UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DIEGO LOPES DE CAMPOS O CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2012): ANÁLISE E METODOLOGIAS DO ENSINO DE HISTÓRIA. FRANCA 2016 DIEGO LOPES DE CAMPOS O CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2012): ANÁLISE E METODOLOGIAS DO ENSINO DE HISTÓRIA. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas - área de concentração Desenvolvimento Social e linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional. Orientadora: Profª. Dra. Vânia de Fátima Martino FRANCA 2016 Campos, Diego Lopes de. O Currículo do Estado de São Paulo (2012): análises e método- logias do ensino de história / Diego Lopes de Campos. – Franca: [s.n.], 2016. 133 f. Dissertação (Mestrado Profissional – Políticas Públicas). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Orientador: Vânia de Fátima Martino 1. História (Primeiro grau) - Estudo e ensino. 2. Políticas públi- cas. 3. Ensino - Metodologia. I. Título. CDD – 372.89 DIEGO LOPES DE CAMPOS O CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2012): ANÁLISES E METODOLOGIAS DO ENSINO DE HISTÓRIA. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. BANCA EXAMINADORA Presidente: ___________________________________________________ Profª Drª Vânia de Fátima Martino, UNESP – Campus de Franca/SP. 1º Examinador: _______________________________________________ Profº Me. Felipe Ziotti Narita, UNESP – Campus de Franca/SP. 2º Examinador:_______________________________________________ Profº Drº Cleber Sberni Junior, UNESP – Campus de Franca/SP. 1º Suplente: _________________________________________________ Profº Drº Célia Maria David, UNESP – Campus de Franca/SP. 2º Suplente: _________________________________________________ Profº Drº Gabriel Terra Pereira, IFSP – Campus Catanduva/ SP. Franca, ____ de _____________ de 2016. AGRADECIMENTOS Já dizia o filósofo helenista Epicuro que: “as pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo”. Imbuído desse sentimento gostaria de agradecer aos “mestres” e situações que a vida me apresentou, cada qual trazendo um quinhão de experiências, sentimentos, vivências e aprendizados. Pois, a soma de tudo isso é o que me define, é quem eu sou. Desse modo, só me resta agradecer: Aos meus pais, Marta e Humberto, pelos belos exemplos de vida, por aguçar em mim o ensejo de lutar pelo o que é justo, por transformar o mundo em algo melhor, pela oportunidade viver os meus sonhos, pelo carinho e motivação em vencer os obstáculos que a vida nos impõe. Obrigado aos meus irmãos e demais familiares pela compreensão, carinho e atenção dispensados. Obrigado a minha esposa Drielli que luta ao meu leu lado nas batalhas do cotidiano, pelas palavras de afeto e carinho, pelo companheirismo. Obrigado, Ana Luiza, filha amada, que com a sua existência e sorriso ensejam esperança, alegria e ternura. Obrigado professora Vânia de Fátima Martino, alguém que eu faço questão de citar pelo que representa a mim: mestra que ensina, pelo seu exemplo de luta a favor da educação; orientadora que direciona, sem impor, dialoga, dá voz ao orientando, apontando caminhos com maturidade, clareza e solicitude. Obrigado por acreditar em mim, em nosso trabalho! Sou grato. Obrigado aos meus amigos e colegas de trabalho pelo incentivo. E não poderia esquecer aos colegas/amigos de turma da pós-graduação: Andrea, Felipe, Marley, Ana Marcelina, Carol, Raquel, Gabriela, Erivelto, Pedro, Helton, Tassiana, Néia, Milady, Sílvia e Stefano. Quantas conversas, debates, discussões e reflexões juntos? Um sempre ajudando ao outro, com solicitude e companheirismo, algo que nunca esquecerei, e que espero plantar por onde quer que vá. Obrigado! Obrigado UNESP/Franca, pela oportunidade, em especial ao Programa de Pós- Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas e seus docentes. Há ainda muitas pessoas não citadas nominalmente, mas que guardo comigo junto ao peito. O sentimento de gratidão é algo maravilhoso, pois além de recordar ao passado com doçura faz com que projetemos o futuro com a coragem de vencê-lo. CAMPOS, Diego Lopes de. O Currículo do Estado de São Paulo (2012): Análises e Metodologias do ensino de História. 2015. 132 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento e Análise de Políticas Públicas - área de concentração Desenvolvimento Social e linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016. RESUMO O Currículo oficial do Estado de São Paulo (2012) é política pública que orienta e materializa as ações do governo paulista no que diz respeito às diretrizes educacionais de sua rede pública de ensino. O presente trabalho analisa o Currículo do Estado de São Paulo a fim de avaliar se as suas diretrizes textualmente inseridas do documento curricular, referente ao ensino de História, materializam-se nas ferramentas pedagógicas de implantação dessa política pública, frente às instituições escolares paulistas de educação básica, a saber: os cadernos do professor, do aluno e do gestor. Posto isso, pretende-se a construção de um referencial metodológico de ensino de História, frente aos dilemas e impasses vividos pelo professor da rede pública paulista, uma vez que as reflexões acerca de tal documento, referente ao ensino de História, demonstram um discurso descolado entre a prática de ensino e as diretrizes propostas em seu “currículo em ação”, para um processo educacional que diz preconizar a construção crítica e cidadã do aluno. Palavras-chave: políticas educacionais, educação básica, ensino de história, currículo, metodologia de ensino. CAMPOS, Diego Lopes de. The curriculum of the state of São Paulo (2012): Analyses and Methodologies from History teaching. 2015. 132 f. Dissertation (Masters in Planning and Analysis of Public Policies – concentration area Social Development and research line: Politic and Education Management) School of Human and Social Sciences, (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016). ABSTRACT The official curriculum of the state of São Paulo (2012) is a public policy that guides and materializes the actions of the state government concerning the educational guidelines of the public school system. This paper analyzes the curriculum of the state of São Paulo aiming at evaluating if its written inserted guidelines from the curriculum documents, regarding History teaching, materialize in the pedagogical tools of implementation of this public policy related to the basic education schools regarding the teacher’s and mentor’s manuals and the students’ notebooks. Therefore, we intend to create a methodological framework on History teaching regarding the dilemmas and impasses experienced by the teachers of the public school system on account that these reflections about such document, regarding the History teaching, demonstrate a disconnected speech between the teaching methodology and the proposed guidelines in its “curriculum in action” towards an educational process which is said to profess the critic construction and citizenship of the student. Keywords: Educational policies, Basic education, History teaching, Curriculum, Teaching methodology. LISTA DE QUADROS E IMAGENS QUADRO 1 – Relação dos conteúdos do Ensino Médio - História ( rede estadual paulista de ensino) ...................................................................................................................................... 73 QUADRO 2 – Relação dos conteúdos do Ensino Fundamental - História (rede estadual paulista de ensino) .................................................................................................................... 75 IMAGEM 1 – Situação de Aprendizagem – O Renascimento Cultural e Científico ............... 76 IMAGEM 2 – Verificação de aprendizagem – O Renascimento Cultural e Científico .......... 77 IMAGEM 3 – Atividades – O Renascimento Cultural e Científico ......................................... 78 IMAGEM 4 – Texto base sobre a: “Miscigenação no Brasil e o conde Gobineu”. ................. 79 IMAGEM 5 – Situação de aprendizagem: “A miscigenação no Brasil e o conde Gobineu”. .. 80 QUADRO 3 – Conteúdos e habilidades para o ensino de História: 5º série/6º ano do Ensino Fundamental ............................................................................................................................. 87 QUADRO 4 - Conteúdos e habilidades para o ensino de História: 6º série/7º ano do Ensino Fundamental. ............................................................................................................................ 88 QUADRO 5 - Orientações de Estratégias e Recursos pedagógicos para o ensino de História 91 QUADRO 6 - Orientações de estratégias e recursos pedagógicos para o ensino de História . 91 QUADRO 7 - Orientações de estratégias e recursos pedagógicos para o ensino de História .. 92 IMAGEM 6 – Modelo de análise do documento mento histórico. .......................................... 94 IMAGEM 7: Linha do tempo: A colonização inglesa e a independência dos Estados Unidos da América. ............................................................................................................................... 95 QUADRO 8 - Síntese da situação de aprendizagem relativa ao conteúdo: A colonização inglesa e a independência dos Estados Unidos da América. .................................................... 96 QUADRO 9 - Síntese da situação de aprendizagem: O rio Nilo e o trabalho dos camponeses no Egito antigo.......................................................................................................................... 97 IMAGEM 8: Leitura e análise da imagem relativa ao antigo Egito. ........................................ 98 LISTA DE SIGLAS ANPUH- Associação Nacional de História CADES - Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário. CENP - Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FMI – Fundo Monetário Internacional FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro INEP- Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos MEC – Ministério da Educação (Brasil) PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais PDE – Plano de Desenvolvimento de Educação PROUNI – Programa Universidade para Todos REUNI - Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SAEB - Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SEE/SP - Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo UAB – Universidade Aberta do Brasil SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13 CAPÍTULO 1 - O CURRÍCULO DE HISTÓRIA NO BRASIL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E CONCEITUAL. .............................................................................................. 26 1.1- Repensando a teoria do currículo. ................................................................................. 26 1.1.1- O Currículo visto pelo pensamento tradicional. ............................................................. 27 1.1.2 – O que dizem as teorias críticas sobre o currículo? ....................................................... 29 1.1.3 – O Currículo e as teorias pós-modernas. ........................................................................ 31 1.1.4 – A teoria do currículo e a sua historicidade ................................................................... 33 1.2 – A “História” do currículo e do ensino de História, no Brasil: apontamentos iniciais. .... 34 1.3 - O currículo de História no Brasil (1838-1931): a construção do código disciplinar. ...... 36 1.4 – Breves considerações sobre a consolidação do código disciplinar da História, no Brasil (1931-1971): o que diz o currículo? ......................................................................................... 