UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (BIOLOGIA CELULAR, MOLECULAR E MICROBIOLOGIA) FUNGOS BASIDIOMICETOS DE ORIGEM MARINHA APLICADOS A BIORREMEDIAÇÃO DE AZOCORANTES TÊXTEIS DANIEL RODRIGO DOVIGO Rio Claro – SP 2024 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (BIOLOGIA CELULAR, MOLECULAR E MICROBIOLOGIA) FUNGOS BASIDIOMICETOS DE ORIGEM MARINHA APLICADOS A BIORREMEDIAÇÃO DE AZOCORANTES TÊXTEIS DANIEL RODRIGO DOVIGO Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Celular, Molecular e Microbiologia. Orientadora: Profª. Drª. Lara Durães Sette Coorientador: Dr. Igor Vinicius Ramos Otero Rio Claro – SP 2024 D743f Dovigo, Daniel Rodrigo Fungos basidiomicetos de origem marinha aplicados a biorremediação de azocorantes têxteis / Daniel Rodrigo Dovigo. -- Rio Claro, 2024 78 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Lara Durães Sette Coorientador: Igor Vinicius Ramos Otero 1. Microbiologia Ambiental. 2. Corantes têxteis. 3. Fungos basidiomicetos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 0 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, ofereço toda minha dedicação em forma de agradecimento pela confiança infinita que me dão, dia após dia, desde o começo. Não somente nesta etapa, mas em todas. Saber que acreditam em mim é o que me dá coragem para enfrentar a jornada. Ao meu afilhado lindo, com o sorriso mais doce e a mente mais afiada de todas. Espero que, pelo menos em parte, minha curiosidade possa motivar você a alimentar a sua. Não são tempos fáceis, mas a beleza do mundo é encontrada quando se procura. Não agradeço especialmente a um ou outro amigo, mas agradeço igualmente a todos. Cada conversa, abraço, copo de cerveja, xícara de café ou fofoca compartilhada ajudaram a pavimentar o caminho que me trouxe até aqui e alimentaram a coragem necessária que uso para sempre continuar. Aos colegas do LAMAI, do Departamento de Biologia Geral e Aplicada (antigo Departamento de Bioquímica e Microbiologia), da CRM-UNESP, com quem passei por muitos momentos junto e aprendi mais do que eu jamais poderia prever. À companheira de graduação e de mestrado Larinha dedico uma celebração mais do que especial. Nunca vou me esquecer da nossa parceria e do quanto sou orgulhoso de onde nós chegamos. Sem o seu apoio os dias seriam menos coloridos. Ao meu coorientador Igor Otero e a Patrícia Giovanella, veteranos do grupo de pesquisa, que de certa forma são nossos irmãos mais velhos de pesquisa e apontam as direções certas. À Milene Ferro pelo apoio com as etapas de bioinformática. À Lara Sette, orientadora e parceira durante neste estudo. Obrigado por abrir as portas, por depositar tanta confiança em mim e por acreditar no meu trabalho. Só podia ter sido com você! Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento do projeto sob processo nº 2018/12098-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. RESUMO O setor têxtil é responsável por despejar uma grande quantidade de efluentes nos cursos d'água, os quais contêm corantes e compostos recalcitrantes que afetam negativamente o ambiente aquático. Esses corantes podem ser de difícil degradação e altamente tóxicos. Uma abordagem possível para lidar com essa problemática é a biodegradação, utilizando microrganismos e suas enzimas para transformar e degradar os poluentes em substâncias menos prejudiciais aos ecossistemas. Os fungos basidiomicetos da podridão branca se destacam devido à capacidade de produzir enzimas ligninolíticas que podem agir sobre moléculas recalcitrantes semelhantes à lignina. Fungos basidiomicetos de origem marinha podem apresentar vantagens sobre os fungos terrestres, por sua adaptação à salinidade e pH do ambiente marinho, os quais podem ser similares às condições encontradas nos efluentes têxteis. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo avaliar o potencial de descoloração e destoxificação dos corantes Preto Reativo 5 (PR5), Laranja Reativo 16 (LR16) e Vermelho Reativo 120 (VR120) pelos fungos marinhos Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e suas enzimas, bem como estudar o metabolismo fúngico na degradação de corante têxtil. Para tanto, os azocorantes foram adicionados ao meio de crescimento dos fungos em concentração de 250 mg.L-1 e o percentual de descoloração foi avaliado. A descoloração promovida pelo fungo P. palmivorus CBMAI 1062 foi de 53,4%, 43,9% e 19,17% para PR5, LR16 e VR120, respectivamente, enquanto que para o fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 as taxas de descoloração foram de 36,5%, 19,9% e 28,9% para os mesmos corantes, respectivamente. Experimentos de descoloração realizados em placas de 96 poços, utilizando os caldos de cultivo dos fungos (secretoma) também foram realizados com os corantes PR5 e LR16, com e sem a adição de mediadores oxidativos. Os melhores resultados de descoloração foram com a adição de mediadores e chegaram a 80,5% e 54,83% para PR5 e LR16, respectivamente, quando o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 foi utilizado. O secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 apresentou taxas de descoloração de 74,5% e 21,5% para os mesmos corantes, respectivamente. Em experimentos em maior escala (10 mL) a descoloração do corante PR5 (100 mg.L-1) na presença de mediadores oxidativos foi de 93,6% e 76,1% quando o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 foram respectivamente utilizados. Além disso, o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 foi capaz de manter taxas de descoloração altas (>77%) até a concentração de 1000 mg.L-1 do corante, sem diferença significativa com o resultado encontrado na concentração 10 vezes menor. Ensaios de avaliação de fitotoxicidade, utilizando sementes de Cucumis sativus (pepino) demonstraram que não houve redução significativa na toxicidade após os tratamentos, apesar das altas taxas de descoloração obtidas. As análises dos metabólitos gerados pela descoloração do corante PR5 foram realizadas por GC-MS e revelaram a presença de compostos indicativos de degradação do corante (13-Docosenamide, (Z) e Pyrrolo[1,2-a]pyrazine-1,4-dione, hexahydro), os quais apresentam menor peso molecular comparado ao composto original. Também foram identificados metabólitos tóxicos (Metharbital e Cyclopentane), o que pode justificar a fitotoxicidade dos bioensaios. Os dados derivados da análise transcriptômica dos genes expressos no secretoma de ambos os fungos, demonstraram a presença de transcritos relacionados com enzimas que podem estar associadas ao processo de degradação do corante PR5, incluindo lacase, monoxigenases, alfa/beta hidrolases, glioxal oxidase e epóxido hidrolases. Os resultados obtidos no presente estudo, permitiram ampliar o conhecimento acerca do metabolismo de fungos basidiomicetos de origem marinha. Em adição, os resultados indicam que o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 é capaz de descolorir e degradar azocorantes reativos, destacando esse fungo como um importante recurso genético microbiano para a biorremediação de compostos poluentes ambientais. Palavras-chave: Microbiologia ambiental, descoloração, destoxificação, degradação, transcriptoma. ABSTRACT The textile industry is responsible for dumping large amounts of effluents into water bodies, which contain dyes and recalcitrant compounds that negatively impact the aquatic environment. These dyes can be difficult to degrade and highly toxic. One possible approach to dealing with this problem is biodegradation, using microorganisms and their enzymes to transform and degrade pollutants into substances that are less harmful to ecosystems. White rot basidiomycete fungi stand out due to their ability to produce ligninolytic enzymes that can act on recalcitrant lignin-like molecules. Marine-derived basidiomycetes may have advantages over terrestrial fungi due to their adaptation to the salinity and pH of the marine environment, which may be similar to the conditions found in textile effluents. Therefore, this study aimed to evaluate the potential for decolorization and detoxification of the dyes Reactive Black 5 (RB5), Reactive Orange 16 (RO16), and Reactive Red 120 (RR120), by marine-derived fungi Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 and Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 and their enzymes, as well as to study fungal metabolism in the degradation of textile dye. To this end, the azo dyes were added to the fungal growth medium in a concetration of 250 mg.L-1 and the percentage of decolorization was evaluated. Decolorization promoted by the fungus P. palmivorus CBMAI 1062 was 53.4%, 43.9%, and 19.17% for RB5, RO16, and RR120, respectively, while for the fungus Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, the decolorization rates were 36.5%, 19.9%, and 28.9% for the same dyes, respectively. Decolorization experiments conducted in 96-well plates using fungal culture broths (secretome) were also carried out with RB5 and RO16 dyes, with and without the addition of oxidative mediators. The best decolorization results were with the addition of mediators and reached 80.5% and 54.83% for RB5 and RO16, respectively, when the secretome of P. palmivorus CBMAI 1062 was used. The secretome of Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 showed 74.5% and 21.5% decolorization rates for the same dyes, respectively. In larger scale experiments (10 mL), the decolorization of RB5 dye (100 mg.L-1) in the presence of oxidative mediators was 93.6% and 76.1% when the secretome of P. palmivorus CBMAI 1062 and Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 were respectively used. Furthermore, the secretome of P. palmivorus CBMAI 1062 was able to maintain high decolorization rates (>77%) up to a concentration of 1000 mg.L-1 of the dye, with no significant difference with the result found at a concentration ten times lower. Phytotoxicity evaluation assays using Cucumis sativus (cucumber) seeds demonstrated no significant reduction in toxicity after treatments, despite the high decolorization rates obtained. Analyzes of the metabolites generated by the decolorization of the RB5 dye were carried out by GC-MS and revealed the presence of compounds indicative of dye degradation (13-Docosenamide, (Z) and Pyrrolo[1,2-a]pyrazine-1,4-dione, hexahydro), which have a lower molecular weight compared to the original compound. Toxic metabolites (Metharbital and Cyclopentane) were also identified, which may justify the phytotoxicity of the bioassays. Data derived from transcriptomic analysis of genes expressed in the secretome of both fungi demonstrated the presence of transcripts related to enzymes possibly related to the RB5 dye degradation process, including laccase, monooxygenases, alpha/beta hydrolases, glyoxal oxidase, and epoxide hydrolases. The results obtained in this study allowed the increase of knowledge about the metabolism of basidiomycete fungi of marine origin. In addition, the results indicate that the secretome of P. palmivorus CBMAI 1062 is capable of decolorizing and degrading reactive azo dyes, highlighting this fungus as an important microbial genetic resource for the bioremediation of environmental polluting compounds. Keywords: Environmental microbiology, decolorization, detoxification, degradation, transcriptome. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 8 2.1. Indústria têxtil e seus impactos ambientais ............................................................... 8 2.2. Azocorantes ............................................................................................................. 10 2.3. Biorremediação ........................................................................................................ 11 2.4. Fungos de origem marinha: Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctosporellus sp. CBMAI 1061 ................................................................................... 13 2.5. Utilização de ômicas nos processos de biodegradação ........................................... 15 3. OBJETIVOS .......................................................................................................... 