deslocamento, transversalidade intersticialidade e cidade nômade sorocaba: [ ] “Ao imergir no sistemas dos vazios e começar a percorrê-lo nas suas enseadas capilares, compreende-se como aquilo que até agora chamamos vazio não é tão vazio como parece e que, na verdade, apresenta diversas identidades.” (CARERI, 2013, p.159) Matheus Vieira Soares Sorocaba: Cidade Nômade [deslocamento, intersticialidade e transversalidade] Monografia apresentada ao Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambi- ente para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Estadual Paulista (FCT - Unesp), Campus de Presidente Prudente. Orientador: Prof. Dr. Evandro Fiorin. Presidente Prudente, 2017. A minha mãe, Tania, a meu pai, José Roberto, e a minha irmã, Tássia. Obrigado por todo amor e apoio constante. Agradecimentos: Primeiramente a toda a minha família e à Deus por terem me dado força e motivação necessária para chegar até aqui. A minha mãe, por todo o carinho que preenche nossa casa (desculpe por todas as despedidas durante esses cinco anos). Ao meu pai, pelo grande exemplo de simplicidade e força que carrego comigo. A minha irmã, pelo amor e amizade. A minha Avó Luzia, pelo cafézin- ho de sempre. Obrigado por todos os momentos bons e por sempre acreditarem em mim! A Ana Flávia, por todo o amor e companheirismo que pude encontrar em Presidente Prudente. Agradeço também a toda a sua família por terem me acolhido com tanto carinho. Aos meus professores, especialmente meu orientador Evandro por toda a sua exigência durante o desenvolvimento deste trabalho. A todos os amigos de Prudente e Capão. Obrigado por to- dos os momentos bons e por terem feito minha vida mais leve. agradecimentos Este trabalho final de graduação tem como tema o proces- so de surgimento dos interstícios urbanos da cidade de Sorocaba – SP, e o desenvolvimento de proposições projetuais para essas espacialidades. Tal temática de estudos mostra-se necessária pela oportunidade do uso desses espaços indefinidos, ocasionalmente esquecidos ou rejeitados, como possibilidades de reinvenções para Sorocaba e para as atuais cidades brasileiras: representam deste modo, uma chance para a produção de uma cidade que dialogue com sua população e histórias, criando espaços plurais, assim como seus habitantes. Por fim, tem-se a proposição de uma rede de inter- venções urbanas que conecta e perpassa por tais fragmentos de ci- dade, se expandindo em um projeto aberto, nômade e transversal, apoiado nas peculiaridades de seus públicos, desejos e histórias. palavras-chave: nomadismo, interstícios urbanos, interven- ções urbanas, porvir. resumo ÍNDICE 12 44 54 112 Apresentação 1. Sorocaba: três momentos urbanos. O tropeirismo, a ferrovia e o rodoviarismo. 2. Espaços intersticiais. 3. A cidade nômade. 4. Considerações finais. Referências Bibliográficas............................................ ................ ................................................ .................................................... ............................................... 114 10 11 No contexto atual das cidades brasileiras, é comum o surgimento de espaços in- tersticiais entremeando a malha urbana de seus municípios, como resultado dos diferen- tes momentos do processo de expansão urbana. Tais espaços vazios, indefinidos e por vezes subjugados estão presentes enquanto um cenário de nosso cotidiano, onde a liber- dade do vazio ocasionalmente os transforma em um espaço do receptáculo, ocupado e ressignificado a partir das diferentes relações com a população. Tornam-se espaços cam- biantes, do vir-a-ser.3 A partir deste panorama, este trabalho final de graduação se inicia com um estudo do histórico de desenvolvimento urbano de Sorocaba, buscando compreender como os diferentes momentos guiaram a estruturação de seu desenho urbano e, de que modo cada período contribuiu para a formação de seus respectivos interstícios. Tendo como pressuposto a compilação dessas espacialidades em meio ao contexto urbano, o processo de leitura para o seu reconhecimento se deu de forma íntima, a partir da transurbância, para se compreender como se estrutura a cidade nômade, latente, que transita e vive entre a cidade formal.4 Por fim, as experimentações urbanas propostas nesse trabalho foram um resul- tado do conjunto dos imaginários e significados contidos no interstício, propiciados pela indeterminação dessas espacialidades, aplicada e exprimida como projetos múltiplos e transversais. Iniciamos neste trabalho, um desafio para se alterar e repensar a cidade con- temporânea através de suas reentrâncias, em uma tentativa de tornar o espaço urbano tão múltiplo quanto seus habitantes. 1 GUATELLI, 2012. 2 CARERI, 2013. apresentação 1 2 12 13 Durante o processo de desenvolvimento urbano de Soro- caba, a cidade se mostrou como uma compilação de diferentes momentos urbanos, criados a partir de seus respectivos eixos con- dutores. Destes, podem ser destacados o período do tropeirismo, da ferrovia, e do rodoviarismo. Assim, a cidade foi constantemente cruzada por tais trajetos, que imprimiam em seu espaço, caracterís- ticas que recriavam a sua imagem urbana. Neste processo, Soroca- ba foi ponto de parada do lento trotar das tropas, foi cortada pelos constante ritmo dos trilhos do trem e, finalmente, rearticulada para se receber o automóvel. No princípio, o local que daria origem a cidade servia como espaço de estadia entre as expedições dos bandeirantes, que se lançavam às missões jesuíticas para capturar índios e os usarem como mão de obra nas lavouras e capitanias. Em 1654, o povoa- mento é estabelecido pelo bandeirante Balthazar Fernandes, até que em 1661, a paragem é elevada à categoria de vila: intitulada como Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. Seu desenho ainda carregava traços dos antigos percursos dos povos tupiniquins, o que segundo Frioli (2003, p.10) é um dos fatores para o tortuoso traçado, principalmente das ruas centrais. As rotas dos tropeiros se iniciaram no período de 1733, a partir dos eixos traçados anteriormente, adotando Sorocaba como 1. sorocaba: três momentos urbanos. tropeirismo, ferrovia e rodoviarismo. 14 15 um ponto intermediário para a comercialização de muares vindos dos pampas gaúchos. Assim, os animais passaram a ser negociados nas grandes feiras de mulas, que ocorriam anualmente e traziam a dinâmica urbana para a cidade. “A feira de muares era um acontecimento que congregava milhares de pessoas em Sorocaba. Muitas dessas pessoas não se fixavam na cidade apenas para comprar ou vender muares. A cidade oferecia muito mais aos seus visitantes, como os espetáculos artísticos, jogos de azar e esportivos [...] bares, bordéis, inúmeros estabelecimentos comerciais e manufatureiros. Ela havia se espe- cializado na produção de algumas mercadorias, como rede, arreios, sacada (selas de madeira chapeadas à prata), facas, ponches e mantos. Num país estruturalmente agrícola, a dinâmica urbana em Sorocaba, pelo menos no período da feira, era o paraíso para quem desejava estar em contato e misturar-se com o povo [...].” STRAFO- RINI, Rafael. 2001, p.109 Figura 2 Mapa do perímetro urbano de Sorocaba com sobreposição dos eixos condutores de seu desenvolvimento urbano. Fonte: Acervo do autor. 16 17 Segundo Celi (2012, p.32) os Sorocabanos faziam a compra dos muares xucros produzidos no Sul e os vendiam treinados aos tropeiros do ouro, para serem usados como ferramentas de traba- lho. Se estabelecia assim, uma importante rede de caminhos entre essas regiões. As práticas desenvolvidas a partir dessa comerciali- zação de mulas foram de grande importância para a implantação de um ideário proto-urbano na vila, uma vez que as famílias desses moradores e dos tropeiros, ao se instalarem na cidade, deram iní- cio ao desenvolvimento do comércio local3: um agente que através das relações comerciais, conseguia conectar regiões distintas de um país em desenvolvimento e transformar as configurações sócio-es- paciais da recente cidade. Nesse sentido, Sorocaba passa então a afirmar seu caráter urbano, de uma cidade cuja base econômica se diferia das outras de seu Estado. A economia da maioria das cidades paulistas era voltada para uma agricultura de exportação. No entanto, Sorocaba era o grande palco do evento que movimentava a sociedade brasi- leira. Durante os intervalos das feiras de mulas, a cidade era uma produtora de manufaturas, tipicamente urbana. Segundo Straforini 3 Segundo Straforini (2001, p.110) O tropeirismo viveu seu período de glória entre o período de 1850 a 1860, entrando anualmente 50 mil muares para serem comercializados. Juntamente com essa venda, as atividades urbanas e de comércio local foram se fomentando. Figura 3 Layer de estudo dos eixos de desenvolvimento urbano de Sorocaba. Fonte: Acervo do autor. 