40 1.5 – Discutindo a crise do código disciplinar da História no Brasil (1971-1984). ................. 43 1.6 - A abertura política e a reconstrução do código disciplinar da História no Brasil, de 1984 aos dias de hoje. ........................................................................................................................ 45 CAPITULO 2 - DINÂMICAS E CONTRADIÇÕES SOBRE O CURRÍCULO DE HISTÓRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO (2012). .............................................................. 50 2.1- Breves considerações iniciais sobre a política pública em debate: O Currículo do Estado de São Paulo (2012) .................................................................................................................. 50 2.1.1 - Noções teóricas sobre como pensar a avaliação de políticas públicas. ......................... 50 2.2 - Contexto histórico: analisando as estruturas sob os aspectos políticos, econômicos e sociais que influenciam a política pública educacional paulista atual...................................... 53 2.3 - O que diz o Currículo do Estado de São Paulo (2012) relativo às Ciências Humanas e suas tecnologias? ...................................................................................................................... 60 2.4 – Qual o modus operanti que organiza o Currículo paulista frente aos desafios do mundo contemporâneo? ........................................................................................................................ 61 2.4.1 – Entendendo o Caderno do aluno, no contexto curricular paulista. ............................... 65 2.4.2- O caderno do Professor e a política educacional paulista: o que diz? ............................ 66 2.4.3 – O que diz o caderno do gestor? .................................................................................... 66 2.4.4 – Analisando as diretrizes que compõem o Currículo de História do Estado de São Paulo (2012)........................................................................................................................................ 70 2.5 – Currículo de História (2012): um ensino conteudista ou significativo? .......................... 73 2.6 - O currículo de História e a noção de tempo histórico. ..................................................... 83 2.7 - Como o Currículo (2012) entende a diversidade de recursos pedagógicos e as novas tecnologias no ensino de História? ........................................................................................... 90 2.8 – Como o Currículo entende a análise de documentos para o ensino de História? ............ 94 2.9 – Sintetizando ideias: breves reflexões ............................................................................. 100 CAPITULO 3 - PROJETO DE INTERVENÇÃO NA REALIDADE SOCIAL? CAMINHOS E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.................................................... 102 3.1 - Qual o papel do professor frente a tudo isso? ................................................................ 103 3.2 - Noções essenciais ao ensino de História? ...................................................................... 104 3.3 - Cidadania E Criticidade: como pensar as metodologias de ensino de História? ........... 106 3.3.1 – Por que um ensino pautado por eixos temáticos? ....................................................... 107 3.3.2 – Por que um ensino de História na diversidade de documentos históricos? ................ 107 3.3.2.1 - Análise de fontes orais e as suas possibilidades pedagógicas. ................................. 108 3.3.2.2 – Análise de obras literárias e o ensino de história..................................................... 110 3.3.2.3 – A arte visual e a leitura histórica em sala de aula. ................................................... 112 3.3.2.4 – As possibilidades didáticas da análise musical e a história em sala de aula. .......... 113 3.3.2.5 – A análise de filmes e construção de conceitos históricos. ....................................... 115 3.3.2.6 – Recursos tecnológicos, ensino de história e a sala de aula. ..................................... 118 3.4 – Por que são pedagogicamente importantes as relações/aproximações entre o presente e o passado no ensino de história?................................................................................................ 120 4 - CRÍTICAS, REFORMULAÇÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS. ............................... 122 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 125 ”O professor não transmite o que diz, mas aquilo que é”. (José Pacheco) “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado”. (Marc Bloch) “Não há democracia efetiva sem um verdadeiro poder crítico”; “Nada é mais adequado que o exame para inspirar o reconhecimento dos vereditos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam”. (Pierre Bourdieu) “As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor, aprendemos palavras para melhorar os olhos”. “(...) Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido!”. (Rubem Alves) “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”. “(...) Estarei preparando a tua chegada, como o jardineiro prepara o jardim, para a rosa que se abrirá na primavera." (Paulo Freire) 13 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo traçar uma análise sobre o Currículo do Estado de São Paulo (2012), mais precisamente sobre o que se relaciona ao ensino de História e, desse modo, avaliar a política pública, bem como a materialização ou não de seus pressupostos anunciados. Feito isso, construir um referencial sugestivo de metodologias de ensino, frente a algumas incoerências promovidas pela política pública. Como faremos isso? Prescindimos de analisar o tema política pública sem apartá-lo das condicionantes históricas, do contexto sistêmico mundial, do jogo de forças sociais e políticos que dão corpo à vida social. Assim, para se realizar qualquer trabalho de pesquisa no que tange a análise e avaliação de políticas públicas é necessário que o pesquisador escrutine e reflita sobre as metamorfoses pelas quais passou o Estado em suas relações com o bem público, bem como a sociedade em questão, pois é justamente por meio da análise histórica do processo social que melhor compreendemos os desdobramentos, as trajetórias e as perspectivas dessa política. Além de desenvolver metodologias e instrumentos de avaliação dessa política deve-se referir ao “contexto histórico” para melhor analisar a política pública ao qual se propõe avaliar. Noções como os caminhos e descaminhos traçados pelo agente político, os modelos de avaliação delineados, bem como a natureza das relações que o Estado possui com a sociedade civil: suas as escolhas e as decisões denotam as estratégias política desse agente público que é o Estado e que muitas vezes não é considerado ao escopo e capacidade de reflexão de pesquisas, que só analisam indicadores oficiais não captando nuances imprescindíveis para se avaliar uma política pública. As políticas públicas tendem a ser refletidas como uma estrutura de poder e de dominação entranhados nos mais diversos níveis sociais (AZEVEDO, 1997 p.5). O estudo dessas políticas deve vir acompanhado por mediações e contextualizações históricas e de poder entre o Estado e a sociedade. As políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”, enquanto um agente implementador de um projeto de governo, dotado de uma ideologia, estruturado por programas, dispositivos e ações específicas, além de um aparato legal relacionado. É salutar traçar no presente projeto uma perspectiva histórica sobre como foi pensado, planejado as políticas públicas no Brasil e a sua relação com Estado, governos e sociedade ao 14 longo da História. Dito isso, vamos pensar um breve esboço de como se constituiu o desenvolvimento histórico do Estado brasileiro, sua relação com a noção de gestão pública vigente à época e suas reverberações na política educacional. Parte-se do pressuposto de que não é possível entender as recentes transformações do Estado, da organização governamental e da administração pública brasileira sem tentar reconstruir os processos de formação e diferenciação histórica do aparato estatal que se constituiu no Brasil, desde que a empresa da colonização aqui aportou, no alvorecer do século XVI, ou, pelo menos, desde que o príncipe regente dom João VI transferiu a sede da Coroa portuguesa para o Rio de Janeiro e instituiu o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. (COSTA, 2008, p. 831). Entender os modelos de gestão do Estado e suas implicações ao longo da História pode nos auxiliar a debater com maior clareza propriedade conceitual e analítica os desafios do nosso modelo de gestão pública atual, escopo de nosso presente trabalho que é analisar as políticas públicas curriculares do Estado de São Paulo para a educação básica. A obra de Frederico Lustosa da Costa (2008) é simbólica ao traçar um perfil histórico a respeito da gestão pública brasileira, pontuando a chegada da família real portuguesa, em 1808 como ponto de partida para se pensar o Estado brasileiro e a cristalização da administração patrimonialista. Os modelos básicos de gestão patrimonialista, burocrática e gerencial foram contemplados no referencial teórico como forma de auxiliar no processo de reflexão e compreensão das políticas públicas e dos processos que a compõem, em uma perspectiva histórica. Didaticamente, utilizaremos as categorias de análise do professor Costa (2008), porém não deixamos de considerar as diversas interseções e coexistências entre elementos tanto do modelo patrimonialista, do burocrático, assim como gerencial ao longo da História. Mesmo nos dias de hoje, em predominância do modelo gerencial, como não considerar aspectos tanto patrimonialistas, bem como burocráticos na gestão pública? A cultura patrimonialista tem sua raiz, assim como nos explica Sérgio Buarque de Holanda (2008), no processo de colonização portuguesa, no Brasil, e seus desdobramentos. Desde o início da colonização, com o fracasso da administração privada da maioria das capitanias hereditárias, a Coroa portuguesa assumiu diretamente o seu controle e preocupou-se em instituir uma administração central [...] Foi assim que constituiu o governo geral, em 1549, na Bahia, que muito mais tarde, já no Rio de Janeiro, viria a ser o vice – reino (COSTA, 2008, p. 231 e 232). Dessa forma, percebemos a formalização de um aparelho de Estado oriundo dos modelos, ordenações e aparatos burocráticos advindo da metrópole portuguesa. Este aparelho estatal nascido em 1808 fora batizado nos porões do sistema colonial, uma vez que ainda 15 conservava a escravidão, o relacionamento com o capital mercantil, o patriarcalismo, o conservadorismo, enfim, cristalizava a ideia de uma administração patrimonialista, em que não havia uma clara distinção entre os patrimônios público e privado; o Estado era concebido como propriedade do rei: de eminentes práticas nepotistas e políticas discricionárias, de teor arbitrário e irregular. Nesse ambiente político, germinava um incipiente movimento republicano, apoiado num vago programa de reformas que tentava conciliar interesses opostos de monarquistas liberais e de escravocratas descontentes com a política abolicionista do Império. [...] Assim, as repetidas crises dos gabinetes geravam um clima de instabilidade política que dava força ao movimento republicano e à tentativa intervencionista do Exército (COSTA, 2008, 831 832). As pressões inglesas pela abolição da escravatura e dos cafeicultores por uma melhor representação dos seus interesses frente ao capital mercantil internacional representam o jogo de forças que minaram as bases do governo Imperial Brasileiro. Esse novo jogo de forças políticas e sociais deu representatividade a uma nova composição social que culminou na Proclamação da República, no Brasil, em 1889. Mesmo possuindo uma nova estrutura política baseado na república e no voto, quais foram as alterações sociais produzidas pelas políticas públicas da Nova República? Por mais que transformações fossem firmadas no campo político, com o fim do império e da escravidão negra, agora conduzida por essas novas forças políticas dissidentes do Governo Imperial, grupo hegemônico do aparato político da “Republica Velha” a estrutura social não foi alterada. Os coroneis, figuras símbolo do período, conforme nos apresenta Faoro (1984, p. 637), utilizam sua representatividade política de matriz pública para fins particulares, mistura, não raro, a organização estatal e seu erário como bens próprios. Esta estrutura política de poder era representada pelo acordo político de compadrio entre os cafeicultores e as oligarquias agrárias, em um jogo de alianças e conchaves políticos (LEAL, 1985). Dessa forma, tanto o clientelismo como o paternalismo se apresentam como continuidades histórico-sociais que marcam a formação dos processos da gestão pública brasileira. Até então, o sistema educacional da colônia Brasil havia sido organizado pelos padres jesuítas, desde o Governo Geral, de 1549, até a Reforma Pombalina que expulsa a Companhia de Jesus das possessões portuguesas. É anacrônico pensar a educação como uma atribuição do Estado, neste contexto histórico, ainda é válido lembrar que tal prerrogativa não se assentava como prioridade do pacto colonial. 