Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Filosofia e Ciências Campus de Marília APARECIDO BORGES DA SILVA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL NO CURRÍCULO MATO-GROSSENSE (1970-1990) Marília-SP 2019 APARECIDO BORGES DA SILVA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL NO CURRÍCULO MATO-GROSSENSE (1970-1990) Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Marília, para a obtenção do título de Doutor em Educação. Linha de Pesquisa: Filosofia e História da Educação no Brasil. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosa Fátima de Souza Chaloba. Marília-SP 2019 S586i Silva, Aparecido Borges da A inserção da História Regional no currículo mato-grossense (1970-1990) / Aparecido Borges da Silva. -- Marília, 2019 206 f. : il. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Rosa Fátima de Souza Chaloba 1. História Regional. 2. Mato Grosso. 3. História das Disciplinas Escolares. 4. História do Currículo. 5. Cultura Escolar. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. APARECIDO BORGES DA SILVA A INSERÇÃO DA HISTÓRIA REGIONAL NO CURRÍCULO MATO- GROSSENSE (1970-1990) Tese para obtenção do título de Doutor em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Marília, na Linha de Pesquisa de Filosofia e História da Educação no Brasil. Banca Examinadora ______________________________________________ Presidenta e Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosa Fátima de Souza Chaloba Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília ______________________________________________ 1°. Examinador: Prof. Dr. Macioniro Celeste Filho Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília ______________________________________________ 2°. Examinador: Prof. Dr. Kazumi Munakata Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Campus de Perdizes ______________________________________________ 3ª. Examinadora: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Figueiredo de Sá Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Cuiabá ______________________________________________ 4ª. Examinadora: Prof.ª Dr.ª Estela Natalina Mantovani Bertoletti Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba Marília-SP 18 de junho de 2019 Aos profissionais da educação básica pública estadual mato-grossense que, no momento em que encerro a escrita desta tese, estão greve, lutando pelo respeito aos direitos duramente conquistados pela categoria e pela garantia de condições dignas de trabalho aos educadores: requisitos fundamentais para a consolidação de uma educação de qualidade para todos. AGRADECIMENTOS Chegar até aqui não foi fácil, por muitas vezes pensei em desistir. Escrever uma tese não é uma tarefa simples. Requer muita disciplina e uma imersão profunda na pesquisa, que geralmente não é compreendida por quem está fora da academia. Ausências, no plural mesmo, talvez seja a palavra que melhor define quem está nesta empreitada para com suas pessoas mais próximas e queridas. Porém, o espaço acadêmico é, também, de muito conhecimento afetivo. Difícil passar por aí e não deixar uma porção de amigos. Acredito que é isso: de tudo o que vivi ao longo deste doutoramento, além de tê-lo concluído, é claro, alegro-me muitíssimo pelos amigos que reconheci nesta difícil caminhada. Por isso, não posso deixar de agradecê-los. À professora Rosa Fátima de Souza Chaloba, minha dedicada orientadora, certamente a principal responsável pela conclusão desta pesquisa. Sempre uma referência como exemplo de profissionalismo. Agradeço pelo incentivo, pela paciência e pela confiança no meu trabalho. Sinto-me honrado e privilegiado por ter convivido com esta competente pesquisadora. Aos membros das bancas do Exame Geral de Qualificação e da Defesa, pela leitura atenta e pelas preciosas observações e contribuições para o desenvolvimento e finalização desta tese: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Figueiredo de Sá, Prof.ª Dr.ª Estela Natalina Mantovani Bertoletti, Prof. Dr. Kazumi Munakata e Prof. Dr. Macioniro Celeste Filho. À professora Elizabeth Figueiredo de Sá, pessoa presente em todo o meu percurso acadêmico, por tornar possível a realização do mestrado e pela disposição em ajudar na realização deste trabalho de doutorado. À professora Elizabeth Madureira Siqueira, pelas sugestões e auxílios no processo da pesquisa. À equipe de técnicos do Instituto Memória da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, pela presteza no fornecimento de parte das fontes utilizadas nesta investigação. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da FFC-Unesp- Marília, pela contribuição ao meu processo de desenvolvimento intelectual. À equipe da Seção Técnica de Pós-Graduação da FFC-Unesp-Marília, que sempre me auxiliou em todos os processos acadêmicos, com presteza e prontidão. Aos amigos unespianos, especialmente Agnes Iara Domingos Moraes, Alexandre Simão, Ana Maria Gonçalves, Carlos Alberto Diniz, Geraldo Sabino Ricardo Filho, Kamila Cristina Evaristo Leite, Noely Costa Dias Garcia, Odaléia Alves da Costa e Reginaldo Anselmo Teixeira, pelo apoio e pelo companheirismo que me permitiram continuar e chegar até aqui. Aos amigos desde os tempos de mestrado na UFMT, Éderson Andrade, Elton Castro Rodrigues dos Santos, Josiane Brolo Rohden, Marijâne Silveira da Silva, Marineide de Oliveira da Silva e Rômulo Pinheiro de Amorim, pela força nos dias difíceis. Há também, outras pessoas e instituições que foram de extrema importância para a conquista deste doutorado. Também os agradeço, mas, desde já, peço desculpas àqueles que, por eventual falha de minha memória, deixaram de ser mencionados. Aos meus pais, Flávio e Maria, pelo amor, dedicação e ensinamentos valiosos ao longo de minha vida. Às minhas irmãs, Daniela e Juliana, pela incansável torcida pelo meu sucesso. À Rosimeire Ribeiro, amiga e companheira, pelas orações e estímulo indispensáveis à conclusão deste trabalho. Ao Leandro Cimitan, amigo certo das horas incertas. Aos amigos do Centro de Educação de Jovens e Adultos “Benedito Santana da Silva Freire”, por todos os esforços para a minha liberação para a qualificação, pelo companheirismo e compromisso para com minha formação docente. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso pelo financiamento parcial desta pesquisa de doutorado. À Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, pela licença parcial para minha qualificação profissional. A todos aqueles que colaboraram para a finalização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos. Em qualquer das hipóteses, o estudo do passado local ou regional pode ser extremamente gratificante para quem procure conhecer-se a si próprio e ao mundo a que pertence. (MATTOSO, 1997, p. 180) SILVA, Aparecido Borges da. A inserção da História Regional no currículo mato-grossense (1970-1990). 2019. 206 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2019. RESUMO A presente pesquisa teve por objetivo analisar o processo de inserção da história regional no currículo escolar do estado de Mato Grosso. O recorte temporal estabelecido para o estudo situa-se entre a década de 1970, quando foram publicadas as primeiras tematizações sobre a necessidade de se instituir uma memória histórica regional em âmbito escolar, especialmente a revista Educação em Mato Grosso, e a década de 1990, quando foram produzidas as normatizações a obrigar o ensino de História Regional, fundamentalmente a Lei Estadual n. 5.573, de 06 de fevereiro de 1990, e as concretizações em livros didáticos de História de Mato Grosso. As principais fontes documentais analisadas foram artigos selecionados na revista Educação em Mato Grosso, legislação educacional, propostas curriculares e livros didáticos. O direcionamento da pesquisa norteou-se pelos pressupostos da História Cultural, tendo como instrumento teórico-metodológico de análise a noção de representação, de Roger Chartier, estabelecendo diálogo com as contribuições teóricas sobre disciplina escolar, de André Chervel e Ivor Goodson, e cultura escolar, de Dominique Julia, para compreender o processo de constituição da História de Mato Grosso em disciplina escolar e sua integração no currículo das escolas mato-grossenses. A pesquisa permitiu constatar que a conformação da memória histórica mato-grossense assumiu fundamental importância nas disputas pelo poder político na região, e mobilizou parte da elite local no desenvolvimento de uma noção de identidade regional que concebia a cidade de Cuiabá como o polo irradiador da cultura mato- grossense ao restante do estado, tendo a escola como o espaço privilegiado de difusão. Palavras-chave: História Regional. Mato Grosso. História das Disciplinas Escolares. História do Currículo. Cultura Escolar. SILVA, Aparecido Borges da. The insertion of Regional History into the Mato Grosso curriculum (1970-1990). 2019. 206 f. Thesis (Doctorate in Education) – Faculty of Philosophy and Sciences, São Paulo State University, Marília, 2019. ABSTRACT The present research had the objective of analyzing the process of insertion of regional history in the school curriculum of the state of Mato Grosso. The time cut established for the research is between the 1970s, when the first thematizations on the need to establish a regional historical memory in school was published, especially the journal Educação em Mato Grosso, and the 1990s, when the norms to compel the teaching of Regional History were produced, fundamentally State Law n. 5,573, dated February 6, 1990, and the accomplishments in textbooks of History of Mato Grosso. The main documentary sources analyzed were articles selected in the journal Educação em Mato Grosso, educational legislation, curricular proposals and textbooks. The orientation of the research was guided by the assumptions of Cultural History, having as theoretical-methodological instrument of analysis the notion of representation, by Roger Chartier, establishing dialogue with the theoretical contributions on school discipline, by André Chervel and Ivor Goodson, and about school culture, by Dominique Julia to understand the process of constitution of the History of Mato Grosso in school discipline and its integration in the curriculum of the schools of Mato Grosso State. The research made it possible to verify that the conformation of the historical memory of Mato Grosso assumed a fundamental importance in the disputes for political power in the region and mobilized part of the local elite in the development of a notion of regional identity that conceived the city of Cuiabá as the radiating pole of the Mato Grosso culture to the rest of the state, with the school as the privileged space for diffusion. Keywords: Regional History. Mato Grosso. History of School Disciplines. Curriculum History. School Culture. SILVA, Aparecido Borges da. La inserción de la Historia Regional en el currículo de Mato Grosso (1970-1990). 2019. 