I UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES Entre o sonoro e o visual: Relações e Processos nas Artes Fernando Franco Codevilla São Paulo, 2015 II UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES Doutorado em Artes Entre o sonoro e o visual: Relações e Processos nas Artes Fernando Franco Codevilla Tese apresentada ao Programa de Pós- -Graduação em Artes, à Área de Con- centração: Artes Visuais, da Universida- de Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Doutor em Artes, sob a orientação da Profes- -sora Dra. Rosangela da Silva Leote. São Paulo, 2015 III Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP Codevilla, Fernando Franco, 1980- Entre o sonoro e o visual : relações e processos nas artes / Fernando Franco Codevilla. - São Paulo, 2015. 328 f.: il. color. Orientadora: Prof. Dra. Rosangela da Silva Leote Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. 1. Arte e tecnologia. 2. Artes visuais. 3. Música. 4. Arte e música. 5. Arte e ciência. I. Leote, Rosangela da Silva. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 700.105 C669e IV Assinatura da Banca Examinadora _________________________________ _________________________________ _________________________________ _________________________________ _________________________________ V VI RESUMO Esta tese propõem uma discussão sobre as relações entre o som e a imagem no campo das Artes Sonoras e Artes Visuais. Para isto, realizamos um mapeamento de artistas em algumas manifestações como a Música Visual, as Esculturas Sonoras, as Partituras Gráficas, as Pinturas, as Poesias-concretas, o Cinema e os multimeios com os recursos eletrônicos e digitais. Observamos nos trabalhos dos artistas, o modo como ocorrem as operações com os materiais, identificando os meios e as técnicas que dão forma às obras. Também é relevante o contexto em que os trabalhos estão inseridos, pois estes são reflexo de um espaço-tempo onde se encontram e, por isto, apresentam uma sin- tonia com os demais fatores que determinam cada época, como os contextos científico, tecnológico e cultural. Nestes cruzamentos entre os contextos, verificamos a existência de outras similitudes que envolvem as obras, como as relações entre a arte e a ciência. Afinal, muitos trabalhos são desenvolvidos a partir de conceitos científicos, ou são pro- duzidos através da colaboração entre artistas, cientistas e engenheiros, ou ainda, nos trabalhos mais recentes, é comum encontrar obras criadas com os mesmos meios que são empregados na pesquisa científica. Assim, nos concentramos na operacionalidade dos artistas e tratamos os elementos sonoros e visuais como materiais para os pro- cessos formativos das obras. Com estes princípios, nos interessa descobrir as possibi- lidades nos modos de estabelecer relações entre os elementos sonoros e os visuais. Palavras-chave: Arte e tecnologia; Audiovisual; Processos artísticos; Relações. VII ABSTRACT This thesis proposes a discussion about the relationship between sound and image in the field of Sound and Visual Arts. In this way, we realize a mapping of artists consid- ering some manifestations such as Visual Music, Sound Sculptures, Graphic Notation, Paintings, Concrete Poetry, Cinema and Multimedia with electronic and digital re- sources. We observe in the works of the artists, how operations with materials occur, identifying the means and techniques that give forms to the works. It is also relevant to consider the context in which the works are inserted, as they are a reflection of their spacetime realization, being therefore in sync with the other factors determining each realization, such as the scientific, technological and cultural contexts. In these inter- sections between the contexts, we verify the existence of other similarities involving the works, such as the relation between art and science, since several works are de- veloped from scientific concepts, or are produced through collaboration between art- ists, scientists and engineers, or still, in more recent studies, it is common to find works elaborated with the same means that are used in scientific research. Hence, we focus in the functionality of the artists and treat the sound and visual elements as materi- als that are used in the formative processes of the artworks. With these principles, we are interested in discovering the ways of establishing relationships between sound and image. Key-words: Art and technology, Audiovisual, Artistic Process, Relationships. VIII SUMÁRIO IX RESUMO ABSTRACT LISTA DE FIGURAS INTRODUÇÃO 1. Entre a Arte e a Ciência 2. Artistas e obras 2.1 Música Visual 2.2 Esculturas sonoras 2.3 Partiguras Gráficas 2.4 Pinturas 2.5 Cinema 2.6 Multimeios 2.7 Videoclipes 2.8 Brasileiros 3. As relações entre o sonoro e o visual CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 018 030 049 050 074 094 106 136 154 192 202 250 308 318 X LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Animal representado na caverna de Niaux. _______________________________________________ (http://www.grands-sites-ariege.fr/). FIGURA 2: Marcas gráficas na caverna de Chauvet. __________________________________________________ (http://nevsepic.com.ua/uploads/posts/2012-04/1335695281-2287983--31-000-la-grotte- chauvet-deux-petites-tgtes-de-chevaux-jaunes-et-gros-points-et-barres-rouges-aurigna- cien.jpg) FIGURA 3: Modelo de órgão colorido com energia elétrica. _________________________________________ (http://econtact.ca/15_4/mcdonnell_visualmusic.html) FIGURA 4: Os símbolos e os códigos no sistema de notação de Greenewalt. ________________ (http://www.google.com/patents/US1385944) FIGURA 5: Diagrama do Variophone (1932). _____________________________________________________________ (http://createdigitalmusic.com/files/2014/01/GenerationZ-Variophone3_diagram.jpg). FIGURA 6: Película do filme A ColourBox (1935) de Len Lye.______________________________________ (http://zauberklang.ch/filmcolors/timeline-entry/1257/#A_Colour_Box_(GB_1935,_Len_Lye). FIGURA 7: Película do filme A ColourBox (1935) de Len Lye. (2)_________________________________ (http://zauberklang.ch/filmcolors/timeline-entry/1257/#A_Colour_Box_(GB_1935,_Len_Lye) FIGURA 8: Película do filme A ColourBox (1935) de Len Lye. (3) ________________________________ (http://zauberklang.ch/filmcolors/timeline-entry/1257/#A_Colour_Box_(GB_1935,_Len_Lye) FIGURA 9: Bute e um aparelho osciloscópio. E still de um Abstronics (1954). _______________ (http://cmuems.com/2013/a/lectures/lecture-01/) FIGURA 10: Still de Oscillons (1953) de Ben Laposky. ______________________________________________ (http://translab.burundi.sk/code/vzx/1952-6.BenLaposky.ElectronicAbstraction.4.jpg) FIGURA 11: With hidden noise (1916), Marcel Duchamp. ___________________________________________ (http://collections.lacma.org/sites/default/files/remote_images/piction/ma-1285276-WEB. jpg) FIGURA 12: Standing Wave (1919-1920), Naum Gabo. ______________________________________________ (http://www.tate.org.uk/art/images/work/T/T00/T00827_10.jpg) 048 048 053 057 063 065 066 067 069 073 076 077 XI FIGURA 13: Digitalização do livro NEUGEBOREN, Henrik; NOUVEAU, Henri. Henrik Neugeboren dit Henri Nouveau, 1901-1959. Paris : Editions Richard-Masse, 1960. ________ (http://40.media.tumblr.com/tumblr_ltvlecZZPd1r5yt7ko3_1280.jpg) FIGURA 14: Cloud-Chamber Bowls (1560), Harry Partch. __________________________________________ (http://www.harrypartch.com/#!instruments/csqv) FIGURA 15: Harry Bertoia e esculturas da série Sonambient. _____________________________________ (http://www.wright20.com/assets/images/auctions/QU4I/lit/100/hb_ac_3.jpg) FIGURA 16: Meta-mécanique (1954-1955), Jean Tinguely. _________________________________________ (http://www.tate.org.uk/art/images/work/T/T03/T03823_10.jpg) FIGURA 17: Ronda (1969), Walter Smetak. ______________________________________________________________ (http://jeitobaiano.atarde.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/06/smetak_imprevisto015.jpg) FIGURA 18: Télélumière (1961), Takis. ____________________________________________________________________ (http://hyperallergic.com/199722/the-irresistible-pull-of-takiss-magnetic-fields/) FIGURA 19: Cysp 1 (1956), Nicolas Schöffer. ___________________________________________________________ (http://www.museomagazine.com/THE-CERTAINTY-OF-UNCERTAINTY) FIGURA 20: Rainforest (1966), David Tudor. ____________________________________________________________ (http://broadway1602.com/exhibition/rainforest-vconceived-by-david-tudor-realized-by- composers-insight-electronics/) FIGURA 21: Kaleidophonic Dog (1967), Stephen Von Huene. ______________________________________ (http://collections.lacma.org/node/240165) FIGURA 22: Wave Organ (1986), Peter Richards e George Gonzales. ___________________________ (http://collections.lacma.org/node/240165) FIGURA 23: Partitura e escultura de Hurricane Noel (2009), Nathalie Miebach. ______________ (http://nathaliemiebach.com/weatherscores.html) FIGURA 24: Belle, Bonne, Sage (1490), Baude Cordier. ____________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/09/CordierColor.jpg) FIGURA 25: Sphera Mundi (1621), John Bull. ___________________________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/57/John_bull_sphera_mundi.gif) 075 077 080 081 082 084 086 088 089 091 092 097 097 XII FIGURA 26: Gráfico de Villa Lobos para Sky line melody (1957). _________________________________ (http://villa-lobos.tumblr.com/post/51045696/new-york-skyline-melody-is-based-on-the- musical) FIGURA 27: December (1952), Earle Brown. ____________________________________________________________ (http://thejazzbreakfast.com/2014/01/14/an-experiment-in-compositional-affectivity/) FIGURA 28: Atlas Eclipticalis (1961), John Cage. ______________________________________________________ (http://www.artbouillon.com/2012/08/john-cage-artist.html) FIGURA 29: Treatise (1967, p.183), Cornelius Gardew. _______________________________________________ (http://public.media.smithsonianmag.com/legacy_blog/Cornelius-Cardew-Treatise.jpg) FIGURA 30: Luminous Axis (2002), Wadada Leo Smith. ______________________________________________ (http://www.gramophone.co.uk/sites/default/files/Graphic-Wadada-Leo-Smith.jpg) FIGURA 31: Tunnel Spiral (1969), Karlheinz Stockhausen. __________________________________________ (http://watermillcenter.org/sites/watermillcenter.org/files/d_200907_stockhausen_0. jpg?1248967172) FIGURA 32: Music With Timin Devices (1974), Reed Maxson. ______________________________________ (http://www.reedmaxson.com/uploads/2/3/7/0/23708941/277986_orig.jpg) FIGURA 33: Concerto Campestre (1509), Giogione e Ticiano. _____________________________________ (http://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/historia-arte/imgs/idmod/Ticiano_04.jpg) FIGURA 34: Saint Cecilia (1606), Guido Reni. ___________________________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d6/Guido_Reni_-_Santa_Cecilia.jpg) FIGURA 35: Hearing (1618), Rubens e Brueghel. _______________________________________________________ (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jan_Brueghel_I_%26_Peter_Paul_Rubens_-_Hear- ing_(Museo_del_Prado).jpg#file) FIGURA 36: The orchestra of the opera (1868-69), Edgar Degas. ________________________________ (http://uploads0.wikiart.org/images/edgar-degas/orchestra-of-the-opera-1869.jpg) FIGURA 37: Le cirque (1890-91), Georges Seurat. ____________________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/41/Georges_Seurat,_1891,_Le_Cirque_ (The_Circus),_oil_on_canvas,_185_x_152_cm,_Mus%C3%A9e_d’Orsay.jpg) 098 099 100 101 102 103 105 109 112 112 115 116 XIII FIGURA 38: Against the Enamel of Background Rhythmic with Beats and Angels, Tones and Tones and Colours, and a Portrait of Felix Feneon (1890), Paul Signac. __________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3a/Signac_-_Portrait_ de_F%C3%A9lix_F%C3%A9n%C3%A9on.jpg) FIGURA 39: Quarry Bibémus (1989-1900), Paul Cézanne. __________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/85/Paul_C%C3%A9zanne_-_La_ carri%C3%A8re_de_Bib%C3%A9mus.jpg/964px-Paul_C%C3%A9zanne_-_La_carri%C3%A8re_de_ Bib%C3%A9mus.jpg) FIGURA 40: Compositions pour jazz (1915), Albert Gleizes. ________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/1/13/Albert_Gleizes%2C_1915%2C_Composi- tion_pour_Jazz%2C_oil_on_cardboard%2C_73_x_73_cm%2C_Solomon_R._Guggenheim_Museum%2C_ New_York_DSC00542.jpg) FIGURA 41: Simultaneous windows on the city (1912), Robert Delaunay. ______________________ (http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online/artwork/1023) FIGURA 42: La città che sale (1910), Umberto Boccioni. ____________________________________________ (http://exhibitions.guggenheim.org/futurism/content/images/futurism_heroic_boccioni_the_ city_rises.jpg) FIGURA 43: Abstract Speed + Sound (1913), Giacomo Balla. ______________________________________ (http://annex.guggenheim.org/collections/media/902/76.2553.31_ph_web.jpg) FIGURA 44: Fugue on a Resurrection Theme (1913), Adolf Hoelzel. _____________________________ (http://www.adolf-hoelzel.de/wordpress/wp-content/uploads/Adolf-Hoelzel-Fuge-ueber- ein-Auferstehungsthema-1916.jpg) FIGURA 45: Disks of Newton, Study for Fugue in Two Colors (1911), Frantisek Kupka.