16 Com advento do Império e a constituição do Estado brasileiro, as políticas públicas relativas à educação são marcadas por descontínuas e intermitentes tentativas de se organizar a educação. As instituições escolares do período possuem um caráter essencialmente elitista. O ato institucional de 1834, que descentraliza a prerrogativa de sistema de educação unificado delegando- o às províncias, foi certamente um duro golpe que comprometeria a educação imperial (SAVIANI, 2005, p. 12). Em suma, as políticas públicas brasileiras, no que diz respeito à educação neste período, trazem um forte traço de elitismo que reproduz as desigualdades sociais, por meio de um irregular sistema de educação no país. Logo, pensar em políticas públicas de acesso universal e gratuito à educação, em um contexto nacional marcado pela instituição social da escravidão não seria no mínimo anacrônico? As aparentes transformações com o advento da República, com o fim da escravatura, envernizado pela onda liberal ante a influência inglesa, mascaravam o conservadorismo e o patrimonialismo da elite brasileira com aparentes transformações que não alteravam a estrutura social vigente. A obra de José Murilo de Carvalho (1987) sobre o processo de proclamação da República denota bem esta noção ao parafrasear o jornalista republicano Aristides Lobo: “o povo assistia a todo aquele processo bestializado”, ou seja, à margem do processo de decisão e participação política. Esta elite intelectual, formada em centros europeus, principalmente em Coimbra, em contato com as ideias liberais que circulavam nestes centros, influenciados pela Independência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa. Voltava ao Brasil com disposições de trabalhar pela libertação nacional (WEREBE, 2004, p. 425). Este período é marcado por uma forte influência do iluminismo nos modelos culturais e ideológicos republicanos, com isso há a criação de escolas primárias e grupos escolares, porém ainda muito dimensionadas a situação política e econômica de cada província. Ou seja, não havia um projeto nacional que visasse à universalização, nem à democratização da educação básica, somente intenções esparsas e descontínuas. (SAVIANI, 2005, p. 12 e 13). Não havia uma proposta centralizada de políticas, pois o pacto federativo experimentado pelo país na Primeira República, ou “Republica Velha”, era de um intricado jogo político em que o governo central dava autonomia de decisão política a atores regionais, os coroneis e estes por sua vez referendavam o poder das elites agroexportadoras nas eleições federativas. Desse modo, cada estado possuía autonomia e verbas necessárias para executar ou não as suas políticas públicas em questão. A República Velha durou cerca de 40 anos. Aos poucos, foi se tornando disfuncional ao Brasil que se transformava, pela diversificação da economia pelo primeiro ciclo 17 de industrialização, pela urbanização e pela organização política das camadas urbanas. Novos conflitos de interesses dentro dos setores dominantes, entre as classes sociais e entre as regiões punham em causa o pacto oligárquico [...] (COSTA, 2008, p.833). Os anos 30, do século XX, no Brasil anunciavam forçosas transformações dado a crise de 1929 que afetou não só o mundo, como também o modelo agroexportador cafeeiro, sustentáculo econômico das elites hegemônicas brasileiras e seu arranjo político, o que fatalmente explicaria as alterações no jogo de poder operada entre grupos políticos em 1930. O Brasil vivia um clima de instabilidade política depois da crise de 1929, o que Boris Fausto (2007) descreve como uma insatisfação de vários setores da sociedade civil, bem como das elites dissidentes (aquelas que não partilhavam dos interesses agroexportadores do café, e, portanto de seus benefícios garantidos pelo Estado, na República Velha) e tal panorama de tensões políticas culminou na eclosão da Revolução de 30 que depôs o governo de Washington Luís. Vargas chega ao poder, em 1930, como porta-voz de grupos que contestavam o modelo agroexportador cafeeiro: das elites dissidentes de regiões produtora de gêneros de abastecimento interno, de uma classe média que havia surgido em meio aos surtos industriais do período, bem como da aliança com grupos militares, em especial os tenentistas (PERISSINOTO, 2000). É a partir do governo Vargas que percebemos através da burocratização do aparelho de Estado, políticas em todos os níveis que institucionalizam as esferas da vida social e pública do país, inclusive a educação. Neste período que se estende até 1961 se estrutura a regulamentação, em esfera nacional, as funções e divisão entre escolas: superiores, secundárias e primárias, sob forma de currículo, ideário pedagógico, verbas públicas e orçamento, bem como as demais burocracias relativas as normatizações do Estado na educação, fato que a partir de 1961 vai sendo moldado por uma concepção produtivista de escola. (SAVIANI, 2005, p. 12). Não há dúvida de que o pacto federativo, de aspectos liberais e patrimonialistas, marcou as relações políticas do Estado durante a Primeira República; por outro lado, o centralismo, o autoritarismo e o burocratismo deram o tom hegemônico das relações do Estado com a sociedade civil durante a Era Vargas. A narrativa precedente dá conta do processo de formação do Estado nacional, a partir de suas raízes colonial, ao longo do Império (1882-89) e da chamada República Velha (1889-1930). Embora seja desse período a cristalização das principais características do Estado brasileiro apontadas anteriormente, observa-se que a própria diferenciação do aparelho de Estado e a criação de novas instituições fazem parte da dinâmica de instauração da modernidade (...) Estado e mercado, autônomos com relação à ordem do sagrado e à dominação patriarcal e cada vez mais separados entre si, constituem as bases da formação social moderna. Seu desenvolvimento, consideradas as características do contexto local, se dá no sentido 18 da racionalização. A burocracia está no horizonte da administração pública que se consolida e atualiza. (COSTA, 2008, p. 841). Este novo contexto ideológico traz consigo um ar modernizante nascido da emergente burguesia nacional, os traços centralizadores do governo Vargas, o tom burocrata como modelo de administração pública, importado dos círculos intelectuais europeus inspiraram as políticas públicas que estruturaram as transformações do governo varguista. No que diz respeito às políticas educacionais, vale um destaque aos escolanovistas e a Francisco Campos que desempenharam um decisivo peso sobre as ações governamentais, neste setor. O manifesto escolanovista foi o primeiro colegiado de vozes que destoavam das conservadoras e patrimonialistas convicções da elite brasileira a respeito de educação. Os pioneiros da educação, ou escolanovistas defendiam uma política educativa, substanciada pelo Estado, que promovesse a escola pública e laica, uma escola nova, fato que inspirou a redação da constituição de 1934 (FREITAS, 2005). O ano de 1945, no Brasil anuncia um novo cenário geopolítico no país. O ano era palco do fim da ditadura Vargas que aconteceu após as manobras de Getúlio para se adiantar ao forçoso processo de redemocratização do país, aproximando-se das massas populares, o que contrariava os interesses dos grupos dominantes da sociedade. Em resposta a ação política varguista, as Forças Armadas, por meio do se ministro da Guerra, Góis Monteiro, impõem a renúncia a Getúlio e aprova a posse temporária de José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal Federal para que este pudesse estabelecer as bases das próximas eleições presidenciais, que aconteceriam ainda em 1945. No plano internacional ocorre o fim da 2º Guerra Mundial, emergindo as duas superpotências mundiais: EUA e URSS. Tal fato seria decisivo para compreender a ascensão de uma nova ordem mundial, pelas próximas quatro décadas, marcado pelo antagonismo entre soviéticos (comunistas) e norte-americanos (capitalistas). Tal contexto reverberou, em plano interno, nos arranjos políticos brasileiros, constituindo a formação de grupos políticos ligados às zonas de influência: tanto de uma como de outra superpotência mundial, mesmo que houvesse grupos que defendessem o não alinhamento a nenhum dos espectros ideológicos vigentes. Imerso neste clima de tensões que culminou no Golpe Militar de 1964 no Brasil, Saviani (2007) faz uma análise minuciosa sobre o jogo de forças que compunham a constituição da LDB, de 1961, apontando, inclusive, os nomes que compunham o referido Conselho de Debate e Elaboração do anteprojeto da LDB. O autor percebe uma flagrante 19 superioridade de renovadores/progressistas entre membros do conselho, ou seja, pessoas signatárias ao movimento escolanovista (SAVIANI, 2007, p. 282). Porém, tal hegemonia de participantes progressistas no Conselho de Debate e Elaboração do anteprojeto da LDB, de 1961, não se traduziu efetivamente no texto final do projeto, uma vez que a atuação de Clemente Mariani, então chefe do Conselho e Ministro da pasta de Educação, do Governo Dutra relegou a Comissão a mero quadro consultivo, alinhando-se aos interesses conservadores aos quais compunham base apoio ao governo: fazendeiros, Igreja católica e a elite alinhada aos interesses norte-americanos. O fato é que a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, alterada por Mariani, foi promulgada em 1961, sob a chancela do novo Congresso Nacional eleito nas eleições de 1960. A LDB de 1961 autorizou o uso de recursos públicos por instituições privadas de ensino, ampliando a influência dessas instituições no sistema de ensino nacional, além de promover uma visão conservadora do ensino (BUFFA, NOSELLA, 1997). O substitutivo foi bem aceito e ia ser aprovado em 1958. Ele chegou em segunda discussão ao plenário para ser aprovado. Mas nesse momento, Carlos Lacerda se levantou contra o projeto, alegando razões de ordem geral na parte doutrinária da lei e sobretudo na questão do ensino particular e do ensino público. A lei tinha tendências