UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA TESTE DE ANTIGLOBULINA DIRETA, PESQUISA DE ANTICORPO IRREGULAR E PROVA DE COMPATIBILIDADE EM MACACOS-PREGOS (Sapajus sp.) E EM MACACOS BUGIOS (Alouatta sp.) FABIANA GARCIA FAUSTINO Botucatu 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA TESTE DE ANTIGLOBULINA DIRETA, PESQUISA DE ANTICORPO IRREGULAR E PROVA DE COMPATIBILIDADE EM MACACOS-PREGOS (Sapajus sp.) E EM MACACOS BUGIOS (Alouatta sp.) FABIANA GARCIA FAUSTINO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Animais Selvagens da FMVZ-UNESP para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Doutora Lucilene Silva Ruiz e Resende Co-orientadora: Doutora Patrícia Carvalho Garcia Nome da autora: Fabiana Garcia Faustino TÍTULO: TESTE DE ANTIGLOBULINA DIRETA, PESQUISA DE ANTICORPO IRREGULAR E PROVA DE COMPATIBILIDADE EM MACACOS-PREGOS (Sapajus sp.) E EM MACACOS BUGIOS (Alouatta sp.) COMISSÃO EXAMINADORA: Profa. Dra. Lucilene Silva Ruiz e Resende Professora Assistente-Doutora de Hematologia – FMB – UNESP Dra. Carolina Bonet Bub Médica Hematologista / Hemoterapeuta Doutora Hospital Albert Einstein – São Paulo Profa. Dra. Dayse Maria Lourenço Profa. Livre-Docente de Hematologia Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP Data da Defesa: 02/12/2019 Agradecimentos A realização desse trabalho não teria sido possível sem a colaboração e empenho de diversas pessoas. Agradeço a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a transformação do projeto em realidade. Ao meu marido, pelo amor, companheirismo e apoio incondicional durante essa trajetória. Aos meus pais e meu irmão que, mesmo estando a quilômetros de distância, se mantiveram incansáveis em suas manifestações de apoio e carinho. Agradeço a minha Orientadora Professora Doutora Lucilene Silva Ruiz e Resende pela orientação prestada, pelo incentivo, disponibilidade e apoio que sempre demonstrou. A minha Co-orientadora, Professora Doutora Patrícia Carvalho Garcia, pela sua atenção, paciência e destreza durante toda a elaboração do trabalho. Aos Funcionários do Hemocentro de Botucatu, pela receptividade e acolhimento durante o período da pesquisa. Aos Professores, Residentes e Funcionários do CEMPAS e da Pós-Graduação da FMVZ-UNESP pelo comprometimento e competência durante a coleta dos materiais a serem analisados, e pelo auxílio prestado sempre que necessitei. Ao Laboratório BIO-RAD Laboratories (DiaMed Latino América S.A., Distrito Industrial, Lagoa santa – MG, Brasil) e a sua Representante no Brasil, Empresa pH 7 Comércio e Representações Ltda., pela doação dos kits para os testes imuno-hematológicos e demais materiais de consumo utilizados no estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Sumário LISTA DE ABREVIATURAS . . . . . I LISTA DE FIGURAS . . . . . . . II LISTA DE TABELAS. . . . . . . IV RESUMO . . . . . . . . V ABSTRACT . . . . . . . . VI 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . 1 2 OBJETIVOS . . . . . . . 7 3 MATERIAL E MÉTODOS . . . . . 8 4 RESULTADOS . . . . . . . 14 5 DISCUSSÃO . . . . . . . 23 6 CONCLUSÕES . . . . . . . 27 7 REFERÊNCIAS . . . . . . . 28 8 ANEXOS . . . . . . . . 32 I LISTA DE ABREVIATURAS ABO – Sistema de grupo sanguíneo ABO Rh – Fator Rh, derivado de Rhesus TAD – Teste da Antiglobulina Direta IgG – Imunoglobulina G C3d – Fração C3d do Complemento C3b - Fração C3b do Complemento PAI – Pesquisa de Anticorpos Irregulares PC – Prova Cruzada CPB - Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros ICM - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade sp. – espécie CEMPAS – Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Selvagens FMVZ – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia UNESP – Universidade Estadual Paulista A, B, O – Antígenos do sistema de grupo sanguíneo ABO mG/Kg – miligramas por quilo K2EDTA – Ácido Etilenodiaminotetracético di-potássico mL – mililitros FMB – Faculdade de Medicina de Botucatu BIO-RAD Laboratories – Laboratório de produtos para diagnósticos clínicos e pesquisa das ciências da vida µL - microlitros LISS – Solução de Baixa Força Iônica rpm – rotações por minuto NaCl – Cloreto de sódio Fig. – Figura CEUA – Comitê de Ética no Uso de Animais SISBIO - Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis II SISGEN – Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associa III LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Macaco-prego (Sapajus sp.) na natureza. Figura 2 – Macaco bugio-ruivo (Alouatta sp.) na natureza. Figura 3 – Macaco bugio-preto (Alouatta sp.) na natureza. Figura 4 – TAD (pesquisa de IgG + C3d) negativo nas hemácias do Sapajus sp. 1 – seta azul. Figura 5 - PAI positivas para IgM nos soros dos Sapajus sp. 1 a 6, e 8 e 9, quando incubados com pool de hemácias tipo O humanas, e negativa no soro do filhote do mesmo gênero (microtubo 7– seta azul). Figura 6 – PC intra-gênero negativas para IgG + C3d [hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com soros dos Sapajus sp. 2 (6A), 4 (6B), 5 (6C) e 6 (6D)]. Figura 7 – PC intergêneros positivas para IgG + C3d (hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com