____ (http://www.wikiart.org/en/frantisek-kupka/disks-of-newton-study-for-fugue-in-two- colors) FIGURA 46: Konzert (Impression III) (1911), Wassily Kandinsky. __________________________________ (http://www.schoenberg.at/images/stories/bilder_statische_artikel/ausstellungen/kandinsky/ kandinsky_gugg_0910_05.jpg) FIGURA 47: Rythme coloré (1913), Léopold Survage. ________________________________________________ (http://indexgrafik.fr/wp-content/uploads/2014/04/l%C3%A9opold-survage-rythme- color%C3%A9-1913.jpg) FIGURA 48: Fugue in red (1921), Paul Klee. _____________________________________________________________ (http://www.medienkunstnetz.de/assets/img/data/3551/bild.jpg) 117 118 119 120 121 122 123 124 126 127 129 XIV FIGURA 49: Victory Boogie Woogie (1942-44), Piet Mondrian. ____________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/87/Piet_Mondriaan_Victory_Boogie_Woo- gie.jpg) FIGURA 50: Soundscape Instrument (2014), Barbara Bastos. _____________________________________ (http://thecreatorsproject.vice.com/blog/an-instrument-that-translates-landscape-paint- ings-into-music) FIGURA 51: Turntablism for the hard of Hearing: Harmonic Motion (2014), Ally Mobs.______ (http://www.theverge.com/2014/5/26/5752028/turntable-with-robotic-arms-draws-beauti- ful-spirographs) FIGURA 52: A Fantasie Fragment (2014), Kiran Wattamwar e Christina Sun. _________________ (https://vimeo.com/74969550) FIGURA 53 : Light Music (1975), Lis Rhodes. ___________________________________________________________ (http://www.tate.org.uk/art/images/work/T/T13/T13857_10.jpg) FIGURA 54: Sillon Fermé, Pierre Schaeffer. _____________________________________________________________ (http://museum.rechtaufremix.org/site/uploads/2014/03/20130928_rar_musique_concrete_sil- lon_ferme.jpg) FIGURA 55: Esquema para projeção com retro-projetores de Bill Ham. _______________________ (www.billhamlights.com/history.html) FIGURA 56: TV Dé-coll/age (1963), Wolf Vostell. ____________________________________________________ (http://www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/6-tv-collage) FIGURA 57: Montagem da obra Kuba TV (1963), Nam June Paik. _______________________________ (http://www.medienkunstnetz.de/works/kuba-tv/) FIGURA 58: Four-Dimensional Hyperobjects (1965), Michael Noll. _______________________________ (http://dam.org/artists/phase-one/a-michael-noll/artworks). FIGURA 59: Light Forms (1953-55), Herbert Franke. _________________________________________________ (http://translab.burundi.sk/code/vzx/). FIGURA 60: Interference Room (2012), Carsten Nicolai. ____________________________________________ (http://www.carstennicolai.de/?c=works&w=interference_room). FIGURA 61: Camera Lucida (2007), Evelina Domnitch e Dmitry Gelfand. _______________________ (http://v2.nl/archive/works/camera-lucida). 130 132 134 135 152 158 165 166 167 172 175 179 180 XV FIGURA 62: Eunoia (2013), Lisa Park. _____________________________________________________________________ (http://thecreatorsproject.vice.com/blog/eunoia-seeking-enlightenment-by-tracking-brain- waves). FIGURA 63: Luginsland (2006), Florian Dombois. _______________________________________________________ (http://floriandombois.net/works/luginsland.html). FIGURA 64: Waves (2006), Daniel Palacios. _____________________________________________________________ (https://dublin.sciencegallery.com/oscillator/waves). FIGURA 65: The Heart Chamber Orchestra (2010), Terminal Beach. ____________________________ (http://www.creativeapplications.net/maxmsp/heart-chamber-orchestra-maxmsp/). FIGURA 66: Soundsculpture (2012), Daniel Franke e Cedric Kiefer. _____________________________ (http://www.onformative.com/work/unnamed-soundsculpture/). FIGURA 67: An Instrument for the sonification of everyday Things (2012), Dennis Paul.___ (http://www.creativeapplications.net/processing/an-instrument-for-the-sonification-of- everyday-things/). FIGURA 68: Manifesto do Grupo Ruptura (1952). ______________________________________________________ (https://arteconcretista.files.wordpress.com/2010/09/manifestoruptura.jpg). FIGURA 69: Calligrames (1918), Guillaume Apollinaire. _______________________________________________ (https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a3/Guillaume_Apollinaire_-_Calli- gramme_-_Cheval.png). FIGURA 70: lygia fingers da série poetamenos (1953), Augusto de Campos. __________________ (http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poetamenos.html). FIGURA 71: eis os amantes da série poetamenos (1953), Augusto de Campos. _____________ (http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poetamenos.html). FIGURA 72: silencio (1954), Eugen Gomringer. _________________________________________________________ (http://visual-poetry.tumblr.com/post/19780544380/silencio-silenceschweigen-by-eugen- gomringer). FIGURA 73: Le Tombeau de Mallarmè (1972), Erthos de Souza. __________________________________ (http://epoetry.paragraphe.info/english/papers/jorge.pdf). FIGURA 74: Objetos (1968-69), Julio Plaza. _____________________________________________________________ (http://fvcb.com.br/?attachment_id=7254). 182 183 184 186 188 191 204 207 208 209 210 217 225 XVI FIGURA 75: Poemóbiles (1974), Augusto de Campos. ________________________________________________ (http://www.museudeartemurilomendes.com.br/noticias/wp-content/ uploads/2014/12/P%C3%A1gina-do-livro-Poem%C3%B3biles.jpg). FIGURA 76: Artefatos do Som (2013), O Grivo. ________________________________________________________ (http://www.oifuturo.org.br/evento/o-grivo-artefatos-de-som/). FIGURA 77: On off poltergeist (2007), Chelpa Ferro. _________________________________________________ (http://4.bp.blogspot.com/_gYEY-mME_KA/S7ZjyzyYeqI/AAAAAAAACgY/MqQ9v0v2H3c/ s1600/cf_installation1.jpg). FIGURA 78: Atrator Poético (2005), SCIArts. ___________________________________________________________ (http://sciarts.org.br/sciarts/wp-content/uploads/2014/06/atrator.jpg). FIGURA 79: Carnaval (2010), Cia de Foto. _______________________________________________________________ (http://www.galeriavermelho.com.br/en/exposicao/2873/cia-de-foto-entretanto). FIGURA 80: Instalasônica (2003), Paulo Vivacqua. ____________________________________________________ (http://www.pipa.org.br/pag/artistas/paulo-vivacqua/). FIGURA 81: Circulandô (2011), André Parente e Julio Parente. __________________________________ (http://www.funarte.gov.br/wp-content/uploads/2014/02/Circulado_Everton-Ballardin.jpg). FIGURA 82: Trambolho (2014), Rosangella Leote, Miguel Alonso e Carla Hirano. ___________ Arquivo Pessoal. FIGURA 83: Através (2011), Fernando Codevilla. ______________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 84: Através (2011), Fernando Codevilla. ______________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 85: METRO (2012), Fernando Codevilla. ______________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 86: METRO (2012), Fernando Codevilla. ______________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 87: Lugar?? (2014), Fernando Codevilla. ______________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 88: Sonografia (2014), Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal. 226 238 239 240 242 243 244 248 278 279 281 282 289 291 017 FIGURA 89: Sonografia (2014), Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal FIGURA 90: Sonografia (2015). Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 91: Sonografia (2015). Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 92: Sonografia (2015). Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 93: Sonografia (2015). Fernando Codevilla. __________________________________________________ Arquivo pessoal. FIGURA 94: Everything is connected in life (1992-93), Gillian Wearing. _________________________ (http://www.tate.org.uk/art/artworks/wearing-everything-is-connected-in-life-p78351). 292 293 295 306 307 317 018 INTRODUÇÃO 019 A proposta que apresentamos na presente tese de doutorado tem como objetivo in- vestigar a produção de trabalhos que promovem, de algum modo, relações entre som e imagem. Com este intuito, propomos um estudo que traz uma abordagem destas rela- ções a partir dos procedimentos adotados por artistas que buscam articular elementos ou conteúdos sonoros e visuais. A escolha deste tema acontece devido a experiência profissional do autor com o audiovisual, iniciada em uma produtora de vídeo no ano de 2001, onde realizava a edição e a finalização de vídeos para fins publicitários e produ- ções cinematográficas. No entanto, a motivação para desenvolver uma pesquisa no meio acadêmico surgiu pelo interesse em estudar uma outra experiência com o audiovisual iniciada no ano de 2006, quando a prática com o vídeo passou a acontecer ao vivo em apresentações como VJ em eventos de música eletrônica. Os estudos realizados neste período suscitaram uma pesquisa acadêmica nas Artes, que aconteceu entre 2009 e 2011, e resultou na dis- sertação Vídeo + Performance: processos com o audiovisual em tempo real (2011)1. O foco deste primeiro estudo concebido para o mestrado concentrava-se em examinar os diálogos entre a prática do VJ e a arte contemporânea. Para isto, realizamos um levantamento bibliográfico para obter referências sobre as produções audiovisuais nos contextos da Videoarte, da Performance e da Arte Computacional. Porém, durante os dois anos do mestrado teve início uma outra prática com o audio- visual que acabou gerando redefinições no decorrer da pesquisa desenvolvida na dis- sertação. Afinal, o estudo não estava mais voltado somente às apresentações como VJ, pois havia a necessidade de refletir sobre novos processos criativos através das 1 Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - na linha Arte e Tecno- logia - da Universidade Federal de Santa Maria. Sob orientação da Profª. Dr.ª Nara Cristina Santos. 020 performances audiovisuais ao vivo2 e de um vídeo3 que foram exibidos em algumas Exposições e Festivais de Audiovisual. Logo, como a proposta da dissertação consis- tia em elaborar um estudo em Poéticas Visuais, houve a necessidade de adequar os 2 Projeções de nós mesmos (2008) - performance com 15 minutos de duração apresentada na abertura da exposição Híbridos de Nós Mesmos, na Sala Cláudio Carriconde - Centro de Artes e Letras da UFSM. O trabalho partiu da apropriação das obras dos artistas que participavam da Mostra: Anelise Witt, Greice Antolini, Karine Perez e Rafael Berlezi. A partir disto, utilizamos certos elementos visuais dos trabalhos dos artistas para uma manipulação das imagens ao vivo, que foram projetados em uma das paredes da galeria. Disponível em: (http://youtu.be/kAfI9mHxpi8). Maquínica (2009) - performance com 25 minutos realizada em parceria com Cristiano Figueiró e Rafael Berlezi na abertura da exposição 3x3 Poéticas em Processo, no Teatro Caixa Preta da UFSM. A obra que discute a relação homem-máquina utilizou as cenas do filme Metrópolis (1927) de Fritz Lang, as quais foram combinadas com uma composição musical a partir de instrumentos e sons sintetizados por processos interativos no Pure Data. Disponível em: (http://youtu.be/YzPhtZBMsz0). Todo dia (2010) - performance com 19 minutos apresentada no dia do Exame de Qualificação do mestra- do. A proposta consistia em combinar sons registrados nos corredores do prédio do Centro de Artes e Letras com vídeos que apresentavam algumas marcas características deste prédio e, também, imagens captadas ao vivo do espaço onde aconteceu a projeção. Fluxo (2010) - performance em parceria com Rafael Berlezi, apresenta em dois eventos com durações variáveis entre 30 e 90 e minutos: no 1ª SEDA - Semana do Audiovisual de Santa Maria promovida pelo Coletivo Fora do Eixo; na 35ª SECOM - Semana da Comunicação da UFSM; foi selecionada para o IV Simpósio Nacional ABCiber (2010) no Rio de Janeiro. Explora a passagem do tempo nas cidades e os vestígios humanos a partir de vídeos gravados e uma composição musical em tempo real que combina paisagens sonoras dos lugares com sons sintetizados. Disponível em: (http://youtu.be/X9AXyOLIgqw). 