4 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL: RELAÇÕES PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS, PROTAGONISMO SOCIAL E COMUNICAÇÃO NA EXPANSÃO DA CULTURA NO BRASIL MARIAH VENTURI NAVARRO LIMA Bauru 2011 5 MARIAH VENTURI NAVARRO LIMA Projeto experimental apresentado à Faculda- de de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista como requi- sito parcial para obtenção do grau de Bacha- rel em Comunicação Social: Relações Públi- cas sob orientação do Prof. Dr. Danilo Roth- berg Bauru 2011 6 Agradecimentos Bom, considero uma tarefa difícil agradecer alguns na conclusão deste trabalho, já que ele esteve presente em uma época que envolve uma grande quantidade de pesso- as. Trata-se de uma fase em que, já no fim da faculdade, preservei e preservo próximo de mim e das minhas atividades as pessoas especiais que fizeram parte da construção dessa etapa. O fato de agradecer envolve, aqui para mim, a sensação de finalização de uma etapa não apenas de um curso, mais de uma das fases mais importantes e completas de muito que vivi. Parte essa que envolveu dedicação, trabalho, companheirismo, amizade, vontade entre tantos outros aspectos que envolvem momentos únicos. Aqueles com quem estou constantemente, que não perto na vivência diária, sem- pre estarão comigo. Agradeço, assim, aos meus pais por simplesmente acreditarem e apostarem mais do que em minha profissão ou no meu futuro, mas em meus anseios. Ao falar de família todos tem de certa forma seu destaque nessa construção, mas ressalto a importância de meus avós queridos, sempre e de minha irmã. Tenho enorme gratidão, também aos companheiros da rotina bauruense. Entre eles devo destacar as meninas queridas de casa por toda paciência e auxílio nas diversas horas de concentração e, claro, de “relax” em muitas madrugadas. Sou grata, também, a tantos outros amigos que fizeram parte essencial desse trabalho e sabem disso, em espe- cial à Mariana (Bicuda), Taís (Plets) e Taís (Rebelde). Valeu por tudo meninas! Além disso, devo obrigada a muitos da rede Fora do Eixo, que auxiliaram em parte significante dessa pesquisa, com muita receptividade e atenção especial durante conversas e entrevistas. No mais, obrigada aos professores da Unesp, que estiveram envolvidos direta- mente a esse projeto nesses últimos anos dessa trilha que abrange conhecimento e ensi- namentos. Em especial ao Danilo Rothberg, que orientou esse trabalho e teve paciência para ouvir meus momentos de afobação, estresse e ansiedade. Obrigada! 7 O resultado virá na mesma proporção de seu esforço. Compreenda que, se não veio, cumpre a você (a mim e a todos) modificar suas (nossas) técni- cas, visões, verdades, etc. Nossa caminhada somente termina no túmulo. Ou até mesmo além... Segue a essência de quem teve sucesso em vencer um império. Mahatma G 8 SUMÁRIO Resumo......................................................................................................................... Abstract......................................................................................................................... Introdução.......................................................................................................................7 2. Revisão da literatura..................................................................................................9 2.1 Programa Cultura Viva...............................................................................................9 2.2 Políticas culturais......................................................................................................17 2.3 Cultura e mobilização social.....................................................................................26 2.4 Protagonismo social e Pontos de Cultura..................................................................32 3. Relação da mobilização com movimento cultural independente..........................48 4. As Relações Públicas no processo.............................................................................61 Considerações finais......................................................................................................72 Referências bibliográficas.............................................................................................74 Anexo.............................................................................................................................77 5 6 7 9 9 16 26 33 49 63 75 78 82 9 RESUMO Este trabalho analisa aspectos do contexto das políticas públicas culturais contemporâ- neas relacionadas com as ações de mobilização que envolvem a sociedade civil. A aná- lise engloba conhecimento sobre o papel do profissional de Relações Públicas na con- tribuição da execução de políticas culturais que incentivem o protagonismo social atra- vés do Programa Cultura Viva, desenvolvido pelo Ministério da Cultura, com a imple- mentação de Pontos e Pontões de Cultura, e no âmbito de movimentos sociais indepen- dentes. Os resultados apontam a importância estratégica do Relações Públicas na expan- são das políticas públicas culturais. Palavras chaves: Políticas públicas; cultura; protagonismo social; Relações Públicas; comunicação. 10 ABSTRACT This paper examines aspects of the cultural context of contemporary public policy re- lated to civil society mobilization. The analysis comprises the knowledge about the role of Public Relations to contribute to the implementation of cultural policies that encour- age social engagement through the Programa Cultura Viva, developed by the Ministry of Culture, with the implementation of centers of culture and incentive to social move- ments. The results show the strategic importance of PR in the expansion of public cul- tural policies. Keywords: Public policy, culture, social involvement, public relations, communication 11 INTRODUÇÃO As políticas públicas culturais passaram por transformações significativas ao longo das últimas décadas. Tais mudanças, relacionadas à participação da esfera social, surgem a partir de um processo de democratização política obtida. Neste contexto é crescente o aumento da participação e do interesse dos indivíduos em atuar na formula- ção e execução de políticas culturais. Este trabalho analisou aspectos do contexto das políticas públicas culturais con- temporâneas relacionadas com as ações de mobilização que envolvem a sociedade civil. O objetivo geral foi produzir conhecimento sobre o papel do profissional de Relações Públicas para contribuir na execução de políticas culturais que incentivem o protago- nismo social através do Programa Cultura Viva, regulamentado pelas portarias 156/2004 e 82/2005 do Ministério da Cultura, com a implementação de Pontos e Pon- tões de Cultura, e no âmbito de movimentos sociais independentes. O trabalho envolveu a análise do conteúdo de editais públicos do Programa Cul- tura Viva na busca de informações e dados, para o entendimento do processo de criação de Pontos e Pontões de Cultura. Por meio de pesquisa teórica e bibliográfica, foram buscados aspectos relevantes dos conceitos de política cultural e mobilização social. Além disso, realizou-se pesquisa, através de entrevistas semi-estruturadas, para entender aspectos da rede mobilizadora Fora do Eixo. E o conhecimento obtido nestas etapas permitiu a sistematização de indicações sobre o papel do profissional de Relações Pú- blicas para contribuir na execução de políticas culturais. A análise trouxe conceitos de temas como política cultural no Brasil, formação de Pontos de Cultura e mobilização social. O trabalho foi dividido em quatro capítulos: Programa Cultura Viva; Cultura e mobilização social; Relação da mobilização com mo- vimento cultural independente; e as Relações Públicas. O primeiro capítulo descreveu o processo de criação de Pontos e Pontões de Cultura no âmbito de editais públicos do Programa Cultura Viva. Foram examinados os mecanismos de celebração de convênios com entidades sociais, estados e municípios, suas especificidades e finalidades dos Pontos de cultura. A segunda etapa da pesquisa caracterizou, de uma perspectiva teórica, os dife- renciais do Programa Cultura Viva em relação ao objetivo de incentivar o protagonismo 12 social através do financiamento de projetos de entidades culturais comunitárias, abran- gendo os conceitos de política cultural e mobilização social. O terceiro capítulo verifica a mobilização social inserida no panorama de movi- mentos culturais independentes, como a rede de produção cultural Fora do Eixo. Nele, foi estabelecida uma relação entre os agentes atuantes no circuito com alguns Pontos de Cultura do programa. Por último, foi analisada a relação do RP no processo. Foram identificadas e descritas oportunidades de atuação do profissional de Relações Públicas na organização de redes coletivas e Pontos de Cultura. A análise desses aspectos trouxe algumas reflexões fundamentais para o estudo. Viu-se a importância do Relações Públicas, enquanto comunicador, no trabalho com políticas públicas culturais, sendo esse capaz de atuar no processo dessa política, além de ter relação com a mobilização do sujeito. Os resultados apresentaram, então, a crescente dinamização das políticas públi- cas culturais contemporâneas, por meio do estudo do Programa Cultura Viva, além do surgimento de movimentos independentes, ressaltando o trabalho do Relações Públicas nas ações. 13 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Programa Cultura Viva Neste capítulo inicial será analisado o Programa Cultura Viva e suas característi- cas principais tendo como base os Pontos e Pontões de Cultura existentes no país no panorama atual. Para isso, os conceitos principais referentes ao assunto serão destaca- dos; em seguida é feita uma análise dos editais públicos existentes no processo de cria- ção dos Pontos culturais inseridos no Programa Cultura Viva. O Programa Cultura, Identidade e Cidadania – Cultura Viva teve início em 2004, no governo Lula (2003-2010), sendo criado pelo Ministério da Cultura (MinC) e regu- lamentado pelas Portarias MinC nº 156 e nº 82, de 06 de julho de 2004 e de 18 de maio de 2005. O programa, que teve como ministro Gilberto Gil (gestão 2003-2008), foi cri- ado com o intuito de fomentar no país uma rede de expansão cultural capaz de atender as demandas locais carentes em expressões artístico-culturais e tecnologias relacionadas à área, o programa que é executado pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC), utiliza como estratégia os Pontos de Cultura. Ao estudar o Programa e suas frentes existentes deve-se dar destaque ao público- alvo e seus objetivos. Trata-se de um programa de incentivo à cultura que prioriza a participação de populações de baixa renda; docentes e coordenadores pedagogos da educação básica; comunidades indígenas; estudantes do ensino público; moradores de locais que abrangem patrimônios cultural, ambiental e histórico do país; jo- vens/adolescentes com insuficientes condições sociais e de acesso à cultura; além de agentes da cultura em geral,que defendem a igualdade sócio-cultural. Como objetivos principais do projeto, os quais estão relacionados aos aspectos sociais, culturais e políticos, ressaltam-se alguns pontos fundamentais. A solidificação de correntes socioculturais é um objetivo de extrema importância no processo, já que esta é capaz de evidenciar o trabalho das próprias comunidades estimulando à participa- ção do sujeito responsável diretamente por suas ações, neste caso, culturais. Outro ponto importante é a busca de parcerias firmadas com agentes sociais e órgãos políticos, ou não, tendo como projeção o desenvolvimento da cultura como resultado dessa represen- tação pelo trabalho do indivíduo. 