18 19 (2001, p.91), a produção dessas manufaturas, bem como das pe- quenas propriedades para o abastecimento interno da cidade, im- plicava em uma grande necessidade de trabalhadores - em maioria homens livres. Assim a cidade se desenvolvia, criando espaço para atividades secundárias que favoreciam a inserção do homem livre em sua sociedade, que a cada momento mostrava ainda mais sua vocação para a vida urbana. Durante o período em que as tropas passavam pela cida- de, estas foram um elemento estruturador do espaço urbano. Seus eixos que a cortavam, a rearticulavam, trazendo maior relevância comercial por onde passavam tais fluxos. Assim, Straforini (2001, p.116) aponta que diferente das outras cidades, onde o padrão co- lonial de urbanização dava maior importância aos locais próximos da Igreja Matriz, em Sorocaba, a cidade se recriava a partir do trotar das tropas. A dinâmica interna advinda das atividades de comércio e manufatureiras mostrou-se como um grande fator de atração de imigrantes para a cidade. Straforini (2001, p.95) aponta que, prin- cipalmente a partir de 1842, Sorocaba passa a receber um número significativo de imigrantes de origem urbana, ou seja, daqueles que antes de migrarem para o Brasil já desenvolviam atividades econô- micas em seus respectivos centros urbanos de origem, como o co- Figura 4: Desenho de Hércules Florence. O movimento das tropas, 1831 (editado pelo autor). Fonte: Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. mércio, manufaturas, indústrias ou como profissionais liberais. Eles eram em maioria Portugueses e Alemães, que viam em Sorocaba possibilidades singulares para o desenvolvimento de seus traba- lhos. O espaço sorocabano produzido pelo trabalho do imigrante caracterizou-se pela inserção desses em setores econômicos diferenciados. Enquanto os portugueses incrementavam e intensificavam o comércio, os alemães, italianos e austríacos se dedicaram às manufaturas e oficinas. O setor pri- mário, isto é, a agricultura, até 1900 era praticada basicamente por pequenos produtores locais. Foi somente após essa data que os espanhóis chega- ram e se dedicaram ao plantio de cebola, batata e laranja, passando logo depois para atividades urbanas. Enfim, a dinâmica urbana, já existente antes da chegada dos imigrantes, graças à feira de muares, agiu como atração para aqueles que eram expulsos pelo avanço do capitalismo indus- trial no velho continente. STRAFORINI, Rafael. 2001, p.97. Celi (2012, p.71) ainda reitera que as imigrações na cidade de So- rocaba conduziram o surgimento de uma classe operária, com um ideário racional, sendo assim essencial para a futura estruturação 20 21 das indústrias de tecelagem na cidade. Segundo Frioli (2003, p.58) durante o período da Guerra da Secessão nos Estados Unidos (1861-1865), a Inglaterra passa a incentivar novos produtores de algodão herbáceo. Em 1861 as pri- meiras sementes de algodão foram plantadas na cidade, principal- mente por pequenos produtores; fato este que não transformou ou substituiu o viés urbano de Sorocaba. Uma parte da burguesia ocupou a função de exportar o algodão beneficiado, sendo estes responsáveis pela compra, descaroçamento e sua exportação. Ao fim da guerra que ocorria nos Estados Unidos, o algodão sorocaba- no passa a sobrar, acumulando matéria-prima na cidade. Assim, a estruturação da linha férrea ocorre em 1875, sob a direção de Matheus Maylasky, que havia se tornado um dos gran- des produtores de algodão na cidade. Mostrando desta forma, que a estrada de ferro tinha claramente por objetivo inicial o escoamen- to de produtos relacionados ao algodão; conectando primeiramen- te a cidade à capital. Assim, podemos dizer que Sorocaba apresentava no final do século XIX características específicas às quais favoreciam a formação de bases para a implantação do processo industrial na cidade: a produção e beneficiamento do algodão, voltados Figura 5 Layers de estudo dos eixos de desenvolvimento urbano de Sorocaba. Fonte: Acervo do autor. 22 23 principalmente para a exportação, uma ferrovia que ligava Sorocaba a São Paulo, e depois ao por- to de Santos e, finalmente, mão de obra qualifica- da, proveniente da grande quantidade de estran- geiros residentes em Sorocaba. CELI, Andressa, 2012, p.72 Os principais avanços ligados à industrialização na cidade surgem a partir da década de 1881, quando o comerciante Manoel José da Fonseca inaugura a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte (figura 6), próxima ao córrego Supiriri e da linha férrea, fa- vorecendo assim o escoamento de sua produção. Straforini (2001, p.116) aponta que a industrialização de Sorocaba não se dava ape- nas pela existência de uma infraestrutura criada pelas atividades urbanas, que surgiram como fruto do tropeirismo; sua sociedade possuía também uma racionalidade técnica, com mão-de-obra qualificada passível de ser utilizada nas indústrias, somada à cultu- ra do algodão que fora anteriormente implementada na cidade. É neste momento que os desdobramentos do eixo férreo conduzem às transformações das dinâmicas espaciais de Sorocaba, implican- do na formação de sucessivos barracões fabris permeando a linha férrea, a partir de um marco determinado pelo edifício da antiga Estação Ferroviária Sorocabana. Em menos de 40 anos – da inauguração da Es- trada de Ferro Sorocabana em 1875, à fundação da Companhia Nacional de Estamparia (CNE, considerada a primeira holding do país) em 1909 – a cidade se reinventou: outrora todos os acon- tecimentos da cidade, que giravam em torno do tropeirismo e das famosas feiras de muares, passaram a se pautar pelo desempenho dessas empresas. A cidade, que antes marcada pelos imponentes sobrados, antigos casarões e pela taipa de pilão, agora se norteia pelas chaminés fumegantes e pelas construções de alvenaria de tijolos. MASSARI, 2011, P.11. A cidade se transforma, passa a receber mais instalações de indústrias têxteis, como a Santa Rosália (1890), Santa Maria (1892) e São Paulo (1909). Defronte à linha férrea, a Fábrica Nossa Senhora das Pontes recebe sua unidade de expansão, a Fábrica Santo An- tônio (1913). Juntas, as fábricas representavam o grande auge da produção têxtil sorocabana; conquistando finalmente seu título de “Manchester Paulista”4. Este nome, fazia parte de um discurso posi- tivista em alusão do intenso processo industrial de Sorocaba, crian- 4 Segundo Straforini (2001, p.112) este nome foi dado à Sorocaba pelo en- genheiro Alfredo Maia, numa visita à cidade, em referência a industrializada cidade inglesa. Desde então foi sendo incluída no discurso para ressaltar o grande desenvolvimento da cidade produtora. Figuras 6 e 7: Relação da linha férrea e a tecelagem Nossa Senhora da Ponte. / Vista de uma oficina de trens. Fonte: Galli, 2002. / Frioli, 2003. 24 25 do a imagem de uma cidade da produção. Segundo Massari (2011, p.24) até mesmo alguns dos equipamentos utilizados na implemen- tação da fábrica Nossa Senhora das Pontes, foram encomendados por seu fundador, Manuel Fonseca, de uma empresa inglesa, Curtis Sons & Company, com cede na cidade de Manchester. Massari (2011, p.22) também aponta que fora emprega- da mão de obra assalariada desde o início do funcionamento da fábrica Nossa Senhora das Pontes, pois seu proprietário, Fonseca, era considerado um abolicionista. Contudo, crianças e mulheres grávidas eram comumente explorados como mão-de-obra barata nas longas jornadas de trabalho. A busca pelo lucro, que anterior- mente se dava através do longo percurso conduzindo as tropas de mulas a serem comercializadas, é transmitida aos novos meios de exploração proporcionados pelos tempos modernos: agora é a vez do homem ser explorado, em suas longas jornadas de trabalho. Juntamente com a implementação das fábricas, o espaço também passa a se reestruturar. A paisagem e as atividades do entorno das indústrias acabam se alinhando, o que levou ao surgimento de pon- tos de abastecimento das indústrias, como de lenha, matéria prima e água. A vinda desse novo período, dos trilhos e das indústrias, trouxe para a cidade uma nova noção de tempo. A cidade que se criava a partir de fluxos e ritmos lentos, de tropas, e carros de boi, era gradativamente substituída pela velocidade que os trens pro- porcionavam. O que antes se dava pelo percorrer das tropas, por percursos que muitas vezes se alteravam com o passar dos anos, é fixado pelo eixo da linha férrea. Este novo elemento estruturador do espaço urbano condu- ziu as expansões da cidade; onde segundo Straforini (2001, p. 116), suas bordas foram consideradas o espaço da modernidade, locais dos grandes quarteirões projetados que se distinguiam dos ante- riores. Massari (2011, p.26) aponta que a partir de 1910, o comple- xo fabril de tecelagem começa a se fragmentar, quando seu dono, Manuel Fonseca, torna-se diretor-gerente da fábrica Nossa Senhora das Pontes e abre o capital da empresa para investimentos. Poste- riormente, em 1914 a fábrica é adquirida pela família Scarpa, per- manecendo nas mãos dos mesmos até meados da década de 1970, quando foi vendida para a companhia Cia. Nacional de Estamparia. Em 1990, a empresa passava por uma crise financeira, associada ao esmaecimento da produção do algodão e disputas com o mercado externo, fato que levou ao fechamento da fábrica. Assim, em 1991 a prefeitura declara a área da indústria como de “utilidade pública”, a desapropriando; onde posteriormente parte de seu espaço externo foi utilizado para a criação do terminal de ônibus Santo Antônio5. 