UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA VANIA FERNANDES E SILVA FORMAÇÃO DOCENTE & CENTRO DE CIÊNCIAS: ESTUDO SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE QUÍMICA Orientador: Prof. Dr. Fernando Bastos Bauru 2013 VANIA FERNANDES E SILVA FORMAÇÃO DOCENTE & CENTRO DE CIÊNCIAS: ESTUDO SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE QUÍMICA Orientador: Prof. Dr. Fernando Bastos Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência, da Área de Concentração em Ensino de Ciências, da Faculdade de Ciências da UNESP/Campus de Bauru, como requisito para conclusão do curso de doutorado. Bauru 2013 Silva, Vania Fernandes. Formação docente & centro de ciências: estudo sobre uma experiência de formação continuada de professores de química / Vania Fernandes e Silva, 2013 220 f. : il. Orientador: Fernando Bastos Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2013 1. Formação continuada de professores. 2.Centros de Ciências. 3. Uso de experimentos no ensino de Química. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. VANIA FERNANDES E SILVA FORMAÇÃO DOCENTE & CENTRO DE CIÊNCIAS: ESTUDO SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE QUÍMICA Esta tese foi julgada para a obtenção do grau de Doutora em Educação para a Ciência, na área de concentração em Ensino de Ciências, no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista. Bauru, fevereiro de 2013. Banca Examinadora: Prof. Dr. Fernando Bastos (Orientador) Professor Assistente, Faculdade de Ciências, campus de Bauru, Universidade Estadual Paulista. Prof. Dr. Roberto Nardi Professor Adjunto, Faculdade de Ciências, campus de Bauru, Universidade Estadual Paulista. Prof. Dr. Álvaro Lorencini Júnior Professor Associado, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Londrina. Profª Drª Martha Marandino Professora Associada, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. Profª Drª Silvia Regina Quijadas Aro Zuliani Professora Assistente, Faculdade de Ciências, campus de Bauru, Universidade Estadual Paulista. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Fernando Bastos, por ter aceitado a orientação deste trabalho, com o qual muito contribuiu de maneira competente e respeitosa. Ao Prof. Dr. Roberto Nardi, Coordenador do DINTER UNESP/UFJF, por seu exemplo de competência profissional, pelos momentos de escuta e contribuições para a consecução de meu doutoramento. À Profª Drª Maria Elisa Caputo Ferreira, Coordenadora do DINTER UNESP/UFJF, por ter conduzido cada doutorando com extrema seriedade, respeito, competência e inigualável sabedoria. À CAPES pelo investimento e apoio para a realização deste Doutorado Interinstitucional (DINTER). Ao Prof. Dr. Álvaro Lorencini Júnior pelas valiosas contribuições à época do Exame de Qualificação e por participar da Banca de Defesa de Tese. Às Professoras Drª Martha Marandino e Drª Silvia R. Q. A. Zuliani, que tão prontamente aceitaram participar da Banca Examinadora. Aos professores Dr. Eloi Teixeira César, diretor do Centro de Ciências da UFJF, e Dr. José Guilherme da Silva Lopes, Coordenadores do Curso de Formação Continuada pesquisado, que permitiram, sem reservas, meu acesso a todos os documentos e materiais necessários à pesquisa, além de destinar horas de seu tempo para esclarecer todas as dúvidas que tive durante o percurso. À equipe do Centro de Ciências da UFJF, em especial, Rita, Marcela e Denise. À Direção do Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF, professores José Luiz Lacerda e Andréa Vassallo Fagundes, que não mediram esforços para concretizarem o DINTER. E à administração superior, Prof. Dr. Henrique Duque, que propiciou todos os recursos necessários para a sua realização. À Profª Mestre Cleuza Maria Abranches Penna um agradecimento muito especial pelo ombro amigo de todas as horas e pelo apoio institucional, sem o qual seria mais difícil concluir esta caminhada. À Profª Mestre Miriam Raquel Piazzi Machado, amiga incontestável, que não mede esforços para ajudar, pelas palavras de conforto e pelo auxílio na formatação e revisão deste trabalho, desde o exame de qualificação. À Profª Drª Daniela Motta de Oliveira, amiga de luta sindical em prol da profissão docente, pelo empréstimo de livros, artigos e por compartilhar algumas inquietações intelectuais. Aos meus colegas da Turma do DINTER de 2009 com quem compartilhei ansiedades, dúvidas, inseguranças, trabalhos, viagens a Bauru e, finalmente, compartilho a satisfação de concluir este doutorado. Em especial, à Profª Drª Nélia Mara da Costa Barros Silva, amiga de fé e “irmã camarada”, pela determinação e por dividir, bem de perto, cada momento vivido neste processo. Aos meus colegas professores do Departamento de Letras e Artes e às professoras do 1º ao 5º ano do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Especialmente, à Profª Drª Maria Cristina Weitzel Tavela pelas palavras de incentivo e pelo exemplo de profissional. À Profª Waldenise Fernandes e Silva Conte, irmã/amiga/revisora, pela difícil tarefa de correção da língua portuguesa neste trabalho, desde o exame de qualificação; pelo resgate de uma relação profunda e eterna; pelo incentivo, ombro, acalanto fundamental para não desviar o percurso. À minha mãe Sonia e irmã Viviane pela compreensão nos momentos de ausência e pelo afeto e apoio nas fases de desânimo. À cunhada/irmã Marina pelas palavras carinhosas e solidárias. Ao irmão/cunhado Prof. Mestre Cláudio Freitas pelas infinitas conversas orientadoras e pela doação de livros significativos. À sogra/amiga Maria da Graça pela presença no surgimento das primeiras linhas desta tese e por sempre incentivar a minha escrita. Aos meus filhos Mariana, Felipe, Pedro e Lucas por abdicarem pacientemente de nossos momentos de lazer e por me ajudarem a cuidar de todos para que eu pudesse me dedicar à tese. Nada faria sentido sem vocês em minha vida! Ao Prof. Dr. Marcos Freitas, marido/amigo há dezoito anos, mais que coorientador deste trabalho, coautor da minha história de vida. Obrigada por compartilhar, pacientemente, ideias e ideais! A Deus, paz que transcende todo entendimento, por seu infinito amor que me conduziu a essa conquista. “Não é simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que necessitamos é de um novo modo de produção de conhecimento. Não necessitamos de alternativas, necessitamos é de um pensamento alternativo às alternativas.” Boaventura de Sousa Santos (2007) Doutor em Sociologia do Direito Professor catedrático da Universidade de Coimbra RESUMO A Educação em Ciências enfrenta um desafio contemporâneo voltado para a construção de conhecimentos que contribuam para a formação de cidadãos críticos. Para tanto, torna-se necessário o desenvolvimento profissional dos professores, a fim de que os conhecimentos científicos sejam discutidos e que o Ensino de Ciências realize-se com qualidade. Para o professor desempenhar essa tarefa, a formação inicial é insuficiente, pois, em seu processo formativo, esta é uma das fases do desenvolvimento profissional e, por isso, possui algumas limitações cujos impactos têm imposto a necessidade da criação de novos espaços que ofereçam formação continuada, como por exemplo, os Centros de Ciências. Sendo assim, esta pesquisa teve por objetivo investigar as contribuições e as limitações de um desses Centros para o processo formativo de docentes, tomando como amostra o Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG, o qual realizou um curso de formação continuada, intitulado: “O uso do experimento no Ensino de Química”, com vinte e cinco docentes do Ensino Médio de escolas públicas dessa cidade. Para tanto, foram percorridas as seguintes etapas: (a) Análise sobre a constituição dos Centros de Ciências, no Brasil, enfocando os seus objetivos e as suas finalidades. (b) Reflexão sobre a formação continuada de professores de Ciências, abordando aspectos da legislação vigente e das políticas de formação continuada de docentes da Educação Básica. (c) Coleta de dados, através de entrevistas semiestruturadas e observação participante. (d) Análise dos dados coletados à luz do referencial teórico, utilizando o conjunto de técnicas da análise de conteúdo. Através dos resultados obtidos, percebeu-se que os docentes reconheceram como o diferencial desse curso do Centro de Ciências as seguintes contribuições: disponibilidade de recursos materiais para o ensino prático e livre acesso à sua infraestrutura; e assessoria sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, voltado para o Ensino Médio, com estímulo à reflexão sobre a prática. Entretanto, eles identificaram como limitações desse curso de formação continuada do Centro de Ciências: escassa carga horária do curso; ausência de avaliação e de retorno dos Coordenadores sobre a atividade proposta para a sua conclusão; e heterogeneidade da turma quanto à formação de origem. Por fim, concluiu-se que a busca por melhorias no Ensino de Ciências necessita englobar esforços que vão desde a implementação de ações sistematizadas, voltadas para melhoria da formação inicial e continuada de professores dessa área do conhecimento e chegam até a ampliação de espaços não formais de educação científica, como os Museus ou Centros de Ciências. Potencializar nesses Centros a função existente desde a sua criação, porém diluída através do tempo, de cooperar com a formação docente é uma das possibilidades de agregar iniciativas para a tão almejada qualidade no Ensino de Ciências. Palavras-chave: Formação continuada de professores. Centros de Ciências. Uso de experimentos no Ensino de Química. ABSTRACT The Science Education faces a contemporary challenge related to the construction of knowledge that contributes to the formation of critical citizens. For that, it becomes necessary the professional development of teachers, so that scientific acquirements are discussed and the quality of the Science Teaching can be taken place. To perform this task the initial training is insufficient because, in teachers’ formation process, this is only one of the stages of professional development with some specific limitations whose impacts have imposed the need of creating new spaces that offer continuing education, such as the Science Centers. Therefore, this study aimed to investigate the contributions and limitations of these centers for the training of teachers, taking as sample the Federal University of Juiz de For Science Center (UFJF), MG, which held a continuing education course entitled: "The use of experiment in the Teaching of Chemistry", with twenty-five High School teachers of public schools. For that, we performed the following steps: (a) Analysis of the constitution of the Science Centers in Brazil, focusing on their objectives and purposes; (b) Reflection about continuing education of Science teachers, addressing aspects of current legislation and policies for continuing education of Basic Education teachers; (c) Data collection through semi-structured interviews and participant observation; (d) Analysis of data collected in the light of the theoretical framework, using a set of techniques of content analysis. Through the results, it was found that teachers recognized as the differential of this course of the Science Center the following contributions: availability of material resources for practical teaching and free access to its infrastructure, and advice about the pedagogical content knowledge, facing the high school, with encouraging reflection on practice. However, they identified as limitations of this training course: scarce course load, lack of coordinators’ evaluation and feedback the proposed activity to its completion, and heterogeneity of the class for the origin formation. Finally, it was concluded that the search for improvements in Science Education needs to include efforts ranging from the implementation of systematized actions, aimed at improving initial and continuing training of teachers in this area of knowledge and they even increasing spaces non- formal scientific education, such as the Museums and Science Centers. Potentiate, for these Centers, the existing function since its inception, but diluted through the time, to cooperate with teacher training is one of the possibilities of adding initiatives for the coveted quality in Science Education. Keywords: Continuing training of teachers. Science Centers. Using experiments in Chemistry Teaching. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Perfil dos professores cursistas da Turma 1 .......................................... 27 Quadro 2 – Perfil dos professores cursistas da Turma 2 .......................................... 28 Quadro 3 – Dados sobre a distribuição regional de Centros e Museus de Ciências no Brasil, em 1999 e 2009 ............................................................................................. 41 Quadro 4 – O Museu e a Museologia na atualidade ................................................. 43 Quadro 5 – Procedimentos técnico-científicos articulados pela ................................ 44 Museologia e produtos gerados pelo processo de musealização ............................. 44 Quadro 6 – Funções do Museu ................................................................................. 44 Quadro 7 – Museus Interativos: origem e função ...................................................... 45 Quadro 8 – Descrição de atividades do Centro de Ciências da UFJF ...................... 54 Quadro 9 – Caracterização das fases/etapas relacionadas aos anos de carreira docente, de acordo com Huberman (1990) apud Marcelo García (1999) ................. 99 Quadro 10 – Caracterização dos sujeitos da pesquisa – Turmas 1e 2 ................... 102 Quadro 11 – Classificação da visão dos professores sobre o uso de experimentos no ensino de acordo com os objetivos por eles propostos para essa atividade prática. ................................................................................................................................ 130 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Formação e Titulação dos professores cursistas .................................... 97 Gráfico 2 – Cursos de Pós-graduação (latu ou stricto sensu) realizados pelos professores cursistas........................................................................................ 98 Gráfico 3 – Tempo de docência dos professores cursistas ..................................... 100 Gráfico 4 – Carga horária de trabalho semanal dos professores cursistas ............. 101 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 19 2.1 O caminho percorrido: detalhando a trajetória da pesquisa ................................ 19 2.2 Professores em Formação Continuada no Centro de Ciências da UFJF: caracterizando os sujeitos ......................................................................................... 26 2.3 Análise de conteúdo: conhecendo seu conjunto de técnicas .............................. 29 3 CENTROS DE CIÊNCIAS: ESPAÇOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ........................................................................... 32 3.1 A trajetória dos Centros de Ciências no Brasil: objetivos e finalidades ............... 32 3.2 Centros de Ciências e Formação de Professores: uma relação necessária para o fomento da qualidade do Ensino de Ciências ........................................................... 46 3.3 O Centro de Ciências da UFJF: conhecendo o campo da pesquisa ................... 51 4 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA ........................................................................................................... 63 4.1 Legislação e Política de Formação Continuada de Professores: leitura sobre alguns aspectos ........................................................................................................ 63 4.2 Que professores queremos formar? Fundamentos para a formação inicial. ....... 69 4.3 Quais os saberes docentes necessários para a formação do professor? ........... 74 4.4 Formação de professores de Ciências: enfoque sobre a formação continuada .. 88 5 FORMAÇÃO CONTINUADA NO CENTRO DE CIÊNCIAS DA UFJF: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RELATOS DOS PROFESSORES CURSISTAS .................................................................................................................................. 96 5.1 Curso de formação continuada no Centro de Ciências: para que e por quê? ... 105 5.1.1 As necessidades formativas dos docentes: .................................................... 105 5.1.1.1 Buscar conhecimentos sobre novas metodologias de ensino e conteúdos de Química ................................................................................................................... 106 5.1.1.2 Reconhecer a importância da formação continuada ................................... 108 5.1.1.3 Valorizar o espaço para troca de experiências entre os pares .................... 110 5.1.2 Objetivos propostos para a formação docente ............................................... 112 5.1.3 Resultados do atendimento às necessidades formativas dos professores cursistas .................................................................................................................. 116 5.2 O uso de experimentos no ensino: qual a visão dos docentes? ........................ 122 5.2.1 A concepção construtivista em foco na formação docente para o uso de experimentos no ensino .......................................................................................... 126 5.2.2 Objetivos dos docentes para o uso de experimentos no ensino .................... 128 5.2.2.1 Propiciar a aprendizagem dos estudantes .................................................. 129 5.2.2.2 Despertar o interesse e relacionar o conteúdo ao cotidiano dos estudantes ................................................................................................................................ 137 5.2.3 Dificuldades dos docentes para o uso de experimentos no ensino ................ 141 5.2.3.1 Condições referentes ao sistema escolar .................................................... 145 5.2.3.2 Condições referentes aos estudantes ......................................................... 151 5.2.3.3 Condições referentes aos docentes ............................................................ 153 5.3 Desenvolvimento profissional dos docentes através do Centro de Ciências: quais as contribuições e as limitações? ............................................................................ 157 5.3.1 Contribuições do curso para a prática docente: sem medo de experimentar . 157 5.3.2 Contribuições para o desenvolvimento profissional: o diferencial do Centro de Ciências .................................................................................................................. 172 5.3.3 Limitações do Centro de Ciências para a formação continuada: as reticências após o curso. ........................................................................................................... 187 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 197 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 205 APÊNDICE A – Roteiro do questionário aplicado aos professores cursistas .......... 212 APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas com os coordenadores do curso de formação continuada do Centro de Ciências da UFJF ............................................................ 215 APÊNDICE C – Roteiro de entrevistas com os professores do curso de formação continuada do Centro de Ciências da UFJF ............................................................ 216 APÊNCIDE D – Instruções para elaboração do roteiro ........................................... 217 APÊNCIDE E – Listagem bibliográfica do Caderno de Textos utilizado no curso “O uso de experimentos no Ensino de Química” do Centro de Ciências da UFJF ....... 219 12 1 INTRODUÇÃO Vivemos em uma sociedade em que o conhecimento científico e tecnológico é muito valorizado. Neste sentido, a Educação em Ciências enfrenta um desafio contemporâneo voltado para a construção de conhecimentos científicos que contribuam para a formação de cidadãos críticos. Para a construção do conhecimento científico, faz-se necessário combater aquilo que pode ser chamado, segundo Chalmers (1993), de “ideologia da ciência” que em nossa sociedade envolve o uso do conceito dúbio de Ciência e de verdade. No ponto de vista de Chalmers, não existe um conceito universal e atemporal de ciência ou de método científico, pois para ele a pergunta título de seu livro “O que é Ciência, afinal?” é enganosa e arrogante, visto que “ela supõe que exista uma única categoria ciência’”. Assim sendo, Carvalho e Gil-Pérez (1993, p.28) afirmam em seu livro “A formação de professores de Ciências” que cabe ao professor questionar as visões de ciência que são abordadas na escola de maneira repetitiva, dogmática e acrítica, visando ao rompimento com essas visões simplistas sobre o Ensino de Ciências vinculadas ao senso comum. Segundo os referidos autores, a formação de professores de Ciências (tanto a inicial quanto a continuada) deve: “Conhecer e questionar o pensamento docente de ‘senso comum’. (...) A título de exemplo, questionar a visão simplista do que é a Ciência e o trabalho científico. Questionar em especial a forma em que enfocam os problemas, os trabalhos práticos e a introdução de conceitos”. Retomando a questão da construção do conhecimento científico, é importante ressaltar que o conhecimento se constrói por interações entre sujeitos e objetos e para que isso aconteça é necessária uma prática pedagógica inovadora em sala de aula. Com este propósito, o professor deve se desenvolver numa perspectiva “crítico-reflexiva” (NÓVOA,1992) em que ele possa refletir sobre sua prática e elaborar novos caminhos para organizar diferentes situações didáticas que ajudem o aluno a aprender. Nessa perspectiva, o professor precisa ser indagador da própria prática pedagógica considerando-a um objeto de pesquisa que, segundo Nóvoa 13 (1992), seria a postura do professor reflexivo, crítico e pesquisador. Para este autor, o diálogo entre os professores é fundamental para que a dimensão coletiva se sobreponha às práticas pedagógicas individuais e isoladas que em nada contribuem para a construção do conhecimento em Ciências, visto que tal construção coletiva é importante não só para a solução de problemas do cotidiano, mas, também, para permitir aos indivíduos se tornarem cidadãos críticos em relação à sociedade. Portanto, é imprescindível que o professor compreenda as diversas demandas contemporâneas, perceba o seu papel como agente de transformação e, consequentemente, estimule os educandos, considerando as suas especificidades, a perceberem, a discutirem e a buscarem soluções para a realidade social na qual estão inseridos. Para realizar esta tarefa, é necessária a articulação dos saberes docentes1 (TARDIF, 2002), pois, de acordo com Shulman (1986/87), os professores têm conhecimento de conteúdo especializado e assim são protagonistas de uma construção que ele denomina “o conhecimento pedagógico do conteúdo” e que deve ser articulado e não justaposto, ou seja, não se separa forma e conteúdo. Em síntese, (re)pensar/discutir a formação docente para o Ensino de Ciências significa perceber que a valorização do conhecimento científico e tecnológico pela sociedade contemporânea exige do professor a realização de um trabalho que rompa com os conceitos que lidam com as Ciências de forma dogmática, acrítica e descontextualizada da realidade global, a fim de ele que possa contribuir para a formação de cidadãos críticos, alfabetizados cientificamente2. Por conseguinte, é, também, importante que este profissional da Educação busque novos caminhos nos quais aconteçam interações entre os sujeitos da aprendizagem e os conhecimentos científicos, de maneira que se favoreçam interlocuções que 1 Tardif (2002, p. 60/199) compreende saberes docentes como aqueles que englobam “os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes" que orientam o trabalho do professor. Contudo, para ele, não é qualquer manifestação do professor que é considerada um saber, pois somente se pode falar em saberes nos casos em que o docente é capaz de apresentar razões de diversas naturezas para "seus pensamentos, seus juízos, seus discursos, seus atos". 