DANIELA RAVELLI CABRINI Recovery na saúde mental brasileira: revisão de literatura e reflexões críticas ASSIS 2022 DANIELA RAVELLI CABRINI Recovery na saúde mental brasileira: revisão de literatura e reflexões críticas Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para o Exame Geral de Defesa, como requisito para a obtenção do título de mestre em Psicologia (Área de Conhecimento: Psicologia e Sociedade) Orientador: Prof. Dr. Silvio Yasui Coorientadora: Dra. Ana Carolina Florence Bolsista: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo 130254/2020-7- Modalidade Mestrado GM. ASSIS 2022 Cabrini, Daniela Ravelli C117r Recovery na saúde mental brasileira: revisão de literatura e reflexões críticas / Daniela Ravelli Cabrini. Assis, 2021. 90 p. : il. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis Orientador: Prof. Dr. Silvio Yasui Coorientadora: Dra. Ana Carolina Florence 1. Recovery. 2. Superação. 3. Reestabelecimento. 4. Atenção Psicossocial. 5. Revisão por Scoping. I. Título. CDD 362.2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ana Cláudia Inocente Garcia - CRB 8/6887 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Assis CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Recovery na saúde mental brasileira: revisão de literatura e reflexões críticas AUTORA: DANIELA RAVELLI CABRINI ORIENTADOR: SILVIO YASUI COORIENTADORA: ANA CAROLINA FLORENCE DE BARROS Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em PSICOLOGIA, área: Psicologia e Sociedade pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. SILVIO YASUI (Participaçao Virtual) Departamento de Psicologia Social e Educacional / UNESP/FCL-Assis Prof. Dr. EDUARDO MOURÃO VASCONCELOS (Participaçao Virtual) Escola de Serviço Social / UFRJ/Rio de Janeiro Prof. Dr. SERGIO RESENDE CARVALHO (Participaçao Virtual) Departamento de Saúde Coletiva da FCM / UNICAMP/Campinas Assis, 08 de dezembro de 2021 Faculdade de Ciências e Letras - Câmpus de Assis - Avenida Dom Antonio, 2100, 19806900, Assis - São Paulo www.assis.unesp.br/posgraduacao/psicologia/CNPJ: 48.031.918/0006-39. http://www.assis.unesp.br/posgraduacao/psicologia/CNPJ AGRADECIMENTOS Ao CNPq, uma vez que o presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico– Brasil (CNPQ) – Código de Financiamento 130254/2020-7, durante o período de dois anos (01/02/2020 a 31/01/2022). Em memória de minha mãe, Marilisa, que, desde muito cedo, me ofereceu pistas e recursos para perseguir meus objetivos com afetos, e, como ela mesma dizia, “comer e coçar é só começar”. Às minhas amigas maringaenses – PR, ou, mais carinhosamente dizendo, “mais velhas”, que muito inspiraram minha trajetória como mulher acadêmica. Me apoiaram e incentivaram aonde quer que eu estivesse, ou quisesse perseguir. Lorena, Garça, Caruline, Karina, Melissa, Meline, Ana Flávia, Babi, Ana Eliza. Em especial à Natália Bazargui, minha irmã mais velha, que em nossos encontros italianos e, sempre cotidianos, me impulsionou no campo da Reforma Psiquiátrica, e na vida. Aos meus caros colegas do grupo Conexões- Unicamp, que, pelo período de dois anos (2019- 2020), estiveram instigando meu lado crítico, apontando modos de existência e afirmação da vida, sempre na potência da luta e da festa. Um especial agradecimento para Luana Marçon, Henrique Sahter, Cathana Oliveira, João, Jonathas, Sérgio Resende. À Fabricio Donizete, entre São Paulo e Campinas, de caminhos tão parecidos e invertidos, encontro em você um ombro amigo, subversão literária, e companheiro na prática psi. Obrigada por tanto! Aos meus colegas do IPq-HCFMUSP, que, desde 2020, estamos tecendo um trabalho de complexidade desafiadora! Felipe Szabzon, Lenora Bruhn, Elisangela Miranda, Cristóbal Abarca e Laura Helena, obrigada pela aposta na diferença, na experiência, e no diálogo. E principalmente pelo apoio mútuo semanal. À Carol Assumpção, pelas nossas potentes conversas de cuidado (s), e superação dos emblemas da escrita feminina, pela qual construímos um espaço para habitarmos, para além de Gioconda Belli e Virginia Woolf. À Lenora Bruhn, pelo privilégio de seguir contigo como companheira de pesquisa e amiga. Obrigada pelas conversas constantes e repentinas; pela paciência aos aprendizados e possibilidade de ser aquilo que se é. À Thayná Nardelli, nos cafés onlines me permitiram compartilhar angústias e vivências muito similares. Que sempre me fez rir de mim mesma, nos momentos em que estava levando as coisas a sério demais. Muito obrigada. Aos meus amigos de São Paulo, Luciano, Guilherme, Jefferson, Clara, Vitor, Dedimar e Emília, que hoje fazem parte da minha rotina e têm sido casa. Obrigada pela leveza dos cafés agressivos e cultos para dar conta da ansiedade de Grandes dias, quando tudo era apenas um dia grande. À Vitor Stipp por caminhar lado a lado, pela partilha do sono, pela água no feijão, e desta estrada de fazer o sonho acontecer. À Ana Florence. Mesmo em hemisférios diferentes, sua presença foi não apenas constante, mas estrutural para o desenvolvimento desta pesquisa. Agradeço pela disposição de se colocar, para, então, negociar com os limites necessários ao fluxo de consciência característico de minha escrita. E, principalmente, pelo seu apoio de me distinguir como pesquisadora! Finalizo agradecendo ao meu orientador, Silvio Yasui, sem o qual nada disso estaria acontecendo, muito menos as “networks” de minha trajetória. O Sílvio tem esse efeito de dar asas aos sonhos e fazer imaginar um mundo de possibilidades que antes ainda não existiam. Ser sua orientanda restaurou minha confiança na relação de aluno (a) /professor (a). Obrigada pela presença em todo o processo, por me escutar, me orientar e oferecer os melhores “pitacos”. Agradeço também a aposta em um tema tão desafiador para meu encargo, e por ampliar meus horizontes sobre a pesquisa internacional. Levo comigo memórias das viagens rotineiras para Campinas e para Nova Iorque. Aguardo por aquelas que ainda vêm pelo caminho que continuamos e pelas novas histórias que iremos contar. Breu Eu de pele alva Tua pele breu Noite. Quando a vida não anda bem É: “ a coisa tá preta” Dizes que ouvistes “ Ele é um negro de alma branca” Há alma na cor? Tu noite Os lábios grossos de estrela Corres com a força Dos cavalos que voam Não sei se brancos ou se negros Meus olhos de espírito não conseguem saber Se há o mais forte O mais inteligente O mais negligente Só sei que minha alvura Não consegue livrar-se Dos grilhões que te prendem Ao teu preconceito. Penso, logo te amo. 1988 Nilo Sergio Fernandes. (Usuário de saúde mental brasileiro e ativista da Luta Antimanicomial) Esse trabalho é dedicado a todas as pessoas com problemas de saúde mental que trabalharam no passado para que suas vozes fossem escutadas, e ainda lutam para serem tratadas como sujeitos. RESUMO Este estudo teve como objetivo apresentar o conceito de Recovery na literatura científica brasileira e analisar suas aplicações no campo da Atenção Psicossocial brasileira. O termo Recovery se desenvolve a partir de seu contexto histórico anglo-saxônico, despertando dubiedades ao alcance de uma tradução que incorpore sua complexidade. As discussões sobre essa temática ainda são incipientes no campo da saúde mental brasileira e seu aprofundamento se revela enquanto uma perspectiva interessante para a Atenção Psicossocial, já que ambas refletem em uma rede de cuidado à saúde mental fundamentada por princípios semelhantes. Inspirado pela metodologia de revisão por Scoping, este estudo possibilitou (1) selecionar as produções bibliográficas que circunscrevem a literatura nacional disponível; (2) apontar lacunas e ramos na temática do Recovery que carecem de ser aprimorados; (3) efetuar uma análise crítica e propor articulações com o cenário brasileiro de saúde mental. Os resultados desta revisão por Scoping demonstraram que este campo científico ainda carece de definições, categorias e consensos de linguagem para avançar o conhecimento. Uma das principais características das pesquisas em Recovery na saúde mental brasileira procura envolver a perspectiva de usuários de saúde mental e familiares na produção do conhecimento científico, com destaque para desenhos participativos e avaliativos. Esta pesquisa se posiciona criticamente quanto à formulação das pesquisas participativas, e aponta para o desenvolvimento de múltiplas evidências científicas no paradigma da saúde mental brasileira. Palavras-chave: Recovery na Saúde Mental; Reabilitação Psiquiátrica; Literatura de Revisão como Tópico; Brasil. ABSTRACT This study aimed to present the concept of Recovery in the Brazilian scientific literature and analyze its applications in the field of Brazilian Psychosocial Care. The term Recovery is developed from its Anglo-Saxon historical context, awakening doubts within the reach of a translation that incorporates its complexity. Discussions on this topic are still incipient in the field of Brazilian mental health and its deepening reveals itself as an interesting perspective for Psychosocial Care, as both reflect on a mental health care network based on similar principles. Inspired by Scoping's review methodology, this study made it possible to (1) select which bibliographic productions circumscribe the national literature available; (2) point out gaps and which branches in the subject of Recovery need to be improved; (3) carry out a critical analysis and propose articulations with the Brazilian mental health scenario. The results of this Scoping review demonstrated that this scientific field still lacks definitions, categories and language consensus to advance knowledge. One of the main characteristics of research in Recovery in Brazilian mental health seeks to involve the perspective of mental health users and their families in the production of scientific knowledge, with emphasis on participatory and evaluative designs. This research takes a critical stance on the formulation of participatory research, and points to the development of multiple scientific evidence in the Brazilian mental health paradigm. Keywords: Mental Health Recovery; Psychiatric Rehabilitation; Review Literature as Topic; Brazil ABSTRACTO Este estudio tuvo como objetivo presentar el concepto de Recuperación en la literatura científica brasileña y analizar sus aplicaciones en el campo de la Atención Psicosocial en Brasil. El término Recuperación se desarrolla a partir de su contexto histórico anglosajón, despertando dudas al alcance de una traducción que incorpora su complejidad. Las discusiones sobre este tema son aún incipientes en el campo de la salud mental brasileña y su profundización se revela como una perspectiva interesante para la Atención Psicosocial, ya que ambos reflexionan sobre una red de atención en salud mental basada en principios similares. Inspirado en la metodología de revisión de Scoping, este estudio permitió (1) seleccionar qué producciones bibliográficas circunscriben la literatura nacional disponible; (2) señalar las brechas y qué ramas en el tema de Recuperación necesitan ser mejoradas; (3) realizar un análisis crítico y proponer articulaciones con el escenario brasileño de salud mental. Los resultados de esta revisión de Scoping mostraron que este campo científico aún carece de definiciones, categorías y consenso de lenguaje para avanzar en el conocimiento. Una de las principales características de la investigación en Recuperación en salud mental brasileña busca involucrar la perspectiva de los usuarios de salud mental y sus familias en la producción de conocimiento científico, con énfasis en diseños participativos y evaluativos. Esta investigación toma una postura crítica sobre la formulación de la investigación participativa y apunta al desarrollo de múltiples evidencias científicas en el paradigma brasileño de salud mental. Palabras llave: Recuperación en Salud Mental; Rehabilitación Psiquiátrica; Revisar la literatura como tema; Brasil. LISTA DE FIGURAS Figura 1: estratégia de pesquisa I ............................................................................................ 