5 Segundo Massari (2011, p.113), Em sua construção, vários edifícios de apoio à fábrica foram demolidos, o que evidenciou a falta de interesse em se realizar uma intervenção que considerasse os valores histórico-culturais dessa área, apagando da malha urbana os seus espaços tidos como residuais. A inaugura- ção do terminal ocorre em 1992. 26 27 Deste modo, principais atividades industriais do contexto se sessa- ram, bem como a pujança da linha férrea, que passa a ser utilizada principalmente para transporte de cargas. Da mesma maneira que a instalação da linha férrea cola- borou para o fim do tropeirismo, o transporte por trilhos foi subs- tituído pelas rodovias. Em Sorocaba, a partir da década de 1950 suas industrias se diversificam e são deslocadas para fora da cidade, graças às rodovias que passam a conectar a cidade à capital. Deste modo, “O território também passou por uma nova estruturação, as indústrias passam a ladear as rodovias, privilegiando a acessibilida- de rodoviária e desligando-se do eixo ferroviário”6. Como espaços residuais, os barracões e o leito férreo tornam-se espacialidades in- tersticiais entremeadas pela área central da cidade. Após redução dos usos prefigurados no leito férreo, inúme- ros vagões eram encontrados criando as mais diversas apropria- ções pelos citadinos. Os vagões fechados, eram comumente usados como abrigo e logo foram substituídos por vagões abertos, sem ve- dações laterais (sob uma ótica de higienização do local). Estes ob- jetos sucateados, sem uso para a empresa, permaneceram no local até que finalmente no início de 2016, a empresa retirou todos os 6 Segundo SANTORO, CYMBALISTA e NAKAHIMA, 2005, p.2. Figura 8: Notícia de jornal de 1994. Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal de Sorocaba. 28 29 vagões da área, sob forte pressão da parte do governo municipal. Por fim, o elemento do espaço vazio e intersticial, mostra-se como sendo a maior representatividade do período ferroviário da cidade. Deste modo, fica evidente que na cidade de Sorocaba, o surgimento dos espaços intersticiais se mostrou intimamente ligado com o traçado dos eixos que guiaram o desenvolvimento urbano. Segundo Celi (2012, p.53), a cidade cresceu primeiramente a partir de eixos externos, fazendo com que seu modo de ocupação seja definido como de um espaço que cresce de fora para dentro; e não de dentro para fora. Tais eixos se introduziam no espaço da cidade e foram responsáveis pela sua atual conformação. Assim, cada um destes elementos históricos (re)criavam a cidade, a partir de uma relação de espaço e tempo diferentes. Sendo que justamente na sobreposição de todos os traçados que produziram Sorocaba, mos- tra-se a cidade fractal: composta por frestas, emendas, e ausências; uma cidade de fragmentos, repleta de espaços intersticiais, que se manifestam sob as mais diferentes formas: espaços vazios criados pela linha férrea, os baixios dos pontilhões construídos para a trans- posição dos trilhos, e dos rastros ainda presentes dos córregos tam- ponados. A linha férrea, que antes ditava o ritmo fabril e dinâmico passa a ser praticamente um elemento representativo. Utilizada Figura 9 Layers de estudo dos eixos de desenvolvimento urbano de Sorocaba. Fonte: Acervo do autor. 30 31 com cada vez menos frequência, a ferrovia está presente na malha urbana de Sorocaba como uma cicatriz, um vazio que secciona a cidade. A noção de espaço vazio se intensifica após as alterações de uso que ocorreram na área, que passa por um declínio desde a dé- cada de 90. Em Janeiro de 2016, a empresa Rumo7 fecha o restante das oficinas existentes deste 1932. Os últimos funcionários que ain- da trabalhavam nos barracões dessas oficinas foram demitidos, em uma justificativa de que a empresa estava revendo a sua logística de funcionamento. Assim, a diminuição das atividades faz com que a percepção de vazio aumente: os usos e fluxos se reduzem enquanto se expande o espaço ocioso, criando mais espacialidades intersti- ciais nos arredores do eixo do leito férreo. 7 Rumo é a empresa resultante da fusão entre a ALL (América Latina Logística) e Rumo Logística, processo finalizado em 2015. Segundo informações divul- gadas no site da empresa, o período inicial dessa fusão terá foco na redução de custos (dentre outros). Fato que pode justificar o fechamento da oficina em Sorocaba, em 2016. Fonte: http://pt.rumolog.com/default_pti.asp?idio- ma=0&conta=45. Acesso em: 25/11/2016. Figura 10: Croqui de estudo dos vazios da linha férrea na malha urbana de Sorocaba. Fonte: Acervo do autor. 32 33 Neste contexto, a linha férrea representa a primeira inter- venção de grande escala criada pelo homem (1875), sendo um im- portante e emblemático elemento histórico da cidade. O último transporte de passageiros partindo da Estação Sorocabana se deu em 20018, sendo que a partir disso foram considerados antieco- nômicos, sendo assim suspensos. Sua utilização atual ocorre para transporte exclusivo de carga, onde a empresa responsável presta serviços para apenas uma fábrica, transportando celulose entre o Mato Grosso do Sul até o Porto de Santos. Os sinais de momentos anteriores de Sorocaba se resu- mem em poucos elementos após as transformações ocorridas na cidade. A linha férrea torna-se cada vez mais estática, pois o rítmo das atividades de seu contexto encontram-se em declínio. Com o passar do tempo, o movimento passa a ocorrer com maior fre- quencia pelo transitar dos veículos e pelos pedestres no centro da cidade e, não mais pela ferrovia. 8 Informações Segundo o jornal Cruzeiro do Sul, edição digital. Fonte: http:// www.jornalcruzeiro.com.br/materia/713899/viagens-de-trem-foram-consi- deradas-antieconomicas. Acesso em: 05/11/2016. Figura 11: Mapeamento dos vazios da linha férrea. Fonte: Elaborado do autor sobre base do Google Earth. Figuras 12 e 13: Obras sendo realizadas na linha férrea. / Foto dos trilhos em 2016. Fonte: Autor desconhecido / Acervo do autor. 34 35 O Córrego Supiriri, afluente do rio Sorocaba, foi um impor- tante elemento durante a instalação da primeira fábrica têxtil da cidade. A fábrica Nossa Senhora da Ponte (1881), fora estabelecida próxima ao pequeno córrego e a ferrovia, fato que facilitava o es- coamento de sua produção, e uso do córrego para o funcionamento da indústria. A partir de 1977, o córrego que seguia paralelo à linha férrea foi canalizado pela Fepasa, liberando a sua área de várzea para a ser anexada ao leito férreo e para a criação do anel peri- metral9 da cidade, dando origem à atual avenida Afonso Vergueiro (figura 14). Deste modo, a natureza foi mantida em segundo plano: comprimida, e enterrada, para se dar espaço para o transitar de veículos na grande avenida que se inaugurava na cidade. Atualmente, o córrego encontra-se parcialmente tampo- nado. Sob as vias, ele fica canalizado e enterrado, sendo possível perceber sua existência apenas quando surge na superfície, percor- rendo miolos de quadras entre as edificações existentes. Após esse trajeto, o córrego some novamente em suas canalizações e, percor- re em suas galerias margeando a avenida Afonso Vergueiro e a linha férrea, até desaguar no Rio Sorocaba. 9 Segundo Mestre (2014, p.77), a primeira avenida perimetral da cidade é formada pelas Avenidas Afonso Vergueiro, Dom Aguirre, Jucelino Kubitchek, Moreira César e Eugênio Salerno, foi implantado com relativa fidelidade ao plano de Ghiraldini, porém sem atingir no entanto, o efeito de contenção da expansão urbana desejado. Os anéis seguintes foram abolidos ou parcialmente implantados. Figura 14: Mapeamento dos trechos abertos do Córrego Supiriri. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base do Google Earth. Figuras 15 e 16: Noticiário do jornal Cruzeiro do Sul de 1976. / Foto do Córrego Supiriri em 2016. Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal / Acervo do autor. Avenida Dr. Afonso Vergueiro 36 37 Desde a década de 1950, dava-se início à cultura do auto- móvel no Brasil, fomentando o transporte individual por carros, para se alavancar a indústria automobilística, juntamente aos gran- des planos rodoviários que se iniciavam no país. Em Sorocaba, tal prática é perceptível a partir de 1954, onde segundo Massari (2011, p.99) inaugura-se na cidade o primeiro viaduto: Janio Quadros, per- mitindo o acesso aos bairros além-linha. Neste período, inaugura- va-se o empreendimento do bairro Jardim Santa Rosália. Em seus informes publicitários, o viaduto sempre era mencionado como um diferencial, possibilitando “acesso facilitado” ao loteamento, que se tornou um sucesso de vendas para as classes mais abastadas. O via- duto cruza a linha férrea atestando que se iniciava um novo perío- do, o momento rodoviarista, onde a cidade deveria se modificar, no que diz respeito à sua infraestrutura e organização, para se receber uma alta quantidade de veículos transitando diariamente. Figura 17: Mapeamento do Viaduto Janio Quadros. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base do Google Earth. Figuras 18 e 19: Construção do Viaduto Janio Quadros em 1963. / Foto do viaduto em 2016. Fonte: Página Lembranças Sorocabanas / Acervo do autor. 38 39 A construção do Viaduto dos Ferroviários se deu na dé- cada de 1990, com a intenção de se desafogar o intenso trânsito que passava diariamente pelo viaduto Jânio Quadros, que até en- tão, possuía fluxo de veículos pelos dois sentidos. Assim, durante a gestão do prefeito Paulo Mendes, o viaduto foi inaugurado no ano de 1996. Atualmente, o viaduto dos Ferroviários faz a conexão do sentido além-linha para o centro, enquanto o viaduto antigo realiza a conexão no sentido inverso. Ambos os viadutos construídos no contexto, transpõem o conjunto da avenida perimetral criada e da linha férrea. Para tal, cada uma de suas estruturas possuem uma extensão de mais de 140 metros de concreto passando sobre a área e, configurando novos espaços intersticiais (figura 22) que se somam ao conjunto. Figura 20: Mapeamento do Viaduto dos Ferroviários Fonte: Elaborado pelo autor sobre base do Google Earth. Figuras 21 e 22: Construção do Viaduto Janio Quadros em 1963. / Foto do viaduto em 2016. Fonte: Página Lembranças Sorocabanas (facebook) / Acervo do autor. 40 41 A inauguração da Rodovia Raposo Tava- res SP-270 (1954) e, posteriormente, da Rodovia Castelo Branco SP-280 (1967) foram elementos indutores e consolidadores de um novo momen- to para sua economia, a indústria se concentrou na produção de bens de consumo. O território também passou por uma nova estruturação, as indústrias passam a ladear as rodovias, privile- giando a acessibilidade rodoviária e desligando- -se do eixo ferroviário. (SANTORO, CYMBALISTA e NAKAHIMA, 2005, p.2). As modificações mais expressivas do espaço urbano em Sorocaba ocorreram a partir da década de 1950, no sentido de se criar uma cidade compatível com o momento rodoviarista: expli- citada pelo traçado urbano que enterrou córregos para se facili- tar a circulação, e pelos viadutos que surgiam para a transposição de antigas infraestruturas urbanas, como a ferrovia. Segundo Celi (2012, p.97), a partir da década de 1960, era notável até mesmo nas legislações municipais, a importância dada pelo município aos automóveis, com a criação do viário intraurbano e com a criação de conexões às rodovias estaduais, fato que contribuiu com a expan- são urbana pelos eixos da ferrovia e em direção às conexões com as Figura 23: Diagrama de layers: geografia, fluxo diário de pessoas e principais vias. Fonte: Elaborado pelo autor sobre base do Google Earth e PDTUM (2013). 42 43 rodovias. Seguindo essa tendência, Mestre (2014, p.74-78) aponta que no início dos anos 60 a questão do planejamento urbano ganha destaque, até que em 1961 é aprovada a lei que obriga a criação de um Plano Diretor para a cidade de Sorocaba, para que assim fosse possível alcançar um desenvolvimento urbano ordenado, que con- templasse uma grande demanda de automóveis para a cidade. Em sua elaboração, contratou-se o escritório do arquiteto Milton Carlos Ghiraldini. Neste plano, era prevista a criação de três anéis viários radiocêntricos para se guiar o desenvolvimento urbano. Contudo, apenas o primeiro fora implementado na cidade, o qual a avenida afonso vergueiro faz parte (figura 14), cruzando o contexto estuda- do ao lado da linha férrea. Figura 24: Imagem histórica do centro de Sorocaba na década de 60. Fonte: Acervo fotográfico do IBGE, editado pelo autor. 44 45 Figura 25: Interstícios de uma folha. Fonte: Acervo do autor. 2. espaços intersticiais 46 47 Os Interstícios Urbanos são espaços residuais provenientes das alterações das cidades. Mostram-se notavelmente presentes como locais que foram esquecidos ou indesejados no processo de expansão urbana. Gerando assim, diversos fragmentos que repre- sentam desde um hiato na malha urbana, espaços “vazios”, até ele- mentos que carregam uma importante parcela da memória urbana enquanto registros físicos, uma vez que permaneceram conserva- dos nestes vazios. De certa forma, se comportam como poros do tecido urbano; ainda transpiram tais sobreposições de tempo: a memória, volátil, transita entre suas diferentes camadas da cidade. Espaços residuais são aqueles que so- bram normalmente após a implantação de uma infraestrutura, gerando áreas utilizáveis embaixo dos viadutos e passarelas, nas margens das es- tradas, nas beiras de canalizações, sob as redes de alta tensão, etc, ou podem ser frestas urbanas (pequenos nichos entre edificações ou sob elas, em muros), ou são acoplados a equipamentos ur- banos (postes, bancos, árvores). (GANZ, L. Lotes vagos: Ação Coletiva de Ocupação Urbana Experi- mental. In: CANÇADO, W; MARQUEZ, R; CAMPOS, A; TEIXEIRA, C, M; 2008, P.31) Um dos fatores responsáveis pelo olhar negativo para com tais espa- ços intersticiais, encarados como resíduos urbanos, alheios, relacio- na-se como a modernidade dialoga com o espaço público. Segundo Bogéa (2006, p.183), a fragmentação urbana também se daria pela subversão do modo de se ver o espaço tipicamente público: É uma contradição que faz com que aqui- lo que está nas ruas de uma cidade, e que portan- to deveria ser visto como parte dela, desde den- tro, seja visto como fora. Os muros, cada vez mais estanques, isolam lotes em fragmentos nos quais as ruas, que antes eram elementos de relação, passam a ser apenas de travessia. [...] Quando movimento significa apenas deslocamento e cir- culação, sem considerar troca ou mesmo trans- formação, recai-se na mesma problemática dos projetos que são originalmente sistemas utiliza- dos como desenhos fixos. BOGÉA, Marta Vieira, 2006, p.183-184. Contudo, mesmo sendo elementos também resultantes de um processo de fragmentação urbana onde a cidade criada pas- sa a se isolar em diferentes pedaços, os interstícios, alojados entre Figuras 26 e 27: Croqui do Córrego Supiriri. / Foto de baixio de viaduto com sinais de apropriações. Fonte: Acervo do autor. 48 49 essas partes, são espaços complexos, pois tornam-se muitas vezes espaços de receptáculo de diversos imaginários urbanos10, onde a interação das pessoas com o espaço pode redefinir um uso preme- ditado ou dar significado para algo indefinido. Devido a sua fluidez com o meio público, os interstícios são espaços onde a noção de pertencimento chega, em alguns casos, a se confundir, mesclando o público e o privado através de espacialidades de usos coletivos, do despertar desses imaginários, enquanto ações efêmeras capazes de se rearticular partes da cidade. Sendo este um de seus fatores mais singulares: locais que embora vazios, são latentes e pulsantes, dota- dos de grande potencial urbanístico, podendo vir-a-ser um espaço de contribuição urbana para a malha das cidades. Neste sentido, tem-se como um experimento o projeto 100m² 11, onde um lote vago, com estruturas de concreto abando- nadas e um aspecto de ruínas, foi parcialmente alterado. A grande parcela do espaço não foi modificada, seriam espaços sem destina- 10 Aqui, os imaginários urbanos são compreendidos segundo a perspectiva de FERRARA (1994), como elementos que correspondem à multiplicação dos significados urbanos. Supõem uma associação de fragmentos, onde monta- dos, constroem um retrato metafórico da cidade; e não a imagem propria- mente dela, mas suas contra-imagens. 11 O projeto 100m² se desdobra a partir das discussões do projeto Ação Co- letiva de Ocupação Urbana Experimental, de Louise Ganz em: CANÇADO, W; MARQUEZ, R; CAMPOS, A; TEIXEIRA, C, M; 2008, P.36. ção imediata, em aberto. Assim, após um mês do fim do projeto, a comunidade local inseriu diferentes significados para o espaço, o alterando com mobiliários, piscinas, churrasqueiras (figura 29). Guatelli (2012, p.14) discute a respeito de espaços urbanos sem predeterminações, os entre-lugares. São espaços onde o am- biente construído não anula ou direciona as relações entre o local e o usuário. Deste modo, tornam-se transitórios (no que diz respeito ao seu uso) e flutuantes. Estes espaços estariam em um estado “entre”, onde não poderiam ser determinados claramente como uma coisa ou outra; estariam presentes como possibilidades, como locais do vir-a-ser. Destaca-se neste caso, o projeto realizado para o baixio do Viaduto do Café, em São Paulo, onde a partir do espaço intersticial, a comunidade passou a ocupa-lo e o encher de signi- ficados. O projeto proposto por Guatelli em 2007, propõem uma arquitetura que se comportaria como um suporte para as forças latentes que surgiam por meio deste espaço intersticial. Seus usos e pré-existências foram deste modo englobados em um projeto aber- to, que facilite o encontro, o contato social, e suas reconfigurações espaciais.12 12 Informações do projeto disponibilizadas pelo portal digital vitruvius. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevis- ta/09.035/3287. Acesso em: 25/11/2016 Figuras 28 e 29: Fotografias do projeto de intervenção 100m². Fonte: CANÇADO et al, 2008. Figuras 30 e 31: Projeto de intervenção para o baixio do Viaduto do Café, em São Paulo. Fonte: Vitruvius, Entrevista com Igor Guatelli (2008). 50 51 Esta característica faz uma alusão à como se o ambiente fos- se dotado de uma latência a ser ativada (ou inserida) pelo usuário, através do devir, dando a possibilidade de uma história dentro de outra história. O espaço poderia, deste modo, ser determinado e adquirir um significado único para cada pessoa que o utiliza, onde o indivíduo se conecta ao mesmo, gerando insights que conduzem às diferentes apropriações/relações entre a pessoa e o local. Des- te modo tais espacialidades mostram-se questionadoras, uma vez que não há um programa definido suas finalidades. Pelo contrário, o que vigora na maioria dos casos é o transprograma. Discutindo na mesma temática dessas espacialidades, o grupo Vazio S/A realizou o projeto Amnésias Topográficas , no bair- ro do Buritis de Belo Horizonte. Esta área da cidade era marcada por grandes declives no terreno, fazendo com que as edificações fossem sendo construídas através de palafitas (ou “paliteiros”) para se compensar tal desnível topográfico (figura 32). Assim surgiram esses labirintos estruturais, como um acidente arquitetônico, que criou essas estruturas em aberto, intersticiais em larga escala, pois os projetos eram replicados pelo bairro. O projeto de intervenção transforma as palafitas em matéria plástica espacial, tornando-se palco para um espetáculo através de um jogo de passarelas e esca- das que mescla o público aos atores da peça. Os espaços públicos e privados também se misturam, pois a vizinhança e seu cotidiano tornam-se parte do cenário e, ao mesmo tempo, uma espécie de arquibancada para os moradores dos prédios vizinhos. A partir do momento que estas espacialidades são perce- bidas enquanto parte de uma compilação, uma rede de cidade em processo, criada a partir de camadas de tempo e fragmentos de es- paço, estes interstícios podem ser alvos de projetos transversais, tá- ticos, a fim de revelar sua existência e desejo no meio urbano. Des- te modo, sua latência poderá ser despertada com intervenções que aflorem sua essência enquanto fragmentos de espaço e memória. Assim, esses lugares pulsantes poderão mostrar-se mais presentes, transformando suas espacialidades em uma experiência próxima da vida urbana, se expandindo ao cotidiano citadino de Sorocaba e al- terando também a dinâmica da cidade. Com o despertar da latência, ainda continuarão sendo in- terstícios, elementos transitórios. Estes locais irão se metamorfo- sear13 em um projeto que nasce da leitura de suas respectivas espa- cialidades intersticiais, surgindo das conformações que as criaram 13 Com o termo metamorfose do espaço, designa-se a partir do prefixo grego “meta”, ir “para além”, ou “o que vem depois”. Uma sucessão de formas para um fenômeno. Metamorfosear representa neste caso, justamente a inscrição em seu devir, deixar-se alterar. Figura 32: Fotografia do local do projeto Amnésias Topográficas II. Fonte: CANÇADO et al, 2008. Figuras 33 e 34: Fotografias do projeto Amnésias Topográficas II. Fonte: CANÇADO et al, 2008. 52 53 enquanto poro. Assim, o vazio deste tecido também poderá vir-a-ser projeto. Inaugura-se, assim, uma fase em que passam a pre- valecer o intersticial, as interseções, o entre, consti- tuindo-se um campo muito fértil às experimentações, às apropriações livres, ao evento, à criação e à “jou- issance”, pois o seu objetivo não é sua validação por intermédio da explicação de outros textos, mas sua própria produção, aberta à infinidade e ao não-es- gotamento, sempre em processo, sempre por vir [...] (PERRONE-MOISÉS, L . apud GUATELLI, I. 2008). Assim, a abordagem de modificação espacial dos espaços in- tersticiais procura pela semântica deste conjunto, podendo se mate- rializar como diferentes proposições de intervenção no espaço. Pode desta forma, rearticular os modos de produção e gestão do espaço co- tidiano e reinventar as relações entre os sujeitos e o ambiente. Por fim, essa abordagem poderá se mostrar como a expansão dos diferentes significados do conjunto do local, possíveis usuários e história. Assim, a intertextualidade será um dos meios mais recorrentes durante a sua formulação, para se conseguir proposições abrangentes, de ações con- comitantes14, que possam recriar significados da cidade de Sorocaba, 14 A concomitância não irá sugerir que as atividades sejam naturalmente próxi- mas ou complementares. Poderão surgir relações que desafiem a nossa concep- ção de “comum”, mostrando novas possibilidades para a cidade. proporcionando o extravasamento do conjunto destes espaços, propondo projetos abertos que se transformem juntamente com a cidade. 54 55 3. a cidade nômade A partir do panorama descrito, de uma cidade repleta de interstícios, formada a partir da compilação de diferentes camadas de eixos sobrepostos, iniciamos aqui um questionamento: como se daria o processo de apreensão e leitura de uma cidade em constan- te processo de reinvenção? Como seria possível revelar as ações, imaginários presentes entre as camadas de cidade? Tais questões conduzem necessariamente a um método dinâmico, que capte a cidade viva, como uma trama criada por filamentos em constantes alterações. Assim, como resposta ao dinamismo citadino e as atuais conformações urbanas, neste processo de leitura urbana, foi utili- zado um método de percepção e apreensão espacial tipicamente empírico, que se constrói principalmente pelo movimento, pelo ca- minhar na cidade. Possibilitando o encontro com o outro e a busca pelo entendimento dos espaços intersticiais de Sorocaba através da deriva15, da imersão. Os interstícios foram revelados através de um contato mais próximo, em uma tentativa de se desconstruir a noção perspética 15 O conceito de deriva é usado primeiramente por Debord (1958), onde o termo estaria ligado indissoluvelmente ao reconhecimento dos efeitos da na- tureza psicogeográfica, e à afirmação de um comportamento lúdico-constru- tivo. É um método onde o indivíduo se lança e se deixa afetar pela cidade. Não é um percurso qualquer, envolvendo uma ideia de deslocamento como pressuposto. A deriva se altera e se modifica com sua própria existência e suas contradições. 56 57 do olhar criado pelos antigos sistemas de levantamento e análise, e pela fotogrametria. Estimula-se desse modo, o desenho, o croqui, o contato, o olfato, a imagem em movimento e a humanização da atividade de leitura, ao mesmo tempo em que se utilizam instru- mentos tecnológicos, criticamente, para a sua documentação. Deste modo, a leitura do espaço se iniciou com uma tran- surbância16, um período de caminhares e observações do contexto estudado. Careri (2013, p.30) explica que no exercício dessa tran- surbância pode-se perceber as relações entre os fragmentos de ci- dade: do espaço nômade (vazios) aos espaços sedentários (cheios). “A cidade nômade vive em osmose com a cidade sedentária, nutre-se dos seus resíduos, oferecen- do em troca a própria presença como nova natu- reza, é um futuro abandonado produzido espon- taneamente pela entropia da cidade.” CARERI, 2013, p.164 Neste sentido, o caminhar é empregado de maneira a se descobrir e transformar as percepções da paisagem urbana; modi- ficando o espaço urbano mesmo sem se construir. 16 Para Careri (2013), Transurbância estaria ligada com o modo de investi- gar e narrar, ao se lançar aos espaços desconhecidos da cidade. Uma prática estética que busca no nomadismo o reconhecimento dos diferentes espaços urbanos. Figura 35: Guide Psychogeographique de Paris,1957, por Guy Debord, usado como exemplo por CARERI (2013) para se exemplificar a cidade vista através da deriva psicogeográfica, sob uma ótica lúdico-construtiva. A cidade deveria ser despida, a fim de se revelar os desejos latentes do cotidiano urbano. Fonte: CARERI, 2013, p.100. (editado pelo autor) 58 59 Neste contexto, o grande vazio urbano surge como uma pausa na dinâmica da cidade acelerada deste recorte, marcado por entroncamentos viários importantes, assim como pelas aglomera- ções humanas nos terminais de ônibus, shopping-center e pelo co- mércio de rua. A partir do exercício desta transurbância, a paisagem foi se construindo em fragmentos, compondo um mapeamento dessa leitura ao longo do eixo marcado pela linha férrea. Fragmen- tos que compreendem elementos urbanos, temporalidades, sensa- ções, pessoas, bem como seus vestígios de interações com o espaço físico. Revelando as minúcias da cidade: suas sutis dobras e frestas latentes. Figura 36: Transurbanograma do contexto estudado. Fonte: Acervo do autor. 60 61 viaduto janio quadros linha férrea sorocabana viaduto dos ferroviários córrego do supiriri 1 2 3 4 5 Figura 37 : Mapeamento em figura-fundo do contexto estudado com marcações das fotografias seguintes. Fonte: Acervo do autor. 