2 De acordo com Krasilchik e Marandino (2007, p. 19), “é possível identificar certo consenso entre professores e pesquisadores da área de educação em ciência que o ensino dessa área tem como uma de suas principais funções a formação do cidadão cientificamente alfabetizado, capaz de não só identificar o vocabulário da ciência, mas também de compreender conceitos e utilizá-los para enfrentar desafios e refletir sobre seu cotidiano”. 14 permitam, entre outras coisas, a apropriação desses conhecimentos pelos estudantes e, paulatinamente, por toda a sociedade. Nessa direção, o docente possui um papel fundamental como mediador na construção do conhecimento científico pelo aluno e isto compreende uma triangulação inseparável entre o aluno, o conhecimento científico e o professor. A esse respeito Alarcão (2011, p. 27) afirma que: O desenvolvimento de múltiplas fontes de informação exige reestruturações na relação do professor e do aluno com o saber disponível e com o uso que se faz desse saber. Se hoje em dia a ênfase é colocada no saber e na sua utilização em situação, é fundamental que os alunos abandonem os papéis de meros receptores e os professores sejam muito mais do que simples transmissores de um saber acumulado. Mantendo-se embora o triângulo da atuação didática (professor, aluno, saber), o vértice do saber é como um botão que se abre numa variedade de fontes de informação. O professor continua a ter o papel de mediador, mas é uma mediação orquestrada e não linear. Essa função do professor de mediação entre o aluno e o conhecimento científico é, também, reafirmada por Araújo, Caluzi e Caldeira (2006, p. 31) ao destacarem que: “A instituição escolar tem papel importante na sistematização e na problematização das informações que chegam frequentemente à sala de aula pelos diversos meios de divulgação. Cabe ao professor a tarefa de mediação entre informação e conhecimento”. É importante registrar que, para o professor desempenhar essa tarefa, a formação inicial é insuficiente, pois no processo formativo dos professores, esta é uma das fases do desenvolvimento profissional3 e, por isso, possui algumas limitações cujos impactos têm imposto a necessidade da criação de novos espaços que ofereçam formação continuada. Além de poder auxiliar na minimização de algumas “dívidas” oriundas da fase inicial, esses espaços possuem um importante 3 Esta pesquisa compreende o conceito de desenvolvimento profissional de professores como: “um processo a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências, planificadas [planejadas] sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente. Pressupõe uma abordagem na formação de professores que valorize o seu caráter contextual, organizacional e orientado para a mudança. (...). Concretiza-se como uma atitude permanente de pesquisa, de questionamento e busca de soluções. O desenvolvimento profissional é uma ferramenta imprescindível para a melhoria da escola.” (MARCELO GARCÍA, 1999/2009). 15 papel na qualificação profissional dos docentes em relação aos avanços do conhecimento científico, determinados pelas demandas contemporâneas. Partindo dessas considerações a respeito do professor, torna-se indispensável ampliar as ações e os espaços voltados para a sua qualificação. No tocante aos professores de Ciências, a ampliação desses espaços para qualificação do trabalho docente tem ocorrido em Centros de Ciências, dentre outros. Identifica- se, assim, a necessidade de investigar as possíveis atuações dos Centros de Ciências para a formação continuada de docentes desta área do conhecimento. Isto porque, normalmente, tais profissionais realizam esse movimento de aquisição de aperfeiçoamento em serviço, em espaços educativos, como as próprias escolas, as secretarias de educação, as agências formadoras, as instituições de ensino superior (BASTOS e NARDI, 2008), entre outras, desconhecendo o oferecimento de oportunidades de desenvolvimento profissional em espaços educativos como os Centros de Ciências. Portanto, a relevância desta pesquisa encontra-se na possibilidade de analisar a repercussão da formação continuada de professores, realizada através de um Centro de Ciências. Desse modo, este estudo teve origem no interesse em investigar as contribuições e as limitações de um desses Centros para o processo formativo de docentes, tomando como amostra o Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG. O referido interesse configurou- se pelo fato da pesquisadora deste trabalho estudar, há alguns anos, sobre a área de formação de professores para a Educação Básica, além da sua participação no grupo de pesquisa denominado Ensino de Ciências, no Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência, da Faculdade de Ciências, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Bauru/SP). E, ainda, por lecionar no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação da UFJF, onde realiza trabalhos de formação inicial junto aos acadêmicos que fazem estágios correspondentes aos cursos de licenciaturas e, também, de formação continuada com professores das redes Municipais de Educação de Juiz de Fora e de municípios adjacentes, além da rede Estadual de Educação de Minas Gerais. Cabe acrescentar que o Centro de Ciências da UFJF realizou, em 2011, um importante trabalho na área de formação de professores através do Projeto “Novos Caminhos para o Ensino de Ciências na Escola”, financiado pelo 16 “Programa Novos Talentos”4 que pertence à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o que estimulou a reflexão sobre a atuação de um espaço considerado de educação não formal5, como é o caso dos Centros de Ciências, no processo formativo de professores, visto que essa configuração de espaço de formação docente vem se consolidando como uma tendência de ação educativa nos últimos anos (MARANDINO, 2003). Apesar de haver o consenso entre os estudiosos da área de que os professores frequentam os Centros e Museus de Ciências, poucos são os trabalhos que se preocupam em saber o que eles buscam nessas instituições, e, além disso, como tais instituições podem colaborar para a formação docente (JACOBUCCI; JACOBUCCI; MEGID NETO, 2007). Por conseguinte, visando a contribuir para a sistematização do conhecimento na área da Educação em Ciências, as seguintes questões nortearam este trabalho: qual o diferencial existente em um Centro de Ciências ao efetivar ações de formação docente? Que aporte esses espaços de educação não formal podem oferecer ao desenvolvimento profissional dos professores? 4 De acordo com a CAPES, o Programa Novos Talentos é: “O Programa de Apoio a Projetos Extracurriculares: Investindo em Novos Talentos da Rede de Educação Pública para Inclusão Social e Desenvolvimento da Cultura Científica visa a inclusão social e desenvolvimento da cultura científica por meio de atividades extracurriculares para alunos e professores das escolas da rede pública de educação básica. As atividades devem ocorrer nas dependências de universidades, laboratórios e centros avançados de estudos e pesquisas, museus e outras instituições, visando ao aprimoramento e atualização de professores e alunos da educação básica.” Disponível em www.capes.gov.br/educacao- basica/novos-talentos. Consultado em 23 de maio de 2012. 5 De acordo com Libâneo (2000, p. 81), “Educação formal seria aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente, sistemática. Nesse sentido, a educação escolar convencional é tipicamente formal. Entende-se que onde há ensino (escolar ou não) há educação formal. Nesse caso, são atividades educativas formais também a educação de adultos, a educação sindical, a educação profissional, desde que nelas estejam presentes a intencionalidade, a sistematicidade e condições previamente preparadas, atributos que caracterizam um trabalho pedagógico-didático, ainda que realizadas fora do marco do escolar propriamente dito. A educação não formal, por sua vez, são aquelas atividades com caráter de intencionalidade, porém com baixo grau de estruturação e sistematização, implicando certamente relações pedagógicas, mas não formalizadas. Tal é o caso dos movimentos sociais organizados na cidade e no campo, os trabalhos comunitários, os meios de comunicação social, os equipamentos urbanos culturais e de lazer (museus, cinemas, praças, áreas de recreação), etc.” Ver LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2000. 17 Esta pesquisa, realizada no Centro de Ciências da UFJF, trabalhou com vinte e cinco docentes de escolas públicas estaduais de Minas Gerais (MG), que participaram de um curso de formação continuada intitulado “O uso do experimento no ensino de Química”. Para tanto, partiu-se das seguintes indagações: Quais as expectativas dos professores em relação a esse curso? Essas expectativas foram atendidas? Por quais motivos? Que mudanças esse curso pode favorecer na atividade profissional e por quê? Como os professores veem o uso do experimento no Ensino de Ciências? Quais objetivos eles buscam alcançar através do uso do experimento em suas aulas? Que dificuldades enfrentam para desenvolver o ensino prático? Esse curso propiciou mudanças na concepção do professor sobre o uso do experimento? Quais mudanças e por quê? O que houve de importante no curso que estimulou as possíveis mudanças? Foram abordados, ainda, os motivos apresentados pelos professores para suas respostas a essas questões. O objetivo geral deste trabalho, portanto, foi analisar o potencial de um Centro de Ciências para a formação continuada de professores da Educação Básica, nesta área do conhecimento. Os objetivos específicos foram: (i) Averiguar as necessidades formativas dos professores em relação ao curso de formação continuada do Centro de Ciências e por quais motivos elas foram ou não atendidas. (ii) Identificar qual a visão dos professores sobre o uso do experimento no Ensino de Ciências e quais as dificuldades que eles encontram para a sua realização. (iii) Verificar as possíveis mudanças percebidas pelos professores, a partir da realização desse curso, quanto ao seu trabalho com experimentos e as razões que eles apresentam para essas mudanças. (iv) Reconhecer as contribuições e limitações de um curso de formação continuada do Centro de Ciências para o desenvolvimento profissional dos docentes. Assim sendo, a natureza do tema aqui tratado insere-se no conjunto de pesquisas que visam a compreender a repercussão de ações voltadas para as políticas de formação de professores, o que pode contribuir com o conhecimento sistematizado, uma vez que o processo de formação docente e o Ensino de Ciências compõem os eixos norteadores das linhas de pesquisa do Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência da UNESP/Bauru/SP, do qual esta pesquisadora participa como aluna do curso de doutorado. 