UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO ECOLOGIA ISABELLA SERAPHIM PINTO OS POVOS INDÍGENAS E A PRODUÇÃO TEÓRICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE TESES E DISSERTAÇÕES Rio Claro – SP 2021 ISABELLA SERAPHIM PINTO OS POVOS INDÍGENAS E A PRODUÇÃO TEÓRICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE TESES E DISSERTAÇÕES Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria Feiteiro Cavalari Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para a obtenção do grau de Ecóloga. Rio Claro – SP 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. RESUMO A figura do indígena carrega uma série de estereótipos oriundos do período colonial, e que perduraram ao longo dos últimos séculos. Desde o início da ocupação portuguesa e da chegada dos jesuítas, iniciou-se um processo árduo para catequizar e integrar o indígena ao modelo vigente, o que envolveu diversas violações contra as populações nativas. Apesar das pressões sofridas, essas populações resistem e contam com cosmovisões particulares, pautadas em um modo de relacionar-se com a natureza distinto daquele difundido nas sociedades industriais e de consumo. A presente pesquisa tem como objetivo analisar a compreensão sobre identidade indígena e sobre a relação entre ameríndios e natureza veiculadas nas teses e dissertações em Educação Ambiental no Brasil, bem como mapear o locus de produção dessas teses e dissertações buscando identificar os Programas de Pós- Graduação (PPG), as áreas do conhecimento, as instituições e os estados da federação nos quais esses trabalhos foram desenvolvidos. O presente trabalho se caracteriza como uma pesquisa do tipo “Estado da Arte” ou “Estado do Conhecimento” e se insere no âmbito do Projeto "Estado da Arte da Pesquisa em Educação Ambiental no Brasil” (EArte). Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizado o banco de dados do Projeto Earte para a definição do corpus documental analisado, abrangendo teses e dissertações brasileiras em Educação Ambiental que tem como foco de estudo povos indígenas, defendidas no período compreendido entre os anos de 1981 e 2016. Para a constituição do corpus documental da presente investigação, foram buscados os termos “Indígena”; “Comunidade Indígena”; “População indígena”; “Povos indígenas”; “Povos da floresta”; “Povos nativos” e “Ameríndios”, em todas as suas variações (acentuação, plural, caixa alta e caixa baixa), no espaço de busca “Qualquer campo”, abrangendo assim pesquisas que mencionassem os termos nos títulos, resumos e/ou como palavras-chave. Essas buscas resultaram em setenta e sete trabalhos, sendo sessenta e seis dissertações e os onze teses. A maior parte da produção científica nessa temática está vinculada a Instituições de Ensino Superior públicas, bem como a maioria dos trabalhos do corpus documental estiveram voltados a etnias residentes na região centro-oeste. Foram selecionados quatro trabalhos que se alinhavam às propostas dessa pesquisa no que tange à compreensão da identidade indígena e da relação humano – natureza. Foi notória a perspectiva animista nos discursos de indígenas de quatro etnias, o que confere uma perspectiva não auto centrada e que valoriza todos os componentes do ecossistema, sejam eles vivos ou não. Apesar do histórico de violências perpetradas contra indígenas, além das pressões para suprimir sua cultura e identidade, ameríndios resistem e encontram nas Escolas Indígenas espaço para retomarem o protagonismo de seu processo educacional e se fortalecerem na luta pela terra e por direitos. Palavras chave: Povos indígenas, Educação Ambiental, Estado da Arte ABSTRACT The figure of indigenous peoples involves a series of stereotypes from the colonial period, which have persisted over the past centuries. Since the beginning of the portuguese occupation and the arrival of the catholic missionaries, a hard process has begun to catechize and integrate the indigenous peoples into the current model. This process involved several violations against native populations but despite the pressures they suffered, these populations resist and rely on particular worldviews, based on a way of relating to nature different from that widespread in industrial and consumer societies. The present research sought to analyze what was conveyed about indigenous identity and between Amerindians and nature, on brazilian theses and dissertations in Environmental Education, as well as mapping the locus of production of these theses and dissertations, seeking to identify the Post Graduate Programs, the areas of knowledge, institutions and states in which these works were developed. This research is “State of the Art” or “State of Knowledge” type and falls within the scope of the Project "State of the Art of Research in Environmental Education in Brazil" (Earte). Earte's database was used to define documental corpus, covering Brazilian theses and dissertations in Environmental Education, whose focus of study was indigenous peoples, published between 1981 and 2016. For the constitution of the documental corpus, the terms “Indigenous” were searched; also “Indigenous Community”; “Indigenous