36 Figura 2: estratégia de pesquisa II ........................................................................................... 38 Figura 3: Critérios de Exclusão ............................................................................................... 39 Figura 4: Quantidade dos estudos selecionados. ..................................................................... 39 Figura 5: Tabela dos estudos selecionados quanto às Autoras (es), Ano, Instituição Proponente ................................................................................................................................ 46 Figura 6: Distribuição dos estudos por Instituições proponentes por região. ......................... 47 Figura 7: Contagem dos anos de publicação dos estudos selecionados. ................................. 48 Figura 8: Estudos selecionados quanto à Metodologia (s), Grupo Populacional, Palavras- chave. ........................................................................................................................................ 55 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 INTRODUÇÃO 15 Movimento Recovery e Mad Pride 16 Política do Recovery 20 OBJETIVOS 31 Geral 31 Específicos 31 MÉTODO 32 ESTRATÉGIA DE BUSCA 35 Estágio 1: identificar a questão da pesquisa 35 Estágio 2: identificar estudos relevantes 35 Estágio 4: “Charting” ou mapeamento 41 Estágio 5: Coletar, sintetizar e reportar os resultados obtidos 41 RESULTADOS 42 Eixo I- Análise quantitativa-descritiva 42 Eixo II- Análise qualitativa- descritiva 49 Eixo III: Análise qualitativa. 57 DISCUSSÃO 61 Metodologias Participativas no Campo da Saúde Mental Brasileira 63 Desafios para revisões sistemáticas para literatura cinzenta 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS 66 Outras formas de pensar a produção de evidências 66 Repensando pesquisas participativas na saúde mental no Brasil 69 REFERÊNCIAS 72 9 APRESENTAÇÃO Loucura, embora tem lá o seu método (SHAKESPEARE, 1879). Este texto pretende me ajudar a colocar em questão os caminhos que a palavra fecunda, inscrita na minha história, deixou vir à tona um campo infinito de possibilidades. Da necessidade de conversar comigo mesma, escrevo para quem se lê, um ritmo de como minhas ideias e movimentos constituíram meu corpo discursivo acadêmico. A fim de que o leitor encontre um ponto de congruência entre a subjetividade, ontogênese e a própria ciência. O ano de 2012 marca o início da minha jornada com a Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), espaço institucional onde me graduei. Minha formação em saúde mental, entretanto, veio literalmente das ruas, as minhas universidades. “Samba não se aprende na escola”, dizia um professor todo início de aula. Ainda escuto o barulho do giz e suas reticências… eu queria compreender a experiência da cura nas piores adversidades. Minha curiosidade me levava a escutar para além das quatro paredes da instituição, na interface entre o mundo, a vida cafetina e a possibilidade de invenção. Esse espírito leigo me levou a perambular entre os Hospitais Psiquiátricos e praças públicas. Sujei-me com o teatro na Rua, os poemas nos saraus, as feiras ao ar livre, o palco aberto para quem quisesse se expressar. Eu sentia que não precisava ir muito distante para ter um consultório sem fronteiras, quando me lancei para a luta antimanicomial. Para tanto, as coisas de menor importância são material de poesia: um ouvido atento, um corpo que se joga para a construção conjunta da experiência Do Sul do Brasil, entre o Rio de Janeiro em Engenho de Dentro e até na Itália nas bordas de Trieste, entrei em contato com histórias não contadas e muito menos escutadas. A ideia de cura veio na busca de desamarrar as vozes, no desabrochar dos sonhos. Na crença que trajetórias, embora interrompidas, ainda tinham possibilidades de na morte, nascer e serem, então, recriadas. Eu encontro, na vontade de revelar algo potente, o exato centro da morte horrorosa, a vida que desossa na cara. Os discursos à deriva escorrem no meu corpo como se fosse sangue. A escrita se faz uma memória viva que une os poros, penso eu, e que a narradora os tem povoados por todos esses rostos. Uma realidade possível habita dentro do delírio e as evidências nascem de nossa fidelidade às nossas dúvidas e fragilidades. Tal contradição é o pulmão da minha prática de 10 cuidado em saúde mental; entre o diagnóstico e a terapêutica, os afetos se desenrolam como uma das doenças mais contagiosas. Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia. Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido, mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo (GALEANO, 1995, p. 66). Concluo o curso de graduação em Psicologia (UEM), entre o assassinato de Marielle Franco, e a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência. Neste cenário caótico de 2018, processo seletivo para o mestrado na UNESP, no campus de Assis, foi o ensejo para retomar uma temática que há muito tempo queria me debruçar. Minhas experiências curriculares no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi) produziram (im)possibilidades que me levaram à pesquisa em saúde mental. Eu derivo de uma geração de trabalhadores da saúde mental após trinta anos da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o que ressalta minhas ingenuidades e curiosidades de uma jovem terapeuta; no entanto, também emerge um olhar atento para os diferentes problemas de nossas “soluções”, e me deslocaram para questionar muitas das contradições existentes na condição atual da clínica da Atenção Psicossocial. Percebo que, o espaço prometido para o engajamento dos usuários de saúde mental retém pouca vitalidade e a figura do profissional de saúde se expande com maior legitimação. Será que temos urgência de uma Reforma da própria Reforma? Quais lógicas, discursos, subjetividades e condutas atravessam e escapam por todos os lados dessas fronteiras manicomiais? Apresento-me ao Prof. Dr. Silvio Yasui com muito mais perguntas do que respostas, com o intuito de pensar a Reforma Psiquiátrica por um olhar diferente, pela narrativa dos usuários de saúde mental. Eu tinha o interesse de colocar na caneta quais tipos de histórias seriam contadas partindo da perspectiva de quem vivencia as crises diárias de saúde mental. Lima Barreto, Sylvia Plath, Alda Merini foram sujeitos revolucionários da experiência de loucura ao contar suas histórias, abrindo espaço para narrativas invisibilizadas. Quais narrativas estão ocultas na própria trajetória da luta antimanicomial brasileira? Talvez o ponto mais fundamental para o encontro de minha pergunta de pesquisa seja a busca de jogos de referências e metodologias que potencializem narrativas que foram sulcadas por forças políticas dominantes. A meu ver, a pesquisa em saúde mental é um dispositivo que promove o encontro entre a academia e as práticas de cuidado informal de quem vive profundas 11 crises psíquicas. Deste modo, ela precisa ser reinventada a todo momento para tencionar as verdades, os saberes científicos e as crenças naturalizadas, que muitas vezes interditam e colonizam a própria voz dos sujeitos que experienciam o sofrimento psíquico. Pensar nos usuários de saúde mental e seus protagonistas é reconhecer um campo de disputas de narrativas em relação às histórias normativas e identidades categóricas (SCOTT, 1998). É compreender como os processos discursivos operam sobre o que se entende de uma determinada realidade. É recusar a dicotomia entre experiência e linguagem, na medida em que o acontecimento discursivo ecoa em uma nova ordem de significados; em que os sujeitos são agentes de seus discursos, e não vítimas epistêmicas. A inclusão de subjetividades subalternizadas no próprio ato discursivo científico deve ser uma constante, a fim de desenvolver uma base de conhecimento que desequilibre a narrativa do(a) pesquisador(a) em dominância. Deste modo, a pesquisa em saúde mental se constrói no constante exercício de (re)pensar o papel do(a) acadêmico-clínico. Parafraseando Spivak (2003), na habitual certeza de que é um campo muito problemático. Ano 2019. Jair Bolsonaro assume a presidência do Brasil. Com a bandeira do país nas mãos, ele afirma em rede nacional que nossa nação jamais será vermelha. Início do mestrado na UNESP, no campus de Assis. A partir dessas reflexões ético-políticas de se fazer e pensar a clínica em saúde mental, me envolvo com a temática do Recovery em saúde mental. Ela se desmembra em dois caminhos durante o processo do mestrado, que ora são consonantes entre si, construindo um ritmo em comum; ora suas contrariedades evidenciam as dissonâncias de tais linhas de pensamento, desorganizando o próprio tema de pesquisa, porém dando passagem para novos sentidos. Esse material é a tentativa de fazer uma unidade para toda esta produção por meio da qual eu persegui o meu tema de mestrado e seus predicados, fazendo casa nas gramáticas da Atenção Psicossocial (UNESP-FCL), Saúde Coletiva (Unicamp), Epidemiologia Psiquiatrica (IPQ- USP). O Recovery é uma repercussão do movimento dos usuários de saúde mental, que no compartilhamento de suas vivências com o sofrimento psíquico puderam não apenas reivindicar, mas formular um novo atendimento à saúde mental. As narrativas dos usuários de saúde mental tiveram grandes reverberações, pois, abriram passagem para um discurso liberatório proveniente de um movimento social específico (mov recovery/ pacientes mentais/ sobreviventes da psiquiatria) para a formulação e estabelecimento de uma política de saúde 12 mental. Os caminhos históricos do Recovery são interessantes no que se refere à dominância dos usuários de saúde mental em todo processo, diferindo da trajetória da Reforma Psiquiátrica brasileira, cuja liderança foi dos profissionais de saúde. A minha investigação exploratória sobre o Recovery circunscreve-se no feixe entre da discussão internacional de saúde mental, na busca de estabelecer um diálogo adequado para o contexto cultural e social brasileiro. Por um lado, estava claro que as estratégias oriundas do Recovery eram proeminentes para o cenário alarmante brasileiro de desmonte das políticas públicas e cronificação da Atenção Psicossocial após anos de sua implementação. Ambas as abordagens convergiam na visão da produção de cuidado, autonomia e inclusão social dos usuários de saúde mental, cada uma com suas particularidades. Nesse sentido, eu procurava compreender como o Brasil estava interpretando e introduzindo o Recovery para o campo da saúde mental e, principalmente, se a solução de tal abordagem anglo-saxônica responderia às demandas brasileiras. Por outro lado, a transposição