18 O fundamental neste trabalho, que ora apresenta-se, é compreender, a partir dos depoimentos dos próprios professores, as contribuições e limitações do Centro de Ciências da UFJF para o processo formativo desses docentes. Para tanto, após esta Introdução (Seção 1), foram expostos na Seção 2 os procedimentos metodológicos, onde se explicitaram: 2.1 O caminho percorrido. 2.2 A caracterização dos sujeitos da pesquisa. 2.3 O conjunto de técnicas da análise de conteúdo, que embasa a interpretação e a inferência dos dados coletados. Na Seção 3, apresentou-se uma análise sobre os Centros de Ciências no Brasil, abordando: 3.1 A sua trajetória sob o enfoque de seus objetivos e de suas finalidades. 3.2 A relação dos Centros de Ciências com a Formação de Professores. 3.3 O Centro de Ciências da UFJF. Constou na Seção 4 uma reflexão sobre a formação continuada de professores, através de um levantamento e um estudo sobre autores cuja contribuição para essa área é reconhecida, abordando os seguintes itens: 4.1 Aspectos da legislação vigente e das políticas públicas voltadas para a formação continuada de docentes da Educação Básica. 4.2 Fundamentos para a formação inicial com vistas à superação da tradicional fragmentação entre esta formação e a formação continuada. 4.3 Saberes docentes necessários a sua formação profissional. 4.4 Formação continuada de professores de Ciências. Na 5ª Seção, os dados coletados foram analisados à luz do referencial teórico, e assim organizados: 5.1 Curso de formação continuada no Centro de Ciências: para que e por quê? 5.2 O uso de experimentos no ensino: qual a visão dos docentes? 5.3 Desenvolvimento profissional dos docentes através do Centro de Ciências: quais as contribuições e as limitações? E na 6ª e última Seção, foram realizadas as considerações finais. 19 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS “Pode dizer-se que todo trabalho científico, na medida em que contribui para o desenvolvimento do conhecimento geral, tem sempre um valor político positivo; tem valor negativo toda ação que tenda a bloquear o processo de conhecimento ”. Umberto Eco 2.1 O caminho percorrido: detalhando a trajetória da pesquisa O caminho trilhado para a investigação sobre as contribuições e limitações do Centro de Ciências da UFJF referentes à formação de professores direcionou este trabalho para a realização de uma pesquisa de natureza qualitativa, pois, de acordo com Moura, Ferreira e Paine (1998, p. 58), nos estudos qualitativos “a preocupação maior não é com a generalização dos resultados obtidos em uma amostra, mas sim com a descrição, compreensão e interpretação dos fenômenos observados dentro de um grupo específico”. Sendo assim, foram percorridas as seguintes etapas: a) análise sobre a constituição dos Centros de Ciências, no Brasil, a partir de autores que tratam desse assunto, enfocando os seus objetivos e as suas finalidades; b) reflexão sobre a formação continuada de professores de Ciências, abordando aspectos da legislação vigente e das políticas de formação continuada de docentes da Educação Básica, bem como alguns fundamentos para a formação inicial. Tratou-se, ainda, dos saberes docentes necessários à formação desse profissional e de trabalhos sobre formação continuada de professores dessa área do conhecimento; c) coleta de dados, junto aos professores cursistas e aos coordenadores do curso, no Centro de Ciências da UFJF, através de aplicação de questionário, entrevistas semiestruturadas, observação participante e análise de documentos; 20 d) análise dos dados coletados à luz do referencial teórico, utilizando o conjunto de técnicas da análise de conteúdo. Portanto, este trabalho divide-se em duas partes: na primeira, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a fim de fazer um levantamento e um estudo sobre temas que o fundamentassem teoricamente, abordando dois pontos principais, os quais compõem, respectivamente, as Seções 3 e 4 deste estudo: Centros de Ciências, utilizando os seguintes autores: Krasilchik (1987); Gouveia (1992); Gaspar (1993); Menezes (1996); Cazelli et al. (1999); Silva (1999); Marandino (2001 e 2003); Nascimento & Ventura (2001); Fahl (2003); Valente et al. (2005); Jacobucci (2006). E Formação Continuada de Professores, abordando os estudiosos: Shulman (1986/1987); Nóvoa (1992/2002); Pacheco (1995); Freire (1996); Porlán e Rivero (1998); Gauthier (1998); Marcelo García (1998/1999/2009/2010); Perrenoud (2000); Tardif (2002); Pimenta (2008); Bastos e Nardi (2008); Gatti (2009); Gatti e Barreto (2009) e Gatti et al. (2011). Na segunda parte, realizou-se uma pesquisa de campo, no Centro de Ciências da UFJF, conforme já informado, a qual está detalhadamente apresentada na subseção 3.3, da Seção 3 sobre Centros de Ciências, no Brasil. Para a coleta de dados, realizaram-se os seguintes procedimentos: entrevistas semiestruturadas com os coordenadores do curso (Apêndice A), que foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas; aplicação de questionário aberto (Apêndice B), o qual solicitou respostas discursivas aos professores cursistas e entrevistas semiestruturadas com eles (Apêndice C), a fim de que aprofundassem e esclarecessem alguns aspectos do questionário, que, também, foram gravadas em áudio e depois transcritas; observação participante, cujas informações foram anotadas em um diário de campo; e análise de documentos referentes a esse Centro e, especificamente, ao curso em questão. Os sujeitos deste estudo foram vinte e cinco professores da área de Ciências, da Educação Básica, da rede pública de Juiz de Fora (MG), divididos em duas turmas, sendo a primeira com treze participantes e a segunda com doze; e mais dois professores da UFJF, doutores em Química, que coordenaram o curso de formação continuada (“O uso do Experimento no Ensino de Química”) sendo um deles diretor do referido Centro. Todos os vinte e cinco professores cursistas preencheram o questionário; porém, na fase das entrevistas, vinte e três se 21 prontificaram a realizá-las (uma professora havia mudado de cidade e outra acabara de ganhar filhos gêmeos). O questionário conteve perguntas abertas, conforme dito, solicitando aos professores cursistas respostas discursivas às seguintes questões: por que você escolheu participar desse curso de formação continuada no Centro de Ciências da UFJF? Quais as suas expectativas em relação a esse curso? Essas expectativas foram atendidas? Por quê? Você utiliza experimentos em suas aulas de Ciências? Justifique a sua resposta. Se você usa o experimento em suas aulas, que objetivo(s) você visa alcançar? Que dificuldades você enfrenta para desenvolver o ensino prático? Você considera que esse curso de formação possibilitou mudanças em seu trabalho docente sobre o uso do experimento no Ensino de Ciências? Justifique a sua resposta. Esse curso contribuiu para a sua formação profissional? Em que aspectos? Cite outras considerações que você também gostaria de registrar. É interessante esclarecer que, após a tabulação dos dados coletados, através do questionário, percebeu-se que algumas respostas precisavam ser aprofundadas, como por exemplo: os professores afirmaram que o curso contribuiu para a sua formação, entretanto, não ficou claro qual foi o tipo de contribuição, ou seja, o que houve de diferente nesse curso por ter sido realizado no e pelo Centro de Ciências. Outro dado que precisou de aprofundamento foi relativo às limitações do curso, as quais não foram mencionadas no preenchimento do questionário. Houve também o fato de alguns professores escreverem que mudaram a sua visão sobre o uso de experimentos em suas aulas; contudo, não era possível identificar, nas respostas do questionário, qual era a visão anterior ao curso e qual passou a ser a visão após o seu término. Visando suprir essas lacunas foram realizadas as entrevistas com os professores cursistas. Outro fator determinante para a constatação da importância da realização das entrevistas com esses professores foi a necessidade de verificar como aconteceu a aplicação dos conhecimentos nele adquiridos, no cotidiano da prática pedagógica, após algum tempo de realização do curso. Assim, no ano letivo seguinte (em abril de 2012), as entrevistas aconteceram nas próprias escolas em que esses professores lecionavam, contendo os seguintes questionamentos: quais as contribuições do Centro de Ciências da UFJF que fizeram desse curso, um curso para o seu desenvolvimento profissional? O que houve de importante no curso que 22 estimulou as possíveis mudanças? Que aspectos ficaram faltando ou não foram satisfatórios? O que esse curso teve de diferente por ser no Centro de Ciências da UFJF? Em que o espaço do Centro de Ciências contribuiu para esse curso? Se não fosse realizado no e pelo Centro de Ciências, o que o curso não teria? Você conseguiu aplicar/realizar em sua prática docente, no cotidiano da escola, o que você aprendeu no curso? Se afirmativo, explique de que maneira. Em sua opinião, quais são os principais benefícios que o professor obtém quando utiliza experimentos em suas aulas? Cabem esclarecer alguns aspectos acerca dos instrumentos utilizados para a coleta de dados que foram considerados neste estudo: Questionário – Tomando por base os objetivos deste estudo, foi elaborado um questionário com perguntas abertas, que, de acordo com Moura, Ferreira e Paine (1998, p. 83) “são aquelas que permitem ao respondente expressar livremente sua opinião sobre o que está sendo perguntado [...] e fornecem respostas mais profundas a respeito dos tópicos aos quais elas se relacionam”. Este instrumento foi composto por dados de identificação e mais nove perguntas divididas em quatro blocos, contendo: (1) três questões relativas aos motivos da escolha e à expectativa do curso; (2) três questões referentes à concepção sobre o uso de experimentos no Ensino de Ciências; (3) duas questões sobre contribuições do curso para o desenvolvimento profissional docente; e (4) uma questão acerca de outras considerações, além das contidas no questionário, que os cursistas desejassem fazer. Observação participante – Esta observação aconteceu em função da necessidade detectada no decorrer deste trabalho e está explicitada mais à frente. Os autores que auxiliaram na identificação de tal demanda foram Quivy e Campenhoudt (1998, p.196-9) ao afirmarem que através desse tipo de observação é possível captar “os comportamentos no momento em que eles se produzem e em si mesmos, sem a mediação de um documento ou de um testemunho”. E ainda contribuíram ao apontarem que uma das suas principais vantagens é “a autenticidade relativa dos acontecimentos em comparação com as palavras e com os escritos”. Entrevistas – Este instrumento foi utilizado com os dois professores coordenadores do curso, com o propósito de, a partir de seus relatos, 23 conhecer os pressupostos e as concepções sobre o Ensino de Ciências que fundamentam a proposta de formação continuada de professores desse Centro e, além disso, confrontar as suas informações com aquelas fornecidas pelos cursistas. Foram, também, realizadas entrevistas com os cursistas para que se pudessem esclarecer e aprofundar alguns assuntos tratados no questionário. Quanto ao grau de estruturação, as entrevistas foram semiestruturadas, visto que existiu um “roteiro preliminar”, mas houve a liberdade de acrescentar outras perguntas, visando aprofundar alguns pontos relevantes (Moura, Ferreira e Paine, 1998). O roteiro das entrevistas com os coordenadores seguiu a mesma linha do questionário aplicado aos cursistas e foi composto por três itens básicos: finalidade e objetivos do curso, concepção sobre o uso de experimentos no Ensino de Ciências e contribuição do curso para o desenvolvimento profissional dos professores. Em relação ao roteiro das entrevistas com os professores cursistas, houve a preocupação em enfatizar os porquês de suas respostas fornecidas