14 Ainda no que tange aos objetivos do projeto, cabe o ideal de difusão da cultura e seus meio de acesso, ressaltando essa como expressão e direito do ser humano, vetor do processo de transformações/inovações para o bem comum de uma comunidade. Além disso, é visado trabalhar, em um programa que lida com educação pública como esse, com as diversas linguagens e representações artísticas importantes na consolidação do censo crítico da sociedade civil do país. O que engloba, também, a ocupação dos parti- cipantes do sistema em atividades realizadas em bens públicos como centros culturais, museus, acervos, entre outros lugares, como forma de incentivo ao aprendizado nesses espaços. A ideia do projeto vincula-se, também, a outras frentes. O Cultura Viva destaca a questão da importância de ter-se esses espaços culturais, provisórios ou não, no ambi- ente da comunidade, aproximando o indivíduo local. Desta forma, há a preocupação com a infra estrutura em diversos aspectos evidenciando a realização das atividades em lugares propícios aos artistas e públicos freqüentadores nesses pontos. O programa também procura ampliar a oferta de espaços, baratear custos de produção, ampliar o acesso da população de baixa renda à produção de bens e serviços culturais e desenvolver hábitos culturais (como o da leitura). O objetivo é constituir uma rede horizontal de pontos de cultura, espaços de gestão, agitação, criação e difusão cultu- ral, que constituirão as referências da Cultura Viva (SILVA, 2007, p. 276). Para entender melhor o processo devemos ressaltar que o programa traz como benefícios aos agentes participantes outras ações, bem como maneiras de gestão do sis- tema. Entre as atividades existentes tem-se: Agente Cultura Viva, Cultura Digital, Esco- la Viva e Os Griôs. No que diz respeito ao acompanhamento dos procedimentos existem o Conselho Consultivo; as Expedições Cultura Viva; meios de comunicação como por- tal, revista, programas de rádio e de televisão; Monitoramento dos gastos e realização das ações através das prestações de contas ao Ministério e os Pontos de Cultura terão acompanhamento através do Plano Plurianual do Governo (PPA), de acordo com o MINC (2009). Deve-se, então, descrever algumas especificidades e características do tema cha- ve do trabalho realizado, os Pontos e Pontões de Cultura inseridos na lógica do progra- ma. Pontos de Cultura são iniciativas culturais de responsabilidade da sociedade civil, sendo selecionadas por editais públicos, federais, estaduais ou até mesmo municipais, 15 que quando aprovados são conveniados e recebem recursos para manter o projeto e ati- vidades em uma comunidade. Um dos idealizadores dos Pontos de Cultura é o historia- dor e ex-secretário na Secretaria da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura Célio Turino, que será abordado adiante. Sobre o assunto, Silva (2007, p. 278) afirma com propriedade: “O Ponto de Cul- tura é espaço de convergência entre o poder público, a comunidade e a sociedade abran- gente”. Vale ressaltar que tais pontos não possuem molde de estruturas físicas ou pro- gramas de atividades definidos. A ideia é que haja ações contínuas nos campos da Arte e Educação; Cidadania e Cultura; e Cultura e Economia Solidária. Dentro desse mesmo esquema encontram-se os Pontões de Cultura. Esses, por sua vez, são também iniciativas culturais alimentadas pela sociedade e selecionadas por editais do governo, até hoje pelo Ministério da Cultura. Trata-se de um auxílio técnico e de incentivo, proporcionado pelo recurso fornecido, para os Pontos culturais, sejam eles municipais, estaduais, regionais ou nacionais. Ramos de atuação direcionados como Teatro, Dança, Audiovisual, Música entre outros, são trabalhos exclusivos desenvolvi- dos por diversos Pontões. No que diz respeito à verba recebida pelos Pontos de Cultura tem-se os seguintes dados, segundo o MinC (2011, b). As organizações selecionadas recebem do Governo Federal R$ 185 mil (dado de abril de 2010) que são divididos em cinco parcelas semes- trais. Sendo o financiamento realizado através de recursos do Fundo Nacional de Cultu- ra (FNC). Tal recurso deve ser utilizado na compra de equipamentos técnicos, em sua maioria de multimídias, como programas de software, microfones, amplificadores mu- sicais, câmera digital etc; além de ser possivelmente investido na contratação de profis- sionais tendo como objetivo a capacitação do público local. Na contemporaneidade, o crescimento do sistema é evidenciado pelos resulta- dos. No contexto atual há quase 4 mil Pontos de cultura em 1122 cidades do país (dados de abril de 2010). “Segundo projeção do MinC, a partir de levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no primeiro semestre de 2010, os Pontos de Cul- tura alcançaram oito milhões e 400 mil pessoas no país, entre participantes diretos e indiretos das atividades” (MinC, 2011, a), o que prova a veloz evolução do processo contínuo que depende dos próprios agentes, no caso culturais. http://pt.wikipedia.org/wiki/Secret%C3%A1rio� http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Secretaria_da_Cidadania_Cultural&action=edit&redlink=1� http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Cultura� 16 A partir de 2008, tendo como objetivo destacar o Programa Mais Cultura (pro- grama defensor da cultura como necessidade e direito de todos os indivíduos da socie- dade civil) - o Cultura Viva passou a descentralizar a inserção dos Pontos de Cultura. A mudança resultou em reestruturação dos convênios, que não mais são estabelecidos com agentes sociais civis, mas sim com os próprios municípios e estados federais. O que permite aos governantes a escolha, através dos editais, de números de pontos a ser esta- belecidos e a livre implementação de Pontos culturais em suas localidades. Foram esta- belecidos convênios com 24 estados e 16 municípios possibilitando a formação de redes desses Pontos (dados de abril/2010 de acordo com o Minc). Com isso, por meio de par- cerias estatais e municipais e conseqüente apoio aos Pontos culturais, os programas Cul- tura Viva e Mais Cultura se solidificam como importantes políticas públicas. A criação dos Pontos de cultura começa com inscrição em edital público, o que implica algumas especificidades e informações relevantes. A respeito dos órgãos que podem participar do edital em sua maioria, são aceitos Cooperativas; Fundações Priva- das; Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs); Organizações Não-Governamentais (Ongs); Organizações Sociais; Escolas Comunitárias, bem como suas Associações de Pais e Mestres; Sindicatos; e Organizações Sociais. Contudo, existe a possibilidade de abrangência da rede de pontos em grande escala. Contudo, como de comum em processos públicos desse porte, existem alguns requisitos descritos posteri- ormente. Como requisito básico, a instituição deve estar cadastrada regularmente no Ca- dastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), tendo essa no mínimo dois anos de cria- ção com atividades culturais formais em realização (não necessariamente com dois anos de CNPJ). Deve deixar claro também as restrições de participação na maior parte desses e- ditais. Ou seja, os mesmo não contemplam: pessoas físicas; entidades públicas; organi- zações com fins lucrativos; institutos e fundações que possuem relações jurídicas com empresas; instituições de ensino e afins, privadas ou públicas, e associações de pais e mestres; institutos ou grupos que são denominados Pontos de Cultura e estão convenia- dos com o MinC; integrantes do “Sistema S” o qual engloba SESC, SENAC, SESI, SENAI, SEST, SENAT, SEBRAE, SENAR, entre outros; órgão que encontram-se irre- gulares judiciais registradas no estado do edital em questão. Tais restrições evidenciam o caráter público do edital aliado ao fundamento de ser um processo que procura dar 17 espaço/oportunidade ao cidadão, como agente, da esfera civil no âmbito cultura. Exclu- indo, assim, a participação daqueles órgãos, pessoas físicas, associações, entre outros campos, “privilegiados” de certa forma, com maiores recursos políticos e financeiros, ou com diferentes intenções culturais. Na participação desses editais é necessária a obtenção de documentos para a cri- ação do ponto. Tais documentações (requerimentos, declarações, fichas de descrição de atividades, etc) variam de acordo com o processo e região. Como regra geral, cabe ao participante responsável do estado ou município em questão, enviar o projeto, com as normas pré estabelecidas, para a Comissão de Avaliação. Esta última, que é responsável pela análise da proposta, inclui autoridades do governo e personalidades engajadas na cultura. Caso o edital seja aprovado haverá o convênio com a Rede, de acordo com o Minc. Vale ressaltar a importância e o significado das redes dentro do contexto abor- dado. Os Pontos estão ligados a diferentes redes – municipal, estadual ou fe- deral –, e passam, nessa qualidade, a também participar dos encontros setoriais que definem a gestão compartilhada do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura entre o poder público e a sociedade civil, por meio de Fóruns, das Teias (encontros nacionais e regionais) e das reuniões da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (MINC, 2011c). Tais redes formam-se a partir do interesse do responsável, este já pertencente ao programa, em ampliar seu espaço de atuação. O processo de solicitação dessa rede de Pontos ao Minc é semelhante à participação, pela adesão ou convênio, em editais já des- critos anteriormente. Para a elaboração dessas redes é necessária a junção de no mínimo quatro Pontos de Cultura e um recurso financeiro de pelo menos um terço da totalidade do convênio combinado. A aprovação dessas redes pelo Ministério da Cultura gera um relacionamento positivo entre os pontos. Estabelece-se, assim, uma troca de informa- ções e atividades culturais que permite a difusão dessa cultura entre os campos interli- gados. Essas redes formadas terão o papel de gerar grandes projetos e incentivar as ati- vidades aos demais pontos, uma espécie de agente formadora do processo (MinC, 2011b). A importância do programa conquistou abrangência internacional. Vale ressal- tar, que a difusão dos Pontos de Cultura em 2009, e sua consequente veiculação nas 18 mídias, despertou o interesse de muitos outros países. Certamente, o ideal de muitos desses foi voltado ao próprio público brasileiro residente em outras diversas nacionali- dades, mas, de qualquer forma, envolveram, também, o público local, de acordo com o Saldanha (MinC, 2010). Por isso, é interessante na análise pontuar aqui os casos, bem como alguns exemplos significantes, já que se trata de uma política pública idealizada pelo Brasil e que envolveu mobilização, também, ao atingir dimensões estrangeiras. Teve-se inicialmente o interesse na criação desses nós de cultura em outros paí- ses para auxiliar a comunidade brasileira nesses locais. Neste caso, foram criados Pon- tos na França e nos Estados Unidos. Porém, a continuidade do trabalho foi dificultada devido às impossibilidades existentes na legislação do Brasil em repassar a verba do programa ao exterior. O que de forma geral, pode desmotivar os envolvidos no proces- so, tanto o Estado brasileiro que realiza as ações, quanto os interessados em desfrutar das mesmas de outros locais, neste último caso, governo estrangeiro e população brasi- leira residente fora de seu país. No que diz respeito aos estrangeiros, de forma geral interessados pelo programa, a repercussão teve relevância. Conforme afirma Saldanha (MinC, 2010), “ O interesse pelo programa fora do Brasil veio de onde menos se esperava: de governos, políticos, acadêmicos e entidades civis ligadas a projetos culturais”. Isso nos mostra uma ampla proporção atingida por uma política brasileira em um setor pouco explorado, como é situado o da cultura, e cabe, aqui, alguns exemplos dessa internacionalização. Aponta-se o caso da Califórnia como região envolvida no assunto. Essa rela- ção, que teve até grande repercussão, partiu do interesse de uma professora norte ameri- cana em transmitir informações sobre as atividades desenvolvidas nesses Pontos aos seus alunos universitários por meio da disciplina existente de Estudos brasileiros. Destaca-se, também, a inserção do Programa na Itália. Esse país foi o primeiro, desconsiderando o Brasil, a lidar com a política dos Pontos em seu governo. A adoção da causa partiu da Câmara dos deputados e teve como local a cidade de Roma. O projeto opera com oficinas de arte e cultura de multimídia destina- das ao público jovem, em áreas urbanas deteriorizadas, como forma de desenvolvimento social e territorial. Por meio de uma parceria com a Universidade Romana La Sapienza, pesquisadores vieram ao Brasil conhecer a experiência dos Pontos de Cultura para levar à Itália (SALDANHA, 2010). 