206 f. Tesis (Doctorado en Educación) – Facultad de Filosofía y Ciencias, Universidad Estatal Paulista, Marília, 2019. RESUMEN Esta investigación tuvo como objetivo analizar el proceso de inserción de la historia regional en el currículo escolar del estado de Mato Grosso. El marco de tiempo establecido para la investigación es desde la década de 1970, cuando se publicaron las primeras tematizaciones sobre la necesidad de instituir una memoria histórica regional en el entorno escolar, especialmente la revista Educação em Mato Grosso, y la década de 1990, cuando se produjeron las normas para obligar a la enseñanza de la Historia Regional, fundamentalmente la Ley del Estado n. 5.573, del 6 de febrero de 1990, y los logros en los libros de texto de Historia de Mato Grosso. Las principales fuentes documentales analizadas fueron: artículos seleccionados de la revista Educação em Mato Grosso, legislación educativa, propuestas curriculares y libros de texto. La investigación se guió por los supuestos de Historia Cultural, teniendo como instrumento de análisis teórico-metodológico la noción de representación de Roger Chartier, estableciendo un diálogo con las contribuciones teóricas sobre disciplina escolar, de André Chervel y Ivor Goodson, y cultura escolar, por Dominique Julia, para comprender el proceso de constitución de la historia de Mato Grosso en la disciplina escolar y su integración en el currículo de las escuelas de Mato Grosso. La investigación mostró que la conformación de la memoria histórica de Mato Grosso adquirió una importancia fundamental en las disputas por el poder político en la región y movilizó a parte de la élite local en el desarrollo de una noción de identidad regional que concibió a la ciudad de Cuiabá como el polo radiante de la cultura de Mato Grosso al resto del estado, teniendo a la escuela como el espacio privilegiado de difusión. Palabras clave: Historia Regional. Mato Grosso. Historia de las disciplinas escolares. Historia del currículo. Cultura escolar. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização do estado de Mato Grosso no Brasil e na América do Sul .......... 20 Figura 2 – Rodovias Federais implantadas no estado de Mato Grosso, década de 1970 .. 50 Figura 3 – Capa do primeiro número da Revista Educação em Mato Grosso (1978) ...... 76 Figura 4 – Capa da Proposta Curricular do Ensino de 1º e 2º Graus (1993) ................... 121 Figura 5 – Capa de Um estudo sobre a História de Mato Grosso (1982) ......................... 133 Figura 6 – Capa de História de Mato Grosso (1985) ........................................................ 140 Figura 7 – Capa de O processo histórico de Mato Grosso (1990) .................................... 150 Figura 8 – Capa de Revivendo Mato Grosso (1997) ......................................................... 159 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Municípios que formam o território da Baixada Cuiabana e ano de criação . 19 Quadro 2 – Interventores de Mato Grosso ........................................................................ 38 Quadro 3 – Governadores de Mato Grosso ....................................................................... 44 Quadro 4 – Programas de Desenvolvimento Regional ..................................................... 47 Quadro 5 – Legislação sobre o ensino de História de Mato Grosso ................................. 102 Quadro 6 – Histórico da elaboração da Proposta da Curricular de Mato Grosso ............. 120 Quadro 7 – Grade Curricular para 2º Grau, em 1991 ........................................................ 125 Quadro 8 – Livros didáticos produzidos por sócios do IHGMT ....................................... 128 Quadro 9 – Unidades temáticas e seus conteúdos de ensino ............................................ 151 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – População de Mato Grosso nos Censos Demográficos – 1960/2010 ................ 25 Tabela 2 – População de Cuiabá nos Censos Demográficos – 1950/2000 .......................... 53 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALMT Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso AML Academia Mato-grossense de Letras APMT Arquivo Público do Estado de Mato Grosso CEE-MT Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso CTG Centro de Tradições Gaúchas DOMT Diário Oficial do Estado de Mato Grosso DTC Departamento de Terras e Colonização ETF-MT Escola Técnica Federal de Mato Grosso FBC Fundação Brasil Central IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGMT Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso MACP Museu de Arte e Cultura Popular NDIHR Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional PIN Programa de Integração Nacional PTDRS Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável SEC-MT Secretaria de Educação e Cultura do estado de Mato Grosso SEDUC-MT Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso SUDECO Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia UEMS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMT Universidade Estadual de Mato Grosso UFGD Universidade Federal da Grande Dourados UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFMT Universidade Federal de Mato Grosso UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso SUMÁRIO Introdução ......................................................................................................................... 17 1 “Oásis” brasileiro: o novo Mato Grosso ...................................................................... 33 1.1 A colonização recente no estado de Mato Grosso .................................................... 34 1.2 Cuiabá, o epicentro de um estado em transformação ................................................ 52 1.3 Chapas-e-cruz e paus-rodado: um choque cultural .................................................. 59 2 Nossas raízes culturais, nossas tradições mais puras: o regionalismo mato- grossense em pauta ........................................................................................................ 68 2.1 História Regional e regionalismo: algumas considerações ...................................... 69 2.2 Revista Educação em Mato Grosso: enfoques regionalistas ..................................... 74 2.2.1 Mato Grosso: o ensino que deve ser intensificado .............................................. 81 2.3 A Universidade em defesa da História Regional ....................................................... 85 3 A História Regional: das leis aos conteúdos de ensino ............................................... 92 3.1 História do currículo e das disciplinas escolares: algumas considerações ................ 93 3.2 Antecedentes legais ao ensino da História Regional ................................................. 100 3.3 Mato Grosso no currículo escolar: a criação da Lei Estadual n. 5.573/1990 ............ 113 3.4 A História Regional nas propostas curriculares ........................................................ 119 3.5 Livros didáticos de História Regional: estabilidade e mudança ................................ 126 3.5.1 Um estudo de História de Mato Grosso, de Octayde Silva ................................. 132 3.5.2 História de Mato Grosso, de Lenine Póvoas ....................................................... 139 3.5.3 O processo histórico de Mato Grosso, de Elizabeth Siqueira, Lourença Costa e Cathia Carvalho ............................................................................................................ 148 3.5.4 Revivendo Mato Grosso, de Elizabeth Siqueira ................................................... 158 Considerações finais ......................................................................................................... 166 Referências ........................................................................................................................ 172 Fontes ................................................................................................................................. 182 Anexo A: Projeto de Lei n. 26/1983 .................................................................................. 187 Anexo B: Projeto de Lei n. 141/1983 ................................................................................ 189 Anexo C: Projeto de Lei n. 175/1989 ................................................................................ 191 Anexo D: Sugestões de conteúdos de ensino de História da Proposta Curricular de Mato Grosso (1993) ......................................................................................................... 193 Anexo E: Títulos e autores de livros didáticos de História de Mato Grosso ..................... 195 Anexo F: Folha de rosto e índice do Quadro Chorographico de Matto-Grosso (1906) .. 197 Anexo G: Folha de rosto e sumário de História de Mato Grosso (1967) .......................... 198 Anexo H: Relação dos conteúdos de ensino de Um estudo sobre a História de Mato Grosso (1982) .................................................................................................................. 199 Anexo I: Sumário de História de Mato Grosso (1985) .................................................... 200 Anexo J: Sumário de O processo histórico de Mato Grosso (1990) ................................ 201 Anexo K: Sumário de Revivendo Mato Grosso (1997) .................................................... 202 Anexo L: Projeto de Lei n. 426/2006 ................................................................................ 203 Anexo M: Carta Aberta da Casa Barão de Melgaço .......................................................... 205 17 Introdução É bem Mato Grosso O guaraná ralado O pacu assado Manga madura no quintal É bem Mato Grosso Banho de rio ou cachoeira Pescaria no Teles Pires Araguaia ou Pantanal É bem Mato Grosso Festa de santo Churrasco, pixé, caju É bem Mato Grosso Bombo, viola de cocho Siriri e Cururu É bem Mato Grosso Belas igrejas Casarões coloniais Festas de rodeio Praias, festivais É bem Mato Grosso Grandes rebanhos Plantações fenomenais Um povo hospitaleiro Como não se viu jamais É bem Mato Grosso O sol mais quente que há Aquela bem geladinha A morena e a loirinha Que faz a gente suspirar É bem Mato Grosso Um bailão de rasqueado Ninguém fica parado Até o dia clarear (É bem Mato Grosso, Pescuma e Ulisses Serotini) A poesia de Pescuma1 e Ulisses Serotini2 (cantada pelo trio de rasqueado cuiabano3 Pescuma, Henrique & Claudinho) tornou-se uma espécie de hino informal de Mato Grosso. 1 Benedito Donizete de Moraes, o Pescuma, nasceu em São Luiz de Paraitinga (SP), em 1959. É jornalista, cantor, compositor e apresentador do programa É Bem Mato Grosso, na TV Centro América, sediada em Cuiabá. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/tvcentroamerica/noticia/2013/04/conheca-mais-sobre-pescuma- apresentador-do-e-bem-mato-grosso.html. Acesso em: 18 jun. 2019. 2 Ulisses Serotini nasceu em São Paulo (SP), em 1964. É jornalista, gerente-geral da Rádio Centro América FM e diretor de comunicação corporativa da Rede Mato-Grossense de Comunicação, afiliada à Rede Globo, que está 18 Com versos que remetem aos elementos da natureza e da sociedade mato-grossense, assume aspecto ufanista que sintetiza as qualidades das paisagens, tradições e costumes regionais. É trilha sonora obrigatória em diversas ocasiões solenes, muitas vezes apresentada logo após o Hino Oficial do Estado de Mato Grosso. Em 2007, a composição passou a ser veiculada diariamente na TV Centro América, sendo exibida durante os intervalos da programação e, desde 2012, tornou-se tema de abertura de programa televisivo homônimo. O programa de televisão É bem Mato Grosso, enquanto uma proposta privada com intuito de mostrar aos telespectadores as riquezas e belezas naturais, as crenças, o folclore e as artes mato-grossenses (pinturas, músicas, danças típicas, culinária etc.),4 considerados elementos simbólicos da identidade cultural do estado, foi precedido por um conjunto de iniciativas de preservação da cultura popular mato-grossense, que serão apresentadas mais adiante neste trabalho. Chapa-e-cruz, pau-rodado, pau-fincado são expressões usadas para designar, respectivamente, os nativos de Cuiabá e municípios circunvizinhos (Baixada Cuiabana), os migrantes recém-chegados e os migrantes mais antigos e conhecedores das tradições cuiabanas, que se impõem como “verdadeira” cultura mato-grossense. Apesar de surgirem em épocas diferente, há mais de trinta anos estas “categorias antropológicas”, de identificação e diferenciação, fazem parte do imaginário mato-grossense, em geral, e do cuiabano, em particular. Portanto, como não haveria de procurar meu lugar neste mundo tão distinto das minhas origens? O quadro a seguir apresenta os treze municípios que formam o território da Baixada Cuiabana e ano de criação, bem como a distância em quilômetros de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. dividida em duas emissoras de televisão: a TV Centro América, em Mato Grosso, e TV Morena, em Mato Grosso do Sul. Disponível em: http://www.cafm.com.br/easy99-1fm/comunicadores/exibir.asp?id=31. Acesso em: 18 jun. 2019. 