no questionário, aplicado em fase anterior. Análise de documentos – Este instrumento foi usado para complementar a coleta de dados, pois tomou-se por base a consideração de Quivy e Campenhoudt (1998, p. 204) de que um registro escrito pode ser utilizado para diversos tipos de análise. Além disso, de acordo com os referidos autores, “a entrevista e a observação são frequentemente acompanhados pela análise de documentos relativos aos grupos ou aos fenômenos estudados”. Nesta pesquisa, foram considerados documentos relativos ao Centro de Ciências como um todo, por exemplo: Resolução de sua criação; folhetos; relatórios de atividades desenvolvidas; site, entre outros; e documentos específicos do curso de formação continuada investigado, como: Caderno de Textos fornecido aos cursistas, contendo artigos compatíveis com a concepção atual sobre o Ensino de Química, os quais foram debatidos no decorrer das aulas; folha de frequência; ficha de avaliação; e o projeto do curso. Para iniciar esta pesquisa, foram feitos vários encontros com o diretor do Centro de Ciências da UFJF, que demonstrou receptividade à proposta do estudo. Assim, a autorização para frequentar o Centro de Ciências foi obtida e foram acordados os detalhes da participação da pesquisadora no curso, o que só foi iniciado após a aprovação deste projeto junto ao Comitê de Ética da UFJF. 24 Preliminarmente, foram realizadas visitas ao Centro de Ciências para a ambientação e o conhecimento da dinâmica de seu trabalho, o que oportunizou o contato com funcionários administrativos, bolsistas e estagiários dos cursos de graduação que são os mediadores6. Houve o acompanhamento de algumas visitas de estudantes de colégios diversos, nas quais foi possível observar os alunos interagindo entre si, com os professores, os mediadores e os experimentos interativos. Percebeu-se, então, um ambiente bem estruturado quanto aos recursos humanos e materiais para a realização do trabalho de divulgação científica. Posteriormente, para a construção de dados da pesquisa de campo, foi aplicado o questionário à primeira turma, no final do mês de junho de 2011, a qual havia iniciado o curso em março com encerramento previsto para julho do mesmo ano. A pesquisadora foi apresentada a essa turma por um dos coordenadores do curso, no início de uma das aulas, no laboratório, quando foram explicados os objetivos da pesquisa e a importância da colaboração da turma para a realização do trabalho, sendo, então, entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo todas as informações necessárias, que foi preenchido e devolvido por eles no mesmo momento. Foi, ainda, deixado com os professores cursistas, o instrumento de coleta de dados – questionário – que foi devolvido antes do término do curso. Após tabulação dos dados dessa turma, percebeu-se que era preciso entender melhor os procedimentos, as etapas, o conteúdo trabalhado, enfim, detalhes que ocorriam durante as aulas, para compreender com mais propriedade algumas das respostas fornecidas pelos professores cursistas. Assim, iniciou-se a observação participante, a qual de acordo a Moura, Ferreira e Paine (1995, p. 66): 6 De acordo com Marandino (2008, p. 29), “Os mediadores que concretizam a comunicação da instituição com o público e propiciam o diálogo com os visitantes acerca das questões presentes no museu, dando-lhes novos significados. Porém, é preciso tomar o cuidado de delimitar o papel desse mediador, pois, se, por um lado, as exposições não podem depender de mediadores para serem compreendidas, por outro, talvez seja a mediação humana a melhor forma de obter um aprendizado mais próximo do saber científico apresentado”. MARANDINO, M. (2008) — Educação em museus: a mediação em foco. (Org.). São Paulo, SP: Geenf/FEUSP, 2008. 25 (...) está associada a um estreito contato com os indivíduos pesquisados, devendo o observador se utilizar de estratégias para fazê-los se sentir à vontade com sua presença, (...) de modo a conseguir observar e registrar as informações necessárias adequadamente. Nesse sentido, realizou-se a participação integral no curso com a segunda turma, visto que seria conveniente por alguns aspectos: (a) para a ambientação, (b) para o estabelecimento de um contato mais próximo com os professores e (c) para a observação das aulas e do desenvolvimento do curso como um todo. Portanto, com essa turma, que iniciou em agosto e foi até novembro de 2011, ocasião em que se aplicou o questionário, foi possível aproveitar vários momentos para a observação e o registro de dados considerados significativos em um diário de campo, no qual foram anotadas perguntas feitas pelos cursistas, as respostas dadas pelos professores do curso, conversas paralelas, comentários da pesquisadora sobre fatos observados; enfim, apontamentos que pudessem auxiliar no alcance dos objetivos propostos para este estudo. Dessa forma, a frequência ao local de estudo, possibilitou a vivência do contexto do curso em análise e, consequentemente, o melhor entendimento sobre o significado desse processo de formação continuada para esses sujeitos. Bogdan e Biklen (1994, p. 48) auxiliaram na compreensão da importância de considerar o contexto, ao afirmarem que: Os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as acções podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. (...) Para o investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado. No tocante às entrevistas com os professores coordenadores do curso, cabe destacar que, antes delas serem realizadas oficialmente, foi feito um contato prévio no qual se esclareceram os objetivos da pesquisa e as diversas etapas dos procedimentos a serem efetivados no Centro de Ciências para a consecução do estudo. Isto favoreceu o entendimento dos coordenadores sobre a etapa posterior, pois, como afirmam Bogdan e Biklen (1994, p. 136): 26 [...] as boas entrevistas caracterizam-se pelo fato de os sujeitos estarem à vontade e falarem livremente sobre os seus pontos de vista. [...] As boas entrevistas produzem uma riqueza de dados, recheados de palavras que revelam as perspectivas dos respondentes. Após a transcrição de cada entrevista, foram feitas a leitura fluente e a releitura, visando identificar os pontos que representavam os diversos assuntos enfocados pelos sujeitos. Na subseção seguinte, estão apresentados os sujeitos protagonistas deste trabalho: os professores cursistas. 2.2 Professores em Formação Continuada no Centro de Ciências da UFJF: caracterizando os sujeitos Os sujeitos desta pesquisa foram os professores de Ciências, em sua maioria licenciados em Química, que lecionam esta disciplina no Ensino Médio da rede pública de Juiz de Fora/MG, e que participaram do curso de formação continuada ministrado pelo Centro de Ciências da UFJF sobre o uso do experimento no Ensino Básico. Além desses, também se constituíram como sujeitos, os dois coordenadores do curso. Foram elaborados dois quadros – um da Turma 1 e outro da Turma 2 – que sintetizam os principais aspectos que caracterizam os sujeitos, a fim de proporcionar uma melhor visualização das informações sobre os protagonistas deste trabalho. Os quadros síntese informam: codinome para respeitar o direito ao sigilo de identidade, portanto, a letra “P” significa professor e os números de 1 a 25 correspondem à ordem alfabética das fichas de frequência do curso, sendo a Turma 1 de P1 a P13 e a Turma 2 de P14 a P25; formação e titulação; tempo de docência; rede de ensino em que atuam e tempo de serviço nesse local; carga horária de trabalho semanal; e atuação em outra área, além da docência. Como os quadros são autoexplicativos e alguns dos itens estão abordados na análise de conteúdo, cabe apenas acrescentar que, dos treze professores cursistas da primeira turma, existem dois que também lecionam em 27 colégio particular, além da rede pública estadual de ensino, e somente um professor não leciona nesta rede, mas no Colégio de Aplicação da UFJF, ou seja, em um colégio público federal. Já na segunda turma, dos doze professores cursistas, três lecionam em colégio particular e em escola pública estadual, um leciona também no SENAI e outro somente no Colégio Militar. Uma característica que diferencia as duas turmas é a formação inicial, pois na primeira turma, dos treze professores, apenas dois (15%) não possuem a licenciatura em Química, mas em Ciências Físicas e Biológicas; enquanto que na segunda turma, dos doze docentes, seis (50%) possuem a licenciatura em Química, três (25%) em Farmácia e Bioquímica e três (25%) em Ciências Biológicas. Outro aspecto a destacar neste momento é o fato de apenas um professor cursista em cada turma possuir experiência profissional como químico, fato que pode fazer muita diferença na formação pessoal e profissional do indivíduo, pois grande parte dos licenciados, especialmente quando oriundos de universidades particulares, teve uma vivência escassa ou mesmo nula no cotidiano dos laboratórios. Apresentam-se, a seguir, os quadros sínteses que permitem uma visão geral dos sujeitos. Quadro 1 – Perfil dos professores cursistas da Turma 1 Nomes Formação/ Titulação Tempo de docência Rede de ensino/tempo CH trabalho semanal Outra área de atuação P1 Licenciatura/ Bacharelado em Química 2 anos SEE/MG – 1 ano 20h Não P2 Licenciatura em Química 17 anos SEE/MG – 17anos SEE/RJ – 5 anos 52h Não P3 Licenciatura/ Bacharelado em Química/ Mestre em Educação 10 anos SEE/MG– 10anos UAB/UFJF–2anos Colégio Particular–3 anos 30h + 20h EAD Não P4 Licenciatura em Ciências - habilitação em Química 20 anos SEE/MG–12 anos 18h Não P5 Licenciatura em Química 20 anos Col.Particular–5 anos Col.Militar–7 anos 35h Não P6 Licenciatura e Especialização em Química 7 anos SEE/MG – 4 anos 40h Não P7 Licenciatura em Química/ Especialização em Meio- Ambiente 11 anos SEE/MG – 4 anos 36h Química/ 4 anos 28 P8 Licenciatura e Especialização em Química 15 anos SEE/MG – 3 anos 26h Não P9 Licenciatura em Química/ Mestrado em Biotecnologia 14 anos SEE/MG – 1 ano 18h Secretário de Ed. de Monte Verde, MG/1 ano P10 Licenciatura em Química/Especialização em Ciência e Tecnologia de Alimentos 6 anos SEE/MG – 5 anos 44h Não P11 Licenciatura em Ciências Físicas e Biológicas 15 anos SEE/MG – 4 anos 24h Não P12 Licenciatura em Ciências Biológicas 24 anos SEE/MG–10 anos SME/JF – 8 anos 45h Não P13 Licenciatura e Especialização em Química 20 anos Colégio de Aplicação da UFJF – 10 anos 40h D.E. Não Fonte: Questionários preenchidos pelos professores cursistas da Turma 1. Quadro 2 – Perfil dos professores cursistas da Turma 2 Nomes Formação/ Titulação Tempo de docência Rede de ensino/tempo CH trabalho semanal Outra área de atuação P14 Bacharelado em Farmácia e Bioquímica Especialização em Farmácia 5 anos SEE/MG – 5 anos 12h Farmacêu- tica/16 anos P15 Licenciatura/ Bacharelado e Mestrado em Química 5 anos SEE/MG – 2 anos 20h Não. P16 Licenciatura em Ciências Biológicas 8 anos SEE/MG – 2 anos Col. Particular–6 anos 20h Não. P17 Licenciatura/Bacharelado em Química 7 anos SEE/MG – 4 anos SENAI – 4 anos 8h Química industrial/ 5anos P18 Licenciatura em Química 15 anos SEE/MG – 6 anos 22h Não. P19 Bacharelado em Farmácia e Bioquímica 15 anos Col. Militar – 15 anos 40h Não. P20 Licenciatura em Química 8 anos SEE/MG – 7 anos 20h Não. P21 Licenciatura/Bacharelado e Especialização em Química 10 anos SEE/MG – 3 anos 20h Secretário/ tesoureiro escolar/20 anos P22 Bacharelado em Farmácia e Bioquímica Mestrado em Química 6 anos Curso química UFJF 2 anos (contrato) Col. Particular– 3anos SEE/MG – 3 anos 40h Não. 29 P23 Licenciatura em Ciências Biológicas 4 anos SEE/MG – 4 anos Col. Part. – 4 anos 20h Não. P24 Licenciatura em Ciências Biológicas 5 anos SEE/MG – 1 ano 30h Não. P25 Licenciatura em Química e Engenharia Agrônoma 11 anos SEE/MG – 8 anos SME/JF – 11anos 30h Instrutor no curso de Agricultura/ 2 anos Fonte: Questionários preenchidos pelos professores cursistas da Turma 2. 