17 4. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................. 18 4.1. Condições de cultivo de Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 ............................................................................................................ 18 4.2. Quantificação de atividade enzimática .................................................................... 18 4.3. Descoloração ........................................................................................................... 20 4.4. Adsorção.................................................................................................................. 20 4.5. Avaliação da fitotoxicidade em Cucumis sativus .................................................... 21 4.6. Descoloração pelo secretoma fúngico em placas .................................................... 22 4.7. Melhor temperatura de descoloração pelo secretoma fúngico ................................ 23 4.8. Descoloração pelo secretoma em 10 mL e 50 mL .................................................. 23 4.9. GC-MS .................................................................................................................... 24 4.10. Extração de RNA ............................................................................................. 25 4.11. Determinação da concentração e integridade do RNA .................................... 25 4.12. Análises transcriptômicas ................................................................................ 26 4.12.1. Pré-processamento de reads e controle de qualidade ...................................... 26 4.12.2. Montagem de novo dos transcriptomas e controle de qualidade ..................... 26 4.12.3. Anotação funcional dos transcriptomas de referência ..................................... 27 4.12.4. Mapeamento e quantificação de reads ............................................................. 27 4.12.5. Predição de sítios de peptídeos sinal ................................................................ 27 4.13. Análises estatísticas ......................................................................................... 27 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................... 29 5.1. Ensaios utilizando micélio ativo e corante .............................................................. 29 5.1.1. Atividade enzimática ....................................................................................... 29 5.1.2. Descoloração em meio otimizado pelos fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061..................................................................................... 33 5.1.3. Descoloração por adsorção .............................................................................. 34 5.1.4. Fitotoxicidade .................................................................................................. 35 5.2. Ensaios utilizando secretoma fúngico ..................................................................... 37 5.2.1. Descoloração em placa sem mediadores.......................................................... 37 5.2.2. Descoloração em placa com mediadores ......................................................... 39 5.2.3. Otimização da temperatura e do pH de descoloração ...................................... 44 5.2.4. Descoloração em maior escala: 10 e 50 mL .................................................... 47 5.2.5. Análise de GC-MS ........................................................................................... 51 5.2.6. Fitotoxicidade .................................................................................................. 57 5.2.7. Análise transcriptoma ...................................................................................... 59 5.2.7.1. Extração de RNA, quantificação e verificação de integridade ........................ 59 5.2.7.2. Pré-processamento de reads............................................................................. 59 5.2.7.3. Montagem dos contigs, busca por genes específicos e anotação ..................... 61 6. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 66 7. REFERÊNCIAS .................................................................................................... 68 7 1. INTRODUÇÃO A água potável é um requisito para a vida e um direito humano, sendo sua manutenção e segurança um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas, a serem alcançados até 2030 (ONU, 2015). Com o crescimento da população mundial e o aumento da demanda industrial, cresce também a ameaça quanto à qualidade da água disponível por conta de fatores poluentes. A indústria têxtil despeja diariamente substâncias tóxicas e recalcitrantes nos cursos d’água, afetando a sua potabilidade. Esses efluentes, além de conterem corantes orgânicos com alta massa molecular e complexidade, são também caracterizados por sua elevada salinidade, derivada dos processos de beneficiamento, tingimento e finalização dos tecidos. Os corantes, além de serem tóxicos, causam problemas ambientais, dado que mesmo em baixas concentrações podem alterar processos fotossintéticos e promover um desequilíbrio ecológico nos cursos d’água. Dentre os tipos de corantes utilizados, os corantes do tipo azo se destacam por terem boa adesão, fixação e versatilidade. Existem diferentes processos para o tratamento de efluentes que contêm corantes, físicos, químicos e biológicos. A biorremediação é um processo biológico de tratamento que se destaca por seu menor custo em relação aos outros métodos. Na biorremediação, os microrganismos e/ou suas enzimas podem ser utilizados para a adsorção, degradação e mineralização de poluentes ambientais, com concomitante redução da toxicidade. Devido ao potencial enzimático dos fungos basidiomicetos da podridão branca, eles são considerados fontes de recursos microbianos de interesse para a biodegradação de poluentes ambientais. As enzimas ligninolíticas produzidas por esse grupo de fungos podem catalisar a degradação de corantes e de outros poluentes, devido a similaridade estrutural entre as moléculas de xenobióticos e a molécula de lignina, substrato natural para essas enzimas. Algumas das principais enzimas ligninolitícas são as lacases (Lac), lignina peroxidases (LiP) e manganês peroxidases (MnP), as quais são bem descritas e reportadas na literatura, com ampla aplicação em processos de degradação de poluentes. Considerando que os efluentes têxteis são ambiente salinos, os fungos basidiomicetos de origem marinha possuem vantagens na biodegradação desses tipos de efluentes por estarem adaptados à condição salina do ambiente natural. Neste contexto, o grupo de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Lara Sette tem focado seus estudos no isolamento, preservação e seleção de fungos do ambiente marinho 8 visando obtenção de enzimas com aplicação biotecnológica na área ambiental. O presente estudo busca avaliar a capacidade de dois basidiomicetos de origem marinha produtores de enzimas ligninolíticas (Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061) em degradar e destoxificar azocorantes comumente utilizados na indústria têxtil. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Indústria têxtil e seus impactos ambientais A relação da humanidade com as vestimentas é antiga, com registros, no Marrocos, de roupas feitas de couro e pelos há aproximadamente 120 mil anos. Ao longo da história os avanços tecnológicos puderam modificar as técnicas de fabricação, alterando as necessidades da utilização e o valor social da vestimenta, bem como mudando os materiais a serem utilizados (HALLETT et al., 2021). No Brasil, o segmento da indústria têxtil está presente desde o século 19 e atravessou períodos de crises financeiras mundiais e guerras (FUJITA, 2015), permanecendo relevante para a economia do país, com faturamento estimado pela Associação Brasileira da Industria Têxtil (ABIT) em R$ 190 bilhões em 2021; oferecendo cerca de 9,34 milhões de vagas de emprego direta e indiretamente (ABIT, 2023). Atualmente, a indústria têxtil é um grande setor que fomenta principalmente a indústria da moda mundial, sendo atuante também no fornecimento de vestuário para os setores hospitalares e militares. A indústria da moda é reconhecida como a segunda mais poluente, contribuindo com 8% de todas as emissões de carbono e 20% de todo o esgoto global, com uma previsão de aumento de 50% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 (CHEN et al., 2021; YAO et al., 2021; ISSAKHOV et al., 2021). Estudos destacam a crescente preocupação com a qualidade da água relacionada ao fast fashion, modelo de negócios na indústria da moda que se caracteriza pela produção rápida e econômica de roupas, visando oferecer produtos acessíveis e atualizados constantemente, com 74% dos artigos publicados nos últimos 5 anos (BAILEY, BASU e SHARMA, 2022). No cenário brasileiro, esse setor se destaca, ocupando posições de destaque entre os maiores produtores mundiais de vestuário (GONDIM, 2019; ABIT, 2023). A produção em larga escala resulta em uma quantidade alta de resíduos, com uma porcentagem mínima sendo reciclada (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017). 9 Estima-se que menos de 13% dos mais de 100 milhões de toneladas de produtos têxteis produzidos globalmente sejam reciclados, evidenciando a urgência de práticas mais sustentáveis (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017). Estudos indicam ser necessário um consumo anual de mais de 80.000 toneladas de corantes em processos de tingimento têxtil, demandando entre 70 e 150 L de água e 40 g de corantes por kg de algodão (BALAPURE et al., 2016). A quantidade de água utilizada e liberada varia conforme os tipos de tecidos empregados, resultando em composições diversas nas águas residuais coloridas (PRATO-GARCIA et al., 2012; BALAPURE et al., 2016). Os corantes e pigmentos orgânicos empregados na indústria têxtil, são substâncias intensamente coloridas que conferem cor a diversos substratos, como alimentos, cosméticos e plásticos, com destaque aos corantes têxteis, cuja finalidade é proporcionar cores às fibras têxteis sob condições de processo pré-estabelecidas (LELLIS et al., 2019). Estes corantes representam uma parcela considerável dos desafios ambientais, dado que cerca de 200 mil toneladas de corantes são perdidas nos efluentes anualmente, causando impactos negativos (CHEQUER et al., 2013; MADHAV et al., 2018; VELUSAMY et al., 2021). Seus impactos ambientais acabam sendo ocasionados por uma série de fatores: as altas concentrações de metais pesados e cloreto de sódio (NaCl), a alteração do pH dos efluentes, o potencial de atuação dos corantes como surfactantes, a diminuição que causam na zona fótica dos ambientes por conta de sua coloração intensa e o aumento no número de partículas em suspensão na água (BHATIA et al., 2017; LELLIS et al., 2019). Por serem projetados para resistir a condições de uso, como exposição à luz solar, lavagem e ação microbiana, o processo de tratamento posterior torna-se desafiador (LELLIS et al., 2019; PRATO-GARCIA et al., 2012). Os primeiros corantes descobertos, baseados em vegetais, insetos e outros produtos naturais, possuíam baixa fixação e uma pequena diversidade de cores. Desde o século XX os corantes naturais têm sido substituídos pelos corantes sintéticos (BAFANA, 2011), os quais possuem cores mais vivas e maior durabilidade. O primeiro corante orgânico, a mauveína, foi sintetizado em 1856 por Willian Henry Perkin. Apesar das vantagens, esses corantes são mais poluentes (BAFANA, 2011; GARFIELD, 2002). Para enfrentar esses desafios, diversas abordagens de tratamento de efluentes têxteis são empregadas. Métodos físicos, químicos e biológicos são utilizados, cada um com suas vantagens e limitações (IHSANULLAH et al., 2020; GIOVANELLA et al., 2020). No Brasil, as regulamentações ambientais, como a resolução 430/11 estabelecida pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) (BRASIL, 2011), impõem 10 condições rigorosas para o descarte de efluentes, visando mitigar os impactos adversos ao ambiente (CHEQUER et al., 2013; CERON, 2012). A necessidade urgente de inovações sustentáveis é essencial para assegurar um equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação ambiental na indústria têxtil global (MADHAV et al., 2018). Enfrentando desafios ambientais significativos, essa indústria encontra-se em um ponto crítico entre seu impacto econômico expressivo e as preocupações ambientais associadas, fazendo da busca por práticas mais ecológicas, inovações na produção e o engajamento ativo do setor fatores cruciais para harmonizar o crescimento econômico com a preservação ambiental (BAILEY, BASU e SHARMA, 2022). 