de maior inclinação para o serviço público, enquanto Carlos Lacerda defendia uma orientação que era da Igreja, de que o ensino devia ser particular. Quer dizer, democraticamente, a educação só se poderia realizar através dos particulares e não através do poder público, que teria uma tendência a colocar a administração a seus serviços etc. O que se pretendia era o sistema da Holanda, em que o governo dá dinheiro para as escolas particulares realizarem o ensino, inclusive gratuito, para toda a população” (MONTEIRO, 2007, p. 148). Doravante, a década de 1970 no Brasil repercutia as distensões do capitalismo internacional, em favor de um novo arranjo produtivo que ideologicamente se sustentava em prol do combate ao comunismo, por meio de um desenvolvimento das forças capitalistas no país, mesmo que realizado sob dependência do capital financeiro estrangeiro. O governo militar, a partir de 1964, deste modo, cumpre o receituário macroeconômico e ideológico de instituições como FMI e o Banco Mundial em favor do financiamento de seus projetos, em âmbito nacional. Na economia, a falsa ideia do “milagre econômico” encampava a propaganda do regime ditatorial, com números que marcavam um crescimento na casa dos 13,6%. Hoje com uma análise mais criteriosa, percebemos que tal “milagre” na verdade foi muito mais um movimento da economia mundial em nível de expansão do capital internacional que foi de certa forma majorada no Brasil. Este crescimento na verdade não fora revertido em ganhos 20 sociais, pois acarreta um aumento dos índices de desigualdade social, endêmicos no Brasil (TAVARES, 1972). Uma análise apressada sobre as conjunturas da época pode não se atentar sobre a dicotomia que pairava sobre o ideário político do Estado, durante o golpe militar, e entender tal processo esclarece muitas nuances a respeito da elaboração da agenda e implantação das políticas públicas no período: um misto de liberalismo econômico aventado pelos organismos internacionais e autoritarismo que conduzia a política interna frente à sociedade brasileira. Posto isso avancemos o debate a fim entender: quais os impactos desse contexto nas políticas públicas educacionais, principalmente no que tange a LDB/1971? A Comissão presidida por Meita Mattos possuía a prerrogativa de reavaliar a LDB de 1961, atualizando-a às novas necessidades e ao contexto político e social da época. E somente a partir desse estudo o Governo de Costa e Silva ponderaria a respeito de uma reforma educacional e em quais termos ela se daria. Neste sentido, o estudo presidido por Mattos conclui: a necessidade de ampliação do ensino superior, ponderando textualmente a falta de recursos governamentais para tanto; recomendando, assim, a máxima racionalização desses recursos fazendo clara alusão ao modelo “taylorista” norte-americano e os receituários prescritos pelos órgãos internacionais de financiamento ocidentais capitalistas. E no final ainda conclui a necessidade de uma reforma curricular dos cursos superiores voltadas as exigências do mercado de trabalho (MACHADO, 2006, p. 210 a 220). Dentro desse conturbado contexto político de acordos e receituários internacionais, autoritarismos, movimentos sociais, torturas e planos unilaterais é que foi sancionada, no dia 11 de agosto de 1971, a Reforma de Ensino de 1º e 2º graus, lei nº 5.692/1971 que supriria a LDB de 1961, capitulada em oito partes que contemplam 88 artigos (PALMA FILHO, 2005, p.90). Neste sentido é preciso entender A LDB/1971 como produto de um Estado com forte viés centralizador, comprometido com uma política educacional que visa atender às demandas empregatícias dos agentes privados, o que reproduz as desigualdades sociais históricas e não a superação de tal cenário. Tais transformações de ordem econômica e estrutural anunciavam a ascensão hegemônica neoliberal, e com isso os preceitos gerenciais, enquanto modelo de gestão pública. As décadas que se seguiam, a partir do choque do petróleo, na década de 70, demonstravam o vigor de uma nova dinâmica capitalista, marcado pela “flexibilização” dos 21 mercados, da globalização e pelo “Estado Mínimo”, ou seja, a diminuição das responsabilidades do estado frente às políticas sociais e ao sistema econômico. Este contexto de transformações culminou com a crise do Regime Militar, que não comportava, em termos políticos, a nova dinâmica econômica dos novos tempos. Movimentos ligados à “redemocratização” e debate a respeito dos rumos do país e de suas políticas públicas, em especial a educação e economia ganhavam destaque não só nas academias e círculos mais restritos, mas também nas ruas do país percebia-se maior alvoroço em torno do tema. A primeira pontuação que se faz a respeito desse tema diz respeito à ascensão da lógica neoliberal, em meio aos anos 80, que tem nos governos Thatcher e Reagan os seus baluartes simbólicos. Esta nova dinâmica subverte as relações econômicas, políticas, culturais e não seria diferente no campo da educação, produzindo uma lógica mercantil, gênese que sancionava as políticas públicas educacionais (LIBÂNEO, 2012). A Constituição de 1988 textualmente garante igualdade de direitos e acesso à educação para todos os cidadãos, mas para isso é preciso considerar a carga histórica de exclusão de boa parte da população brasileira. A constituição parece estar situada, em seus princípios, bem distante da realidade social daqueles que ela julga dotar de direitos. Como pensar em iguais condições de direitos à permanência na escola, quando se tem condições sociais distintas? A década de 90 foi marcada por uma desmobilização geral das massas populares em relação às lutas sociais, em especial àquelas encampadas na década de 80. Jesus e Torres (2009) entendem que esta apatia política foi fundamental para que a vitória do grande capital monopolista sobre as políticas educacionais se consumasse. Diante da enorme dívida social que representa a falência do sistema educacional brasileiro, não podemos ingenuamente aceitar o novo senso comum da retórica neoliberal, segundo a qual a educação deve sair da esfera das políticas públicas (incompetentes) e inserir‐se na lógica (eficiente) do mercado, adotando os padrões produtivistas e empresariais da qualidade total, para assim, cumprir sua moderna função de formar cidadãos‐consumidores competitivos e empreendedores (JESUS E TORRES. 2009 p. 136). O receituário macroeconômico ligado ao capital internacional traz indelével influência à configuração do Estado brasileiro. Bresser (1995), então ministro de Estado, descreve a respeito da reforma do aparelho de Estado. Visto assim, é crível que as políticas públicas educacionais no período seguissem tal dinâmica em sua constituição, a de “um formato gerencial à administração pública tornando-a mais apta para atuar com eficiência, ou seja, 22 com capacidade de alcançar maiores resultados com menor custo para o Estado” (FONSECA, 2005, p 187). Tendo a política neoliberal como hegemônica na formulação das resoluções das políticas públicas, Frigotto, entende que a Educação, neste contexto assume um novo papel, “não mais em razão de sua função social e cultural de caráter universal, mas da particularidade das demandas do mercado” (FRIGOTTO, 2011, p. 247). O FUNDEF, os PCNs e o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) são a materialização para a qual se fundamenta a política pública voltada para a educação à época do governo de Fernando Henrique Cardoso. Os gastos prioritários do FUNDEF com o ensino fundamental tem como estratégia a preparação dos jovens para adentrar no mercado de trabalho 1 . Esta ênfase valorativa do ensino fundamental sobre os outros níveis de ensino pode ainda ser constatada no Plano Nacional de Educação, regulamentado pela lei 10.172 de 2002, gestado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso; ao mesmo tempo a introdução dos PCNs e execução do SAEB denotam certo controle do governo central sobre o sistema de ensino do país. Em linhas gerais, de influência neoliberal também é o tom hegemônico que marca os governos Lula e Dilma nos anos 2000, ainda que certas resistências e aproximações com uma política de bem estar social fossem percebidas no período. O projeto de desenvolvimento econômico de Lula em seu primeiro mandato, apesar de incorporar muitas dinâmicas do governo anterior, foi marcado por uma alta taxa de juros, sob a justificativa de controle da inflação e de câmbio flutuante. Porém, algumas diferenças são visíveis à percepção das políticas públicas que visam o fortalecimento das empresas estatais, a partir de um maciço investimento em pesquisas, como o caso da Petrobrás, diferentemente do governo anterior que imerso por uma lógica neoliberal foi favorável à prática das privatizações de empresas estatais (JACOMELI, 2011, p.125). Apesar disso, os governos petistas: de Lula e Dilma apresentam alguns avanços no que diz respeito a um maior dialogo dos governos com as demandas sociais, além de claro projeto de expansão das políticas públicas às populações de baixa renda. Exemplos neste sentido podem ser percebidos, como: no programa (1) PROUNI pelo qual são concedidas bolsas de estudos a alunos de baixa renda, em parcerias com 1 Fazemos alusão aqui ao Relatório Delors, uma articulação de organismos internacionais capitaneados pelo FMI, UNESCO e Banco Mundial, realizada na Conferencia de Jomtiem, em 1990. Este relatório referenda a 23 universidades particulares que se isentam de alguns impostos, como contrapartida ao ingresso desse aluno (Pinto, 2009); (2) o REUNI que versa sobre uma ampla expansão de vagas em instituições federais de ensino superior, com ênfase estratégica na contemplação de cursos universitários de licenciatura, como medida de possível valorização da educação básica (Pinto, 2009); o FUNDEB que substitui o antigo FUNDEF, encaminhando recursos e financiamento dos sistemas escolares brasileiros, não somente com ênfase ao ensino fundamental, mas também a outras etapas da educação básica, como: a educação infantil e o ensino médio, diferente do que acontecia na vigência do FUNDEF que vigorou até 2006; O PDE – Plano de Desenvolvimento de Educação (2007) constitui-se em uma espécie de programa guarda-chuvas, sob o qual se alinham os demais programas e ações do governo para toda a educação (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação superior e pós-graduação). Tais medidas, ainda que incompletas e passíveis de reordenações, denotam um princípio de uma ação sistêmica das políticas públicas, no que diz respeito à educação, no país (SANTOS, 2011, p. 10). Tais medidas significam em linhas gerais: um projeto de “educação para todos”, ou seja, de ampliação da oferta de vagas no ensino superior seja pelo programa PROUNI que atende prioritariamente famílias de rendas mais baixas, ou através do REUNI que se constitui por uma política de expansão das unidades de ensino superior federal. Nesta perspectiva de expansão das vagas de ensino superior, a UAB (Universidade Aberta do Brasil) cumpre um estratégico papel, pois expande exponencialmente as vagas de ensino superior, além de se associar aos programas do governo federal de formação continuada de professores, por meio do ensino a distância. Outro ponto que merece destaque é em relação ao financiamento público através do FUNDEB que alarga as modalidades de financiamento público, pois abarca toda educação básica, da educação infantil ao ensino médio, além de prescrever verbas relativas à valorização e formação de professores, como a criação de um piso nacional da categoria. Ainda, nesta perspectiva percebemos o PDE, de 2007, melhor articulado com outros programas: como o programa “Bolsa Família” ou mesmo o “PAC”, porém o governo federal ainda carece de uma melhor articulação entre as políticas públicas: produtiva, fiscal, social e educacional que deveriam compor um grande projeto de desenvolvimento nacional, de forma integrada e de coesão nacional. escola como panaceia para todos os males da sociedade, bem como lócus de formação do aluno em “cidadão- trabalhador” forjá-lo a sociabilidade de uma sociedade democrática e globalizada. 