2.3 Análise de conteúdo: conhecendo seu conjunto de técnicas Para organizar as informações e extrair as inferências que foram discutidas durante esta pesquisa, utilizou-se o conjunto de técnicas da análise de conteúdo, pois uma de suas funções é possibilitar a leitura das entrelinhas dos discursos, o que se tornou importante para entendermos os diversos aspectos do estudo proposto neste trabalho. Gomes (1994, p. 74), em relação a esta função da análise de conteúdo, afirma que “(...) a outra função diz respeito à descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado”. Segundo Bardin (2004, p. 37/34), a análise de conteúdo pode ser considerada como: Um conjunto de técnicas de análises das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores. Em relação à inferência, Franco (2008, p. 29) afirma que o pesquisador pode inferir de maneira lógica conhecimentos que vão além daqueles que estão manifestos nas mensagens e afirma que “produzir inferências é, pois, la raison d’etre da análise de conteúdo. É ela que confere a esse procedimento 30 relevância teórica, uma vez que implica pelo menos uma comparação”. Ainda no que diz respeito à inferência, Bardin (2004, p. 34) assim conceitua o termo: Se a descrição (a enumeração das características do texto, resumida após um tratamento inicial) é a primeira etapa necessária e se a interpretação (a significação concedida a essas características) é a última fase, a inferência é o procedimento intermediário que vai permitir a passagem, explícita e controlada, da descrição à interpretação. Sobre o conjunto de técnicas contidos na análise de conteúdo, que se aplica a discursos diversificados, Bardin (2004, p.7) faz o seguinte comentário: O fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas – desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até a extração de estruturas traduzíveis em modelos – é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução lógica: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem. A utilização dessa análise propicia regras de procedimentos objetivos expressos na forma quantitativa de calcular e comparar a frequência de certas características de temas invocados, com o pressuposto de que, quanto mais frequentemente citadas mais importantes são para o locutor, sem, no entanto, desvalorizar, como diz a referida autora, a “fecundidade da subjetividade”. Incentiva a busca da compreensão para além dos seus significados imediatos e afasta o risco de empobrecimento da leitura, que comumente acontece quando se luta contra a evidência do saber subjetivo (BARDIN, 2004). De acordo com Quivy e Campenhoudt (1998, p. 227): “o lugar ocupado pela análise de conteúdo na investigação é cada vez maior, nomeadamente porque oferece a possibilidade de tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam certo grau de profundidade e de complexidade”. Portanto, tal análise foi adequada para este trabalho, visto que permitiu atender aos princípios metodológicos que devem ser respeitados em uma pesquisa científica, tendo possibilitado, também, a análise do material construído na pesquisa de campo. 31 Outra preocupação contida no processo de análise foi a consideração do “não dito”, pois quando este está relacionado a temas importantes, deve ter um significado e, por isso, cabe valorizá-lo e analisá-lo. Quanto ao aspecto anteriormente citado, ainda, Quivy e Campenhoudt (1998, p. 227) esclarecem que: Agrupam-se corretamente diferentes métodos de análise de conteúdo em duas categorias: os métodos quantitativos e os métodos qualitativos. Os primeiros seriam extensivos (análise de um grande número de informações sumárias) e teriam como informação de base a frequência do aparecimento de certas características de conteúdo ou de correlação entre elas. Os segundos seriam intensivos (análise de um pequeno número de informações complexas e pormenorizadas) e teriam como informação de base a presença ou a ausência de uma característica ou modo segundo o qual os elementos do “discurso” estão articulados uns com os outros. (grifo nosso). Cabe ainda esclarecer que quanto às unidades de análise, utilizou- se a unidade de registro temática que, novamente, segundo Quivy e Campenhoudt (1998, p. 228): “a análise temática é a que tenta principalmente revelar os juízos dos locutores a partir de um exame de certos elementos constitutivos do discurso”. Baseando-se nesta afirmativa, foi possível verificar que a unidade de registro temática foi um fator facilitador no trabalho de análise, tendo em vista que um tema é relatado com maior frequência por ser considerado pelos locutores como o mais importante. A esse respeito, Franco (2008, p. 43) enfatiza que uma unidade temática “incorpora, com maior ou menor intensidade, o aspecto pessoal atribuído pelo respondente acerca do significado de uma palavra e/ou sobre as conotações atribuídas a um conceito”. E, para esta autora, o tema utilizado como unidade de registro envolve componentes “ideológicos, afetivos e emocionais”, além de componentes racionais. 32 3 CENTROS DE CIÊNCIAS: ESPAÇOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES “Los centros interactivos de ciências parecen ser ya de las herramientas culturales más poderosas al servicio de la civilización científico-tecnológica de nuestros días y de los días por venir”. Jorge Padilla 3.1 A trajetória dos Centros de Ciências no Brasil: objetivos e finalidades Diversos autores analisaram a história da constituição dos Centros de Ciências, no Brasil, como por exemplo: Krasilchik (1987), Gouveia (1992), Gaspar (1993), Menezes (1996), Silva (1999), Cazelli et al. (1999), Marandino (2001 e 2003), Nascimento & Ventura (2001), Fahl (2003), Valente et al. (2005), Cazelli (2005), entre outros. Tomando por base os referidos autores, este trabalho deteve- se, em linhas gerais, na abordagem da trajetória dos Centros de Ciências no Brasil, sob o enfoque de seus objetivos e de suas finalidades. No Brasil, os Centros de Ciências originaram-se, na década de 60, a partir da implementação de projetos governamentais que visavam à melhoria do ensino de Ciências (GOUVEIA, 1992), para que fosse despertado o interesse dos alunos em se tornarem futuros cientistas. Com essa perspectiva, “os Centros de Ciências desempenharam importante papel nos movimentos de renovação curricular no Ensino de Ciências” (FAHL, 2003), principalmente entre as décadas de 60 e 70. Krasilchik (1987, p. 9-11) resgata a história da criação dos Centros de Ciências, analisando a complexidade existente para a elaboração de projetos curriculares para o Ensino de Ciências, na década de 60, que incorporou mais um objetivo: “permitir a vivência do método científico como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais à preparação do futuro cientista”. Assim, foram constituídos grupos temporários de cientistas e professores, em geral estabelecidos em Universidades ou Institutos de Pesquisas, que preparavam conjuntos de 33 materiais para a melhoria do ensino das disciplinas científicas. Aos poucos foram detectadas: (i) a necessidade de ampliação desses grupos com a participação de outros profissionais; e (ii) a importância deles (os grupos) terem um caráter permanente para que pudessem centralizar “a produção, aplicação e revisão dos materiais” produzidos para os referidos projetos curriculares. Então, “muitos dos núcleos iniciais tornaram-se instituições permanentes, dando origem a uma nova organização: os Centros de Ciências”. Desse modo, Krasilchik (1987, p. 12) explica que muitas dessas instituições eram vinculadas às Universidades e que, por isso, além de produzirem materiais para o Ensino de Ciências, também realizavam atividades acadêmicas voltadas para os cursos de graduação e de pós-graduação dessa área. Existiam, ainda, Centros de Ciências ligados ao Ministério da Educação e, consequentemente, com forte inserção no sistema oficial de ensino por pertencerem ao sistema educacional. Em nosso país, a referida autora esclarece que: No Brasil, seis Centros de Ciências foram criados pelo Ministério da Educação e Cultura, no período de 1963 a 1965, por meio de convênios específicos. Sua flexibilidade de organização lhes permitiu adaptarem-se aos diferentes locais em que foram sediados. Em Minas Gerais, na Bahia, em Pernambuco e em São Paulo, ficaram situados nas Universidades, mantendo fortes vínculos com a comunidade acadêmica, apesar de servirem aos sistemas educacionais de ensino e realizarem programas conjuntos com as Secretarias da Educação. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, os Centros de Ciências, hoje fazem parte do sistema estadual de ensino e estão inseridos em fundações de formação de recursos humanos. Nesse período, segundo Krasilchik (1987, p. 13) considerava-se verdadeira a ideia de que apenas a qualidade dos materiais produzidos por esses Centros bastaria para a consecução do objetivo de transformar o Ensino de Ciências. Porém, isto não aconteceu e, como consequência, houve “uma intensificação dos cursos de atualização e treinamento de professores”. Havia, portanto, na década de 60, a demanda de qualificação dos professores para trabalharem essa “renovação curricular” voltada para a utilização de kits experimentais no Ensino de Ciências. Então, Valente et al. (2005, p. 187-8) salientam que: 34 A preocupação com a melhoria tanto do ensino quanto da preparação dos professores de ciências levou a criação de um locus privilegiado de discussão dessas questões: os centros de ciência. Assim, em 1965, inicia-se a série dos CECIs: Centro de Ensino de Ciências do Nordeste (CECINE), Centro de Ciências da Bahia (CECIBA), Centro de Ciências de Minas Gerais (CECIMIG), Centro de Ciências da Guanabara (CECIGUA), Centro de Ciências de São Paulo (CECISP) e Centro de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS). Inicialmente financiados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), os centros de ciência tiveram uma atuação marcante na formação continuada de professores por meio de cursos de treinamento, especialização, aperfeiçoamento e seminários. Operavam também na edição e distribuição de publicações, na elaboração e tradução de projetos especiais e na assistência e orientação pedagógicas permanentes. Com perfil organizacional variado, os centros situavam-se, em alguns estados, em universidades ou institutos de pesquisa; em outros locais, eram vinculados ao sistema estadual de ensino. De acordo com Marandino (2001, p. 80), os Centros de Ciências, que também são denominados Museus de Ciência e Tecnologia, contaram, ainda, com o apoio da intelectualidade científica que se preocupava, desde a década de 60, com o ensino de Ciências ministrado em espaços formais de educação. Para a autora: O movimento de implementação dos Museus de Ciências e Tecnologia no Brasil pode ser visto a partir do próprio movimento de institucionalização das ciências no país, mas também através da ampliação do movimento de divulgação e ensino de ciências. A década de 1960 foi importante para os programas neste campo, que teve por marco a mobilização da comunidade científica brasileira, já então organizada e consciente dos problemas em relação ao ensino desta área do conhecimento nas escolas. Cabe destacar que os Centros de Ciências, nas décadas de 60 e 70, adotavam visões empiristas da ciência e que, através dessas ideias, foram desenvolvidas ações que influenciaram o processo de ensino e aprendizagem, como por exemplo, os projetos e kits que preconizavam que a teoria emana naturalmente da observação e da experimentação e que a mente do aluno era uma folha em branco, pois não se discutiam, na época, as suas possíveis