soro do Alouatta sp. 4). Figura 8 – 8A: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 3 e 7 a 9 com o soro humano tipo A; 8B: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com o soro humano tipo B; 8C: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com o soro humano tipo O. Figura 9 - PC intergêneros negativas para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 8 a 10, e entre hemácias humanas tipos A, B e O, com o soro do filhote de Sapajus sp. (animal 7). IV Figura 10 – 10A: TAD (pesquisa de IgG + C3d) negativa nas hemácias do Alouatta sp. 1 – seta azul; 10B: PAI positiva para IgM nos soros dos Alouatta sp. 1 a 6, quando incubados com pool de hemácias tipo O humanas. Figura 11 – PC intra-gênero negativa para IgG + C3d (hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com soro do Alouatta sp. 4). Figura 12 – PC intergênero positivas para IgG + C3d (hemácias do Alouatta sp. 1 a 6 com soro do Sapajus sp. 1). Figura 13 – 13A: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo A; 13B: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo B; 13C: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo O. V LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Resultados do TAD e da PAI nos gêneros Sapajus sp. (adultos e filhote) e Alouatta sp (adultos) ..........................................................................20 Tabela 2 – Resultados das PC intra-gêneros e intergêneros observadas no estudo ...............................................................................................................20 VI FAUSTINO, F.G. Teste de Antiglobulina Direta, Pesquisa de Anticorpo Irregular e Prova de Compatibilidade em Macacos-Pregos (Sapajus sp.) e em Macacos Bugios (Alouatta sp.) Botucatu, 2019. 44p. Dissertação (Mestrado em Animais Selvagens) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Resumo Realizaram-se estudos imuno-hematológicos em 19 macacos sul- americanos, sendo 9 Sapajus sp. (macacos-prego) e 10 Alouatta sp. (macacos bugios). O Teste de Antiglobulina Direta (TAD) não revelou moléculas IgG de imunoglobulina e C3d do complemento, semelhantes às humanas, nas membranas dos eritrócitos dos animais. A Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI) mostrou-se positiva nos soros de 18 animais adultos sendo negativa no soro do único filhote do estudo, um Sapajus sp. de 2 meses de idade. A Prova de Compatibilidade (PC) foi negativa dentro de cada gênero, revelando-se positiva entre os 2 gêneros de macacos e, destes, com humanos. O filhote de macaco-prego, entretanto, mostrou PC compatível, tanto com o gênero Alouatta sp., quanto com humanos. Palavras-chaves: macacos-prego; macacos bugios; imuno-hematologia. VII FAUSTINO, F.G. Teste de Antiglobulina Direta, Pesquisa de Anticorpo Irregular e Prova de Compatibilidade em Macacos-Pregos (Sapajus sp.) e em Macacos Bugios (Alouatta sp.) Botucatu, 2019. 44p. Dissertação (Mestrado em Animais Selvagens) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Abstract An immunohematological study was carried out in 19 South-American monkeys corresponding to 9 Sapajus sp. (Capuchin monkeys) and 10 Alouatta sp. (Howler monkeys). The Direct Antiglobulin Test (DAT) didn’t show human- like molecules of IgG-type immunoglobulin and C3d complement fraction on the animal’s erythrocyte membranes. Serum Irregular Antibodies Screening (IAS) was found in 18 adult animals but not in the only studied cub, which was a 2 month-old Capuchin monkey. The Compatibility Test (CT) was negative among members of a same genre of animals being positive among Sapajus sp. and Alouatta sp., and among the monkey’s genres and humans. The Capuchin monkey cub, however, showed a negative CT with both, Howler monkeys and humans. Palavras-chaves: Capuchin monkey; Howler monkey; immunohematology. - 1 - 1 Introdução Os animais tiveram importância histórica nos nossos conhecimentos sobre o sangue (MARTINS, 2011; ROCHA et al, 2009). Estudos pioneiros com transfusões heterólogas foram realizados em Oxford, por Richard Lower, em 1665 (ROCHA et al, 2009). Após isto, Pontick e Landois realizaram as primeiras transfusões bem sucedidas em animais da mesma espécie em 1788, e James Blundell deu prosseguimento a tais experimentos com transfusões homólogas (ROCHA et al, 2009). Coube a Karl Landsteiner, em 1901, o descobrimento do primeiro e mais importante sistema do grupo sanguíneo humano, o ABO. Em 1913, Von Dungern e Hirszfeld encontraram antígenos semelhantes em hemácias de chimpanzés (VON DUNGERN & HIRSZFELD, 1911, citados por BLANCHER & SOCHA, 1997). Em 1927, Landsteiner e Levine descobriram o sistema MN humano (LANDSTEINER & LEVINE, 1927, citado por SOCHA & BLANCHER, 1997), também observado em grandes macacos antropoides e em macacos não antropoides, por Landsteiner & Wiener em 1937 (LANDSTEINER & WIENER, 1937, citado por SOCHA & BLANCHER, 1997). Pouco tempo depois, em 1940, Karl Landsteiner e Wiener descreveram anticorpo produzido no soro de coelhos e de cobaias, através de imunização com hemácias do macaco Rhesus (Macaca mulatta). O anticorpo obtido foi denominado anti-Rh, sendo o “Rh” derivado