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 62 63 2 O córrego Supiriri transita pelo subsolo sem dar vestígios para a sociedade que caminha pela superfície, que ele está logo abaixo dela . Atualmente, o córrego está parcialmente canalizado e tamponado sob as ruas de Sorocaba. Porém a situação se inverte quando seu trajeto passa pelo meio das quadras: nessas frestas ele vem à superfície, criado inusitados eixos pelo quarteirão. Por tais frestas, tem-se uma percepção espacial similar à de janelas urbanas . , onde as edificações abrem espaço para o surgimento de curio- sas práticas para um centro urbano do porte de Sorocaba. A maior parte das edificações que fazem divisa com esses espaços se isola do elemento do córrego, construindo altos muros e paredes cegas em frente ao mesmo. A partir destas paredes, o espaço passa a receber a função de um extenso painel de grafites X , onde mesmo não existindo uma conexão das calçadas com o per- curso do córrego, é comum a existência dessas intervenções até nos trechos mais internos ao quarteirão. Nestes interstícios, também é comum encontrar outra inusitada relação com o espaço: galinhas sendo criadas pelo leito do córrego X , onde alguns moradores usam o leito como uma espécie de anexo para o quintal. CÓRREGO DO SUPIRIRI Figura 38: Fotografia do cotidiano. No interior deste elemento, dessas “janelas” criadas pelas frestas das edificações, existem as mais diversas apropriações, como um bando de galinhas sendo criadas no leito do córrego, provavelmente por uma das casas vizinhas do córrego. Fonte: Acervo do autor. 1 1 3 2 1 64 65 Figura 40: Fotografia do cotidiano. A maior parte dos pedestres que passam pela rua, despercebidos e apressados, não percebem o córrego. Os veículos passam perpendiculares à ele, sem desviar o olhar. O asfalto é o mesmo, e as frestas são estreitas, fazendo com que o córrego fique ainda mais “camuflado” entre as bordas da cidade. Fonte: Acervo do autor. 32 Figura 39: Fotografia de uma das aberturas do Córrego do Supiriri. Neste espaço, apesar de não haver conexão com a via pública, existem sinais de transposições e apropriações. A população adentra nesse local para criar uma espécie de mural para os graffiti. Fonte: Acervo do autor. 66 67 LINHA FÉRREA Figura 41: Fotografia de um dia movimentado no centro de Sorocaba. As calçadas são estreitas, margeando o alambrado que isola a linha férrea. Seu espaço fica ainda menor nos horários de pico, ainda mais pelo aglomerado de pessoas no ponto de ônibus ao fundo. Fonte: Acervo do autor. 4 Atualmente, a linha férrea da cidade de Sorocaba encon- tra-se em um processo onde os trens passam com cada vez menor frequência, fato esse que se intensifica devido ao encerramento da oficina ferroviária na cidade. No contexto estudado, o leito férreo foi inteiramente isolado por um alambrado, contudo, existem diver- sos pontos de travessia entre esse espaço isolado X . Esses pontos tornam-se cada dia mais constantes e utilizados, devido à baixa cir- culação dos trens. Paralelamente ao eixo da linha férrea, tem-se a Avenida Dr. Afonso Vergueiro, com uma elevada circulação de veículos e pessoas. Nes- se conjunto, o espaço reservado ao pedestre é mínimo X . Mesmo existindo uma grande área subutilizada pelo leito férreo, as pessoas andam apertadas entre as calçadas e a avenida, pois o espaço pro- jetado para pessoas é muito reduzido, e de menor importância. Mesmo com as atividades ligadas à linha férrea em declínio, este eixo central possui uma carga histórica dotada de movimento. Foi o espaço de passagem dos tropeiros, da ferrovia, e atualmente, de uma das mais importantes avenidas da cidade. Deste modo, o local engloba uma grande porção das espacialidades intersticiais estuda- das no contexto, se conectando e entremeando às demais X. 5 4 6 68 69 Figura 43: Fotografia do alto do Viaduto dos Ferroviários, tirada do percurso reservado aos pedestres. Destaque para o elemento vazio que perpassa pelo contexto estudado. Fonte: Acervo do autor. Figura 42: Fotografia de um ponto onde o alambrado foi aberto para a passagem de pessoas, um dos “atalhos” encontrados pela linha férrea. Ao fundo, o Terminal de Ônibus Santo Antônio, um dos pontos de potencialização do fluxo de pessoas. Fonte: Acervo do autor. 5 6 70 71 Figura 44: Fotografia da passagem de pedestres no pontilhão. Um espaço muito utilizado diariamente, pois tem um fluxo direcionado ao Terminal Santo Antônio e ao Shopping Cianê. Fonte: Acervo do autor. O viaduto Jânio Quadros é um importan- te elemento de estruturação da malha urbana da cidade. Devido à fragmentação das transposi- ções por veículos que ocorreram por conta da im- plementação da linha férrea X , ele foi a solução encontrada para se ordenar o fluxo de veículos sentido centro da cidade. Contudo, após as trans- formações ocorridas com o tempo no centro urba- no, seu uso atual não mostra-se essencial apenas para os veículos. O viaduto mostra-se necessário como um local para a passagem dos pedestres X , potencializado pela existência do terminal de ôni- bus Santo Antônio e o Shopping em uma de suas extremidades. Assim, ele comporta uma elevada quantidade de travessias diariamente. Um espaço do encontro corriqueiro de diversas pessoas, que caminham ordenadamente pelo viaduto. VIADUTO JANIO QUADROS 7 8 7 9 72 73 Figura 46: Fotografia do destaque para o ponto onde o viaduto Janio Quadros passa em frente ao terminal. Não há conexão direta, sendo necessário que os pedestres o percorram até o fim e, contornem por baixo do viaduto até chegar terminal de ônibus. Fonte: Acervo do autor. Figura 45: Fotografia do baixio do viaduto Janio Quadros. Fonte: Acervo do autor. 8 9 74 75 Figura 47: Fotografia do leito da linha férrea como espaço de passagem. Mesmo com a vegetação crescendo livremente no local, os caminhos criados são utilizados cotidianamente como um atalho para a transposição dos trilhos e avenida. Fonte: Acervo do autor. O viaduto dos ferroviários mostrou-se como o elemento de maior pluralidade de significados no conjunto estudado. Seja entre suas estruturas de sustentação verticais, baixios e os espaços entre sua massa de concreto e as edificações. O interstício é ocupado por usos que surgem como eventos capazes de transformar sua cons- trução em arquiteturas possíveis, em uma estrutura-suporte por onde se inserem variadas atividades. Nos arredores do viaduto fica a escola Matheus Mayslak X, fazendo com que nos horários de entrada e saída dos alunos, seu entorno fique dotado de uma agitação. As crianças se agrupam na lateral da escola, em um espaço onde se configura uma espécie de praça X sob a sombra das árvores. Deste modo, soma-se ao baixio do viaduto um uso e dinamismo que o faz parecer uma marquise. Este espaço sombreado pelo viaduto cria condições, prin- cipalmente nos finais de semana quando a movimentação dos veí- culos diminui, para que um grupo de jovens o utilize como pista de skate X , pelas ruas e calçamento dos baixios. VIADUTO DOS FERROVIÁRIOS 10 11 13 12 76 77 Figura 49: Fotomontagem de jovens andando de skate no baixio do viaduto em um final de semana. Fonte: Acervo do autor. Figura 48: Fotografia da Escola Mateus Mayslak e o Viaduto. Enquanto esperam o horário de entrada na escola, as crianças brincam sob a sombra das árvores e do viaduto. Fonte: Acervo do autor. 11 12 78 79 Figura 50: Fotografia de uma das pausas durante o dia do Sr. Ailton, que deixa seu carrinho de coleta de reciclagens de lado para se sentar na praça improvisada, em frente ao baixio do Viaduto dos Ferroviários. Fonte: Acervo do autor. A espacialidade deste conjunto mostra-se em vários as- pectos como um local acolhedor. Possui sinais de apropriação, de- monstrando interesse por parte dos moradores em ocupá-la, como os mobiliários criados pela população. Nesse sentido, próximo ao baixio, tem-se uma pequena praça criada com bancos de madeira, aparentemente trazidos voluntariamente. Com o decorrer do dia, o espaço transforma-se constantemente. São encontrados diversos públicos, como as crianças que esperam o horário de entrada da escola, jovens andando de skate e conversando durante as tardes, ou simplesmente um espaço para se descansar sob a sombra das árvores, como costuma fazer o Sr. Ailton X , deixando seu carrinho de coleta de reciclagem de lado enquanto permanece por alguns minutos na pequena praça, em uma de suas pausas diárias. De frente para o viaduto existem alguns bares e lanchone- tes, onde os clientes aproveitam estes estreitos corredores entre o viaduto e as edificações para se sentar. Assim, as calçadas são corriqueiramente ocupadas, com mesinhas e cadeiras de barzinhos X , onde os clientes passam as tardes observando o movimento de pessoas subindo e descendo o viaduto, enquanto conversam com seus amigos. 13 13 15 80 81 Figura 52: Fotografia de cotidiano. O fim de tarde de um final de semana em frente ao viaduto. Dois amigos se sentam em frente ao bar, conversando enquanto assistem o transitar das pessoas subindo e descendo o viaduto. Fonte: Acervo do autor. Figura 51: Fotografia do carrinho de reciclagem, “estacionado” ao lado da praça. Fonte: Acervo do autor. 