concepções prévias, que, hoje se sabem, influenciam na interpretação dos experimentos. Havia, também, nesse período, o influxo do escolanovismo com a proposta de aprender fazendo, nesse caso, em laboratório. Contudo, aos poucos, essas perspectivas receberam críticas, não só pela disseminação da nova filosofia da ciência proposta por Kuhn, 35 Lakatos, Feyerabend, Bachelard, entre outros, como também pelo fortalecimento das abordagens interacionistas nos debates em educação, influenciadas por pesquisas que buscavam sua fundamentação em autores como Piaget, Ausubel e outros, as quais ajudaram a promover novas concepções de ensino e aprendizagem. Assim, os projetos desenvolvidos pelos Centros também sofreram impactos dessas mudanças (KASILCHIK, 1987; GASPAR, 1993). Outro aspecto a destacar é a influência do contexto político e econômico dessa época, que considerava a ciência como fator de desenvolvimento econômico e militar, visão que, aliada à crise ambiental, com a ameaça de esgotamento das reservas de petróleo e com a crescente desconfiança em relação à ciência e à tecnologia, refletiu no tipo de trabalhos que os Centros priorizavam. No Brasil, muitos desses Centros floresceram em pleno regime militar, o que fazia com que seus projetos sofressem algum tipo de influência da política econômica nacionalista e desenvolvimentista do governo federal (SILVA, 1999; MARANDINO, 2001). Na década de 70, os CECIs resistiram, apesar da falta de investimentos, e continuaram o trabalho voltado para a formação de professores de Ciências (VALENTE et al., 2005). O movimento de democratização do país instaurado na década de 80 contou com a contribuição dos órgãos governamentais que decidiam sobre a educação científica. Assim, as autoras Valente et al. (2005, p. 189) esclarecem: Em 1983 a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) cria um novo projeto, que passa a constituir o Subprograma Educação para a Ciência (SPEC), vinculado ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). O projeto apoiou a formação e a consolidação de grupos de pesquisas em ensino de ciências e matemática, a publicação de periódicos na área, bem como atividades de formação de professores. Os centros de ciências, por sua vez, foram redimensionados e tiveram diversificadas as suas estratégias, para melhor se sintonizarem com as intervenções na área do ensino de ciências e atender ao necessário aprimoramento profissional dos docentes. Acerca das mudanças sofridas pelos Centros de Ciências, no Brasil, ao longo do tempo, Menezes (1996, p. 53) ao estabelecer “as características convergentes no ensino de Ciências nos países ibero-americanos e na formação de 36 seus professores”, esclarece que esses Centros foram ficando “literalmente envelhecidos e esvaziados”, pois, em suas palavras: Grande parte dos Centros de Ciências, voltados ao fomento da educação para as ciências e ao aperfeiçoamento permanente dos professores de Ciências, criados há cerca de trinta anos e responsáveis pela formação das primeiras gerações de especialistas em ensino de Ciências, definharam ao longo de dos últimos quinze anos, por falta de recursos e de renovação de seus quadros científico-pedagógicos. Apesar das críticas contidas no parágrafo anterior, Menezes (1996, p. 54) enumera diversas atividades que foram realizadas pelos Centros de Ciências: Esses centros, além de formar especialistas em ensino de Ciências, conceberam “pacotes instrucionais”, editaram revistas de difusão científico-pedagógicas, ministraram incontáveis cursos de atualização e assessoraram as redes de ensino público em muitos Estados brasileiros. Também acompanharam as tendências internacionais do ensino de Ciências, traduziram alguns dos grandes projetos disciplinares, promoveram sua adaptação às condições brasileiras e treinaram professores para a sua aplicação. Entretanto, para Gaspar (1993), a década de 80 foi marcada pela criação de vários Museus e Centros de Ciência, como por exemplo: em 1981, a Coordenadoria de Divulgação Científica e Cultural, no campus São Carlos da Universidade de São Paulo, que, em 1985, passou a ser denominado Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC), o qual se tornou aberto à visitação pública; ainda em 1985, foram criados: a Divisão de Educação e Cultura do Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST/CNPq; e em 1987, a Estação Ciência, em São Paulo, a princípio ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia e depois vinculada à Universidade de São Paulo, e o Museu Dinâmico de Campinas, na UNICAMP, além do Espaço Ciência Viva, no Rio de Janeiro, entre outros. Contudo, desde a década de 90, os Centros de Ciências têm enfrentado um novo desafio, qual seja: a exigência contemporânea de efetivação de aprendizagens acerca dos conhecimentos científicos, a fim de auxiliar no processo de alfabetização científica dos cidadãos, de maneira que todos sejam capazes de utilizar os conceitos das Ciências para, entre outras possibilidades, entender 37 questões controversas e se posicionar criticamente diante das situações vividas no cotidiano. Observa-se, portanto, que a preocupação dos Centros de Ciências com a formação de professores é algo que data desde a sua criação. Entretanto, sabe-se que, com o passar do tempo, tal prática foi deixando de ser prioridade para esses Centros e, mais que isso, foi mudando o seu enfoque e a sua concepção sobre formação docente. Em outras palavras, na época da criação dos Centros de Ciências, no Brasil, década de 60, o objetivo do trabalho com os professores era atualizá-los e treiná-los para implementarem o material produzido pelos Centros. Já, a partir da década de 80, quando se passa a discutir se o currículo deve estar centralizado nas mãos das autoridades superiores ou se deve ser gerado em cada escola, a abordagem volta-se para a qualificação do professor como profissional “crítico-reflexivo” (NÓVOA, 1992), com autonomia para decidir sobre como realizar o trabalho docente. O Estatuto do Conselho Internacional de Museus7 (ICOM, 2001), organismo vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), qualifica como museus os seguintes espaços: a) sítios e monumentos etnográficos, arqueológicos e naturais; b) monumentos históricos e sítios de museus naturais que adquirem, conservam e comunicam evidências materiais de pessoas e seus ambientes; c) instituições que mantêm coleções e exposições de espécimes de plantas e animais, como jardins botânicos, zoológicos, aquários e viveiros; d) Centros de Ciências e planetários; e) galerias de arte sem fins lucrativos; f) reservas naturais; g) organizações internacional, nacional, regional e local de museus, agências públicas ou departamentos ou ministérios responsáveis por museus; h) instituições ou organizações não-governamentais responsáveis pela conservação, pesquisa, educação, treinamento, documentação; i) outras atividades relativas aos museus e museologia; j) centros culturais e outras entidades que facilitam a preservação, a continuidade e o gerenciamento de recursos tangíveis ou intangíveis. (grifo nosso). Portanto, diversos são os espaços considerados como museus e que podem ser usados para: (i) a divulgação científica; (ii) o ensino de Ciências; (iii) a formação de professores; (iv) a realização de pesquisas; e (v) a alfabetização 7 International Council of Museums - ICOM (2001). Estatuto aprovado pela 20ª Assembleia Geral. Espanha: julho de 2001. Na web: http://icom.museum/definition.html (consultado em agosto de 2011). 38 científica da população. Então, é possível afirmar que os Centros de Ciências são “Museus” que possuem como finalidade a divulgação científica de maneira interativa com o visitante, contrapondo a visão tradicional de senso comum de que museu é um espaço para o armazenamento e a exposição de objetos do passado. De acordo com Padilla (2001, p. 116), o conceito de Centro de Ciências deriva do conceito de museu e, em particular, do conceito de museu de ciência. O referido autor assim o conceitua: Los centros de ciências son coleciones de ideas, de fenómenos naturales y de principios científicos, mas que de objetos. Propician la participación activa del visitante; y su carácter es mayormente interactivo, pues procuran la interdependência y acción recíproca entre exhibición y usuario, para estimular su razonamiento sobre la acción, como medio de comprensión y aprendizaje. Padilla (2001, p. 118), ainda, contribui para o entendimento da finalidade desses Centros ao afirmar a sua razão de ser, ou seja, as missões a serem por eles desempenhadas como uma organização inserida no sistema social: Em suma, las missiones de los centros de ciencias apuntan a promover el acercamiento a y la comprensión pública de la ciencia y la tecnologia, mediante atividades de popularización y de experiencias educativas no-formales, baseadas em enfoques interactivos, experimentales, lúdicos y participativos. De acordo com o último Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil8, divulgado em 2009, pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências (ABCMC), e organizado em parceria entre a Casa da Ciência/Centro Cultural de Ciência e Tecnologia (CCCT) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, existem no Brasil mais de duzentas instituições com essa denominação, das quais cento e noventa estão contidas no referido Guia. Entretanto, essa quantidade de Centros e Museus de Ciências, está distribuída de maneira desproporcional nas diferentes regiões brasileiras. Nas palavras escritas no Guia: Se somarmos zoológicos, jardins botânicos, planetários, aquários, museus de história natural e outros espaços que exploram a ciência 8 Centros e museus de ciência do Brasil 2009 (Guia). Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência: UFRJ/FCC/Casa da Ciência : Fiocruz. Museu da Vida, 2009. 39 e a tecnologia, esse número ultrapassa 200, dos quais 190 estão registrados nesta versão atualizada do guia que está em suas mãos. Um aspecto que chama a atenção, no entanto, é a distribuição desigual desses espaços de ciência no país: a região Sudeste concentra 112 das organizações listadas nesta edição; o Sul, 41. Já nas demais regiões o número é bastante reduzido: Nordeste, 26; Centro-Oeste, 5; Norte, 6 (p.5). Para a consecução desse Guia, a ABCMC contou com apoio do Departamento de Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia, que pertence à Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, a qual está inserida no Ministério da Ciência e Tecnologia. A influência desses órgãos governamentais fica clara no próprio convite que ABCMC faz para as instituições a ela se associarem: Associe-se à Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC) e faça parte de uma equipe empenhada em grandes conquistas na luta pela popularização da ciência em nosso país. Uma equipe que acredita que a articulação entre os espaços formais e não formais de ensino pode contribuir para uma política de inclusão social e na construção de uma sociedade mais democrática. A ABCMC surgiu para unir ideias, compartilhar experiências, projetos e possibilitar um grande intercâmbio de recursos e informações entre Centros e Museus de Ciência de todo o Brasil. Bem como identificar, fortalecer e difundir áreas e atividades de cooperação, apoiando programas de divulgação científica e articulando uma Política Nacional de Popularização da Ciência (p. 232, grifo nosso). E, tal situação ainda está contida nos “benefícios” que a ABCMC anuncia para o possível associado: Como sócio, você, ou sua instituição, terá uma série de benefícios, tais como: influir nas decisões políticas que direcionam a disseminação do conhecimento científico no país; participar de atividades de cooperação regionais, nacionais e internacionais; refletir e propor