3 É um ritmo musical, criado pelos ribeirinhos do rio Cuiabá, com influência de ritmos platinos, executado com instrumentos como a viola de cocho, o mocho e o ganzá. Sobre o rasqueado cuiabano e sua importância como símbolo da identidade cuiabana, Cf. ARIANO (2002). 4 Cf. É Bem Mato Grosso. Disponível em: http://gshow.globo.com/TV-Centro-America/E-Bem- MT/noticia/2015/03/saiba-mais-sobre-o-e-bem-mato-grosso-um-programa-que-mostra-diversidade-do-nosso- estado.html. Acesso em: 18 jun. 2019. 19 Quadro 1 – Municípios que formam o território da Baixada Cuiabana e ano de criação Município Ano de Criação Distância para Cuiabá (km) Acorizal 1953 58,7 Barão do Melgaço 1953 128,7 Chapada dos Guimarães 1953 62,8 Cuiabá 1719 - Jangada 1989 72,6 Nobres 1963 142,0 Nossa Senhora do Livramento 1883 32,3 Nova Brasilândia 1979 194,6 Planalto da Serra 1993 253,8 Poconé 1831 94,8 Rosário Oeste 1833 124,0 Santo Antônio do Leverger 1899 34,0 Várzea Grande 1948 7,0 Fonte: BRASIL, 2006, p. 10 Eu, apenas um rapaz caipira5 sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior do Paraná6, ao chegar ao estado de Mato Grosso (Figura 1), em meados de 2004, assumia minha condição de pau-rodado. Uma dupla condição, aliás, pois, naquele momento, não me identifiquei com a tradicional cultura mato-grossense da Baixada Cuiabana e, muito menos, com a nova cultura mato-grossense, do migrante, com forte influência gaúcha. Talvez, por isso, logo que cheguei, uma professora da escola em que eu lecionava me disse: “Então, você é do Paraná do café, não do Paraná do chimarrão!”. Ambos, eu e outro, não nos reconhecemos como pertencentes à mesma identidade cultural. Realmente, não sou do Paraná do chimarrão. O estado do Paraná também tem suas subdivisões culturais: o Tradicional (primeiros povoadores), o Sudoeste (gaúcha) e o Norte (paulista/mineira), sendo o Norte, ainda, subdividido de acordo com a época de colonização: o Velho (segunda metade do século XIX), o Novo (a partir da década de 1930) e o Novíssimo (a partir da década de 1950)7. Sou do Norte Velho, Norte Pioneiro, região colonizada por mineiros e alguns paulistas. De Minas Gerais ao Paraná, o ramo materno da família chegou na década de 1870 e o ramo paterno, na década de 1950. Resumindo: sou um caipira mineiro nascido no Norte Pioneiro do Paraná, fruto da mistura das três raças que formaram o povo brasileiro de Martius e Varnhagen: o índio, o negro e o português. 5 Conforme definição de Darcy Ribeiro (1995), ao analisar a formação étnica-cultural brasileira, o Brasil Caipira representa a área cultural sob influência histórica do bandeirante paulista: estados de São Paulo e partes de Minas Gerais, Goiás, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro. 6 Parafraseando um trecho da canção Apenas um Rapaz Latino-Americano, composta por Belchior, em 1976. 7 Sobre a formação sócio-histórica do Norte do estado do Paraná, Cf. MUSSALAM (1974); PERARO (1978); TOMAZI (1997). 20 Minha trajetória de vida, porque semelhante à de milhares de outros migrantes (paranaenses, mineiros, paulistas, gaúchos, baianos, maranhenses, pessoas vindas de todos os estados do Brasil)8 que desembarcaram no estado de Mato Grosso, na esperança de um futuro melhor em um espaço novo e desconhecido, se entrança com a minha pesquisa. Compreender o processo de constituição da identidade mato-grossense no contexto do ensino de História, em uma região de intenso fluxo migratório, é tomar consciência do meu lugar social nesta difícil tarefa que é a escrita da história de um espaço geográfico em crise de identidade e onde eu também estou inserido. Figura 1 – Localização do estado de Mato Grosso no Brasil e na América do Sul Fonte: MORENO; HIGA, 2005, p. 09 A história da disciplina escolar História tornou-se objeto de meu interesse por dois motivos: um, porque minha formação inicial é Licenciatura em História, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho-PR9; dois, porque minha atuação 8 Sobre a dinâmica migratória no estado de Mato Grosso, Cf. DAL PAI (2016). 9 Atualmente denomina-se Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Criada pela Lei Estadual n. 15.300, de 28 de setembro de 2006, e autorizada pelo Decreto Estadual n. 3.909, de 1° de dezembro de 2008, resultou da união das faculdades isoladas já existentes no Norte Pioneiro do estado do Paraná, a saber: Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio (FAFICOP), Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho (FAFIJA), Faculdade Estadual de Educação Física de Jacarezinho (FAEFIJA), 21 profissional é como professor de História na Educação Básica, nos Ensinos Fundamental e Médio, da rede pública do estado de Mato Grosso. Mas, fundamentalmente, é no âmbito da Pós-Graduação que meu envolvimento em pesquisas sobre a disciplina escolar História tem suas raízes. Sobre a História de Mato Grosso, meu interesse surgiu como resultado do início da minha carreira no magistério público estadual, em 2004, quando deparei com a necessidade de lecionar conteúdos de História Regional, especialmente aos concluintes do Ensino Médio. Na época, eu, recém-migrado do estado do Paraná, pouquíssimo sabia sobre a História de Mato Grosso, mas a preocupação dos estudantes que estavam dispostos a enfrentar o processo seletivo para preenchimento de vagas nos cursos de graduação (vestibular) das universidades públicas do estado10 tornou imperativo o aprofundamento dos meus conhecimentos sobre a matéria11. Isso porque, em cumprimento à Lei Estadual n. 4.667, de 06 de abril de 1984, um terço das questões sobre História e Geografia em concursos públicos organizados no/pelo estado abordariam a História e a Geografia de Mato Grosso12. Nesse processo de contínua formação para o ensino de História no estado de Mato Grosso, algumas questões tornaram-se permanentes entre as minhas indagações sobre a própria historicidade da disciplina escolar História de Mato Grosso: como se constituiu a disciplina escolar História de Mato Grosso? Quais sujeitos e grupos sociais estavam envolvidos na sua elaboração? Quais as finalidades educacionais de seu ensino? Quais saberes escolares foram registrados nos livros didáticos de História de Mato Grosso e qual grupo social representavam? São as experiências descritas – o professor recém-formado que migrou para o estado de Mato Grosso em busca de um futuro melhor, deparando com uma cultura que não lhe pertencia, em um estado a tentar inculcar na sociedade uma narrativa oficial, mesmo com Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (FUNDINOPI) e Fundação Faculdades Luiz Meneghel (FFALM). Disponível em: https://uenp.edu.br/institucional. Acesso em: 18 jun. 2019. 10 Na época, as únicas Instituições de Ensino Superior públicas no estado de Mato Grosso eram a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). 11 Conforme Paulo Freire (1998, p. 28): “O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê- lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente”. 12 O texto original da Lei Estadual n. 4.667/1984 determina que “1/3 (um terço) das questões de Conhecimentos Gerais e/ou Estudos Sociais [esteja] versando sobre Geografia e História Política e Econômica de Mato Grosso”, porém, como resultado da mudança no currículo nacional proposto pela LDBEN n. 9.394/1996, os conteúdos de Estudos Sociais foram substituídos pelos de História e Geografia. 22 oposição ou aversão13 – que me trouxeram até aqui, à presente pesquisa. Este é o lugar de onde falo, de onde enuncio a minha narrativa sobre a identidade cultural mato-grossense que se pretendeu construir para a apropriação pela juventude em idade escolar. Durante o mestrado, tive a oportunidade de analisar as representações sobre o estado de Mato Grosso presentes nos livros didáticos de História do Brasil utilizados nas escolas mato-grossenses durante a Primeira República Brasileira (1889-1930). Além destes, como contraponto, analisei o primeiro livro didático sobre a História de Mato Grosso, publicado em Cuiabá no ano de 1906, intitulado Quadro Chorographico de Matto-Grosso, de autoria de Estevão de Mendonça, na época professor no tradicional Liceu Cuiabano. A pesquisa permitiu compreender que o primeiro livro didático mato-grossense a retratar a História e Geografia Regional teve a finalidade de construir, por meio de um conjunto de representações positivas sobre o estado de Mato Grosso, uma narrativa que o inserisse no mapa da civilização, afastando do imaginário coletivo qualquer representação negativa sobre a região: terra distante e desconhecida, de gente incivilizada e violenta (SILVA, 2013)14. Nesta pesquisa,15 ampliei a discussão ao investigar a disciplina escolar História de Mato Grosso. Considerando que a escrita da História de Mato Grosso tem sua historicidade, certamente as finalidades de seus conteúdos mudaram ao longo do tempo. Não são as mesmas de um século atrás porque elas são fruto de seu tempo e influenciadas por condições diversas (social, política, cultural); e as narrativas são historicamente determinadas, por isso devem ser objeto de análise do historiador, como afirma Le Goff (1990, p. 19): “Ela [a historicidade] obriga a inserir a história numa perspectiva histórica”. Isto é: “Existe uma historicidade da história. Ela implica no movimento que liga uma prática interpretativa a uma prática social” (CERTEAU, 1982, p. 32). 13 Laville (1999) considera que é uma grande ilusão acreditar que a manipulação dos conteúdos do ensino de História permitirá dirigir as consciências ou as memórias dos membros da nação (ou região), pois não faltam exemplos de que tal proposta está longe de dar certo, como muitos ainda insistem em acreditar. 14 A dissertação de mestrado intitulada Mato Grosso nos Livros Didáticos de História (1889-1930): imaginários e representações, defendida em 2013, foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, campus de Cuiabá, sob orientação do Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá, e está vinculada ao GEM – Grupo de Pesquisa “História da Educação e Memória”, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Elizabeth Figueiredo de Sá. O GEM está em funcionamento desde 1993, cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil – CNPq e certificado pela UFMT. Informações disponíveis em: http://gem.ufmt.br/. Atualmente, esse grupo tem como líder a Prof.ª Dr.ª Elizabeth Figueiredo de Sá e, como vice-líder, a Prof.ª Dr.ª Elizabeth Madureira Siqueira. 15 Esta pesquisa está vinculada ao projeto Ensino Secundário nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro: políticas governamentais e relações de poder (1945-1964), processo n. 304684/2014-7, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e vinculado ao GEPCIE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Instituições Educacionais, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Rosa Fátima de Souza Chaloba e pela Prof.ª Dr.