de uma forma generalizada do Recovery apresentava riscos e desafios que precisavam ser levados em conta. A noção de autonomia e independência do contexto anglo-saxônico e latino apresentam diferenças históricas notáveis, e quando se tornam princípios profissionalizados da política de saúde mental, é crucial que seus contrastes sejam explicitados, antes de introduzidos, pois terão um impacto direto na prática de cuidado à saúde mental. Até o momento, eu não tinha uma visão muito clara da reverberação do Recovery, mas era evidente seu fortalecimento e articulação com a luta antimanicomial. Esta linha de pensamento ficou mais clara quando participei do congresso “ISPS-US 18th Annual Meeting, Psychosis, Citizenship, and Belonging: Forging Pathways toward Inclusion and Healing”, em 2019, totalmente conduzido por usuários de saúde mental dos Estados Unidos. Havia uma discussão constante, que era ainda nova para mim, sobre a mistura entre os papéis do “clínico e usuário”. Eles alegavam que, muitas vezes, isso ficava difuso, pois um especialista em saúde mental também era uma pessoa que estava sujeita a vivências profundas de sofrimento psíquico. Nesse momento, eu conheci especialistas em saúde mental (psicólogos, terapeutas, psiquiatras) que também se denominavam psychiatric survivors (sobreviventes da psiquiatria) e, portanto, tinham dois saberes que se interconectam: o da experiência e o acadêmico-clínico. A tensão residia no ponto de qual narrativa efetuava maior poder no que se refere a tomada de decisões 13 sobre a saúde mental, ou, melhor dizendo, qual papel, em uma mesma persona, dava a “carteirada final”. No mesmo ano (2019), eu frequentei o Encontro Nacional da Luta Antimanicomial do Brasil, em São Paulo, um evento que deveria ter em grande parte usuários de saúde mental. Não sei se fiquei muito afetada pela minha experiência com o Recovery (provavelmente sim), mas os usuários participavam de uma forma muito diferente. As mesas eram totalmente dirigidas pelos profissionais, sendo que o papel que os usuários exerciam era mínimo e, quando tinham um destaque, era uma função de “secretariado”. Alguns questionamentos me orientaram naquele momento: mesmo com as diferenças sociais e educacionais, não haveriam outras formas de realizar um evento feito “por eles e para eles”? Será que suas experiências, muito legitimadas pelo saber popular, não poderiam compor mesas acadêmicas? Tais pessoas, estavam minimamente desorganizadas mentalmente, e tinham pleno domínio de compor um Congresso feito para elas. De fato, as falas dos(as) profissionais(as) haviam sido muito intrigantes e políticas, mas mantinham a circulação de saberes do Congresso na mesma redoma acadêmica. Encontro aqui, o particípio de contemplar a tensa mistura: o usuário que também é especialista ou o especialista que também é usuário; insistimos no monólogo que mantém uma visão dicotômica sobre a razão e a loucura, sendo que uma mesma pessoa pode transitar entre esses dois saberes. Seria o diálogo um substantivo utópico? Achego-me aos estudos sobre Governamentalidade e Biopolítica, em especial de Nikolas Rose, mediante disciplina ministrada pelo Prof. Dr. Sérgio Resende (FCM/Unicamp), que contou com uma gama de especialistas sobre a saúde mental para discutir o livro “Our Psychiatric Future”. Eu uso a palavra “achegar”, quase em seu sentido figurado de “aconchegar-se” ou até “ser acolhida”, pois foi exatamente isso que o Coletivo Conexões fez com minha chegada na cidade de Campinas (SP). Essa vasta discussão circunscreve uma questão epistemológica que desloca os problemas de saúde mental do cérebro, e a insere em outras questões reformuladas no campo de aleatoriedade da vida (ROSE, N. 2019). Nesse ponto, construir um conhecimento em torno do saber, (experts by experience) torna-se uma forma de evidência? A linguagem científica é um dispositivo de disputa de poderes, na qual o conhecimento de quem vive a experiência de adoecimento psíquico é radicalmente inferiorizada. Contaminada pela literatura de Diane Rose, encontro um potencial analítico e crítico fundamental para discutir o desafio ético no ato de 14 envolver usuários nas pesquisas brasileiras de saúde mental. Em recente conversa com a autora (set/2021), ela aponta os obstáculos de sua identidade enquanto acadêmica e sobrevivente da psiquiatria, questionando: A saúde mental é uma questão de saúde ou de vida? Percebo, nesta trajetória com a produção de conhecimento tradicional-acadêmico à respeito da saúde mental e seus sujeitos, circunscrevendo no âmbito internacional, e principalmente convivendo na/ escrevendo sobre as particularidades do cenário brasileiro, que a afirmação da vida se dá na encruzilhada e em campos de disputas. Cabe ao pesquisador(a) a posição ético- crítica com suas práticas científicas, que convida a interrogar o campo de poder que constituem a ciência. Com o intuito de desvelar a relação dos sistema de verdades e valores enraizada entre os corpos e a linguagem, que codificam e modelam a vida dos atores envolvidos nos jogos de conhecimento. Contruindo perspectivas parciais que apontem para redes de conexões menos influenciadas por eixos de dominação, para que entaõ, possa suscitar a potência da alteridade, o desvio da norma, e outras possiveis existências e modos de vida (HARAWAY, 1995). Espero que esse texto tenha servido para promover uma compreensão acerca do meu objeto de pesquisa, e de como que eu mesma componho esse próprio objeto. Revelo meu particularismo, enquanto um sujeito epistêmico finito, que questiona o sentido totalizante da ciência objetiva. Demonstro aqui, um manuscrito que trilhou o seu próprio caminho do que poderia ser versado a respeito do Recovery no Brasil. Procurei demonstrar meu percurso de investigação, suas heterogeneidades, singularidades, obstáculos e fronteiras. Ainda com suas incongruências e notável escassez de meu objeto de trabalho, me apoio no paradoxo de que a conclusão é uma construção coletiva. 15 INTRODUÇÃO A abordagem Recovery surge na efervescência do debate internacional técnico- científico sobre a saúde mental, envolvendo diversas áreas de conhecimento no planejamento e formulação de políticas públicas. Amparado no modelo de Reabilitação em conjunto com o Sistema de Suporte Comunitário (CSS) em 1980, o termo Recovery surge nos anos 1990, no terreno norte-americano, para o debate científico internacional, ampliando inúmeros significados e noções sobre os impactos do sofrimento psíquico severo (WILLIAM, 1993; WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO), 2013). Recovery é um conceito multidimensional, que procura construir outros discursos e práticas em relação ao modelo biomédico sobre o sofrimento psíquico (TOPOR et al., 2018) O paradigma do Recovery percorre dois caminhos diferentes para sua consolidação enquanto uma abordagem de saúde mental em países de língua inglesa. A primeira, denominada clinical recovery, tem sua emergência na literatura científica, e tem enquanto objetivo último a redução do quadro sintomático e manejo de crise das pessoas com diagnósticos psiquiátricos, o que se contrapõe com a visão debilitante e crônica, como denominam os estudos deste campo teórico, “doença mental” (WILLIAM, 1993; SLADE, 2008; HARDING et al., 1986). A segunda se insere na crescente visibilidade de narrativas de pessoas que experienciaram o sofrimento psíquico e utilizaram em algum momento os serviços de saúde mental, e nas conquistas, impactos e esforços do movimento de consumidores/clientes/sobreviventes da psiquiatria. Neste caso, o termo Recovery incorpora um sentido e ethos “pessoal” (Personal Recovery), que modifica a noção de “cura”, muito utilizada nas práticas e intervenções psi, não necessariamente buscando a ausência de sintomas, mas enriquecendo outros aspectos para pensar a melhora da qualidade de vida de pessoas em sofrimento psíquico (DEEGAN, 1998; WILLIAM, 1993). A complexidade deste processo consiste na diversidade de tipos de evidências que compõem os estágios de Recovery, e que conta com um conjunto de técnicas e instrumentos para a execução de seus princípios para que o usuário de saúde mental se torne um agente ativo de sua própria experiência de Recovery. Para introduzir a temática, apresento neste estudo a dimensão pessoal do Recovery (Personal recovery) com seus princípios éticos, até a formulação de sua forma profissionalizada (Recovery oriented-services), e subsequente de uma breve articulação do 16 conceito do Recovery no campo científico da saúde mental brasileira, e suas possíveis aproximações com a práxis da Atenção Psicossocial. O presente trabalho retoma o percurso histórico e social do Recovery (Recovery movement e mad pride) no contexto dos países de língua inglesa até a sua consolidação enquanto uma política de saúde. Para narrar este cenário, eu sublinho o envolvimento de pessoas com sofrimento mental em três campos, a saber, (1) no movimento político, princípios éticos e na formulação de umas práxis em saúde mental (2) nos discursos e práticas de empoderamento que constituem as diretrizes dos serviços de saúde (3) e na produção do conhecimento alternativa sobre a saúde mental, orientada e realizada por usuários/consumidores/clientes/sobreviventes da psiquiatria. Movimento Recovery e Mad Pride O conceito Recovery surgiu do movimento de consumidores/sobreviventes/clientes da saúde mental na década de 1970 nos Estados Unidos (WILLIAM, 1993). Estas pessoas, também chamadas de ex-pacientes, ex-internos, mad people, mental patients ou usuários de serviços, são indivíduos que receberam cuidados de saúde mental no passado e, a partir de experiências frequentemente negativas, se organizaram para mudar os serviços e sistemas de saúde mental existentes no país à época. Organizações de consumidores/sobreviventes/clientes da Saúde Mental gradualmente ganharam lugar nas mesas de negociações das políticas públicas de Saúde Mental, exigindo o acesso a grupos de suporte nas comunidades e voz política nos processos decisórios (DAVIDSON et al., 2010; 2016). Os termos empregados para se referir a pessoas pertencentes a pessoas minoritárias, e muitas vezes marginalizadas, não são neutros, mas elaborados por um certo grupo e seu conjunto de práticas-discursivas e ético-políticas. Nomenclaturas apresentadas neste texto para se referir a pessoas identificadas com deficiências psicossociais, são contingentes com o contexto de cada país e seu campo histórico de luta e conquistas - consumidores/sobreviventes/clientes/ex-pacientes/usuários (VASCONCELOS, 2013; 2017a; 2017b; 2021; WEINGARTEN, 2001). Pretendo aqui narrar o contexto no qual, na busca por contrapor o modelo biomédico sobre a doença mental, um grupo de pessoas submetidas ao poder da psiquiatria formulam um conjunto de estratégias políticas para (re) definirem vocabulários e sintaxes que melhor capturem a experiência vivida de sofrimento mental e social. Uma série de coletivos de ex-pacientes que foram criados nos países de língua inglesa passaram a denunciar tais práticas, a renunciar o lugar de vitimização como “doentes mentais” 17 e a desenvolver alternativas de resistência ao modelo psiquiátrico tradicional associado à conquista de seus direitos cívicos. No Reino Unido, a União Escocesa de Pacientes Mentais foi formada em julho de 1971, e a União de Pacientes Mentais (MPU), que surgiu