soluções para os problemas e as perspectivas dos centros, museus e programas de popularização da ciência. Além disso, poderá contribuir na formação e atualização de profissionais da área, bem como na elaboração, edição e publicação de materiais que reflitam e divulguem o conhecimento científico e tecnológico (p. 232, grifo nosso). É possível, então, afirmar que, nas últimas décadas, existiu grande preocupação do Governo em apoiar e difundir o conhecimento científico e tecnológico, através de Políticas Públicas voltadas para a divulgação científica e para a popularização das Ciências. Um exemplo disso foi a criação, em 2003, das 40 bases de discussão para a formulação de políticas públicas voltadas para museus, por parte do Departamento de Museus e Centros Culturais do Ministério de Cultura. Participaram dessas discussões instituições ligadas à Museologia, às Universidades, às Secretarias de Cultura – municipais e estaduais – além de pessoas da sociedade civil organizada. Assim, em 2004, como resultado da Política Nacional de Museus, teve origem o Sistema Brasileiro de Museus (SBM), cujo propósito é dar suporte e incrementar os sistemas de museus nacionais, em âmbitos regionais, estaduais e municipais, através de ações, como: a implantação do Cadastro Nacional de Museus e do Observatório Nacional de Museus e Centros Culturais, ambos implantados em 2006. De acordo com Jacobucci (2006, p. 20), “além dessas iniciativas, a referida política possibilitou a consolidação de um programa nacional de formação e capacitação em museologia e a criação de um fundo de amparo ao patrimônio cultural e aos museus brasileiros”. Neste mesmo ano, o Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia, órgão pertencente ao Ministério de Ciência e Tecnologia, lançou editais para o financiamento de diversos projetos para o apoio a Museus e Centros de Ciências. Retomando o Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil, é interessante fazer um parêntese sobre a trajetória dos Centros de Ciências descrita até aqui, para refletir sobre a eficácia da Política Nacional de Museus, visto que existe uma discrepância do número de museus entre as diferentes regiões brasileiras. Nesse sentido, a aplicação das diretrizes dessa Política necessita ser revista para que, de fato, sejam alcançados os objetivos de divulgar o conhecimento científico e de efetivar uma Política Nacional de Popularização da Ciência. Essa disparidade na distribuição do número de museus entre as regiões do Brasil é algo que persiste no decorrer dos anos, pois, Hamburger (2001, p. 37) na palestra intitulada “A popularização da Ciência no Brasil”, proferida no “Curso para Treinamento em Centros e Museus de Ciência”, realizado na Estação Ciência/USP, em junho de 2000, afirmou que tal fato não é surpresa devido ao maior número das instituições, tanto de ensino superior quanto de outras organizações culturais, concentrarem-se nas regiões sul e sudeste do país. Assim, de acordo com o referido autor: 41 Os dados da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências – ABCMC indicam 113 Centros e Museus de Ciências no Brasil. Diferentemente de outros países, a maioria dos Centros (cerca de 60%) pertence a universidades, cuja atividade nesta área é intensa. A distribuição geográfica privilegia o Centro-Sul do país, o que não surpreende, pois acompanha a concentração de ensino superior e outros equipamentos culturais. Contudo, comparando os dados sobre a distribuição de Centros e Museus de Ciências no Brasil divulgados em 1999, pela ABCMC, que foram citados por Hamburger na referida palestra, com os dados publicados em 2009, no atual Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil, pode-se afirmar que, apesar de tal desigualdade regional do número dessas instituições permanecer ao longo dos anos, houve um avanço em relação à sua quantidade, com exceção da região Centro-Oeste, no período de uma década, conforme podemos observar no quadro abaixo: Quadro 3 – Dados sobre a distribuição regional de Centros e Museus de Ciências no Brasil, em 1999 e 2009 Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com HAMBURGER, 2001, p. 38; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CENTROS E MUSEUS DE CIÊNCIA, 2009. Pelo fato dos termos Museus e Centros de Ciências estarem interligados, torna-se oportuno tratar a seguir de alguns aspectos sobre a Museologia, o que foi feito a partir das contribuições de Marandino (2001), realizadas por ocasião de sua tese de doutoramento intitulada: “O Conhecimento Biológico nas Exposições de Museus de Ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo”. De acordo com Marandino (2001, p. 2), os museus devem ser percebidos na atualidade como um “canal de comunicação, capaz de transformar o objeto testemunho em objeto diálogo, permitindo a comunicação do que é preservado.” Então, para a autora, a partir do século XXI a Museologia: Regiões Dados de 1999 Dados de 2009 Sudeste 69 112 Sul 37 41 Nordeste 15 26 Norte 3 6 Centro-Oeste 9 5 42 [...] preocupa-se fundamentalmente com a possibilidade de intervenção social do fato museal e, desta forma, tem percorrido caminhos alternativos, na direção das pequenas comunidades e da preservação de bens culturais dos excluídos, além de atrelar os processos museológicos ao desenvolvimento sócioeconômico das populações implicadas nos problemas ambientais. Nessa direção, os Centros de Ciências necessitam efetivar procedimentos condizentes com essa perspectiva para concretizarem seus objetivos de divulgar o conhecimento científico, de auxiliar no processo de alfabetização científica das pessoas e de contribuir para a formação de professores, justamente por ser um espaço de Educação em Ciências. A referida autora (2001, p. 3) afirma que “a Museologia articula procedimentos técnico-científicos” através da “conservação da materialidade dos objetos, da documentação das respectivas informações, da elaboração de discursos expositivos e da implementação de estratégias educativas e de ação cultural”. Portanto, “o processo de musealização gera” os seguintes produtos: “a conservação dos bens patrimoniais, o gerenciamento da informação, os discursos expositivos, as estratégias educativas e os programas culturais”. É por meio desses produtos que a sociedade interage com os museus. Assim sendo, Marandino (2001, p. 3), neste mesmo estudo, cita Bruno (1998) ao abordar as funções dos museus compreendidas em três ações: ações científicas, ações educativas e ações sociais. As ações científicas correspondem à: coleta sistemática, identificação, organização, conservação, interpretação, catalogação, armazenamento, exposição, educação, etc. As ações educativas são relativas ao aperfeiçoamento da capacidade intelectual, artística, ideológica, cultural e da condução do público à reflexão de sua realidade. As ações sociais são aquelas onde se dá o encontro das duas funções anteriores, na medida em que possa propiciar a compreensão sobre o patrimônio/herança e o exercício da cidadania. De acordo, ainda, com esta autora (2001, p. 4), no século XX ocorreu a ampliação dos museus de ciências exatas e naturais em nosso país, devido ao “movimento de democratização dessas instituições”, fato este que diversificou os tipos de museus de ciências no século seguinte. Com a reunião de contribuições da educação, da comunicação, da psicologia cognitiva, entre outros, 43 originaram-se os museus interativos – os Science Centers – que para Marandino (2001, p. 4): [...] possuem uma concepção particular, que implica na participação efetiva do público através da manipulação de aparatos que representam fenômenos e conceitos científicos. Na verdade, a importância do público como elemento fundamental ao redor do qual o movimento de divulgação científica vem se dando é algo notável nas três últimas décadas [...]. No Brasil, este fato se torna ainda mais presente levando-se em conta as recentes aberturas de museus de ciência em todo país, ampliando o quadro em relação àqueles já tradicionais na área. Este movimento, por sua vez, encontra-se atrelado a um movimento social mais amplo, de alfabetização científica do cidadão, que pelo menos desde a década de 1960 vem tomando corpo tanto nas propostas de educação formais como nas não formais, surgidas no país. Para melhor visualização destas explicações da autora, foram elaborados quatro quadros que serão apresentados a seguir: Quadro 4 – O Museu e a Museologia na atualidade; Quadro 5 – Procedimentos técnico-científicos articulados pela Museologia e produtos gerados pelo processo de musealização; Quadro 6 – Funções do Museu; Quadro 7 – Museus Interativos: origem e função. Quadro 4 – O Museu e a Museologia na atualidade Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com MARANDINO, 2001, p. 3. 44 Quadro 5 – Procedimentos técnico-científicos articulados pela Museologia e produtos gerados pelo processo de musealização Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com MARANDINO, 2001, p.3. Quadro 6 – Funções do Museu Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com MARANDINO, 2001, p. 4. 45 Quadro 7 – Museus Interativos: origem e função Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com MARANDINO, 2001, p. 4. Baseando-se nos aspectos abordados até aqui e conforme afirmado anteriormente, os Centros de Ciências são considerados neste trabalho, como museus interativos que possuem como principais finalidades a divulgação científica e a formação de professores. Nesse aspecto, Jacobucci (2006, p.17-8) salienta que: Devido à relação do ensino de ciências no Brasil com os centros de ciências é nítida a aproximação da escola e do professor desses centros, ora chamados de centros, ora de museus, de espaços ou de núcleos de divulgação científica, numa variedade de termos que sintetizam um local aberto à popularização da ciência através de mostras, exposições, atividades, cursos e muitos outros atrativos para o público visitante se aproximar do conhecimento produzido pela ciência. Sabe-se que a busca por melhor qualidade no Ensino de Ciências necessita englobar esforços que vão desde a ampliação de espaços não formais de educação científica, como os Museus ou Centros de Ciências, até a implementação de ações sistematizadas, voltadas para melhoria da formação inicial e continuada de professores dessa área do conhecimento. Resgatar para os Centros de Ciências a função (existente desde a sua criação, porém diluída através do tempo) de cooperar com a formação docente é uma das possibilidades de agregar iniciativas para a tão 46 almejada qualidade no Ensino de Ciências. Pois, concorda-se com Marandino (2001, p. 5) ao afirmar que “frente aos desafios atuais para as instituições de educação e divulgação científica, desafios esses que se inserem nos campos políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, é necessário aprofundar as reflexões sobre o papel social dos museus de ciências neste novo século”. A partir dos apontamentos aqui realizados, é possível investigar quais as possibilidades de contribuição e quais as limitações dos Centros de Ciências para a formação de professores, a fim de identificar o que esses docentes buscam nesses espaços e, também, como tais instituições podem favorecer o processo formativo desses profissionais da Educação. Nessa direção, será abordada no subcapítulo a seguir a relação entre Centros de Ciências e formação de professores, enfocando a necessidade de estreitamento do vínculo da formação desses profissionais nessas instituições, que possuem como função não só a divulgação científica, mas, também, a Educação em Ciências, e que, para tanto, deve se preocupar com a formação docente. 3.2 Centros de Ciências e Formação de Professores: uma relação necessária para o fomento da qualidade do Ensino de Ciên