3 Antropaisagem (2010) - vídeo com 3 minutos, produzido com a colaboração de Rafael Berlezi, apresentado nas seguintes mostras: Outros Lugares (2010) na Fundação Cultural Chico Lisboa de Porto Alegre; 9º Vaga-lume: Mostra de Vídeo Experimental do IA/UFRGS (2010); Diálogos Digitais (2010) no Teatro Caixa Preta da UFSM; Conexões Tecnológicas (2010) do Instituto Sérgio Motta - São Paulo; Tempo - Lugar - Matéria (2011) na Fundação Hassis - Florianópolis; Entre Sensíveis Pixels: Espaço - Tempo - Memória (2012) na Sala Java Bonamigo em Ijuí/RS; Arte, Ciência e Tecnologia: Sustentabilidade (2012) na UFSM; Entre Sensíveis Pixels: Espaço - Tempo - Agora (2013) na Galeria Mamute em Porto Alegre. O vídeo mescla dois espaços através de suas paisagens sonoras e imagens feitas em time-lapse para demonstrar as interferências entre os cenários urbano e o campo. Disponível em: (http://vimeo. com/fcodevilla/antropaisagem). 021 conteúdos discutidos no texto com as novas experiências artísticas que tiveram início durante a realização do curso de pós-graduação em Artes Visuais. Por isto, o estudo fundamentou-se nas relações entre o vídeo, a arte e a tecnologia a partir dos proces- sos audiovisuais e de questões que emergiram dos trabalhos realizados pelo autor. A defesa da dissertação aconteceu no início de 2011 e no segundo semestre deste ano começou o doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Artes da UNESP. O projeto submetido ao programa pretendia dar continuidade a certos temas que surgi- ram nestes primeiros dois anos como pesquisador, tais como a produção audiovisual com linguagens de programação e a questão da sinestesia na arte. No âmbito prático também havia despertado novos interesses, como fazer uso da tecnologia digital não apenas para manipulação do audiovisual ao vivo com softwares de VJing, mas para começar a gerar o conteúdo a partir de processos interativos utilizando ambientes de programação gráfica para áudio e vídeo, como o Pure Data e o Quartz Composer. Assim, a motivação poética que anteriormente estava concentrada na experimenta- ção com o audiovisual ao vivo baseada no improviso, redefiniu-se pela descoberta das possibilidades de gerar gráficos e sons inteiramente criados com softwares para tornar o processo de produção mais interativo e, principalmente, para obter novas relações entre sons e imagens em tempo-real. Deste modo, surgiu uma nova proposta de pesquisa que inicialmente previa a investi- gação sobre as produções de experiências audiovisuais com procedimentos computa- cionais. Porém, a produção de trabalhos por meio de ambientes de programação exige um grande tempo de dedicação para conhecer os recursos técnicos e as linguagens computacionais, logo, a produção que está sendo desenvolvida em concomitância com a pesquisa científica tem se transformado em um processo gradual e reflete nas adequa- ções feitas nos objetivos iniciais propostos no projeto, tendo em vista que a pesquisa está inserida na linha de Processos e Procedimentos Artísticos. Por estas circunstâncias, a proposta de pesquisa que estava centrada basicamente na reflexão sobre os procedimentos informacionais nas práticas artísticas que temos desenvolvido foi reformulada. Como minha produção, até o momento, concentra-se 022 em trabalhos que tomam forma pela relação entre os elementos sonoros e visuais, também estava interessado em observar os trabalhos de outros artistas que buscam estabelecer suas relações com tais elementos. Por este motivo, começamos a realizar um mapeamento de artistas em diferentes contextos para observar o modo como são operadas as relações entre sons e visuais nas obras. Partimos do princípio que entre som e imagem está a relação. Nesta tese nos interes- sa olhar para este “entre”, ou seja, refletir sobre o modo como são operadas as rela- ções com materiais sonoros e visuais no processo de produção das obras. Entre som e imagem encontram-se as técnicas, as tecnologias, os suportes, as linguagens, todos os elementos que são empregados pelos artistas e dão forma aos trabalhos artísticos. Entre som e imagem estão os sentidos. Enquanto não haviam recursos disponíveis para trabalhar com as duas modalidades em um único meio, os artistas buscavam explorar sensações musicais nas pinturas ou atribuir representações visuais às músicas, porém, com o desenvolvimento de meios audiovisuais puderam propor diversas interações mul- tisensoriais e intersensoriais. É imprescindível assumir que há uma interdependência entre diversos fatores na con- cepção da uma obra de arte, especialmente quando a proposta surge pelo interesse de explorar a relação entre os seus elementos formativos. Basta observar a história da arte para constatarmos que tudo está conectado: os artistas e seus antecessores, os meios e as tecnologias disponíveis em cada época, as teorias e os paradigmas cientí- ficos vigentes, os contextos social, cultural e político. Como afirma Julio Plaza (2003, p.5), parafraseando Karl Marx, “os artistas não operam de maneira arbitrária, em cir- cunstâncias escolhidas por eles mesmos, mas nas circunstâncias com que se encon- tram na sua época, determinadas pelos fatos e as tradições”. Enquanto que a ciência vive em torno de uma sucessão de paradigmas, de modo semelhante, a arte desenvol- ve-se baseada em paradigmas específicos de cada período. Logo, como observa Silvio Zamboni (2001), a obra de arte assume o seu sentido dentro de uma época pois está em relação direta com os paradigmas vigentes do período no qual se insere, ou seja, uma abstração de Kandinsky jamais assumiria o mesmo sentido se fosse concebida no Renascimento. 023 Apesar de existirem inúmeras condições que são comuns a todos os tipos de mani- festações, as artes foram se dividindo em diferentes territórios ao longo da história, principalmente em decorrência do material e das técnicas utilizadas pelos artistas, das dimensões em que os trabalhos se constituem e das modalidades sensoriais envolvi- das na experiência estética de quem se relaciona com o trabalho. Deste modo, surgi- ram definições para cada gênero baseadas nos principais elementos que dão forma aos trabalhos, como, por exemplo, os sons na Música, as cores na Pintura, as palavras na Literatura, o corpo na Dança, os objetos na Escultura. Assim, os gêneros foram se dis- tanciando em suas especificidades apesar de também existirem algumas manifestações híbridas como a Ópera, que combina Literatura, Teatro e Música. Aliás, a Ópera iria tornar-se, como sugere Theodor Adorno (2003), a faísca para os primeiros esforços no processo de integração entre as artes, como aconteceu com a noção de Gesamtkunstwerk, ou Obra de Arte Total, proposta por Richard Wagner, no meio do século XIX. Antes disso, também houveram vários artistas que desenvolveram trabalhos sob influências de outras artes, como pinturas baseadas em obras literárias, ou ainda, os artistas que possuíam habilidades com mais de uma linguagem, como por exemplo, os pintores que também eram músicos e empregavam de algum modo seus conhecimentos musicais através das cores sobre as telas. No entanto, foi neste mesmo período da proposta de síntese entre as artes de Wag- ner que parece ter havido uma tendência ao início da diluição das fronteiras entre os gêneros. A partir do século XIX foram surgindo cada vez mais pintores que aplicavam a técnica musical do contraponto para combinar as cores ou as formas na estrutura das telas, tanto nas representações figurativas como nas pinturas abstratas. Os músicos, também passavam a trabalhar com novas técnicas de composição para explorar suas impressões visuais pelo contato com as obras de pintores. Logo após a virada do sé- culo XX começou uma verdadeira revolução devido aos rompimentos com as tradições estabelecidas em cada gênero, somada ao surgimento de novos meios com proprieda- des integradoras, como o cinema, que aceleram este movimento em direção ao ideal unificador entre as artes. 024 Todas mudanças que ocorreram nas artes no século XX foram reflexo de diversos acontecimentos em um contexto bem mais amplo, como as novas teorias dos cientistas que vinham alterando os paradigmas científicos e, principalmente, as novas condições tecnológicas, que também trouxeram profundas transformações em todas as áreas e, nas artes, foram responsáveis por modificar tanto os modos de produção como os mo- dos de recepção. A busca por novas técnicas e tecnologias combinadas com estudos científicos é recor- rente entre os artistas que experimentam com as relações entre som e imagem. Afinal, a vontade de combinar elementos sonoros e visuais levou os artistas a inventarem diversos modos de promover estas relações enquanto não existia a possibilidade de trabalhar com um único meio que permitisse a integração audiovisual. Podemos cons- tatar, por exemplo, nas diversas técnicas desenvolvidas para trabalhar os aspectos musicais nas telas, ou então com a invenção de dispositivos como os órgãos coloridos4 para estabelecer correspondências entre os sons e as cores. Assim, nos concentramos em compreender os processos de produção a partir dos meios que proporcionam aos artistas estabelecerem relações entre os materiais so- noros e visuais para investigar o modo como as obras são produzidas, ou seja, o nosso foco está nos procedimentos ou recursos criativos empregados na formação dos traba- lhos. Luigi Pareyson, ao propor a Estética da Formatividade, já destacava a importância de levar em conta o processo do artista no curso da formação da obra. Para Pareyson (1993, p.26), a arte é pura formatividade por tratar-se de um processo de produção em que busca-se “formar por formar, formar perseguindo somente a forma por si mesma”. Pareyson reforça a ideia de que o processo formativo da obra sempre resultará em um objeto físico e material, sejam palavras, sons, cores, ou o corpo huma- no. Porém, para empregar a Teoria da Formatividade, não podemos considerar somente materiais que resultem em objetos físicos, mas todas as coisas que servem aos artistas como matéria à produção de uma experiência estética. Por exemplo, nas obras atuais 4 Os Color Organs consistem em instrumentos semelhantes aos órgãos musicais, porém tratam-se de dispositivos que emitem luzes. 