2.2. Azocorantes A classe proeminente de corantes utilizados na indústria têxtil são os azocorantes, representando a maioria devido à sua diversidade estrutural e afinidade tanto por fibras naturais quanto sintéticas (BENKHAYA et al., 2020; BERRADI, 2019; CATANHO et al., 2006). Os azocorantes Preto Reativo 5 (PR5), Laranja Reativo 16 (LR 16) e Vermelho Reativo 120 (VR120) (Figura 1), foco de estudo do presente estudo, são amplamente utilizados no setor têxtil, sendo alvos de interesse para métodos de tratamento (HARJA et al., 2022; JAGER et al., 2018; JAWAD et al., 2020; SHAHI et al., 2021). Os azocorantes, caracterizam-se por uma ou mais ligações azo (-N=N-) com grupos cromóforos e auxocromos, o que confere vantagens como facilidade de fabricação, excelente estabilidade, diversidade de cores e alta resistência (O’MAHONY, GUIBAL e TOBIN, 2002; LANG et al., 2013). Contudo, essa resistência torna-se um problema ambiental e socioeconômico, pois os azocorantes são persistentes no sistema aquático, gerando subprodutos de degradação com a presença de aminas aromáticas complexas, potencialmente carcinogênicas e mutagênicas (GIČEVIĆ, HINDIJAe KARAČIĆ, 2019; AL-TOHAMY et al., 2020). Em seres humanos, a clivagem das ligações azo por enzimas hepáticas pode resultar em aminas perigosas, que chegam a ser genotóxicas (CHEQUER et al., 2013). Países como Alemanha, Suíça, França e Dinamarca implementaram legislações específicas para abordar a produção e consumo desses corantes, destacando a preocupação com os impactos ambientais e de saúde e buscando mitigar riscos potenciais para ecossistemas e a população em geral (VENTURA-CAMARGO e MARIN-MORALES, 2013). 11 Figura 1. Estrutura química dos corantes: a) Laranja Reativo; b) Preto Reativo 5; c) Vermelho Reativo 19. Fonte: PubChem database - NCBI, 2023. 2.3. Biorremediação Em relação ao processo de tratamento dos efluentes têxteis que contém corantes, métodos físico-químicos, como a filtração, adsorção com carvão ativado e turfas, ozonização e outras técnicas têm sido estudadas para implementação em escala industrial. Porém, por não serem totalmente eficazes, é necessária associação de mais de uma abordagem, o que pode elevar os custos, tornando estes tratamentos menos atrativos (SILVA, 2017; RASHID et al., 2021). O conceito de biorremediação microbiana refere-se à capacidade dos microrganismos de remover, transformar ou neutralizar poluentes e contaminantes presentes no ambiente (IHSANULLAH et al., 2020). Este processo pode ocasionar alterações nas moléculas poluentes originais, substituindo ou modificando seus grupos funcionais e/ou promovendo a degradação completa do poluente que resulta na mineralização em CO2 e H2O (IHSANULLAH et al., 2020; ALMEIDA, 2013). 12 Estes métodos biológicos envolvem o uso de microrganismos ou de suas enzimas, de forma isolada ou associados em consórcio, para descoloração dos efluentes. Essa abordagem tem um melhor custo-benefício, com menor propensão à liberação de subprodutos tóxicos (MCMULLAN et al., 2001; VARJANI et al., 2020). Entretanto, é importante destacar que a degradação de substâncias, independente da técnica empregada no processo, pode gerar compostos ainda mais tóxicos (metabólitos intermediários). Dessa forma, nos estudos de degradação de poluentes ambientais é necessário realizar análises da toxicidade dos produtos degradados utilizando organismos bioindicadores. Plantas como Lactuca sativa (alface), Eruca sativa (rúcula) e Cucumis sativus (pepino) têm sido utilizadas para essa finalidade, expressando os valores de toxicidade dos compostos após serem expostas aos subprodutos com a taxa de germinação, de mortalidade e alongamento de raiz que indicam se a toxicidade do subproduto é alta, média ou moderada (ALMEIDA, 2013; SOBRERO & RONCO, 2008). Os fungos são agentes degradadores naturais, com grande potencial de aplicação em processos de biorremediação por possuírem uma vasta gama de enzimas capazes de atuar sobre compostos orgânicos, utilizando-os, posteriormente, como fonte de macronutrientes e energia (VARJANI et al., 2020). Especificamente, dentro do grupo dos fungos basidiomicetos, os classificados como fungos de decomposição branca (white-rot fungi) produzem um arsenal enzimático ligninolítico (ligninases) que atuam nas moléculas aromáticas e não aromáticas podendo degradar xenobióticos cujas moléculas são similares a lignina. Dentre as principais enzimas ligninolíticas atuantes nesse processo podemos destacar as lacases (Lac), lignina-peroxidases (LiP) e manganês-peroxidases (MnP) (BONUGLI-SANTOS et al., 2010a; DESHMUKH et al., 2016). As lacases são capazes de oxidar uma ampla variedade de substratos, incluindo fenóis, compostos não fenólicos e aminas aromáticas, promovendo a remoção de elétrons e prótons de grupos hidroxila em fenóis ou aminas aromáticas e formando radicais fenoxi ou radicais amino (BALDRIAN, 2006; RIVA, 2006; BRIJWANI et al., 2010; OTERO, 2022). No entanto, as lacases enfrentam desafios ao oxidar compostos complexos, como os azocorantes, cuja estrutura dificulta o contato direto da enzima com o composto (RIVA, 2006; STRONG & CLAUS, 2011). Para superar essa limitação podem ser utilizados mediadores, que são compostos orgânicos de baixo peso molecular. Os mediadores atuam como intermediários entre a lacase e os substratos de alta massa molecular ou com alto potencial redox (DESKA & KOŃCZAK, 2019). Eles facilitam a oxidação desses compostos, permitindo que a lacase atue indiretamente na oxidação de moléculas grandes 13 e dessa forma, os mediadores aumentam a especificidade do substrato e o potencial de alcance da lacase, ampliando sua capacidade de oxidação e permitindo a degradação de compostos complexos, como os azocorantes (DESKA & KOŃCZAK, 2019). Os mediadores podem ser compostos sintéticos, como o hidroxibenzotriazol (HBT), o ácido hidroxiantranílico (HAA), o ácido siríngico, o 2,2,6,6- tetrametilpiperidina-1-oxil (TEMPO), e o ABTS (DESKA & KOŃCZAK, 2019) ou naturais, como a acetosiringona, a siringaldazina (SYR), o siringaldeído (SHD); e alguns ácidos orgânicos, como o ácido verátrico, o ácido p-cumárico e o ácido ferúlico (CAÑAS; CAMARERO, 2010). A degradação de poluentes ambientais por fungos basidiomicetos também pode ocorrer pelo sistema citocromo P450 e epóxido hidrolases (BONUGLI-SANTOS et al., 2015; WEIJERS & BONT, 1999; ICHINOSE, 2013). O complexo enzimático do citocromo P450 é encontrado nos três domínios da vida (Eukarya, Bacteria e Archaea) e é formado por monoxigenases capazes de oxidar diversos substratos, incluindo hidrocarbonetos e compostos com aminas (SHARIFIAN et al., 2020). 2.4. Fungos de origem marinha: Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctosporellus sp. CBMAI 1061 Os efluentes têxteis possuem salinidade e pH elevado, o que dificulta a aclimatação de seres vivos, sendo um obstáculo para a utilização das técnicas de biodegradação e destoxificação. Neste sentido, os fungos provenientes de ambientes marinhos podem oferecer vantagens quanto à adaptação às condições de crescimento encontradas nestes efluentes, uma vez que estes fungos já apresentam adaptações relacionadas às condições de salinidade e pH encontradas na água marinha (IMRAN et al., 2015; GROSSART & ROJAS-JIMENEZ, 2016). Os fungos basidiomicetos utilizados neste projeto, P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 (Figura 2) foram isolados da esponja marinha Amphimedon viridis e Dragmacidon reticulatum, respectivamente; coletadas no litoral norte do estado de São Paulo, na cidade de São Sebastião (MENEZES, 2010). Tais fungos foram previamente identificados por Bonugli-Santos et al. (2010b). As linhagens encontram-se depositadas na Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria (CBMAI) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob os acrônimos CBMAI 1062 e CBMAI 1061 e na Central de Recursos Microbianos da 14 UNESP sob os acrônimos CRM 593 e CRM 592, respectivamente. Cabe destacar que Paramarasmius palmivorus é uma nova denominação do fungo Marasmius palmivorus com base nos estudos de Antonín et al. (2023). O isolado CBMAI 1062 (=CRM 593) foi inicialmente identificado como Marasmiellus sp. (Bonugli-Santos, 2010b) e reclassificado como Marasmius palmivorus pela CBMAI-UNICAMP. Figura 2. Os fungos Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 (a) e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 (b) em placa de Malte Ágar 2% após 5 dias de cultivo a 28°C. Ambos são fungos marinhos facultativos, classificados como fungos de decomposição branca. Pertencem à classe dos Agaricomycetes sendo P. palmivorus CBMAI 1062 pertencente à ordem dos Agaricales e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 à ordem dos Polyporales (INDEX FUNGORUM, 2023). Estudos anteriores do nosso grupo de pesquisa revelaram a capacidade de produção de enzimas ligninolíticas por estes fungos. P. palmivorus CBMAI 1062 apresentou a maior atividade de lacase em meio salino quando comparado a Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 (BONUGLI-SANTOS et al., 2010b). Também foi reportada a produção de lignina peroxidase e manganês peroxidase pelos dois fungos (BONUGLI-SANTOS et al., 2010a). Esses fungos foram capazes de descolorir o corante Remazol Azul Brilhante R (RBBR) tanto em meio líquido quanto em meio sólido. A completa descoloração do corante foi obtida em meio líquido em período curto, sendo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 o mais eficaz, atingindo 100% de descoloração após 3 15 dias de incubação na presença do corante tanto para a concentração de 500 mg.L-1 quanto de 1.000 mg.L-1 (BONUGLI-SANTOS et al., 2012). Vieira et al. (2018), reportou o potencial de ambos os fungos em degradar também outros poluentes. Em bioensaios realizados para a quantificar a degradação de pireno e benzopireno, foi demonstrado que P. palmivorus CBMAI 1062 apresentou uma eficiência de quase 100% na degradação de ambos os compostos, enquanto a degradação promovida pelo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 chegou próxima a 50% após 21 dias. 2.5. Utilização de ômicas nos processos de biodegradação A transcriptômica é uma abordagem que analisa o conjunto completo de RNA mensageiro (mRNA) presente em uma célula, tecido ou organismo, em um determinado momento (SHIBAO, 2016). É tradicionalmente focada em estudos dos transcritos por meio da construção de bibliotecas de cDNA (DNA complementar). O cDNA é uma molécula de DNA sintetizada a partir de um molde de mRNA, com síntese realizada pela enzima transcriptase reversa. As análises de transcriptoma permitem acessar a identidade das proteínas e peptídeos expressos pelo microrganismo numa dada condição, permitindo compreender processos fisiológicos e metabólicos daquele microrganismo (SHIBAO, 2016; RAWAT e RANGARAJAN, 2019). A tecnologia de sequenciamento tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento das análises transcriptômicas. Desde a criação do método de terminalização de cadeia para sequenciamento de DNA por Sanger, em 1977 (SANGER et al., 1977), até o advento do sequenciamento de segunda geração nos anos 2000, houve avanços significativos na eficiência e na quantidade de dados gerados (RAWAT e RANGARAJAN, 2019; TAISHAN et al., 2021). O sequenciamento de RNA (RNA-seq) tem uma ampla gama de aplicações, como a análise de polimorfismos em nucleotídeos únicos (SNP), a quantificação de transcritos expressos e a identificação de RNAs não codificantes, além de permitir identificar quais genes estão sendo ativados ou desativados em resposta a diferentes condições ou estímulos ambientais, quantificando a sua expressão (JIANG et al., 2015). Essas informações são importantes na compreensão dos mecanismos metabólicos dos microrganismos utilizados na biorremediação, avaliando as diferenças nos perfis de expressão genica entre gêneros e espécies, acrescentando informações ao conhecimento já existente sobre as vias de degradação de poluentes (JIANG et al., 2015). O uso de 16 técnicas ômicas também incluem o sequenciamento de genomas completos e metagenomas, técnicas que também permitem identificar genes funcionais relacionados à degradação de compostos específicos, bem como predizer a composição funcional de microbiomas desconhecidos (GIOVANELLA et al. 2020; RAYMOND-BOUCHARD et al., 2018; MANDELLI et al., 2017; OTERO, 2022). 