19 No caso dos países ibero-americanos, o Programa teve também grande impor- tância. Ainda em 2009 foi assinado um acordo em São Paulo o qual compareceram re- presentantes de quinze nações da região e estabeleceu-se o acordo da implantação de ações nos padrões dos Pontos de Cultura em vinte e três localidades do local, afirma Saldanha (2010). Evidencia-se, mais uma vez, forma ampla que o programa foi capaz de se expandir em um período pequeno de criação e a mobilização social crescente em ou- tras regiões. Não limitando o assunto, devem-se apontar, também, outros casos que tiveram atuação no assunto. Encontra-se entre eles: A Inglaterra, que estabeleceu vínculos com o Programa por meio da implantação de projetos sociais no Reino Unido; a Aústria, que inovou no formato do Programa, já que o MinC oferece a chancela das redes culturais, enquanto os parceiros locais financiam os custos com a criação e manutenção desses locais; e o Parlamento do Mercosul (Parlasul), o qual foi proposta articulação dos Pon- tos em todos os países do bloco econômico – Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai- sendo esse um caminho para a elaboração de uma legislação integrada da região, que seja capaz de movimentar as políticas públicas de maneira alinhada, afirma Saldanha (MinC, 2010). Esse processo de influencia do Programa em sistemas diferenciados de política envolve, também, cultura. Pode-se perceber, através dos casos citados, o interesse de outros países na criação dos Pontos de Cultura. Revela, assim, uma experiência de troca de culturas em si, por meio dessa difusão de uma política pública idealizada e implanta- da pelo Brasil. A cultura é evidenciada pelas ações que são envolvidas no processo, já que, para isso, as regiões mencionadas realizam adaptações no Programa, por serem países que vivem outras realidades e possuem outros protagonistas sociais envolvidos no processo. Trata-se de clima, política e religião distintas, o que resulta em variações nas atividades esportivas, danças, músicas, entre outros aspectos; além da mudança de hábitos da soci- edade civil desses locais como um todo. Um aspecto que merece uma atenção especial é o fato dos Pontos de Cultura ter destaque na mídia de forma a agregar conhecimento e informações aos interessados. Fala-se, então, de um programa televisivo exibido pela TV Brasil, rede televisiva gerida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que tem como foco os Pontos de Cultura. O “Cultura Ponto a Ponto”, nome do programa que é transmitido semanalmente, percor- 20 re o país a fim de mostrar os diversos projetos realizados em cada região do Brasil, de acordo com a TV Brasil. Além disso, um dos ideais desse trabalho feito pela TV Brasil é sempre buscar os projetos mais diferenciados dos Pontos de Cultura, como os que são destinados, especificamente, à portadores de deficiência e agregam valores especiais à sociedade civil. A produção da TV Brasil esteve em 60 dos 1.500 “pontos” instalados no país e documentou manifestações artísticas com sotaques e visões diversificadas da nossa arte e cultura popular. O programa mostra a garra, a diversidade, o empreendedorismo e a capacidade de organiza- ção dessa gente brasileira, seja em grandes centros urbanos, seja na periferia, no interior ou no sertão. O “Cultura Ponto a Ponto” é uma parceria entre a TV Brasil e o Ministério da Cultura (TV BRASIL, 2009). Vale ressaltar a relevância da existência de um programa televisivo destinado a exibição de um sistema de política pública no país. Essas exibições são importantes para a esfera civil como um todo, pois, além de estimular o interesse do telespectador, agre- gando informações qualificadas, o programa é uma ferramenta de incentivo aos agentes multiplicadores de conhecimento inseridos nas redes de cultura. Contudo, o programa por si só abrange muitas outras frentes, etapas, conceitos e suas particularidades. Porém, cabe aqui iniciar uma análise mais profunda do ideal e objetivos que são inseridos nessa lógica. Trata-se de um programa público que incentiva individuo a estar próximo de ações culturais participativas, fomentando a cultura em comunidades. Portanto, tal sistema, seus meios e métodos utilizados trazem à tona re- flexões coerentes. 2.2 Políticas culturais O método diferencial de projeto engloba desafios. O programa Cultura Viva, ao lidar com o poder público, a comunidade e a sociedade civil como um todo, inova no tipo de política. A relação entre a esfera pública e política, apesar de obter alguns avan- ços, ainda pertence aos moldes antigos. Trata-se, aqui, de um país, como o Brasil, em que o nível tecnológico cresce vertiginosamente e a globalização expande fronteiras; e, em contrapartida, o diálogo entre a sociedade civil e o governo é precário. Desta forma, são devidamente reconhecidos aqueles agentes que são capazes de se esquivar do pro- 21 cedimento banal através da utilização de iniciativas que incentivam a participação do indivíduo. Deve-se considerar o fato que a participação e o interesse dos indivíduos nos processos políticos ainda é incipiente. Mas, ainda que de forma tímida, o protagonismo da sociedade atual, como agente da ação, é notado nas diversas mobilizações sociais contemporâneas ligadas a vários motivos, em sua maioria ligadas aos cunhos sociopolí- ticos e a cultura. Também é visto aos pouco, principalmente a partir de 90, o surgimento de fóruns, conferências, consultas públicas, como exemplo relacionado foi a criação do Plano Nacional de Cultura (PNC), que tem como função o planejamento e a implemen- tação de políticas públicas de médio e longo prazo. É neste sentido que se inserem os Pontos de Cultura, como política cultural do governo, e seu desempenho atual. Na lógica da construção de ideias participativas em que o sujeito, como responsável, também, pela ação, se sente no ‘poder’ e direito de tomar a frente ao se relacionar com o governo e outras esferas. O idealizador do pro- grama, Célio Turino,afirma em entrevista realizada: [...] a ideia do Ponto de Cultura é que ele seja um mediador entre dois mundos, o mundo dos Sistemas (Estado, Mercado) e o mundo da Vi- da. Para tanto busquei desenvolver a teoria do programa Cultura Viva (do qual o Ponto de Cultura é parte, como sedimentador da rede) com o seguinte tripé: Autonomia, Protagonismo e Empoderamento, que se potencializam na articulação em rede, no momento em que os Pontos se relacionam entre si. Quando o tripé é efetivado há condições para acontecer o equilíbrio (Sociedade/Estado/Mercado) [...] (VALADA- RES, 2011). Diante da afirmação do ex-secretário Célio Turino, cabe uma análise do Progra- ma Cultura Viva, enquanto política pública cultural do Estado, e a maneira em que o programa é capaz de incentivar a mobilização da sociedade civil. Há que se entender a respeito de políticas culturais brasileiras, bem como suas mudanças e definições ao longo dos últimos anos. Para isso, é de vital importância ter- se claro o conceito de política pública como um todo. Segundo Caldas (2008, p. 5), “po- líticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público”. São necessidades primordiais da sociedade, para manter o bem-estar, pontua- das pelo governo. Ou seja, ao invés dos cidadãos decidirem suas prioridades a partir de seus direitos, é o governo que faz esse papel. Esse último é responsável por definir o 22 que é melhor ou pior para os indivíduos e consequentemente o meio em que vivem. O fato se explica devido à ausência de expressividade da sociedade civil no processo. É o que acontece, de forma escancarada, também no campo da cultura. As polí- ticas culturais, ainda recentes quando comparada as demais, enfrentam dificuldades para ‘sobreviver’ perante os gestores públicos e, dessa forma, de conquistarem seu espaço. O processo por si só é uma questão cultural. Falar em cultura, enquanto política do Estado, durante várias décadas, no Brasil, foi visto como supérfluo quando comparada a demais áreas de responsabilidade do go- verno e direito do indivíduo como educação, saúde, lazer, entre diversas outras. Em seu sentido mais amplo, a cultura pode, hoje, ser considerada co- mo o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Ela englo- ba, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos funda- mentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as cren- ças (UNESCO, 1982, p. 39). . Ainda no que diz respeito à cultura e fazendo referência à citação da UNESCO, cada vez mais vemos na cultura um ‘caráter’ processual, no qual, o dinamismo e a cria- tividade tomam parte. Pode-se dizer que a cultura se recicla. É nesse sentido que se faz menção às políticas e incentivos culturais, já que a cultura ao ser e fazer parte da socie- dade deve dialogar com o governo a qual está inserida. Isso é ressaltada na afirmação de Dagnino (apud FERREIRA & FERNANDES, 2010, p. 57), “política pública de cultura pressupõe participação da sociedade civil na esfera de decisão e formulação das políti- cas, não apenas na implementação e na execução”. Os Pontos de cultura, enquanto política cultural, mostram-se como um avanço nesse sentido. Na esfera atual não se encontra um programa do Estado com esses objeti- vos e características que é capaz de fazer o intermédio, ‘entendendo a cultura’ como ponte entre a sociedade e o sistema (governo/mercado). E não a reduzindo a um mero produto de consumo. A cultura é a totalidade das formas em que um povo produz e repro- duz suas relações com os sentidos do mundo. Reduzi-la às indústrias cinematográficas, teatral e fonográfica é reeditar a exclusão segundo a qual alguns produzem cultura e outros consomem. Implicitamente é ignorar e desprezar o fazer cotidiano de milhões de brasileiros (AVE- LAR, 2011, p. 27). 23 A citação acima revela parte da visão da grande parcela dos brasileiros em rela- ção à questão cultural. E esse olhar equivocado é um dos motivos da carência de pro- gramas de incentivos culturais, como resultado do próprio ver da nação. Essa ausência pode ser explicada devido ao processo histórico sociopolítico do país, bem como todo seu encaminhamento. [...] um dos instrumentos mais poderosos e eficazes da legitimação do Estado contemporâneo é política cultural e a indústria cultural, en- carregadas de disseminar, conservar e difundir a ideologia da classe dominante. A política cultural diretamente efetuada pelo Estado se re- aliza nas escolas (do pré-primário às universidades), nos laboratórios e centros de pesquisa cientifica e artística, nos planos nacionais de edu- cação cultura, nos museus, na literatura oficial e em todas as empresas nacionais de cultura. A indústria cultural (que pode ser estatal ou não) se realiza pelos meios de comunicação de massa – imprensa, rádio, te- levisão, propaganda, serviços editorias, discos e artes audiovisuais. Evidentemente, as finalidades da política cultural e da indústria cultu- ral são as mesmas, isto é, a conservação da ideologia dominante, po- rém,a política cultural pode oferecer-se como política nacional que interessa à nação e à sociedade como um todo, enquanto a indústria cultural se oferece diretamente determinada pelo jogo do mercado e da competição. A política cultural pode aparecer como incentivo à pro- dução cultural, enquanto a indústria cultural se baseia exclusivamente no consumo dos chamados bens culturais ( CHAIU, 1984, p. 8-9, grifo do autor). O sistema político é responsável pela problemática. O significado e a importân- cia da participação dos indivíduos é algo superficial no Brasil, já que o participar do sujeito é limitado ao poder de voto da sociedade, e desta forma está contemplado para