025 realizadas com os processos digitais encontramos com frequência a preocupação com o fluxo de informações como um elemento formativo. Outro ponto que precisamos apontar nas ideias de Pareyson (1984, p.73), diz respeito a sua afirmação de que a forma só existe quando formada, quando coloca que “antes da obra, completa, perfeita, existente, não se pode propriamente dizer que exista a for- ma. Enquanto perdura o processo artístico, não há forma.” Como vemos, por exemplo, na performance audiovisual ao vivo, a obra consiste no próprio processo de relacionar sons e visuais, o que demonstra ser cada vez mais comum encontrar trabalhos que não visam alcançar um produto acabado e que nem por isto deixam de apresentar uma for- ma. De qualquer modo, nos valemos do pensamento de Pareyson porque também nos concentramos no trabalho do artista e no processo formativo, ou seja, no que dá forma à obra. Também consideramos que formar é sinônimo de fazer ao mesmo tempo em que o artista inventa seus modos de fazer. Como sugere Cecília Almeida Salles (2004, p.105), “ao falar dos recursos criativos, es- tamos na intimidade da concretude dessa relação entre forma e conteúdo”. Apesar de que não entramos na discussão entre forma e conteúdo, pois o que queremos investi- gar é somente o modo de fazer, afinal, de acordo com Pareyson (1984, p.57), não con- vém dizer que a obra tem conteúdo, matéria ou estilo, pois “a obra é o seu conteúdo, é o estilo em que é formada, é sua própria matéria”. Também não entramos nas discus- sões acerca da Estética, pois não temos a intenção de discorrer sobre a experiência do público ou sobre o processo de recepção das obras. Deste modo, adotamos uma metodologia sustentada sobretudo na Poiética para fun- damentar o discurso a partir dos processos que aplicamos na instauração das obras, juntamente com a investigação dos procedimentos e meios empregados por outros artistas. Logo, privilegiamos as bibliografias a partir dos escritos de artistas, nas quais, geralmente, encontramos as reflexões sobre a produção das obras, a descrição dos procedimentos praticados, além das referências que compõem o universo do proposi- tor do trabalho. Este tipo de estudo baseado na Poiética, como sugere René Passeron (2004), desempenha um papel fundamental ao juntar-se com a Estética na análise de uma obra. Afinal, enquanto um estudo baseado na Poiética busca responder o “Como?”, 026 que diz respeito ao método empregado na concepção de um trabalho, a análise através da Estética preocupa-se em interpretar o “O quê?”, ou seja, as reflexões de caráter especulativo sobre as propriedades das obras. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa delimita-se em averiguar os procedimen- tos de relação entre os elementos sonoros e visuais, tanto nos trabalhos audiovisuais, como em qualquer outro tipo de manifestação artística que esteja fundamentada nesta relação. Para cumprir com este objetivo, analisamos as obras que produzimos ao longo destes últimos anos junto com a pesquisa científica, mas também apontamos as produ- ções de diversos artistas que têm como propósito desenvolver métodos de cruzamen- to entre elementos que pertencem ao campo sonoro com os do campo visual. Nesta intersecção dos trabalhos que executamos com as demais obras que são abordadas no decorrer da pesquisa, podemos inferir que existem certos procedimentos comuns à instauração das experiências que tencionam alguma aproximação entre o campo sonoro e o visual. Considerando o processo formativo das obras, partimos da hipótese de que as rela- ções entre o sonoro e o visual podem ser estabelecidas por pelo menos três modos diferentes, que propomos como Analogia, Complementaridade e Unidade. Por exem- plo, diversos artistas buscam na linguagem da Música as técnicas e os métodos de compor com os sons para desenvolver um procedimento aplicado aos visuais, como a técnica do contraponto que é explorada por pintores e também por cineastas. Em outras situações, algumas obras são constituídas por elementos sonoros e visuais que complementam-se, como em uma performance audiovisual ao vivo, em que as imagens são manipuladas juntamente com os sons e ambos apresentam uma interdependência no processo operacional do artista. E há, também, obras que conseguem unir em uma matéria qualidades sonoras e visuais, como fazem os brasileiros da Poesia Concreta através das palavras. Como aponta Lucia Santaella (2008, p.91), vivemos em uma era marcada pela diluição das fronteiras entre visualidade e sonoridade, “no universo digital do som e imagem não há mais diferenças em seus modos de formar, mas só nos seus modos de aparição, ou seja, na maneira como se apresentam aos sentidos”. Junto com a ideia de Júlio Plaza 027 (2003, p.207) acerca do contexto multimídia que é característico deste momento atual, “as artes artesanais (do único), as artes industriais (do reprodutível) e as artes ele- trônicas (do disponível) se interpenetram (intermídia), se justapõem (multimídia) e se traduzem (tradução intersemiótica)”. Portanto, observamos os processos artísticos de relações entre som e imagem principalmente a partir da ideia de tradução que expande- -se para diversos meios e modos de produção. Além desta semelhança entre os processos operacionais, verificamos que muitos artis- tas concebem suas obras a partir de teorias científicas e também que passaram a em- pregar os mesmos meios utilizados nas pesquisas científicas. Além disso, concordamos com a concepção que Gordon Graham (2006) discute, a partir de Hegel, acerca do valor cognitivo da arte, isto é, da capacidade da arte de prover conhecimento estar acima do valor hedonista que visa proporcionar prazer, do valor estético por ser considerada bela, ou ainda do valor expressivo de comunicar algo ou algum sentimento. Zamboni (2001) também ressalta que é comum ter a ciência como veículo de conhecimento en- quanto que a arte não costuma ser vista do mesmo modo. Porém, “é necessário enten- der que a arte não só é conhecimento por si só, mas também pode constituir-se num importante veículo para outros tipos de conhecimento humano, já que extraímos dela uma compreensão da experiência humana e dos seus valores.” (ZAMBONI, 2001, p.20). Assim, na primeira parte da tese tratamos desta aproximação entre a arte e a ciência a partir de semelhanças verificadas no processo operacional dos artistas e dos cientis- tas. Além disso, os artistas que exploram os sons e os visuais costumam ser pioneiros na incorporação dos recursos tecnológicos em processos artísticos, para explorar as potencialidades estéticas de instrumentos, máquinas e ferramentas que originalmente são utilizados somente em pesquisas científicas, mas que hoje servem como meios à realização de diversos tipos de manifestações artísticas. O próprio computador foi res- ponsável por colocar os artistas e os cientistas em um nível muito próximo no que diz respeito as condições de trabalho e, atualmente, são raros os trabalhos que propõem relações entre sons e imagens sem passar por algum processo computacional. A segunda parte trata dos artistas e dos trabalhos nos diversos contextos da arte onde são operadas as relações entre elementos sonoros e visuais. Este mapeamento está 028 organizado por contextos, através das linguagens ou meios empregados nas obras. Por isto, começamos com o primórdio da Música Visual que aconteceu com a invenção dos órgãos coloridos. Nesta parte, passamos por diversos meios que serviram a este tipo de manifestação artística, como o cinematográfico, o eletrônico e o digital. Na sequência, continuamos no contexto da Arte Sonora para apresentar os artistas que realizam as Esculturas Sonoras e as Partituras Gráficas. Após tratar dos artistas e suas obras no contexto da Arte Sonora, partiremos para o contexto das Artes Visuais. Na Pintura, concentramos nos artistas que deram início ao emprego de conceitos e técnicas musicais no processo de criação das telas. Depois entramos no Cinema, onde tratamos também do emprego dos conceitos musicais na teoria cinematográfica e dos artistas que concebem filmes para explorar algum aspec- to musical. A seguir, passamos para os Multimeios, onde apontamos os trabalhos que foram produzidos com a combinação de diversos materiais, dos recursos eletrônicos ao meio digital. Logo após, fazemos uma menção aos videoclipes, mas que não se esten- de pois vemos estas produções inseridas mais no contexto comunicacional do que no contexto das Artes. Para encerrar esta parte, tratamos dos artistas brasileiros. Estes são apontado separadamente dos demais artistas internacionais porque, no Brasil, os acontecimentos seguiram em um tempo diferente do que acontecia no exterior e tam- bém por apresentarem certas particularidades que ocorreram nas linguagens desenvol- vidas em território nacional. Na terceira parte, passamos a discutir sobre as relações entre os sons e as imagens a partir dos trabalhos levantados na pesquisa. Assim, nos concentramos nos procedi- mentos instauradores dos trabalhos e buscamos descobrir as semelhanças no modo de operar dos artistas que compartilham o interesse pelas relações entre elementos sonoros e visuais. Nesta parte, também são apresentadas as produções artísticas que realizamos no período do doutoramento, para demonstrar os procedimentos que adota- mos ao trabalhar com os aspectos sonoros e visuais nas obras. Portanto, esta tese reflete um momento de pesquisa teórica e prática que consiste em uma recente aproximação com as Artes. Afinal, todos trabalhos que temos desenvolvido nos últimos anos tiveram início junto com as pesquisas no meio acadêmico. Por este 029 motivo que trazemos, em grande parte do texto, um levantamento de artistas e obras que nos permite conhecer melhor o campo em que estamos inseridos, o qual situa-se entre as Artes Sonoras e as Artes Visuais. 030 1 Entre a Arte e a Ciência 031 Propor uma discussão entre a arte e a ciência se faz necessária quando tratamos de processos artísticos que buscam promover relações entre sons e imagens. A come- çar que as primeiras experiências em que, de fato, uma integração destes elementos aconteceu, devem-se a iniciativa de cientistas que estudavam correspondências entre as propriedades da luz e as frequências sonoras. A construção dos órgãos coloridos concretizou a vontade de correlacionar elementos visuais e sonoros através de várias possibilidades de associações. Outro motivo que nos leva a discutir a arte e a ciência juntas, leva em consideração o modo de fazer arte em comparação com o modo de fazer ciência. Se observarmos as obras produzidas atualmente, com todos os recursos tecnológicos que temos disponí- veis, podemos verificar em muitas situações, nos procedimentos dos artistas, um pro- cesso operacional com muitas semelhanças com o dos cientistas. O artista, assim como o cientista, lida com a natureza. Muitos artistas já indicavam que arte e ciência compartilham de uma mesma origem no que diz respeito ao processo de criação, ou seja, no que refere-se a “capacidade de formular hipóteses, imagens, ideias, na colocação de problemas e nos métodos infralógicos”, como aponta Julio Plaza (2003, p.40). Além disso, não são raros os trabalhos que resultam da colaboração entre os pesquisadores destas duas disciplinas, algo que tornou-se comum nos primórdios da arte computacional e continua acontecendo no campo da arte e tecnologia devido aos interesses de artistas em empregar os conceitos e os métodos da ciência, além da necessidade de acesso aos instrumentos sofisticados para a produção de certas expe- rimentações. Afinal, com o desenvolvimento das tecnologias computacionais, os artistas têm explorado com cada vez mais frequência os modelos criados no campo científico, como por exemplo, os diversos trabalhos que possuem como ponto de partida alguma teoria ou paradigma científico. Gene Youngblood, em 1970, também observara que a atividade dos artistas pode ser 032 comparada com a que é exercida pelos ecologistas, pois, do mesmo modo que os eco- logistas tratam das relações ambientais, os artistas das novas mídias buscam a revela- ção de relações, até então desconhecidas entre o homem e o seu ambiente, e também entre fenômenos existentes, físicos e metafísicos. A confrontação de Youngblood entre arte e ciência estava baseada nas definições de Arthur Eddington e Jacob Bronowski, como ele cita no livro Expanded Cinema (1970), estes cientistas falavam sobre o em- penho da ciência em ordenar os fatos da experiência e o processo de sistematização do conhecimento ao ponto de revelar uma parte cada vez maior do potencial oculto da natureza. De modo semelhante, Kandinsky (2000) sugeriu que todas as artes são capazes de evocar a natureza, mas sem a finalidade de imitá-la, apenas transpondo as impressões da natureza em sua realidade mais secreta. Para Vibeke Sorensen5 (2002), o artista atua como um organizador criativo e interdisciplinar, responsável por encontrar rela- ções não convencionais entre os eventos. Além disso, conforme Sorensen, os artistas são aqueles que criam coisas originais e que vão além das fronteiras da base informa- cional, deste modo, usam e inventam novas ferramentas, assim como mostram novas aplicações e usos que hibridizam os campos. Portanto, um olhar sobre os dois modos de agir, do artista e do cientista, demonstra a existência de certas afinidades, partindo do princípio que ambos trabalham a partir da apreensão da realidade a fim de estabele- cer uma certa organização dos elementos que nela encontram. Para compreender a realidade de modo objetivo, os cientistas passaram a basear-se em um método de pesquisa que teve suas origens com Francis Bacon e René Des- cartes. Resumidamente, a pesquisa científica parte do princípio de que a natureza é essencialmente ordenada e, assim, pretende o entendimento dos fenômenos a partir da detecção de padrões de comportamento. O método de Francis Bacon fundamentava- -se na lógica experimental e no empirismo para comprovar os fenômenos da natureza, baseado na noção de que o conhecimento humano provém dos dados da experiência, logo, leva em consideração a inexistência de uma verdade única. Enquanto que René 5 Em WILSON, Stephen. Information Arts: intersections of art, science and technology. Cambridge, MA: The MIT Press, 2002. p.19. 