14 15 82 83 Figura 53: Fotografia do espaço do evento. Um grupo de amigos reunidos durante a SKM (Sunday’s Kustom Meeting), expondo suas motoci- cletas numa tarde de domingo. Fonte: Acervo do autor. O local também é conhecido por um evento que aconte- ce mensalmente, o SKM (Sunday’s Kustom Meeting) X . Segun- do Mirian, membro do grupo dos organizadores, o evento teria surgido há aproximadamente 10 anos, primeiramente como um encontro de donos de carros e motos antigas. Após ser questio- nada do motivo da escolha do local para o eventos, ela afirma que todos adoram aquele lugar, pois é um centro com um “ar tipicamente urbano”, ressalta ainda que o espaço possui grande relevância histórica, e se mostra como “um lugar que tinha uma coisa acesa, que foi esquecida com o tempo”. Desde então, o evento foi se transformando a cada mês e, atualmente tem a dinâmica de uma feira-livre cultural. Assim, o evento tornou-se múltiplo: possui pontos de venda de roupas, comidas, doces e bebidas artesanais; reunin- do mensalmente um público muito diverso. Durante o evento, seu espaço é ocupado pelas crianças que admiram as motoci- cletas antigas, pelos grupos de motoqueiros, e pelas famílias do bairro que vão até o local para aproveitar a música ao vivo aos domingos X . 16 18 19 84 85 Figura 55: Fotografia das barraquinhas instaladas para o evento. Durante esse curto período de tempo, o espaço do baixio, até então vazio, recebe as mais variadas opções de produtos para a venda. Fonte: Acervo do autor. Figura 54: Fotografia de um dos músicos da banda “Cartas na Rua”, que estava preparando seus equipamentos antes de dar início às apresen- tações. Nesse dia, o palco foi formado sob o viaduto, usado como abrigo para se protegerem da chuva. Fonte: Página Cartas na Rua (facebook). Editado pelo autor. 17 18 86 87 Figura 56: Imagem panorâmica do espaço da banda. Durante a apresentação, é comum a presença das famílias e crianças do bairro. O som da banda consegue chamar a atenção e atrair o público que está de passagem pelo pontilhão ou pela avenida, como os ciclistas dessa foto. Fonte: Acervo do autor. 19 88 89 Partindo dos estudos sobre as espacialidades intersticiais criadas pelo processo de expansão urbana, um projeto, nômade, inicia-se pela sobreposição das camadas que conduziram tal dinâ- mica: o espaço geográfico, os caminhos dos bandeirantes e tropei- ros, a linha férrea, e dos elementos de infraestrutura rodoviarista. Como resultado, tem-se o que chamamos de cidade transversal17, entrelaçada por diversos fragmentos urbanos e temporalidades passadas e presentes. Nas reentrâncias dessas camadas que cria- ram a cidade, acabam por se revelar seus espaços não prefigurados, livres de ocupação: seus interstícios, locais livres para a ocupação, repletos de imaginários, os quais foram retratados e documentados para nutrir as seguintes proposições projetuais. Cada um desses interstícios está intimamente ligado aos ei- xos que guiaram o processo de formação da cidade, que implicaram em seus respectivos períodos, numa relação diferente de tempo e espaço. Mesmo após o processo de urbanização de Sorocaba, al- guns vestígios de tais camadas ainda podem ser encontrados: pelos trechos ainda não tamponados dos córregos, pelos vazios da linha 17 Após os estudos da cidade desmembrada em camadas e combinada, tal como percebemos cotidianamente, pode-se entender de forma clara a trans- versalidade inerente de um centro urbano, de um espaço físico formado por práticas e tempos distintos. Figura 57: Diagrama das layers de análise urbana e seu entrelaçamento, demonstrando o surgimento dos espaços intersticiais. Fonte: Acervo do autor. 90 91 férrea que corta a cidade, e pelos baixios dos viadutos construídos. Assim, o projeto de intervenção para os espaços intersticiais se or- ganiza a partir desta compilação, transformando esses fragmentos urbanos em núcleos dissipadores, conformando uma trama de um projeto nômade que cruza sinuosamente e dá coesão aos espaços intersticiais. Este projeto procura aflorar e expandir os imaginários dessas espacialidades, em uma intervenção aberta, capaz de se ab- sorver os diversos públicos da cidade, percorrendo as adjacências do leito férreo de Sorocaba. Como tais ensaios partem da relação das espacialidades intersticiais (que não possuem um programa de uso definido), o projeto irá captar justamente essa liberdade pro- porcionada pela sua indeterminação. Portanto, essa intervenção urbana criada a partir de tais fragmentos mostra-se como uma pos- sibilidade de se rearticular as relações urbanas e reinventar as inter- faces de uma cidade em processo de mudança. Assim, o processo que nos leva à gênese de cada uma das intervenções deste projeto procura estabelecer uma arquitetura criada por dialogias18: uma relação entre a linguagem arquitetôni- ca, contexto histórico e objetivo final. Tais relações introduzem uma estética entre forma e conteúdo, que explicita uma preocupação 18 O método dialógico é discutido por SALSEDO et al, 2015: Arquitetura Dia- lógica no Contexto Histórico: o Método. In: PASCHOARELLI, L. C.; SALCEDO, R. F. B. (2015). histórico-social ao se intervir no meio urbano. Nos lançamos assim, em uma intervenção urbana onde cada um dos polos, chamados aqui de “ensaios”, irão de algum modo contribuir para um projeto nômade, e suas tramas de história e imaginários. Assim como observado durante o processo de leitura, de uma cidade criada pelo entrelaçamento de diferentes camadas sobrepostas (da base hidrográfica, caminhos, linha férrea e pon- tilhões) teremos uma intervenção estruturada por quatro ensaios projetuais: o percurso fluído, a trans-praça, os misturadores e a plataforma entre-níveis. Como a preexistência do entorno urbano já apontava a tendência de um eixo central, que cruzaria horizon- talmente a área; o projeto seguirá o mesmo sentido, desenrolando seus interstícios como os nós de um novelo e se esticando pelo es- paço do entre. A centralidade do eixo que conecta esse percurso será a trama criada pelo percurso nômade: o movimento, o encon- tro, o espaço das histórias, da liberdade e do evento. 92 93 Figura 58: Diagrama da localização pontual das intervenções urbanas realizadas, sobre o eixo que simboliza o movimento e coesão do projeto geral, nômade. Fonte: Acervo do autor. percurso fluído trans-praça misturadores plataforma entre-níveis 94 95 O percurso fluído se instala pelas frestas do córrego Supiriri, onde o mesmo foi parcialmente tamponado e enterrado. Nestes finos trajetos entre os lotes, por onde o córrego se mostrava, foi proposta uma passarela metálica que expande o percurso das cal- çadas pelo local que era então negado. A relação da materialidade com o espaço se mostra na ela- boração de uma estrutura que possibilite o caminhar sem o isola- mento visual do córrego, através de grelhas metálicas com elevada permeabilidade visual. Seus diálogos ainda permitem a mesma flui- dez de acontecimentos inusitados: a vegetação ainda poderá brotar pelos espaçamentos laterais; no leito do córrego, continuariam as- criações das galinhas, vistas nas visitas de campo. Nas laterais cegas das residências, onde eram frequentes os sinais de intervenções com grafites, podem se expandir livremente pelo percurso. Nos locais de conexão entre as três quadras por onde pas- sam as passarelas, foi proposto uma pintura azul, demarcando nas ruas o trajeto do córrego. A mesma pintura se expande, conectando as próximas etapas do projeto. 1.percurso fluído Figura 59: Ilustração da passarela que transita sobre o curso do córrego, percorrendo o miolo das quadras. Fonte: Acervo do autor. 