de encontros de grupo no Paddington Day Hospital, foi formada em março de 1973. A Frente de Libertação dos Pacientes Mentais foi fundada em 1971 (ROSE, N., 2019; WEINGARTEN, 2001). O movimento político pela luta pelos direitos sociais dos sobreviventes da psiquiatria e dos ex-pacientes nos países anglo-saxônicos, ganha força e é influenciado pela efervescência do ativismo que permeava a década de 1960. Como o pensamento da antipsiquiatria, também o movimento feminista, a luta dos portadores de deficiência, a emergência do movimento queer, dentre outros, foram grupos subalternizados que tiveram seus direitos humanos básicos negligenciados (ROSE, N, 2019). O termo “usuário”, embora muito utilizado no contexto da saúde mental brasileira situado no Sistema Universal de Saúde (SUS) e no campo dos direitos e participação social, não possui a mesma conotação no cenário norte-americano e nos países de língua inglesa. O termo “ex-paciente e sobrevivente” é empregado para indicar as situações dos serviços tradicionais de internação hospitalocêntrica, e, ainda que tenha conotações vitimizadoras, é incorporado por grupos que se identificam com a luta de denúncias contra as opressões vivenciadas pela dominação psiquiátrica (VASCONCELOS, 2013; 2017a; 2017b; 2021; WEINGARTEN, 2001). A expressão “consumidor e cliente” tem maior destaque no cenário anglo-saxônico, terreno fértil para a luta de pautas identitárias no campo de direitos de consumo. Pela perspectiva consumerista, os sujeitos buscam na sua participação no debate público um tipo de cidadania financeira. A racionalidade neoliberal celebra atributos como a autonomia, diversidade e livre escolha, que operam e modelam a ação dos indivíduos, que, agora, são transformados em consumidores (ROSE, N., 2019; VASCONCELOS, 2021; DEAN, 2019). Na seção da introdução serão utilizadas diferentes terminologias para narrar as histórias de grupos específicos e seus contextos sociais e culturais. No decorrer da pesquisa, escolhi adotar terminologias como usuários de saúde mental e pessoas com deficiências psicossociais, pois articulam com a realidade do Sistema Único de Saúde no Brasil, o modelo de Reabilitação Psicossocial da América Latina, e implica no projeto ético-político da luta pelo protagonismo participação/cidadania social (VASCONCELOS, 2017a; 2021). 18 Judi Chamberlin foi ativista norte-americana e notável representante do movimento de sobreviventes psiquiátricos. Seu ativismo político seguiu seu confinamento involuntário em uma instituição psiquiátrica na década de 1960, onde publicou um manifesto fundante ao movimento do Orgulho Louco (Mad pride). No seu livro On Our Own: Patient-Controlled Alternatives to the Mental Health System (1988), ela realiza denúncias às opressões vivenciadas enquanto paciente psiquiátrica e propõe uma alternativa de modelo à saúde mental totalmente dirigido pelos pacientes mentais (ROSE, N., 2019, p. 155). Deste modo, o movimento passou por uma fase radical nos anos 1970, organizada por s/c/s da psiquiatria, que realizaram conferências nacionais denominadas Conferência de Direitos Humanos e Opressão Psiquiátrica (WEINGARTEN, 2001). A transformação sucedeu com o impacto do compartilhamento de relatos pessoais para a esfera coletiva, situando histórias individuais em seu contexto político-cultural, assim, as trajetórias de sofrimento agora tinham uma implicação política na realidade e identidade do grupo de sobreviventes da psiquiatria (WEINGARTEN, 2001). Logo depois, uma assembleia foi realizada nos dias 18 e 20 de setembro de 1986, a chamada "Survivors Speak Out". O evento envolveu ativistas mais radicais que elaboraram uma carta de necessidades, demandas e direitos com o principal foco na autoridade e legitimação da experiência dos sobreviventes da psiquiatria, na ampliação das pautas de direito, proteção e cidadania (ROSE, N., 2019). A pauta de Chamberlin na saúde mental “Por nossa Conta” propõe que a mudança para modelos de parceria com pacientes mentais - ela utiliza esse termo pois escreveu durante o processo de desisntitucionalização - não transforma as relações de poder da psiquiatria e as narrativas que estavam sob domínio, concluindo a insuficiência destas reorganizações institucionais nos serviços de saúde, e reivindicando outro tipo de mudança. O movimento de saúde mental ganha uma forma radical em termos de demanda, na qual se difere do movimento de outros países, quando a pauta do movimento das pessoas portadoras de deficiência “Nada sobre nós sem nós”, de James Chalton, ressoa na luta da saúde mental para a esfera dos direitos e formulação de políticas públicas. Apresentando outras estratégias no enfrentamento da questão do poder de práticas paternalistas que mantém as pessoas em dependência (ROSE, N., 2019; VASCONCELOS, 2017a; 2017b; 2021). Assim, o grupo de ex-pacientes não apenas produziu uma linguagem diferente sobre a psiquiatria, mas apresentou um tipo de ação política constante e estruturada para desafiar o monopólio dos profissionais e práticas psi sobre a loucura, considerando a luta pelos direitos 19 civis. Uma das fortes conquistas do movimento foi o espaço e autoridade para o envolvimento de c/s/c da psiquiatria nos serviços de saúde mental. Apresentado propostas desde os primórdios de estabelecimento das políticas de saúde mental, a partir deste momento os c/s/c da psiquiatria naõ eram apenas colaboradores, mas obtinham um papel ativo nos seus serviços de tratamento (WEINGARTEN, 2001). É interessante notar que os movimentos anglo-saxônicos dos c/s/c da psiquiatria destacam, e, principalmente, tornam possível o protagonismo da narrativa em primeira pessoa de quem experiência o sofrimento mental. Isso difere dos movimentos da Reforma Psiquiátrica em diversos países latinos nos quais, embora se tenha atentado para a experiência de pacientes psiquiátricos, como o fez Basaglia e os reformadores na Itália, Nise da Silveira, Osório de Cesar, e o movimento brasileiro da desinstitucionalização, os escritos e a forma de conhecimento produzida ainda são predominantemente realizados e interpretados por especialistas (ROSE, N., 2019; CARVALHO et al., 2020). Há um esforço na comunidade de sobreviventes/consumidores/clientes da psiquiatria para a mudança da etimologia das palavras, de seus usos e terminologias finais, pois “a constituição da loucura como uma doença mental empurra para o esquecimento todas aquelas palavras imperfeitas gaguejadas sem sintaxe fixa na qual a troca entre a loucura e a razão foi feita” (FOUCAULT, 1967, p. 154). Para romper com o monólogo da razão sobre a loucura, mantida pelo seu silêncio, a voz e os escritos deste grupo, pela dignidade de poder falar por si mesmo (s), tecem um diálogo entre diferentes saberes e apontam para a tomada de decisões pautadas em suas vivências e não apenas na interpretação de especialistas. Deste modo, o movimento dos c/s/c da psiquiatria define novas terminologias que apontam para uma transformação na concepção sobre o sofrimento mental e gramáticas mais adequadas com seus modos de vida e experiências. O termo “doença” possui diferentes implicações no cenário de língua inglesa como explica Weigarten (2001): “disease”, que tem a apropriação de uma tensão somática, ou também “illness” que aponta para uma dimensão psicológica. Já os vocábulos “distress” e “crisis” apresentam estados temporários, e têm sido utilizados na literatura de abordagens colaborativas (ROSE, N., 2019; WEINGARTEN, 2001). No Brasil, o termo doença mental é totalmente abolido pelo movimento da Reforma Psiquiátrica, e foi substituído por sofrimento psíquico, uma concepção menos biomédica e estigmatizante (AMARANTE, 1998). Porém, segundo Vasconcelos (2021) ainda remete à perspectiva individualista das elites ocidentais. Para tanto, este estudo procura adotar o termo 20 sofrimento mental porque faz menção a classes populares e, a sua esfera política de participação social, tradicionalmente empregada pela literatura da antropologia social (VASCONCELOS, 2021). Política do Recovery Nos anos 1990, uma nova definição de Recovery emerge como um processo único e pessoal de produção de uma vida com sentido, satisfação, esperança e generosidade dentro dos limites impostos pelo adoecimento. Esta definição do Recovery encontrou ressonância no campo científico com a publicação de estudos longitudinais de desfecho na esquizofrenia, que indicavam que mais de 60% das pessoas diagnosticadas com este transtorno apresentavam melhoras significativas ao longo do tempo (HARDING et al., 1986; WILLIAM, 1993). Os estudos de desfecho publicados na década de 1980 colocaram em questão a natureza crônica e degenerativa da esquizofrenia. Harding et al. (1986) apontaram para outra conotação sobre condições consideradas até então crônicas, contrariando a visão de que a esquizofrenia leva o indivíduo progressivamente a uma incapacidade nas relações, gerando um sofrimento para toda a vida. O conjunto de evidências científicas que sucedeu os estudos longitudinais de Vermont representou uma abertura no campo da Saúde Mental e a promoção do Recovery, enquanto uma perspectiva eficaz, ganhou força. Em consequência dessas articulações teórico-práticas e da organização da sociedade civil, a noção de Recovery foi subsidiada por documentos de políticas federais, tais como US Surgeon General’s report (1999) e US New Freedom Comission report (2003), legitimando a promoção desta abordagem nacionalmente nos serviços de Saúde Mental (DAVIDSON et al., 2010; 2016). Consolidando os esforços deste movimento, políticas públicas foram delineadas para acomodar as reivindicações de que os sistemas de Saúde Mental deveriam considerar os seguintes princípios: o processo de recuperação está ligado à esperança; deve ser guiado pela própria pessoa; pode ocorrer por diversos caminhos; é holístico; deve contar com o apoio de pares e aliados; tem base social e comunitária; leva em conta a cultura; reconhece o lugar do trauma; envolve responsabilidades individuais, familiares e sociais, e, por fim, tem como base o respeito (DAVIDSON et al., 2016). Esses princípios sugerem que as pessoas em sofrimento psíquico, suas famílias e sua comunidade são peças centrais no seu processo de Recovery, de acordo com o qual 21 [...] cada parte, incluindo uma comunidade mais ampla, possui pontos fortes e recursos que podem ser identificados e construídos no processo de Recovery, que podem evoluir de muitas maneiras diferentes para pessoas diferentes. As pessoas são apoiadas em seu Recovery quando são respeitadas e tratadas com dignidade como seres humanos completos, que são mais do que apenas seu diagnóstico ou doença; quando lhes é oferecida esperança; e quando sua identidade cultural, valores e afiliações e preferências são honrados (DAVIDSON et al., 2016, p. 34, tradução minha).1 Orientado por esses princípios, o Movimento Recovery é definido enquanto uma mudança conceitual na prática dos trabalhadores de Saúde Mental, nas concepções sobre o sofrimento psíquico e aponta para a necessidade de uma mudança nos sistemas de saúde (DAVIDSON et al., 2010; 2016; 2017). Após três décadas de pesquisas, experimentação e efetivação de programas, a política norte-americana tem inspirado projetos e políticas de Saúde Mental semelhantes em outros países: Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como sua