ª Vera Teresa Valdemarin. O GEPCIE está em funcionamento desde 2000, cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil – CNPq e certificado pela UNESP/FCLAr. Informações disponíveis em: https://www.fclar.unesp.br/gepcie. 23 Portanto, a presente pesquisa configurou-se como um estudo sobre a história das disciplinas escolares, compreendidas como um artefato cultural com finalidades educacionais, conjugado com a história do currículo, compreendido como a manifestação de relações de poder e interesse de grupos sociais. Desse modo, para compreender o processo de constituição da História de Mato Grosso em disciplina escolar e sua integração no currículo das escolas mato-grossenses, foram utilizadas as teorizações de Chervel (1990), Goodson (1995; 1997), Julia (2001; 2002), Bittencourt (2003), Souza (2005; 2008), entre outros. O objetivo geral da pesquisa foi analisar o processo de inserção da história regional no currículo escolar do estado de Mato Grosso. Mais especificamente, compreender os conflitos provocados pela migração recente e seus reflexos na educação, identificar os sujeitos e grupos sociais envolvidos nas disputas em torno da constituição da disciplina escolar História de Mato Grosso e, por fim, interpretar as finalidades educacionais presentes no conteúdo dos livros didáticos de História de Mato Grosso. Deste modo, contribuir para a ampliação do conhecimento da história das disciplinas escolares e do currículo no Brasil. A hipótese que conduziu a pesquisa é de que a iniciativa de criação da disciplina de História de Mato Grosso ocorreu como estratégia de alguns representantes da tradicional elite16 cuiabana para imporem uma identidade cultural mato-grossense aos migrantes, especialmente aqueles em idade escolar, que chegavam de diversos estados do Brasil para Mato Grosso. Através das escolas, pretendia-se imprimir na consciência da juventude estudantil uma memória histórica mato-grossense, visto que o processo de colonização recente impulsionou a migração de pessoas com matrizes culturais diversas. Mais tarde, os nativos perceberam que o contato/confronto entre duas culturas distintas provoca transformações em ambas as sociedades e, como resultado, há um processo de hibridização17 entre diferentes identidades culturais. 16 Segundo o sociólogo suíço Giovanni Busino (apud HEINZ, 2006, p. 07), o termo “elite” faz referência à “minoria que dispõe, em uma sociedade determinada, em um dado momento, de privilégios decorrentes de qualidades naturais valorizadas socialmente (por exemplo, a raça, o sangue etc.) ou de qualidades adquiridas (cultura, méritos, aptidões, etc.). O termo pode designar tanto o conjunto, o meio onde se origina a elite (por exemplo, a elite operária, a elite da nação), quanto os indivíduos que a compõem, ou ainda a área na qual se manifesta sua preeminência. Plural, a palavra ‘elites’ qualifica todos aqueles que compõem o grupo minoritário que ocupa a parte superior da hierarquia social e que se arrogam, em virtude de sua origem, de seus méritos, de sua cultura ou de sua riqueza, o direito de dirigir e negociar as questões de interesse da coletividade”. 17 Para Silva (2014, 87-88), o hibridismo – a mistura, a conjunção, o intercurso entre diferentes nacionalidades (ou regionalidades), entre diferentes etnias, entre diferentes raças coloca em xeque aqueles processos que tendem a conceber as identidades como fundamentalmente separadas, divididas, segregadas. O processo de hibridização confunde a suposta pureza e insolubilidade dos grupos que se reúnem sob as diferentes identidades nacionais, raciais ou étnicas. A identidade que se forma por meio do hibridismo não é mais integralmente nenhuma das identidades originais, embora guarde traços delas. Entretanto, a hibridização se dá entre identidades situadas assimetricamente em relação ao poder. Os processos de hibridização nascem de relações conflituosas entre diferentes grupos nacionais (ou regionais), raciais ou étnicos. Eles estão ligados a histórias de ocupação, 24 O recorte temporal estabelecido para a pesquisa situa-se entre a década de 1970, quando foram publicadas as primeiras tematizações sobre a necessidade de se instituir uma memória histórica regional em âmbito escolar, especialmente a revista Educação em Mato Grosso, e a década de 1990, quando foram produzidas as normatizações a obrigar o ensino de História Regional, fundamentalmente a Lei Estadual n. 5.573, de 06 de fevereiro de 1990, e as concretizações em livros didáticos de História de Mato Grosso. Porém, quando necessário, para esclarecer questões pertinentes ao tema, consultei normatizações educacionais antecedentes, leis elaboradas tanto pelo Governo Federal quanto pelo Governo do estado de Mato Grosso18. O corpus documental que concedeu suporte ao desenvolvimento desta tese compreende as seguintes fontes: a) artigos selecionados na revista Educação em Mato Grosso; b) legislação mato-grossense para o ensino de História Regional; c) propostas curriculares para o ensino de História no estado de Mato Grosso; d) livros didáticos de História de Mato Grosso publicados no período delimitado para esta pesquisa. São documentos que foram produzidos no contexto de estímulo ao engajamento da juventude estudantil na defesa das tradições e costumes regionais. A revista Educação em Mato Grosso, que circulou entre 1978 e 1986, foi selecionada por se tratar de um importante periódico publicado pela Secretaria de Educação e Cultura do estado de Mato Grosso (SEC-MT), destinado aos professores da rede pública de ensino mato- grossense e que apresenta diversos artigos sobre a temática da cultura regional. No entanto, a pesquisa ateve-se, especialmente, aos artigos que versavam sobre a temática do ensino de História Regional. A legislação mato-grossense para o ensino de História Regional foi selecionada como fonte por sua importância no processo de instituir e ordenar práticas de preservação da cultura regional em sala de aula. Fonte de inumeráveis temas e questões, explícitos e implícitos, as leis educacionais “expressam projetos políticos e de civilização carregados de colonização e destruição. Trata-se, na maioria dos casos, de uma hibridização forçada. O hibridismo está ligado aos movimentos demográficos que permitem o contato entre diferentes identidades: as diásporas, os deslocamentos nômades, as viagens, os cruzamentos de fronteiras. Esses movimentos podem ser literais, como na diáspora forçada dos povos africanos por meio da escravização, por exemplo, ou podem ser simplesmente metafóricos. “Cruzar fronteiras”, por exemplo, pode significar simplesmente mover-se livremente entre os territórios simbólicos de diferentes identidades. “Cruzar fronteiras” significa não respeitar os sinais que demarcam – “artificialmente” – os limites entre os territórios das diferentes identidades. 18 Utilizo a classificação de fontes documentais proposta por Mortatti (2015, p. 14), a saber: tematizações (livros, teses acadêmicas, artigos, relatos de experiências, memórias orais ou escritas e similares), normatizações (legislação, guias e propostas curriculares e similares) e concretizações (material didático para o aluno e para o professor, textos avulsos e livros de literatura infantil e juvenil, registros de trabalho docente e discente, memórias e similares). 25 sonhos, desejos, direitos, deveres, preconceitos, interesses públicos e privados, enfim trazem em si as contradições presentes na sociedade” (CASTANHA, 2011, p. 317). As propostas curriculares para o ensino de História foram selecionadas por apresentarem os conteúdos e metodologias de ensino considerados significativos para os processos de escolarização no estado de Mato Grosso. Entre 1988 e 1993, período que é abarcado pela delimitação temporal desta tese, a SEC-MT elaborou e publicou um documento que seria implantado de forma centralizada em toda a rede pública de ensino mato-grossense: a Proposta Curricular do Ensino de 1º e 2º Graus. Apresentada às unidades escolares como instrumento para construção de um currículo único para a rede pública de ensino mato- grossense, o documento propôs mudanças significativas nas práticas pedagógicas e metodológicas, isto é, no trabalho dos professores em sala de aula. Os livros didáticos de História de Mato Grosso foram selecionados por se tratarem de objetos culturais que expressam, além das visões de mundo dos seus autores, os projetos políticos do grupo do qual faziam parte. Para a análise, optou-se pelos seguintes livros didáticos: Um estudo de História de Mato Grosso: roteiro para o ensino de 1º e 2º graus (1982), de Octayde Jorge da Silva; História de Mato Grosso (1985), de Lenine de Campos Póvoas; O processo histórico de Mato Grosso (1990), de Elizabeth Madureira Siqueira, Lourença Alves da Costa e Cathia Maria Coelho Carvalho; e Revivendo Mato Grosso (1997), de Elizabeth Madureira Siqueira. A pesquisa insere-se num contexto histórico singular do país, pois, a partir da década de 1970, o Governo Federal implantou projetos de colonização dirigida na Amazônia, promovidos pelo Programa de Integração Nacional (PIN), que introduziram no estado de Mato Grosso grandes levas de migrantes vindos das mais diferentes partes do Brasil. Este fenômeno provocou um acelerado crescimento populacional, como demonstram os censos demográficos realizados pelo IBGE no período de 1960 e 2010, conforme exposto na tabela 1: Tabela 1 – População de Mato Grosso nos Censos Demográficos – 1960/2010 ANO POPULAÇÃO CRESCIMENTO 1960 330.610 - 1970 612.887 85,38% 1980 1.169.812 90,86% 1990 2.022.524 72,89% 2000 2.502.260 23,72% 2010 3.035.122 21,30% Fonte: IBGE, 2011 26 O crescimento populacional alterou profundamente o quadro social do estado e teve como consequência, com o passar dos anos, a ascensão de alguns migrantes, ou descendentes, às posições de mando dentro da política regional, o que despertou forte reação de alguns representantes da tradicional elite mato-grossense. Como parte dessa reação, foi produzido um discurso regionalista e tradicionalista que, como estratégia, manifestou-se na iniciativa de criação da disciplina escolar História de Mato Grosso. Os nativos, temendo perder seu status político para os forasteiros, buscaram reforçar os laços culturais que os uniam dentro de um passado comum e, deste modo, desenvolveram uma noção de identidade regional baseada na imagem de uma “tradição”, porém inventada19, que concebia a cidade de Cuiabá como o polo irradiador da “verdadeira” cultura mato-grossense ao restante do estado. O direcionamento da pesquisa norteou-se pelos pressupostos da História Cultural, tendo como instrumento teórico-metodológico de análise a noção20 de representação de Roger Chartier, a partir da qual foi possível dialogar com o corpus documental (legislação educacional, programas curriculares, livros didáticos, periódicos de relevância para a pesquisa, entre outros) e compreender o processo de constituição da História de Mato Grosso em disciplina escolar e sua integração no currículo das escolas mato-grossenses. A História Cultural, conforme a definição de Chartier (1990, p. 16-17), é um enfoque historiográfico que objetiva “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Deste modo, a interpretação das formas discursivas e imagéticas produzidas por um determinado grupo social é chave para a compreensão do mundo que o cerca. A noção de representação possui um duplo sentido: 1. É um discurso que permite “ver uma coisa ausente”; 2. É a “exibição de uma presença [...] de algo ou de alguém” (CHARTIER, 1990, p. 20). Produz esquemas intelectuais que criam imagens mentais “graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (CHARTIER, 1990, p. 17). 19 Conforme Hobsbawn (2008, p. 09-10), muitas vezes, “tradições” que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são inventadas. Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam a inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Contudo, na medida em que há referência a um passado histórico, as tradições “inventadas” caracterizam-se por estabelecerem com ele uma continuidade bastante artificial. Em poucas palavras, elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória. 20 Segundo Barros (2011, p. 52): As “noções” são “quase conceitos”, mas ainda funcionam como tateamentos na elaboração do conhecimento científico, atuando à maneira de imagens de aproximação de um determinado objeto de conhecimento – imagens que, rigorosamente, ainda não se acham suficientemente delimitadas. Muitas vezes, as noções são resultado de uma descoberta progressiva, de experiências, de investimentos criativos de um ou mais autores que podem ou não ser incorporados regularmente pela comunidade científica. 27 As representações manifestam padrões, normas, instituições, imagens, cerimônias; construção que abriga ordenamento, identificação, legitimação e exclusão. Embora pareça produzir um julgamento universal do real, “são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza” (CHARTIER, 1990, p. 17). Para Chartier (2002, p. 73), “a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade” através das distintas apropriações dos símbolos e das práticas culturais comuns. São as práticas comuns que fazem “reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição”. Por isso, “o conceito de representação foi e é um precioso apoio para que se pudessem assinalar e articular, sem dúvida, [...] as diversas relações que os indivíduos ou os grupos mantêm com o mundo social” (CHARTIER, 2011, p. 20). Nestes termos, a disciplina escolar História Regional de Mato Grosso constituiu-se em discurso rico em representações. As práticas e os símbolos que produziu objetivavam o reconhecimento de uma identidade social, “a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um status, uma categoria social, um poder”. Deste modo, o controle político e cultural que uma fração da tradicional elite mato-grossense exerceu sobre os conteúdos de ensino selecionados para a apropriação pela juventude em idade escolar demonstra “as formas institucionalizadas pelas quais uns ‘representantes’ (indivíduos singulares ou instâncias coletivas) encarnam de maneira visível, ‘presentificam’ a coerência de uma comunidade, a força de uma identidade ou a permanência de um poder” (CHARTIER, 2011, p. 20). Na busca por localizar pesquisas que abarcassem e/ou se aproximassem das questões relacionadas à disciplina escolar de História Regional de Mato Grosso, observei a escassez de estudos sobre o tema. Apesar disso, os textos encontrados contribuíram com as reflexões sobre o objeto de pesquisa, bem como para a localização das fontes documentais. A monografia O ensino de História Regional em escolas secundárias de Rondonópolis, desde a implantação até 2005, de Viviane Rodrigues da Silva, apresentada em 2006 na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus de Rondonópolis, aproxima- se do tema de meu objeto de pesquisa sem, no entanto, tocá-lo. A pesquisa apresenta um estudo sobre o ensino de História Regional nas duas escolas públicas mais antigas daquela cidade no período de 1976 a 2005. Assim, ao observar as práticas pedagógicas aplicadas no ensino de História nas referidas escolas, a pesquisa permitiu compreender o porquê de os 28 estudantes não conhecerem a História de Mato Grosso: apesar de ser matéria obrigatória nos concursos públicos em órgãos estaduais e exames vestibulares organizados no/pelo estado, ela não tem sido trabalhada no Ensino Médio. Os estudos do historiador Ely Bergo de Carvalho sobre as representações de natureza presentes nos livros didáticos de História de Mato Grosso resultaram na produção de três textos que muito contribuíram para minha pesquisa. São eles: Identidade, Natureza e História: a coinvenção das identidades nas lutas por apropriação do mundo natural em Mato Grosso e a produção e divulgação da História Regional, trabalho completo publicado em 2013 nos Anais do XXVII Simpósio Nacional de História (ISBN: 978-85-98711-11-9); Uma História a serviço da destruição? Livros de História e a modernização de Mato Grosso, Brasil, 1964-1992, artigo científico publicado em 2013 na Revista HALAC - Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (ISSN: 2237-2717); e A quem serve a História? Livros de popularização da História de Mato Grosso, Brasil, 1990-2012, artigo científico publicado em 2014 na Revista de Historia Iberoamericana (ISSN: 1989-2616). Nestes textos, Carvalho (2013, 2014) utiliza como principais fontes da pesquisa os livros didáticos de História de Mato Grosso, publicados entre 1964 e 2012. Analisando as fontes pelo viés da História Ambiental e fazendo uso das noções de representação e apropriação de Roger Chartier, o autor apresenta os livros didáticos de História de Mato Grosso como espaços de construção de memória articulados com os projetos de identidades em disputa. Concluiu que, nos livros analisados, a natureza e a maior parte da população mato-grossense foram silenciadas em nome de uma elitista identidade regional, na qual os “mato-grossenses” são heróis que mantêm a civilização em meio à barbárie, justificando um projeto modernizador que implicava a colonização de vastas áreas com a derrubada da floresta e exclusão da população autóctone. Carvalho (2013, 2014) analisou os livros didáticos apenas pela função ideológica e cultural, enquanto transmissor de valores e, em certos casos, de doutrinação das jovens gerações. Deixou de lado sua função referencial, isto é, do livro didático enquanto uma referência para elaboração de currículos ou programas, conforme propõe Alain Choppin (2004, p. 553). Por fim, a tese História e Universidade: a institucionalização do campo histórico na Universidade Estadual de Mato Grosso/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1968- 1990), de Tiago Alinor Hoissa Benfica, defendida em 2016 na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), investigou o surgimento do campo histórico-acadêmico na região sul de Mato Grosso (hoje, atual Mato Grosso do Sul), a partir da implantação dos cursos de 29 História e de Estudos Sociais, no contexto da criação da Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), com sede em Campo Grande e unidades em Corumbá, Três Lagoas, Dourados e Aquidauana. Utilizando-se de documentos do arquivo institucional da UEMT/UFMS e entrevistas com professores que lecionaram nestas unidades universitárias, sob a perspectiva bourdieusiana, o autor defende que o campo histórico se estruturou para atuar em duas frentes: o da reprodução do campo (formação de profissionais) e o da produção no campo (a pesquisa histórica), atento às suas condições institucionais no campo universitário. Apesar de não abordar o ensino de História Regional no estado de Mato Grosso, a tese teve relevância para minha pesquisa porque apresenta dados sobre a política de formação inicial de professores para a disciplina escolar de História e/ou Estudos Sociais em Mato Grosso no contexto de implantação da Lei Federal n. 5.692/1971 – Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus. Na década de 1970, a Secretaria de Educação do estado desenvolveu projetos de atualização profissional para os professores da rede pública no intuito de adequação das práticas pedagógicas do quadro docente às políticas educacionais elaboradas durante a Ditadura Militar (1964-1985). Deste modo, posso dizer que, se os estudos sobre o ensino de História Regional no estado de Mato Grosso são escassos, uma investigação sobre sua introdução no currículo escolar estadual é inédita. Após a revisão bibliográfica, comecei a pesquisa documental sobre o ensino de História Regional na legislação educacional e nas propostas curriculares produzidas no estado de Mato Grosso, visando a compreender os processos de organização do seu currículo escolar, ora inserido como parte da disciplina de História, ora com a pretensão de assumir o formato de uma disciplina escolar autônoma: “Mapear fontes é, portanto, preparar o terreno para uma crítica empírica vigorosa que constitua novos problemas, novos objetos e novas abordagens” (NUNES; CARVALHO, 1992, p. 14). A primeira etapa da pesquisa consistiu-se em uma busca preliminar no site da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALMT) para localizar as leis que versavam sobre o ensino de História Regional produzidas no estado de Mato Grosso, conforme o recorte temporal delimitado para o estudo, mas o resultado demonstrou que há poucos documentos sobre o assunto. Foi localizada apenas a Lei Estadual n. 5.573/1990, que “dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino das disciplinas de História, Geografia e Literatura de Mato Grosso, nas Escolas de 1º e 2º Graus, públicas ou particulares, que funcionem no Estado”. Nota-se que a referida lei foi aprovada antes da vigência da Lei Federal n. 30 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) –, portanto ainda sob a influência legal das diretrizes educacionais elaboradas durante a Ditadura Militar (1964- 1985). Considerando o contexto educacional nacional no qual a Lei Estadual n. 5.573/1990 estava inserida, recuei à busca de leis do período de vigência da Lei Federal n. 5.692/1971, da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus. Assim, mesmo não abordando o ensino de História Regional, para complementar o corpo documental, localizei a Lei Estadual n. 4.570/1983, que “dispõe sobre a obrigatoriedade da inclusão da literatura mato-grossense, nos currículos plenos, das escolas de 1º e 2º Graus”. Também localizei a Lei Estadual n. 4.667/1984, que estabelece a “obrigatoriedade de que 1/3 (um terço) das questões de Conhecimentos Gerais e/ou Estudos Sociais nos concursos organizados por órgãos governamentais e de economia mista, deve versar sobre Geografia e História Política e Econômica de Mato Grosso”. Ambas são leis que se inserem no processo de constituição de uma memória histórica regional. Após a localização, veio a etapa de recuperar as fontes. Para isso, consultei o acervo documental do Instituto Memória do Poder Legislativo (IMPL), órgão ligado à ALMT. De posse desta legislação, neste arquivo encontrei os projetos de lei, com suas respectivas justificativas, e as atas das sessões ordinárias da ALMT, nas quais os projetos de lei foram apresentados, discutidos e aprovadas após votação. As justificativas dos projetos de lei e as atas das sessões ordinárias são documentos valiosos, pois permitem entender, além do ritual de produção de uma lei, as intencionalidades políticas que motivaram tal proposição. Na segunda etapa da pesquisa, consultei os arquivos institucionais de unidades escolares públicas vinculadas à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC- MT). Era o momento de localizar e recuperar documentos que demonstrassem a inserção da História Regional nos currículos escolares: propostas curriculares, diários de classes, livros didáticos, planos de aulas, entres outros. Encontrar a primeira proposta curricular21 produzida em Mato Grosso não foi fácil. Alguns dos tradicionais acervos documentais de Mato Grosso não receberam exemplares para depositar em seus arquivos. Em Cuiabá, consultei as hemerotecas do Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT), da Biblioteca Central da UFMT, da Casa Barão de Melgaço22 e o arquivo do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso (CEE-MT). Em 21 Até o presente momento, o estado de Mato Grosso produziu quatro propostas curriculares: 1993, 1998, 2010 e 2018. 