24 O PDE tem como grande articulador “O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação”, o qual foi instituído pelo Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007. Propõe- se um novo regime de colaboração, que busca articular a atuação dos entes federados – Estados, Distrito Federal e Municípios, envolvendo primordialmente a decisão política, a ação técnica e atendimento da demanda educacional, visando à melhoria dos indicadores educacionais. Em seu corpus, 28 diretrizes dão forma e conteúdo a um plano de metas concretas, efetivas, que compartilha competências políticas, técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação básica (SANTOS, 2011, p. 11). O fato é, atualmente, que o modelo de expansão das políticas educacionais petista encontra-se em crise. Seja por questões fiscais ou por pressões políticas de discordância ideológica ao seu modelo de desenvolvimento. É em consonância a estas referências até aqui analisadas, articulada a noção de pensar análise das políticas públicas contextualiza a seu momento histórico é que devemos problematizar o nosso objeto de estudo: o Currículo do Estado de São Paulo (2012), relativo ao ensino de História. O Currículo do Estado de Paulo (2012) e o ensino de História, bem como as suas metodologias de ensino são os objetos de reflexão do presente trabalho. Portanto, o desenvolvimento do mesmo referenda seus objetos de análise, relacionando-os. O Currículo do Estado de São Paulo é aqui entendido enquanto uma política pública. Portanto, pautamos nossa dissertação em uma construção argumentativa que se preocupa em refletir a política pública, sob seus múltiplos aspectos e em perspectiva historicizante. A introdução se preocupou em linhas gerais, em demonstrar os preceitos que norteiam o trabalho, bem como a relação entre a noção de gestão pública, o Estado, a sociedade e suas condicionantes históricas. Portanto, há de se ressaltar uma dinâmica estruturalizante que permeia o processo de constituição e definição da política pública. Definido isso, o primeiro capítulo conjectura o desenvolvimento do código disciplinar de História no Brasil. Tal discussão repercute nas relações entre o Estado, as metodologias de ensino vigentes á época, o currículo, bem como o contexto histórico, ideológico e cultural em questão. Ao final do tópico são traçadas algumas perspectivas, em relação ao ensino de História, no tempo presente, em função das possibilidades alargadas pelos PCNs e novas tecnologias, em prol de uma educação crítica e cidadã. O segundo capítulo se inicia, em linhas gerais, tentando esboçar o contexto pelo qual margeia a construção do Currículo do Estado de São Paulo. Trata-se de esquematizar as suas definições, suas estruturas e sua dinâmica de funcionamento. Feito isso, o trabalho avança para a análise da política pública, contrapondo o texto oficial do documento curricular e os 25 apontamentos de implementação prática dessa política referente ao ensino de História: os cadernos do aluno e professor. A análise fundamenta-se em perceber se essa relação é ou não contraditória. A metodologia de análise utilizada pelo trabalho traz referências às inspirações de Laville e Dione (1999), pois nossa reflexão se relaciona a um documento oficial, sendo necessário entendê-lo, dissecá-lo, captar-lhe as intenções para, desse modo, avaliá-lo a partir de suas textualidades, imagens, dinâmicas e estruturações. Nosso intento é verificar se o referido documento curricular consegue materializar pedagogicamente os seus preceitos de ensino de História, por meio da ação dos ditos cadernos do aluno e professor. Por último, o trabalho se propõe a refletir algumas possibilidades para o ensino de História referenciando o docente da rede pública paulistas a algumas considerações e alternativas para a sua prática docente visto algumas inconsistências, lacunas e contradições apresentadas pelo Currículo (2012). 26 CAPÍTULO 1 - O CURRÍCULO DE HISTÓRIA NO BRASIL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E CONCEITUAL. “Compreender é complicar, é enriquecermo-nos em profundidade”. (Lucien Febvre) A introdução do presente trabalho nos fornece alguma reflexão teórica a respeito da análise e avaliação das políticas públicas bem como da definição de agenda por uma perspectiva historicizante, em que se contextualizam as demandas políticas, sociais e econômicas como influenciadoras e definidoras das agendas políticas. O primeiro capítulo traz uma contribuição mais específica, ao nos aproximarmos do nosso objetivo central do nosso projeto que é analisar o Currículo de História do estado de São Paulo (2012), ainda que este capítulo se debruce sobre um debate que precede o nosso objetivo central que é entender e refletir sobre a teoria do Currículo, e como tais pressupostos se relacionam com a trajetória do código disciplinar de História e o seu currículo, no Brasil, ao longo do tempo? Para tanto, realizaremos uma discussão bibliográfica a respeito do tema, a fim de prospectar, mediar e analisar a bibliografia de autores, como: Célia David, Selva Fonseca, Jörn Rüsen, Maria Auxiliadora Schmidt e Kátia Abud como fundamentação teórica ao debate proposto. Ademais, ao contextualizarmos a trajetória do ensino de História no Brasil como fruto das tendências e influências políticas, ideológicas de cada período, pretendemos ainda esboçar algumas reflexões referentes ao código disciplinar de História, seu currículo e ensino no presente momento. 1.1- Repensando a teoria do currículo. Em termos Etnológicos a palavra “currículo” tem sua origem do termo latim Scurrere, que significa: correr, em alusão a noção de algo em curso (ou carro de corrida) (GOODSON, 1995.p.31). Nesses termos, a noção de currículo esta relacionada ao curso a ser seguido, rumo, ou mesmo a direção para qual se deve seguir, uma diretriz. Mas afinal, seguir o que? Por quê? Contra ou a favor de alguém ou a alguma coisa? E por que ensinar tais conhecimentos? Para responder a tais perguntas é preciso contextualizar tanto no tempo, como no espaço a sociedade a que estamos nos referindo. 27 Assim é imprescindível considerar o currículo enquanto construto social, uma “tradição inventada” e compactuada por valores sociais, por condicionantes históricos e culturais de cada época, uma vez que ele possui como prerrogativa emoldurar as diretrizes daquilo que deve ser sistematicamente apreendido, em termos sociais, pelos ditos valores hegemônicos (GOODSON, 1995, p.29). Assim, o autor Michael Apple nos fornece alguns subsídios basilares para pensar o currículo e a teoria que o permeia, ao longo das várias escolas que se propuseram a entendê-lo e a formulá-lo. Dito isso: (...) o currículo nunca é um conjunto neutro de conhecimentos, ele é parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo (APPLE, 2006, p. 71) A reflexão proposta pelos professores em seu excerto é pontual, pois crava críticas contundentes a tradicional noção que se tem sobre o currículo. Há um relevante corrente de estudiosos que entendem o currículo historicamente construído, portanto refutam a tese de neutralidade do mesmo em relação aos processos sociais, políticos e culturais do contexto histórico. Tal perspectiva nos oferece a possibilidade de (re) pensar o currículo, enquanto produto de um jogo de forças enredado por interesses e ideologias. Posto isso, o currículo deve ser refletido por base as mediações do jogo de poder, relações sociais, culturais e ideológicas da sociedade em questão, pois somente dessa forma é possível uma reflexão crítica acerca desse objeto de estudo, em questão. O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, à raça, ao gênero (GOODSON, 1995, p. 8). Porém, ao menos três perspectivas teóricas analisam o tema, sob óticas distintas (MOREIRA & SILVA, 2002) denominadas, por: teoria tradicional, teoria crítica e pós-crítica. 1.1.1- O Currículo visto pelo pensamento tradicional. A perspectiva tradicional a respeito do currículo tem seu nascedouro nos EUA, em um contexto de reorganização produtiva do capital, bem como dos valores que regiam aquela sociedade, ainda no século XIX: Como tal, os Estudos Culturais não só complicam os Estudos Curriculares como os intensificam, enquanto os imergem na cultura de massas, experiências subjetivas e lutas políticas. Os Estudos Culturais são, então, uma importante especialização dentro dos Estudos Curriculares, e dificilmente os substituem. Sem Estudos Curriculares, os Estudos Culturais tornam-se apenas uma "moda passageira", 28 condenada a uma curta vida de prateleira no presente campo norte-americano da educação em que as suas "fundações" estão a desaparecer. (PINAR, 2006, p. 93) No século XIX, os EUA assistiram a ascensão de sua Revolução Industrial e é neste contexto de transformações que emergiram novos valores sociais que ainda hoje trazem indeléveis marcas na sociedade estadunidense como competição social, bem como o estímulo ao sucesso profissional e individual como metas e objetivos de vida, obviamente tal discurso social de sucesso profissional repercute em evidências de mérito na trajetória escolar (MOREIRA & SILVA. 2002. p.10). Ou seja, o currículo é um reflexo e ao mesmo tempo uma ferramenta de viabilidade desse esquema de competitividade social. […] à metáfora da escola como uma fábrica e do currículo como processo de produção, em que as crianças eram vistas como ‘matérias-primas’ e os professores como controladores do processo de produção, assegurando que os ‘produtos’ eram construídos de acordo com as especificações meticulosamente traçadas e com o mínimo de desperdício (PARASKEVA, 2004, p. 7). Portanto, o currículo é organizado, nesta sociedade por uma lógica racionalista que visa à especialização da formação escolar do trabalhador para que este desempenhe os ditames da Administração Científica, no mercado de trabalho. Deste modo, somente o currículo pode abalizar o desempenho desta ou daquela função específica, uma vez que tal processo é regido pela lógica taylorista de divisão de funções e tarefas, padronização produtiva, gerencia efetiva e supervisão rigorosa. Tal relação entre o currículo escolar e os valores capitalistas nas engrenagens sociais norte-americanas pode ser percebida na construção conceitual de um dos autores mais influentes sobre o pensamento fordista e taylorista da época, John Franklin Bobbitt, autor de “The Curriculum”, de 1918, importante obra que procura pensar quais os parâmetros de atuação das instituições escolares naquele contexto, e que estas devem se pautar em conservar e a restaurar os valores culturais norte-americanos, além do dever de educar pessoas as exigências do mercado de trabalho (SILVA, 2007). [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta (SILVA, 2007, p. 23). Saviani (1987) nos mostra que as escolas imersas nesta perspectiva tradicionalista passam por um crescente processo de burocratização, no qual a administração científica introduz um controle produtivo do que é realizado no interior das escolas, por meio de formulários e avaliações que atestam a eficiência racional e a produtividade do processo educacional, tornando-se assim a atividade fim dessas escolas. 