os dois lados, os votantes e representantes. Essa é a considerada democracia representa- tiva, a qual a participação do indivíduo, de fato, não é vista. Cabe aqui pontuar a questão de uma democracia vigente contemplada pela polí- tica do discurso neoliberal relacionada com a mudança de comportamento social de a- cordo com Ferreira & Fernandes (2010). Num primeiro momento, referente à ditadura, ao qual a característica era a participação representada pelos manifestos sociais a fim da conquista de direitos. Já no segundo, a era atual, é marcada conformismo, pela acomo- dação. Isso vem como resultado de uma geração pautada na modernidade tecnológica, ao qual o papel da mídia é influenciador. Trata-se de um novo perfil social, ao qual não se preocupa em resolver conflitos e sim evitar que esses se desenvolvam. Um grupo em 24 que a relação virtual ‘substituiu’ a pessoal; e o coletivismo perdeu espaço nessa trans- formação. No contexto atual pode-se dizer que o que se remete a gestão pública, com parti- cipação da sociedade, foi limitado para dois campos. Sendo esses as iniciativas priva- das, que oferecem subsídios aos campos de interesse, e as organizações não governa- mentais. São sistemas pertencentes ao Estado Mínimo, de 1990, mas que cabem ainda atualmente. Devido ao fato de serem os ramos inseridos na política pública e possuírem relação direta com as políticas culturais, são termos importantes de conceituar e caracte- rizar no panorama atual, segundo Ferreira & Fernandes (2010, p. 58). No que tange ao âmbito privado, como uma das formas de participação pública existentes, vê-se organizações privadas que estimulam/incentivam indivíduos a partici- parem de projetos do bem comum. A título de exemplificação tem-se a responsabilidade social, programa de instituições privadas que tem a intenção de auxiliar no bem público, seja ele relacionado à cultura, ao meio ambiente ou outro setor. Porém, muitas dessas organizações usam dessa estratégia como interesse e tática para ter sua marca qualifica- da e obter novos cientes, desviando do foco, que a princípio remetia-se a preocupação com a sociedade civil e seus direitos. Responsabilidade social é a capacidade de a empresa colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas e expectativas para o alcance de seus objetivos. No entanto, o simples cumprimento das o- brigações legais, previamente determinadas pela sociedade, não será considerado como comportamento socialmente responsável, mas co- mo obrigação contratual óbvia, aqui também denominada obrigação social (OLIVEIRA, 1984, p. 205). Dentro desse assunto, deve-se abordar as organizações não governamentais (ONGs), que atuam no contexto da política cultural possuindo, atualmente, uma partici- pação ativa. Cabe aqui mencionar o papel das Oscips e de organizações sociais. As Os- cips, sendo organizações da sociedade civil de interesse público, são, de acordo com Ferreira e Fernandes (2010, p. 58), “qualificações dadas pelo Ministério da Justiça às pessoas jurídicas de direito provado, sem fins econômicos, cujos objetivos e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos pela Lei Federal”. Trata-se de uma parce- ria entre tais cidadãos interessados e o governo, para executar projetos e ações de res- ponsabilidade do poder público. 25 Já as organizações sociais não possuem interesses econômicos, sendo entidades que prestam serviços públicos, pelo interesse do Estado, através de acordos (contratuais) de gestão. Ambas as organizações são iniciadas para cumprir o papel do Estado, que é falho e não é capaz de cumprir as demandas sociais, e contam com a sociedade civil incluindo participação ativa dessa. É nesse último ponto abordado que se encontra um grande problema. No sistema político vigorante a prioridade não está em reestruturar e auxiliar as organizações da sociedade civil. O caminho é outro. Dessas organizações espera-se a adesão de grande parcela na participação social para a aplicação dos recursos estatais e o controle do mesmo. Nesse sentido o papel da participação, que é pouco vista na prática, se enfra- quece e gradativamente perde o sentido, o que abre espaço para o governo, mais uma vez, se empoderar. Deve-se considerar, de fato, alguns pontos principais da história da política cul- tura do país que encaminharam o processo para os dia atuais. A iniciação desta foi tardi- a, já que as primeiras evidencias ocorreram de 1935 a 1938 na estada de Mário de An- drade no Departamento de Cultura da prefeitura da cidade de São Paulo. Trata-se de um nos períodos mais estudados ao falar-se políticas culturais nacionais, já que os ideais do político foram capazes de transcender o âmbito estadual. Entre alguns dos pontos levan- tados pelo político, estavam: “pensar a cultura como algo “tão vital como o pão”; e “es- tabelecer uma intervenção estatal sistemática abrangendo diferentes áreas da cultura”, de acordo com Rubim (2010, p. 54). Apesar das contribuições apontadas possuírem um certo caráter elitista, o que foi apontado na época, é importante ressaltar que foi apenas nessa fase que a política cultural começou a fazer parte, de alguma forma, do plano de governo brasileiro. Vale ressaltar também, alguns outros aspectos históricos influenciadores como a passagem de Getúlio Vargas, no período de ditadura. Cabe aqui, destacar o plano autori- tário de governo instituído nessa era e a dificuldade desse em se relacionar com as polí- ticas culturais nacionais. Já que tais políticas caminhavam para o lado do ufanismo, do nacionalismo, do equilíbrio entre as classes, do trabalho e do caráter mestiço do povo brasileiro, o que é contemplado por Rubim. Ou seja, uma maneira, sem participação dos indivíduos, em que não se falava nas questões sociais evidentes, nos estímulos as pro- duções artísticas e no fomento de cultura. Uma política cultural centrada no poder do governo, suas necessidades e seus interesses. 26 Os militares reprimiram, censuraram, perseguiram, prenderam, assas- sinaram, exilaram a cultura, os intelectuais, os artistas, os cientistas e os criadores populares, mas ao mesmo tempo, constituíram uma agen- da de “realizações” nada desprezível para a (re) configuração da cultu- ra do Brasil (RUBIM, 2010, p. 57). É nessa fase, em que houve um grande choque entre o autoritarismo e as políti- cas culturais, já que se percebe a influência da ditadura para uma cultura midiática, se- gundo Rubim (2010, p. 59). Inicia-se o processo de cultura aliada diretamente ao mer- cado e seu poder, enquanto, a política cultura estatal em si perde seu importante espaço junto à sociedade. Pontes (apud RUBIM, 2010, p. 60) afirma: “Mercado é a palavra mágica para substituir o Estado, ineficiente e corrupto, inclusive na área cultural”. Dentro dessa lógica de cultura como produto de mercado vê-se a presença direta do neoliberalismo. No governo Sarney, em 1986, inicia-se o processo de criações de leis de incentivo culturais, de acordo com Rubim (2010); a primeira lei desse tipo foi a Lei Sarney, que em 1995 foi substituída pela última e mais recente com esses objetivos, a Lei Rouanet, que vigora na atualidade. Esse mecanismo possibilita que os cidadão (pessoa física) e empresas (pessoas jurídica) apliquem parte do imposto de Renda devido em a- ções culturais. Assim, além de ter benefícios fiscais sobre o valor do incentivo, esses apoiadores fortalecem iniciativas culturais que não se enquadram em programas do Ministério da Cultura (MinC) ( MinC, 2009, com acesso em 12 de setembro). Pode-se dizer que foi nessa etapa que se oficializou a produção cultural no Bra- sil, sendo uma maneira de organizar a cultura através da elaboração de projetos, capta- ção de recursos, administração de eventos culturais, entre outras atividades. Outra curio- sidade importante da época foi a criação, em 1996, dos dois primeiros cursos de produ- ção cultural do país, sendo um na Bahia e outro no Rio de Janeiro, conforme afirma Costa Mello & Fontes (2010, p. 2). A Lei Rouanet possui, também, outro mecanismo: o Fundo Nacional de Cultura (FNC). Este, sendo também uma forma de incentivo, possui recursos financeiros restri- tos aos trabalhos desenvolvidos como programas, projetos e ações culturais. É a partir desses investimentos que o MinC destina fundos a premiações, apoio de intercâmbios culturais dentre outras iniciativas que possuam aspectos semelhantes com as políticas 27 culturais do campo de cultura e que sejam importantes na situação, de acordo com o Minc (2009). É a partir daqui, atrelado aos ideiais neoliberais, que grande parte dos produto- res/criadores culturais relacionam, neste contexto da época, as políticas culturais com as leis de incentivo somente. Isso pode ser explicado por duas linhas de pensamento que, apesar de terem caminhos distintos, são interligadas para entender a sociedade e o sis- tema que a envolve como um todo. Ao analisar minimamente pelo anglo da conjuntura econômica, tem-se o caráter comercial que foi dado à cultura ao colocá-la aliada a quesitos financeiros e lucrativos, como exemplo, o caso dos incentivos fiscais já, mencionados. Pontuando outro lado, o social, alguns aspectos contribuem para o problema. Como ponto predominante, tem-se o fato do Brasil ser composto por uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais e pelo elitismo. Assim, esse caráter elitista é capaz de contribuir, de maneira acentuada, para a exclusão cultural de grande parcela da popu- lação. A preocupação da cultura como bem fundamental do/ao coletivo é reduzida, ou até mesmo, nula. Na literatura percebeu-se, que desde a origem do Ministério da Cultu- ra, há a centralidade da questão do financiamento da produção cultu- ral. As discussões desse tema encaminharam-se para a elaboração das leis de incentivo à cultura que, se por um lado,têm representado im- portante papel na obtenção de recursos para a área e dinamização do setor,por outro, levantam uma série de questões sobre o fato de que a iniciativa privada, ao investir em cultura, o faz visando apenas o mer- cado, privilegiando as áreas e pessoas já consagradas e a possibilidade de retorno, seja em termos de imagem institucional de empresas e produtos, seja propriamente financeiro (FERNANDES, 2006, p. 137). Desta forma, a partir dos aspectos mencionados, perde-se o ideal das políticas culturais: agregar valores reais e imaginários. Valores esses que possuem relação direta com as transformações que podem trazer a sociedade e a ressalva de sua importância. Partindo para um panorama recente, no qual se implantou o programa Cultura Viva, é importante enfatizar as características e fases do governo Lula dando destaque, também, aos seus ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Foi nessa etapa que se iniciou um processo de redução do autoritarismo frente às políticas culturais, tendo como metas do governo Lula os seguintes pontos segundo Silva (2007) configuração de um sistema nacional de orçamento; construção de uma política cultural de âmbito nacional; demo- cratização cultural. 