 25 cães, 5 gatos, 2 coelhos e 2 porquinhos- da-Índia (figura 8). 10 Figura 8. Porcentagem das espécies atendidas no Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV), no período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023. Durante o estágio foram acompanhados 17 consultas, 15 retornos, 22 cirurgias e 4 coletas de sangue (tabela 1). Dentre os procedimentos odontológicos foram acompanhadas endodontias (4,4%), exodontias (31,1%), gengivoplastia (6,7%), mandibulectomia parcial (2,2%), laserterapia (4,4%), periodontia (37,8%), corte dos dentes incisivos (6,7%) e desgaste dos dentes lagomorfos e/ou molariformes (6,7%) (tabela 2). Neste período foram acompanhadas 16 afecções odontológicas diferentes e sua distribuição está descrita de acordo com a frequência e espécie acometida, sendo que alguns pacientes foram diagnosticados com mais de uma afecção simultaneamente (tabela 3). Tabela 1. Número e porcentagem de procedimentos acompanhados no Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV), de acordo com a espécie, no período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023 PROCEDIMENTO ESPÉCIE TOTAL CAN FEL LAG ROE Quantidade % Consultas 12 5 0 0 17 29,3% Retornos 14 1 0 0 15 25,9% Cirurgias 17 1 2 2 22 37,9% Colheitas de sangue 3 1 0 0 4 6,9% TOTAL 46 8 2 2 58 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; LAG= lagomorfo; ROE= roedor. 73% 15% 6% 6% Espécies atendidas no LAOV Cão Gato Coelho Porquinho-da- Índia 11 Tabela 2. Número e porcentagem de procedimentos odontológicos acompanhados no Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV), de acordo com a espécie, no período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023 PROCEDIMENTO ODONTOLÓGICO ESPÉCIE TOTAL CAN FEL LAG ROE Quantidade % Endodontia 2 0 0 0 2 4,4% Exodontia 13 1 0 0 14 31,1% Gengivoplastia 2 0 0 1 3 6,7% Mandibulectomia parcial 1 0 0 0 1 2,2% Laserterapia 2 0 0 0 2 4,4% Periodontia 16 1 0 0 17 37,8% Corte dos dentes incisivos 0 0 2 1 3 6,7% Desgaste dos dentes molariformes 0 0 1 2 3 6,7% TOTAL 36 2 3 4 45 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; LAG= lagomorfo; ROE= roedor. Tabela 3. Número e porcentagem de afecções odontológicas acompanhadas no Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV), de acordo com a espécie, no período de 01 de fevereiro a 10 de março de 2023 AFECÇÃO ODONTOLÓGICA ESPÉCIE TOTAL CAN FEL LAG ROE Quantidade % Bolsa periodontal 10 1 0 0 11 9,4% Cálculo 15 1 0 0 16 13,7% Desgaste sem exposição pulpar 8 0 0 0 8 6,8% Doença periodontal 15 1 0 0 16 13,7% Exposição de furca 9 1 0 0 10 8,5% Fistula infraorbital 2 0 0 0 2 1,7% Fístula oronasal 2 0 0 0 2 1,7% Fratura com exposição pulpar 5 0 0 0 5 4,3% Fratura sem exposição pulpar 5 0 0 0 5 4,3% Fratura mandibular 1 0 0 0 1 0,9% Gengivite 15 1 0 0 16 13,7% Hiperplasia gengival 2 0 0 1 3 2,6% Lesão de reabsorção dentária 2 1 0 0 3 2,6% Raiz remanescente 5 0 0 0 5 4,3% Retração de gengiva 9 1 0 0 10 8,5% Crescimento acentuado dos dentes 0 0 2 2 4 3,4% TOTAL 105 7 2 3 117 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; LAG= lagomorfo; ROE= roedor. 12 3.2 Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” (HV) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (Unesp - Jaboticabal) O Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV) conta com dois médicos veterinários, sendo um aprimorando do segundo ano e um residente do primeiro ano e dois técnicos de laboratório, sob supervisão do Professor Dr. Áureo Evangelista Santana. Os exames são encaminhados de todos os setores do HV ao laboratório, sendo separados por categorias: hematologia, bioquímica, coprologia, urinálise, hemogasometria, raspado de pele, otológico e histopatológico. Os estagiários eram responsáveis por avaliar os tubos com anticoagulante (EDTA), para averiguar se possuíam coágulos e fibrina, fazer a confecção dos esfregaços para os hemogramas, corar as lâminas, preencher e centrifugar os capilares e eppendorfs para, respectivamente, determinar os valores de hematócrito e de proteína plasmática total e fibrinogênio, aspirar as amostras para contagem automática de células e passavam todos os resultados para os residentes do local. Além disso, os estagiários preparavam lâminas para realizar os exames de gota espessa e reticulócitos e as câmaras de Neubauer para a contagem de leucócitos e hemácias. Auxiliavam no exame de tempo de coagulação e, quando necessário, acompanhavam o técnico de laboratório nas dosagens bioquímicas. Também realizavam o exame coprológico, juntamente com pesquisa de sangue oculto nas fezes e o exame físico-químico da urina, junto com a preparação da lâmina para avaliação do sedimento urinário pelos residentes. No período de 10 de abril a 30 de junho de 2023 foram acompanhadas as análises em um total de 1200 pacientes, sendo 974 cães, 162 gatos, 34 cavalos, 27 bois, 2 cabras e 1 veado (figura 9), nos quais foram realizados 1472 exames, dentre eles 67 bioquímicos, 1282 hematológicos, 29 coprológicos e 94 exames de urina. (tabela 4). 13 Figura 9. Porcentagem das espécies atendidas no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV), no período de 10 de abril a 30 de junho de 2023. Tabela 4. Número e porcentagem de exames acompanhados no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV), de acordo com a espécie, no período de 10 de abril a 30 de junho de 2023 EXAME ESPÉCIE TOTAL CAN FEL EQUI BOV CAP CER Quantidade % Bioquímico 50 7 10 0 0 0 67 4,6% Hematológico 1006 161 65 43 6 1 1282 87,1% Coprológico 14 2 11 2 0 0 29 2,0% Urina 74 20 0 0 0 0 94 6,4% TOTAL 1144 190 86 45 6 1 1472 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; EQUI= equino; BOV= bovino; CAP= caprino; CER= cervídeo. A hematologia foi o setor com maior demanda neste período, e, foram acompanhados, em ordem de maior para menor demanda: hemograma (91,6%), contagem de reticulócitos (2,7%), a determinação de proteína plasmática total (2,3%) e de fibrinogênio (2,0%), exame de gota espessa (0,9%) e de tempo de coagulação (0,5%) (tabela 5). 81,20% 13,50% 2,80% 2,30% 0,20% 0,10% Espécies atendidas no LPCV Cão Gato Cavalo Boi Cabra Veado 14 Tabela 5. Número e porcentagem de exames hematológicos acompanhados no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV), de acordo com a espécie, no período de 10 de abril a 30 de junho de 2023 EXAME ESPÉCIE TOTAL CAN FEL EQUI BOV CAP CER Quantidade % Hemograma 955 159 30 27 2 1 1174 91,6% Reticulócitos 32 2 1 0 0 0 35 2,7% Proteína Plasmática Total 1 0 17 10 2 0 30 2,3% Fibrinogênio 0 0 17 6 2 0 25 2,0% Gota Espessa 11 0 0 0 0 0 11 0,9% Tempo de Coagulação 7 0 0 0 0 0 7 0,5% TOTAL 1006 161 65 43 6 1 1282 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; EQUI= equino; BOV= bovino; CAP= caprino; CER= cervídeo. Dentre os bioquímicos, foram acompanhados, em ordem de maior para menor demanda: alanina aminotransferase (ALT) (17,9%), creatinina (16,4%), proteína total (14,9%), albumina (14,9%), ureia (11,9%), fosfatase alcalina (FA) (9,0%), fósforo (3,0%), triglicerídeos (3,0%), colesterol total (3,0%), aspartato aminotransferase (AST) (1,5%), gamaglutamiltransferase (GGT) (1,5%), glicose (1,5%) e bilirrubina total (1,5%) (tabela 6). Tabela 6. Número e porcentagem de exames bioquímicos acompanhados no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV), de acordo com a espécie, no período de 10 de abril a 30 de junho de 2023 EXAME ESPÉCIE TOTAL CAN FEL EQUI BOV CAP CER Quantidade % ALT 9 2 1 0 0 0 12 17,9% Creatinina 8 2 1 0 0 0 11 16,4% Proteína Total 8 1 1 0 0 0 10 14,9% Albumina 8 1 1 0 0 0 10 14,9% Ureia 6 1 1 0 0 0 8 11,9% FA 5 0 1 0 0 0 6 9,0% Fósforo 1 0 1 0 0 0 2 3,0% Triglicerídeos 2 0 0 0 0 0 2 3,0% Colesterol Total 2 0 0 0 0 0 2 3,0% 15 Tabela 6. Número e porcentagem de exames bioquímicos acompanhados no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV), de acordo com a espécie, no período de 10 de abril a 30 de junho de 2023 (continuação). EXAME ESPÉCIE TOTAL CAN FEL EQUI BOV CAP CER Quantidade % GGT 0 0 1 0 0 0 1 1,5% Glicose 1 0 0 0 0 0 1 1,5% Bilirrubina Total 0 0 1 0 0 0 1 1,5% TOTAL 50 7 10 0 0 0 67 100,0% Legenda: CAN= canino; FEL= felino; EQUI= equino; BOV= bovino; CAP= caprino; CER= cervídeo; ALT= alanina aminotransferase; FA= fosfatase alcalina; AST= aspartato aminotransferase; GGT= gamaglutamiltransferase. 