033 Descartes refletiu sobre a necessidade de um método científico para o desenvolvimen- to das teorias baseadas na razão, ou seja, de que o mundo pode ser avaliado através da razão e da experiência. Mais tarde, ao unir as ideias de Descartes com as de Bacon, Newton propôs uma visão mecanicista do mundo que estabelece certas leis capazes de explicar todos os fatos e fenômenos a partir da relação de causa e efeito. Neste momento, como aponta Silvio Zamboni (2001), o conhecimento humano passou a ser rotulado em áreas, subáreas e especializações que só começaram a se romper a partir das mudanças de paradigmas no início do século XX. O método que prevaleceu em boa parte da ciência clássica lida com a hipótese e com as técnicas e instrumentos empregados em uma série de testes empíricos realizados repetidamente para comprovar que a hipótese que deu início a investigação não é falsa. Com as evidências em mãos, são produzidos os textos científicos que trazem detalha- mentos sobre como e porque o fenômeno observado ocorre, também são apresentadas as especificações das operações empregadas na observação, além de trazerem propos- tas de definições de alguma lei, princípio ou teoria. Esta lógica de que basta aplicar certas leis para compreender a natureza, reconhecen- do o funcionamento de suas partes para que tudo possa ser organizado e interpreta- do, faz parte de um modelo definido como reducionista, o qual passou a ser bastante questionado no século XX. Afinal, para entender o mundo não basta estudar somente as suas leis de funcionamento, mas é preciso estudar também a própria realidade, tal como fazem os artistas. Como sugerem John Casti e Anders Karlqvist: Just because the world is made up of atoms, and any material object can be dissolved into individual atoms (for instance by heating it into a gas), it doesn’t mean that starting with a few zillion atoms and a textbook of atomic physics, you can deduce how an elephant sucks up water. (CASTI; KARLQVIST, 2003, p.71) 034 O que Casti e Karlqvist pretendem explicar é que mesmo que conheçamos as causas e efeitos dos fenômenos, além das leis que os conectam, não teremos condições de re- construir a realidade. Logo, não basta a compreensão das leis da natureza para descre- ver os fenômenos naturais, pois estes são muito abstratos para que possamos pensar em reconstruir o mundo tal como ele existe. Com as novas teorias científicas, observa-se a natureza considerando a noção de existência de uma ordem implícita a ser descoberta, como uma totalidade inacessível que permeia a organização de todo o mundo físico, mas que é inatingível aos nossos sentidos, conforme é sugerido no conceito de implicate order de David Bohm (2002). Portanto, este ponto de vista pode ser confrontado com a noção de que a realidade é parcialmente, ou, até mesmo, totalmente resultado de uma construção da mente hu- mana que se determina em acordo com os valores e as crenças que prevalecem em diferentes tempos e lugares. Estas duas abordagens costumam aparecer, em diversas situações, tanto nas ciências como nas artes. Porém, veremos que grande parte dos artistas que são citados nos próximos capítulos demonstram mais afinidade com o conceito de Bohm, ou seja, a crença de haver uma ordem responsável por manter tudo conectado, como uma lei universal. Apesar destas semelhanças em relação as noções de realidade serem compartilhadas pelos cientistas e artistas em vários momentos, existem alguns pontos que levam a um certo distanciamento destes sujeitos. Enquanto o método científico baseia-se na validação das hipóteses como verdadeiras, os artistas, por outro lado, não precisam ter compromisso com a verdade. Porém, um dos principais fatores que foi responsável por distanciar artistas e cientistas envolve a instrumentação científica, tanto é que an- tes das tecnologias passarem a atender as necessidades científicas, a arte e a ciência eram disciplinas que andavam juntas. Até o Renascimento cabia a uma única pessoa a função de tratar da arte, da ciên- cia, da religião e da noção de verdade, do mesmo modo como permanece até hoje nas sociedades tribais, em que encontramos no mesmo indivíduo o papel de artista, filósofo e xamã. Tanto é que a figura máxima do Renascimento, se não de toda história da arte, Leonardo da Vinci, dedicou-se a diversas outras áreas além da arte, como a matemá- 035 tica, a anatomia, a engenharia, entre outras disciplinas. A partir do Renascimento, até o fim do século XVIII, começou a era da Revolução Científica marcada pela especialização e segregação das áreas em conhecimentos distintos como a matemática, a física, a biologia, a química etc. Assim, para cada uma destas disciplinas foram se desenvolven- do recursos tecnológicos que atendessem as demandas dos cientistas. Por exemplo, uma das criações deste período foram as lentes biconvexas empregadas à construção de telescópios, lunetas e microscópios. Portanto, o emprego das tecnologias nos instrumentos científicos acabaram distan- ciando os cientistas dos artistas, em um primeiro momento, especialmente durante a Revolução Industrial. Enquanto que mais tarde elas também foram responsáveis por reaproximá-los no período conhecido como a Revolução Digital. Contudo, é importante ressaltar que as tecnologias predatam as ciências. Como aponta Stephen Wilson (2002), a partir dos esforços dos homens de modelar o mundo físico, foram construídos dispo- sitivos e instrumentos sem necessariamente entender como ocorria seu funcionamento, ou seja, enquanto as tecnologias são feitas sob a lógica do Knowing how, as ciências operam na lógica do Knowing why. Wilson sugere que, após o Iluminismo, houve um grande interesse pelas tecnologias através dos entusiastas como Francis Bacon, que acreditava que o entendimento da natureza torna-se mais claro quando é manipulada tecnologicamente. Vilém Flusser (1998) discorre sobre os instrumentos como prolongamentos de órgãos do corpo, como dentes, dedos, mãos e braços prolongados. Assim, por serem prolon- gamentos, alcançam a natureza de modo mais extenso e profundo. À medida que os instrumentos passaram a ser elaborados a partir das teorias científicas, no período da Revolução Industrial, tornaram-se mais eficientes e começaram a ser chamados de má- quinas. No entanto, neste momento em que surgiram as máquinas, a relação do homem com estes instrumentos inverteu-se. Antes, os instrumentos funcionavam em função dos homens, depois, a humanidade passou a funcionar em função das máquinas. Como sabemos, os impactos, não apenas industriais, mas também sociais e culturais destas mudanças foram e continuam sendo enormes. 036 Apesar do distanciamento gerado entre a arte e a ciência, ainda houveram algumas situações que mantinham alguma relação entre estas disciplinas. Ao considerar os ins- trumentos nos processos de produção, a câmera escura, por exemplo, além de ter sido utilizada para estudos científicos, também foi empregada por alguns artistas como Da Vinci e Johannes Vermeer, o qual também fez uso da câmera lúcida para auxiliar no es- boço de várias pinturas. Em um outro exemplo, os órgãos coloridos surgiram através do interesse de cientistas pelas correspondências entre as cores e os sons, aproximando o campo científico ao campo das artes. O Clavecin pour les yeux de Louis Bertrand Castel (1725) era semelhante a um órgão musical, tanto na estrutura como na opera- ção, mas servia para emitir luzes coloridas que pudessem ser executadas junto com composições musicais. Este instrumento foi produzido sob o impacto das pesquisas científicas, publicadas em Opticks (1704), de Isaac Newton. Neste livro, Newton propôs um esquema de correspondência entre as sete tonalidades do espectro visível com as oitavas musicais a partir do aspecto vibracional da luz e do som. Posteriormente, além das ideias de Newton, os conceitos científicos que foram desenvolvidos nesta época passaram a refletir nas artes, principalmente os que dizem respeito as relações entre fenômenos acústicos e visuais. Pouco antes da publicação de Newton, outro estudo relevante sobre o som foi apre- sentado por Robert Hook em 1680, quando observou o aparecimento de padrões nodais, associados a vibração, através do atrito de um arco de violino na borda de um prato de vidro coberto com um pó fino. Passados cem anos, esse mesmo experimento tornou- -se mais conhecido quando Ernst Chladni publicou o livro Discoveries in the Theory of Sound (1787). Chladni utilizou a mesma técnica, porém empregou uma placa de metal com a superfície coberta com areia. Através da ressonância gerada na placa pelo atrito do arco, a areia sobre a superfície movimentava-se devido a vibração da placa e con- centrava-se em linhas nodais, o que dava origem a padrões visuais que foram chama- dos de Figuras de Chladni. Destacamos também mais alguns estudos científicos do XIX como A Teoria das Cores (1810) de Goethe, o Chromatics; or, The analogy, harmony, and philosophy of colours (1817) de Goerge Field; seguidos pelo livro Sound & Colour, Their Relations, Analogies & Harmonies (1869), de John Denis Macdonald; o The Theory of Sound (1877) de John 037 William Strutt; o The Principles of Light and Color (1878), de Edwin D. Babbitt; o The Theory of Light (1890) de Thomas Preston, entre diversas publicações que foram sur- gindo com estudos físicos da vibração dos sons em analogias com o comportamento da luz. Além dos estudos em outras disciplinas, como na psicologia e filosofia, que também influenciaram alguns artistas logo que foram publicados. No século XIX, marcado por estas pesquisas científicas, também houve vários acon- tecimentos importantes que, mais tarde, provocariam grandes transformações na vida de todos. O estudo de Michael Faraday sobre a geração de eletricidade foi continuado no século seguinte por Thomas Edson, Nikola Tesla, Joseph Wilson Swan, Alexander Graham Bell, entre outros que deram início a chamada segunda Revolução Industrial. Os primeiros contatos dos artistas com a energia elétrica resultaram em novos mode- los de órgãos coloridos, assim como também possibilitou a síntese de sons ou ainda a incorporação de movimento às esculturas. No contexto das Artes Visuais, destacam-se duas invenções com impacto profundo na humanidade: a fotografia e o cinema. Ambos trouxeram consequências diretas na percepção do tempo e do espaço, o que lentamen- te refletiu-se nas artes assim que estes meios começaram a ser explorados em todas as suas potencialidades. A partir do Impressionismo teve início uma era de várias reconfigurações nos modos de representação visual, influenciados diretamente pela invenção da fotografia. De modo semelhante ao que a imagem fotográfica proporciona, o registro de um instante, os Impressionistas buscavam realizar suas primeiras impressões de instantes nas telas. Assim, sem a preocupação de atingir representações fiéis da realidade, passavam a experimentar com novas técnicas de pinturas, como a exploração de efeitos óticos nas telas. Após o Impressionismo, os artistas foram, cada vez mais, abandonando a figu- ratividade e simplificando as imagens até chegar na abstração, onde não permaneceu nenhum traço que pudesse ser reconhecido da realidade visível. Como sugere Lev Manovich (2004), a redução visual que ocorreu na arte moderna entre aproximadamente 1860 e 1920 faz um paralelo com o paradigma científico que domina- va no mesmo período. Afinal, os físicos, os químicos, os psicólogos e outros cientistas também estavam interessados na desconstrução