de “Rhesus”. Os humanos que mostravam aglutinação de suas hemácias pelo anticorpo anti- Rh, foram chamados de Rh positivos, enquanto os que não exibiam tal aglutinação foram denominados Rh negativos (BLANCHER & SOCHA, 1997). À época, apesar de se “respeitar o tipo sanguíneo” nas transfusões entre humanos, continuavam ocorrendo reações transfusionais hemolíticas a despeito da não visualização de aglutinação entre as então denominadas “aglutininas e aglutinógenos” nos testes pré-transfusionais. Em 1908, Carlos Moreschi havia descrito o princípio do teste de antiglobulina https://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Landsteiner https://pt.wikipedia.org/wiki/Macaco-rhesus - 2 - humana, mas somente em 1945, Robin Coombs, Arthur Mourant e Rob Race o introduziram na rotina laboratorial. A partir daí, conseguiram-se detectar anticorpos séricos em indivíduos previamente sensibilizados com hemácias, e descrever os demais sistemas de grupos sanguíneos. A possibilidade de detecção de tais anticorpos consiste na descoberta mais relevante na medicina transfusional depois da descoberta do sistema ABO (GIRELLO & KÜHN, 2016). Desde então, a imuno-hematologia eritrocitária humana está em constante evolução, com novas e importantes descobertas sendo rotineiramente documentadas (FUNG et al, 2017). Paralelamente, muitos estudos foram realizados interessando análises fenotípicas e/ou genotípicas de sistemas de grupos sanguíneos em várias espécies de macacos antropoides, em macacos do Velho e do Novo Mundo, e em prosímios (BLANCHER et al, 1997). Entretanto, tais estudos ainda são incomuns em macacos brasileiros. Atualmente são conhecidos 365 antígenos eritrocitários humanos, reconhecidos pelo Comitê para Terminologia de Antígenos Eritrocitários da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT, 2019) Muitos desses antígenos são potencialmente imunogênicos, podendo desencadear eventos de autoimunidade em humanos, devido à formação de seu anticorpo complementar, em decorrência de desregulação imunológica. Utiliza-se o Teste da Antiglobulina Direta (TAD), ou Teste de Coombs direto, para demonstrar ligação de anticorpos e/ou frações do complemento às hemácias (GIRELLO & KÜHN, 2016). É realizado com antiglobulinas com especificidade antiglobulina e anticomplemento humanos (soro poliespecífico, geralmente, contendo anti-IgG e anti-C3d e/ou anti-C3b) [GIRELLO & KÜHN, 2016]. Esse teste detecta autoanticorpos aderidos a antígenos eritrocitários situados na membrana das hemácias, o que caracteriza a autoimunidade. Quando o TAD está positivo e não foi possível a identificação do anticorpo envolvido, realiza-se o Teste do Eluato, no qual os glóbulos vermelhos recebem um tratamento que promove a ruptura das ligações entre o antígeno e o anticorpo. O anticorpo assim liberado pode, então, ter sua especificidade identificada com técnicas de rotina. O TAD não é um teste pré- - 3 - transfusional obrigatório, embora seja bastante utilizado em unidades hemoterápicas de referência (GIRELLO & KÜHN, 2016). A Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI), ou Teste de Coombs indireto, é exame laboratorial que detecta anticorpos livres no plasma ou soro de um indivíduo. Tais anticorpos são do tipo irregular, já que sua ocorrência não é normalmente esperada. São formados quando ocorre exposição de um indivíduo a sangue com um ou mais antígenos eritrocitários diferentes dos seus, que são prontamente reconhecidos como estranhos ao organismo (p.ex., sensibilização da mãe devido a contato com sangue fetal durante o parto, ou sensibilização de um indivíduo por transfusões sanguíneas prévias). Podem, entretanto, ocorrer naturalmente. A PAI constitui-se num teste pré-transfusional obrigatório, sendo associada a reações transfusionais quando positiva (GIRELLO & KÜHN, 2016). A Prova de Compatibilidade (PC) maior ou prova cruzada, é teste pré-transfusional também obrigatório, para verificar a compatibilidade entre o plasma ou soro do receptor e as hemácias do doador de sangue (GIRELLO & KÜHN, 2016). Juntamente com a tipagem sanguínea ABO e Rh, a PC é a principal forma de garantir uma transfusão bem sucedida em humanos. O avanço de técnicas transfusionais em humanos tem permitido, paralelamente, o desenvolvimento de transfusões sanguíneas mais seguras na medicina veterinária. Tais procedimentos técnicos vem gradualmente sendo implantados como práticas rotineiras no mundo, tanto para pequenos quanto para grandes animais, sobretudo a partir dos anos 90 (SILVA, 2011). No Brasil, entretanto, testes para tipagens sanguíneas de animais não costumam estar disponíveis, sendo rotineiramente realizada apenas a PC entre hemácias de potenciais doadores com o plasma ou soro do animal receptor, como preditora de eventuais reações transfusionais. A ocorrência de aglutinação das hemácias do animal doador em contato com o plasma ou soro do animal receptor indica incompatibilidade, inviabilizando a transfusão sanguínea (ROCHA et al, 2009). - 4 - Estudos sobre transfusões em animais selvagens são ainda mais incomuns no Brasil. Em relação aos primatas não-humanos brasileiros, são