17 3. OBJETIVOS O objetivo do presente estudo é avaliar a capacidade de descolorir, destoxificar e degradar azocorantes comumente utilizados na indústria têxtil pelos basidiomicetos de origem marinha Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e seus secretomas. 3.1. Objetivos específicos São objetivos específicos do projeto: • Cultivar os fungos nas condições otimizadas para produção de lacase, com e sem salinidade e avaliar a produção das enzimas ligninolíticas; • Avaliar a descoloração e destoxificação de azocorantes pelos basidiomicetos avaliados; • Avaliar a descoloração e destoxificação dos azocorantes pelos secretomas dos basidiomicetos cultivados na condição otimizada para produção de lacase; • Definir o melhor método de descoloração e destoxificação avaliados; • Analisar o transcriptoma dos dois fungos no melhor método definido para produção de lacase; • Identificar os metabólitos gerados durante o processo de descoloração/ degradação e correlacionar com os dados de transcriptoma. • Identificar as proteínas expressas no secretoma e possivelmente envolvidas no processo de descoloração, degradação e destoxificação dos corantes avaliados; 18 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1. Condições de cultivo de Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 Os fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 foram cultivados nas condições otimizadas para a produção de lacase definidas para o fungo basidiomiceto também de origem marinha Peniophora sp. CBMAI 1063 (SETTE et al., 2023). Para tanto, a partir dos fungos previamente cultivados em meio ágar malte 2% (MA2%) por 7 dias a 28 ºC, foi feita a transferência de 3 cilindros de ágar + micélio (com diâmetro de 8 mm) para um frasco Erlenmeyer contendo 50 mL do meio líquido otimizado, constituído de: extrato de levedura 0,2% (Kasvi), peptona bacteriológica 0,27% (Kasvi), extrato de malte 0,14% (Kasvi) e glicose 0,27% (Synth), em 2,6% de água do mar artificial (Artificial Salt Water, ASW) (concentração final) adaptado de Kester et al. (1967), contendo MgCl2 0,704% (Synth), CaCl2 0,098% (Dinâmica), SrCl2 0,001% (Vetec), NaCl 1,555% (Synth), Na2SO4 0,261% (Vetec), KCL 0,044% (Vetec), NaHCO3 0,013% (Vetec), KBr 0,006% (Vetec) e H3BO3 0,002% (Promega) e suplementado com 2 mM de CuSO4 (Synth). Na condição não salina, não foi utilizado ASW. Após 3 dias de incubação a 28 °C e 140 rpm em incubadora com agitação (Tecnalise TE-424), 250 mg.L- 1 dos corantes Preto Reativo 5 (PR5), Laranja Reativo 16 (LR16) e Vermelho Reativo 120 (VR120), adquiridos da empresa Sigma-Aldrich (Brasil), foram adicionados (separadamente) ao meio de cultivo e os frascos foram novamente incubados por mais 7 dias a 28 °C e 140 rpm em incubadora com agitação (Tecnalise TE-424). Experimentos controle foram conduzidos paralelamente utilizando as mesmas condições de cultivo acima citadas, porém sem a adição de biomassa fúngica. 4.2. Quantificação de atividade enzimática A quantificação da produção das enzimas ligninolíticas pelos fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 foi avaliada após 10 dias de crescimento utilizando espectrofotometria UV/Visível (Shimadzu UV1800), em ensaios sem a adição de corante. Para isto, foram utilizados os sobrenadantes (secretoma) obtidos após a separação da biomassa por filtração com papel filtro qualitativo (Unifil) para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e centrifugação a 25 °C, 8000 RPM e 15 min (Hettich 19 ROTINA 380) para P. palmivorus CBMAI 1062. A determinação da atividade das enzimas lignina peroxidase (LiP), manganês peroxidase (MnP) e lacase (Lac) foi feita de acordo com os métodos apresentados abaixo. Lignina peroxidase (LiP): A atividade da LiP foi quantificada em triplicata a partir da reação de oxidação do álcool veratrílico pela adição do peróxido de hidrogênio, resultando na formação do composto aldeído veratrílico (Ɛ = 9.300 M-1cm-1), este produto foi mensurado após 10 min de reação a 30 °C no comprimento de onda de 310 nm (Shimadzu UV1800). O meio de reação foi composto por: 0,5 mL de tampão tartarato de sódio 100 mM (pH 3); 0,1 mL de álcool veratrílico 20 mM; 0,2 mL de peróxido de hidrogênio 2 mM e 0,1 mL de secretoma (BIKO, 2019; BONUGLI-SANTOS et al., 2012). Manganês peroxidase (MnP): A atividade da MnP foi quantificada em triplicata pela formação do complexo Mn+3-malonato (Ɛ = 11.590 M-1cm-1), produto resultante da oxidação do sulfato de manganês pela enzima MnP e posterior reação com o malonato de sódio. Para tanto, as análises foram mensuradas após 10 min de reação a 30 °C no comprimento de onda 270 nm (Shimadzu UV1800). O meio de reação foi composto por: 50 µL de peróxido de hidrogênio 2 mM; 0,8 mL de tampão malonato de sódio 50 mM (pH 4,5); 50 µL de sulfato de manganês 20 mM; e 0,1 mL de secretoma (KUDO et al., 2017; WARIISHI et al., 1992; ZHANG et al, 2016). Lacase: A atividade da Lac foi quantificada em triplicata a partir da oxidação do substrato 2,2-azino-bis-etilbenthiazolina (ABTS) (Ɛ = 36.000 M-1cm-1). Para isto, a mensuração foi realizada no comprimento de onda de 420 nm (Shimadzu UV1800), após 10 min de incubação a 37 °C. O meio de reação foi composto por: 0,3 mL de tampão acetato de sódio 0,1 M (pH 5); 0,1 mL de solução ABTS 0,5 mM e 0,6 mL do secretoma (BONUGLI-SANTOS et al., 2016). Para avaliar a interferência do pH e da temperatura na atividade de Lacase, o tampão citrato-fosfato, na faixa entre 2.2 a 6, foi utilizado no lugar do acetato de sódio. A temperatura de incubação variou entre 15 e 65 °C, com intervalo de 10 °C. A atividade foi expressa em U.L-1, onde uma unidade enzimática (U) foi definida como a quantidade de enzima necessária para oxidar 1 μmol do substrato/min. Os resultados foram obtidos conforme a seguinte equação (BALTIERRA-TREJO, MÁRQUEZ-BENAVIDES e SÁNCHEZ-YÁÑEZ, 2015): 20 U.L-1 = ΔA.V.106/ε.R.t, Onde: ΔA: Diferença entre a absorbância final e a inicial; V: Volume da reação; 106: Converte os mols de ɛ para μmols; ɛ: Coeficiente de extinção molar (M-1cm-1); R: Quantidade de secretoma; t: Tempo de reação (min). 4.3. Descoloração A análise de descoloração dos corantes, na concentração de 250 mg.L-1, foi avaliada por espectrofotometria UV/Vis (Shimadzu UV1800). Para isto, após a separação da biomassa por filtração para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e centrifugação para P. palmivorus CBMAI 1062, o sobrenadante obtido foi diluído em água destilada na proporção 1:10 e as absorbâncias foram avaliadas por varredura em espectro de 300 nm a 800 nm, com intervalo de 2 nm. A porcentagem de descoloração foi calculada a partir do pico máximo de absorbância definido para cada corante (492 nm para LR16, 516 nm para VR120 e 592 nm para PR5). Para obter os valores de descoloração absoluta, que desconsidera o valor de adsorção pelo micélio, os valores encontrados de adsorção foram subtraídos dos valores encontrados de descoloração. A porcentagem de descoloração do corante foi calculada a partir da seguinte equação: % descoloração: 𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙−𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 x 100 4.4. Adsorção Visando avaliar a porcentagem de adsorção dos corantes pelo micélio fúngico, primeiramente foi feito o cultivo dos fungos na condição otimizada conforme descrito anteriormente, sem a presença de corante. Ao final de três dias de pré-inóculo, estes foram inativados em autoclave (Phoenix Luferco 150L) , por 45 min a 121 °C na pressão de 2 21 atm. Após essa etapa, 250 mg.L-1 dos corantes foram adicionados ao meio e aos fungos inativados e os frascos foram mantidos incubados por 7 dias a 28 °C e 140 rpm. Por fim, após a separação da biomassa por filtração para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e centrifugação para P. palmivorus CBMAI 1062, os sobrenadantes obtidos foram diluídos na proporção 1:10 em água destilada. As absorbâncias foram mensuradas como mencionado anteriormente (item 4.3). A taxa de adsorção foi calculada a partir da seguinte equação: % adsorção: 𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙−𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝐴𝑏𝑠𝑜𝑟𝑏â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 x 100 4.5. Avaliação da fitotoxicidade em Cucumis sativus A fitotoxicidade dos bioensaios e controles foi avaliada utilizando sementes de Cucumis sativus (pepino), como descrito anteriormente em trabalhos de ecotoxicologia (GONÇALVES et al., 2020; TIQUIA, TAM e HODGKISS, 1996). As sementes foram expostas diretamente aos secretomas dos bioensaios, tanto dos ensaios contendo micélio quanto aos que utilizaram o secretoma. Foram adicionados 5 mL dos secretomas, previamente diluídos em água destilada esterilizada (15% de cada amostra) em placas de petri de 90 mm higienizadas contendo um disco de papel filtro qualitativo. Então, foram adicionadas 15 sementes livres de agrotóxicos, da marca Isla (taxa de germinação de 94%) em cada placa. Por fim, a placas foram dispostas em uma bandeja, coberta com plástico e vedada para manter a umidade. As placas foram acondicionadas em incubadora a 25 ºC sem fotoperíodo, por 5 dias. Placas com água destilada foram utilizadas como controle negativo e o sulfato de zinco hepta hidratado (0,05M) foi utilizado como controle positivo. Ao final do período de exposição, as placas foram congeladas por 24 h e foram contabilizados tanto o número de sementes que germinaram quanto o crescimento das radículas, utilizando uma régua milimetrada. A taxa de germinação das sementes (GS%), o crescimento das radículas (ER%), e o índice geral de germinação (IG%) foram determinados utilizando as seguintes fórmulas (TIQUIA, TAM e HODGKISS, 1996): Germinação de sementes: GS(%): 𝑛º 𝑑𝑒 𝑠𝑒𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑔𝑒𝑟𝑚𝑖𝑛𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑛𝑜 𝑒𝑛𝑠𝑎𝑖𝑜 𝑛º 𝑑𝑒 𝑠𝑒𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑔𝑒𝑟𝑚𝑖𝑛𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑛𝑜 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜𝑙𝑒 ×100 22 Elongação radicular: ER(%): 𝑀é𝑑𝑖𝑎 𝑑𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑟𝑎𝑑𝑖𝑐𝑢𝑙𝑎𝑟 𝑛𝑜 𝑡𝑟𝑎𝑡𝑎𝑑𝑜 𝑀é𝑑𝑖𝑎 𝑑𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑟𝑎𝑑𝑖𝑐𝑢𝑙𝑎𝑟 𝑛𝑜 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜𝑙𝑒 ×100 Índice de germinação: IG(%): (% 𝑑𝑒 𝑔𝑒𝑟𝑚𝑖𝑛𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝑠𝑒𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒𝑠)×(% 𝑒𝑛𝑙𝑜𝑔𝑎𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑟𝑎𝑑𝑖𝑐𝑢𝑙𝑎𝑟) 100% 4.6. Descoloração pelo secretoma fúngico em placas Para a verificação do potencial de descoloração pelo secretoma fúngico, sem a biomassa, foram realizados experimentos em placas de 96 poços (fundo chato) com os mesmos corantes (item 4.1) na concentração final de 50 mg.L-1. A redução na concentração de corante nestes experimentos aconteceu por limitações técnicas, uma vez que nos ensaios miniaturizados não seria possível diluir as reações antes das leituras no espectrofotômetro. Os fungos foram cultivados em meio líquido otimizado para produção de lacase, como descrito anteriormente (item 4.1), por 10 dias, sendo que P. palmivorus CBMAI 1062 foi cultivado em meio sem salinidade. A biomassa fúngica foi separada, por filtração para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e centrifugação para P. palmivorus CBMAI 1062, e o caldo sobrenadante foi utilizado nos experimentos. As misturas reacionais, contendo 100 µL do secretoma fúngico e 100 µL da solução estoque dos corantes, foram incubadas no leitor de placas Synergy H1 Biotek, a 28 ˚C, mesma temperatura de crescimento dos fungos, por 36 h. Ensaios incluindo os mediadores de lacase ABTS, Siringaldazina (SYR), Siringaldeído (SHD) e ácido p-cumárico (PCA), na concentração final de 100 μM, também foram realizados, com mistura reacional contendo 100 µL do secretoma fúngico, 50 µL da solução estoque dos corantes (200 mg.L-1), 20 µL da solução estoque dos mediadores e 30 µL de água. O tampão citrato-fostato, na concentração final 0,2 M/0,1 M foi utilizado nos ensaios para verificar a melhor condição de pH (de 2.2 até 7) para descoloração, com esquema reacional contendo 100 µL do secretoma fúngico, 50 µL da solução estoque dos corantes (200 mg.L-1), 20 µL da solução estoque dos mediadores, 20 µL de tampão e 10 µL de água. Para este último ensaio, somente o corante PR5 foi utilizado. As placas foram incubadas nas mesmas condições que no ensaio sem mediadores. Ensaios controle, substituindo o secretoma fúngico por água, foram realizados paralelamente em todas as análises. 