28 A ideia principal tornou-se, rapidamente, aliar a sociedade às políticas culturais, e ter o Estado como funcional mediador dessas esferas. De acordo com o então ministro da Cultura Gilberto Gil (apud RUBIM, 2010, p. 64), “formular políticas culturais é fazer cultura”. O ex-ministro, uma figura forte no cenário nacional e internacional, levantou esse ponto e defendeu fortemente o Estado inserido na cultura fazendo seu papel frente à sociedade brasileira, além de deixar claro seu posicionamento contra aqueles políticos e profissionais do ramo que utilizam a cultura como estratégia de mercado e afins. A partir de tais fundamentos, entre outros existentes, a política cultural ganha forças em circunstâncias democráticas. Outro aspecto da gestão de Gil deve ser aqui mencionado, já que foi importante no processo de criação de novas políticas de cultura. A noção de cultura, enquanto ca- racterística distinta dos indivíduos e ambientes que vivem, passou a ser inserida na soci- edade. Isto aumentou a qualificação dos indivíduos no que diz respeito à temática cul- tural, além de expandir o campo de abrangência cultural no Ministério da Cultura. Ou seja, outras culturas como a indígena, a afro-brasileira, entre outras, tiveram vez no ce- nário, de acordo com Rubim (2010, p. 68). A conquista do mínimo de 1% do orçamento para a cultura e o aumen- to dos recursos para a área devem estar associados à construção insti- tucional de uma política de financiamento, submetida à política públi- ca e nacional de cultura. Ele deve garantir: 1) papel ativo e poder de decisão do Estado sobre as verbas públicas; 2) mecanismos simplifi- cados de acesso aos recursos; 3)instâncias democráticas de delibera- ção acerca dos financiamentos; 4)distribuição justa dos recursos, con- siderando as regiões, os segmentos sociais e a variedade de áreas cul- turais; e 5)modalidades diferenciadas de financiamento em sintonia com os tipos distintos de articulação entre cultura e mercado, acionan- do, por exemplo: empréstimo, microcrédito, fundo perdido, fundo de investimento, mecenato, marketing cultural etc. Essas questões representam um ponto ápice, que abriu caminhos para a criação do Cultura Viva, a democratização das políticas culturais como afirma o autor. A fase elitista citada, em que a cultura era pouco reconhecida e entendida pela maior parte dos indivíduos, é deixada de lado junto com o autoritarismo antes recorrente. Assim, os es- paços para políticas nacionais de Estado passam, aos poucos, a ser ocupados por pro- gramas permanentes do governo voltados para a cultura. Vale ressaltar a importância de movimentos fortalecidos a partir das transfor- mações vigentes no sistema e que possuem grande influencia nas políticas e programas 29 de cultura, assumindo “lugar central na construção de políticas de Estado no campo cul- tural: a implantação e o desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e do Plano Nacional de Cultura (PNC)” (RUBIM, 2010, p. 66). Tais formações são respon- sáveis por campos culturais e servem de apoio, como órgãos reconhecidos pelo gover- no, aos programas e atividades. Os efeitos das mudanças no sistema cultural se fortalecem e evidenciam resulta- dos viabilizados pelo trabalho de descentralização do ministério na gestão analisada. Como exemplo, são os Pontos de Cultura, estudados, que tiveram e tem atualmente um crescimento vertiginoso. O fortalecimento do ministério também teve outros dois pontos fundamentais, apontados por Rubim, que devem ser levados em consideração no contexto analisado. Um deles é a conquista do aumento no orçamento em R$ 224 milhões no período de três anos, o que ampliou as possibilidades de projetos dentro do setor - porém deve-se deixar claro que a meta do governo de Gil e Juca Ferreira era de 1% para do orçamento do país para a cultura. O outro ponto diz respeito à continuidade do plano de trabalho de Gilberto Gil , após sua saída no ano de 2008. A escolha de manter o programa do ex- ministro se deu devido aos resultados positivos do trabalho executado. No entanto, ainda há muitas lacunas no sistema. Um desses vazios não resolvido pelo governo e que, certamente, atrapalha a atuação das políticas culturais por si só, é a falta de financiamento cultural. Apesar do avanço na área por meio dos editais de esti- mulo à cultura, como os próprios Pontos; por outro lado, ainda há a deturpação da visão de ‘financiamento’ pelo mercado. O poder da indústria cultural, através das ferramentas de consumo, é capaz de inserir a cultura na lógica mercadológica e enfraquecer o papel do Estado. “A ausência de uma política de financiamento corrói as iniciativas do ministério, inclusive aquela primordial de fazer o Estado assumir um papel mais ativo na cultura” (RUBIM, 2010, p.68). Ao retomar os pontos elencados como metas do período Lula (2003-2010), tem- se que algumas mudanças foram contempladas e viabilizaram projetos futuros. A demo- cratização da cultura teve um grande passo nesse sentido, já que o Estado, apesar de não ter atingido o ideal de trabalho e ter sido pouco evidenciado, ainda, no diálogo com a sociedade, se posicionou frente às questões culturais, iniciando a mediação entre sujei- tos e cultura enquanto política. 30 O orçamento teve, ainda que pequeno, um avanço na fase analisada. O que trouxe como frutos, estímulos culturais a sociedade. Por uma visão otimista, e não en- trando no quesito da cultura como produto do mercado, tais incentivos foram realizados em forma de editais do governo. No que diz respeito à elaboração de uma política cultural de conjuntura nacio- nal, pode-se dizer que na contemporaneidade o processo caminha lentamente. Houve de fato avanços no assunto, considerando já que a ideia de se abordar o assunto em escala nacional, e ter isso como base de exemplo, já seja parte do processo de política de cultu- ra almejado. Além disso, o encaminhamento de entidades culturais de apoi- o/incentivo/regulamentação de cultura, e o fortalecimento do Ministério da Cultura são avanços da política nacional. 2. 3 Cultura e mobilização social Obviamente existem diversos outros aspectos que fazem parte do programa de mudanças culturais do governo Lula tiveram dificuldades durante o seu governo e não foram mencionadas. Mas um deles deve ser analisado, já que faz parte de toda lógica dos programas que envolvem políticas públicas. Cabe aqui, a discussão da questão refe- rente à forma que a sociedade se vê no contexto, bem como as maneiras e estratégias que o governo deve adotar para lidar positivamente com essa relação. Trata-se de uma questão de participação social. Os agentes, cidadãos, são res- ponsáveis pela transformação do bem comum e pela mobilização de novos sujeitos da esfera social. Nesse panorama existe um difícil papel do Estado de estimular a partici- pação (oferecer estratégias e meios de incentivo a população), além de esse ser respon- sável por relacionar a cultura com a sociedade. Cultura, essa, enquanto aspecto antropo- lógico a ser entendido pelo ser humano. Deve-se, então, analisar conceitos teóricos como mobilização da sociedade na contribuição de programas de políticas culturais, levando em consideração o Cultura Viva- especificamente os Pontos de Cultura e seus ideais. Antes de analisar a mobilização social em si, deve-se ressaltar aspectos que es- tão inseridos nesse movimento e contribuem para o entendimento. Uma das frentes que 31 compõem esse cenário de mobilização do sujeito enquanto ser transformador, é a socie- dade civil. Esse termo foi inserido no Brasil em um período de transições democráticas, tendo destaque no fim dos anos 70, já que começa a ser utilizado nos discursos políticos como vocábulo semelhante a participação. Fez parte da fase em que começou um pro- cesso de conscientização, ainda que ideia não estivesse amadurecida, da população bra- sileira na luta pelos seus direitos frente o regime militar do país. Isso contribui forte- mente para o início do processo de construção de movimentos sociais. Tomada pelo regime militar, a própria população vê a necessidade de ‘movi- mentar-se’ e aderir atitudes capazes de transformar a lógica do sistema, até então nada democrático com políticas públicas de interesses lucrativos, conforme afirma Gohn (2008). A partir de então, do princípio da reconfiguração das camadas sociais, houve um grande estímulo para o nascimento de ações coletivas sociais que tinham como obje- tivo a busca de direitos da população, sejam eles por bens, serviços, entre outros aspec- tos que não eram contemplados pela forma de governo (problema da política predomi- nante). E, assim, como fruto dessa luta por ideias comuns, a noção de autonomia do sujeito aos poucos ocupa espaço. O indivíduo já se entende no processo como sujeito da ação, o que o faz conquistar território através da difusão de ideias e encadeia na bus- ca da adesão de novas pessoas. Formam-se organizações da sociedade civil e essas vão de encontro ao sistema político e juntas são vistas como um alvo perigoso pelo Estado. Aqui já se fala do novo sistema, em que perpetua a sociedade democrática. Mas, apesar do fim do regime mili- tar, o empecilho passa a ser outro. Esses grupos que criaram forças, dotados de autono- mia e, consequentemente, fortaleceram seu senso crítico. Tais formações sociais são agora vistos como alianças potenciais para o Estado. Pelo fato de serem, nesse momen- to, protagonistas do processo (atores formadores de opinião) ao mesmo tempo estão capacitados pelas ações autônomas e pelos ideais políticos, representando, também, uma forte ameaça ao sistema político. O fato de que o governo não oferece subsídios para organizações da sociedade é visto, ainda, claramente na atualidade dentro das manifestações em torno de problemas sociais e outros aspectos. Tal ponto enfraquece as mobilizações, no que diz respeito principalmente à busca de direitos sociais pelo cidadão. O que volta a ser um problema 32 social pela ausência da junção de grupos com participação ativa no meio em que vivem, além do enfraquecimento dos programas/atividades nas políticas públicas. No panorama atual, e devido ao processo histórico mencionado, a sociedade civil é diretamente ligada à sociedade política, o que implica em resultados contraditó- rios, de acordo com Gohn (2008). Pois dessa forma, a sociedade ao estar inserida na política e utilizar-se dela para alcançar seus objetivos (ainda que isso não seja evidente para muitos dos indivíduos que atuam na lógica) passa a realizar as funções estatais cri- ando meios para isso. E o Estado deixa de ser a ferramenta de intercâmbio entre a soci- edade e as políticas voltadas para ela. Desenvolve-se o novo espaço público não-estatal, onde irão situar-se os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e re- presentantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pú- blica que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais (GOHN, 2008, p. 77). Cabe aqui pontuar o conceito popular, afirmado por Gohn (2008, p. 77) “Ques- tão Social” como forma de abranger essas demandas da sociedade. O termo evidenciado traz a tona as problemáticas enfrentadas pela sociedade, sendo ela o ponto primordial, já que aspectos econômicos e políticos acabarão por sempre afetá-la diretamente. A autora, ao ser mais especifica, diz nesse ponto sobre a relação da economia e suas varia- ções na década de 90 com a sociedade. Foi nessa fase do cenário sociopolítico brasileiro que se consolidou, e conse- quente expandiram, as economias informais. Os profissionais liberais são impulsionados pelas transformações ocorridas, e o processo se naturaliza. O que era antes mal visto, a ausência de uma carteira assinada pelo trabalhador, passa, na visão de muitos, a ser uma forma de independência. O sujeito passa a ser ver autônomo, também, nas relações de trabalho. Certamente as políticas neoliberais contribuíram para esse ponto, também , sendo estas poderosas desarticuladoras da economia formal e abrindo espaços para a informal. Esse é um marco histórico ao abordar o processo de engajamento do indivíduo e sua preocupação com as questões sociais. A conquista da sociedade em locais antes do- minados por representantes do Estado que priorizavam seus interesses foi indubitavel- mente significante. Mas para que isso acontecesse,e prosseguisse, foi, e tem sido, de extrema importância a participação do sujeito no restante da análise para se entender os movimentos atuais, mais que isso, para se compreender o sistema político vigente a co- 33 mo um todo. Os atores, como figuras que protagonizam a cena, devem ser inseridos de fato na sociedade civil, bem como serem capazes de ter voz ativa nos assuntos pautados. “A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, para inverter as prio- ridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas as questões emergenciais, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais” (GOHN, 2008, p. 78). E no que diz respeito a participação, Jesus afirma: Como um processo de vivência que imprime sentido e significado a um grupo ou movimento social, tornando-o protagonista de sua histó- ria, desenvolvendo