4. Discussão das atividades desenvolvidas Foram escolhidos para a realização do estágio supervisionado duas áreas, a de odontologia veterinária e a de patologia clínica veterinária. Dessa forma, foi possível vivenciar realidades, casos e casuísticas muito distintos. Na área da odontologia foi possível ter conhecimento em uma área que não tinha na grade curricular e na patologia clínica obter vivência em uma área que não tem contato com o tutor e nem com o paciente, o que não tinha sido experimentado durante a graduação. No Laboratório de Odontologia Veterinária (LAOV) foram acompanhados 34 pacientes, sendo 25 cães (73% dos casos), 5 gatos (15% dos casos), 2 coelhos (6% dos casos) e 2 porquinhos-da-Índia (6% dos casos). Os casos atendidos foram classificados de acordo com o procedimento realizado, dentre eles 22 cirurgias (37,9%), 17 consultas (29,3%), 15 retornos (25,9%), e 4 coletas de sangue (6,9%). Durante as cirurgias, foram realizados os seguintes procedimentos: 17 periodontias (37,8%), 14 exodontias (31,1%), 3 gengivoplastias (6,7%), 3 cortes dos dentes incisivos (6,7%), 3 desgastes dos dentes lagomorfos e/ou molariformes (6,7%), 2 laserterapias (4,4%), 2 endodontias (4,4%) e 1 mandibulectomia parcial (2,2%). 16 Dentre as 16 afecções odontológicas presentes nos pacientes que realizaram a cirurgia, as mais observadas foram cálculo, gengivite e doença periodontal que representavam, cada uma, 13,7% dos casos, bolsa periodontal (9,4%) e exposição de furca e retração gengival que representavam 8,5% cada uma. Já no Laboratório de Patologia Clínica Veterinária (LPCV) foram acompanhados 1200 pacientes, sendo 974 cães (81,2% dos casos), 162 gatos (13,5% dos casos), 34 cavalos (2,8% dos casos), 27 bois (2,3% dos casos), 2 cabras (0,2% dos casos) e 1 veado (0,1% dos casos), nos quais foram realizados 1472 exames, dentre eles 1282 hematológicos (87,1%), 67 bioquímicos (4,6%), 94 exames de urina (6,4%) e 29 coprológicos (2,0%). Dentre os exames hematológicos foram acompanhados 1174 hemogramas (91,6%), 35 contagens de reticulócitos (2,7%), 30 determinações de proteína plasmática total (2,3%) e 25 de fibrinogênio (2,0%), 11 exames de gota espessa (0,9%) e 7 de tempo de coagulação (0,5%). Já dentre os bioquímicos foram acompanhadas as seguintes dosagens: 12 de alanina aminotransferase (ALT) (17,9%), 11 de creatinina (16,4%), 10 de proteína total (14,9%) e de albumina (14,9%), 8 de ureia (11,9%), 6 de fosfatase alcalina (FA) (9,0%), 2 de fósforo (3,0%), triglicerídeos (3,0%) e de colesterol total (3,0%), 1 de aspartato aminotransferase (AST) (1,5%), gamaglutamiltransferase (GGT) (1,5%), glicose (1,5%) e de bilirrubina total (1,5%). 5. Conclusão A realização da prática do estágio curricular em duas áreas diferentes permitiu a aluna vivenciar atividades bem distintas, adquirir novas experiências, aplicar na prática e aprofundar todo o conteúdo aprendido durante a graduação. Além do que, possibilitou desenvolvimento e amadurecimento pessoal, que são de suma importância para o ingresso na futura carreira e no mercado de trabalho. 17 II. MONOGRAFIA MANDIBULECTOMIA PARCIAL EM CÃO APÓS FRATURA POR TRAUMA 1. Introdução A face é constituída por um conjunto de ossos que articulam firmemente entre si, apresentando como único osso móvel a mandíbula, também conhecida como maxila inferior (Silva et al., 2021). Sua principal função é sustentar os dentes inferiores e se articular com a maxila, proporcionando uma base sólida para a mastigação, fonação, deglutição e manutenção da oclusão dentária, que é o alinhamento correto dos dentes superiores e inferiores (Assunção, 2017). Embora seja o osso mais pesado e resistente da face, a mandíbula está suscetível a fraturas. Isso ocorre tanto devido à sua projeção para frente quanto à perda óssea que pode ocorrer com o avanço da idade (Costa et al., 2011). As principais causas dessas fraturas são devido a traumas ou patologias (Lopes et al., 2005). As fraturas mandibulares são de grande importância na rotina veterinária de animais de pequeno porte (Fontes, 2023). Isto ocorre devido à função vital desse osso, que possui características únicas, como a presença dos dentes e suas raízes, a necessidade de manter a oclusão correta e a baixa cobertura muscular, o que torna o manejo dessas fraturas complicado. O tratamento visa imobilizar a lesão para restabelecer a mobilidade funcional do osso. (Pimentel et al., 2021). No entanto, em alguns casos, é necessário realizar a mandibulectomia, uma técnica cirúrgica que envolve a remoção parcial ou completa da mandíbula. Desta forma, o presente relato objetiva a descrição de um caso de um cão que foi submetido a mandibulectomia parcial após fratura por trauma. 18 2. Revisão de Literatura 2.1 Revisão anatômica A mandíbula é composta por duas estruturas ósseas bilaterais, conhecidas como hemimandíbulas, que estão unidas pela sínfise mandibular, de forma firme, mas não rígida, através de fibrocartilagem e tecido conjuntivo (Dyce et al., 2019). A sínfise mandibular é responsável por conferir mobilidade independente às hemimandíbulas e garantir o funcionamento adequado do sistema estomatognático e respiratório dos cães (Assunção, 2017). Cada hemimandíbula é composta por duas partes, a primeira é o corpo da mandíbula, que pode ser dividido em parte incisiva, parte pré-molar e molar. Já a segunda parte é o ramo da mandíbula e contém três processos proeminentes: o processo coronoide, o processo condilar e o processo angular, que se articula com o processo zigomático do osso temporal, dando origem à articulação temporomandibular (Verstraete, 2007). Figura 10. Imagem ilustrativa da face medial da mandíbula. Fonte Evans et al.,1994. 