23 A leitura das placas foi realizada a cada 60 min, durante 48 h, com agitação a 548 RPM por 10 seg para homogeneização da reação antes de cada leitura, com o pico máximo de absorção sendo utilizado para o cálculo da descoloração (item 4.3). A taxa de descoloração foi calculada de acordo com a seguinte equação: 𝐷𝑒𝑠𝑐𝑜𝑙𝑜𝑟𝑎çã𝑜 (%) = (( (𝑇0 𝐴𝑏𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑎𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 − (𝑇𝑓 𝐴𝑏𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑎𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜) 𝑇0 𝐴𝑏𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡𝑎𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 ) − ( (𝑇0 𝐴𝑏𝑠𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜𝑙𝑒 − (𝑇𝑓 𝐴𝑏𝑠𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜𝑙𝑒) 𝑇0 𝐴𝑏𝑠𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑜𝑙𝑒 )) ∗ 100 Onde: T0 Abs: absorbância inicial Tf Abs: absorbância final 4.7. Melhor temperatura de descoloração pelo secretoma fúngico Os ensaios para determinar a melhor temperatura de descoloração pelos secretomas fúngicos foi realizado em cubetas de quartzo, contendo 1 mL de esquema reacional. Nestes ensaios, somente a descoloração do corante PR5 foi avaliada, bem como apenas o tampão citrato-fosfato de pH 6 e o mediador SHD. O secretoma utilizado foi cultivado como descrito anteriormente (item 4.6), e o esquema reacional foi composto por 500 µL do secretoma fúngico, 250 µL da solução estoque dos corantes (200 mg.L-1), 100 µL da solução estoque do mediador SHD na concentração final de 100 μM, 100 µL de tampão citrato-fosfato pH 6 na concentração final 0,2 M/0,1 M e 50 µL de água. A absorbância foi mensurada na faixa de 592 nm, o pico máximo definido para o corante PR5 (item 4.3). As cubetas foram mantidas no espectrofotômetro por 3 h, com leituras a cada 30 min e incubadas em faixas de temperatura que variou de 20 a 70ºC (intervalo de 10ºC). Ensaios de controle foram realizados da mesma maneira, substituindo o secretoma fúngico por água. A taxa de descoloração foi calculada de acordo com a equação apresentada no item 4.6. 4.8. Descoloração pelo secretoma em 10 mL e 50 mL Após a definição da melhor combinação de pH, temperatura e melhor mediador de atividade de lacase para descoloração do corante PR5, ensaios em escalas maiores foram realizados para validar os ensaios miniaturizados feitos em placa de 96 poços. Para 24 ensaios em 10 mL, feitos em tubo do tipo Falcon de 15 ml, quatro diferentes concentrações de corante foram utilizadas: 100 mg.L-1, 250 mg.L-1, 500 mg.L-1 e 1000 mg.L-1. O secretoma utilizado foi cultivado como descrito anteriormente (item 4.6), e o esquema reacional foi composto por 5 mL do secretoma fúngico, 2,5 mL da solução estoque de corante PR5 ajustada para cada concentração, 1 mL da solução estoque do mediador SHD na concentração final de 100 μM, 1 mL de tampão citrato-fosfato pH 6 na concentração final 0,2 M/0,1 M e 0,5 mL de água. Os tubos foram mantidos à 40 ºC e agitação constante de 100 rpm. A descoloração foi mensurada no tempo inicial, após 24 h e no tempo final de 48 h. Os ensaios em 50 mL foram realizados de forma similar, em tubos Falcon de 50 mL com esquema reacional contendo 25 mL do secretoma fúngico, 1,25 mL da solução estoque de corante PR5 na concentração final de 100mg.L-1, 5 mL da solução estoque do mediador SHD na concentração final de 100 μM, 5 mL de tampão citrato-fosfato pH 6 na concentração final 0,2 M/0,1 M e 13,75 mL de água. Nesta escala só foram realizados ensaios na concentração de corante 100 mg.L-1. Os tubos foram mantidos à 40ºC e agitação constante de 100 rpm. Os ensaios controles foram realizados paralelamente em ambas as escalas, substituindo o secretoma fúngico por água destilada. A leitura da taxa de descoloração foi realizada em espectrofotômetro e absorbância foi mensurada na faixa de 592 nm, o pico máximo definido para o corante PR5. A descoloração foi calculada de acordo com a equação apresentada no item 4.6. 4.9. GC-MS Os produtos metabólicos dos ensaios realizados em 50 ml foram analisados por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (GC-MS), em triplicata, no equipamento modelo QP2010 Ultra, (Shimadzu, Japão). O procedimento adotado seguiu a metodologia descrita por Li et al. (2015), com algumas modificações. As amostras foram obtidas após extração orgânica realizada com acetato de etila grau P.A. (Sigma- Aldrich, Brasil), na proporção 1:1 (caldo reacional: acetato de etila). Após agitação da mistura por três min, a separação da fase orgânica foi feita em funil de separação. Essa etapa foi repetida duas vezes. Para a análise, foram utilizados os tratamentos nos tempos iniciais, 24 h e 48 h, além dos controles sem o secretoma fúngico. As amostras em acetato de etila foram concentradas em tubo do tipo Falcon de 15 mL, utilizando concentrador de amostras, e ressuspendidos em 3 mL de acetato de etila para aplicação na coluna. 25 A separação dos componentes foi conduzida utilizando uma coluna Rtx-5MS (0,25 mm, 30 m – Restek, EUA), onde 2 µL da amostra foram injetados a 275 °C. A temperatura da coluna iniciou a 100 °C e aumentou linearmente a 9,5 °C por min até atingir 280 °C. O gás de arraste utilizado foi o hélio, com uma vazão de 2 mL por min. Os dados obtidos da espectrometria de massa foram registrados no modo de ionização de elétrons (70 eV), sendo analisados no intervalo de 3 a 18,8 min. A temperatura da interface para a espectrometria de massa foi mantida em 280 °C. A identificação dos compostos foi realizada por meio do banco de dados da biblioteca do equipamento (GCMSsoluction versão 4.42). 4.10. Extração de RNA Para as análises de transcriptoma o RNA total dos fungos, cultivados na condição descrita no item 4.6, foram extraídos com o auxílio do kit RNeasy® Plant Mini kit (Qiagen), de acordo com protocolo do fabricante. Para tanto, após a centrifugação dos tratamentos e dos controles por 10 min à 10.000 rpm e 4ºC, as respectivas biomassas foram lavadas com água tratada com DEPC e centrifugadas duas vezes, para que houvesse a remoção do meio de cultivo em que estavam anteriormente. As biomassas foram então mergulhadas em nitrogênio líquido e maceradas em cadinho, com o auxílio de pistilos. O RNA total foi tratado com DNAse (Thermo Scientific), para a retirada de DNA interferente. Após essa etapa, foi retirada uma alíquota para determinar a concentração e integridade do RNA e as amostras foram imediatamente precipitadas em álcool-acetato (0,1 volume de 3M de acetato de sódio mais a adição de 2 volumes de etanol 100%) e armazenadas em freezer -80ºC. O processo foi realizado em triplicata para cada um dos fungos. 4.11. Determinação da concentração e integridade do RNA Para determinar a concentração e a pureza do RNA extraído, foi utilizado um espectrofotômetro de ácidos nucléicos Thermo Scientific NanoDrop 2000. Para determinar a integridade das amostras de RNA, a eletroforese foi feita em gel de agarose 1% à 100V por 45 min. Foi utilizado o corante CybrGreen (ThermoFisher). O gel de agarose foi revelado em fotodocumentador. Após constatar a concentração e a integridade 26 adequada das amostras, o RNA foi enviado para a empresa Macrogen (Coréia do Sul) para sequenciamento paired-end no equipamento Illumina HiSeq 2000. 4.12. Análises transcriptômicas 4.12.1. Pré-processamento de reads e controle de qualidade O controle de qualidade das reads brutas envolve a análise de conteúdo GC, presença de adaptadores advindos do sequenciamento, qualidade das bases, detecção de sequências super-representadas e duplicadas a fim de detectar erros no sequenciamento e, usando ferramentas de bioinformática, realizar a correção desses parâmetros ou erros (CONESA et al., 2016). O controle de qualidade foi realizado antes e após as etapas de pré-processamento, usando o programa FastQC versão 0.11.8 (Babraham Bioinformatics; www.bioinformatics.babraham.ac.uk/projects/fastqc). Todas as reads já apresentavam alta qualidade Phred (Phred Q score <30). Devido ao problema de desvio do conteúdo GC (HANSEN et al. 2010) e porque a qualidade de leitura diminui no final 3' das leituras e se torna muito baixa é necessário apará-las para melhorar a capacidade de mapeamento (CONESA et al., 2016). Para remover as 15 bases iniciais de todas as reads foi usado o programa FASTX-Toolkit (http://hannonlab.cshl.edu/fastx_toolkit/). 4.12.2. Montagem de novo dos transcriptomas e controle de qualidade A montagem de novo de cada transcriptoma foi feita usando o programa Trinity (GRABHERR et al., 2011), com parâmetros default. A avaliação da qualidade da montagem dos transcriptomas de referência para cada espécie de fungo foi feita usando BUSCO v.4.0.4 (Benchmarking Universal Single-Copy Orthologs) (SEPPEY et al., 2019; SIMÃO et al., 2015), com base no banco de dados de ortólogos da linhagem de fungos (fungi_odb10), considerando um ponto de corte de 1e-3. Os transcritos foram categorizados como 'completo, cópia única', 'completo, cópia duplicada', 'fragmentado' ou 'ausente'. 27 4.12.3. Anotação funcional dos transcriptomas de referência A anotação de cada transcriptoma de referência foi feita usando a plataforma OmicsBox. Foram usados os programas Diamond - BlastX (ALTSCHUL et al., 1990) com base no banco de dados do NCBI (National Center for Biotechnology Information) selecionando fungos, com um corte de e-value de 1e-5. Foi realizado um mapeamento de termos de Ontologia Gênica (GO) nas 3 ontologias: Processo Biológico, Função Molecular e Componente Celular. Foram identificados os domínios, sítios, famílias e repetições das proteínas usando InterProScan (ZDOBNOV e APWEILER, 2001) em todas as bases de dados que compõem o InterPro. As enzimas foram identificadas usando o número EC (Código enzimático), bem como as vias metabólicas as quais pertencem as enzimas identificadas. 4.12.4. Mapeamento e quantificação de reads O software Bowtie2 (LANGMEAD e SALZBERG, 2012) foi usado para mapear as reads de cada biblioteca no transcriptoma de referência montado previamente. A quantificação em nível gênico e de transcritos foi feita usando a ferramenta RSEM (LI e DEWEY, 2011). 4.12.5. Predição de sítios de peptídeos sinal A predição de sítios de peptídeo sinal foi feita usando como entrada todos os transcritos montados de cada transcriptoma, utilizando o programa SignalP v. 5.0 (ARMENTEROS et al., 2019). Após a seleção dos transcritos com peptídeo sinal predito estes foram associados com os resultados da anotação funcional. 