uma consciência crítica desalienadora, agregando força sociopolítica a esse grupo ou ação coletiva, e gerando novos va- lores e uma cultura política nova (apud GOHN, 2008, p. 13). Há que se deixar claro que apesar de mudanças constantes e positivas ocorrerem nessas etapas desse engajamento social, lidar com mobilização de uma sociedade envol- ve vários aspectos. Entre esses pontos pode-se mencionar a comunidade. Comunidade essa se que para que o processo dê certo deve estar envolvida na causa. Como todo mo- vimento faz parte da ação a participação em audiências, fóruns, debates, discussões, manifestos,conselhos dentre outras atividades essenciais para que os agentes possam exigir seus direitos e sejam capazes de administrar conflitos. De acordo com relações sociais em determinado grupo, Cohen afirma: Comunidade é uma entidade simbólica, não necessariamente dada a- penas por laços de parentesco ou fronteiras físicas; a comunidade é uma trama que possui sistema de valores e um código moral que pro- porcionam aos seus membros um senso de identidade, em que ocorre um processo de nomeação do grupo, de agrupamento, estruturação, construção de sentidos e significados (apud GOHN, 2008, p. 56). E nesse sentido de reconfigurações, o processo evidencia algumas problemáti- cas pontuais. A transformação não foi apenas a social, instauram-se nessa etapa as mo- dificações políticas e econômicas que afetaram os grupos mobilizados. O desemprego excessivo, a violência, o narcotráfico de drogas entre outros empecilhos, acabam por afetar as comunidades como um todo. É a partir desse ponto que os sujeitos, até então ativistas no sistema, trocam seus horários disponíveis para participação em reuniões, debates, conselhos e outras ações dos movimentos. Estabelece, assim, uma trégua na organização e manutenção desses movimentos, além de haver uma mudança de comportamento das comunidades. Essas últimas, já envolvidas no processo e seu desafio de unir forças pelo bem comum de 34 forma coletiva, em vários casos regressam seus caminhos e passam a agir de maneira individualista. Individualismo esse como ideial que o capitalismo insere nas camadas. É nesse sentido e caminho de alterações que surgem outros focos e preocupa- ções. O fato de estremecer as bases econômicas e políticas, gerando problemas nessas áreas, faz com que a população mobilizada, comece a trabalhar em aspectos pontuais de um determinado espaço. As demandas e reivindicações das mobilizações se desorgani- zam em prol de urgências. Projetos assistenciais como para crianças, mulheres e jovens, são atendidos pela sociedade junto com fundos do governo. “A palavra de ordem destes projetos e programas é ser propositivo e não apenas reivindicativo, ser ativo e não ape- nas um passivo reivindicante” (GOHN, 2008, p.82). Foi nesse momento da história que a mobilização teve seus sentidos deturpados pelo sistema. A mobilização que antes era como união de sujeitos críticos e fundamen- tados com os mesmos ideais em prol de uma causa, passou a ser os simples protestos nas ruas. Não que esse último caso num seja um meio viável de reivindicação popular, mas em vários casos são manifestos sem criticidade e bases legítimas. Pode-se dizer que houve, por algum tempo, a distorção do termo e que isso aca- bou por influenciar nos movimentos. Segundo Gohn (2008, p.83) “o militante foi se transformando no ativista organizador das clientelas usuárias dos serviços sociais”. O mobilizar passou a ser visto como apenas uma maneira de organizar multidões e estimu- lar a população durante uma ação, atividade, evento etc. O estar mobilizado do indiví- duo já ganhara novos significados e atitudes. As políticas neoliberais passaram a desaguar ao final da década de 90, em termos de sua legitimidade junto às camadas medias e parte das e- lites. O que era “ser moderno” passou a ser visto como responsável pelo atraso. O aumento da pobreza, o desemprego e a violência urbana transferiram a questão social para as grandes cidades (GOHN, 2008, p.83). O processo, mais uma vez, se transformou e trouxe suas repercussões notáveis principalmente no panorama atual com novas demandas sociais. O sistema é o mesmo, capitalismo exacerbado, mas as formas de atuação do sujeito engajado dentro dele já sofre reconfigurações notáveis. Nesse panorama de movimentos sociais atuais existem várias frentes de atuação que são destacadas. Podem-se ressaltar os fóruns sociais que são ou foram destaques nacionais ou até mundiais. De acordo com Gohn (2008): 35 Grandes Fóruns de mobilização da sociedade civil organizada contra a globalização (contra a ALCA, por exemplo); o Fórum Social Mundial – FMS, iniciativa brasileira, com quatro edições ocorridas no Brasil; o Fórum Social Brasileiro, ocorrido em 2003 em Belo Horizonte. Inú- meros Fóruns Sociais Regionais e Locais; Fóruns da Educação (Mun- dial, de São Paulo, 2004); Fóruns Culturais (jovens, artesão, artistas populares etc) (GOHN, 2008, p. 87). Apesar da incidência alta de manifestos populares atualmente, a preocupação com o bem social parece ofuscada pelos problemas cotidianos do indivíduo. As trans- formações são evidentes. Fazendo aqui um breve contexto histórico, passamos de século e valores mudaram. No século XX, as produções em diversos âmbitos tiveram um período de estag- nação. Dando destaque ao campo cultural, em que se teve, no geral, a fase de poucas criações voltadas para a cultura enquanto arte. Aqui os valores dos indivíduos eram co- letivos. Falava-se, na fase, da importância do pensar no outro como modo de agir. Valo- res familiares e de amizade eram vitais ao bom relacionamento dos homens. É na transição dos séculos que os ideais são transformados. Fala-se, já, no co- meço do século XIX, de um período marcado pela economia criativa, fruto da globali- zação. Economia essa relacionada com o desenvolvimento das relações entre os indiví- duos, e não apenas em seu aspecto financeiro. Nessa etapa os valores do ser humano tornam-se contrastantes. O individualismo ganha força nesse mundo global, inserido no momento em que a indústria cultural e seus aspectos que visam o lucro estão arraigados nos ideiais das novas gerações. [...] além de ser visto como um fenômeno econômico, relacionado a políticas públicas de desenvolvimento, o surgimento das indústrias criativas também deve ser associado ao que se chamou de virada cul- tural (...), uma transformação de valores sociais e culturais, ocorrida no final do século passado. A virada cultural surge da combinação de dois fenômenos simultâneos: a emergência da sociedade do conheci- mento e a transição de valores materialistas para valores pós- materialistas [...] (BENDASSOLLI. et al. 2009). O termo economia criativa, que surgiu na Austrália em 1994, sendo consolidado em 1997 na Inglaterra, diz-se de uma economia que abrange um conjunto de atividades, escolhas, formas de fazer, de trabalhar e de empreender que envolvem criatividade e um senso claro de inovação, de acordo com Pinto (2011). Vale ressaltar que, de acordo com dados do programa televisivo Mercado Ético (2011), o setor já ocupa 8% do PIB mun- 36 dial, e 4% do PIB brasileiro. Os dados comprovam o crescimento de um assunto, ainda que recente, através de sua aceitação no viés capitalista. Destaca-se, então, o papel da indústria criativa no contexto da política cultural. Fala-se de uma sociedade do conhecimento (da informação), em que a economia desta se relaciona diretamente com o trabalho do ser humano voltado para o capital intelectual e voltado para a produção em massa de acordo com Bendassolli; Wood; Kirschbaum; Pina; Cunha, 2009. Nessa lógica o foco está na estruturação de redes sociais, até mesmo nos meios virtuais e na permuta de conhecimento entres os indivíduos. A indústria criativa é capaz de transformar os objetos culturais em valores eco- nômicos. Isso, devido ao fato dessa indústria utilizar a criatividade como sendo essenci- al ao consumo do ser humano pós-moderno. Segundo Bendassolli. et al. (2009), “parece haver uma tendência a comoditizar a criatividade, na medida em que se enfatiza seu potencial de comercialização”. Assim, para o desenvolvimento dessa economia criativa, como aspecto contem- porâneo importante e possível solução do problema, têm-se alguns pontos primordiais. Além da necessidade de articulação entre os agentes sociais, pode-se ressaltar a impor- tância da educação, já que criatividade por criatividade não é capaz de gerar recurso econômico, é necessário o conhecimento agregado do sujeito e a valorização dessa for- ma de conhecer, afirma Fonseca. Pode-se, neste ponto, destacar a importância de inda- gar o indivíduo, em seu processo de formação (crianças e adolescentes), quanto a suas afinidades e áreas de interesse. Isso é fundamental para indicar a ele os diversos ramos de atuação existentes na esfera econômica, e para que desde sua formação se tenha uma abrangência maior dos nichos de mercado, não se limitando as áreas padrões existentes. Este seria um dos ideais de processo educacional, que apesar de estar longe de ser ado- tado pelo sistema de educação atual, significaria um avanço no que diz respeito à for- mação profissional e pessoal do ser humano, conforme afirma Pinto (2011). No entanto, nos dias atuais a educação, em grande parte dos casos, restringi-se à escola. Escola esta, no geral, que se baseia na didática limitada dos professores transmi- tirem o conteúdo presente nas cartilhas, apostilas e livros aos seus alunos. Na maior parte dos casos não há outras atividades de formação dos alunos que envolva seu conhe- cimento baseado na experiência, no viver; e vê-se que pouco se fala em cultura. Tal fato prova, mais uma vez, a necessidade da reavaliação do sistema educacional vigente no país. 37 2.4 Protagonismo social e Pontos de Cultura Pode-se inserir no contexto uma pertinente reflexão. Até que ponto o Programa Cultura Viva não surge como um caminho para suprir as lacunas existentes no sistema educacional do país? Já que, baseando nos Pontos de Cultura, pode-se ter a cultura como forma educacional e de estímulo aos sujeitos presentes nesses locais. Ressalta-se, então, o papel dos Pontos pela inserção das artes nos cotidianos das comunidades. Ao analisar, nessa parte, as crianças e adolescentes, como sujeitos em processo de formação de opinião têm-se os Pontos, como responsáveis diretos pelo caso. Esses, de certa for- ma, já que atingem um público restrito, fazem uma parte do processo de educação. Pois oferecem formas de culturas distintas, expressões artísticas, ao agente, indagando-o, ressaltando a curiosidade. Assim, esse meio é capaz de utilizar a cultura na educação de maneira produtiva à esfera que o circunda. Tal método de formação baseada no conhe- cimento e experiência cultural do sujeito foge dos moldes do sistema. Já que, não exis- tem atividades no espaço físico de educação atual, nas escolas, salvo raras exceções, que priorizam, ou ao menos incentivam o processo de formação aliado a cultura e seus des- dobramentos históricos. Quando olhamos as formas de atuação metodológica das escolas com- parando-as com as praticadas nos Pontos de Cultura, verificamos que há uma tendência da utilização de retângulos pedagógicos nas escolas e círculos pedagógicos nos Pontos. È muito comum as conversas e as atividades dos Pontos de Cultura serem realizadas com as pessoas formando um círculo ou um semicírculo. Talvez essa forma de reuni- ão torne mais leve a comunicação, pois parece não indicar qualquer ascendência de pessoa ou grupo de pessoas sobre os demais. Em um círculo as pessoas têm condições de se verem mutuamente enquanto se falam, e não apenas escutam quem fala, mas vêem quem fala e co- mo fala aquele que está falando. A comunicação se faz de maneira mais intensa e completa. A escola, por sua vez, está organizada de maneira rígida, conformando o grupo às paredes dos ambientes, pondo uma pessoa defronte às demais, estas postas um atrás da outra, de ma- neira que elas não possam comunicar-se entre si, sendo obrigadas a in- teragir apenas com aquela pessoa que está diante dela. O esforço para ver outras pessoas é grande: é necessário um esforço para o desloca- mento do corpo, na sua totalidade ou em parte dele, como o torcer o dorso ou a cabeça. Mesmo este esforço estará sob suspeita de indisci- plina, facilmente flagrado pelo “líder-professor” posto na frente do grupo (SILVA, 2010, p. 10). 