19 Figura 11. Imagem ilustrativa da face lateral da mandíbula. Fonte adaptada Evans et al.,1994. O corpo da mandíbula é comprido lateralmente (Gomes, 2022). Os alvéolos dos dentes e raízes dentárias ocupam a maior parte dos dois terços dorsais. Já o terço ventral engloba o forame mandibular (Fontes, 2023). Este forame encontra-se na face interna do ramo da mandíbula, logo abaixo do ponto de inserção do músculo temporal, e corresponde à abertura caudal do canal mandibular. Esse canal se abre na parte anterior através dos forames mentonianos, permitindo a passagem da artéria, veia e nervo alveolares inferiores, que desempenham um papel fundamental ao fornecer o aporte sanguíneo e a inervação sensorial aos dentes (Junior et al., 2013). O ramo da mandíbula é uma placa óssea oblíqua que se estende do corpo da mandíbula em direção ao arco zigomático, adentrando a fossa temporal. Na sua extremidade inferior, encontra-se o processo condilar, que compõe a articulação temporomandibular. O processo coronoide, responsável pela fixação da musculatura temporal, está localizado na parte frontal/dorsal, enquanto o processo angular situa-se na borda inferior/ventral. Esses dois últimos processos são separados pela incisura da mandíbula. Na sua face lateral, encontra-se a fossa massetérica, onde se fixa o músculo masseter. Por outro lado, na face medial, está presente a fossa pterigóidea, local de fixação do músculo pterigóideo medial (Liebich; Konig, 2017). Os músculos mandibulares consistem nos músculos superficiais do espaço mandibular, como o digástrico e o milo-hioideo e os da mastigação que incluem o temporal, o masseter, o pterigoide medial e o pterigoide lateral. 20 Originam-se do primeiro arco faríngeo e são inervados pelo nervo mandibular (Liebich; Konig, 2017). Os músculos da mastigação são responsáveis pelos movimentos da maxila e da mandíbula, particularmente na abertura da boca e por isso desempenham um papel crucial ao fornecer a força necessária para a mastigação (Riva, 2005). Já os músculos do espaço mandibular, ou seja, o espaço entre as duas metades da mandíbula, possuem funções distintas: o m. digástrico age na abertura da boca quando contraído e o milo hioideo levanta a língua e impulsiona a comida para uma posição entre os dentes molares. Desse modo, ambos contribuem também para a mastigação (Budras et al., 2012). Outros músculos importantes que revestem a mandíbula são o músculo cutâneo da face que recobre o masseter e desenha a comissura dos lábios caudalmente e os músculos dos lábios e das bochechas, como o músculo orbicular da boca, os músculos incisivos, o músculo zigomático, o músculo mentoniano, o músculo gênio-hioideo, o músculo genioglosso e o músculo bucinador, que possui a parte mandibular e a parte maxilar (Riva, 2005; Liebich; Maierl; Konig, 2017; Dyce et al., 2019). O nervo mandibular é terceiro ramo principal do nervo trigêmeo (V). É o único ramo que possui tanto fibras motoras quanto sensoriais, e devido a isso é utilizado para fazer bloqueios anestésicos em casos de procedimentos cirúrgicos (Konig et al., 2017). As fibras motoras inervam os músculos da mastigação e do espaço mandibular, enquanto as fibras sensoriais fornecem sensibilidade para parte do ouvido externo e a maior parte da cabeça, como os lábios superior e inferior, o arco zigomático, os dentes, a bochecha, a pele e a mucosa da mandíbula inferior, língua e regiões adjacentes do queixo (de Lahunta; Habel, 1986). O nervo mandibular se divide ainda em outros ramos importantes para a mandíbula, como o nervo mastigatório, nervo massetérico, nervo bucal, nervos pterigoides, nervo lingual, nervo sublingual, nervo milo-hioideo, nervo alveolar inferior e nervos mentonianos, ambos sendo os mais utilizados nos bloqueios anestésicos para os casos de fratura de mandíbula (Evans; de Lahunta, 2013). 21 2.2 Etiologia Segundo Harvey e Emily (1993) e Lopes et al. (2005), existem várias maneiras de classificar as fraturas de mandíbula, levando em consideração diferentes aspectos: • Cobertura de tecidos moles na região: podem ser fechadas ou abertas, sendo estas mais frequentes; • Linha de fratura: podem ser simples, ou seja, com uma única linha de fratura; múltiplas, com várias linhas de fratura, ou cominutivas, quando o osso é fragmentado em várias partes. Para mais, a direção da linha de fratura em relação à tração muscular pode classificar as fraturas como favoráveis ou desfavoráveis; • Localização anatômica: podem ocorrer no corpo ou no ramo da mandíbula; • Oclusão: podem afetar a oclusão dentária, resultando em uma mordida correta ou incorreta; • Causa: traumáticas ou patológicas, (relacionadas a doenças, lesões iatrogênicas ou idiopáticas). As fraturas mandibulares correspondem a uma porcentagem entre 2,7% e 6% de todos os casos de fratura em cães (Botelho et al., 2002). A porção do corpo mandibular é a mais afetada, uma vez que é uma região anatomicamente projetada para frente (Silva et al., 2021). Por outro lado, o ramo mandibular é menos propenso a fraturas, uma vez que está localizado mais posteriormente e é sustentado pelo músculo masseter (Assunção, 2017). Em relação às causas das fraturas mandibulares em cães, a mais comum é devido a traumas, que podem ocorrer por acidentes automobilísticos, quedas de locais altos, brigas e consequente mordedura, ou até mesmo por tiros de arma de fogo. Também ocorrem devido a periodontite severa ou neoplasias, que são duas enfermidades que levam à reabsorção óssea. Aproximadamente 47,1% das fraturas orais em cães ocorrem na região molar, e 30% a 45% dos casos ocorrem na região rostral com envolvimento dos dentes caninos e incisivos (Lopes et al., 2005). 22 Os cães machos são mais propensos a sofrerem fraturas em comparação com as fêmeas, uma vez que possuem mais chance a se envolverem em brigas, acidentes e a apresentarem comportamentos mais agressivos. Essa propensão é influenciada pelos hormônios masculinos esteroides (Pimentel et al., 2021). Os animais de pequeno porte têm maior predisposição a fraturas na mandíbula porque as raízes dos dentes ocupam praticamente toda a altura da mandíbula nesses animais. Já nos cães de porte grande, há uma maior quantidade de osso entre os ápices dos dentes e o canal mandibular (Lopes et al., 2005). 2.3 Manifestações clínicas Os sinais clínicos em pacientes com fratura de mandíbula podem variar amplamente, dependendo da localização, tipo, extensão e causa da fratura, bem como dos fatores de risco subjacentes que levaram à lesão. Esses animais podem apresentar deformidade facial, mal oclusão, dentes fraturados e sangramento bucal ou nasal (Lobprise, 2010). Complementarmente, apresentam sialorreia, disfagia, anorexia, hálito fétido (Hedlund; Fossum, 2008), mobilidade anormal ao toque com ou sem crepitação, posição anormal dos dentes, parestesia e dor (Sofal et al., 2021). Anormalidades laboratoriais específicas não estão presentes em fraturas mandibulares ou maxilares de qualquer causa, porém os animais traumatizados devem ser submetidos a exame hematológico para determinar se existem contraindicações à anestesia necessária em determinados tipos de tratamentos (Johnson, 2008). 