subsidiária Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a realizar eventos, publicar e adotar programas de estímulo e fomento à implementação mais amplas destas políticas de reabilitação psicossocial em todo o mundo (VASCONCELOS, 2017, p. 07). A relevância internacional do conjunto de práticas orientadas para o Recovery se traduziu na incorporação deste conceito a uma série de diretivas de importantes agências. A partir dessa demanda internacional, desenvolveu-se o Plano de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2013 a 2020. Ele inclui o conceito de Recovery na sua estratégia de ação, tendo como horizonte a construção de novas políticas que visem à transformação do cerne da prática dos profissionais da Saúde Mental: A visão do plano de ação é um mundo em que a saúde mental é valorizada, promovida e protegida, os transtornos mentais são prevenidos e as pessoas afetadas por esses transtornos são capazes de exercer toda a gama de direitos humanos e acessar saúde de alta qualidade e culturalmente apropriada e assistência social de forma oportuna para promover Recovery, a fim de atingir o nível mais alto possível de saúde e participar plenamente na sociedade e no trabalho, livre de estigmatização e discriminação (Organização Mundial de Saúde, 2013, p. 11, tradução minha) 2 1 “Each party, including broader community, possesses strengths and resources that can be identified and build on in the recovery process, which can evolve in many different ways for different people. People are supported in their Recovery, when they are respected and treated with dignity as whole human beings who are more than just their diagnosis or illness; when they are offered hope; and when their cultural identity, values and affiliations and preferences are honoured” (Davidson et al., 2016, p. 34). 2“The vision of the action plan is a world in which mental health is valued, promoted and protected, mental disorders are prevented and persons affected by these disorders are able to exercise the full range of human rights and to access high quality, culturally-appropriate health and social care in a timely way to promote recovery, in order to attain the highest possible level of health and participate fully in society and at work, free 22 Em síntese, o Movimento Recovery se configurou em uma política de saúde mental, a partir de um conjunto complexo de influências internacionais, movimentos tecnocientíficos e da comunidade de interesse, além de evidências científicas articuladas com conquistas legislativas (DAVIDSON et al., 2010). A abordagem norte-americana e de países de língua inglesa tem inspirado outros países, principalmente aqueles que atuam orientados pela política da reabilitação psicossocial, como países do norte da Europa, Portugal, Itália e Brasil (NAPOLI, 2017; VASCONCELOS, 2017a; 2017b). Assim, avançou-se na ampliação de sistemas de saúde mental orientados pelos valores centrais do exercício da cidadania e autonomia, bem como a ideia de que o processo de superação e restabelecimento não é linear e implica acomodações e invenção da vida mais do que a eliminação de sintomas (DAVIDSON et al., 2016; 2017; 2010). Recovery e Serviço orientado por Recovery A noção de Recovery não implica apenas uma revisão conceitual dos processos de sofrimento psíquico. Os princípios do Recovery orientam práticas e sistemas cuja efetividade está assentada sobre a promoção de estratégias de reconstrução da vida e da subjetividade que não exigem a melhora dos sintomas antes de serem implementadas. A estratégia de Recovery se empenha em orientar sistemas e práticas em Saúde Mental que auxiliem o sujeito neste processo não linear de inventar a própria vida. Conforme Davidson et al. (2016) destaca: Em contraste com o modelo baseado em hospital ou desintoxicação / reabilitação de: recuperação em primeiro lugar e ter uma vida em segundo plano; o modelo para a prática orientada para Recovery é: aceitar-me como uma pessoa inteira com uma história única e importante primeiro e depois trabalhar junto para encontrar e viajar pelos caminhos que são mais propícios para o meu Recovery (DAVIDSON et al., 2016, p. 36, grifo meu, tradução minha).3 Assim, uma transformação ocorre quando a noção de Saúde Mental e serviço de saúde avança para a perspectiva do Recovery, em que a pessoa a ser atendida vem a ser a protagonista do seu processo (DAVIDSON et al., 2016). Mas como incluir essa concepção no serviço orientado por Recovery? Primeiramente, ele precisa focalizar no processo em andamento, ao from stigmatization and discrimination” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013, p.11). 3 “In contrast to hospital or detox/rehab based model of: recovery first and have a life second; the model for recovery-oriented practice is: accept me as a whole person with a unique and important story first, and then we can work together on finding and travelling together down to the pathways that are most conducive to my recovery” (Davidson et al., 2016, p. 36). 23 invés da busca em eliminar o sintoma; basear-se nos objetivos e aspirações pessoais de cada usuário; articular com seus apoiadores no processo de manejar sua condição; desenvolver as capacidades pessoais, pontos fortes, e interesses dos usuários; focalizar na relação com a comunidade, mais do que os programas segregados dela; compreender incertezas, falhas e desentendimentos como passos inevitáveis desse processo de emancipação (DAVIDSON et al., 2016; WILLIAM, 1993; SLADE et al., 2008). Esses princípios compõem o person centered-planning (PCP), uma estratégia desenvolvida para que as pessoas que vivenciam condições múltiplas e complexas de sofrimento psíquico possam alcançar seus objetivos pessoais. William (1993) define Recovery como: [...] um processo profundamente pessoal e único de mudança de atitudes, valores, sentimentos, metas, habilidades e/ou papéis. É uma forma de viver uma vida gratificante, esperançosa e contribuinte, mesmo com as limitações causadas pela doença. O Recovery envolve o desenvolvimento de um novo significado e propósito na vida à medida que a pessoa vai além dos efeitos catastróficos da doença mental (WILLIAM, 1993, p. 527, tradução minha).4 Uma das funções do serviço consiste em auxiliar a pessoa a enxergar-se como agente ativo do seu processo de Recovery. Nesse momento ocorre uma mudança paradigmática na prática, em que o profissional da Saúde Mental não decide sozinho sobre o plano terapêutico, mas escuta ativamente o usuário e quais recursos são necessários para manejar sua própria condição. Para tanto, uma colaboração ativa dos usuários e seus apoiadores é requisitada, de forma a contribuir em discussões sobre os objetivos de vida a serem alcançados e os passos a serem tomados para que se concretizem (DAVIDSON et al., 2016; WILLIAM, 1993). Deste modo, o plano centrado na pessoa (person-centered plan) é um componente fundamental para a execução dos princípios éticos do Recovery, ampliando as possibilidades dos trabalhadores e usuários de saúde mental de construir um plano de ação colaborativo que apoie a pessoa no processo de buscar seus próprios objetivos e sonhos (MILLER et al., 2017). 4 Recovery […] is a deeply personal, unique process of changing one’s attitudes, values, feelings, goals, skills and/or roles. It is a way of living a satisfying, hopeful, and contributing life even with limitations caused by the illness. Recovery involves the development of new meaning and purpose in one’s life as one grows beyond the catastrophic effects of mental illness (WILLIAM, 1993, p. 527). 24 Conquanto, para que essa articulação teórico-prática seja garantida no serviço orientado por Recovery, algumas posturas devem ser tomadas. Dentre elas, o desenvolvimento de um suporte contínuo é um eixo primordial para que a pessoa possa conquistar uma vida com sentido e satisfatória na sua comunidade. Por este ângulo, conhecer a história de vida do sujeito a ser atendido, assim como seus afazeres cotidianos, circunscreve um contexto alvo para a intervenção terapêutica. Algumas perguntas podem ser usadas como guias ao atendimento, como, por exemplo, o que ela está fazendo, onde e como ela faz, quais recursos e forças ela mobiliza para realizar tal função, e por fim, quem a apoiaria nesse processo (DAVIDSON et al., 2016; MILLER et al., 2017; SLADE et al., 2008). A partir dessas garantias, constituiu-se um importante e inovador elemento das práticas orientadas para o Recovery: peer support work. Peer support é a contratação de pessoas que se recuperaram de um problema de Saúde Mental para oferecerem serviços em conjunto com as equipes profissionais. Teve início na década de 1980 nos Estados Unidos e atualmente o número de peer supporters ultrapassa as dezenas de milhares, sendo empregados em mais de 30 estados nos EUA (DAVIDSON et al., 2016). Pesquisas sistemáticas indicam que o peer support reduz hospitalizações, número de dias de internação, aumenta a esperança, o empoderamento, o bem- estar, a qualidade de vida e reduz o uso de substâncias (DAVIDSON et al., 2012). Diversos países - dentre os quais, o Brasil - têm incluído o trabalho de peer support em seus serviços, apresentando benefícios como “[...] melhores conexões com os serviços, melhor qualidade de vida, maior integração da comunidade, menor carga familiar e maior orientação de recuperação” (STATSTY, 2012, p. 478, tradução minha)5. Um sistema de Saúde Mental orientado por Recovery deve ter como seus valores centrais a cidadania, a autonomia e a ideia de que o processo de recuperação e restabelecimento da Saúde Mental não é linear e implica uma acomodação e invenção da vida, mais do que a eliminação de sintomas. Em outras palavras, não se espera que o sujeito melhore e depois organize a vida; espera-se que os passos entendidos por cada um como importantes para o restabelecimento da Saúde Mental sejam tomados com as devidas acomodações que se façam necessárias. Na medida em que essa abordagem contrapõe a noção de doença mental como crônica e debilitante, o Recovery afirma que a vida vem antes do sintoma e que a recuperação 5 “[...] better services with services, better quality of life, greater community integration, less family load and greater recovery orientation” (STATSTY, 2012, p. 478). 