da realidade em elementos simples, 038 indivisíveis e governados por leis universais, como vemos no método reducionista. Os físicos alcançavam os níveis das moléculas e dos átomos que estavam sendo decom- postos em partículas elementares; os biólogos apresentavam os conceitos de células e cromossomos; os psicólogos postulavam a existência de elementos sensoriais indivisí- veis que combinam-se para a experiência perceptível e mental. Para Manovich (2004), as imagens como vemos nas pinturas abstratas com cores puras, linhas retas e formas geométricas simples, antes de aparecerem na arte, surgiram primeiro nos laboratórios de psicologia devido as investigações realizadas para explorar a experiência visual. Assim, na virada do século XIX para o século XX aconteceram várias descobertas cien- tíficas que começavam a indicar um novo modo de encarar a realidade, como a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica. Logo, as teorias de Einstein e de outros físicos modernos também foram sentidas nas artes: no Cubismo, os pintores trabalhavam com a noção de fragmentação do tempo e do espaço na tela, no Futurismo e no Cons- trutivismo, além dos conceitos científicos, também entravam em questão os avanços dos recursos tecnológicos que estavam tornando-se mais elaborados e presentes em diversos contextos. O interesse pelo movimento também era cada vez mais frequente entre os pintores que exploravam novas técnicas para trabalhar com as imagens. Esta vontade de explorar o movimento também refletia a busca pela incorporação da dimensão temporal nas pin- turas, afinal, quando uma imagem entra em movimento passa a conter uma determinada duração. Por este motivo, a Música tornava-se uma das principais referências a estes pintores devido ao modo como são articulados seus elementos no tempo. Consequen- temente, as pinturas começaram a apresentar traduções de técnicas de composição musical e de noções de ritmo e, logo após, muitos destes pintores migraram para o meio cinematográfico devido ao interesse em dar continuidade as pesquisas acerca do movimento visual e também pela utilização de conceitos e técnicas musicais baseados no tempo empregadas em trabalhos visuais. No que concerne as tecnologias, este período foi marcado por inúmeras invenções, como: a transmissão elétrica da imagem através do Tubo de Raios Catódicos, o que viria a tornar-se o sistema operacional das televisões e outros aparelhos com imagens 039 eletrônicas; pelo Rádio, que permite a transmissão de sinais de som a longas distâncias e provocam alterações na noção do espaço; o Cinema, que possibilitou gerar a ilusão das imagens em movimento; entre outros tantos inventos sem relação direta com os sons e os visuais. Edmond Couchot (2003) descreve estas alterações da percepção do mundo como os efeitos da experiência tecnestésica, os quais são gerados, princi- palmente, pelo contato dos homens com novos meios de produção que resultam dos avanços tecnológicos em todos os contextos. Afinal, foram várias transformações ocor- ridas na primeira metade do século XX com efeitos notáveis na percepção do tempo e do espaço. Com todos estes recursos tecnológicos, a relação entre a arte e a tecnologia começou a mostrar-se bastante evidente, como aponta Rosangella Leote (2006), “quanto mais a nossa natureza é impregnada de tecnologias, mais é natural que a arte se desenvolva refletindo a realidade vivida pelos artistas da época.”. Wassily Kandinsky6 já apontava, em 1912, o estreitamento que observara entre a arte, a ciência e a indústria, ou seja, antecipava as ideias que nortearam os construtivistas em 1917: combinar tecnologia e arte com a pretensão de construir uma nova ordem social na Rússia. Walter Ruttmann7 apontava em seu manifesto8 de 1919-20 a sensação de uma aceleração da percepção devido as tecnologias modernas e as mídias da informação como o telégrafo, a fotogra- fia, as máquinas impressoras, entre outras. Dentre os artistas deste período, os Futuristas foram os que mais rapidamente passa- ram a incorporar os novos meios em suas propostas artísticas, atentos as condições sociais e industriais, demonstrando interesse em trabalhar com as novas noções de tempo e espaço. Através dos artistas deste Movimento, surgiram diversos esforços para propor novos modos de lidar com os sons e com as imagens e de promover in- tegrações entre as modalidades visual e auditiva. Progressivamente, os artistas que 6 Em LOVEJOY, Margot. Postmodern Currents: Art and Artists in the Age of Electronic Media. Simon & Schuster, New Jersey, 1989. 7 Em DANIELS, Dieter. Media → Art / Art → Media Forerunners of media art in the first half of the twentieth century. (2004). In: FRIELING, Rudolf; DIETER, Daniels (eds.). Media Art Net 1 Survey of Media Art. Wien/New York: Springer, 2004. 8 Painting With Light. 040 trabalhavam com diferentes linguagens passavam a incorporar os novos meios nos processos de produção. Logo, a partir da metade do século XX ocorreu uma reconfigu- ração dos meios artísticos como reflexo dos desenvolvimentos tecnológicos, além do novo fenômeno cultural da comunicação de massa e das novas teorias científicas que rompiam com a lógica reducionista. Todos estes contextos refletiam nos novos modos com que os artistas realizavam as pinturas, as esculturas, as músicas e os filmes. No âmbito da ciência, conforme Manovich (2004), os cientistas começavam a demons- trar que a abordagem da física clássica não era suficiente para lidar com uma variedade de fenômenos físicos e biológicos. Assim, surgem os novos paradigmas técnicos, cien- tíficos e filosóficos, como o Princípio da Incerteza de Heisenberg, o Teorema da In- completude de Gödel, os Autômatos Celulares de John Von Neumann, a Teoria Fractal de Lewis Fry Richardson e o Pensamento Sistêmico. Logo, o paradigma científico do reducionismo passa a ser confrontado com o novo paradigma da complexidade, o qual considera que a ordem nos sistemas deve lidar com a não-lineariedade e a imprevisibi- lidade devido as interações espontâneas entre os elementos do sistema. As novas teorias que surgem, como os Sistemas Complexos, também reforçam a im- portância do estabelecimento das abordagens interdisciplinares, afinal, os conceitos de- senvolvidos para lidar com os sistemas físicos também se mostram relevantes à com- preensão dos sistemas biológicos, assim como dos sistemas observados nas ciências sociais. O conceito de emergência, por exemplo, tem sido constatemente empregado em diversos contextos para verificar o surgimento de padrões nas interações entre os elementos de um sistema complexo, tanto nas ciências como nas artes. Formalizing and quantifying the notion of pattern goes right to the heart of scientific practice. Over the last several decades our view of nature’s lack of structure - its unpredictability - underwent a major renovation with the discovery of deterministic chaos. As the new mil- lennium begins, ideas adapted from the theory of computation will bring empirical science to the brink of automatically discovering patterns and quantifying their structural complexity. One guide to this will be universal laws on how complexity arises from the interaction of order and chaos. (CASTI; KARLQVIST, 2003, p.32). 041 Enquanto que na ciência, o interesse pelos padrões demonstra a propensão de encon- trar certas ordens na natureza que ajudam a compreender o modo como os fenôme- nos naturais se manifestam; na arte, este interesse está mais ligado a ideia de revelar alguma sensação, como o prazer que está atrelado ao reconhecimento dos padrões nas representações visuais realizadas a partir das concepções dos artistas. Para Stephen Wilson (2002), por um longo período, as pesquisas dos cientistas e dos artistas estavam concentradas na busca de padrões do mundo visível. Agora, os cientistas estão cada vez mais interessados pelos fenômenos não visíveis, como torna-se evidente nos estu- dos de padrões em sistemas não lineares. Isto também acontece entre os artistas que exploram os fenômenos culturais ou como podemos constatar também com aqueles que exploram as propriedades do som através de traduções às obras visuais. Em meio a emergência da Teoria da Complexidade e dos novos paradigmas científicos, surgiu o computador que logo tornou-se o responsável por revolucionar todas a áreas do conhecimento, dando início a uma nova era chamada de Revolução Digital. Como trata-se basicamente de uma complexa máquina dedicada à solução de problemas matemáticos, o computador rapidamente foi incorporado a outros aparelhos, como por exemplo, nos microscópios eletrônicos que passaram a proporcionar novas percepções da realidade, possibilitando a observação das coisas em escala nanométrica. A partir disto, teve início a passagem das técnicas analógicas, tais como a fotografia, o cinema e o vídeo às técnicas digitais. Como ressalta Couchot (2003), no âmbito do som e da imagem, o que já havia sido feito no rádio e na televisão através da produção de sons e de imagens a partir das ondas eletromagnéticas, o computador passa a tratar automaticamente todos os tipos de informação devido a tradução das mensagens em símbolos matemáticos. Entre os artistas que trabalhavam com as relações entre o som e a imagem, o com- putador foi sendo lentamente aproveitado nos processos de produção. Isto porque, no início da computação, as máquinas só estavam disponíveis em laboratórios de pesquisa de grandes companhias ou em algumas universidades, e ainda que para operá-lo era preciso ter conhecimento de outras disciplinas como a matemática e a engenharia, o 042 que não era tão comum entre os artistas. Assim, pelo interesse dos artistas em traba- lhar com a linguagem computacional, acontece uma aproximação com os cientistas, os quais eram os únicos que até então dominavam a programação destas máquinas. Deste modo, assumimos que o computador é o grande responsável por tornar os mé- todos científicos mais usuais entre os artistas. Aliás, a experimentação artística com estudos matemáticos ou qualquer outro estudo científico expandiu-se de modo ace- lerado com o computador. Isto foi apontado ainda nas primeiras décadas da tecnologia digital por Charles Csuri, um dos pioneiros a explorar os meios digitais. Csuri e Shaffer (1968) observaram esta aproximação entre artistas e cientistas e destacaram o fato dos artistas estarem com condições de lidar diretamente com os conceitos científicos do século XX devido as condições de acesso ao meio digital. O princípio da era digital nas artes começa por meio da Música, com o uso do compu- tador para realizar os cálculos das composições baseadas no serialismo integral, pois este tipo de composição normalmente prevê a aplicação de regras matemáticas na estrutura musical. Logo mais, os computadores também permitiram a síntese de sons eletrônicos. Após o meio digital começar a ser incorporado em produções artísticas através da parceria dos músicos com os cientistas, também teve início a geração de gráficos estáticos que poderiam ser impressos em microfilmes à produção dos filmes computacionais, ou então para terem saída por meio das impressoras plotter. A partir das primeiras incursões na linguagem computacional para explorar as potencialidades estéticas do novo meio, ocorreram em 1965, na Alemanha9 e nos Estados Unidos10, as primeiras exibições de arte computacional praticamente sem contar com a participação de artistas, pois os trabalhos eram produzidos, em grande parte, somente por cientis- tas. Foi a partir de 1968 com as exposições Cybernetic Serendipity, em Londres, e a Some More Beginnings, em Nova Iorque, que passaram a predominar os trabalhos que resultavam da colaboração entre artistas e cientistas. 9 A Exposição Generative Computergrafik no Technische Hochschule em Stuttgart. 10 A Exposição Computer-Generated Pictures, no Howard Wise Gallery em Nova York. 043 Suzete Venturelli (2004) destaca que a poética da arte computacional que surge na década de 1960 estava alinhada com as descobertas da ciência deste momento. As- sim como os cientistas estavam interessados em explorar as novas teorias científicas, como o caos, a inteligência artificial e os autômatos celulares, a iconografia dos traba- lhos artísticos acabavam seguindo as mesmas tendências encontradas na ciência. A produção artística da arte computacional encontra momentos de referência no campo tradicional consagrado à matemática, à óptica, à ciência da computação, assim como nas novas teorias da arte, da cibernética, da comunicação e, particularmente, na teoria da informa- ção, que se desenvolveram pelas reflexões de importantes personagens da história, tais como Paul Klee, Max Bense, Norbert Weiner, Abraham Moles, Umberto Eco, entro outros mais contemporâneos. (VENTU- RELLI. 