conhecidos 139 taxa (espécies e subespécies), muitos deles em risco de extinção (CPB/ICM, 2013). Entretanto, não encontramos publicações referentes ao TAD, à PAI ou à PC pesquisados nesses animais. O presente estudo objetivou investigar o TAD nas hemácias e a PAI nos soros de macacos-prego (Sapajus sp.) [Fig. 1] e de macacos bugios (Alouatta sp.) [Fig. 2 e 3]. Além disso, realizou a PC intra-gêneros (hemácias de Sapajus sp. com soros de Sapajus sp., e hemácias de Alouatta sp. com soros de Alouatta sp.) e intergêneros (hemácias de Sapajus sp. com soros de Alouatta sp.; hemácias de Sapajus sp. com soros de humanos; hemácias de Alouatta sp. com soros de Sapajus sp.; hemácias de Alouatta sp. com soros de humanos). - 5 - Figura 2 – Macaco bugio-ruivo (Alouatta sp.) na natureza. Figura 3 – Macaco bugio-preto (Alouatta sp.) na natureza. Figura 1 – Macaco-prego (Sapajus sp.) na natureza. - 6 - O CEMPAS – Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Selvagens da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da UNESP recebe animais selvagens, incluindo primatas, capturados ilegalmente e/ou com doenças/agravos à saúde, para que recebam atendimento veterinário com suporte laboratorial e acompanhamento biológico, visando a plena recuperação dos mesmos. Frequentemente tais animais necessitam de transfusões sanguíneas, particularmente quando são vítimas de maus-tratos, atropelamentos, ou quando necessitam de intervenção cirúrgica. Estudos como este, nos gêneros Sapajus sp. e Alouatta sp., podem contribuir para o aperfeiçoamento das práticas transfusionais nos animais selvagens em geral, e nos primatas em particular, auxiliando no atendimento médico veterinário de excelência e, em última instância, na preservação de suas espécies. Considerando-se a importância filogenética existente entre humanos e macacos, estudos como este podem resultar em descobertas importantes para a primatologia humana e não-humana em geral, tanto em aspectos científicos quanto em aspectos antropológicos. - 7 - 2A Objetivo Geral - Investigar o TAD nas hemácias e a PAI nos soros de macacos- prego (Sapajus sp.) e de macacos bugios (Alouatta sp.), e realizar a PC intra- gêneros e intergêneros. 2B Objetivos Específicos - Investigar a presença de autoanticorpos (anti-IgG e/ou anti-C3d) aderidos a hemácias de macacos-prego (Sapajus sp.) e macacos bugios (Alouatta sp.), através do TAD; - Investigar a presença de anticorpos irregulares nos soros de macacos-prego (Sapajus sp.) e macacos bugios (Alouatta sp.), através da PAI; - Investigar a existência de compatibilidade sanguínea através da realização de PC intra-gêneros (hemácias de Sapajus sp. com soros de Sapajus sp., e hemácias de Alouatta sp. com soros de Alouatta sp.) e intergêneros (hemácias de Sapajus sp. com soros Alouatta sp.; hemácias de Alouatta sp. com soros de Sapajus sp.; hemácias de Sapajus sp. com soros humanos tipos A, B e O; hemácias humanas tipos A, B e O com soros de Sapajus sp.; hemácias de Alouatta sp. com soros humanos tipos A, B e O; hemácias humanas tipos A, B e O com soros de Alouatta sp.). - 8 - 3 Material e Métodos Nove macacos-prego (Sapajus sp.) e 10 macacos bugios (Alouatta sp.) de ambos os sexos e saudáveis, mantidos em cativeiro no CEMPAS, alimentados com ração comercial para primatas e frutas, e com água ad libitum, foram capturados em suas jaulas com auxílio de um puçá. Em seguida, em sala para pequenos procedimentos cirúrgicos, receberam injeção intramuscular de cloridrato de quetamina a 10% (7 mG/kg) e midazolam (0,5 mG/kg), aplicada por anestesiologista veterinário, que também monitorizou clinicamente os animais durante o procedimento de coleta de amostras. Após antissepsia, utilizando-se seringa e agulha estéreis descartáveis, foram coletados 4,0mL de sangue periférico da veia braquial dos macacos, por médico veterinário do CEMPAS. Metade do sangue (2,0 mL) foi colocado em tubo padrão de hemograma contendo o anticoagulante K2 EDTA, para ser utilizado no TAD e PC. Outros 2,0 mL foram colocados em tubo seco (sem anticoagulante), para ser utilizado na realização da PAI e PC. Os referidos animais foram monitorados por anestesiologista veterinário durante a recuperação pós-anestésica. Depois disso, os animais retornaram ao cativeiro de origem no CEMPAS, onde foram regularmente observados durante as 24 horas subsequentes à coleta. Os tubos com as amostras coletadas foram colocados em caixa plástica resistente e apropriada, contendo o símbolo que caracteriza “Risco Biológico”, e foram transportados pela médica, aluna de pós-graduação, até o Laboratório de Imuno-hematologia, da Divisão Hemocentro do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) – UNESP. Todas as normas de biossegurança foram rigorosamente obedecidas durante o manuseio das amostras heterólogas (coleta, transporte, técnicas de bancada, cuidados com bancada e equipamentos, descarte de dejetos e material de uso), conforme preconizado para a rotina de trabalho com sangue humano, sabidamente com potencial infectante. A médica, aluna de pós-graduação, executou todas as técnicas devidamente paramentada com