22 Localizada no Centro Histórico de Cuiabá, a Casa Barão de Melgaço foi, entre 1843 e 1880, moradia do almirante Augusto João Manuel Leverger, o Barão de Melgaço. Atualmente, o prédio abriga as duas mais antigas 31 Sinop-MT, consultei a biblioteca da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), porém foi na Assessoria Pedagógica23, órgão vinculado à SEDUC-MT, que tive acesso aos exemplares da primeira proposta curricular estadual, de 199324. Posteriormente, busquei documentos que permitissem compreender o processo de elaboração de tematizações sobre a constituição de uma memória histórica regional. Na hemeroteca da Biblioteca Central da UFMT, localizei a revista Educação em Mato Grosso, publicação da SEC-MT entre os anos de 1978 a 1986, e que, desde seu lançamento, trazia textos sobre questões pedagógicas variadas (muitos deles produzidos por professores da própria rede pública estadual), inclusive sobre a introdução do ensino de História Regional de Mato Grosso. Nesta Revista, ao que interessa a esta pesquisa, há propostas de atividades, reflexões sobre temas de História e Geografia, bem como particularidades do folclore mato- grossense. No entanto, como a Revista foi publicada enquanto vigorava a Lei Federal n. 5.692/1971, os conteúdos para o ensino de 1º Grau estavam sob a rubrica da disciplina escolar de Estudos Sociais. Ainda na fase de pesquisa empírica, visitei o arquivo da Escola Estadual Professor Nilo Póvoas, em Cuiabá. Nesta consegui recuperar diversos documentos produzidos a partir do ano de 1971, sendo os mais significativos as grades curriculares de 1989 a 2005, algumas acompanhadas dos seus respectivos pareceres. Por fim, pela internet, fiz buscas no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso (DOMT) e nos jornais mato-grossenses disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional com o objetivo de localizar informações pertinentes ao tema investigado. No DOMT, recuperei editais de concursos de livros didáticos regionais (História e Geografia de Mato Grosso) e outros documentos públicos da Secretaria de Educação do estado, por exemplo: editais de concurso público para provimento de cargo de professores com seus respectivos conteúdos programáticos (baseado no currículo da rede estadual de ensino) e bibliografia para consulta. Nos jornais mato-grossenses, recuperei notícias sobre a implantação do Núcleo de Documentação e Informação Histórico Regional (NDIHR), órgão ligado à UFMT, e sobre as disputas encampadas por membros do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT) pela memória histórica regional. e atuantes reservas culturais de Mato Grosso, o Instituto Histórico e Geográfico – instalado em 1919 – e a Academia Mato-grossense de Letras – criada em 1921. 23 Segundo a Portaria n. 059/GS/2002/SEDUC/MT, as finalidades das Assessorias Pedagógicas são coordenar, supervisionar, orientar, controlar e executar atividades da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, nas suas respectivas áreas de jurisdição. 24 Em 1993, foi produzido a primeira proposta curricular do estado de Mato Grosso, que está dividida em três volumes: Proposta Curricular do Ensino de 1º e 2º Graus; Proposta Curricular da Educação Infantil; e, Proposta Curricular do Magistério (Profissionalizante). 32 De posse das fontes documentais reunidas e selecionadas para a produção do texto da tese, ordenei-as conforme a estrutura dos capítulos que serão adiante apresentados. São três capítulos que abarcam, além da contextualização do objeto de estudo, as tematizações, normatizações e concretizações sobre o ensino de História Regional no estado de Mato Grosso. O primeiro capítulo, “Oásis” brasileiro: o novo Mato Grosso, é dedicado à contextualização do tema de pesquisa, apresentando uma síntese da história da colonização recente no estado de Mato Grosso, com enfoque nas consequentes transformações na cultura mato-grossense, bem como os conflitos causados pelo choque entre a cultura dos nativos e a cultura dos migrantes. No segundo capítulo, Nossas raízes culturais, nossas tradições mais puras: o regionalismo mato-grossense em pauta, busca-se apresentar as tematizações para o ensino de História Regional em Mato Grosso: livros, artigos de jornais e revistas, entre outros, que discutem a necessidade de preservar a cultura mato-grossense em sala de aula. A revista Educação em Mato Grosso é abordada em dois momentos distintos: como divulgadora dos símbolos mato-grossenses e como sistematizadora de uma proposta para o ensino de História de Mato Grosso. Adiante, discute-se a importância da Universidade no processo de atualização da historiografia regional mato-grossense, mediante a inserção de novas fontes e novas abordagens, geralmente feitas por historiadores forasteiros25. No terceiro capítulo, A História Regional: das leis aos conteúdos de ensino, enfoca- se a trajetória sócio-histórica da disciplina escolar História de Mato Grosso cotejando a legislação e seu currículo escrito. A partir da análise dos livros didáticos, por meio dos conteúdos de ensino e finalidades educacionais, apresentam-se evidências de padrões de estabilidade e mudança nesta disciplina. Por fim, na conclusão, são tecidas algumas considerações sobre os motivos da não- regulamentação da Lei Estadual n. 5.573/1990 e os protestos que a elite local, representados pela Academia Mato-grossense de Letras (AML) e IHGMT, fizeram/fazem porque não aceitam a paralisia do Governo Estadual sobre o tema. 25 Entende-se por historiadores forasteiros aqueles que nasceram e formaram-se fora do estado de Mato Grosso, porém construíram sua carreira profissional por aqui. Cf. BENFICA (2016). 33 1 “Oásis” brasileiro: o novo Mato Grosso Eu vou para o Oeste Adeus, meu amor O beijo que me deste Levarei para onde for Levo teu beijo comigo Guardado em meu coração Mas ao voltar, hei de te dar Em troca de um beijo, um milhão Teus lindos sonhos de agora Realidade serão Quando eu voltar, para pagar Teu beijo que vale um milhão (Marcha para o Oeste, João de Barro e Alberto Ribeiro) A canção de João de Barro1 e Alberto Ribeiro2, de 1938, permite exemplificar a imagem que o estado de Mato Grosso adquiriu na visão de parte da população brasileira nas últimas décadas. A natureza selvagem, com bichos ferozes e índios hostis, já não amedronta os aventureiros, pois animados estão com a promessa de uma vida mais próspera virar realidade. O Oeste tornou-se sinônimo de riqueza ao alcance de todos, um “oásis” de esperança, onde um milhão de dinheiro na mão recompensaria toda a saudade das pessoas amadas. Durante os dois primeiros séculos de sua formação, o estado de Mato Grosso foi visto pela sociedade do litoral como um lugar longínquo, quase inacessível e perigoso, pois incivilizado, para aqueles que quisessem se “aventurar” a explorá-lo (GALETTI, 2012): um enorme sertão3. Este estereótipo só seria alterado definitivamente na segunda metade do século XX, após a implantação pelo Governo Federal de programas de ocupação e 1 Carlos Alberto Ferreira Braga, o João de Barro ou Braguinha, nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1907. Foi um dos compositores de maior expressão na música popular brasileira. Sua musicografia completa, que inclui versões e músicas compostas para histórias infantis, passa dos 400 títulos. Morreu no Rio de Janeiro (RJ), em 2006. DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/braguinha/dados-artisticos. Acesso em: 18 jun. 2019. 2 Alberto Ribeiro da Vinha nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1902. Foi médico, compositor e cantor. Em parceria com João de Barro, o Braguinha, compôs algumas das mais famosas marchas carnavalescas do Brasil. Morreu no Rio de Janeiro (RJ), em 1971. DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/alberto-ribeiro/dados-artisticos. Acesso em: 18 jun. 2019. 3 Sertão, para as elites governantes do Brasil durante os três primeiros séculos de formação, define os extensos “espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela natureza bruta, e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura” (AMADO, 1995, p. 149). Com o advento do regime republicano brasileiro, tal definição, além de mantida, foi ampliada e aprofundada. 34 colonização dos “vazios geográficos”4 brasileiros. No entanto, assim que o almejado incremento populacional e desenvolvimento econômico surgiam no horizonte, as elites locais, temendo perder o controle político sobre seu território, reativaram os discursos sobre a identidade mato-grossense para, assim, garantir a primazia do mando5 (ZORZATO, 1998). Neste capítulo, dedicado à contextualização do tema de pesquisa, busca-se apresentar uma síntese da história da colonização recente no estado de Mato Grosso, com enfoque nas consequentes transformações na cultura mato-grossense, bem como os conflitos causados pelo choque entre a cultura dos nativos e a cultura dos migrantes. 1.1 Colonização recente no estado de Mato Grosso Para a maioria das pessoas, falar sobre colonização6 recente no Brasil pode causar algum tipo de estranhamento, mas não para quem vive e/ou viveu no estado de Mato Grosso7. Quando se estuda a colonização do território nacional, os livros didáticos de História remetem-nos, geralmente, aos primeiros tempos do Brasil, quando os primeiros portugueses desembarcaram nestas terras. No entanto, quando se focaliza o estado de Mato Grosso, a historiografia nos diz que, nesta porção do território nacional, foram diversos movimentos de colonização, em diversos momentos históricos, sob a responsabilidade dos mais diversos agentes. Nos tempos da Colônia, a partir do século XVIII, tivemos os bandeirantes, com sua ambição por capturar indígenas e/ou encontrar minerais preciosos, formando o primeiro núcleo populacional da região: Cuiabá8. Nos tempos do Império, foi a vez dos herdeiros da 4 A noção de vazio demográfico, segundo Maciel (1998, p. 167), era utilizada para definir os espaços onde havia “ausência de uma população disciplinada, habituada ao trabalho ordenado e regular, com moradia fixa, capaz de tomar em suas mãos a defesa do território contra os interesses dos países vizinhos”. Nesta concepção, as populações indígenas foram consideradas parte do espaço natural, mais um elemento da fauna regional. 5 Para Zorzato (1998, p. 36), a primazia do mando pode ser pensada como o esforço de “os herdeiros, selecionar e apropriar-se de supostos papéis atribuídos a seus antepassados, e, através desta memória, novamente distinguir- se dos demais cidadãos e continuar com o controle”. 6 O conceito de colonização pode ser definido como “um fenômeno de expansão humana pelo planeta, que desenvolve a ocupação e o povoamento de novas regiões”, no qual “colonizar está intimamente associado a cultivar e ocupar uma área nova, instalando nela uma cultura preexistente em outro espaço” (SILVA; SILVA, 2009, p. 67, grifo do original). Geralmente, a colonização apresenta-se como um “processo de ocupação e valorização de áreas disponíveis para o povoamento e exploração econômica [...], um processo indissociável da migração [que] envolve múltiplos condicionantes de natureza econômica e social, e também causas subjetivas, de difícil avaliação” (MORENO, 2005, p. 52-53). 