population”; "Indian people"; “People of the Forest”; "Native peoples" and "Amerindians", in all its variations (accentuation, plural, uppercase and lowercase), in the search space "Any field", thus covering searches that mention the terms in the titles, abstracts and / or as key words. These searches resulted in seventy-seven works, including sixty-six dissertations and eleven theses. Most of the scientific production on this theme is linked to public Higher Education Institutions, as well as most of the works in the corpus were aimed at documenting ethnic groups residing in the Midwest region. Four works were selected that were in line with the proposals of this research regarding the understanding of indigenous identity and the human-nature relationship. The animist perspective was notorious in the speeches of indigenous peoples of four ethnicities, which confers a non-self-centered perspective that values all components of the ecosystem, whether they are alive or not. Despite the violence perpetrated against indigenous people in the history of School Education in indigenous lands, other than the pressures to suppress their culture and identity, indigenous people resist and find in the Indigenous Schools space to resume the protagonism of their educational process and were strengthened in the struggle for land and for human rights. This whole situation represents an area of great relevance for critical environmental education, as long as it aims to promote ideals such as environmental sustainability linked to social justice. Key words: Indigenous peoples, Environmental Education, State of Art LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Número de teses e dissertações em E.A que constituem o corpus documental analisado na presente pesquisa por ano de produção. 51 Gráfico 2: Etnias encontradas nas pesquisas constituintes do corpus documental definitivo, organizadas de acordo com a região onde se encontram. 58 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Quantidade de resultados apresentados em relação ao termo buscado no catálogo do Projeto EArte. 17 Quadro 2: Resultados por termo de busca sem sobreposição e de acordo com o grau de titulação. 18 Quadro 3: Corpus documental final: título das teses e dissertações e seus respectivos códigos, autores, grau de titulação, instituições, estados e anos de defesa. 19 Quadro 4: Demografia de populações indígenas e sua relação com população brasileira total, entre os anos de 1500 e 2000. 28 Quadro 5: Classificação de Programas de Pós-graduação segundo critérios da CAPES. 53 Quadro 6: Títulos, itens presentes no sumário ou fragmentos dos objetivos gerais ou específicos que indicam a intenção das pesquisas que compõem o corpus documental final em investigar a identidade indígena e as relações e percepções dos povos indígenas sobre o meio ambiente. 61 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa das Instituições de Ensino Superior nas quais foram publicadas as pesquisas constantes do corpus documental, por Unidade Federativa do Brasil. 52 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CF Constituição Federal CNV Comissão Nacional da Verdade DMT Dimetiltriptamina EA Educação Ambiental EEI Educação Escolar Indígena Funai Fundação Nacional do Índio FURB Universidade Regional de Blumenau FURG Universidade Federal do Rio Grande IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES Instituição de Ensino Superior IFSUL Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense MEC Ministério de Educação e Cultura PPG Programa de Pós-graduação PUC Pontifícia Universidade Católica RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena SPI Serviço de Proteção ao Índio SPI-LTN Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais TI Terra Indígena UCDB Universidade Católica Dom Bosco UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UF Unidade Federativa UFC Universidade Federal do Ceará UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFMS Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMT Universidade Federal do Mato Grosso UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFV Universidade Federal de Viçosa ULBRA Universidade Luterana do Brasil Unemat Universidade do Estado do Mato Grosso Unicamp Universidade Estadual de Campinas Unimep Universidade Metodista de Piracicaba Unirio Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UPF Universidade de Passo Fundo USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 12 2. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA 16 3. A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NO BRASIL 24 3.1 Contrastes de hoje e ontem: o cenário demográfico e a ressignificação do ser “índio” 27 3.2. O “Paraíso Terreal”, o “mito do bom selvagem” e a homogeneização étnica do índio 30 4. OS CAMINHOS DA POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA: DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO À ATUALIDADE 38 5. CONTRIBUIÇÕES DA COSMOVISÃO INDÍGENA PARA A REFLEXÃO RELATIVA À RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA. 46 6. MAPEAMENTO DAS TESES E DISSERTAÇÕES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL QUE TÊM COMO FOCO DE ESTUDOS POVOS INDÍGENAS 50 7. ETNIAS INDÍGENAS ESTUDADAS NAS TESES E DISSERTAÇÕES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL ANALISADAS 57 8. COMPREENSÕES SOBRE IDENTIDADE E A RELAÇÃO SOCIEDADE – NATUREZA PRESENTES EM PESQUISAS CONSTANTES DO CORPUS DOCUMENTAL 60 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 70 REFERÊNCIAS 72 12 1. INTRODUÇÃO Nas sociedades urbano-industriais, os ideais de progresso econômico, consumo desenfreado e exploração dos recursos naturais tornam as populações cada vez mais distantes de uma noção de unidade ecossistêmica, promovendo a difusão de uma perspectiva dicotômica que opõe o natural e o cultural, a natureza e o humano. Desde o início da sedentarização humana e a posterior domesticação de plantas e animais, tem se desenvolvido “uma ruptura progressiva entre o homem e seu entorno” (SANTOS, 1994, p. 17). Como declara Milton Santos (1994), Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história humana da natureza. (SANTOS, 1994, p. 17) As atividades humanas, cada vez mais desconectadas de uma compreensão integrada quanto à teia ecológica que abrange todos os seres, tem acarretado em sucessivos impactos, cujo cerne está no amortecimento do sentimento de pertencimento humano ao meio em que vive, assumindo uma postura separada e sobreposta à natureza (SANTOS, 1994). Essa lógica está atrelada à industrialização; à mecanização da agricultura; ao consumo desenfreado; à produção insustentável de resíduos; ao descarte irregular desses mesmos resíduos, e aos impactos socioambientais decorrentes de todas essas atividades antrópicas, tais quais o aquecimento global, a poluição, a perda de biodiversidade e, entre outros, a desigualdade ambiental (REIGOTA, 2017). Por desigualdade ambiental entende-se que os impactos das ações antrópicas no meio ambiente não afetam todas as classes sociais, gêneros e etnias da mesma forma, e as populações marginalizadas costumam sofrer ainda mais por esses impactos, seja por inacessibilidade à água potável e saneamento; por terem o acesso a terra negado; seja por impactos indiretos como a oferta de alimentos ultraprocessados em vez da possibilidade de uma alimentação saudável e orgânica, e os danos à saúde decorrentes desse quadro (ACSERALD, 2002; MONTEIRO et al, 2019; REIGOTA, 2017). 13 Esses impactos, cada vez maiores e mais recorrentes, têm despertado a atenção de civis e estudiosos quanto à iminência de um colapso socioambiental, devido ao desenvolvimento de uma “Sociedade de Risco” (ACSERALD, 2002). Frente a essa problemática, faz-se necessária a construção de um novo paradigma no que tange à relação humano – natureza, a fim de resgatar o sentimento de integração que se perdeu ao longo da história humana (SANTOS, 1994). É nesse cenário que a Educação Ambiental emerge como teoria e prática engajadas na formação de cidadãos conscientes de seus devires políticos, a fim de difundir alternativas ao modelo vigente, pautadas em noções de sustentabilidade e justiça social e ambiental (REIGOTA, 2017). Diante desse contexto, Acosta (2019) aponta para a observação e resgate da cosmovisão dos povos originários acerca da natureza como um suporte para o rompimento dessa dicotomia humano – natureza e a construção de novos modelos de desenvolvimento, sustentáveis e justos. Souza (2015), por sua vez, afirma que compreender a valorização e o respeito que permeiam a relação entre povos indígenas e a natureza apresenta potencial para contribuir para o desenvolvimento de estratégias e ações de grande relevância para a Educação Ambiental no tocante à conquista da sustentabilidade ambiental. No entanto, ainda que existam pesquisadores que evocam sociedades indígenas como “modelo e paradigma de relação homem-natureza”, Gonçalves (1989) alerta para os eventuais equívocos que podem resultar de ideias dessa natureza, segundo ele oriundas de estereótipos construídos sobre os indígenas a partir do mito do “bom selvagem” (GONÇALVES, 1989, p. 75). Os estereótipos acerca dos povos indígenas se originaram logo no começo da colonização, e carregam a influência cristã dos colonizadores, que enxergaram no território brasileiro o “Paraíso Terreal” bíblico, e nas populações nativas seres ingênuos e passíveis de serem “civilizados” (HOLANDA, 2010). Esses estereótipos repercutem não apenas no imaginário popular, mas na homogeneização de múltiplas etnias dentro de uma única categoria denominada “índio”, bem como em diversas problemáticas acerca do que seria, então, a identidade indígena. No caso dessa investigação, o objetivo é analisar a compreensão sobre identidade indígena e sobre a relação entre ameríndios e natureza veiculadas nas 14 teses e dissertações em Educação Ambiental no Brasil, bem como mapear o locus de produção dessas teses e dissertações buscando identificar os Programas de Pós- Graduação (PPG), as áreas do conhecimento, as instituições e os estados da federação nos quais esses trabalhos foram desenvolvidos. Partindo desses objetivos, a pesquisa foi desenvolvida a partir das seguintes questões norteadoras: • Que compreensões sobre a identidade indígena têm sido elaboradas pelos autores das teses e