96 97 Figura 60: Mapa do percurso de passarelas passando pelos miolos de quadra. Suas interconexões foram propostas pela pintura do pavimento das ruas, em uma tentativa de se trazer a memória dos rios para a cidade. Fonte: Acervo do autor. Figura 61: Corte transversal da estrutura metálica, onde o percurso se aloja no espaço intersticial. Para não se anular as atividades que ocorriam no local, o percurso precisaria passar próximo às paredes cegas. Assim, foi necessário uma fundação cen- tral, em concreto, para não se interferir nas edificações existentes. Esse distanciamento também mostra-se necessário para os possíveis extravasamentos da vegetação, que cresce em alguns pontos do córrego, tornando-se assim parte da paisagem do percurso. Fonte: Acervo do autor. Figura 63: Diagrama de isometria explodida do detalhamento dos elementos construtivos da passarela. Neste esquema, pode-se perceber o detalhe da superfície por onde os pedestres irão caminhar (grade eletrofundida) permitindo um contado visual com o córrego. Fonte: Acervo do autor. A A B B Figura 62: Corte longitudinal de um trecho do quarteirão e da rua, demonstrando o ponto por onde o córrego é tamponado. Na ilustração, é retratado o imaginário do percurso como um extenso painel por onde os grafites poderiam ser realizados. Fonte: Acervo do autor. corte BB corte AA 98 99 O percurso segue em direção ao eixo central, se erguedo na Praça da Bandeira com o mesmo sistema estrutural através de um jogo de rampas, até ter uma altura suficiente para cruzar a avenida. Neste eixo, as rampas descem paralelas à linha férrea (figura 64). A trans-praça é o elemento de coesão nestes espaços. Se apropria da linha férrea e dos percursos criados neste eixo para a sua estruturação. Seu funcionamento se dá por um sistema estru- tural metálico que remete em partes à leveza e modulação dos an- daimes. Para se criar um percurso plano que une os trilhos e seu espaço livre lateral, sua base é criada por estacas metálicas com um mecanismo de rosca para a regulação de altura, como as sapatas de andaimes. Os planos são encaixados em suas arestas, podendo ser modulados conforme o desejo do usuário. A sua variação, trans, se mostra nas possibilidades de mo- dulação entre percurso e praça (fixo e móvel).Possui duas possibili- dades de modulação: em uma, cria-se um nível de bancos quando sobreposto ao caminho; na segunda, quando posicionado nos tri- lhos do trem, torna-se dinâmico, deslizante pelos encaixes com ro- lamento. Assim a praça torna-se móvel, cambiante, se expandindo com esses elementos e retomando o movimento do rítmo do dos trilhos. 2.trans-praça Figura 64: Ilustração do percurso por passarelas sobre a linha férrea. No chão, um módulo desprendido do percurso que tangencia a linha férrea é usado como mobiliário. Fonte: Acervo do autor. 100 101 Figura 65: Mapa do sistema de passarelas que tem início ganhando altura no espaço da praça, passando entre as árvores exis- tentes, em direção ao eixo central da linha férrea. Ao atravessar a Avenida Dr. Afonso Vergueiro, chegando no vazio central, a estrutura desce até tocar o solo novamente, tornando-se um percurso ao lado da linha férrea (figura 67). Fonte: Acervo do autor. Figura 66: Elevação humanizada da estrutura das passarelas e suas transições, até tornar-se o percurso em solo. Fonte: Acervo do autor. Figura 67: Isometria dos módulos que compõem o percurso ao lado dos trilhos do trem, com detalhamento do módulo que se solta do caminho e pode ser instalado nos trilhos do trem. Suas rodas de rolamento fazem com que o módulo torne-se deslizante sobre a infraestrutu- ra subutilizada dos trens. Fonte: Acervo do autor. Figura 68: Esquema isométrico do módulo dos apoios das passarelas. Nestes, como trata-se de um espaço de grande circu- lação de pessoas, encontros e uma vista privilegiada, foram propostos mobiliári- os nestes “nós”, para se possibilitar a permanência dos transeuntes. Os ban- cos são compostos por duas superfícies que se desdobram do guarda-corpo em apenas dois movimentos, um em cada sentido, criando um mobiliário que se estrutura como uma mão-francesa. Fonte: Acervo do autor. 1º 2º rodas de rolamento encaixe para superficies metálicas regularização do solo: sapata de andaime 102 103 3.misturadores O objetivo dos misturadores é o reestabelecimento de relações espaciais fragmentadas pelas obras de infraestrutu- ra urbana, como as transposições entre os lados da avenida e planos do viaduto e o chão. Essas conexões tem o intuito de se propiciar um espaço do encontro entre as pessoas. Com es- ses novos caminhos transversais, misturam-se assim diferentes públicos, percursos e histórias. Possui duas variações de implantação: na primeira, o patamar é tido como elemento primordial, almejando-se o es- paço livre, de permanência, ocupável até mesmo por vendedo- res ambulantes. Sua segunda implantação ocorre em locais pe- quenos, como o canteiro em frente à estação de ônibus Santo Antônio. Nestes, como não há um jogo de rampas o conectan- do ao chão, o espaço central pode ser utilizado para a inserção de uma plataforma elevatória. Figura 69: Ilustração de um dos “misturadores”, elementos estruturais de transposição, em frente ao Terminal de ônibus Santo Antônio. Fonte: Acervo do autor. 104 105 Figura 70: Planta do contexto do Viaduto Janio Quadros, que recebeu a instalação de dois módulos dos “misturadores” para a sua transposição, em ambos os lados da linha férrea, facilitando o acesso das pessoas até o Terminal de ônibus. Fonte: Acervo do autor. Figura 71: Elevação humanizada de um módulo dos misturadores. Fonte: Acervo do autor. Figura 72: Esquema isométrico ilustrando as duas possibilidades de implan- tação. Na primeira, o patamar livre é tido como elemento pref- erencial, criando novos espaços livres. Na segunda opção, parte do patamar cede espaço para a inserção do núcleo da platafor- ma elevatória, sendo assim uma solução para a acessibilidade dos espaços onde não existem acessos por rampas. Fonte: Acervo do autor. 106 107 4.plataforma entre-níveis O conjunto de ramificações do projeto geral percorre o con- texto até encontrar o Viaduto dos Ferroviários. Neste local, a arqui- tetura do percurso entremeia-se ao desejo dos usuários do espaço, resultando na construção de uma estrutura-suporte, aberta e livre para as apropriações já existentes: a praça entre-níveis. A plataforma elevada cria uma cota intermediária entre o viaduto e o chão, possibilitando o ingresso naquele espaço dos tri- lhos para a expansão dos imaginários e eventos contidos em seu entorno. Fazendo assim, com que a arquitetura proposta recrie de maneira lúdica o espaço intersticial. Um jogo de passarelas parte do antigo espaço sombreado lateral à escola, convidando o acesso até a plataforma. O dinamismo da área foi traduzido pelos níveis propostos, criando diferentes pontos de acesso para a conexão dos três níveis, e, consequentemente mais encontros. As transposições ocorrem de maneira mais rápida pela instalação de um dos mistu- radores, que foi associado a um escorregador espiral para de criar a conexão dos níveis de uma maneira mais recreativa e para os jovens. Figura 73: Ilustração da praça entre-níveis, instalada entre o pontilhão e o chão. Fonte: Acervo do autor. 108 109 Figura 74: Planta do contexto do viaduto dos ferroviários e a estrutura-suporte. As rampas de acesso para a praça partem do percurso paralelo à linha férrea e dos caminhos em torno do antigo espaço já apropriado pelas pessoas. O ter- ceiro ponto de acesso se dá por uma escadaria que se liga à calçada da Avenida Dr. Afonso Vergueiro. Um quarto ponto de acesso ocorre por um dos misturadores, que cria a transversalidade entre as cotas do projeto. Fonte: Acervo do autor. Figura 75: Elevação humanizada do conjunto do projeto. Fonte: Acervo do autor. Figura 76: Esquema isométrico do contexto da intervenção, onde a concomitância e pluralidade das atividades foi tida como elemento fundamental no momento de se criar seu desenho. Ao mesmo tempo que uma banda pode se apresentar nessa espécie de palco criado, os módulos do percurso pelos trilhos podem se soltar, percorrendo a praça por baixo, e serem usados como mobiliários para as pessoas do local, ou simplesmente dissiparem-se pelo eixo central. O espaço é livre, e assim deverá se reconfigurar. Fonte: Acervo do autor. 110 111 112 113 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Parte da essência desse projeto se dá pela tríade desloca- mento, intersticialidade e transversalidade. A correlação desses três embasamentos mostrou-se como uma oportunidade de repen- sar a cidade nos dias atuais. Buscou-se nesses ensaios, transformar o simples deslocamento corriqueiro e automatizado em uma expe- riência transversal através dos espaços livres: os interstícios urba- nos. Assim, enquanto afloram os significados contidos (e ocultos) nas frestas dessa cidade nômade, multiplicam-se as relações inter- pessoais e entre as pessoas e o meio, alcançando deste modo uma cidade mais plural e próxima de seus habitantes. O projeto surgiu movido pelas oportunidades contidas nos interstícios, perpassando por diferentes escalas e proposições pro- jetuais, almejando uma cidade que dialogue com a vida urbana e, que se altere e se reinvente a partir do desejo de seus indivíduos. Desdobrou-se deste modo em projeto nômade, que se insere e se entremeia pelos fragmentos de cidade, criando novas possibilida- des de organização para Sorocaba — afinal, a cidade não é estática e nem deveria ser. 114 115 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOGÉA, M. V. Cidade Errante: Arquitetura em movimento. São Pau- lo. 2006. 250p. Dissertação de Doutorado (Área de concentração: Projeto, espaço e cultura). FAUUSP, São Paulo, 2006. CANÇADO, W. ; MARQUEZ, R. ; CAMPOS, A. ; TEIXEIRA, C. M. [Orga- nizadores]. Espaços Colaterais. Belo Horizonte: ICC, 2008. CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Pau- lo: G. Gili, 2013. DEBORD, G. Teoria da Deriva. Revista Internacional Situacionista. n.2, dez. 1958. CELLI, A. Evolução Urbana de Sorocaba. 2012, 130 p. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: Planejamento Urbano e Regio- nal) – FAUUSP. São Paulo, 2012. CYMBALISTA, R. Lugares de Memória e Consciência em São Paulo. 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