7 Por colonização recente entende-se a colonização efetivada em Mato Grosso a partir do movimento de expansão da fronteira agrícola ocorrido na segunda metade do século XX. 8 Cidade fundada em 8 de abril de 1719, por Paschoal Moreira Cabral. Criado e instalado em 6 de julho de 1726, pelo capitão-general da capitania de São Paulo Rodrigo Cesar de Menezes. A 1º de janeiro de 1727, Cuiabá recebe o foro de vila por determinação do Capitão-General de São Paulo, passando a se chamar Villa do Senhor Bom Jesus do Cuyabá. Em 17 de setembro de 1818, por Carta Régia de D. João VI, a Villa de Cuiabá é elevada à 35 Guerra do Paraguai (1864-1870) que, após o término do conflito, decidiram fixar suas raízes em território mato-grossense9. Mas é nos tempos da República, a partir da década de 1930, com o movimento conhecido como Marcha para o Oeste, que o processo toma outros contornos que conferem singularidade ao movimento de colonização do estado de Mato Grosso. Vale dizer que, até o final do século XIX, o território mato-grossense (formado, até 1943, pelos atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte de Rondônia) estava parcialmente ocupado; os núcleos populacionais mais abundantes localizavam-se nos arredores de Cuiabá, onde se estabeleceram as primeiras povoações de Mato Grosso. E, como aconteceu em outras regiões do Brasil, o processo de ocupação das terras mato-grossenses esteve associado à exploração de algum produto que tivesse aceitação no mercado externo: ouro, diamante, açúcar, pecuária, poaia10, erva-mate11 e borracha12 (PIAIA, 2003). Ainda, é importante considerar que o estado de Mato Grosso há tempos tem sido habitado por populações distintas: indígenas, camponeses posseiros, extrativistas, ribeirinhos, entre outros. Deste modo, o emprego do termo ocupar, e seus derivados, representa um movimento que rejeita as populações nativas desta região. Isso porque a expressão “ocupar”, usada especialmente por agentes do governo e empresas colonizadoras, foi associada, com frequência, ao termo vazio demográfico, visando a atrair pessoas dispostas a desbravar os sertões do Brasil, com a missão de levar a civilização às regiões consideradas desabitadas, quando não habitadas por pessoas apresentadas como vivendo nos limites da barbárie13. categoria de cidade. A partir de 1823, por decisão do imperador D. Pedro I, Cuiabá passou a ser capital da província de Mato Grosso (FERREIRA, 2014). 9 Sobre a migração paraguaia à Província de Mato Grosso, após o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), Cf. PERARO (2000). 10 A poaia (Cephaeles ipecacuanha), nativa na região entre as bacias dos rios Paraguai e Guaporé, “é uma raiz de um pequeno arbusto, rica em emetina [alcaloide], substância que compõe os ingredientes de diversos medicamentos fabricados para a cura da coqueluche, bronquite e até mesmo dissentiria” (SIQUEIRA, 2002, p. 107). 11 A erva-mate (Ilex paraguariensis), nativa na porção central da bacia platina, é uma planta que, a partir da infusão de suas folhas e ramos tostados e moídos, se produz diversos tipos de bebidas de alto valor nutritivo, amplamente consumida pelas populações daquela região (SIQUEIRA; COSTA; CARVALHO, 1990). 12 A borracha é produzida a partir da coagulação do látex que se obtém após a escarificação do tronco da seringueira (Hevea brasiliensis), árvore nativa na região amazônica. Em Mato Grosso, além da borracha do látex da seringueira, foi produzida a borracha do látex da mangabeira (Hancornia speciosa), extraído na porção inicial da bacia do rio Paraguai (SIQUEIRA, 2002). 13 Pesquisadores como Moreno (1999), Guimarães Neto (2002), Joanoni Neto (2007) e Barrozo (2008) tratam o processo de colonização recente do estado de Mato Grosso como um movimento de reocupação do território estadual, pois são críticos à noção de espaços vazios, que desconsidera os habitantes nativos (indígenas, camponeses posseiros, extrativistas, ribeirinhos, entre outros) neste processo. 36 O governo de Getúlio Vargas14 (1930-1945) foi marcado pelo incentivo à urbanização e à industrialização do país, que, no campo da economia, acabou subordinando as atividades agrícolas às necessidades do capital urbano-industrial. Isso, em certa medida, “representou a derrota parcial das oligarquias e do modelo econômico primário-exportador” e a articulação de “um novo projeto econômico para o Brasil, comandado pelas forças políticas da burguesia urbana” (PIAIA, 2003, p. 26). Como resultado, a economia rural brasileira, aos poucos, foi se transformando em fornecedora de produtos primários de origem agropecuária para a economia urbana, bem como consumidora de produtos industrializados e do excedente populacional das regiões mais desenvolvidas. No campo social, o Governo Federal passou a limitar a entrada de imigrantes estrangeiros no país, estabelecendo cotas para cada nacionalidade15. Em substituição à imigração estrangeira, redimensionou os fluxos migratórios do Nordeste para o Centro-Sul do Brasil, especialmente para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Desde que assumiu a presidência da República, “Getúlio Vargas explicitou em seus discursos a preocupação com o Centro-Oeste e a Amazônia, regiões que, na sua concepção, precisavam ser integradas ao Brasil, necessitando para isso de uma política de povoamento e de viabilização da infraestrutura” (BARROZO, 2008, p. 17). Ao final da década de 1930, com a implantação do Estado Novo (1937-1945)16, o Presidente Vargas, por meio de uma série de discursos nacionalistas, “passou a enfatizar a 14 Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja (RS), em 1882. Formou-se bacharel pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1907. Atuou na política gaúcha e nacional, tornando-se, pelo estado do Rio Grande do Sul, Deputado Estadual por dois mandatos (1909-1913 e 1917-1924), Deputado Federal (1924-1926), Governador (1928-1930) e Senador (1946-1951). Ocupou o cargo de Ministro da Fazenda (1926-1927) no governo do Presidente Washington Luís e, anos depois, tornou-se Presidente da República após o movimento revolucionário de 1930. Entre 1937 e 1945 governou o país sob um regime autoritário e centralizador, orientando-se cada vez mais para a intervenção estatal na economia e para o nacionalismo econômico. Em 1950, venceu as eleições e, no ano seguinte, assumiu novamente a presidência da República, porém não concluiu seu mandato. Suicidou-se no Rio de Janeiro (RJ), em 1954 (ABREU, 2001). 15 O governo de Getúlio Vargas (1930-1945) ocorreu concomitante ao desenrolar da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesta época, houve a propagação de teorias eugenistas (de aprimoramento da raça) e higienistas (de saneamento da sociedade) no Brasil. O Governo Federal desenvolveu mecanismos de controle estatal sobre as imigrações, visando a dificultar a entrada de grupos sociais considerados indesejados, com exceção do branco europeu, adotando restrição aos asiáticos e proibição aos africanos: “A queda na entrada de imigrantes passou a servir também de justificativa para a promoção ou imposição de deslocamentos de brasileiros de uma região para outra, servindo aos interesses da exploração econômica do trabalhador ou da simples desocupação e concentração fundiária.” (AGUILAR FILHO, 2011, p. 59-60). As restrições da entrada de estrangeiros no território brasileiro (Lei de Cotas) estão inscritas na Constituição Brasileira de 1934, no parágrafo 6º do artigo 121, e mantidas no artigo 151 da Constituição Brasileira de 1937. 16 O Estado Novo foi um período autoritário da história do Brasil, que durou de 1937 a 1945. Foi instaurado por um golpe de Estado que garantiu a continuidade de Getúlio Vargas à frente do governo central, tendo a apoiá-lo importantes lideranças políticas e militares. O regime do Estado Novo, instaurado pela Constituição Brasileira de 1937, trouxe para a vida política e administrativa brasileira as marcas da centralização e da supressão dos direitos políticos. Foram fechados o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Os governadores que concordaram com golpe do Estado Novo permaneceram no poder, mas os que se opuseram 37 necessidade de ocupação dos ‘vazios demográficos’ do Centro-Oeste e da Amazônia Meridional, integrando-os ao território nacional e tornando-os produtivos para o mercado nacional e internacional” (BARROZO, 2008, p. 18). Portanto, em 1938, lançou a Marcha para o Oeste, um programa que, entre outros objetivos, pretendia “fazer com que as fronteiras econômicas e políticas convergissem e, para isso, era necessário que a nação se constituísse territorialmente num bloco homogêneo” (SIQUEIRA, 2002, p. 229). Entra em jogo, como suporte ideológico, a construção de uma identidade nacional que lança mão da mitologia bandeirante17 como modelo simbólico da tarefa de conquista do Oeste brasileiro. Nas palavras do Presidente Vargas, em discurso lido no Palácio da Guanabara e transmitido pela Rádio Nacional para todo o país nas últimas horas do dia 31 de dezembro de 1937: “O verdadeiro sentido da brasilidade é a Marcha para o Oeste” (VARGAS, 1938, p. 124). Foram instalados “pontos avançados de colonização” dirigidos pelo Governo Federal – que formulou diretrizes, administrativamente centralizadas, inspiradas na ótica nacionalista – com a finalidade de ocupar os “espaços vazios” do Oeste e da Amazônia18, para criar no “novo espaço” a “nova ordem social” (SOUZA, 2004, p. 36). Esperava-se, como isso, provocar o esvaziamento dos centros urbanos com maior densidade demográfica, localizados no litoral brasileiro, remanejando esses contingentes populacionais para o interior do país, especialmente Mato Grosso. foram substituídos por interventores diretamente nomeados por Getúlio Vargas. Os militares tiveram grande importância no novo regime, definindo prioridades e formulando políticas de governo, em particular nos setores estratégicos, como siderurgia e petróleo. Em linhas gerais, o regime propunha a criação das condições consideradas necessárias para a modernização da nação: um Estado forte, centralizador, interventor, agente fundamental da produção e do desenvolvimento econômicos. (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, [s.d.], [n.p.]). 17 Por mitologia bandeirante entende-se um conjunto de representações sobre o bandeirante que o caracteriza como o construtor da nacionalidade através da expansão territorial por ele promovida e como o símbolo do caráter paulista. Cf. ABUD (1986). 18 Em 1943, o Governo Federal promoveu a Batalha da Borracha, transferindo cerca de 50 mil trabalhadores nordestinos, especialmente cearenses, para os seringais da Amazônia. Como parte dos Acordos de Washington, firmados entre os anos de 1943 e 1945, o Brasil forneceria matérias-primas estratégicas aos Estados Unidos, tais como a borracha e alguns minerais, em troca receberia material bélico, financiamento para programas de saneamentos e abastecimento alimentar. Visando a controlar a produção e racionalizar a migração para a Amazônia, foi criada uma série de instituições e organizações, dentre as quais destacam-se o Banco de Crédito da Borracha (BCB), o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) e, mais tarde, a Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA), o Instituto Agronômico do Norte, a Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) e o Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAAPP). Os nordestinos recrutados, chamados de soldados da borracha, pois receberam status de combatentes de guerra, acreditavam na possibilidade de uma vida melhor numa região para a qual se antevia um futuro promissor. No final das contas, estima-se que cerca de vinte mil migrantes morreram nos seringais, mortes provocadas principalmente pela malária e pela fome (GUILLEN, 1997). 