avental, gorro, luvas, máscara e óculos de proteção. Nenhum material de - 9 - bancada utilizado nos testes foi reutilizado (tubos, microtubos, ponteiras de micropipetas, reagentes, etc), sendo encaminhados em recipientes lacrados para incineração, juntamente com todos os dejetos do estudo contaminados com material biológico. A bancada utilizada na pesquisa foi espacialmente isolada daquela utilizada nos testes da rotina transfusional, e todas as amostras e material de uso foram devidamente identificados, evitando-se qualquer troca de amostras. O processamento das amostras dos primatas não-humanos foi realizado em horário fora do expediente rotineiro do laboratório. A assepsia e descontaminação da bancada e equipamentos utilizados foram realizadas conforme procedimentos-padrão do laboratório em questão. Ressalte-se que todo procedimento prático foi supervisionado, in loco e em tempo real, pela biomédica co-orientadora e pela médica/docente orientadora, também devidamente paramentadas. Os kits para realização dos testes foram fabricados pelo Laboratório BIO-RAD Laboratories (DiaMed Latino América S.A., Distrito Industrial, Lagoa Santa – MG, Brasil) e, juntamente com os demais materiais de consumo necessários no presente estudo, foram fornecidos pela Empresa pH 7 Comércio e Representações Ltda (Representante da BIO-RAD Laboratories no Brasil), correspondendo aos mesmos utilizados na rotina imuno-hematológica em bancos de sangue humanos. As hemácias e os soros A, B e O humanos foram aliquotados a partir de bolsas fenotipadas de doadores de sangue do Hemocentro do HC – FMB – UNESP. As amostras foram processadas segundo o método-padrão de gel- centrifugação da DiaMed-ID Micro Typing System®. A – Técnica de realização de Teste de Antiglobulina Direta (TAD) / Teste de Coombs direto nos macacos: - 10 - 1- Foi feita a identificação de cartões com microtubos com gel LISS (ID-Card LISS-Coombs®) contendo as antiglobulinas humanas anti-IgG e anti-C3d (um microtubo para cada macaco), para identificação de IgG e/ou C3d humanos- like na superfície das hemácias dos macacos; 2– Foram colocadas 950µL (19 gotas) de LISS (Solução de Baixa Força Iônica) em 19 tubos de vidro comuns (um tubo para cada macaco, devidamente identificados); 3- Os tubos originais das coletas do sangue dos macacos (tubos de coleta com anticoagulante) foram centrifugados a 3200 rpm por 10 minutos, para a separação entre plasma e hemácias; 4- Foram aspirados 10µl de hemácias (tubos do item 3), diluídos nos tubos comuns preparados anteriormente (do item 2); 5- 50µL dessa diluição (item 4) foram colocados nos microtubos com gel dos cartões (item 1); 6– Os microtubos foram centrifugados a 3400 rpm por 10 minutos, as leituras foram efetuadas e os resultados anotados. Interpretação do resultado do TAD: Positivo: presença de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na superfície do gel do microtubo, ou como um rastro de hemácias que se estende da superfície à base do gel do microtubo). Negativo: ausência de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na base do gel do microtubo). - 11 - B – Técnica de realização de Pesquisa de Anticorpo Irregular (PAI) / Teste de Coombs indireto nos macacos: 1a- Foi feita a identificação de cartões com microtubos com gel LISS (ID-Card LISS-Coombs®) contendo as antiglobulinas humanas anti-IgG e anti-C3d, correspondendo a um microtubo para cada macaco, para identificação de IgG humana-like no soro dos macacos; 1b- Foi feita a identificação de cartões com microtubos contendo o gel NaCl (ID-Card NaCl, Enzyme Test and Cold Agglutinins®), correspondendo a um microtubo para cada macaco, para identificação de IgM humana-like no soro dos macacos; 2– Foram colocados 50µL (1 gota) de pool de hemácias do grupo sanguíneo O (mini-painel, comercialmente disponível, de hemácias de 2 doadores humanos que contêm diferentes perfis antigênicos, incluindo os antígenos de maior importância na prática transfusional) nos microtubos dos cartões (itens 1a e 1b); 3- Os tubos originais das coletas do sangue dos macacos (tubos de coleta sem anticoagulante) foram centrifugados a 3200 rpm por 10 minutos, para a completa separação entre soro e hemácias; 4- Foram aspirados 25µl do soro dos macacos (do item 3), sendo colocados nos microtubos dos cartões previamente preparados, com hemácias humanas (item 2); 5– Os microtubos foram centrifugados a 3400 rpm durante 10 minutos, as leituras foram efetuadas e os resultados anotados. Interpretação do resultado da PAI: Positivo: presença de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na superfície do gel do microtubo, - 12 - ou como um rastro de hemácias que se estende da superfície a base do gel do microtubo). Negativo: ausência de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na base do gel do microtubo). C – Técnica de realização de Prova de Compatibilidade maior (PC) intra- gêneros e intergêneros: 1- Foi feita a identificação de cartões com microtubos com gel LISS (ID-Card LISS-Coombs®) contendo as antiglobulinas humanas anti-IgG e anti-C3d, para identificação de IgG humana-like nos soros dos macacos e dos humanos (PC