29 Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-lo de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência. Para tanto, era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos, mecanizar o processo. (SAVIANI, 1987 p32.) A lógica tecnicista torna-se atividade fim da educação por essa perspectiva tradicional que visa: (1) O controle do Estado à suas populações, por meio de um controle social dos seus trabalhadores, por uma educação que homogeneíza valores sociais, submissos aos princípios hegemônicos daquela sociedade; (2) justifica valores como: a neutralidade, meritocracia e a objetividade, como consequência dissocia o fracasso ou o sucesso escolar a condicionantes sociais externos (é um discurso liberal, em que o indivíduo faz o seu destino, independente, de sua condição social, étnica e cultural); (3) prioriza questões técnicas como fundamentais para a eficiência produtiva. Sob esta mesma pecha, de um currículo tradicional, porém com caráter mais progressista, temos o pensamento de Dewey, nos EUA, que se preocupa com a escola enquanto um ambiente de vivências e experiências democráticas, não havendo uma tácita preocupação com do currículo escolar, enquanto um disciplinador de mão de obra para o mercado de trabalho (SILVA, 2007). Os autores da visão tradicional justificam o currículo enquanto produto dotado de neutralidade, no que diz respeito a seu teor ideológico, em detrimento de seu caráter tecnicista. Portanto, como entender esta relação entre o currículo e os interesses sociais norte americanos, sem perceber uma intencionalidade utilitarista e, portanto, ideológica? A simples concepção de possível neutralidade, dotadas de noções tecnicistas e competitividade social no que tange ao currículo, não é por si só uma doutrina teórica, dotada de ideologia? Como, então, ela poderia ser neutra? 1.1.2 – O que dizem as teorias críticas sobre o currículo? As teorias críticas a respeito do currículo surgem no pós-guerra, mais precisamente na década de 60, em um contexto de contestações sociais, culturais e políticas. Uma geração marcada por novas tecnológicas, novas ideias, novas doutrinas, filosofias e questionamentos morais a respeito da dita “normalidade” e convenções tradicionais vigentes. Um sentimento de crise acaba por instalar-se na sociedade (...), como consequência, uma contracultura que enfatiza prazeres sensuais, liberdade sexual, gratificação imediata, naturalismo, uso de drogas, vida comunitária, paz, libertação individual. Inevitavelmente, as instituições educacionais tornaram-se alvos de violentas críticas. Denunciou-se que a escola não promovia ascensão social e que, mesmo para as 30 crianças dos grupos dominantes, era tradicional, opressiva, castradora, violenta e irrelevante. (MOREIRA, SILVA. 2002 p.13). Obviamente que este período de efervescências sociais e culturais incorre e repercute sobre novas formas vigentes de se pensar o currículo. Nas universidades norte-americanas (MOREIRA E SILVA, 2002), muitas pesquisas seguiram a perspectiva de construir um currículo que incorporasse em sua lógica a diversidade social, cultural, sexual e de pensamento dos diversos grupos sociais, garantindo, assim, a liberdade individual. A noção que pauta a teoria crítica do currículo incorre de uma genealogia humanista e hermêutica que se opõe a visão mecânica, tecnicista e burocrática da teoria tradicional do currículo. Assim: As teorias críticas são teorias de desconfianças, questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. (SILVA, 2007, p.30) A efervescência desse debate a respeito da teoria do currículo pontua-se como pauta imprescindível nos círculos acadêmicos de educação. Tanto na Inglaterra como na França tal debate incorpora problemáticas sociológicas, trazendo importantes contribuições neomarxistas e historiográficas que oxigenaram o debate e que culminaram na criação da chamada Sociologia da Educação nas cátedras universitárias da época (FORQUIN, 1993, p.71). Os estudos da nascente Sociologia da Educação apontam para as formas pelas quais a sociedade classifica, avalia, conduz, transmite e pensa a educação e o ensino, relacionando as estruturas de poder e interesses sociais hegemônicos com as formas pelas quais asseguram o controle social dos indivíduos. É neste sentido que são apontados tanto os estudos de Althusser e como de Bourdieu, na França, como arautos da sociologia crítico-reprodutivista, pois entendem que a educação pode assumir a função de reproduzir aos indivíduos os valores ideológicos de grupos sociais dominantes, do ponto de vista econômico, político e cultural. Dessa forma, na perspectiva dos autores crítico-reprodutivistas, as relações de desigualdades sociais tem estreita relação com as relações de dominação entre grupos hegemônicos (possuidores de poder político) e os grupos sociais subalternos, reproduzidos ao longo da História. Neste processo a educação atua como uma importante ferramenta de subordinação social das culturas populares a cultura dita como dominante que se coloca a única cultura legítima do conhecimento (SILVA, 2000). Sobre isso Bourdieu (2001) diz que cada grupo familiar transmite a seus integrantes, o que ele denomina de “capital cultural”, um sistema de valores simbólicos e subentendidos, 31 porém profundamente rotinizados na cultura desse grupo social. Portanto, tais valores culturais reproduzidos no seio das relações familiares, como códigos de comportamento e oratória, postura e visão de mundo, possibilitam que certos grupos sociais se reconheçam e excluam outros grupos sociais que não comunguem desses códigos de comportamento, os grupos não-hegemônicos. [...] a escola não atua pela inoculação da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominantes, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como mecanismo de exclusão. O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo, nesse código. [...] Em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável. (SILVA, 2007, p. 35) A visão de Bourdieu (2001) traz reflexões importantes, pois lança luz a uma importante consideração: de que boa parte do fracasso escolar esta associado à dificuldade das crianças que são excluídas deste capital social hegemônico em assimilar a lógica das instituições escolares que são pautadas por um currículo e cultura dita culta, e que muito divergem da realidade social desses alunos, imersos na cultura popular. Entre os autores relacionados à visão crítica do currículo, há uma importante produção que destaca a noção de um “currículo oculto” que reconhece o peso estrutural ideológico das classes dominantes na reprodução sistêmica dos temas curriculares e sua organização ofertados nas escolas, porém avista a possibilidade de transformá-los, exaltando a papel do homem de transformador de suam realidade histórico-social. O “currículo oculto” designará estas coisas que se adquirem na escola (saberes, competências, representações, papéis, valores) sem jamais figurar nos programas oficiais ou explícitos, seja porque elas realçam uma “programação ideológica” tanto mais imperiosa quanto mais ela é oculta (como o sugerem por exemplo, as abordagens “críticas radicais” como as de Illich ou dos teóricos da “reprodução”), seja porque elas escapam, ao contrário, a todo controle institucional e cristalizam-se como saberes práticos, receitas de “sobrevivência” ou valores de contestação florescendo nos interstícios ou zonas sóbrias do currículo oficial. (FORQUIN. 1993, p.23) As teorias críticas foram de fundamental importância ao desnudar as intencionalidades do currículo, que se constroem pelo jogo de forças e interesses das classes hegemônicas e dominantes que se institucionaliza e se reproduz nos aparelhos ideológicos do Estado. 1.1.3 – O Currículo e as teorias pós-modernas. As teorias pós-modernas sobre o currículo nascem em um contexto de crise das grandes narrativas filosófico-históricas, em que a racionalidade e o modelo de pensamento 32 moderno ocidental são posto a prova frente aos novos modelos de pensamento surgidos desde meados dos anos 1970. Critica-se o sujeito racional, livre, autônomo, centrado e soberano. Para o pós- modernismo, o sujeito não é o centro da ação social. Ele não pensa, fala e produz: ele é pensado, falado e produzido. As idéias de mudança de paradigmas ganham espaço nos debates acadêmicos, há intensa crítica aos padrões considerados “rígidos” da modernidade (masculino, heterossexual, branco e cristão), busca-se romper a lógica positivista, tecnocrática e racionalista, na tentativa de dar voz aos subalternos e excluídos de um sistema totalizante e padronizado (MACHADO E SANTOS, 2011, p. 18). E quais os impactos dessa teoria, no que diz respeito à educação e mais precisamente ao currículo? O vendaval pós-moderno trouxe a problemática do multiculturalismo como pauta fundamental de composição da teoria do currículo. Tal debate privilegia a voz dos grupos historicamente excluídos pela cultura dominante, como: negros, homossexuais e mulheres, permitindo-lhes uma possibilidade de atuar, intervir e transformar a dinâmica social (CANDAU e MOREIRA, 2008. p.20). A perspectiva pós-moderna funciona como um guarda-chuva teórico do qual fazem parte diversas e até distintas perspectivas de análise e interpretação da realidade: abordagens pós- modernas com tendências mais liberais ou conservadoras, ora libertárias e até celebratórias que aparentemente são contraditórias entre si, mas possuem dentro dessa visão uma característica comum: a abordagem descritiva e propositiva própria do guarda-chuva teórico pós-moderno. A noção de abordagem descritiva, neste sentido, diz respeito a este novo contexto de sociedades multiculturais contemporâneas, em que se enfatizam os relativismos culturais em detrimento de uma cultura dominante. Assim, as descrições são relevantes ferramentas de análise dessas diversas culturas, foge-se das grandes sínteses que transportam uma carga analítica positivista e racional. Dessa forma, concebem-se tais culturas imersas na lógica da alteridade, em seu contexto específico, diverso, não mais ordenado por uma lógica de ordenamento de importância, na qual todas as culturas e visões de mundo devem possuir a mesma importância (CANDAU e MOREIRA, 2008. p.19). A teoria pós-crítica não toma realidade assim como ela é, pois se utiliza dos vários discursos e de suas descrições para construir a partir das análises linguística o que entende por realidade social. É um misto de desconstrução da realidade e (re)construção por meio de vários discursos multifacetados e heterogêneos. “O multiculturalismo mostra que o gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”. (SILVA, 2007, p. 90) 33 Em relação à abordagem propositiva “entende o multiculturalismo não simplesmente como um dado da realidade, mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social” (CANDAU e MOREIRA, 2008. p.20). Para o currículo esta abordagem nos permite desmistificar o tamanho e o peso de algumas instâncias sociais e entender sobre as desigualdades localizadas entre negação, diferenciação e exclusão entre pessoas e grupos etnicamente distintos (MACHADO E SANTOS, 2011, p. 21). As teorias pós-criticas ampliaram a discussão e a subversão já incitada pela perspectiva crítica do currículo. Tais teorias são banhadas pela perspectiva pós-moderna e foram concebidas em um contexto pós-colonial e pós-estruturalista, enquanto a teoria crítica do currículo questiona as instituições vigentes, por um viés econômico, político e estruturalizante; as teorias pós-críticas o fazem por uma perspectiva social e cultural, em conta de um caráter subjetivo que rechaça a análise estrutural, se utilizando assim das narrativas descritivas como aporte de suas análises, diferente das construções críticas do currículo, enredadas na década de 1970. A concepção do currículo é repensada em face dessas novas demandas sociais e culturais. Emerge uma noção de currículo multicultural que valoriza as individualidades, a heterogeneidade e a pluralidade, propondo a desconstrução da realidade, portanto imerso pelos relativismos culturais e realidades multifacetadas. 