38 Outro aspecto é a valorização do espaço, cidades e bairros, enquanto local de produção de culturas e conhecimento. Cabe aqui a relação dos Pontos, os quais buscam a interação do indivíduo com o local, bem como a integração dos sujeitos distintos que habitam o ambiente. A valorização dos espaços, ambientes físicos, a princípio, é um fator que deve ser analisado ao estudar os Pontos de Cultura. Ao abordar o espaço de um devido ambiente, no caso de um município, sabe-se dos diversos aspectos diferenci- ados que o esse possui. Nesse aspecto, os Pontos lidam com as comunidades locais des- tacando as potências de cada área trabalhada, sem desconsiderar, também, as outras regiões da cidade. Cabe aqui uma importante relação dos espaços geográficos com a formação do sujeito local, já que um espaço determina as possíveis atividades dos Pontos e designa, através de suas características, a as expressões culturais ali apropriadas e que tem rela- ção com o perfil da comunidade. Exemplo disso são as atividades religiosas que exis- tem, exclusivamente em alguns Pontos, devido à formação populacional, ou o Maracatu especifico de outras comunidades. Em alguns Pontões de Cultura, principalmente, a relação entre a diversidade cul- tural aumenta, pois nesses locais a quantidade de agentes envolvidos nas ações é, ge- ralmente, superior a dos Pontos, por serem espaços físicos maiores, e estarem localiza- dos em regiões de fluxo mais expressivo. Além disso, outro fator que contribui para essa identificação do indivíduo com o ambiente o qual freqüenta, é a liberdade de criação. Nos Pontos não existem padrões de estrutura física, cada um é identificado com a realidade local. O Ponto de Cultura não tem um modelo único, nem de instalações fí- sicas, nem de programação ou atividade, cada ponto é próprio da iden- tidade daquele coletivo que elaborou o projeto a partir das ações que já se realiza. Um aspecto comum a todos os Pontos é a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre poder público e a comunidade (PERINOTTO, 2010, grifo do autor). O sistema, em ambos os casos (Pontos e Pontão de Cultura), envolvem ativida- des que integram a cultura com os indivíduos. Esse processo, baseado no trabalho fun- damentado na união dos agentes, auxilia na redução do individualismo social. Contrapondo o individualismo contemporâneo, deve-se ressaltar que mobilização social envolve coletivismo. Presume-se que não se cria planos e os executa sozinho ao se 39 falar de um modo de viver em sociedade. A mobilização dos sujeitos, independente do foco que tenha, envolve um valor comum a todos. Trata-se da coletividade social. Nessa, os indi- víduos devem estar dispostos a compartilhar conhecimento e agir de maneira única se preo- cupando com o bem geral, com escolhas que mesmo que deixem de ser o ideal para si, sejam as pertinentes para o meio que vive. Entretanto, o sistema sociopolítico do país acaba por direcionar sua população para outros rumos. Vê-se aqui um dos acentuados problemas enfrentados na difusão de movimentos sociais atuais. O sujeito contemporâneo é inconscientemente direcionado para pensar nele, ou quando muito nos que estão apenas próximos a ele. É o capitalismo dotado de ferramentas como a tecnologia pós moderna que afasta os sujeitos um do ou- tro. Assim, o individualismo predomina e caracteriza a sociedade. O individualismo se afigura como “um valor” fundamental na contemporaneidade. Sob novas roupagens, dá sustentação à or- dem capitalista mundial. Surge das mais diversas formas, como condição necessária frente à violência que a atual etapa do capita- lismo e a revolução tecnológica e micro-eletrônica geraram nas relações sociais (FERREIRA, 2007, p. 68). O processo é caótico e urge mudanças. Fala-se de um país solidário aberto a pessoas e boas condições de trabalho, educação, cultura, enfim de vivência. Esse é o discurso do sistema que utiliza de artifícios para conquistar seus interesses. O que já o torna individualista por si só. Ou seja, a própria maneira que o governo usa para reali- zar suas ações ou programas, baseado, na grande maioria dos casos, no plano de ativi- dades econômico, já o deixa repleto de valores individuais. A solidariedade, como forma de dependência recíproca entre os sujeitos é fun- damental para ter-se a coletividade social em prática, e desta maneira, possibilitar o sur- gimento/continuidade das ações em grupo. O valor coletivo de se pensar é capaz de de- senvolver o senso crítico do ser humano, potencializar sua criatividade, agregar conhe- cimento, além de, por ser desenvolvido com os demais atores de um meio, resultar ,de certa maneira, em um intercâmbio cultural. Tais conseqüências naturais acabam por empoderar o ser humano e trazer a tona seus ideais. Por essas e outras razões o coleti- vismo é inimigo do capitalismo vigente, e em um âmbito concreto, como ferramenta de gestão, do Estado. Pois a partir dessa consciência do indivíduo de poder transformar por meio de suas ações, sendo sujeito do seu querer, há um choque com o Estado. Já que esse último deixa de ser controlador único e absoluto. 40 É ao pensar nessa dialética de valores que envolvem o sujeito moderno e toda a sociedade que ele está inserido que se deve refletir na cultura e toda sua importância como um rico instrumento participação. Após alguns termos fundamentais terem sido contextualizados, em um panora- ma histórico, explicados e analisados, junto com suas características atuais, tem-se a relação direta desses com a metodologia de programas do governo contemporâneo que prezam pela participação do indivíduo. Cabe aqui, uma relação da análise com o fun- cionamento do programa do governo: o Cultura Viva- especificadamente perante os aspectos e objetivos dos Pontos de cultura. É fato que os Pontos de cultura, política pública cultural, como um programa do Estado que busca o envolvimento da participação dos sujeitos de uma comunidade, é um projeto diferenciado do governo. E por isso abrange alguns pontos principais de destaque e até mesmo algumas problemáticas. Uma política cultural que envolve a busca da mobilização da sociedade civil. Esses são uns dos aspectos relacionados com o programa que devem analisados, devido seu diferencial. Os Pontos de Cultura através das atividades realizadas trazem como objetivos predominantes trabalhar o estímulo cultural em comunidades. A partir desse ponto, o ideal de bom funcionamento desses locais é que a população esteja de fato engajada no processo suficientemente para participar e até mesmo inovar no interior desses espaços. Fala-se, então de participação do sujeito. Ao propor o trabalho com pessoas de determinado local e suas culturas, o programa, como resposta, espera que a população esteja apta a participar e se envolver na causa, estando também mobilizada para isso. Assim, para que o processo seja realizado, deve ser ter uma estruturação das camadas, conforme afirma Silva “pressupõe ampla base de organização e de iniciativas autôno- mas da sociedade civil, que repercutam na dinamização da ação pública estatal (SILVA, 2007, p.279). Vê-se também que na dinâmica desses espaços culturais, para que haja a inclu- são social, que a comunidade esteja no processo, é necessária uma autonomia da mes- ma. Ou seja, o sujeito deve ter consciência da realização das ações, bem como saber sua real importância no processo. Cabe aqui relacionar a autonomia do indivíduo com seu interesse pelo programa. Autonomia, essa, no campo da cultura, enquanto forma de li- berdade através de reflexão. 41 Os sujeitos que participam das ações nesses Pontos devem entender do seu real papel no local. Mas pela metodologia do programa, pelo menos teoricamente, o proces- so também é natural. Os indivíduos aos poucos se interessam pela ação, conhecem os espaços, seu público comunitário e constroem uma linha de pensamento sobre o assun- to. Esse é um ponto chave do diferencial dessa política cultural: através das atividades, exigir um mínimo de reflexão das partes envolvidas. O curto tempo da implantação e execução de políticas desse campo dificulta seu desenvolvimento espontâneo. A carência de pesquisas focadas na área de política cultu- ral do país, por ser uma atividade recente; e a consequentemente falta de profissionais especializados na área de gestão cultural é uma das limitações do plano. A ausência de uma política de formação de pessoal qualificado para atuar na organização a cultura, em níveis federal, estadual e munici- pal, continua sem solução e consiste em um dos principais obstáculos para a institucionalização do Ministério e uma gestão mais qualificada e profissionalizada das instituições culturais no país. Nesta área a atu- ação do Ministério foi praticamente nula (RUBIM, 2007, p.32). Considerando que os Pontos de cultura necessitam de articuladores que possuem conhecimento na área,e que um dos aspectos é que a comunidade tenha participação nos planos de execução das atuações locais, tem-se um desafio. Tal problemática depende também do Estado. Este deve ser capaz de oferecer subsídios (cursos, palestras, especia- lizações entre outros meios) e estimular os interessados na se envolver na área. Para isso, uma das medidas a ser tomada pelo governo é a elaboradas metodologias de gestão de cultura que se relacionem com a forma de ‘gerir’ esses espaços, de acordo com as realidades locais. Apesar dessa formação de gestores ser um processo a longo prazo, é através des- se sistema que tem-se a qualificação de gestores para atuarem no campo. No âmbito das comunidades, esses agentes são responsáveis por incentivar a população local. Uma forma de organizar esse processo é a divisão por afinidade e áreas de interesse. Ou seja, os atores sociais, já com maior experiência cultural, se inserem nos campos existentes, sejam eles teatro, música, dança poesia, pintura, dentre diversos outros. É evidente, ao considerar essa participação dos atores da sociedade na política dos Pontos culturais, que envolve a produção cultural, a existência da dinâmica dos mo- vimentos sociais voltados para a cultura. É a partir da formação desses movimentos que se tem uma mobilização dos agentes, o que não acontece nos programas do governo, 42 que o torna, aparentemente, uma política democrática baseada na horizontalidade. Visto que se fala de um plano que foge dos ideais do sistema sociopolítico contemporâneo, devido ao fato de instigar o indivíduo a se aproximar e participar da construção das a- ções. Tem-se, assim, um movimento que vai de encontro ao elitismo preponderante no país. E por isso aliado ao seu envolvimento na causa, deve ser considerado de forma completa. No capitalismo atual, os valores individuais do sujeito podem se sobrepor aos ideais coletivos de um grupo. É nesse modo, dominado pelo ‘ter’ e ‘querer’ do homem, que os interesses do ser humano centram-se na sobrevivência. Ao se tratar de cultura pode-se dizer da despreocupação do ser humano, individualista, com a mesma e sua troca no meio em que vive. Além do fato da cultura ser vista como sinônimo de dinhei- ro, seja nas produções culturais ou na cultura como mercado em si (produtos da indús- tria cinematográfica, musical, teatral etc). Nesse sentido, também, os Pontos de cultura são inovadores, já que trabalham com o ideal de trabalho em grupo, através das atividades que visam o coletivismo. E priorizarem a difusão cultural enquanto valor do ator social. A eficácia desses Pontos está em identificar a potência do fazer cultural existente nas comunidades. Além disso, dentre os objetivos do programa tem-se a ideologia de esquivar da cultura tradicional e trazer à sociedade as diversas formas de trabalhar com o tema. É desta forma, que o projeto conquista seu público e amplia seu campo de