intra-gêneros e intergêneros); 2– Foram colocadas 950µL (19 gotas) de LISS (Solução de Baixa Força Iônica) em tubos de vidro comuns; 3- Os tubos originais das coletas do sangue dos macacos (tubos de coleta sem anticoagulante), foram centrifugados a 3200 rpm por 10 minutos, para a completa separação entre soro e hemácias; no caso de hemácias humanas, foram utilizados as do tipo A, B e O, aliquotadas de bolsas de doadores fenotipados; 4- Foram aspirados 10µl de hemácias (do item 3 – de macacos ou humanas), diluídas nos tubos comuns preparados anteriormente (do item 2); 5- 50µL dessa diluição (item 4) foram colocados nos microtubos com gel dos cartões (itens 1a e 1b), sendo adicionados 25µL dos soros dos demais macacos, ou de soros humanos tipos A, B e O; 6– Os cartões foram incubados a 37ºC por 15 minutos; 7– Em seguida, foram centrifugados a 3400 rpm durante 10 minutos, as leituras foram efetuadas e os resultados anotados. - 13 - Interpretação do resultado da PC: Positivo: presença de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na superfície do gel do microtubo, como um rastro de hemácias que se estende da superfície à base do gel do microtubo). Negativo: ausência de aglutinação das hemácias (visualizada como botão de hemácias aglutinadas na base do gel do microtubo). - 14 - Resultados 4A - Resultados referentes aos macacos-prego (Sapajus sp.) Estudaram-se 9 macacos-prego pertencentes ao gênero Sapajus sp., sendo 4 fêmeas e 5 machos. Um dos machos correspondia a um filhote de 2 meses. Os macacos não foram classificados quanto às espécies. O Teste da Antiglobulina Direta (TAD) foi negativo, para IgG e C3d, (Fig. 4) nas hemácias de todos os Sapajus sp.. A Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI) nos soros incubados com pool de hemácias tipo O humanas foi positiva em todos os Sapajus sp., para IgG + C3d e IgM, exceto no filhote, no qual foi negativa para ambas imunoglobulinas (Fig. 5). Figura 4 – TAD (pesquisa de IgG + C3d) negativo nas hemácias do Sapajus sp. 1 – seta azul. - 15 - As Provas Cruzadas (PC) intra-gênero (Sapajus sp.), realizadas pela adição de hemácias de cada Sapajus sp. ao soro dos demais Sapajus sp., foram negativas para IgG + C3d (Fig. 6A - 6D). As PC intergêneros correspondendo à adição de hemácias dos 9 Sapajus sp. aos soros dos 10 Alouatta sp. foram positivas para IgG + C3d (Fig. 7). As PC intergêneros entre as hemácias dos 9 Sapajus sp. e soros humanos A, B e O foram positivas para IgG + C3d (Fig. 8A – 8C). As PC intergêneros correspondentes aos soros dos 8 Sapajus sp. adultos com as hemácias dos 10 Alouatta sp. foram positivas para IgG + C3d. As PC intergêneros correspondentes aos soros dos 8 Sapajus sp. adultos com hemácias humanas A, B e O foram positivas para IgG + C3d. As PC intergêneros entre o soro do filhote de Sapajus sp. e as hemácias dos 10 Alouatta sp., e entre o soro do filhote de Sapajus sp. e as hemácias humanas tipos A, B e O foram negativas para IgG + C3d (Fig. 9). Figura 5 - PAI positivas para IgM nos soros dos Sapajus sp. 1 a 6, e 8 e 9, quando incubados com pool de hemácias tipo O humanas, e negativa no soro do filhote do mesmo gênero (microtubo 7– seta azul). . - 16 - Figura 6 – PC intra-gênero negativas para IgG + C3d [hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com soros dos Sapajus sp. 2 (6A), 4 (6B), 5 (6C) e 6 (6D)]. D C A B - 17 - Figura 7 – PC intergêneros positivas para IgG + C3d (hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com soro do Alouatta sp. 4). Figura 8 – 8A: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 3 e 7 a 9 com o soro humano tipo A; 8B: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com o soro humano tipo B; 8C: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Sapajus sp. 1 a 6 com o soro humano tipo O. A B C - 18 - Figura 9 – PC intergêneros negativas para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 8 a 10, e entre hemácias humanas tipos A, B e O, com o soro do filhote de Sapajus sp. (animal 7). - 19 - 4B - Resultados referentes aos macacos bugios (Alouatta sp.) Estudaram-se 10 macacos bugios (Alouatta sp.) adultos, sendo 6 fêmeas e 4 machos. Destes, 6 animais pertenciam à espécie Alouatta fusca, correspondendo a 3 fêmeas e 3 machos, e outros 4 pertenciam à espécie Alouata caraya, correspondendo a 3 fêmeas e 1 macho. O TAD foi negativo, para IgG e C3d, (Fig. 10A) nas hemácias de todos os Alouatta sp.. A PAI nos soros incubados com pool de hemácias tipo O humanas foi positiva, para IgG + C3d e IgM, em todos os Alouatta sp.. (Fig. 10B). As PC intra-gênero (Alouatta sp.), realizadas entre as hemácias de cada Alouatta sp. e os soros dos demais Alouatta sp., foram negativas para IgG + C3d (Fig. 11). As PC intergêneros entre hemácias dos 10 Alouatta sp. e os Figura 10 – 10A: TAD (pesquisa de IgG + C3d) negativa nas hemácias do Alouatta sp. 1 – seta azul; 10B: PAI positiva para IgM nos soros dos Alouatta sp. 1 a 6, quando incubados com pool de hemácias tipo O humanas. B A - 20 - soros dos 8 Sapajus sp. adultos foram positivas para IgG + C3d (Fig. 12), assim como entre as hemácias dos 10 Alouatta sp. e soros