1.1.4 – A teoria do currículo e a sua historicidade Posto a teoria do currículo em suas principais vertentes teóricas e analíticas é possível referendarmos o nosso olhar para a realidade social imbuídos de uma criticidade conceitual a fim de analisarmos o currículo, sob um aspecto reflexivo. Para aprofundarmos a nossa análise a respeito de nosso objeto de estudos, utilizaremos a perspectiva histórica do currículo de História, seus caminhos e descaminhos, sua trajetória para apreendermos a sua constituição em face dos processos políticos, econômicas e sociais brasileiros. Dessa forma, o presente trabalho se imbui de uma noção de currículo, enquanto “um projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada” (SACRISTÁN, 2000, p.36). 34 Posto isso, é necessário entender que o currículo é o centro da ação educativa, pois é ele que dá sentido à ação pedagógica, delimitando e orientando as atividades, bem como os conteúdos a serem desenvolvidos pelos sistemas de ensino. O currículo é muitas coisas ao mesmo tempo: ideias pedagógicas, estruturação de conteúdos de uma forma particular, detalhamento dos mesmos, reflexo de aspirações educativas mais difíceis de moldar em termos concretos, estímulo de habilidades nos alunos, etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 173). Assim o currículo deve ser entendido como uma articulação estratégica e pedagógica entre o Estado, a escola a sala de aula. Sacristán (2000) faz uma análise do currículo de forma problematizar as suas implicações no mundo da educação, dotando-o de conteúdo político, refletindo sobre qual a finalidade do mesmo? O que ensina? Para quem ensina? Porque ensina? Quem possui melhor acesso ao currículo? Quais os processos de decisão para a formulação do currículo? Quais os mecanismos de implementação desse currículo nas escolas? Tal currículo é pensando a partir de qual perspectiva social? Como os conteúdos podem ser relacionados com os recursos e materiais metodológicos para a execução desse currículo? Como esse currículo pode modificar a prática escolar? Este trabalho construiu até o presente momento, uma reflexão sobre o Currículo: suas principais teorias e conceitos. Agora analisaremos como tais referências até aqui pensadas repercutem na evolução do Currículo e do código disciplinar de História, ao longo do tempo no Brasil. 1.2 – A “História” do currículo e do ensino de História no Brasil: apontamentos iniciais 2 . Ao se pensar a trajetória do ensino de História, no Brasil, autores como Goodson (1997) tem nos chamado a atenção para se compreender os currículos escolares, ou as chamadas disciplinas escolares, em suas especificidades, articulados, contextualizados às continuidades e rupturas de cada época. Desse modo, o autor elege a análise do livro didático e sua importância para se avaliar o currículo, a metodologia de ensino, bem como a epistemologia de ensino de uma determinada disciplina, pois são no livro didático que as demandas ideológicas de um determinado currículo se materializam (ou não), a fim de percebermos, se há um contracesso ou não entre o que diz o currículo e o que diz a material didático. 2 O presente texto é uma versão ligeiramente modificada da versão apresentada XV Encontro de Pesquisadores “A Interdisciplinaridade vista sob o prisma do desenvolvimento”, na UNI-FACEF, no dia 28 agosto de 2014, sob o título: A trajetória do ensino de História no Brasil: aspectos históricos e curriculares da disciplina. 35 Desta forma, Moniot (1993) destaca a importância de se analisar a trajetória do ensino de História no Brasil. Pois é preciso que reflita em que medida as ideologias e as ideias deram sentido e nortearam à construção dos livros didáticos, do saber histórico, do currículo? Assim, entender essas especificidades que configuram a disciplina histórica, em dada época, em dada cultura política, em dada filosofia social vigente contribui decisivamente para se avaliar o currículo da História e a sua relação com o material didático. Seria possível analisar as prerrogativas escolares da disciplina História, sem mediar-se ao contexto do pensamento cultural, científico vigente a época em que se presta a tal análise? Entendemos que não. Justamente, neste sentido Schmidt (2012) insiste em uma necessária articulação entre o contexto das instituições escolares: seus sujeitos, natureza social, cultural e a forma como esta se articula com a sociedade e a forma como se constitui a construção e trajetória da disciplina História, no Brasil, e tão logo assim o seu currículo. Admite-se, ainda, a noção de cultura escolar como uma das categorias norteadoras para a análise da constituição da História enquanto um conhecimento escolarizado, pois, a cultura escolar pode ser considerada como um conjunto de teorias, ideias, princípios, rituais, hábitos e práticas, formas de fazer e de pensar, mentalidades e comportamentos sedimentados ao longo do tempo sob a forma de tradições, regularidades e regras (SCHMIDT, 2012, p.2). Este conhecimento ou saber escolar, produto da cultura dessa instituição escolar, bem como do seu contexto histórico deve ser dialogado com as perspectivas científicas da época. Este dialogo é o que Russen (2010) denomina como cultura histórica. Na lógica do pensamento ruseniano, o conceito de cultura histórica abarca os procedimentos da memória histórica pública; bem como as diferentes concepções epistemológicas/cientificas e metodológicas em relação à ciência histórica; traz para a discussão a necessidade de se compreender as relações entre os jogos de força e poder hegemônico, dentro dessa instituição ou mesmo no meio acadêmico para se compreender as características dessa disciplina, em dado contexto, ao longo do tempo e do espaço (RUSSEL, 2010). Neste sentido, como critério de analise para se entender o processos de institucionalização escolar da disciplina história, sua didática e os processos que envolvem o seu currículo, ensino e aprendizagem, faz-se necessário uma dialética entre a cultura escolar e cultura histórica, ou seja, um diálogo entre o que os historiadores pensam sobre o seu ofício e as demandas educacionais e pedagógicas relativas ao currículo e as práticas de ensino. Não se pode pensar sobre a disciplina escolar apartada dos conceitos que envolvem os referenciais pedagógicos e didáticos. 36 (...) deixou de ser o centro de reflexão dos historiadores sobre sua própria profissão. O resultado dessa atitude foi empurrar a didática da história para mais perto da pedagogia e abrir uma lacuna entre ela e os estudos normais de história. A fascinação com as reformas curriculares tendeu a subestimar as características peculiares da história como campo de aprendizado. (Rüsen, 2010, p.31) Justamente neste sentido, a professora Maria Auxiliadora Schmidt (2012) nos traz uma importante contribuição quanto ao entendimento dessa questão, para a qual Schmidt propõe uma sistematização da disciplina escolar História, no Brasil, levando em consideração questões como currículos, livros didáticos e manuais destinados aos professores da disciplina que são influenciados pelas teorias historiográfico-acadêmicas e epistemologias/ideológicas de ciência histórica do período em questão. A professora sistematiza tais elementos sobre o ensino de História no Brasil da seguinte forma: (1º momento) construção do código disciplinar da história no Brasil (1838-1931); (2º momento) consolidação do código disciplinar da história no Brasil (1931-1971); (3º momento) crise do código disciplinar da história no Brasil (1971-1984); (4º momento que abarca até os dias de hoje) reconstrução do código disciplinar da história no Brasil (1984-?) (SCHIMDT, 2012, p. 78, grifos nossos). Esclarecido as impressões iniciais a respeito de como pensar a analise dessa trajetória do currículo de história, no Brasil, utilizaremos esta sistematização apresentada pela professora Schmidt, porém endossadas pelas bibliografias que tratam do tema como Célia David, Kátia Abud e Selva Fonseca. 1.3 - O currículo de História no Brasil (1838-1931): a construção do código disciplinar. O ano de 1838 é palco da primeira aparição oficial do código da disciplina de História nas bancadas escolares brasileiras. O Regimento do Colégio D. Pedro II, a reboque da criação do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), mostra a preocupação do governo imperial com a construção de um ideário de nação, por isso uma necessidade de um arquivamento metódico de fontes históricas, publicação de pesquisas com a intenção de pensar uma identidade nacional, com símbolos e genealogia que expõem elementos comuns a constituição do povo brasileiro (DAVID, 2010). As experiências de ensino de História, neste contexto, configuradas nas experiências de ensino nos manuais didáticos destinados aos alunos, sofreram forte influência das concepções historiográficas europeias, em particular da escola metódica e influência positivista francesa. A História da Europa Ocidental fosse apresentada como a verdadeira História da Civilização. A História pátria surgia como seu apêndice, sem um corpo autônomo e ocupando papel extremamente secundário. Relagada aos anos finais dos ginásios, com número ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria, consistia 37 em um repositório de biografias de homens ilustres, de datas e de batalhas (NADAI, 1993, p. 146) O colégio D. Pedro II tinha uma clara prerrogativa de formar futuros quadros de Estado, sendo ponto de encontro de uma elite branca provincial que se dirigia a corte, Rio de Janeiro, em busca de uma formação intelectual que fosse comum aos futuros dirigentes. Portanto, o colégio traduzia em seu currículo a sistematização da “alta cultura” europeia clássica em terras tupiniquins. Célia David (2012, p. 143) nos atenta para uma informação importante ao perceber que a disciplina de História, neste contexto do colégio imperial, não constituía prioridade com a disciplina cognome, uma vez que o currículo da disciplina de História versava por todos os conteúdos humanísticos. A História de grandes homens, os exemplos morais estampados nas grandes biografias de reis ou heróis se moldavam como fio condutor de uma História Universal que dá ênfase ao estudo de Oriente Médio para introduzir os estudos sobre o berço do monoteísmo, que avança aos clássicos grego-romanos como forma de corroborar a construção de um ideário próximo à civilização branca, européia e católica; uma vez que a base sagrada da providência divina era a perspectiva e “motor” da História: o princípio e o fim dos acontecimentos. O currículo de História, dentro desse contexto de constituição do Estado brasileiro, a preocupação com símbolos e a construção dessa identidade nacional fizeram com que a lógica de ensino dos santos católicos, como forjadores da moral civilizatória fosse substituída por um ensino de História preocupado em revelar heróis nacionais; mitos civilizatórios, além de exemplos e biografias de “grandes homens do passado”, em uma clara prerrogativa de instigar a formação de identidade nacional, dessa elite, portanto, de afirmação do Estado brasileiro nascente. Tal perspectiva de ensino de História, fundamentada pela historiografia produzida no IHGB é estimulada pelos concursos de ensaios e dissertações propostas imperador D Pedro II que é o grande mentor intelectual da proposta do Instituto, comparecendo inclusive, pessoalmente as várias dessas reuniões e debates de ideias. O pensamento produzido pelo Instituto de Histórico e Geográfico Brasileiro que muitos dos