38 Os colonos preferidos foram os migrantes da região Sul19 do Brasil, pois possuíam, segundo a visão reformista de [Getúlio] Vargas, uma mentalidade empresarial, europeia e, sobretudo, porque estes migrantes, além da experiência que possuíam no trato com a terra, traziam, quase sempre, um pecúlio que os auxiliaria na organização inicial do empreendimento. (SIQUEIRA; COSTA; CARVALHO, 1990, p. 255). Ao assumir a chefia do Poder Executivo Federal, Getúlio Vargas determinou a extinção dos mandatos eletivos de todos os presidentes dos estados, o fechamento do Congresso Nacional e de todas as Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras municipais. Para substituir os presidentes dos estados, nomeou interventores federais. Em Mato Grosso, até 1937, vários interventores foram nomeados, todos com curtos períodos de administração, conforme exposto no quadro 2: Quadro 2 – Interventores de Mato Grosso INTERVENTOR OCUPAÇÃO NATURALIDADE ANO DE POSSE PERÍODO DE ATUAÇÃO Sebastião Rabello Leite Militar Cuiabá-MT 1930 4 dias Antonino Mena Gonçalves Militar Rosário-RS 1930 5 meses e 21 dias Artur Antunes Maciel Engenheiro Civil Pelotas-RS 1931 1 ano e 52 dias Leônidas Antero de Matos Advogado Cuiabá-MT 1932 2 anos e 180 dias César de Mesquita Serva Diplomata Salvador-BA 1934 2 meses e 24 dias Fenelon Müller Engenheiro Civil Cuiabá-MT 1935 5 meses e 20 dias Newton de Andrade Cavalcanti Militar Palmeira dos Índios- AL 1935 10 dias Mário Corrêa da Costa Médico Cuiabá-MT 1935 1 ano e 182 dias Manuel Ari da Silva Pires Militar Rio de Janeiro-RJ 1937 6 meses e 4 dias Júlio Strübing Müller Professor Cuiabá-MT 1937 8 anos e 47 dias Fonte: CAVALCANTE (2013) Durante o Estado Novo, Mato Grosso esteve sob chefia de Júlio Strübing Müller, interventor federal nomeado pelo Presidente Vargas, em 24 de novembro de 1937. Os projetos de colonização implantados no estado ocorreram durante sua gestão e, então, a parte que 19 Em 1940, o IBGE elaborou uma proposta de divisão regional do Brasil que, além dos aspectos físicos, levasse em consideração os aspectos socioeconômicos. As unidades federadas ficaram agrupadas em cinco grandes regiões, a saber: Norte (Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí e Território do Acre), Nordeste (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte), Leste (Bahia e Espírito Santo), Centro (Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais) e Sul (Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) (BENEDICTO, MARLI, 2017). 39 competia ao Governo Estadual esteve sob sua responsabilidade. Júlio Müller foi o interventor federal que mais tempo permaneceu no poder. Isso pode ser explicado, possivelmente, pelo fato de ele ser irmão de Filinto Müller,20 chefe da Polícia do Distrito Federal e homem de confiança do Presidente Getúlio Vargas. Júlio Müller também era irmão de Fenelon Müller, interventor federal nomeado em 1935. Para implementar a política de integração econômico-territorial, o Governo Federal criou uma série de órgãos públicos (Institutos, Departamentos, Conselhos etc.), que passaram a coordenar e dirigir o funcionamento da economia. Faziam parte desta política, para o sucesso da Marcha para o Oeste, “algumas medidas elementares como pré-requisitos para a ocupação [de Mato Grosso]: construção de estradas, saneamento, educação e transportes” (SOUZA, 2004, p. 35). Desde o início da República, o Governo Federal entendeu que era necessário estimular o povoamento e/ou ocupação territorial na fronteira Oeste do Brasil, especialmente com Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia, pois a Guerra do Paraguai (1864-1870) havia demonstrado a vulnerabilidade dessa região. Diante disso, o poder público esforçou-se em gerar uma corrente migratória para o interior do Brasil, promulgando várias leis com o objetivo de aumentar a população nesta região. Com Getúlio Vargas, a primeira iniciativa nessa direção foi a criação dos núcleos coloniais21, uma reunião de lotes medidos e demarcados pela União, Estados, Municípios e por empresas particulares, destinados a abrigar agricultores em pequenas propriedades rurais. Os núcleos coloniais serviram de base à implantação dos grandes projetos de colonização, as Colônias Agrícolas Nacionais. Por meio do Ministério da Agricultura, foram criadas as Colônias Agrícolas Nacionais22, destinadas a receber e fixar, como proprietários rurais, cidadãos brasileiros reconhecidamente pobres que apresentassem aptidão para os trabalhos agrícolas e, excepcionalmente, agricultores qualificados estrangeiros. Minuciosamente planejadas, as Colônias tiveram sua fundação, instalação e manutenção, bem como a construção e conservação das estradas de acesso, custeadas pela União. Conforme o Decreto-lei n. 20 Filinto Müller nasceu em Cuiabá (MT), em 1900. Militar, formou-se pela Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro (RJ), em 1922. Quando Chefe da Polícia do Distrito Federal (1933-1942), ganhou repercussão internacional o caso da judia alemã Olga Benário, militante comunista e esposa de Luís Carlos Prestes, que por sua ordem foi deportada para um campo de concentração nazista na Alemanha, onde foi executada em 1942. Atuou na política mato-grossense e nacional, tornando-se Senador pelo estado do Mato Grosso (1947-1951 e 1955-1973). Em 1950, disputou a eleição para o governo de Mato Grosso, mas foi derrotado. Morreu em Paris (França), em 1973 (ABREU, 2001). 21 Decreto-lei Federal nº 2.009, de 09 de fevereiro de 1940. 22 Decreto-lei Federal n. 3.059, de 14 de fevereiro de 1941. 40 3.059/1941, nas Colônias seriam mantidas escolas primárias para alfabetização de todas as crianças em idade escolar. Ao todo, entre 1941 e 1944, foram criadas sete Colônias Agrícolas Nacionais, sendo uma delas instalada no estado de Mato Grosso. Segundo Lenharo (1986, p. 50), “as colônias agrícolas nacionais funcionariam como viveiros de trabalhadores disciplinados e produtivos”. Para garantir a ordem, foi implantado um rígido controle disciplinar sobre os trabalhadores, que poderiam perder sua terra se “por sua má conduta tornar-se elemento de perturbação para a Colônia”. Nas Colônias Agrícolas Nacionais “o pé descalço, a camisa fora da calça, cachimbo de barro, o aguardentismo, o jogo, foram coisas banidas” (LENHARO, 1986, p. 50). Em Mato Grosso, foi criada a Colônia Agrícola Nacional de Dourados23, “que atraiu milhares de migrantes pobres oriundos de Minas Gerais, do interior de São Paulo e principalmente dos estados do Nordeste, predominando entre eles os baianos” (BARROZO, 2008, p. 18). Apesar de implantada depois, em 1948, era um “projeto [que] tinha como meta a expansão da pequena propriedade, como forma de diversificação da produção nacional, a partir do desenvolvimento da indústria nacional” (MORENO, 1999, p. 75). Vale dizer que, na época, suas terras foram demarcadas em região desmembrada do estado de Mato Grosso, o Território Federal de Ponta Porã: o objetivo do Presidente Vargas era atrair migrantes sulistas e nordestinos, que se dedicariam à pecuária e agricultura, no recém-criado Território Federal (SIQUEIRA, 2002, p. 231). A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942, motivou o Governo Federal, visando ao “fortalecimento de seus domínios nas áreas de fronteira” (MORENO, 1999, p. 75), a desmembrar seis territórios em regiões estratégicas para administrá-los diretamente. Destes, dois foram instalados no estado de Mato Grosso: o Território Federal de Guaporé24, na fronteira norte, atual estado do Rondônia, e o Território Federal de Ponta Porã25, na fronteira sul, atual estado de Mato Grosso do Sul, nas terras outrora controladas pela Companhia Mate Laranjeira26. 23 Decreto-lei Federal n. 5.941, de 28 de outubro de 1943. 24 O Congresso Nacional, em homenagem ao mato-grossense Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, pela Lei Federal n. 2731, de 17 de fevereiro de 1956, mudou a denominação do Território Federal do Guaporé para Território Federal de Rondônia. Anos depois, pela Lei Complementar Federal n. 41, de 22 de dezembro de 1981, este Território Federal foi elevado a condição de estado de Rondônia. 25 A Constituição Brasileira de 1946, promulgada em 18 de setembro do corrente ano, extinguiu o Território Federal de Ponta Porã, reincorporando-o ao estado de Mato Grosso. 26 A Companhia Mate Laranjeira, criada por Tomás Laranjeira, em 1891, foi uma empresa brasileira que monopolizou a extração da erva-mate na região Sul de Mato Grosso (fronteira entre Brasil e Paraguai) para exportação, especialmente, para a Argentina. Era detentora de extraordinária riqueza (possuía seus próprios portos fluviais, estradas de terra, ferrovias e instalações para construção e reparo de veículos e embarcações, além de ter fundado as cidades de Porto Murtinho-MS e Guaíra-PR), resultado dos lucros obtidos com as 41 Em seus discursos oficiais, transmitidos pelas ondas do rádio, o Presidente Vargas promoveu intensa propaganda27 sobre a Marcha para o Oeste, as Colônias Agrícolas Nacionais, bem como sobre a Expedição Roncador-Xingu28, que foi criada “tendo como objetivo principal conhecer e desbravar as áreas que aparecem em branco nos mapas” (SOUZA, 2004, p. 42). A Expedição, partindo de Uberlândia (Minas Gerais) em direção à Serra do Roncador e, logo depois, à região do Alto Xingu, ambos no estado de Mato Grosso, na concepção do Governo Federal, provocariam “um novo movimento colonizador que, partindo de São Paulo, adentrasse o território mato-grossense e amazônico” (SIQUEIRA, 2002, p. 230). A Expedição, naquele mesmo ano, foi integrada à Fundação Brasil Central.29 A Fundação Brasil Central (FBC) tinha como principal objetivo “a exploração e a colonização de regiões ‘desconhecidas’” (MORENO, 1999, p. 76) e atuou nos terrenos do vale do rio Araguaia e rio Xingu, criando as condições necessárias para instalação de migrantes nesta região. Conduzida pelos Irmãos Villas Bôas, a FBC “passou a operar como uma empresa de civilização; abriu escolas, hospitais, estradas, colaborou na urbanização, ‘defendeu’ o índio das frentes de posseiros e fazendeiros” (LENHARO, 1986, p. 49). Vale dizer que as diversas etnias indígenas que habitavam a região foram vistas como um obstáculo ao projeto de implantação dos núcleos de povoamentos. A solução encontrada foi a demarcação de reservas para o recolhimento dos indígenas sobreviventes do contato com o “homem civilizado” e, assim, liberar as terras restantes para a expansão capitalista30. Como visto, o programa de colonização promovido em Mato Grosso pela Marcha para o Oeste ficou limitado à região sul (Dourados) e à região leste (rio Araguaia). A região imensas concessões públicas para a exploração da erva-mate nativa, e poder político, interferindo, inclusive, nos rumos da política do estado de Mato Grosso. Em 1943, com o objetivo de enfraquecer a empresa e, ainda, impulsionar seu programa de colonização (Marcha para o Oeste), o Presidente Getúlio Vargas cancelou todas as concessões da Companhia, criou os Territórios Federais do Iguaçu e de Ponta Porã e o Serviço de Navegação da Bacia do Prata, que, posteriormente, incorporou todas as instalações portuárias e ferroviárias da Companhia: “a economia ervateira foi especialmente importante [em Mato Grosso] no período entre o final da guerra com o Paraguai (1870) e a década de 1960 [porque] esteve nessa época relacionada a todos os aspectos da vida social nessa região: migrações, costumes, atividades produtivas e comerciais, vias e meios de transporte, práticas políticas e, enfim, as políticas públicas em todos os níveis de governo – sem excluir a própria política exterior do estado nacional brasileiro, haja vista a situação fronteiriça da região considerada” (QUEIROZ, 2015, p. 205). 27 Durante o Estado Novo, o órgão oficial de propaganda das obras do governo era o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, criado pelo Decreto-lei Federal n. 1.949, de 30 de dezembro de 1939. 28 Portaria n. 77, de 03 de junho de 1943, da Coordenação da Mobilização Econômica, órgão diretamente subordinado ao presidente da República. 2