2004, p.55-56) Se observarmos o interesse pela noção de algoritmo, veremos que esta não pertencia exclusivamente ao contexto da arte computacional, pois também era empregada como um procedimento artístico na música serial, na arte minimalista e em outras manifes- tações como nos happenings. Este interesse dos artistas pela lógica algorítmica pode ser vista, na opinião de Stephen Wilson (2002), como a maior influencia das ciências nas artes. Tanto os artistas que empregam esta lógica da processualidade fundamentada no algoritmo, como os que baseiam-se no Pensamento Sistêmico, para tratar as inter-re- lações entre os elementos que estruturam os trabalhos, acabam empregando métodos mais comuns às ciências do que às artes. Neste sentido, as preocupações estéticas dos artistas que utilizam o computador são as mesmas dos demais artistas contempo- râneos, que correspondem ao interesse pela obra como um processo e não mais como um produto, e também pela busca de proporcionar um maior envolvimento do público com o trabalho. O meio videográfico, quando passa a ser adotado pelos artistas no mesmo período em que havia surgido o meio digital, foi explorado em muitos casos por oferecer novas con- dições à participação do público com a obra. O vídeo permitia a operação com a lógica 044 da experiência processual com as imagens ao vivo devido a captação e transmissão de imagens em circuitos fechados de vídeo ou ainda com a síntese e processamento dos sinais elétricos. Enquanto que no meio digital, abria-se às possibilidades de interação com o sistema computacional e tinha início a noção de tempo-real, devido ao modo como ocorria o processamento – quase instantâneo - da informação. Assim, a opera- cionalidade em tempo-real dos dados, permitia que se mantivesse aberto o sistema da obra, tanto ao controle do artista como às trocas de informações com o público. Assim, os dados recebidos como sinais de entrada puderam ser mapeados no computa- dor para gerar sons e/ou imagens em um processo interativo com o usuário enquanto a obra se processava. Isto passou a acontecer com mais frequência, a partir da década de 1970, com a incoporação dos microprocessadores nas máquinas, que as tornava um tanto mais acessíveis em relação ao tamanho e ao preço. Também ocorreram diversos aprimoramentos das telas de varredura gráfica que aumentavam de forma significativa a complexidade das imagens. Aos poucos também foram desenvolvidas linguagens de programação de alto nível que permitiram aos artistas a operação das máquinas por conta própria, sem a necessidade dos conhecimentos técnicos dos cientistas. Na década seguinte, com os computadores pessoais e os softwares comerciais, os artistas passaram a operar as máquinas sem ter a necessidade de conhecimento algum a respeito de matemática ou de outras noções formais empregadas na estrutura das linguagens computacionais. Além disso, com estes avanços contínuos na informática, os computadores tornaram-se capazes de manipular volumes cada vez maiores de dados, que podiam ser mapeados e decodificados para gerar os mais diversos tipos de informação. A prática mais comum para a interpretação de dados consiste em gerar informação vi- sual por meio de representações gráficas. Este processo, conhecido como visualização, como descreve Ben Shneiderman (2008), tem como objetivo permitir o entendimento de um fenômeno representado em um banco de dados, ou seja, é o processo que ocorre quando geramos um gráfico que possibilite a compreensão ou a detecção de padrões em certos dados. Do mesmo modo que é amplamente explorado por cientistas, este processo de transmutação dos dados digitais também serve aos interesses dos artis- 045 tas, pela capacidade de explorar os padrões visuais a partir de qualquer tipo de entrada de dados. O processo semelhante de aplicação deste procedimento para tornar a informação perceptível pela síntese sonora recebe o nome de sonificação. No campo das artes, os músicos e os artistas visuais têm empregado este método para conceber trabalhos a partir de dados mapeados de diversos sistemas baseados em fluxos de dados, como por exemplo, das redes de pesquisas meteorológicas, dos pesquisadores de atividade sísmica na Terra ou ainda dos tráfegos de dados de qualquer site na internet. Porém, podemos verificar que este processo de sonificação não é exclusivo ao meio digital. O método de tradução desenvolvido com as películas sonoras no cinema funciona a partir da detecção por aparelhos fotossensíveis de informações registradas nos filmes. Estes aparelhos recebem a informação pelas oscilações da luminosidade e codificam estes padrões visuais em sinais elétricos para serem amplificados em sistemas de sons. Algo semelhante também ocorre com os sintetizadores de sons analógicos, que transcodifi- cam os sinais elétricos em informações sonoras a partir do controle da voltagem que é fornecida ao sistema. Portanto, se analisarmos estes processos de mapeamento no meio digital, constata- remos que, mesmo que operem com dados de sistemas complexos, o modo de funcio- namento do computador está baseado na determinabilidade das operações, ou seja, na programação da máquina para realizar tais traduções de dados em informações deter- minadas. Por outro lado, os trabalhos artísticos feitos com o computador buscam cada vez mais operar sob a lógica da indeterminabilidade e com a imprevisibilidade. Segundo Arlindo Machado (2001), este é um paradoxo comum da arte produzida com os recursos tecnológicos e deve ser trabalhado como um elemento formativo nas obras. Assim, é interessante reparar que, na ciência, as visualizações mantém um compromis- so com os propósitos da investigação científica, ou seja, com as interpretações objeti- vas. Por outro lado, nas artes há uma maior liberdade na realização das visualizações, pois estas podem ser mais subjetivas e ainda podem resultar no surgimento de padrões inesperados. Logo, verificamos que este certo descompromisso com a objetividade, que é uma característica de alguns artistas na prática da visualização científica, sustenta 046 uma maior afinidade com a proposta defendida na Teoria da Complexidade, isto é, da possibilidade das transformações eventuais nas relações entre os elementos do siste- ma. Por fim, Johanna Hyrkäs (2000) aponta que a visualização e a sonificação atendem ao principal objetivo das ciências naturais: a criação de modelos da natureza para a de- tecção e o reconhecimento de padrões que ajudam a interpretar a realidade. Por isto, Hyrkäs (2000) salienta que este método não é exclusivo ao campo das ciências, pois considera, por exemplo, que as pinturas de anatomia de Leonardo da Vinci, concebidas a partir da observação visual da natureza, também são como visualizações científicas. Assim, poderíamos retroceder mais na história e considerar que a arte, desde as pri- meiras manifestações primitivas, como as pinturas nas cavernas de Lascaux, demons- travam manter relações com a ciência em algum grau. No caso das pinturas rupestres, Hildebrand (2002) observa a necessidade do estabelecimento de parâmetros à produção daquelas imagens feitas nas cavernas, como “a capacidade de representar quantida- des, mensurar proporções, ou até de, simplesmente, identificar padrões de repetição estilizados nas formas que apresentam.”. Com isso, seja através do uso em comum de técnicas, métodos ou aplicação das teorias, a arte a ciência sempre mantiveram algum grau de relação que pode ser observada desde os primórdios destas disciplinas. Se tomarmos como ponto de partida os estudos no campo das artes para tentar traçar um possível começo das relações entre aspectos visuais e sonoros no meio artísti- co, chegaremos pelo menos até Pitágoras, no século VI a.C., quando estabeleceu uma das primeiras associações das cores com sua teoria musical baseada na matemática. Porém, se voltarmos ainda mais ao passado e partirmos para outros campos de estudos interdisciplinares, como os que combinam a Musicologia com a Arqueologia, iremos en- contrar evidências de uma possível relação entre sons e imagens em um período bem mais remoto. As pesquisas no campo da Etnomusicologia e da Arqueologia Acústica do professor Iegor Reznikoff, da Université de Paris X, realizadas nas regiões das cavernas paleolíti- cas concentram-se na busca por instrumentos primitivos, ou o que ainda sobrou deles. Contudo, nestes estudos de Reznikoff (2012), as próprias cavernas são consideradas 047 como instrumentos, pois tratam-se de espaços fechados com grande capacidade de ressonância. Reznikoff acredita que os povos paleolíticos, ao descobrirem esta proprie- dade acústica das cavernas, costumavam aproveitar as áreas com maior ressonância para a realização dos rituais feitos com canções e, possivelmente, também com danças. Na caverna de Salon Noir em Niaux, ao sul da França, nos lugares onde foram encon- tradas algumas flautas também foi detectada a maior ressonância acústica. Além disso, correspondem aos mesmos pontos onde situam-se as representações de animais res- ponsáveis por tornar esta caverna conhecida pelas pinturas rupestres. Assim, é muito provável que estas pinturas estejam atreladas aos rituais feitos nas cavernas, mesmo que seja difícil uma comprovação desta relação. Como sugere Reznikoff (2012), estes locais de maior ressonância são propícios para os cantos que poderiam ser usados como uma ferramenta de caça para atrair os animais através dos sons. Mas também poderiam estar associados as atividades mais espirituais, como um tipo de encanta- mento para afetar o espírito do animal, ou ainda como nos rituais xamânicos, nos quais os cantos imitam os sons de animais para atingir níveis mais profundos de consciência. Assim, estas pesquisas sugerem significados ritualísticos para as pinturas, tendo em vista que elas situam-se nos mesmos lugares onde costumam ser encontrados os ins- trumentos, além de serem os espaços onde os sons podem ser bastante amplificados. Nos estudos feitos em outras cavernas, também encontrou-se mais alguns tipos de representações visuais que estariam atreladas as propriedades acústicas das cavernas. Em alguns túneis há apenas algumas marcações gráficas nos locais de maior ressonân- cia. Estes gráficos teriam sido usados pelos povos ancestrais como um meio de criar um mapa para auxiliá-los a percorrer as cavernas. Reznikoff (2012) acredita que os paleolíticos usavam a voz como um sonar para obter informações sobre a caverna, pois foram encontradas diferentes marcações, como pontos ou linhas conforme as carac- terísticas acústicas de cada local no interior dos túneis. Portanto, ao mesmo tempo em que afirma-se que há uma relação entre as pinturas figurativas e os rituais, também verifica-se um emprego mais funcional das representações visuais usadas como marca- ções de diferentes níveis de ressonância. 048 Apesar destas cavernas oferecerem indícios para uma possível relação entre sons e imagens em um período remoto, geralmente, quando discute-se estas relações são apontados os estudos de analogias entre cores e sons que datam da Grécia antiga. Nesta época, quando buscavam-se estabelecer os primeiros sistemas musicais, tam- bém surgiram as primeiras propostas de associações entre cores e sons com Pitágoras (sec. VI a.C.), Platão (sec. V-IV a.C.) e Aristóteles (sec. IV a.C.), os quais desenvol- veram teorias em que traçam correspondências entre as notas da escala tonal ou os intervalos musicais com cores específicas. FIGURA 1: Animal representado na caverna de Niaux, França. FIGURA 2: Marcas gráficas na caverna de Chauvet, França. 