seus membros eram professores do Colégio D. Pedro II, e que no caso específico do currículo referente à História, a influência de Von Martius na elaboração dos currículos da educação secundários de ensino (DAVID, 2010) 38 Von Martius propõe um ensino de História que segue a uma escrita linear, hierárquica e evolutiva do processo histórico. E em sua obra que funda o mito “civilizatório brasileiro”, o autor traça a genealogia do povo brasileiro, referendando os três principais raças/culturas que participam da constituição da história nacional: portugueses (branco/europeu), os indígenas e o escravo negro africano. Tal mosaico ideológico perpetra nos livros didáticos e perdura alguma ressonância ao longo do tempo a lógica civilização brasileira formada pelo negro e sua cultura, seus costumes, suas virtudes e defeitos de raça; pelo índio romantizado, um típico bom selvagem e até ingênuo que tem no português o seu protetor; e por ultimo o europeu, branco que se destaca no empreendimento colonizador, portanto lhe cabe o papel de liderança e superioridade cultural neste esquema social (DAVID, 2010). Para que se entenda melhor o funcionamento do currículo escolar neste contexto, no Brasil, faz-se necessário ter-se claro que o Colégio Pedro II até a Reforma Capanema, no governo Vargas, era o único modelo curricular de ensino secundário existente no país, além de funcionar como modelo de parâmetro curricular e referência de ensino para outras instituições escolares: de ensino primário e ginasial, espalhadas pelo território nacional, principalmente pela inexistência de um órgão governamental federal específico nesta questão. Desta forma, O colégio Pedro II ficava responsável pela laboração dos programas curriculares e de ensino e até certificação conclusão do ensino secundário, o passaporte para o ensino superior, no país, naquele contexto (MANOEL, 2006; ABUD, 1998). No caso brasileiro, aliás, e talvez em razão de nossa ascendência ibérica, o currículo sempre foi um forte instrumento de controle social. Basta lembrar que durante a Monarquia e mesmo com a República, o currículo escolar desenvolvido no Colégio Pedro II era o instrumento escolhido para que se aplicasse o instituto da equiparação de estudo aos estabelecimentos de ensino estaduais e particulares. (PALMA FILHO, 2006, p.22) Com o fim do Império, surgiu uma nova configuração política e de forças sociais, dois grupos sociais disputam a hegemonia política do Estado: os militares que tinham os seus quadros influenciados pelo positivismo e os barões do café paulista representados pelo Partido Republicano, e uma ideologia liberal. Com vitória política do grupo ligado a Floriano Peixoto e Deodoro da Fonseca à frente do Estado Brasileiro, a influência do pensamento positivista eleva o discurso republicano como discurso oficial. Tal perspectiva, “dos vencedores”, baseia-se em uma mordaz crítica os atrasos da monarquia, denunciada em suas práticas e motivações muitas das vezes discricionárias, simbolizada pelos atos do imperador, bem como do jogo de interesses dos grupos políticos que atrapalham o desenvolvimento do país, que pela lógica positivista deve- 39 se pautar por ideais de disciplina, ordem e racionalidade; neste sentido, bem diferente de como este grupo entendia ser o cenário político e social, na época do império. A construção dos programas curriculares de ensino de História, neste contexto, traz a preocupação com a construção de uma nacionalidade, diferente dos moldes propostos pelo IHGB: sob os aspectos civilizatórios e patrióticos. O produto dessa nova forma de ensino de História, proposto com Proclamação da Republica era a formação de um cidadão patriótico, em um protótipo que separa claramente o laico e o sagrado (DAVID, 2010). Sob forte inspiração e orientação positivista que entendia a História, enquanto um processo teleológico que se pretende chegar a um Estado Positivista, portanto, de bases racionalistas e científicas, o grupo hegemônico no poder entende que o ensino de História tem a importante prerrogativa de lançar o povo brasileiro à moderna civilização ocidental, sob a visão linear, evolutiva, determinista e eurocêntrica da História (DAVID, 2010, p. 144). (...) se atentarmos para as questões postas pelos programas, currículos, materiais de ensino e pelas produções didáticas, a História, enquanto disciplina educativa ocupou, nas suas origens, não só no Estado de São Paulo, mas em todas as escolas secundárias e primárias (oficiais e particulares) que foram sendo implantadas pelo território nacional um lugar específico, que pode ser sintetizado nas representações que procuravam expressar as ideias de nação e de cidadão embasadas na identidade comum de seus variados grupos étnicos e classes sociais constitutivos da nacionalidade brasileira. (NADAI, 1993, P. 149) Observa-se, neste momento, um maior dialogo da História com as outras disciplinas como a Sociologia e a Psicologia, além de uma preocupação com aspectos ligados a técnicas e métodos de ensino, além de uma didática em relação ao ensino de História. Maria Auxiliadora Schmidt entende este processo como “pedagogização” da História. Neste sentido, há uma intrínseca relação entre a metodologia de ensino de História com a metodologia, filosofia da ciência em si, o que acaba por delimitar também os objetivos, as finalidades, bem como a forma como se ensina História (SCHMIDT, 2012, p. 79 e 80). O que podemos concluir desse período? Dessa forma, é plausível crer que a influência da escola metódica e do positivismo, neste contexto, baseou o substrato que formulou as transposições didáticas relativas ao ensino de História com a imposição de aspectos psicológicos e pedagógicos que resultaram em uma perspectiva de um currículo de História: linear, evolutivo, eurocêntrico e com assaz importância ao aspecto polilítico, enquanto processo histórico, talvez, por isso a estratégica preocupação com a construção de uma identidade nacional, no período. 40 1.4 – Breves considerações sobre a consolidação do código disciplinar da História, no Brasil (1931-1971): o que diz o currículo? Após a revolução de 1930, o quadro da educação brasileira se altera e, de maneira sensível, também o ensino de História. Criou-se o Ministério da Educação e da Saúde Pública, tendo à sua frente Francisco Campos que empreendeu uma profunda modificação no sistema educacional do país ao baixar o Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931(DAVID, 2012, 144.). A década de 30, o governo Vargas marcou o fim do federalismo e, por conseguinte, uma nítida de concentração de poder, em esfera federal, de forma a pensar uma estrutura política burocrática que modernizasse o carcomido patrimonialismo institucionalizado no aparelho de Estado brasileiro. A propaganda varguista entoava o cântico da modernização do país, com reformas em seu modelo econômico, jurídico, político e institucional. Neste contexto, a reforma proposta por Francisco Campos se delineia, como um fator de “coesão nacional” e a disciplina de História em seus ditames curriculares se incumbiria de encampar estrategicamente tal prerrogativa, pois buscaria as raízes históricas da nação, além de exercitarem o conceito de cidadania em suas preocupações (Abud, 1993, p. 165). Esse movimento (de construção de uma identidade nacional brasileira) [grifo nosso] consolida-se com a Revolução de 1930, no bojo do movimento de defesa da importância da educação para a formação do cidadão e o desenvolvimento do país. Entre as bandeiras de luta dos educadores brasileiros deste período, estavam a necessidade da difusão da escola, principalmente a escola pública; a formação profissional dos novos mestres e a renovação pedagógica. Este tripé, difusão da escola, formação de professores e renovação pedagógica, em função das demandas nacionais, embasa e estimula a produção e difusão de elementos constitutivos de uma cultura escolar, como os manuais didáticos para alunos e manuais de didática da História destinados à formação renovada de professores. Essas publicações destinadas a professores consolidar-se-ão como documentos importantes para orientação das práticas pedagógicas escolares, de modo geral, e de História, em particular (SCHMIDT, 2012, p, 79). Afinal, por quais razões se explica a consolidação da disciplina de História, neste contexto, na década de 1930, no Brasil? A centralização do poder nas mãos de Vargas e a institucionalização burocrática que normatiza as esferas da vida pública e social dão o tom das instruções de ensino formalizadas por Francisco Campos que indicavam os objetivos e as técnicas de ensino, bem como as ênfases curriculares relativas à disciplina de História. Esta maior presença do Estado revela-se pela implementação tanto da institucionalização de Ministério da Educação e da Saúde Pública que se responsabiliza pela orientação, normatização do sistema educacional brasileiro: com instruções normativas e formulação de um currículo unificado, diferente do que acontecia, até então quando os currículos eram em boa parte elaborados pelos próprios 41 professores do Colégio D. Pedro II; além da obrigatoriedade do ensino de História, instituído por decreto federal, como parte constituinte base curricular nacional. Bittencourt (1998) faz menção a uma consolidação da disciplina de História, na grade curricular das escolas brasileiras, sancionado pelo Estado e que neste contexto uniformiza o sistema de ensino, padronizando-se os métodos e conteúdos. Tais métodos e conteúdos são claramente influenciados pelas obras de John Dewey 3 , que traz uma forte ascendência sobre o pensamento dos escolanovistas, grupo hegemônico que ocupa os cargos institucionalizados pela burocracia de Estado varguista, relativo à educação. O Brasil, durante o governo Vargas experimentou um certo desenvolvimento de sua industria nacional, além dos crescentes índices de urbanização experimentados pelos país, no período. Dessa forma, é crível perceber que tanto o Estado brasileiro como e os Pioneiros (escolanovistas) estavam alinhados a atender o processo crescente de industrialização e urbanização, com uma proposta educacional voltada aos interesses da nação, ou do mercado consumido? (DAVID, 2010, p. 145). Uma empreitada daquele naipe, que se pretendia uniformizadora, para ter êxito demandou acompanhamento direto, o que foi feito com a elaboração de uma série de avaliações, previstas no mesmo decreto, que por via de consequência exigia dos professores o cumprimento do programa à risca. O ensino restringia-se à preparação para as provas, o que comprometia o cumprimento do programa, tendo em vista a extensão do conteúdo e o número insuficiente de aulas atribuídas para cada série. Evidenciava-se a centralização da educação, e o caráter elitista de suas bases; o processo seletivo já se anunciava pelo avultado número de avaliações (DAVID, 2012). Neste contexto, a Reforma Capanema, em 1942 estabelece o ensino de História Geral e História do Brasil, como parte integrante do currículo do ensino ginasial e no curso Colegial, mantendo as orientações de civismo: que tornava obrigatório o ensino que versava sobre as instituições oficiais, grandes eventos políticos, biografias de grandes personalidades, além de um conhecimento enciclopédico com forte teor classicista e humanista, em sua constituição. A lei orgânica do ensino secundário é sancionada neste mesmo contexto, estruturando o ensino secundário por um primeiro ciclo de quatro anos de duração, denominado ginasial, e outro ciclo de três anos, voltado ao ensino clássico ou científico. (MANOEL, 2006). Esta centralidade nos conteúdos específicos da História também foi incorporada pela portaria n. 1.045, de 1951, da reforma da Escola Secundária brasi