2.4 Diagnóstico O diagnóstico da fratura é uma etapa crucial no planejamento do tratamento para a correta estabilidade e alinhamento oclusal necessários para a preservação da dentição e restauração da função das estruturas ósseas e dos tecidos moles afetados. Desta forma, é fundamental realizá-lo de forma minuciosa e atenciosa, a fim de garantir resultados satisfatórios (Assunção, 2017). O diagnóstico é geralmente baseado na anamnese, com histórico de trauma, e no exame físico geral, evidenciando irregularidade na aparência e 23 possivelmente o deslocamento de fragmentos ósseos envolvidos. A inspeção oral clínica é indispensável, uma vez que auxilia na compreensão das lesões presentes (Zeni, 2018). Deve-se realizar palpação suave, adjacente à margem alveolar, na porção ventral de ambas as mandíbulas, a fim de verificar a presença de assimetria e descontinuidades. Em alguns casos, é necessário realizar exame físico oral completo sob anestesia ou sedação (Marinho; Prado, 2022). A radiografia convencional, apesar de ser o método mais utilizado, não é o mais eficaz para o diagnóstico, pois há sobreposição das estruturas da mandíbula, o que impede a correta visualização do foco de fratura (Assunção, 2017). Para realizá-la, o animal precisa estar sedado ou anestesiado, e o domínio do posicionamento e das diferentes incidências necessárias para o exame adequado nestes casos é primordial, pois a sobreposição óssea pode dificultar a evidenciação de algumas fraturas, especialmente as do ramo vertical e as do côndilo. As principais projeções são a lateral, rostrocaudal, dorsoventral, ventrodorsal, laterais oblíquas e a intraoral (Fontes, 2023). Um método de diagnóstico preferível é a radiografia oral com filme dentário, pois fornece detalhes precisos da estrutura trabecular do osso e documenta o envolvimento dos dentes em fraturas maxilofaciais. Complementarmente, permite boa visualização da perda de osso alveolar, formação de abscesso periapical e reabsorção dentária. No entanto, essas radiografias são limitadas às áreas das arcadas dentárias (Marinho; Prado, 2022). O exame mais indicado é a tomografia computadorizada, pois permite visualização clara e correta identificação de toda a extensão da fratura. Também possibilita a reconstrução tridimensional e fornece informações topográficas rápidas e detalhadas (Assunção, 2017). Com este exame, é possível obter boa imagem não apenas do corpo, ramo e côndilo mandibular, mas também do crânio e da articulação temporomandibular. Esses dados são importantes, especialmente se o paciente sofreu trauma. Adicionalmente, o exame permite estabelecer o prognóstico e o melhor plano de tratamento para pacientes com uma ou múltiplas fraturas, e, consequentemente, melhora os resultados 24 cirúrgicos (Johnson, 2008). No entanto, o exame apresenta acesso restrito e custos elevados, fator limitante para sua maior difusão (Marinho; Prado, 2022). 2.5 Tratamento O objetivo do tratamento é restabelecer a capacidade do paciente de utilizar a língua e fechar as mandíbulas o suficiente, em uma posição confortável, para permitir a deglutição e a função mastigatória (Harvey; Emily, 1993). Isso é vital para garantir que o animal se alimente adequadamente, portanto, o tratamento deve ser realizado de forma rápida e funcional (Johnson, 2008). A reparação definitiva das fraturas muitas vezes precisa ser adiada até que o paciente tenha sido devidamente estabilizado, pois frequentemente essa fratura é parte de um problema de múltiplos traumas (Zeni, 2018). Os princípios de biomecânica do sistema mastigatório desempenham um papel fundamental e devem ser considerados na escolha do método de fixação da fratura (Harvey; Emily, 1993). As forças de distração, que tendem a separar as extremidades do osso, bem como as forças de compressão, que pressionam as extremidades do osso uma contra a outra, são importantes para selecionar a melhor abordagem de fixação, a fim de obter recuperação adequada e minimizar complicações (Harvey; Emily, 1993). Os músculos masseter, temporal e pterigoide medial têm inserções localizadas na extremidade caudal do corpo da mandíbula, e a orientação da linha de fratura é um fator crucial para determinar o prognóstico. Fraturas com uma linha de fratura no sentido ventrorostral tendem a ter um prognóstico favorável e geralmente podem ser tratadas com fixação mínima, uma vez que os músculos mastigatórios tendem a reduzi-la. Por outro lado, fraturas ventrocaudais ou transversas são desfavoráveis, pois são mais difíceis de estabilizar. Isso ocorre porque o fragmento rostral tende a pender ventralmente, uma vez que não há tração muscular para contrabalançar o peso do fragmento e da língua que repousa sobre ele (Fontes, 2023). Deve-se sempre fazer avaliação dos dentes, pois caso algum deles tenha sido acometido pela fratura, pode ocorrer exposição da cavidade pulpar e/ou comprometer o suprimento sanguíneo quando há lesões próximas às raízes 25 dentárias (Marinho; Prado, 2022). Ademais, dentes que mantém certo grau de estabilidade e ajudem no alinhamento e fixação da fratura devem ser sempre mantidos e, caso seja necessário, tratados adequadamente (Roza, 2004). Quando são extraídos sem necessidade geram complicações no tratamento, como possibilidade de rompimento de suprimento sanguíneo, lesões iatrogênicas aos tecidos adjacentes, diminuição das estruturas para fixação dos fragmentos ósseos e criação de grandes falhas ósseas (Marinho; Prado, 2022). 2.5.1 Escolha do método de tratamento A consolidação óssea mandibular depende da redução anatômica e da estabilização absoluta da fratura (Gomes et al., 2010). No entanto, este osso em particular apresenta algumas peculiaridades que devem ser consideradas para um tratamento adequado. Apesar da mandíbula possuir canal mandibular, este não contém células hematopoiéticas, como ocorre no canal medular de ossos longos (Marinho; Prado, 2022). Além do mais, a presença dos dentes e suas raízes, a necessidade de manutenção da oclusão dentária e a baixa cobertura muscular da região são aspectos importantes a serem considerados antes de escolher o melhor método de tratamento (Pimentel et al., 2021). A reparação de fraturas mandibulares deve obedecer aos seguintes fatores para o estabelecimento de uma consolidação óssea perfeita: controle adequado da dor, manutenção adequada da respiração e termorregulação, profilaxia dentária, alinhamento oclusal, extração de dentes doentes com preservação da dentição sempre que possível, prevenção de traumatismos dentários, tratamento de complicações dentárias, ausência de danos em tecidos moles e duros, estabilidade adequada, retorno imediato à função mastigatória, terapia antimicrobiana adequada, nutrição adequada e acompanhamento a longo prazo (Gioso et al., 2001). Não é possível estabelecer padrão terapêutico para as fraturas mandibulares. Cada caso deve ser avaliado detalhadamente para decidir qual tratamento é mais adequado (Pimentel et al., 2021). Recomenda-se levar em consideração o grau de habilidade do cirurgião, os materiais disponíveis e fatores mecânicos, como o tipo de fratura, se é redutível, uni ou bilateral, se há osso 26 suficiente para implantes, a localização, se a fratura é fechada ou aberta, se há comprometimento de tecidos moles e o envolvimento ou não dos dentes (Sofal et al., 2021). Ainda, também devem ser considerados fatores biológicos, como idade, raça e estado de saúde do paciente, e fatores relacionados ao tutor, como custos e cuidados pós-operatórios (Roza, 2004). 