25 está ligada aos esforços de acomodação e restabelecimento da subjetividade com as perdas, ganhos e mudanças que possam acompanhar um problema grave de saúde mental (DAVIDSON, 2010; 2017, WILLIAM, 1993; DEEGAN, 1988). Nesta perspectiva, o estado de Connecticut se destaca como uma experiência referencial da implementação do Recovery e da consolidação de suas práticas, a partir da reivindicação do envolvimento dos c/s/s da psiquiatria em todos os níveis do sistema de saúde mental. A conexão com o Program for Recovery and Community Health da Universidade de Yale foi primordial para que as conquistas do movimento político fossem implementadas, se destacando enquanto um centro irradiador de práticas e contribuições científicas para o campo da Saúde Mental, com parcerias com entidades não governamentais, universidades em todo o mundo e associações formadas por usuários e familiares. Com extensa experiência em metodologias participativas, métodos mistos e pesquisas qualitativas, o Yale Program for Recovery and Community Health conta com financiamentos do governo estadual e federal, ele vem desenvolvendo pesquisas há mais de 30 anos sobre a temática em conjunto com o Connecticut Department of Mental Health and Addiction Services – DMHAS. Além da frente de pesquisa, os programas ofertam pesquisas e projetos sobre o envolvimento de consumidores de saúde mental em diversas posições, como oferta de trabalho para consultas, suportes e planejamento no que se refere ao assunto de usuários em políticas estatais de saúde mental. (WEINGARTEN, 2001). Críticas à Política do Recovery e articulações com a práxis da Atenção Psicossocial Há uma literatura crítica a respeito da implementação do Recovery no contexto anglo- saxônico realizada por usuários-pesquisadores que, a partir de suas vivências nos serviços do Recovery, apontam para seus riscos (MCWADE, 2016; ROSE, N., 2019; SLADE et al., 2014; ROSE, D., 2014). Esta perspectiva crítica pode ser vantajosa para o modelo da Atenção Psicossocial do Brasil, suas práticas e modos de intervenções atuais. Embora muito se tenha avançado sobre a inclusão e valorização das pessoas com sofrimento mental, como o SUS que possibilitou que a participação e controle social dos usuários de saúde mental e seus aliados fosse concretizada na política pública de saúde, a forma profissionalizada de perspectivas de inclusão ainda mantém práticas de controle e tutela dentro do serviço de saúde mental. Deste modo, a política do Recovery e suas falhas podem apontar para estratégias interessantes e novas formas de produzir conhecimento e valorizá-lo no cenário da saúde mental brasileira. 26 As novas alianças público-privadas que se apresentavam na política de saúde norte- americana fez com que a incorporação do projeto de empoderamento nos serviços de saúde tivesse uma demanda menos radical e argumentos domesticados, distanciados de seu projeto ético-político. A versão profissionalizada do movimento Recovery entra em consonância com a redução de serviços públicos e o projeto de privatização e comercialização da saúde. A política do Recovery expandiu internacionalmente, prosperando em racionalidades e tecnologias neoliberais (MCWADE, 2016; ROSE, N., 2019; SLADE et al., 2014). A década de 90, considerada a década do Recovery nos Estados Unidos (WILLIAM, 1993), também foi período em que o neoliberalismo se tornou um projeto proeminente de governança (ROSE, N., 2019; MCWADE, 2016). Uma possível explicação é a relação entre modelos terapêuticos altamente centrados no indivíduo, que apoiam o processo de uma vida independente, princípios que entram em ressonância com a reconfiguração de serviços de saúde mental e cortes de benefícios sociais (DEAN, 2019; ROSE, N., 2019; VASCONCELOS, 2013; MCWADE, 2016). Estes estudos críticos sobre Recovery realizados por usuários/consumidores/sobreviventes- pesquisadores enfatizam que tal abordagem frequentemente mantém o domínio médico intacto e não se atenta para aspectos estruturais que inexoravelmente agravam o sofrimento mental, como desigualdade social, insegurança no emprego e falta de suporte social (ROSE, D., 2014; ROSE, N., 2019; SLADE et al., 2014; MCWADE, 2016). Nesse ponto, pretendo introduzir o Recovery como um diagrama crítico para pensar as práticas reproduzidas e consolidadas da Atenção Psicossocial no Brasil. Primeiramente, uma transposição generalizada ou monocultura da Recovery é preocupante. Os estudos de Vasconcelos (2013; 2017a; 2017b) ressaltam que para uma investigação adequada das políticas do Recovery no Brasil, devemos nos distanciar de uma transposição colonialista de políticas sociais internacionais. Embora haja um crescente interesse em incorporar as influências e experiências bem-sucedidas do Recovery ao campo da saúde mental brasileira, pesquisas devem se atentar às contradições culturais, econômicas e estruturais presentes entre o Norte e o Sul global (MCWADE, 2016; CARVALHO et al., 2020). Pontos em comum e em divergência carecem de melhor exploração científica tendo em vista que cuidados devem ser tomados para que as particularidades do contexto de nossos serviços e de nossa história social sejam adequadamente consideradas (SLADE et al., 2014). 27 Há um crescente interesse da comunidade científica em ampliar os debates sobre Recovery no campo da Saúde Mental brasileira, porém não se tem desenvolvido estudos sistemáticos para ampliar o conhecimento sobre a temática. A abordagem Recovery se faz cada vez mais presente nas discussões técnico-científicas e práticas da Atenção Psicossocial no Brasil. Recentemente, pesquisas apontam que as redes brasileiras e anglo-saxônicas refletem em experiências de cuidado à saúde mental fundamentadas por princípios semelhantes. Esta revisão de literatura sobre o conceito de Recovery no Brasil e suas origens convida o leitor a notar que, de partida, há inúmeros valores, práticas e pontos em comum entre o movimento norte-americano e a Reforma Psiquiátrica brasileira, como autonomia, cidadania e singularidade. No Brasil, uma série de fatores e movimentos sociais contribuíram para a reformulação das políticas de saúde mental no país promovendo uma nova forma de conceituar a loucura e organizar o cuidado ao sofrimento psíquico: a Atenção Psicossocial. Este novo paradigma se caracterizou por “um conjunto de práticas cujo arcabouço teórico- técnico e ético- político caminha na direção da superação paradigmática da psiquiatria asilar” (COSTA-ROSA et al., 2003, p. 21). Na literatura brasileira, o termo Recovery tem sido empregado no Brasil majoritariamente tal como aparece no original na língua inglesa, na tentativa de evitar traduções que possam descaracterizá-lo de seu sentido original, embora alguns autores brasileiros tentem traduzi-lo como “recuperação”, “restabelecimento”, “fortalecimento” (OLIVEIRA, 2017; SILVEIRA et al., 2017; VASCONCELOS, 2017; 2017). No entanto, tem havido crescente esforço para definir melhor o que o conceito representa para que sua tradução venha acompanhada de um sentido histórico e social. Em 2014, representantes da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE), consideraram que o termo “Superação” poderia vir a representar a ideia original de Recovery. Tal concepção surgiu nas próprias práticas e ações da ABRE, enquanto uma construção conjunta dos usuários, portadores, familiares e profissionais (MIRANDA et al., 2014). Apesar de ainda não haver um consenso, alguns autores têm adotado esse termo, principalmente ao se referir a experiências de superação relacionadas ao processo de recuperação de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia (CORRADI-WEBSTER et al., 2018; SILVA et al., 2017; MIRANDA et al., 2014). Nesse mesmo sentido, outras pesquisas têm endereçado o Recovery enquanto um processo de estar em “Reestabelecimento” (DAHL, 2012; LOPES et al., 2012; MONTANHER e LEAL, 2014; PEREIRA e LEAL, 2017). Neste 28 trabalho, optei por manter o termo no original já que um consenso de sua tradução ainda não foi satisfatoriamente atingido. A literatura sobre Recovery no Brasil revela que investigações sobre as ações realizadas na Saúde Mental em contextos anglo-saxônicos podem ser enriquecedoras para o conjunto de práticas e princípios da Reforma Psiquiátrica. Ambas são dispositivos clínicos que atuam sobre modelos centrados na pessoa (Person-centered plan e Plano Terapêutico Singular). A práxis da Atenção Psicossocial converge com os princípios do Recovery de promover uma vida significativa para a pessoa independente dos sintomas, baseada em estratégias de parceria, promoção de esperança e suporte de autodeterminação (SLADE et al., 2014). Objetivos últimos como independência, inclusão social e engajamento comunitário amparam a reorientação da prática dos trabalhadores de saúde mental e reorganização dos serviços, para que, neste caso, o usuário de saúde mental ganhe ênfase com modelos colaborativos, em que a co-produção também se torna um dispositivo de promoção, que alguns estudos brasileiros têm definido como “autonomia coletiva” (EMERICH et al., 2014; PASSOS et al., 2013; PALOMBINI et al., 2013; PASSOS et al., 2013; 2013). O método de cogestão da Atenção Psicossocial propõe a articulação entre saberes diferentes e singulares e abre espaço para a criação, negociação de responsabilidades, riscos e descobertas. É processo que ocorre a partir do compartilhamento e negociação entre diferentes valores e pontos de vista, não reduzindo as diferenças, mas convergindo na pluralidade de perspectivas entre profissionais e usuários (LAMAS et al., 2013; PASSOS et al., 2013; PRESOTTO, 2013; EMERICH et al., 2014; PASSOS et al., 2013; PRESOTTO et al., 2013; SILVEIRA et al., 2014). A autonomia coletiva revela‐se, assim, um fenômeno complexo, que não se dá independentemente do contexto que envolve a experiência vivida junto ao coletivo. Construir processos de autonomização é uma direção do tratamento e da pesquisa em saúde mental, pressupondo a gestão compartilhada do cuidado e da pesquisa e a valorização do direito dos usuários – mais amplamente, dos direitos humanos (PASSOS et al., 2013, p. 10). Por outro lado, a literatura anglo-saxônica apresenta críticas ao modelo de parceria desenvolvido nos serviços de Recovery, e questiona que os modelos de parceria e colaborativos não desafiam o monopólio dos profissionais sobre a loucura (CHAMBERLIM, 1978). Diana Rose (2014) salienta que a noção de autonomia preconizada pelo Recovery é controversa em sua prática, pois ainda recorre à dependência de uma gama de especialistas para que um modelo 29 de parceria com os usuários de saúde mental seja considerado efetivo. Nesse ato, os profissionais exercem a função de falar sob outro nome porque: [...] eles ainda não têm ou ainda têm de desenvolver tais capacidades, eles precisam ser encorajados, seduzidos e até mesmo forçados, a se sujeitarem a uma série de práticas educativas e formações terapêuticas (ROSE, D., 2014. p. 217-218, tradução minha). Embora seja crescente a fomentação do Recovery no campo da saúde mental brasileira, há poucos estudos que fomentam críticas e apontam lacunas ao modelo da Atenção psicossocial hodierna. Diana Rose (2014) argumenta que, paradoxalmente, por mais que os discursos e práticas do modelo centrado na pessoa operem pelo princípio ético da singularidade e diversidade, isto não garante que os interesses serão alinhados com as reais necessidades de quem vivencia diariamente o sofrimento psíquico. Muito pelo contrário, esta estratégia pode recair numa visão individualista sobre os próprios sujeitos, capturados pela perspectiva dos profissionais de saúde mental, ou até a racionalidade hegemônica sobre os transtornos psiquiátricos. O Recovery é considerado ‘‘pessoal’’ (SLADE, 2009); isto é ‘‘profundamente individual’’. Por que alguém se oporia a isso? Porque não somos indivíduos isolados, para ser franco. Focar na constituição psicológica dos indivíduos, seja por meio da psicologia profunda ou da TCC, é diluir e tornar sem importância as relações sociais nas quais estamos inseridos e que nos moldam e nos formam. Em um sentido real, somos essas relações sociais… não somos indivíduos isolados, a existência coletiva e a ação coletiva podem melhorar os serviços de saúde mental de uma forma que os usuários de serviço desejam (ROSE, D., 2014, p. 217-218). Sem se distanciar das reflexões críticas, o seguinte estudo adota a revisão de literatura inspirada por Scoping, para avançar na compreensão do Recovery no Brasil. Visto que o paradigma do Recovery abre todo um campo metodológico interessante para a ampliação da Atenção Psicossocial, baseada em outros e similares marcadores para avançar o conhecimento, a revisão exploratória de literatura é capaz de agrupar diferentes tipos de metodologias e intervenções em sua sistematização. Busca-se consolidar o campo científico do Recovery no cenário brasileiro por meio de um quadro geral dos estudos, e principalmente, refletir sobre suas lacunas, riscos e críticas revelados na literatura, de maneira a contribuir com uma agenda de pesquisa para o campo, apontando para desafios científicos de futuras pesquisas (ARKSEY, O’MALLEY, 2005). Assim, o presente trabalho procura questionar o estado atual de produção 30 de conhecimento e evidências sobre Recovery na saúde mental brasileira, e, mais adequadamente, como os pesquisadores brasileiros têm interpretado e conceitualizado a temática do Recovery para o Brasil. 