4.13. Análises estatísticas Os dados foram analisados no software PAST v4.03 (HAMMER et al., 2001). A normalidade dos dados foi testada com o modelo Shapiro-Wilk. Dados paramétricos tiveram sua diferença significativa calculada com o teste de Tukey; dados não 28 paramétricos tiveram a diferença calculada com o modelo Mann-Whitney. Para todas as análises estatísticas, três réplicas biológicas foram realizadas para cada tratamento e grupo controle. 29 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. Ensaios utilizando micélio ativo e corante 5.1.1. Atividade enzimática Para entender o perfil de produção de enzimas ligninolitícas Lac, MnP e LiP dos fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, testes iniciais foram realizados após 10 dias de cultivo em meio otimizado para produção de lacase nas condições com e sem salinidade (Figura 3). Não foi possível detectar a presença de MnP e LiP em nenhuma das condições estudadas, entretanto, a quantidade de Lac encontrada foi expressiva para ambos os fungos. A melhor condição de expressão de Lac por P. palmivorus CBMAI 1062 foi em meio sem salinidade (424±18,12 U.L-1), maior que na condição salina. Para o fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, a maior quantidade de Lac foi detectada na condição com salinidade a 2,6% (1.615±169,7 U.L-1). Figura 3. Produção de lacases pelos dois basidiomicetos marinhos, em condições salinas e não salinas. a: P. palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 após 10 dias de cultivo a 28ºC e 140 RPM. Acima das barras, a e b representam se há diferença significativa (p < 0,05) atividade de lacase de cada um dos fungos. A salinidade é um fator que pode influenciar na produção de enzimas ligninolitícas em fungos. D’Souza et al. (2005) reportaram a interferência da salinidade em um fungo não identificado isolado de madeira de mangue na Índia, sendo a salinidade do meio capaz de suprimir a produção das enzimas MnP e LiP e promover a produção de Lac em uma concentração de 25 ppm, numa gama de teste que foi de 10 a 34 ppm. De Paula et al. (2002) também reportaram a salinidade como um fator importante para fungos dos gêneros Trichoderma, Epicoccum, Gliocladium, Microsphaeropsis, Geotrichum e 30 Cryphonectria. Para estes fungos, adaptados ao ambiente de salinidade do manguezal, a presença de NaCl no meio de cultivo estimulou a produção de Lac. Neste mesmo estudo, uma linhagem do gênero Trametes conhecidamente produtora de lacase e adaptado de ambiente não salino foi utilizada como controle negativo e a presença de NaCl reduziu a produção de Lac. Fungos halófilos e halotolerantes apresentam uma série de características adaptativas para habitarem ambientes salinos, o que pode os tornar vulneráveis. Condições de estresse ambiental, como a alteração da salinidade, podem ser fatores importantes para respostas metabólicas (GOSTINČAR et al., 2011). Em outros estudos foi relatada a atividade de MnP no caldo enzimático de Marasmiellus palmivorus VE-111(MIUCS 2025) e outros fungos da podridão branca (CANTELE et al., 2017a; KUWAHARA et al., 1984; SCHNEIDER et al., 2018), diferente do que foi encontrado no presente estudo. A ausência da enzima LiP também foi reportada em Marasmiellus palmivorus VE-111 (MIUCS 2025) (CANTELE et al., 2017b) e Peniophora sp. CBMAI 1063 (um terceiro fungo basidiomiceto da CBMAI e CRM-UNESP isolado de esponja marinha) (SANTELLO, 2023). No estudo realizado por Bonugli-Santos et al. (2012), foi detectada a presença das enzimas LiP e MnP nos ensaios com os fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. No entanto, ao adicionar CuSO4, indutor da produção de lacase, houve redução na produção das enzimas LiP e MnP. A atividade das enzimas é influenciada por diversos fatores, e sua eficiência pode variar em resposta a condições específicas (HERLET et al., 2017). Com o intuito de compreender o perfil de atividade de Lac produzida pelos fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, tanto na condição com salinidade quanto na condição sem salinidade, foram realizados ensaios em diferentes faixas de temperatura e pH. Desta forma, foi possível observar as melhores condições para a atividade da enzima. A figura 4 apresenta a atividade de Lac em função da temperatura. 31 Figura 4. Atividade ótima das lacases presentes nos secretomas, em função da temperatura de incubação da reação enzimática. a: Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Os círculos pretos representam a condição com salinidade; os círculos brancos representam a condição sem salinidade. A maior atividade de Lac em P. palmivorus CBMAI 1062 ocorreu a 45°C na condição sem salinidade e a 55 ˚C na condição com salinidade. Para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 a melhor atividade foi obtida a 55°C tanto para condição salina quanto para a condição não salina. Lacases terrestres apresentam ótimo de atividade em temperaturas entre 40 e 60°C, enquanto lacases marinhas, produzidas por fungos advindos de ambientes salinos, apresentam atividade ótima entre 50 e 70°C (D’SOUZA-TICLO, SHARMA e RAGHUKUMAR, 2009). No estudo reportado por Fontes et al. (2021) com o fungo de origem marinha Peniophora sp. CBMAI 1063, resultados similares de temperatura ótima para a atividade da lacase foram obtidos em condição salina, onde o pico de atividade foi a 55° C. Desta forma, as faixas ótimas de temperatura encontradas no presente estudo vão de encontro com as informações reportadas na literatura. É importante ressaltar a estabilidade da enzima em relação ao tempo de exposição à variação de temperatura, uma vez que pode afetar processos de descoloração baseados na utilização desta enzima dependendo da temperatura utilizada na reação. No estudo de Bettin el al. (2019), com outros fungos da podridão branca, foi demonstrado que a atividade enzimática pode permanecer praticamente inalterada após um período de incubação de 168 h quando a 20°C e por 72 h quando a 30°C. De acordo com Ali et al. (2019) e Otero et al. (2022) lacases marinhas podem perder de 50 a 90% da atividade após 2 h de incubação em temperaturas acima de 50 ˚C. 32 Também foram realizados ensaios para avaliar o efeito do pH na atividade de Lac. Estas análises foram feitas levando em conta a melhor condição de temperatura identificada anteriormente e foram realizados numa faixa que variou entre o pH 2.2 e 6 (Figura 5). Foi possível identificar que condições ácidas são mais favoráveis para atividade das lacases produzidas pelos fungos estudados. Os picos de atividade ótima para P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 foram obtidos em pH 2.2 para as lacases produzidas em ambas as condições de cultivo. Figura 5. Atividade ótima das lacases presentes nos secretomas em função do pH de incubação da reação enzimática. a: Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Os círculos pretos representam a condição com salinidade; os círculos brancos representam a condição sem salinidade. A atividade ótima das lacases fúngicas costuma ocorrer em uma faixa de pH entre 3 e 6, como reportado por Fontes et al. (2021) em experimentos utilizando o fungo marinho Penhiophora sp. CBMAI 1063 e o fungo terrestre Peniophora cinerea CCIBt 2541 e por Iark et al. (2019) em ensaios com o fungo da podridão branca Oudemansiella canarii EF72. Entretanto é possível encontrar lacases fúngicas que tem atividade ótima em pH ainda mais baixo, como reportado por Moreira et al. (2014) ao analisar a atividade de lacases produzidas pelo fungo terrestre Peniophora cinerea CCB204. Na medida em que o pH se aproxima do neutro e alcalino, essas enzimas tendem a se tornar essencialmente inativas (BALDRIAN, 2006; XU, 1997; YIN et al., 2019). 33 5.1.2. Descoloração em meio otimizado pelos fungos P. palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 O fungo P. palmivorus CBMAI 1062 exibiu uma maior porcentagem de descoloração para os corantes PR5 e LR16 em comparação com a descoloração desses mesmos corantes obtidas com o fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. No entanto, para o corante VR120, Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 apresentou uma porcentagem de descoloração ligeiramente superior (≅10%) em comparação com P. palmivorus CBMAI 1062. Em todas as comparações a diferença entre a descoloração encontrada pelos dois fungos foi estatisticamente significativa. As maiores taxas de descoloração foram observadas, em ambos os fungos, para o corante PR5 (Figura 6). Figura 6. Descoloração dos corantes PR5, LR16 e VR120 pelos fungos Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1062. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05). Os resultados vão de encontro com a capacidade de descoloração de corantes já reportados em fungos basidiomicetos. Bonugli-Santos et al. (2012), encontraram altos valores de descoloração do corante RBBR, avaliando os mesmos fungos do presente estudo, tanto em meio sólido quanto líquido sem salinidade. Outros representantes da espécie P. palmivorus também apresentaram descoloração de RBBR e dos azocorantes Laranja Ácido 10, Vermelho Congo e Verde Reativo 19, com concentrações variáveis e em meios também sem salinidade (SING et al., 2017; VANTAMURI & SHETTAR, 2020). 34 5.1.3. Descoloração por adsorção Em cultivos em meio líquido é possível que a descoloração aconteça por adsorção do corante ao micélio fúngico (BONUGLI-SANTOS et al., 2012). Nesse sentido, bioensaios foram realizados, com adição do corante ao micélio inativado para avaliar a taxa de adsorção pelos micélios. Para ambos os fungos as taxas de adsorção foram menores do que as de descoloração dos corantes PR5 e LR16. O contrário aconteceu com VR120, onde as taxas de adsorção encontradas foram maiores do que as de descoloração (Figura 7). Figura 7. Adsorção dos corantes PR5, LR16 e VR120 pelos fungos Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062 e Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 após 7 dias de cultivo a 28ºC e 140 RPM. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a adsorção de cada um dos fungos. Para o corante PR5, a capacidade de adsorção do fungo P. palmivorus CBMAI 1062 foi maior do que a do fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. No caso do corante LR16, P. palmivorus CBMAI 1062 apresentou uma capacidade de adsorção menor do que a ocasionada pelo micélio de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Quanto ao corante VR120, ambos os fungos apresentaram uma capacidade média de adsorção similar. Arica et al. (2007) encontrou taxas altas de adsorção de VR120 pelo fungo Lentinus sajor-caju, um basidiomiceto também da podridão branca. O fungo Cunninghamella elegans UCP542 apresentou um alto índice de adsorção (85%) (AMBRÓSIO et al., 2012), enquanto os fungo Trametes sp. LA1 e Funalia trogii ATTC 200800 apresentaram uma contribuição 35 mínima de adsorção na descoloração do corante PR5, representando menos de 5% da remoção total do corante (LEVIN et al., 2012; MAZMANCI et al., 2005). Os resultados reforçam a existência de outros mecanismos de descoloração dos corantes PR5 e LR16 pelos fungos estudados, sendo possível que VR120 seja menos suscetível ao conjunto de enzimas produzidas pelos fungos do que os demais corantes analisados. A adsorção pelo micélio também é uma técnica de remoção de corantes importante, tendo baixo custo e aplicação facilitada quando comparada a processos físico- químicos (SINTAKINDI & ANKAMWAR, 2021). 