2.5.2 Métodos de tratamento 2.5.2.1 Imobilização com focinheira O uso de focinheiras de esparadrapo ou de náilon foi um dos principais métodos de tratamento das fraturas mandibulares na década de 90. No entanto, com o avanço das técnicas cirúrgicas e maior conhecimento dos fatores envolvidos na consolidação óssea do esqueleto axial, a indicação do uso dessa técnica é agora restrita a casos específicos (Marinho; Prado, 2022). Recomenda- se o uso da focinheira em fraturas de mandíbula com boa estabilidade, sem comprometimento da correta oclusão dentária, e nos casos em que há um escore mecânico, biológico e clínico favorável ao rápido processo de consolidação óssea. Ela também pode ser utilizada em pacientes com dentição decídua ou como suporte adicional quando a aplicação de fixador interno não resultou em estabilização máxima (Verstraete, 2007). 2.5.2.2 Estabilização interdental (técnica de amarria) A estabilização interdental pode ser usada em casos de fraturas mais graves (Sofal et al., 2021). O principal objetivo dessa técnica é restaurar a correta oclusão dentária, permitindo assim que os fragmentos ósseos se reposicionem adequadamente e ocorra a consolidação óssea secundária. É importante ressaltar que ela só pode ser aplicada quando não há perda óssea e é comumente utilizada em fraturas que afetam a região anterior aos molares, especialmente entre os dentes caninos e o primeiro molar. Isso ocorre devido ao padrão de oclusão dentária, que dificulta a utilização nos dentes posteriores. Existem várias técnicas de estabilização interdental disponíveis, entretanto, independentemente da utilizada, é necessário envolver pelo menos dois dentes adjacentes de cada lado da linha de fratura na fixação (Marinho; Prado, 2022). 27 Os dentes devem ser devidamente alinhados para garantir a correta oclusão dentária. Isso é importante para que seja possível iniciar a colocação dos fios de aço inoxidável, que são flexíveis o suficiente para contornar as estruturas maxilofaciais. A escolha do diâmetro do fio deve ser feita com base na capacidade de moldagem e pode variar dependendo da espécie e do tamanho do paciente (Marinho; Prado, 2022). Para evitar o deslizamento do fio de aço, é possível aplicar resina acrílica sobre os fios (Sofal et al., 2021). Essa técnica é considerada simples e efetiva, com poucos aspectos negativos. Para mais, ela proporciona estabilidade e preserva a vascularização dos dentes (Marinho; Prado, 2022). 2.5.2.3 Tala acrílica intraoral O objetivo do uso da placa acrílica intraoral é restaurar a oclusão dentária e permitir a consolidação óssea secundária (Marinho; Prado, 2022). Ela possibilita a obtenção dos princípios básicos já mencionados, além de ser de fácil aplicação e aquisição, ter baixo custo e permitir o movimento de mastigação logo após a cirurgia, o que contribui para a recuperação mais rápida dos pacientes. É importante ressaltar que esse método só pode ser aplicado em fraturas rostrais ao primeiro molar inferior. Nas fraturas caudais a esses dentes, a superfície dental pode não ser suficiente ou mesmo inexistente para a fixação da resina acrílica (Gioso et al., 2001). É recomendado evitar a exposição e manipulação dos fragmentos de fratura enquanto o alinhamento ósseo é mantido por meio do estabelecimento da oclusão dentária. No entanto, caso haja tecido necrótico ou desvitalizado que possa retardar o processo de consolidação óssea, é necessário desbridar as superfícies ósseas expostas antes da aplicação da tala acrílica (Marinho; Prado, 2022). Antes da colocação da resina, os dentes do animal devem estar limpos, secos e polidos. Adicionalmente, eles devem estar em oclusão normal para que seja possível avaliar o alinhamento ósseo por meio da palpação do aspecto ventral das mandíbulas. Os dentes que serão envolvidos pela tala acrílica devem ser condicionados com ácido ortofosfórico a 37% para que haja aumento da 28 porosidade. Em seguida, devem ser enxaguados e secos para permitir uma melhor fixação. Por fim, a resina acrílica deve ser aplicada sobre os dentes, evitando o contato com a gengiva e o extravasamento para os tecidos moles (Marinho; Prado, 2022). Ao final do procedimento, a boca deve ser fechada passivamente para alcançar uma oclusão o mais próxima possível do normal (Gioso et al., 2001). Uma complicação do uso deste método é a exotermia, que pode levar à ulceração dos tecidos moles e danos à polpa do dente. Esses efeitos podem ser minimizados empregando camadas finas da resina, aplicadas umas sobre as outras, reduzindo a reação exotérmica e o aquecimento dos dentes e tecidos adjacentes, além de realizar a irrigação com água. Outra complicação é o excesso de resina, que também pode causar ulceração da mucosa, mas geralmente se resolve em poucos dias (Gioso et al., 2001). O escorrimento do material para os tecidos moles impede a cicatrização, e é evitado com aplicação de camadas finas. Pode ocorrer encarceramento de restos de alimento entre a resina e a gengiva, o que pode gerar estomatite. Portanto, é importante orientar o tutor a realizar a limpeza regular da cavidade oral do paciente (Verstraete, 2007). 2.5.2.4 Estabilização com fio intraósseo (técnica de cerclagem) Historicamente, a fixação por fios intraósseos tem sido o método preferido no tratamento das fraturas maxilomandibulares (Zeni, 2018). O tamanho reduzido desse implante e sua maior versatilidade no posicionamento permitem sua aplicação em uma ampla variedade de pacientes, com diferentes pesos e tamanhos. Esse método é especialmente útil para pacientes pequenos, nos quais a estrutura mandibular não comporta outros tipos de implantes (Marinho; Prado, 2022). A utilização da fixação interfragmentária é restrita a fraturas passíveis de reconstrução anatômica, geralmente representadas por fraturas de linha simples (Marinho; Prado, 2022). A premissa básica desse método é utilizar um fio como sutura rígida para realinhar e comprimir os fragmentos ósseos fraturados. Para isso, o fio deve ser colocado ao longo das linhas de tensão da fratura, que 29 normalmente formam um ângulo reto com a linha de fratura (Zeni, 2018). Essa técnica deve considerar os aspectos biomecânicos da mandíbula, priorizando a proximidade com a margem alveolar. Isso permite contrapor as forças de tensão na linha de fratura e garantir a adequada redução anatômica dos fragmentos. A estabilização depende diretamente do atrito entre os fragmentos e da tensão do fio (Marinho; Prado, 2022). Além do uso de fio em banda de tensão, um segundo fio deve ser colocado para neutralizar as forças de cisalhamento e rotação que ainda estão presentes após a aplicação do primeiro fio na margem alveolar, especialmente nas áreas rostrais e do ramo mandibular. Essa segunda fixação é aplicada na margem mandibular ventral para aumentar a estabilidade e resistir às forças da mastigação (Marinho; Prado, 2022). A perfuração dos orifícios no tecido ósseo, cerca de 5 a 10 mm distantes da linha de fratura, é realizada, em sentido perpendicular, com o auxílio de fios de Kirschner (Zeni, 2018). A escolha dos fios deve considerar sua qualidade em promover rigidez e resistência adequadas, a preferência do cirurgião e a disponibilidade do material. O diâmetro do fio selecionado depende do tamanho do paciente e das dimensões dos fragmentos ósseos, mas deve-se escolher o fio mais espesso possível para garantir uma fixação mais estável (Marinho; Prado, 2022). Os fios de aço são apertados começando pela linha de fratura mais caudal, seguindo em