atuação, ao trabalhar com a heterogeneidade. Diz-se, então, do destaque dos Pontos como políticas públicas que envolvem movimentos de resistência. Há que se deixar claro que o fato acontece perante uma cul- tura brasileira baseada em planos de interesse estatal. o MinC operou uma inflexão política de grande porte : a democratiza- ção não apenas acontece como definição de um marco público e transparente de política cultural (o que já seria um grande avanço), mas também pela abertura às dinâmicas de criação que são também o fato dos movimento de resistência:É nesse sentido que o programa no qual se inscreve a Ação dos Pontos de Cultura não poderia ser mais adequado: Cultura Viva versus a hegemonia da cultura morta da espe- tacularização erudita e versus as identidades homogêneas de um “po- pular”, supostamente contra-hegemônico (COCCO, 2008). Diante disso, do ideal de movimento social que o programa apresenta, faz-se necessária a relação com outro ponto que teve parte no processo de impulsionar as mo- 43 bilizações populares e que já foi defendido anteriormente. A questão da transformação da classificação dos trabalhadores na economia nas últimas décadas. O trabalho informal, o qual o trabalhador atua no mercado sem carteira de traba- lho assinada, sendo considerado autônomo, foi um grande avanço para a realização dos movimentos sociais no país. Essa autonomia, ao ter como característica a ‘independên- cia’ do sujeito no campo de atuação o qual desenvolve suas atividades, é um ponto que coincide com os ideais da política dos Pontos de cultura. O ator social, envolvido no projeto, atua com a produção cultural independente. É o trabalhador informal inserido na crescente esfera da economia autônoma e aliada ao Estado, já que se dedica ao de- senvolvimento de uma política pública. Com isso, essa política de Pontos de Cultura, ao envolver atores e públicos, tem a capacidade de tornar uma referência de política de mobilização ativa e funcional dos locais, destacando o prestígio e a defesa dos trabalhadores informais dos municípios brasileiros, conforme afirma Cocco (2008). Diante disso, da informalidade profissional sendo vista como, de certa forma, um desdobramento necessário da economia do sistema vigente, busca-se a diferenciação no campo da cultura também. Ou seja, começa o processo da fuga das tendências dita- das pela indústria cultural e a inserção de novos conceitos e formas de cultura. Por mais que não seja de maneira ideal, o que é difícil e exige um prazo grande, os Pontos de Cultura trazem junto com eles a opção das novas facetas culturais ao público contem- plado. “Economia da cultura não dita política pública de cultura” (FONSECA1 1 Por Ana Carla Fonseca, economista, doutora em urbanismo e gerenciadora de uma empresa de eco- nomia criativa. Trecho retirado da oficina de Economia Criativa em 13 de setembro de 2011, Bauru. , 2001). A economia criativa deve se relacionar com o setor público, o privado e com a socieda- de civil simultaneamente, já que ao falar de criatividade aborda-se, também, política pública, de acordo com Fonseca. E neste ponto deve-se ter cuidado ao estabelecer essas relações. O fato de alguma forma de cultura, seja através da música, veiculada por um programa televisivo, ou por sua presença na indústria cinematográfica, estar na mídia e ter atingido níveis populares não significa que deva ser opção exclusiva de acesso do indivíduo. Por isso, a sociedade civil deve se apropriar da criatividade, estar envolvida na causa e necessariamente se entender como comunidade forte exigindo mudanças. 44 Os próprios agentes envolvidos nas áreas artísticas, que teoricamente por lidar com o assunto poderiam ser mais inovadores e abranger nas formas de produção cultu- ral outros conteúdos- ter o diferencial-, tomam a padronização como regra. Vale ressal- tar, nessa análise da padronização da cultura, a influência do modismo. Enquanto os desenvolvimentos culturais fluem, pelo menos para as mídias e consequentemente para a economia enquanto governo, está bom para o restante dos campos sociopolíticos. Es- quece-se assim que cultura não é produto. Ela faz parte da vivência de um povo e suas tradições e que uma expressão cultural não deve ser uma moda exclusiva para agradar o público e a economia do país. Deve-se respeitar a heterogeneidade da cultura que for- mam a cultura brasileira. Isso é o que acontece no Brasil. Há uma intensa padronização de formas de cul- tura que é capaz de alienar o ser. Esse, involuntariamente, é tomado pela mesmice cultu- ral, de tal forma que até seus gostos podem ser mudados. Os módulos criados por aque- les (Estado, governo de forma geral, mídia etc) que ditam as ‘regras e normas’ compro- metem o modo de agir e de pensar do homem, já que esse, baseado na fenomenologia, capta seu redor e sua vivência em dado espaço. São as tendências do sistema capitalista que pela repetição de ideias pautam nossos gostos e costumes culturais. Salvo alguns raros casos de indivíduos que por pos- suírem maior acesso a informação são capazes de ter outro ponto de vista a partir de uma leitura crítica da situação. Esses fazem parte de uma pequena parcela de atores so- ciais que transformam a informação em conhecimento e conseguem se diferenciar dos demais. Tais sujeitos pautam-se em outros gostos, buscando, por exemplo, o diferente do que a mídia tendenciosa brasileira oferece. [...] a idéia de que as diversidades culturais estão se diluindo ou sim- plesmente organizando de modo novo os conflitos internacionais se choca também com a noção que, reconhecendo a importância da di- versidade cultural, identifica nos efeitos da globalização ameaças e oportunidades que não podem ser desprezadas. Ao empreender uma ampla unificação de mercados e, ao mesmo tempo, a conseqüente pa- dronização de hábitos de consumo, acelerando a sua massificação em escala mundial, seja em função das recentes transformações tecnoló- gicas que atingem os meios de comunicação, seja pôr causa da ten- dência de fusão de indústrias culturais como a do audiovisual e da in- formática, a globalização não só ameaça as diferenças culturais entre os povos mas, criando meios novos e mais ágeis de comunicação entre eles, suscita o risco de uniformização cultural; que comprometeria as identidades culturais[...] (BARACHO & REIS, 2006, p.4). 45 Cabe aqui ressaltar que o programa Cultura Viva se encaixa no contexto como sendo uma política pública cultural desenvolvimentista que proporciona ao sujeito, de certa forma, uma liberdade de escolha, em grande parte dos casos. O formato dos Pon- tos de Cultura permite ao agente social uma criação de repertório na área, já que aborda atividades diferenciadas e dá voz ao indivíduo para que construa e participe das ações, o que já o auxilia no processo de desalienação. Este processo de participação, da possibilidade de atuação do sujeito no interior desses espaços, pode ser visto em alguns campos. Para ser entendido de forma ampla, serão abordados alguns aspectos existentes no Programa. Existe no país a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC). Trata-se de um grupo responsável pela discussão e análise, específica, frequente dessa política. A CNPdC têm como objetivo geral garantir o fortalecimento dos Pon- tos de Cultura em todo o território brasileiro, sendo instancia perma- nente de atuação e representação político-cultural, identificação de demandas e elaboração de propostas para o desenvolvimento de polí- ticas públicas e de ações culturais no país (CNPDC, 2009). A comissão, formada no ano 2009, tem papel fundamental na articulação dessa política pública cultural, incentivando, assim, os agentes envolvidos. É um movimento autônomo que assume o papel de cobrança do Estado das necessidades dos Pontos, além de dialogar com a esfera civil; sendo, assim, uma forma de mobilização dos indivíduos que o constituem. O grupo, que hoje é representado pela Rede Nacional de Pontos de Cultura, a- presenta como ideal manter a pró-atividade na propagação do campo cultural no Brasil, além de aprimorar as ações dos Pontos de Cultura e incentivar as políticas públicas no que diz respeito ao assunto, de acordo com o CNPdC (2009). Os eleitos que compõem a comissão “são participantes de transformações, par- ceiros e colaboradores na construção de políticas”, de acordo com o representante da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo, Sampaio (2009b). E após eleitos, para tem-se um panorama um mais aprofundado, os membros devem a- companhar as necessidades existentes nos Fóruns de cultura, além de organizar os even- tos como a Teia. É válido ressaltar, a fim de deixar claro, que existe um regimento interno do CNPdC que expõe os pontos principais que cada Ponto deve levar em consideração, além de contemplar uma divisão de assuntos por frentes temáticas. Esse sistema é uma 46 forma de organização, necessária, dessa política pública. É de extrema importância, já que por ser um movimento que agrega interessados, muitos do quais não possuem co- nhecimento do assunto , ter-se uma forma de participação “pré-estabelecida” através de normas pontuadas. A Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, por meio do regimento interno, deve atender as normas estabelecidas e legítimas. Cabe aqui destacar a importância dos objetivos esclarecidos presentes no documento, conforme consta no artigo 3º: “Elabo- rar propostas de Políticas Públicas de Estado para a Cultura no Brasil, em especial no que se refere aos Pontos de Cultura, ao Programa Cultura Viva, Mais Cultura e ao Sis- tema Nacional de Cultura; Propor novos marcos legais que afirmem a cultura como direito de cidadania e dever do Estado, reconhecendo a autonomia e o protagonismo e a diversidade cultural da sociedade brasileira; Articular, mobilizar e contribuir para o fortalecimento dos fóruns, redes estaduais e regionais de Pontos de Cultura; Fortale- cer Ações transversais em rede entre Pontos de Cultura e movimentos sociais de todo o país; Promover o diálogo sobre os desafios institucionais da gestão compartilhada das Políticas Públicas de Cultura entre o Estado e a sociedade civil; Construir uma pauta política e de uma agenda de ações do Movimento Nacional dos Pontos de Cultura, den- tro e fora do Brasil; Elaborar modelos de gestão e avaliação de rede de pontos de cultura no Brasil, de forma a fortalecer as ações transversais entre os pontos” ( CNPDC, 2009b, grifo do autor). Tais objetivos revelam alguns critérios adotados pelo documento. Vê-se que o regimento interno propõe o desenvolvimento da política pública cultural dentro do pro- grama, além do destaque dado à esfera civil, essa enquanto agente transformadora. Ou- tro ponto ressaltado, no que diz respeito à participação e à mobilização, é o ideal de manter gestões políticas que avigorem a transversalidade entre os diversos Pontos. Per- cebe-se, mesmo que na documentação, um sistema que possui uma comissão com ideais de mobilização. Porém, questões como essa da transversalidade, entre outras, serão dis- cutidas e analisadas posteriormente junto com outros aspectos semelhantes. Diversidade cultural é capaz de determinar opiniões dos sujeitos. Presente no regimento interno e como princípios fundamentais de atividades que contribuem para a formação do intelecto do público dos Pontos de Cultura, estão os campos temáticos que abrangem a diversidade de cultura das redes dos Pontos. 47 Os Grupos de trabalhos (GTs) de Áreas Temáticas e Ações que constituem a CNPdC, de acordo com regimento interno da comissão, são: LGBT; Matriz Africana; Cultura da Paz; Juventude; Grupo Amazônico; Estudantes; Audiovisual; Patrimônio Material e Imaterial; Rádios Comunitárias; Hip Hop; Economia Solidária; Artes Cêni- cas; Criança e Adolescente; Literatura, Livro e leitura; Música; Gênero; Ribeirinhos; Culturas Tradicionais e Indígena; Rede da Terra; Ação Griô; Escola Viva; Cultura Di- gital; Legislação; Sustentabilidade ; e Pontões e articulação da rede Tais pontos, que trazem os direitos e deveres dos representantes da comissão, são essenciais para co