049 2 Artistas e obras 050 2.1 Música Visual 051 A partir do Renascimento, as propostas de associações entre os sons e as cores in- fluenciaram diversos cientistas e artistas. Como Leonardo da Vinci e Giuseppe Arcim- boldo, assim como Marin Mersenne, Athanasius Kircher, Isaac Newton, Louis Bertrand Castel que basearam-se em experimentos óticos para encontrar relações entre a luz os sons, seguido por diversos outros cientistas de outros períodos que buscavam cor- respondências baseadas nas propriedades físicas entre os fenômenos óticos e acústi- cos. As correspondências entre cores e sons aparecem como a principal motivação para um tipo de produção artística que ficou conhecida como Música Visual11, mas que por um período inicial também era chamada como Música Colorida12. A Música Visual, como um termo usado para definir as obras que exploram propriedades musicais através do elementos visuais, surgiu no início do século XX graças a Roger Fry que empregou o termo em seu texto, como curador, para abordar um conjunto de pinturas com carac- terísticas musicais criadas no período pós-impressionista. No entanto, o uso desta ex- pressão tornou-se mais comum alguns anos após a definição de Fry através de outros tipos de experimentações estabelecidas com o meio cinematográfico. Pelo modo como são produzidas as obras de Música Visual, por meio da combinação entre elementos sonoros e visuais, podemos considerar as apresentações com os órgãos coloridos como precursoras desta prática artística que fundamenta-se na relação entre a Música e as Artes Visuais. Os órgãos coloridos tornaram-se realidade em um período marcado pelo surgimento dos primeiros estudos que discutiam possíveis relações físicas entre cores e sons. Apesar de haver estudos que apontam Arcimboldo como o responsável pelo primeiro 11 Visual Music. 12 Colour Music. 052 instrumento capaz de produzir luz e som simultaneamente, os órgãos coloridos foram apresentados ao público somente no século XVIII. Leonardo da Vinci, em seus estudos sobre cores e sons, também havia desenhado esboços para um modelo de órgão colori- do. Poucos anos depois, Arcimboldo teria produzido um órgão com intuito de investigar correspondências, baseadas nas relações matemáticas de Pitágoras, entre as notas da escala musical com as tonalidades de cores. Porém, não há registros de que seu ins- trumento tenha sido criado ou ainda apresentado em público. O interesse pela natureza das cores, suas relações e os efeitos óticos atrelados à percepção visual, levou o matemático Louis Bertrand Castel13 a desenvolver, no ano de 1725, o instrumento Clavecin Oculaire. Apesar do instrumento ter uma estrutu- ra e um processo operacional semelhante ao de um órgão musical, não era capaz de emitir sons, gerando somente luzes coloridas conforme a operação das teclas. Castel baseou-se nos estudos de Isaac Newton e de Anthanasius Kircher a respeito da luz, assim como o estudo das proporções harmônicas na música de Jean-Phillipe Rameau, para propor suas próprias relações entre a escala cromática em analogia a escala musi- cal. Ainda no século XVIII foram construídos mais alguns instrumentos inspirados no Cla- vecin Oculaire, tais como o Musique Oculaire de Edme-Gilles Guyot, o Farbenleyer de Johann Samuel Halle e o Farbogel de Karl Von Eckartshausen14. Contudo, foi no final do século XIX que ressurgiu o interesse pela construção de órgãos que além de emitir luzes também permitiam o controle dos sons. A retomada na construção destes instru- mentos ocorreu por diversos fatores, dentre os quais destacamos: a possibilidade do emprego da energia elétrica; os estudos sobre a percepção que envolvem o fenômeno 13 Em 1724 Castel publicou Traité de la pesanteur universelle onde discute os fenômenos do universo a partir de 2 princípios: a gravidade dos corpos e a atividade espiritual. Em 1728 publicou Clavecin pour les yeux, avec l’art de peindre les sons, et toutes sortes de Pièces de Musique, estudo que resultou na criação do órgão colorido. Em 1940 Castell publicou o L’Optique des couleurs. 14 Eckartshausen foi responsável pelos espetáculos teatrais conhecidos como Fantasmagorie, nos quais emprega o dispositivo Lanterna Mágica - aparato desenvolvido no século XVII que utilizava a luz gerada por velas ou lâmpadas a óleo para a projeção de desenhos em placas de vidro através de uma lente que ampliava as imagens. 053 da sinestesia; e o legado de Richard Wagner15 na proposta do desenvolvimento de uma obra de arte total. 15 Richard Wagner apresentou o termo Gesamtkunstwerk na publicação Das Kunstwerk der Zukunft (1849) para apresentar a ideia de uma arte do futuro baseada na música mas que tivesse como principal característica a inter-relação entre diferentes manifestações artísticas. Wagner buscou aplicar esta ideia nas óperas apresentadas na Bayreuth Festspielhaus em 1876. Esta casa de concertos foi adaptada para receber as peças de Wagner através da construção de um fosso para a orquestra, que além de revelar o cuidado com as condições acústicas do espaço, manifestava o intuito de esconder os músicos do palco para que a atenção do público se mantivesse na encenação dos atores no palco, com o intuito de tornar a experiência do espetáculo mais envolvente. FIGURA 3: Modelo de órgão colorido com energia elétrica 054 Para materializar um processo de analogia entre a harmonia da música com uma pro- posta de harmonia das cores, a partir de 1875, Bainbridge Bishop começou suas pes- quisas que resultaram na produção de um órgão colorido e na propagação dos seus es- tudos com a publicação A souvenir of the color organ, with some suggestions in regard to the soul of the rainbow and the harmony of light (1893). Nesta publicação, Bishop (1893) revela que partiu do interesse de construir um meio de “pintar a música”, por isto, decidiu construir um mecanismo que utilizava a energia elétrica para emitir luzes coloridas, mas que também permitia gerar sons em simultaneidade com as cores, ou ainda isoladamente. Neste mesmo ano, o pintor Alexander Wallace Rimington inventou o Clavier à lumières e mais tarde lançou o livro Colour Music – The art of mobile Colour (1912) em que apre- sentava a ideia de uma Arte da Cores, além de ser o primeiro a empregar o termo Color Organ para designar este tipo de instrumento. A proposta de Rimington concentrava- -se em conceber uma arte das cores puras, do mesmo modo como a música lida com os sons, afinal, na pintura, as cores ocupavam uma posição secundária em relação as formas. Por isto, Rimington teve a ideia de construir um instrumento para gerar as lu- zes coloridas com a mesma operacionalidade de um órgão. No entanto, adotou a forma de um órgão para seu aparelho somente pela conveniência de dividir a banda espectral em acordo com as oitavas musicais, pois optou por não propor associações específicas entre tons e cores. Como verificou Rimington (1912), naquele momento, havia um certo acordo científico sobre as semelhanças entre a banda espectral da luz com as escalas da oitava musical devido as propriedades físicas serem determinadas por variações de frequências. Deste modo, o princípio vibracional da cor e do som permitem comparações no contexto da física, mas quando observa-se os efeitos psicológicos destas associações entra-se em um domínio totalmente diferente que permite as mais diversas considerações. Assim, Rimington realizou analogias entre a Arte das Cores e a Música para relacionar aspec- tos do ponto de vista psicológico, ou seja, dos efeitos emocionais através das sensa- ções visuais e sonoras que, para ele, dependiam de noções de proporções e contrastes. 055 O processo de colocar as cores em movimento conferia a introdução do elemento tem- poral a este tipo de arte e por este motivo foi chamada de Música das Cores16. Apesar da reconhecer que a repetição rítmica era uma característica comum na Pintura, na Poesia e na Arquitetura, Rimington deteve-se as noções temporais da Música para discutir os efeitos da duração dos movimentos das cores. Assim, Rimington, acreditava que a sensação de contraste entre o tom vermelho e o azul dependeria da duração que fosse determinada na execução das cores com o instrumento. Deste modo, a Música Colorida, como um tipo de arte desenvolvida por músicos ou pintores, era considera- da como um meio de libertar as cores das formas visuais e de explorar as sensações temporais com as cores. A obra Prometheus – O Poema do Fogo (1910) do compositor Alexander Scriabin mar- cou um momento importante para a Música Colorida por tratar-se da primeira compo- sição para som e cor com uma partitura que envolvia o emprego de um piano, um órgão e o órgão colorido. Contudo, esta peça recebeu duras críticas, como são apontadas no texto Scriabin and Mental Illness de David Wright (2010), devido a pobreza musical da composição. No decorrer do século XX ainda surgiram outros instrumentos como o Optophonic Piano de Vladimir Baranoff Rossiné, que começou a ser desenvolvido em 1910 e teve a primeira exibição em 1912. Com este instrumento eletromecânico, pela primeira vez foram projetados padrões gráficos e formas coloridas junto com as músicas. Os visuais eram desenhados por Rossiné em discos que eram rotacionados em um mecanismo do aparelho para atribuir movimento às imagens. O sistema empregado pelo dispositivo funcionava a partir de uma luz que atravessava os discos e, ao mesmo tempo em que permitia a projeção dos desenhos, esta luz também atingia uma fotocélula, instalada no interior do órgão, que servia para detectar as variações da intensidade luminosa após passar pelos discos e, assim, determinava as frequências sonoras de um oscilador mo- nofônico responsável pela geração dos sons. 16 Colour Music. 056 Em 1922, Thomas Wilfred elaborou um instrumento com um potente projetor de lu- zes e com um mecanismo com filtros coloridos chamado de Clavilux17. O processo de projeção das formas fluídas, que resultavam na operação deste aparelho, passou a ser considerado por Wilfred como uma nova forma de arte feita com luz, batizada como Lumia. Com grande interesse pela sinestesia, Wilfred sugeria que, do mesmo modo que as luzes coloridas do Clavilux eram geradas pela interpretação das músicas, em uma relação recíproca, as músicas também seriam como interpretações dos efeitos com as luzes. O compositor Alexander Laszlo, que no início do século XX atuou como compositor de músicas para o cinema, também foi responsável pelo estudo Farblichtmusik sobre a música com luzes e cores A partir de suas próprias reflexões teóricas, em 1925, come- çou a se apresentar com um sistema elaborado com um projetor de slides e um piano integrado a um mecanismo que controlava as projeções de luzes. Nos eventos batiza- dos como Farblichtmusik, Laszlo estabeleceu relações entre uma mistura de cores com o sons, porém, assim como Rossiné, optou por não trabalhar com correspondências en- tre cores e notas. No ano seguinte, estas performances começaram a ser apresentadas em parceria com Oskar Fischinger, que contribuiu com as imagens abstratas dinâmicas para o aspecto visual em Farblichtmusik, enquanto que Laszlo dedicava-se à execução de composições próprias e músicas de outros compositores como Chopin, Scriabin e Rachmaninoff. Mary Hallock-Greenewalt, instrumentista com interesse por engenharia, também passou a explorar as projeções de luzes coloridas, entre 1916 e 1934, com o órgão colorido que chamou de Sarabet. Para as performances com o Sarabet, Greenewalt patenteou um sistema de notação gráfica que seria usado para guiar a projeção das luzes. Os gráficos da partitura ajudavam a controlar parâmetros como a intensidade ou o ritmo das emis- sões que poderiam ser de apenas uma tonalidade de luz ou de várias luzes coloridas. No texto da patente deste método de partitura, Greenewalt explica que o sistema de notação parte de uma adaptação das partituras musicais convencionais, mas incorpora palavras, números, marcas, símbolos e hieróglifos. Estas partituras poderiam ser usadas 17 O termo Clavilux tem origem no latim e significa “luz acionada por chave”. 057 tanto para acompanhar uma música, como em qualquer outra situação não musical. As- sim, Greenewalt antecipou o interesse pelo sistema de notação gráfica que seria reto- mado na metade do século XX, quando foi experimentado por diversos artistas. FIGURA 4: Os símbolos e os códigos no sistema de notação de Greenewalt. 058 My invention relates to notation whereby lighting effects progressively or otherwise intended either as an accomp