direção à sínfise. A aplicação contínua de força nos fios durante a torção assegura a correta acomodação do fio ao redor dos fragmentos ósseos fraturados (Zeni, 2018). Por último, durante a torção final, o fio deve ser dobrado contra o osso, afastado da margem gengival, e seu excesso cortado, mantendo pelo menos três voltas torcidas para garantir a estabilidade necessária (Marinho; Prado, 2022). Essa técnica apresenta como dificuldade alcançar estabilidade efetiva sem comprometer os tecidos moles adjacentes, as raízes dentárias ou o canal mandibular. Devido a isso, o uso incorreto da técnica está associado a alta taxa de complicações (Zeni, 2018) 30 Após 24 horas da cirurgia, é possível ofertar ao paciente água e alimento normalmente. No entanto, a alimentação deve ser pastosa, com retorno gradual à consistência normal. É importante evitar qualquer atividade que possa sobrecarregar a região operada, especialmente nas primeiras quatro a seis semanas. Após esse período, é necessário realizar acompanhamento radiográfico para verificar a evolução da consolidação óssea. Depois de completa consolidação, é feita a mesma abordagem cirúrgica para retirada dos fios (Marinho; Prado, 2022). A ausência de redução anatômica dos fragmentos ósseos e a falta de compressão interfragmentar resultarão em fixação instável e falha no tratamento (Marinho; Prado, 2022). Além disso, podem ocorrer como complicações a irritação e a retração gengival devido ao afrouxamento dos fios (Gioso et al., 2001). 2.5.2.5 Estabilização com miniplacas e parafusos A utilização de miniplacas ósseas e parafusos é ideal para fraturas complexas. Esses dispositivos conseguem manter a redução anatômica perfeita e a estabilidade do local de fratura, permitindo oclusão normal (Costa et al., 2011). As miniplacas apresentam várias vantagens em relação às placas convencionais, como facilidade de manipulação e moldagem no osso. Isso facilita a osteossíntese mandibular devido ao seu tamanho reduzido, permitindo que sejam moldadas manualmente e minimizando os danos aos tecidos moles adjacentes, promovendo, dessa forma, estabilidade adequada e, consequentemente, consolidação precoce das fraturas (Gomes et al., 2010). Na mandíbula, as forças de tensão atuam na margem alveolar. No entanto, as raízes dentárias estão presentes nessa região e devem ser evitadas no caminho dos parafusos, o que representa uma desvantagem biomecânica. Pode-se aumentar a estabilidade usando outros implantes ou mais de uma placa, o que proporciona maior rigidez às forças de flexão, cisalhamento e torção, em comparação com o uso de apenas uma placa (Marinho; Prado, 2022). É importante tomar cuidado ao moldar a placa corretamente, pois a mandíbula se 31 alinha com a placa à medida que os parafusos são apertados, e um desalinhamento resulta em má oclusão (Johnson, 2008). Os parafusos e miniplacas são compostos de titânio, devido à alta resistência mecânica e química e baixa condutibilidade térmica e elétrica, além da biocompatibilidade com o osso. O formato dos instrumentos depende da localização e do tipo de fratura (Gomes et al., 2010). Existem complicações que podem ocorrer durante ou após a aplicação deste método, como a possível quebra dos implantes, especialmente pelo sistema de 1,5mm, bem como o risco de afrouxamento dos parafusos, o qual pode estar relacionado ao desgaste excessivo durante a perfuração do osso com a broca (Gomes et al., 2010). A principal desvantagem é o custo elevado associado aos instrumentos especiais necessários para o procedimento (Verstraete, 2007). No período pós-operatório, é recomendado o uso de antibióticos, especialmente em casos de fraturas expostas, e a administração desses medicamentos deve ser baseada nos resultados dos exames de cultura e antibiograma. É permitida a alimentação por via oral com alimentos pastosos. Durante as primeiras quatro a seis semanas, ou até que seja verificada a completa consolidação óssea por meio do acompanhamento radiográfico, é fundamental evitar qualquer atividade que possa sobrecarregar a região operada (Marinho; Prado, 2022). Após a consolidação óssea, não é necessário realizar uma nova cirurgia para remover as miniplacas, salvo alguns casos específicos. (Gomes et al., 2010). 2.5.2.6 Mandibulectomia Nos casos de reparo primário malsucedido e subsequente osteomielite mandibular, ou quando não é possível outro tratamento, são indicadas as mandibulectomias (Salisbury, 2007). Essa técnica cirúrgica consiste na ressecção da mandíbula de acordo com a localização e extensão do comprometimento ósseo mandibular, seguida pelo ancoramento do segmento ósseo restante nas mucosas e submucosas lingual, labial ou bucal (Botelho et al., 2002). A mandibulectomia pode ser parcial, ou seja, é possível remover 32 quantidades variáveis de mandíbula, dependendo da fratura. Dessa forma, ela pode ser classificada como hemimandibulectomia rostral, rostral bilateral, central, caudal, unilateral total ou três quartos de mandibulectomia. Essas técnicas podem ser combinadas quando uma ressecção mais extensa é necessária. (Hedlund; Fossum, 2008). Figura 12. Áreas resseccionadas nas técnicas de mandibulectomia parcial. A. Hemimandibulectomia rostral (hemimandibulectomia rostral unilateral). B. Mandibulectomia rostral (hemimandibulectomia rostral bilateral). C. Hemimandibulectomia central. D. Hemimandibulectomia caudal. E. Hemimandibulectomia total. F. Mandibulectomia em três quartos. Fonte: Hedlund; Fossum, 2021. Conforme citam Hedlund & Fossum (2008), no pós-operatório, o paciente deve ser monitorado quanto à obstrução das vias aéreas e dor. Em alguns casos, é recomendado o uso do colar elisabetano para evitar deiscência da área cirúrgica. Os tutores devem ser instruídos a alimentar o animal com ração pastosa até a próxima avaliação e impedir que o paciente mastigue objetos duros. 2.6 Complicações Existem algumas complicações que podem ocorrer como resultado do tratamento de fraturas de mandíbula, especialmente quando envolvem cirurgias de reparação. As complicações associadas a esses procedimentos incluem 33 hemorragia, pneumonia por aspiração, deiscência dos pontos, desvio mandibular e má oclusão, formação de rânula, anorexia, descarga nasal ou epistaxe, dificuldade de preensão, migração do implante, formação de fístula oronasal, sialorreia, osteomielite, traumatismos dentários, anquilose da articulação temporomandibular, choque, lesão do nervo mandibular e consequente paralisia facial mastigatória, outras lesões ortopédicas e até mesmo morte (Salisbury, 2007; Konig et al., 2017; Cray et al., 2021; Marinho; Prado, 2022). 3. Relato de caso Foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná (HV-UFPR), um canino, da raça shih-tzu, com três anos de idade, fêmea, castrada e com peso corpóreo de 3,6 kg. Durante a anamnese, foi relatado que o animal havia caído de um beliche no dia 12 de janeiro de 2022. Cinco dias depois, na cidade da tutora, foi realizada radiografia de crânio (figura 13) com a paciente sem sedação, na qual foi constatada fratura completa associada com discreto desvio de eixo ósseo anatômico em corpo mandibular esquerdo, rostral à raiz do primeiro dente molar inferior. . 34 Figura 13. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 17 de janeiro de 2022. A. Projeção obliqua, evidenciando a fratura mandibular (seta vermelha). B. Projeção dorsoventral. C. Projeção laterolateral esquerda Fonte: LAOV-UFPR. A tutora relatou que no dia 18 de janeiro de 2022 foi realizada a colocação de tala acrílica intraoral por ortopedista veterinário da cidade. Segundo informações nos exames mostrados durante a anamnese, após oito semanas foi realizada nova radiografia (figura 14), também com o paciente sem sedação, e constatou-se que os achados radiográficos eram compatíveis com união óssea retardada em corpo mandibular esquerdo, associada ao remodelamento da cortical óssea ventral e exposição das raízes dentárias do primeiro dente molar e do quarto dente pré-molar. Associado a isto, não era possível descartar completamente osteomielite. Após um mês, realizou-se outra radiografia e ainda era evidenciada a não-união óssea com defeitos ósseos (figura 15). 35 Figura 14. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 18 de março de 2022. A. Projeção obliqua, evidenciando união óssea retardada (seta vermelha). B. Projeção laterolateral direita. C. Projeção laterolateral esquerda. D. Projeção dorsoventral. Fonte: LAOV-UFPR. 36 Figura 15. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 19 de abril de 2022. A. Projeção obliqua, evidenciando não-união óssea com defeitos ósseos (seta vermelha). B. Projeção laterolateral esquerda. C. Projeção dorsoventral. Fonte: LAOV-UFPR. Em junho, a tutora pontuou que a resina foi retirada, pois a paciente apresentou rejeição do implante, assim como acometimento do quarto pré-molar e primeiro molar, necessitando extraí-los. Na figura 16 é possível ver a imagem radiográfica que mostra reabsorção óssea no local da rejeição. Em seguida, foi feita a tentativa de estabilização da fratura com fio intraósseo, porém dois meses depois, a tutora relata que a paciente também apresentou rejeição desse implante (figura 17), que foi retirado. Em outubro, foi feita nova tentativa de estabilização da fratura suturando a área com fio poliglactina 910, porém com insucesso de técnica, a qual apresentou deiscência dos pontos. Foi realizada nova radiografia (figura 18), que evidenciou intensa reabsorção óssea. 37 Figura 16. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 14 de junho de 2022. A. Projeção obliqua, evidenciando reabsorção óssea (seta vermelha). B. Projeção laterolateral direita, evidenciando reabsorção óssea (seta vermelha). C. Projeção laterolateral esquerda. D. Projeção dorsoventral. Fonte: LAOV-UFPR. 38 Figura 17. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 24 de agosto de 2022. A e B. Projeção obliqua, evidenciando a rejeição do fio intraósseo (seta vermelha). C. Projeção dorsoventral. Fonte: LAOV-UFPR. Figura 18. Imagem radiográfica de crânio realizada no dia 13 de outubro de 2022. A. Projeção obliqua, evidenciando intensa reabsorção óssea (seta vermelha). B e C. Projeção dorsoventral. Fonte: LAOV-UFPR. Durante a anamnese, foi informado que a paciente, desde o período da queda, apresentava normofagia, normodipsia, urina com cor, odor e aspecto normais e normoquesia. Os tutores não forneciam ração seca por medo devido à fratura. A ração era amolecida em água e ofertada junto com peito de frango, 39 carne moída ou sachê/patê. Durante exame físico da cavidade oral, foram observados dor e mobilidade da mandíbula durante a palpação e má oclusão. Foram realizados hemograma e perfil bioquímico (albumina, alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, gama glutamil transferase, globulina, proteína total, fosfatase alcalina e bilirrubina), não sendo identificada nenhuma alteração digna de nota. Com base no histórico, radiografias trazidas pela tutora e exame físico, o setor de odontologia diagnosticou a paciente com uma fratura completa em hemimandíbula. A radiografia intraoral (figura 19) permitiu melhor avaliação do quadro geral da mandíbula. A mandibulectomia parcial foi indicada como tratamento. Figura 19. Imagem radiográfica intraoral realizada no dia 23 de fevereiro de 2023. A. Imagem rostral de hemimandíbula esquerda, evidenciando a reabsorção óssea que ocorreu do local da fratura (quarto dente pré- molar) até o segundo dente pré-molar (seta vermelha). B. Imagem caudal da hemimandíbula esquerda, evidenciando pela seta branca o local onde ocorreu a fratura e posteriormente foi extraído o primeiro molar. Fonte: LAOV-UFPR. 40 No dia 23 de fevereiro de 2023 foi realizado o procedimento cirúrgico. Como manejo pré-operatório, jejum alimentar de oito horas e hídrico de uma hora foram estabelecidos. Foi administrada metadona na dose de 0,3 mg/kg via intramuscular como medicação pré-anestésica. Para a indução anestésica, foi administrado bolus de propofol na dose de 5 mg/kg por via endovenosa. A paciente foi mantida em plano anestésico com isoflurano e remifentanil. Foi realizado bloqueio mandibular bilateral com aplicação de lidocaína 2% na dose de 2,6mg/kg/ponto. A paciente foi posicionada em decúbito lateral e, em seguida, realizada incisão com bisturi número quinze com margem de 1 cm por toda a extensão do fragmento, desde a sínfise até o segundo dente molar. Foi realizada divulsão da mucosa e do periósteo, expondo o osso mandibular. Não foi necessária realização de incisão óssea pois fragmento já estava separado. Após a retirada do fragmento, foi realizada a divulsão da mucosa jugal para a criação de um retalho sem tensão, o qual foi suturado com poliglecaprone 5-0 em padrão de sutura simples separada (figura 20). 41 Figura 20. Imagens feitas no transoperatório. Nota-se a sínfise mandibular identificada pela seta amarela. A. Imagem em que é evidenciado pela chave o fragmento a ser retirado. B. Imagem após a retirada do fragmento. C. Imagem após sutura. Fonte: LAOV-UFPR. Ao final do procedimento cirúrgico foi administrado meloxicam na dose de 0,1 mg/kg e dipirona na dose de 25 mg/kg, ambos por via subcutânea. A paciente foi encaminhada à internação noturna, sendo monitorada e, com evolução favorável, recebeu alta médica na manhã seguinte. Foi agendado retorno em uma semana e orientado aos tutores a manter paciente de colar elizabetano e se alimentar com alimentos pastosos até novas recomendações. Foi prescrito para administrar em casa dipirona na dose de 25 mg/kg, a cada 12 horas, durante cinco dias; meloxicam 0,1 mg/kg a cada 24 horas, durante quatro dias; cloridrato de tramadol 2 mg/kg, a cada 12 horas, durante cinco dias; e omeprazol 42 1 mg/kg a cada 12 horas, durante cinco dias, juntamente com limpeza do local da ferida e dos demais dentes com digluconato de clorexidina 20% diariamente. No retorno, a tutora relatou que o paciente se alimentou de ração pastosa durante todo o período e apresentou bastante apetite. Todas as medicações prescritas foram administradas corretamente e foi realizada a limpeza na cavidade oral diariamente. A tutora negou vômito, diarreia, tosse, espirro, secreção nasal/ocular, sialorreia, porém relatou sangramento bucal leve no primeiro dia. No exame oral foi observada total cicatrização da incisão cirúrgica. A tutora foi orientada a realizar limpeza oral com o digluconato de clorexidina 20% e alimentação pastosa por mais 7 dias. Após este período, o animal estaria liberado para comer ração seca. Foi recomendado que seja realizado também acompanhamento com odontologista veterinário para tratamento periodontal periódico por conta de possível fragilidade no ramo mandibular direito e cuidado ao subir e descer de locais altos para evitar possíveis traumas. 