31 OBJETIVOS Geral ✔ Investigar a extensão da literatura científica disponível, entre o período do ano de 2000 até 2019, das pesquisas sobre Recovery no campo da Saúde Mental brasileira. Específicos ✔ Formular o protocolo de revisão e estratégia de busca para o levantamento bibliográfico inspirado pela metodologia do Scoping. ✔ Demonstrar, por meio da literatura já publicada, a discussão atualizada sobre o tema, as possíveis lacunas existentes e as principais limitações teóricas ou metodológicas; ✔ Identificar quais áreas do tema em revisão carecem de avanço em pesquisas e, assim, apontar para novas possibilidades de estudo, e definir itens para a agenda de pesquisa futura. 32 MÉTODO A tarefa de se localizar no campo científico se complexificou desde o surgimento da medicina baseada em evidência. Desde então, os desenhos de estudos e os métodos empregados se multiplicaram, tornando essencial a sistematização e síntese de novas descobertas para que lacunas sejam apontadas e caminhos para avanços sejam delineados. O método empregado neste estudo é inspirado pela metodologia do Scoping (ARKSEY e O’MALLEY, 2005), uma estratégia de revisão de literatura de recente discussão científica adequada para os objetivos deste trabalho. Dentre as inúmeras formas de levantamento bibliográfico, todas “compartilham certas características essenciais, a saber: coletar, avaliar e apresentar as evidências disponíveis” (ARKSEY e O’MALLEY, 2005, p. 20, tradução minha)6. São elas: a revisão sistemática, meta-análise, revisão rápida, revisão literária (tradicional), revisão narrativa, pesquisa de síntese e revisão estruturada (ARKSEY e O’MALLEY, 2005). No campo da medicina, em que doenças têm suas causas conhecidas e seus tratamentos testados por métodos experimentais, a síntese das evidências é mais simples. As revisões sistemáticas e meta-análises cumprem bem este papel comparando e agrupando estudos com o mesmo desenho. De outra parte, o campo da saúde mental emprega metodologias qualitativas e estudos observacionais mais frequentemente do que desenhos experimentais, pela própria natureza do objeto de estudo. Deste modo, a síntese e sistematização das evidências se torna mais difícil e demanda procedimentos específicos. Dadas as particularidades do campo da Saúde Mental, as revisões sistemáticas e meta-análises que agrupam estudos com um mesmo desenho não são metodologias adequadas. Assim, tem havido um crescente interesse em desenvolver metodologias de revisão da literatura mais apropriadas aos campos onde há interface das ciências humanas e da saúde. Esta interface se traduz no emprego de métodos quantitativos e qualitativos combinados e na necessidade da apreciação deste corpo científico em sua totalidade. A revisão de tipo scope tem como objetivo orientar os pesquisadores na apreciação dos estudos em campos de difícil síntese (ARKSEY e O’MALLEY, 2005). A temática Recovery se estabelece enquanto um conhecimento desenvolvido na década de 1990. Contudo, sua implementação em serviços de saúde e implicações no 33 âmbito internacional ainda são discussões recentes (DAVIDSON et al., 2010). Para Vasconcelos (2000; 2013; 2017a; 2021) e Weingarten (2001), a introdução do Recovery no Brasil oriunda de intercâmbios acadêmicos entre pesquisadores e visitas técnicas com países anglo-saxônicos e tem seu estopim a partir de 2000. Uma das principais características deste campo de estudos é a grande variabilidade metodológica nas investigações, e diferentes concepções e traduções fomentadas no campo científico brasileiro, tornando a síntese deste campo especialmente desafiadora. Uma revisão adequada para esta literatura exige um método que permita a exploração ampla do campo e a comparação de estudos que empreguem métodos qualitativos, quantitativos e mistos. Um mapeamento sobre as pesquisas em Recovery na literatura nacional se faz indispensável para a organização do campo e a identificação de caminhos futuros de pesquisa. Ainda que duas revisões bibliográficas sobre Recovery foram identificadas na literatura brasileira (BACCARI et al., 2005; WALTER, et al., 2021), esta área de conhecimento ainda não obteve uma revisão de forma compreensiva, que pudesse capturar a complexidade de sua produção no campo da saúde mental brasileira. As particularidades do conceito Recovery, como a sua tradução polissêmica e interpretação incipiente, não são capturadas em estratégias de buscas tradicionais, e, portanto, correm o risco de excluir estudos fundamentais como tipos de pesquisas com descrições metodológicas, e palavras- chaves diversas. Deste modo, a revisão scoping é particularmente útil neste caso porque se diferencia de revisões sistemáticas tradicionais ao se distanciar de limitações prévias – permitindo exploração do campo – e focaliza no alcance máximo que um estudo possa atingir. Para tanto, os descritores-chave e critérios de exclusão são definidos posteriormente com a familiaridade e maior exploração das características do corpo da literatura disponível sobre a temática, possibilitando maior foco para a extensão da seleção dos estudos (ARKSEY e O’MALLEY, 2005). A seguinte pesquisa se inspirou no método por Scoping para desenvolver uma revisão da literatura disponível sobre Recovery no Brasil; isso significa dizer que algumas limitações e obstáculos da estratégia de busca inédita impediram que alguns importantes estudos fossem selecionados - tais problemas são endereçados no final da seção sobre a “estratégia de busca”. 34 No entanto, dentro do que se pode desenvolver nos limites do mestrado foi uma busca exploratória da literatura tanto no reconhecimento de termos, identificação de estudos relevantes, quanto na seleção de textos originais, que se utilizou de seus instrumentos e técnicas de levantamento bibliográfico para coletar, identificar, compreender e sintetizar um campo científico. Esta revisão de literatura foi capaz de endereçar lacunas possibilitando a identificação de áreas de pesquisa pouco exploradas e sugerindo caminhos de avanço e solidificação para o conceito do Recovery no ciclo acadêmico brasileiro. Neste caso, foi possível: ✔ Determinar o valor de adotar uma revisão sistemática; ✔ Sintetizar e disseminar os resultados encontrados; descrever em mais detalhes as descobertas e alcances do estudo sobre Recovery no Brasil. A partir de seu mecanismo de síntese é possível disseminar os resultados relevantes para acadêmicos, políticos, profissionais da saúde mental, comunidade e usuários, economizando o tempo que despenderiam para tal função. ✔ Identificar as lacunas de pesquisa na literatura existente. O seguinte estudo pode identificar quais ramos na temática Recovery devem ser aprimorados, e despertar a atenção da comunidade tecno-científica para os pontos de maior necessidade de aprofundamento. Em outras palavras, na conquista de “novas fronteiras” sobre a temática Recovery, o que levou para a discussão mais ampla sobre metodologias participativas na pesquisa em saúde mental brasileira e desafios para a sistematização da literatura cinza. 35 ESTRATÉGIA DE BUSCA Estágio 1: identificar a questão da pesquisa A seguinte pesquisa se propõe a questionar “Qual é a literatura disponível sobre Recovery no campo da saúde mental brasileira? ” Deste modo, as restrições sobre tipos de intervenções ou métodos desenvolvidos no estudo de Recovery poderiam limitar as possibilidades de alcance sobre artigos relevantes. Em contrapartida, pode gerar grande número de referências. Portanto, essa fase inicial da pesquisa não se preocupou em realizar limitações sobre as referências bibliográficas encontradas, mas, sim, obter um panorama geral sobre o campo de pesquisas em Recovery. Estágio 2: identificar estudos relevantes O foco primordial deste estudo por scoping é ser uma investigação exploratória, capaz de atender em abrangência a questão central da pesquisa. Para conquistar essa estratégia, utilizamos as fontes bibliográficas: Bases de dados Lista de referências Revistas científicas chaves Organizações e conferências relevantes para a temática Literatura Cinza O primeiro passo exploratório (Figura 1) utilizou os descritores “saúde mental” e “Recovery” nas bases Scielo, Google Acadêmico, CAPES e BVS. Foram selecionados estudos pelo seu título, resumo e palavras-chave que dissertassem sobre Recovery na saúde mental brasileira. Assim, a tomada de decisões foi realizada para a primeira seleção da revisão, em termos de tempo, língua, base de dados e descritores iniciais. Nessa busca inicial foi possível identificar 105 estudos. 36 Os conceitos principais que serão incluídos nesta revisão são Recovery e saúde mental. Apesar de que um período específico de publicação pode não ser, de início, determinante como um critério de elegibilidade para inclusão, nota-se que o estabelecimento de parcerias com países anglo-saxônicos envolvendo projetos piloto e iniciativas participativas com usuários de saúde mental e familiares brasileiros, ocorre depois de 2000 (VASCONCELOS, 2009; 2017a; 2021). Estudos que não tenham como foco o Recovery ou que não tenham base no Brasil ou que não sejam escritos em língua portuguesa, serão excluídos nesta primeira etapa de triagem de título-resumo. Figura 1: estratégia de pesquisa I Estágio 3: Seleção de estudo Baseado no aumento da familiaridade com a literatura na área (ARKSEY e O’MALLEY, 2005), após o estágio 2 identificamos uma polissemia gerada pela falta de um consenso sobre o Recovery no campo da saúde mental brasileira, o que causou dificuldades para encontrar, a partir das palavras-chave, os estudos sobre a temática, e seguir com a busca generalizada com o uso de dois termos (Recovery e Saúde Mental). A fim de garantir a maior 37 inclusão possível dos estudos, desenvolvemos uma estratégia de busca manual para compreender melhor como estes estavam conceptualizando o Recovery no campo da saúde mental brasileira, a partir da (1) busca na lista bibliográfica das pesquisas selecionadas; (2) busca das citações dos estudos selecionados; (3) identificação a partir da busca inicial o acervo de bibliotecas e jornal científico específicos para a fomentação do Recovery (Repositório Institucional UNICAMP, UFRJ e UFF; Cadernos Brasileiros de Saúde Mental), e (4) aproximação com alguns experts na área realizados presencialmente pela pesquisadora durante o desenvolvimento do mestrado (2019/2020), incluindo: ✔ Visita ao Grupo Interfaces- UNICAMP-FCM (2019): coordenado pela Profa. Dra. Rosana Onocko-Campos. ✔ 4º Fórum Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental – UFSC (2019): Minicurso com o Prof. Dr. Eduardo Vasconcelos (Projeto Transversões - UFRJ): Estratégias de Empoderamento de Usuários; Apresentação de Trabalho: Revisão da literatura sobre o Recovery em saúde mental: estado da arte no Brasil. ✔ XII Encontro Catarinense de Saúde Mental – UFSC (2019) - I Fórum Sul- Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental- II Encontro Latino-americano do Internacional Recovery Citizenship Council - I Simpósio de Prática e Pesquisa em Ibogaína: Participação do grupo de trabalho (GT) sobre Recovery em saúde mental coordenado Pelo Prof. Dr. Walter Oliveira; e contato com a organização ABRE (Associação Brasileira de Esquizofrenia) com o representante José Alberto Orsi. ✔ Encontro Sul da Rede Unida: Linha de Pesquisa Micropolítica e Governos de si- Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde - Apresentação do Trabalho: “Recovery na saúde mental brasileira: análise crítica de sua transposição”. ✔ 18th Annual Meeting: Psychosis, Citizenship, and Belonging: Forging Pathways toward Inclusion and Healing, in New Haven, CT, November 1-3, 2019. Apresentação do Trabalho: Recovery in Brazil: Experiences of users in mental health services. Visita Técnica ao Connecticut Community Mental Health Center (CMHC) (2019). 