humanos tipos A, B e O (Fig. 13A – 13C). As PC intergêneros entre as hemácias dos 10 Alouatta sp. e o soro do filhote de Sapajus sp. foi negativa para IgG + C3d (Fig. 9 - acima). As PC intergêneros correspondentes aos soros dos 10 Alouatta sp. com as hemácias dos 9 Sapajus sp. foram positivas para IgG + C3d. As PC intergêneros correspondentes aos soros dos 10 Alouatta sp. com hemácias humanas tipos A, B e O foram positivas para IgG + C3d. Figura 11 – PC intra-gênero negativa para IgG + C3d (hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com soro do Alouatta sp. 4). - 21 - A Tabela 1 sintetiza os achados do TAD e da PAI em ambos os gêneros dos macacos estudados. Tabela 1 – Resultados do TAD e da PAI nos gêneros Sapajus sp. (adultos e filhote) e Alouatta sp (adultos). Testes Gêneros Sapajus sp. (adultos) Sapajus sp. (filhote) Alouatta sp. (adultos) TAD Negativo Negativo Negativo PAI Positivo Negativo Positivo Figura 13 – 13A: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo A; 13B: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo B; 13C: PC positiva para IgG + C3d entre hemácias dos Alouatta sp. 1 a 6 com o soro humano tipo O. C A B - 22 - A Tabela 2 sintetiza os achados das PC intra-gênero (entre os Sapajus sp. e entre os Alouatta sp.), e intergêneros (entre Sapajus sp. e Alouatta sp.; entre Sapajus sp. e humanos; entre Alouatta sp. e humanos). Tabela 2 – Resultados das PC intra-gêneros e intergêneros observadas no estudo. GV Soro Sapajus sp. (adultos) Sapajus sp. (filhote) Alouatta sp. (adultos) Glóbulos vermelhos humanos tipos A, B e O Alouatta sp. (adultos) Incompatível Incompatível Compatível Incompatível Sapajus sp. (adultos) Compatível Compatível Incompatível Incompatível Sapajus sp. (filhote) Compatível Compatível Compatível Compatível Soros humanos tipos A, B e O Incompatível Incompatível Incompatível NA NA: não se aplica - 23 - 5 Discussão Utilizando-se imunoglobulinas anti-humanas anti-IgG e anti-C3d, o TAD mostrou-se negativo nos 9 Sapajus sp. e nos 10 Alouatta sp., demonstrando não haver anticorpos, análogos aos humanos, dirigidos contra antígenos eritrocitários ou contra a fração C3d do complemento, revestindo a superfície da membrana das hemácias dos animais. Em humanos, o TAD é um teste com soro antiglobulina humana poliespecífico, comumente composto por anti-IgG + anti-C3d, que pode detectar de 200 a 400 moléculas de IgG e 400 a 1.100 moléculas de C3d por hemácia (BARJAS-CASTRO, 2007). Um TAD positivo pode corresponder a apenas um achado laboratorial, sem o correspondente clínico de hemólise, ou pode traduzir-se, mais frequentemente, como hemólise de significado clínico variável, a depender do antígeno eritrocitário envolvido. O TAD pode ser positivo também em casos de aloimunização prévia, quando um anticorpo sérico, anteriormente produzido pelo receptor, reconhece o antígeno causador da aloimunização em novo contato com as hemácias, resultando em reação hemolítica. É também positivo em hemólises por algumas drogas (GIRELLO & KÜHN, 2016), em várias doenças hematológicas, em doenças renais ou estados urêmicos, e em situações que cursam com níveis séricos elevados de globulinas (LEGER & BORGE JR, 2017). Um TAD negativo significa ausência de anticorpos dirigidos contra antígenos da membrana eritrocitária ou, ainda, que o teste utilizado falhou em identificá-los. No presente estudo, foram utilizadas apenas antiglobulinas anti-IgG e anti-C3d com especificidade para antígenos humanos, não se podendo descartar a ocorrência de testes falsos- negativos nos símios estudados. Ressalte-se, contudo, que nenhum animal apresentava quadro clínico de hemólise. Não encontramos estudos sobre realização de TAD em grandes macacos antropoides, e em outros macacos do Velho e do Novo Mundo, ou em prosímios. - 24 - A PAI nos soros dos dois grupos de macacos, quando em contato com o mini-painel de hemácias humanas fenotipadas (pool de hemácias O humanas), revelou-se positiva, para IgG + C3d e IgM, em todos os animais, exceto no filhote de Sapajus sp. Isso significa que, a menos que os membros adultos dos 2 gêneros de primatas não-humanos tenham sido previamente aloimunizados de alguma forma, os mesmos parecem possuir, “naturalmente” em seus soros, heteroanticorpos dirigidos contra antígenos eritroides semelhantes aos humanos, diferentes dos antígenos A e B. Isso pode ter decorrido de exposições a antígenos ambientais, a infecções por bactérias e vírus, com epítopos semelhantes a antígenos eritrocitários humanos (HAMILTON & BAILEY, 2017). Em humanos, tais anticorpos “naturais” podem ser dirigidos contra antígenos de sistemas ABO-relacionados, como Lewis, ou de sistemas altamente imunogênicos como Rh, Kell, Kidd, Duffy e MNS (MELO, 2007). Não se tentou identificar tais anticorpos anti-eritrocitários presentes nos soros dos animais, uma vez que esse não era um dos objetivos do presente estudo. No filhote de Sapajus sp., assim como acontece em recém- nascidos humanos, tais anticorpos não se encontravam presentes, provavelmente, por imaturidade imunológica desse animal, traduzida por incapacidade de sintetizar anticorpos (HAMILTON & BAILEY, 2017; KEIR et al, 2015), uma vez que todos os animais compartilhavam o mesmo tipo de cativeiro e exposições ambientais no CEMPAS. Não encontramos estudos sobre PAI em grandes macacos antropoides, e em outros macacos do Velho e do Novo Mundo ou em prosímios. Em relação às PC intra-gêneros, notou-se compatibilidade sanguínea entre todos os membros do gênero Sapajus sp., e entre todos os membros do gênero Alouatta sp., inclusive entre a espécie Alouatta fusca e a espécie Alouatta caraya. Resende et al. (2018) observaram padrão antigênico muito semelhante em grupo de macacos do gênero Sapajus sp., ao estudar a presença de antígenos eritrocitários humanos nesses animais (RESENDE et al, 2018). Igualmente, Silva (2017) constatou perfil antigênico eritrocitário quase - 25 - idêntico ao estudar grupo de macacos do gênero Alouatta sp. (SILVA, 2017). Tais semelhanças fenotípicas eritrocitárias, provavelmente, impedem a ocorrência de anticorpos séricos diferentes entre os membros de cada um desses gêneros. Tais achados mostram, in vitro, que parecem ser possíveis transfusões compatíveis de hemácias entre todos os membros Sapajus sp. estudados, e entre todos os membros Alouatta sp. estudados, inclusive entre os Alouatta fusca e os Alouatta caraya. Já nas PC intergêneros (hemácias de Sapajus sp. x soro de Alouatta sp.; soro de Sapajus sp. x hemácias de Alouatta sp.; hemácias de Sapajus sp x soros humanos tipos A, B e O; soro de Sapajus sp. x hemácias humanas tipos A, B e O; hemácias de Alouatta sp. x soros humanos tipos A, B e O; soro de Alouatta sp. x hemácias humanas tipos A, B e O) observou-se total incompatibilidade, exceto nas PC entre o soro do filhote de Sapajus sp., respectivamente, com hemácias de todos Alouatta sp. e com hemácias humanas tipos A, B e O, onde observaram-se compatibilidades. O padrão antigênico eritrocitário diferente entre os gêneros Sapajus sp. e Alouatta sp. observado por Resende et al (2018) e Silva et al (2017), associado ao achado de PAI positiva nos 2 gêneros, previamente discutida no presente estudo, revelam a existência de heteroanticorpos naturais intergêneros nesses animais (RESENDE et al, 2018; SILVA, 2017). Igualmente, esses mesmos autores verificaram ausência de vários dos antígenos de importância transfusional em humanos, nesses 2 gêneros de macacos (RESENDE et al, 2018; SILVA, 2017). Isso sugere a existência de polimorfismos gênicos intergêneros e diversidade evolutiva, que abrangem também os grupos sanguíneos (RESENDE et al, 2018; RUFIÉ et al, 1982). A compatibilidade sanguínea do soro do filhote de Sapajus sp. com hemácias dos Alouatta sp. e dos humanos, reforça a ocorrência de ausência de heteroanticorpos naturais nesse jovem animal, por razão previamente discutida, quando se discutiu a PAI (HAMILTON & BAILEY, 2017; KEIR et al, 2015). Os achados revelaram, in vitro, que parecem ser possíveis transfusões compatíveis de hemácias de todos Alouatta sp. estudados, e de humanos, para o filhote de Sapajus sp.. A PC é teste pré-transfusional obrigatório realizado entre hemácias do doador e plasma ou soro do receptor, objetivando excluir - 26 - incompatibilidade transfusional entre os dois (MELO, 2007), e costuma ser o único teste pré-transfusional rotineiramente utilizado em medicina veterinária (ROCHA et al, 2009). Não encontramos estudos sobre PC em grandes macacos antropoides, e em outros macacos do Velho e do Novo Mundo ou em prosímios. O Brasil possui um dos maiores números de espécies de primatas do mundo, subestudadas, e sujeitas à biopirataria estrangeira. O presente estudo é original no nosso país. Além do interesse científico sobre o tema, acreditamos que este trabalho possui relevância em ecologia, primatologia, antropologia e filogenética. Em última instância, é um estudo que pode despertar para o desenvolvimento de futuras práticas transfusionais nesses animais, contribuindo para a preservação de suas espécies. Também é uma forma de prestar um tributo aos primatas não-humanos, que tanto auxiliaram no desenvolvimento da biologia e da medicina humana. Contudo, novas pesquisas sobre o tema devem ser conduzidas, envolvendo maior números de animais adultos e de filhotes, e outros gêneros, para confirmação dos resultados aqui relatados. - 27 - 6 Conclusões - O TAD não demonstrou autoanticorpos dirigidos contra antígenos eritrocitários ou contra fração do complemento na superfície das hemácias dos animais dos 2 gêneros estudados, sugerindo não haver autoimunidade eritrocitária nos mesmos; - A PAI demonstrou que animais adultos possuem heteroanticorpos dirigidos contra antígenos eritroides semelhantes aos humanos, diferentes dos antígenos A e/ou B; - Observou-se compatibilidade sanguínea intra-gêneros em todos os animais, inclusive entre a espécie Alouatta fusca e a espécie Alouatta caraya; - As PC intergêneros revelaram incompatibilidade sanguínea entre os macacos adultos dos 2 gêneros, e destes com humanos; - No filhote de Sapajus sp., todas os testes imuno-hematológicos, diretos e cruzados, foram negativos. - 28 - 7 Referências Martins SB. 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