4. Discussão A mandíbula é um osso propenso a fraturas, representando entre 1,5% e 6% de todos os casos de fratura em cães. Ocorre principalmente em animais de pequeno porte, por estes terem as raízes dos dentes ocupando praticamente toda a altura da mandíbula, deixando pouco espaço para o osso (Lopes et al., 2005). Frequentemente ocorrem devido a traumas, como quedas de locais altos, acidentes automobilísticos e brigas (Assunção, 2017). No caso descrito, um canino da raça shih-tzu, com histórico de queda de um beliche apresentava mobilidade, dor na palpação da mandíbula e má oclusão, vistos durante exame físico. Por meio de radiografias cranianas e intraorais foi constatada a fratura mandibular. Foram relatadas várias tentativas de tratamento em clínica veterinária externa, porém malsucedidas. O primeiro método de tratamento aplicado na paciente foi a tala acrílica intraoral. De acordo com Sofal et al. (2021) a remoção da resina deve ser feita 43 de quatro a seis semanas, período em que normalmente ocorre a consolidação óssea. Porém, no caso descrito, a resina foi retirada após aproximadamente 20 semanas, o que explica a rejeição. Após oito semanas do trauma, foi observada radiograficamente a presença de união óssea retardada, ou seja, a fratura não consolidou em um período considerado normal, normalmente devido à escolha inadequada ou inapropriada do método de fixação por parte do cirurgião ou erros na técnica cirúrgica empregada. Estes fatores geram instabilidade e prejudicam o suprimento sanguíneo no foco de fratura, o que retarda o processo de cicatrização óssea (Rosa, 2012). Conforme recomenda Lobprise (2010), o paciente deve ser avaliado a cada duas semanas após qualquer um dos métodos de tratamento mencionados que envolvam procedimento cirúrgico. Além disso, é necessário realizar novas radiografias de quatro a seis semanas após a operação e, se necessário, a cada duas semanas até que a fratura esteja completamente consolidada e os implantes possam ser removidos. Isto não ocorreu no caso relatado, visto que, após a colocação da tala acrílica intraoral, só foi feita nova radiografia oito semanas depois. Como alternativa a esta primeira tentativa de tratamento poderia ter sido combinadas as técnicas de estabilização interdental com fios de aço e da tala acrílica, uma vez que, conforme Marinho e Prado (2022), juntas elas proporcionam reforço biomecânico e as extremidades torcidas dos fios atuam como ponto de fixação para o material acrílico, levando maior resistência à flexão, principal força de distração que atua na mandíbula e que deve ser neutralizada. Doze semanas após o trauma, a união óssea retardada resultou em uma não-união óssea, caracterizada pela falha na união dos fragmentos ósseos, quando cessaram todos os sinais de atividade osteogênica no local da fratura (Rosa, 2012). As não-uniões ósseas são classificadas por suas características biológicas. No animal em questão, a não-união era do tipo não viável com defeitos ósseos, isto porque a fratura apresentou perdas ósseas significativas, 44 possivelmente pela cronicidade da fratura, gerando lacuna (gap) grande entre as extremidades ósseas. Sendo assim, o potencial de crescimento ósseo pode não ser suficiente para preencher este espaço com o calo ósseo, levando a menores índices de sucesso clínico (Rosa, 2012). Ademais, na radiografia realizada neste período, observa-se reabsorção óssea devido ao movimento ou estresse do local de fratura, por conta da falha do tratamento, o que afeta o tamanho das lacunas entre os fragmentos. Estas lacunas se alargam para que seja possível reduzir este estresse (Johnson, 2021). O segundo método de tratamento aplicado na paciente foi a estabilização com fio intraósseo. De acordo Marinho e Prado (2022), esta técnica é restrita a fraturas passíveis de reconstrução anatômica, o que não era o caso do animal, uma vez que este não apresentava mais crescimento e atividade óssea. Para mais, não obteve êxito, uma vez que, além do uso de um fio em banda de tensão, um segundo fio deveria ser colocado para neutralizar as forças de cisalhamento e rotação que ainda estavam presentes após a aplicação do primeiro fio na margem alveolar, especialmente nas áreas rostrais e do ramo mandibular. Essa segunda fixação é aplicada na margem mandibular ventral para aumentar a estabilidade e resistir às forças da mastigação (Marinho; Prado, 2022). Devido ao longo período em que a paciente apresentava não-união e reabsorção óssea, os tecidos moles adjacentes também foram prejudicados, o que provavelmente causou a rejeição do fio intraósseo e a deiscência de sutura, que foi realizada como o terceiro método de tratamento. Segundo Rosa (2012), não-uniões não viáveis necessitam da abertura do canal medular e remoção de tecido ósseo esclerosado e fibroso. A retirada de parte do osso cortical é necessária para ativar os processos de cicatrização natural do osso. Devido a isso, optou-se como última forma de tratamento, a mandibulectomia parcial, após 52 semanas do trauma. A cirurgia foi realizada da forma como preconizada por Hedlund; Fossum (2008), apresentando boas evoluções. Após a retirada do fragmento ósseo, este poderia ser sido encaminhado para a realização dos exames de cultura bacteriana aeróbia e anaeróbia e teste 45 de sensibilidade para confirmar a suspeita da osteomielite (Marinho; Prado, 2022) observada nas radiografias feitas pela paciente e, caso confirmada, entrar com a terapia antimicrobiana adequada, bem como para a execução do exame histopatológico para avaliar quais as células presentes no fragmento e descartar qualquer chance do animal apresentar neoplasia, uma vez que, as fraturas mandibulares podem ocorrer devido a esta patologia. Em razão da ausência de complicações no trans-cirúrgico e ao bom manejo pós-operatório, a paciente apresentou boa recuperação, com ausência de dor e melhora do apetite. Na maioria dos casos de complicações de fratura mandibular, o prognóstico varia de reservado a bom, uma vez que fatores predisponentes, localização e tipo de fratura, tipo de tratamento e qualidade dos cuidados domiciliares do tutor afetam o resultado da consolidação. No entanto, em casos de osteomielite extensa e grandes lacunas ósseas, o prognóstico é ruim (Lobprise, 2010; Marinho; Prado, 2022). A escolha de um tratamento invasivo se deu, uma vez a reabsorção óssea era agressiva e extensa, e que a possível osteomielite que a paciente apresentava não se resolveriam sem intervenção cirúrgica (Jackson e Pacchiana, 2004). 5. Conclusão A partir do presente relato de caso, foi possível concluir que a técnica de mandibulectomia parcial foi efetiva para o tratamento de fratura de mandíbula do paciente com não-união óssea não viável. 46 REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, D. M. Técnicas terapêuticas de fratura mandibular em cães: revisão sistemática. 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