38 Nessa direção, a literatura demonstrou descritores gerais e singulares para endereçar a discussão do Recovery no Brasil. Palavras-chave foram estabelecidas a partir do envolvimento com maior quantidade de estudos que incluíram: (Recovery e Saúde mental); (Recovery e Saúde Mental e Superação); (Recovery e Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial); (Recovery e Saúde Mental e Superação e Reabilitação Psicossocial). Figura 2: estratégia de pesquisa II Essa etapa permitiu adotar mecanismos de auxílio para eliminar os estudos irrelevantes ao tema central da pesquisa: 39 Figura 3: Critérios de Exclusão Esta estratégia excluiu 58 artigos. Um total de 47 artigos foram incluídos nesta revisão. . Figura 4: Quantidade dos estudos selecionados. 40 Esta etapa foi finalizada no final do ano de 2019. Uma atualização recente desta revisão incluiria duas publicações importantes para a produção brasileira sobre Recovery publicadas em 2021: ✔ CBSM, C. B. de S. M. Expediente. Serviços, programas e políticas de saúde mental orientadas por Recovery e cidadania - panorama internacional - Parte II. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, [S. l.], v. 13, n. 36, p. i-ii, 2021. ✔ VASCONCELOS, E. M. (org). Novos Horizontes em Saúde Mental: análise de conjuntura, direitos humanos e protagonismo de usuários (as) e familiares. São Paulo: Hucitec Editora, 2021. As limitações desta estratégia de busca realizada consistem no fato de que, em primeiro lugar, não houve o registro da quantidade de exclusão de estudos por cada critério definido, o que torna obscuro como de fato esse processo ocorreu na seleção da literatura disponível. Ainda, a preferência por artigos em relação à literatura cinza ignorou o perfil das produções científicas brasileiras que é, por outro lado, muito desenvolvida em banco de teses e dissertações. Por fim, outro ponto a ser atentado é o de que importantes estudos publicados na literatura de língua inglesa, mas que dissertam sobre Recovery no contexto da saúde mental brasileira não foram incluídos, como, por exemplo, os listados abaixo: ✔ BELLAMY, C., REIS, G., RESTREPORO, M., & COSTA, M. About this Special Issue. Advances in Mental Health Recovery: Practice and Research in Latin America and the World Revista Iberoamericana De Psicología, 14(2), I-III. 2021. ✔ VASCONCELOS, Eduardo Mourão; DESVIAT, Manuel. Empowerment and recovery in the mental health field in Brazil: Socio-historical context, cross-national aspects, and critical considerations. American Journal of Psychiatric Rehabilitation, v. 20, n. 3, p. 282-297, 2017. ✔ ONOCKO CAMPOS, R. et al. Recovery, citizenship, and psychosocial rehabilitation: a dialog between Brazilian and American mental health care approaches. American Journal of Psychiatric Rehabilitation, n. 20, v. 3, p. 311-326, Nov. 2017. 41 Estágio 4: “Charting” ou mapeamento Neste estágio, os textos completos foram lidos e uma síntese dos resultados foi produzida apresentando o título, os autores, o ano de publicação e a instituição proponente. Esta ferramenta de síntese foi conceituada por Arksey e O’Malley (2005) e denominada mapeamento: [...] uma técnica de síntese e interpretação qualitativa ao filtrar, representar em gráficos, e classificar o material, de acordo com temas e aspectos chaves, processo similar a conotação do termo adotado (ARKSEY e O’MALLEY, 2005, p. 26, apud RITCHIE e SPENCER, 1994).6 O mapeamento envolve o desenvolvimento de um quadro geral sobre as descobertas realizadas na revisão, demonstrando os resultados de uma maneira compreensível e acessível aos leitores. Para tanto, escolhas substanciais quanto à distribuição geográfica dos estudos, ano e instituição, desenho, métodos de pesquisa e população, foram tomadas a fim de selecionar as informações relevantes para o estudo proposto aqui. Ademais, estudos com metodologias semelhantes fomentaram perspectivas comuns sobre o Recovery na saúde mental brasileira, que foram agrupadas em eixos temáticos a fim de estabelecer possíveis comparações entre os diferentes pontos de vista metodológicos sobre o Recovery. Estágio 5: Coletar, sintetizar e reportar os resultados obtidos A revisão por scoping procura apresentar um quadro geral do material revisado e a forma como os resultados são apresentados é aspecto primordial. A síntese, tal como proposta por esta metodologia, se distingue do sentido adotado em revisões sistemáticas pelo seu enfoque nos aspectos qualitativos da análise. Ademais, este tipo de revisão acessa um recorte menor da literatura nos seus resultados finais, porém permite comparações mais aprofundadas e de sentido e temas (ARKSEY e O’MALLEY, 2005). Para tanto, desenvolvemos gráficos e tabelas para a apresentação dos estudos selecionados a partir dos seguintes recortes: I. Análise quantitativa da distribuição geográfica dos estudos, ano e instituição (Tabela I; Gráfico I e II). 6 “[...] a technique for synthesizing and interpreting qualitative data by sifting, charting and sorting material according to key issues and themes, a similar process to the one we adopted hence we have borrowed the term” (ARKSEY e O’MALLEY, 2005, p. 26, apud RITCHIE e SPENCER, 1994). 42 II. Desenho, métodos de pesquisa e população (Tabela II). III. Temas (Tabela II em azul) RESULTADOS Eixo I- Análise quantitativa-descritiva Título Autores Ano Instituição Proponente7 Recovery: revisão sistemática de um conceito. BACCARI, I.; CAMPOS- ONOCKO, R.; STEFANELLO, S. 2015 UNICAMP Paradigma do Recovery como orientador de políticas e práticas em saúde mental. CORRADI-WEBSTER, C. M. 2018 USP (RP) Recovery como estratégia para avançar a reforma psiquiátrica no Brasil. COSTA, M. N. 2017 UFSC Recovery: O desvelar da práxis e a construção de propostas para aplicação no contexto da reforma psiquiátrica no Brasil. OLIVEIRA,W. 2017 UFSC Recovery e a Experiência Brasileira na Atenção Psicossocial: diálogos e aproximações. SILVEIRA, A., et al. 2017 UE MONTES CLAROS As abordagens anglo-saxônicas de empoderamento e Recovery (recuperação, restabelecimento) em saúde mental I: Uma apresentação história e conceitual VASCONCELOS, E. 2017 UFRJ 7 UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas); USP (RP) (Universidade Estadual de Ribeirão Preto); UFSC (Universidade Estadual de Santa Catarina); UE MONTES CLAROS (Universidade Estadual de Montes Claros); UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo); FURG (Universidade Federal do Rio Grande do Sul- Campus Carreiros); UFPEL (Universidade Federal de Pelotas); UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); UFSM (Universidade Federal de Santa Maria); UFF (Universidade Federal Fluminense); UFBA (Universidade Federal da Bahia); UFCE (Universidade Federal do Ceará); UNIJUI (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul); UFMA (Universidade Federal do Maranhão); UFPB (Universidade Federal da Paraíba); UNB (Universidade de Brasília); UFPB (Universidade Federal da Paraíba); UEPA (Universidade Estadual do Pará); UFPR (Universidade Federal do Paraná). 43 para o leitor brasileiro. As Abordagens Anglo-Saxônicas de Empoderamento e Recovery (Recuperação, Restabelecimento) em Saúde Mental II: Uma apresentação histórica e conceitual para o leitor brasileiro. VASCONCELOS, E. 2017 UFRJ Recovery: Ambiguidades e Confrontações. VENTURINI, E.; S. GOULART, B. 2017 UFMG Superação em Esquizofrenia: relato de casos ANDRADE, M. 2019 UNIFESP Ouvir vozes: um estudo netnográfico de ambientes virtuais para ajuda mútua BARROS, O. C.; SERPA JR., O. 2017 UFRJ Valorizando as experiências pessoais, dialogando com as vozes e possibilitando o convívio: relatos de Ron Coleman. BRUM, A. N., et al. 2018 FURG, UFPEL, UFRGS Colaborando na Trajetória de Superação na Saúde Mental. CORRADI-WEBSTER, C. M., et al. 2018 USP (RP) Ouvidores de vozes: uma revisão sobre o sentido e a relação com as vozes. COUTO, M. L.; KANTORSKI, L. P. 2019 UFPel O papel do projeto " Comunidade Fala" no empoderamento e Recovery de usuários dos serviços de saúde mental. COSTA, E.; OLIVEIRA NOAL, M. H. 2017 UFSM Ouvidores de vozes: relações com as vozes e estratégias de enfrentamento. KANTORSKI, L. P., et al. 2018 UFPel "Anjos de uma Asa Só": processos de superação da esquizofrenia em um grupo de ajuda mútua. MIRANDA, P. A.; PIMENTEL, A. F.. 2014 UNIFESP I Congresso Nacional de Ouvidores de Vozes no Brasil na perspectiva dos seus protagonistas GUEDES, A.C., et al. 2017 UFPEL 44 Experiência, Narrativa e Intersubjetividade: o processo de restabelecimento (“Recovery”) na perspectiva de pessoas com o diagnóstico de esquizofrenia em tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial. DAHL, C. 2012 UNICAMP, UFRJ, UFF, UFBA Estratégias de educação em saúde, no processo Recovery da esquizofrenia, em um centro de atendimento psicossocial de Iju- RS FORSCHESATTO, A. 2016 UNIJUI O processo de reestabelecimento na perspectiva de pessoas com diagnóstico de transtornos do espectro esquizofrênico e de psiquiatras na rede pública de atenção psicossocial. LOPES, T. 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M., et al 2013 UFRJ Figura 5: Tabela dos estudos selecionados quanto às Autoras (es), Ano, Instituição Proponente 47 Figura 6: Distribuição dos estudos por Instituições proponentes por região 8 . O maior financiamento dos estudos sobre Recovery no Brasil encontra-se na região sudeste, onde localizam-se 71% das instituições públicas proponentes. Em contrapartida, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm um envolvimento mínimo com a fomentação do Recovery no campo da saúde mental brasileira, com 1%, 8%, e 1%, respectivamente. 19% das instituições proponentes dos estudos estão na região Sul, destacando o eixo sul-sudeste como a maior base de fomento da temática. O Centro irradiador das pesquisas em Recovery no Brasil é liderado pela UNICAMP, que publicou dezenove estudos até 2019. UFF e UFRJ colaboraram, respectivamente, com doze e quatorze do