5.1.4. Fitotoxicidade Monitorar a toxicidade dos corantes tratados por microrganismos é importante para avaliar se os produtos degradados ainda são tóxicos, apesar de terem perdido sua coloração (ADNAN et al., 2016). Os ensaios realizados avaliaram a toxicidade dos caldos dos ensaios com micélio ativo (tratamentos) ou não (controles) frente ao controle negativo, realizado somente com água. Nas taxas de germinação das sementes, tanto no controle quanto nos tratamentos de ambos os fungos, foram identificadas reduções que não ultrapassaram os 10% (Tabela 1). As alterações nas taxas de germinação das sementes podem ser consideradas como um efeito letal, que inviabiliza o embrião, quando se pode comprovar que a cessação à exposição de compostos tóxicos não faz as sementes retornarem à viabilidade (SOBRERO e RONCO, 2004). Os valores encontrados não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre tratamento e controle para nenhuma condição fungo/corante, indicando que os tratamentos com os fungos não foram capazes de alterar a germinação das sementes. No estudo realizado por Wang et al. (2001), que valida a utilização de sementes de Cucumis sativus em ensaios de fitotoxicidade, são reportadas as concentrações necessárias de substâncias tóxicas para reduzir a germinação das sementes em 50%. Para algumas substâncias, como compostos fenólicos que estão presentes como produtos da degradação de azo corantes (WANG et al., 2001; RAMIREDDY et al., 2023; SANTELLO, 2023; AL- TOHAMY et al., 2020), foram necessárias cerca de 370 mg/L para a redução da taxa de germinação. Estes valores são maiores do que as concentrações de corantes aplicadas nos ensaios, o que pode explicar a baixa sensibilidade da germinação das sementes aos caldos. 36 Tabela 1. Média e desvio padrão da germinação de sementes (GS), da elongação radicular (ER) e do índice de germinação (IG). Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre os valores do tratamento e seu controle. Os símbolos de “*” representam diferença significativa (p < 0,05) entre o tratamento e o controle negativo. Fitotoxidade em ensaios com micélio ativo Amostra GS (%) ER (%) IG (%) Controle negativo 100 ± 0 100 ± 0 100 ± 0 P. palmivorus CBMAI 1062 PR5 Tratamento 96,59 ± 4,10 a* 35,23 ± 3,15 a* 34 ± 3,02 a* PR5 Controle 98,48 ± 2,14 a* 30,7 ± 3,35 a* 30,29 ± 3,79 a* LR16 Tratamento 94,32 ± 6,91 a* 30,76 ± 5,39 a* 29,01 ± 5,65 a* LR16 Controle 94,7 ± 4,67 a* 27,46 ± 1,50 a* 26,07 ± 2,69 a* VR120 Tratamento 94,25 ± 4,74 a* 27,31 ± 2,98 a* 25,72 ± 2,97 a* VR120 Controle 93,1 ± 6,30 a* 22,64 ± 2,24 b* 21,14 ± 3,01 b* Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 PR5 Tratamento 94,05 ± 6,41 a* 7,36 ± 1,33 a* 7,19 ± 1,09 a* PR5 Controle 91,67 ± 6,41 a* 9,14 ± 2,76 a* 8,5 ± 3,07 a* LR16 Tratamento 100 ± 0 a* 10,99 ± 4,73 a* 10,99 ± 4,73 a* LR16 Controle 98,81 ± 2,66 a* 7,32 ± 1,78 a* 7,21 ± 1,66 a* VR120 Tratamento 100 ± 0 a* 34,75 ± 5,43 a* 34,75 ± 5,43 a* VR120 Controle 98,57 ± 2,86 a* 16,89 ± 3,65 b* 16,72 ± 3,89 b* Quanto à variável de elongação radicular foi possível observar uma maior sensibilidade das sementes, com taxas que chegaram a no máximo 35% do elongamento radicular do controle negativo. Esta variável é atribuída como um efeito subletal, uma vez que não inviabiliza a germinação do embrião, mas pode retardar o crescimento (SOBRERO e RONCO, 2004). Só foi possível observar diferença estatisticamente significativa entre os tratamentos e os controles nos ensaios com o corante VR120, que foi o menos descolorido por ambos os fungos. Este dado indica que o processo de descoloração do corante diminui também a toxicidade sobre as radículas, como reportado por Almeida et al. (2001) em ensaios de descoloração utilizando o fungo Phanerochaete chrysosporium ME-446, também de podridão branca. O índice de germinação (IG) tem se mostrado um fator bastante sensível na avalição de fitotoxicidade ao levar em consideração o enlongamento das radículas e a taxa de germinação das sementes (TIQUIA, TAM e HODGKISS, 1996). IG superiores a 80% indicam que o composto testado não possui toxicidade. Números na faixa de 70% a 80% são considerados moderadamente tóxicos, enquanto aqueles entre 50 e 70% são 37 classificados como tóxicos. Na faixa de 30 a 50%, são considerados muito tóxico, e valores abaixo de 30% indicam uma toxicidade extremamente elevada. (BELO, 2011; GONÇALVES et al., 2020). Mais uma vez, o único experimento que apresentou diferença estatisticamente significativa entre o tratamento e o controle foi com o corante VR120. Ainda, todos os resultados encontrados se mantiveram entre muito tóxicos e extremamente tóxicos, mesmo após o tratamento com os fungos estudados. A análise de toxicidade após a descoloração pode demonstrar que os compostos intermediários do processo de degradação de um poluente podem ser mais tóxicos do que o composto original (GIOVANELLA et al., 2020; OBEROI e PHILIP, 2017). Esse aumento de toxicidade também foi reportado em corantes do tipo azo, que se quebram em aminas mais nocivas (ALMEIRA & CORSO, 2014; BRÜSCHWEILER et al., 2014). Miguel (2021) não encontrou toxicidade em concentrações baixas de CuSO4, utilizado no meio de cultivo como indutor na produção de lacase, na germinação de Cucumis sativus dado que o cobre é um micronutriente de plantas. Isso indica que o indutor da atividade de lacase utilizado no presente estudo não acrescenta toxicidade ao meio de cultivo. 5.2. Ensaios utilizando secretoma fúngico 5.2.1. Descoloração em placa sem mediadores A descoloração utilizando o secretoma dos fungos oferece vantagens na aplicação dos processos de descoloração e destoxificação, não havendo micélio fúngico que possa encontrar dificuldades para se desenvolver em ambientes contaminados e adsorção de corantes (BONUGLI-SANTOS, 2012). Apesar da adsorção poder ser utilizada como técnica de descoloração, a estratégia acaba gerando resíduos biológicos contaminado com xenobióticos tóxicos (SINTAKINDI & ANKAMWAR, 2021), e que necessitam de tratamento adicional. Outras estratégias, como a utilização de enzimas purificadas, são também bastante efetivas e não geram resíduos de biomassa contaminada; entretanto são mais caras e as condições de salinidade e pH dos efluentes podem prejudicar a eficiência das enzimas que degradam e destoxificam os poluentes (MIELGO et al., 2003). O uso do secretoma fúngico não demanda etapas de purificação que podem encarecer o processo e apresenta como vantagem a presença de diferentes enzimas que podem atuar de forma sinérgica sobre os poluentes (CANTELE et al., 2017b). 38 No bioensaio utilizando o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 (Figura 8) e o corante PR5, foi observado um aumento progressivo na descoloração ao longo do tempo com o pico máximo ocorrendo em 48 h, atingindo o valor de 58,2% de descoloração, sendo que a partir das 24 h de incubação já não houve diferença estatisticamente significativa (Tukey, p < 0,05) com relação à descoloração obtida em 48 h. Em relação ao corante LR16, também foi possível observar um aumento gradual discreto na descoloração. O pico de descoloração ocorreu após 48 h, com um valor de 10,5%. Quanto ao corante VR120, os dados apresentam um padrão diferente; até a primeira hora não foi detectada nenhuma descoloração. Após esse período, a descoloração aumentou lentamente atingindo o pico de descoloração (7,7%) após 48 h. Figura 8. Descoloração dos corantes PR5, LR16 e VR120 promovida pelo secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 após 48h de incubação a 30 °C. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05). Nos testes realizados com o secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 (Figura 9), o corante VR120 não apresentou nenhuma descoloração, mesmo após 48 h de incubação. Entretanto, o corante PR5 apresentou 50,7% de descoloração após 48 h. O corante LR16 sofreu leve descoloração, alcançando um pico de 5,97% no mesmo período. Mais uma vez, os resultados indicam que o secretoma teve um efeito de descoloração maior para o corante PR5. Utilizando apenas o sobrenadante do crescimento fúngico, outras enzimas presentes também podem contribuir para a descoloração do corante (CANTELE et al., 2017b). A escolha de avaliar a utilização do caldo bruto pode ajudar a 39 reduzir os custos do processo e aumentar a viabilidade econômica para a implementação da tecnologia em larga escala (CANTELE et al., 2017b). Figura 9. Descoloração dos corantes PR5 e LR16 observadas frente ao secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 após 48h de incubação a 30 °C. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração dos corantes. 5.2.2. Descoloração em placa com mediadores Como dito anteriormente, a atividade da enzima lacase pode ser aumentada com a utilização de mediadores que atuam como intermediários entre a lacase e os substratos a serem reduzidos. Experimentos utilizando os secretomas fúngicos, suplementados com os mediadores ABTS, siringaldazina (SYR), siringaldeído (SHD) e ácido p-cumárico (PCA) foram capazes de aumentar as taxas de descoloração já obtidas com os secretomas (Figuras 10, 11, 12 e 13). O secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 (Figura 10) suplementado com ABTS apresentou a maior porcentagem de descoloração do LR16 (54,83%), após 48 h de incubação. A suplementação com SYR e SHD descoloriu 35,26% e 13,76%, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa (Mann- Whitney, p > 0,05) entre as descolorações obtidas com o acréscimo de ABTS e SYR. Não foi detectada descoloração com a adição de ácido p-cumárico. 40 Figura 10. Descoloração do corante Laranja Reativo 16 (LR16) promovido pelo secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 suplementado com mediadores de lacase após 48h de incubação a 30 °C. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida com os mediadores. Nos experimentos com o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 e o corante PR5 (Figura 11), após 48 h com a adição dos mediadores ABTS, SYR, SHD e PCA os valores de descoloração foram de 75,4%, 80,5%, 78,2% e 63,3%, respectivamente. O mediador SHD apresentou maior taxa de descoloração em comparação aos demais nas primeiras 6 h, quando atingiu o pico de descoloração. Após 48 h de cultivo na presença do mediador SYR o maior resultado de descoloração foi obtido, mas sem diferença estatisticamente significativa para a descoloração obtida pelo secretoma com a adição do SHD. O uso de PCA como mediador resultou nos menores valores de descoloração em todos os tempos de leitura. 41 Figura 11. Descoloração do corante PR5 promovida pelo secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 e suplementado com mediadores de atividade de lacase após 48h de incubação a 30 °C. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida com os indutores. “*” indica o momento em que a diferença no tempo de incubação deixa de influenciar no processo de descoloração no meio contendo SHD (Tukey, p < 0,05). Os resultados de descoloração do corante LR16 pelo secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e mediadores (Figura 12) foram menores do que os apresentados pelo secretoma do fungo P. palmivorus CBMAI 1062. Após 48 h de incubação, a descoloração com o mediador SYR atingiu 21,5%, enquanto a descoloração com ABTS atingiu 11,2%. Os dados não apresentaram diferença estatisticamente significativa segundo o teste de Tukey (p > 0,05). 42 Figura 12. Descoloração do corante Laranja Reativo 16 (LR16) promovida pelo secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 suplementado com mediadores de lacase após 48h de incubação a 30 °C. Letras idênticas indicam que não há diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida com os indutores. A descoloração do corante PR5 pelo secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 com os mediadores (Figura 13) foi a mais rápida observada. Na primeira hora o indutor ABTS já apresentou cerca de 66% de descoloração do corante, valor que não é estatisticamente significativo (Teste de Tukey, p < 0,05) do pico de descoloração (74,5%) obtido a partir da segunda hora de leitura. Os mediadores SYR e SHD apresentaram em picos de descoloração de 76,3% e 75%, respectivamente, os quais também não foram estatisticamente significativos (Teste de Tukey, p < 0,05) em comparação com ABTS. Assim como nos resultados obtidos com o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062, o mediador PCA apresentou os menores valores de descoloração, chegando a 50,1% em 24 h de incubação. 43 Figura 13. Descoloração do corante PR5 promovida pelo secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 suplementado com mediadores de lacase após 48h de incubação a 30 °C. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida com os indutores. “*” indica o momento em que a diferença no tempo de incubação deixa de influenciar no processo de descoloração no meio contendo ABTS (Tukey, p < 0,05). Otero (2022), utilizando lacase purificada obtida de Peniophora sp. CBMAI 1063, também encontrou dados de descoloração de cerca de 80% para PR5 utilizando SYR e SHD como mediadores. Outros estudos também reforçam o aumento que a adição de mediadores pode causar nas taxas de descoloração, utilizando o secretoma de fungos da podridão branca em testes com corantes (ALMANSA et al., 2004; SEM et al., 2016). Utilizando uma mistura de mediadores, Khilifi et al. (2010) reportaram um grande potencial na utilização da lacase purificada do fungo de podridão branca Trametes trogii CTM 50156 no processo de descoloração de efluentes têxteis, aumentando de 10% (uso de lacase pura) para 60% com a adição de mediadores à mistura reacional, além de resultados de destoxificação próximos a 80%. As diferenças estruturais entre as moléculas dos corantes podem justificar as diferenças na eficiência da lacase e mediadores na descoloração do PR5 em comparação aos demais corantes, uma vez que azocorantes já são recalcitrantes e não são facilmente degradados (CANTELE et al., 2017b). 44 5.2.3. Otimização da temperatura e do pH de descoloração O corante PR5 foi selecionado para os próximos ensaios, uma vez que foi o que apresentou a maior taxa de descoloração nos ensaios anteriores. Buscando aprimorar os resultados de descoloração já obtidos utilizando os secretomas fúngicos, os mediadores que apresentaram os melhores resultados foram selecionados. Desta forma, o SHD e o ABTS, foram utilizados nos ensaios para definição da melhor faixa de pH e temperatura para descoloração do PR5. Nos ensaios utilizando o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 foi possível detectar a descoloração em todos os pH testados (Figuras 14 e 15). Entretanto, as melhores faixas de descoloração aconteceram também na faixa mais próxima da neutralidade, como também registrado com o secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Para o secretoma do P. palmivorus CBMAI 1062, o uso do mediador SHD resultou em taxas mais altas de descoloração. Não houve diferença estatisticamente significativa entre a descoloração encontrada com tamponamento nos pH 5 e 6, que foram diferentes (p < 0,05) dos demais pH testados. Ao utilizar o mediador ABTS o melhor resultado foi encontrado tamponando a reação em pH 7. Apesar disso, a taxa de descoloração encontrada utilizando ABTS foi menor do que a utilizando o mediador SHD. Figura 14. Variação de pH e a taxa de descoloração do corante PR5, com o secretoma do fungo P. palmivorus CBMAI 1062 e os mediadores SHD e ABTS. As letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida entre os diferentes pH. Figura 15. Placa utilizada para os ensaios de descoloração de PR5, com secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062, com variação de pH e os mediadores SHD e ABTS. 45 Utilizando o secretoma do fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, só foi possível identificar descoloração a partir do pH 4 com o mediador SHD e a partir do pH 5 com ABTS (Figuras 16 e 17), com taxas de descoloração que variaram entre 30 e 40%. Quando o mediador ABTS foi utilizado, resultados maiores foram encontrados. Entretanto, o secretoma com o mediador SHD apresentou descoloração em uma maior faixa de pH, aumentando a eficiência da descoloração. Não foi identificada diferença estatisticamente significativa entre as descolorações encontradas nos diferentes valores de pH com a adição de ambos os mediadores. Figura 16. Variação de pH e a taxa de descoloração do corante PR5, com o secretoma do fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 e os mediadores SHD e ABTS; as linhas verticais representam o desvio padrão, letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida entre os diferentes pH. Figura 17. Placa utilizada para os ensaios de descoloração de PR5, com secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, com variação de pH e os mediadores SHD e ABTS. 46 Para verificar a temperatura otimizada para a reação de descoloração foi selecionada a combinação mediador SHD e pH 6 para ambos os fungos. Com o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 esta combinação revelou as melhores taxas de descoloração. Já nos resultados com o secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 esta não foi a combinação que trouxe as melhores taxas de descoloração, mas SHD se apresentou como um mediador com maior eficiência, apresentando descoloração em mais faixas de pH. Além disso, não houve diferença estatisticamente significativa entre as descolorações obtidas. Desta forma, buscando a padronização das próximas etapas, a combinação descrita acima foi selecionada. Além das enzimas, as moléculas de azo corantes como o PR5 que é negativamente carregado, também podem ser influenciadas pela variação da faixa de pH da solução onde se encontram (SON et al, 2010; WU e YU, 2009). Esta relação entre os corantes e o meio pode ser um fator importante a ser levado em consideração quanto à diferença do ótimo de atividade de Lac (pH 2.2) e o ótimo de descoloração (pH 6-7) (SON et al, 2010). As testagens referentes à temperatura (Figura 18) apresentaram um ótimo para Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 em temperaturas mais elevadas, sendo que aos 60ºC foram registrados os melhores resultados e com menor desvio. Como já discutido anteriormente, lacases são enzimas que tem afinidade por temperaturas elevadas, como as lacases de Peniophora sp. CBMAI 1063 que tem atividade ótima próximas aos 55ºC (FONTES et al., 2021). Entretanto, temperaturas elevadas podem diminuir a estabilidade da enzima, levando à redução de sua atividade (ALI et al., 2020; OTERO, 2022). Os ensaios realizados com P. palmivorus CBMAI 1062 demonstraram taxas de descoloração melhores do que as observadas com o secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, em todas as temperaturas, estando próxima aos 80% dos 30 aos 50ºC, sendo que também não 47 houve diferença estatisticamente significativa entre as taxas de descoloração encontradas nessa faixa de temperatura. Para os ensaios posteriores foi selecionada a combinação 40ºC, SHD como mediador e pH 6. A temperatura de 40ºC foi selecionada por ser a melhor temperatura de descoloração encontrada em P. palmivorus CBMAI 1062, enquanto em Tinctoporellus sp CBMAI 1061 tal faixa de temperatura não apresentou diferença estatisticamente significativa em relação ao teste feito em 50ºC. Além disso, 40ºC é uma temperatura mais próxima da temperatura ambiente, o que pode ser uma vantagem ao se pensar em processos de biorremediação aplicados a efluentes têxteis. Temperaturas menores e mais próximas da temperatura ambiente são mais viáveis estrutural e economicamente para aplicação em processos de larga escala. Figura 18. Descoloração do corante PR5 em função da variação de temperatura, utilizando os secretomas fúngicos. a: P. palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. As linhas verticais representam o desvio padrão, letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida entre as temperaturas. 5.2.4. Descoloração em escala maior: 10 e 50 mL Para os ensaios em maior escala foi mantida a proporção dos reagentes utilizada nos ensaios em placa. Temperatura (40ºC), pH (6) e mediador (SHD) foram selecionados a partir dos resultados dos ensaios anteriores. Foram testadas quatro concentrações do corante, uma vez que em efluentes têxteis a concentração dos corantes que não se prendem aos tecidos e é despejada pode variar de 10 até 400 mg.L-1, sendo que a presença de alguns corantes na água é perceptível a partir de 1 mg.L-1 (CHATZISYMEON et al., 48 2006; KAVITHA e SRINIVASAN, 2020). Ao testarmos mais de uma concentração do corante PR5 foi possível observar como o esquema reacional se comporta frente à quantidade de corante. Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 apresentou uma melhor taxa de descoloração na concentração de 100 mg.L-1, acima dos 70%, que decaiu significativamente com as concentrações maiores ou igual a 250 mg.L-1 (resultados na faixa entre 30 e 40%). P. palmivorus CBMAI 1062, também apresentou melhor resultado na concentração de 100 mg.L-1, mas a redução na taxa de descoloração foi menor nos ensaios com concentrações maiores de corante, permanecendo sempre acima dos 77% de descoloração (taxa mais baixa encontrada na concentração de 500 mg.L-1). Com o secretoma deste fungo a descoloração se manteve estatisticamente igual em todas as concentrações testadas, demonstrando que o padrão de descoloração se mantém mesmo com um aumento de até 10x na concentração de corante (Figura 19), chegando a ser facilmente visível nas concentrações mais baixas (Figura 20). Figura 19. Descoloração do corante PR5 em ensaios realizados em 10 mL, utilizando os secretomas fúngicos e diferentes concentrações de corante. a: P. palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida entre as concentrações. A redução na taxa de descoloração em função do aumento de concentração de corante, como aconteceu visivelmente com o secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, é reportada também em outros ensaios de descoloração utilizando microrganismos, sendo que concentrações a partir de 200 mg.L-1 já são capazes de afetar significativamente as taxas de descoloração (SRIVASTAVA et al., 2022; WIELEWSKI et al., 2020). Uma das hipóteses levantadas diz sobre o impacto das moléculas de corante e seus produtos de 49 quebra bloqueando os sítios ativos das enzimas que atuam na descoloração (SRIVASTAVA et al., 2022). Desta forma, os resultados encontrados no presente estudo corroboram com a ideia de mecanismos enzimáticos distintos atuando na quebra do corante em cada um dos fungos. Figura 20. Ensaios de descoloração do corante PR5 na concentração de 100 mg.L-1, realizados em 10 mL, utilizando os secretomas fúngicos. À esquerda os controles, à direita os tratamentos. a: Paramarasmius palmivorus CBMAI 1062; b: Tinctoporellus sp. CBMAI 1061. Ensaios com escala ainda maior, contendo 50 mL de meio reacional, também foram realizados para a realização das análises de GC-MS. Neste ensaio apenas a concentração de 100mg.L-1 de corante foi utilizada, uma vez que foi a concentração onde ambos os fungos apresentaram uma maior taxa de descoloração (Figura 21). 50 Figura 21. Descoloração do corante PR5, na concentração final de 100 mg.L-1, em ensaios realizados em 50 mL utilizando os secretomas fúngicos. As linhas verticais representam o desvio padrão. Assim como nos ensaios realizados com 10 mL de meio reacional, o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 foi mais efetivo na descoloração do corante PR5 em relação ao secretoma de Tinctoporellus sp. CBMAI 1061, chegando a 90% de descoloração. Ao comparar os resultados de descoloração em 50 mL com os resultados encontrados em 10 mL, foi identificada diferença estatisticamente significativa para o secretoma de ambos os fungos (Tabela 2). Tabela 2. Taxas de descoloração do corante PR5 encontradas com o secretoma de ambos os fungos e o desvio padrão. Letras diferentes representam diferença significativa (p < 0,05) entre a descoloração obtida em 10 e 50 mL pelo mesmo fungo. Fungo Descoloração 10 mL 50 mL P. palmivorus CBMAI 1062 93,63 ± 4,62 a 90,45 ± 0,8 b Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 76,18 ± 0,44 a 67,52 ± 4,96 b Apesar de ter sido observada uma diferença estatisticamente significativa nos resultados de descoloração entre as escalas dos ensaios, é importante ressaltar que os dados de descoloração obtidos com P. palmivorus CBMAI 1062 permaneceram consistentemente acima de 90%. Isso indica a efetividade desse fungo na remoção do corante PR5, mesmo quando comparado ao fungo Tinctoporellus sp. CBMAI 1061 em 51 condições de teste com volumes maiores. A capacidade de manter a descoloração em maior escala é um fator importante para aplicação em processos de biorremediação, indicando o secretoma de P. palmivorus CBMAI 1062 como potencial agente de degra