dissertações em Educação Ambiental no Brasil? • Que compreensões sobre natureza e sobre a relação sociedade-natureza são atribuídas aos povos indígenas nessas teses e dissertações? • Quais povos indígenas são tomados como objeto de estudo nas teses e dissertações em Educação Ambiental analisadas? • Em quais instituições e programas de Pós-Graduação são realizados estes estudos? Para tal, essa pesquisa está organizada em sete seções, além da Introdução (seção 1) e das Considerações Finais (seção 9), respectivamente. A seção 2 “Procedimentos de Pesquisa” aborda o percurso metodológico desse estudo e a maneira como foi realizado, trazendo uma breve descrição do Projeto "Estado da Arte da Pesquisa em Educação Ambiental no Brasil”, no qual a definição do corpus documental foi embasada, além da descrição das etapas que compuseram a definição desse corpus. A seção seguinte, intitulada “A Formação da Identidade Indígena no Brasil” aborda, a partir de um levantamento bibliográfico, a formação da identidade indígena brasileira e dos estereótipos ligados aos povos ameríndios. Essa seção consiste, portanto, de dois subitens, que abordam a origem do termo “índio” com a chegada dos colonizadores; a homogeneização das etnias indígenas e as variações demográficas no Brasil indígena de ontem e de hoje. Já a seção 4 “Os caminhos da política indigenista brasileira” corresponde a uma revisão histórica acerca da formação da política indigenista brasileira desde o primeiro órgão indigenista do país, o Serviço de Proteção ao Índio, até a atualidade; seguida da seção 5 “Contribuições da cosmovisão indígena para a reflexão relativa à relação sociedade – natureza.” 15 Na seção 6 cujo título é “Mapeamento de teses e dissertações no Brasil que têm como foco de estudo povos indígenas” são apresentados os resultados relativos ao locus de produção dessas teses e dissertações buscando identificar os Programas de Pós-Graduação (PPG), as áreas do conhecimento, as instituições e os estados da federação nos quais esses trabalhos foram desenvolvidos. Na seção 7 “Etnias indígenas estudadas nas teses e dissertações em Educação Ambiental analisadas”, apresentam-se as etnias estudadas por essas teses e dissertações. Por fim, a seção 8 “Compreensões sobre Identidade e a relação sociedade – natureza presentes nas pesquisas constantes do corpus documental” consiste de um recorte do corpus documental definitivo, com as quatro pesquisas que melhor se alinharam aos objetivos desse trabalho, a partir de critérios previamente estabelecidos, ou seja, trabalhos nos quais os objetivos indicassem investigação quanto à identidade indígena e/ou a relação entre esses povos e a natureza, bem como trabalhos nos quais foram identificados itens ou sub-itens nos sumários e que apontassem possíveis abordagens sobre esses temas. Esses trabalhos foram selecionados para comporem o recorte submetido à análise quanto às compreensões sobre identidade indígena e relação indígena - natureza veiculadas nesses trabalhos. 16 2. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA    O presente trabalho se caracteriza como uma pesquisa do tipo “Estado da Arte” ou “Estado do Conhecimento” e se insere no âmbito do Projeto "Estado da Arte da Pesquisa em Educação Ambiental no Brasil” (EArte). Pesquisas do tipo “Estado da Arte” permitem uma melhor compreensão quanto ao panorama em que se dá a produção acadêmica e a forma como a mesma se desenvolve, a fim de responder “que aspectos e que dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, em que forma e em que condições vêm sendo produzidas” (FERREIRA, 2002, p. 258). Esse tipo de análise investigativa se configura como um importante procedimento de pesquisa, pois permite a identificação de possíveis lacunas, temáticas recorrentes, divergências e contradições dentro de uma mesma área ou em áreas de conhecimento distintas (SOARES apud ROMANOWSKI, 2006). Idealizado em 2001 pelo Prof. Dr. Hilário Fracalanza (in memoriam), o projeto EArte originou-se da pesquisa “O que sabemos sobre Educação Ambiental no Brasil: análise da produção acadêmica (dissertações e teses)”, e até o ano de 2008, o Grupo FORMAR Ciências da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) foi o responsável pelo desenvolvimento do acervo preliminar do projeto (CARVALHO et al, 2016). O Projeto EArte tem como objetivo compilar, sistematizar e divulgar informações sobre a produção científica em EA gerada no Brasil, bem como organizar um banco de teses e dissertações, que atualmente abrange pesquisas produzidas em diferentes Instituições de Ensino Superior (IES) entre os anos de 1981 e 2016 (CARVALHO et al, 2016). Os trabalhos que compõem o acervo bibliográfico do EArte advêm do Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e passam por um processo de avaliação pela equipe do projeto com base em critérios previamente estipulados (CARVALHO et al, 2016). O banco de dados do Projeto EArte permite que pesquisas sejam buscadas por meio de palavras-chave, título, autor, orientador, código, ou por sentenças e termos, apresentados nos resultados desde que integrem título, palavras-chave ou o resumo. 17 Assim sendo, para o desenvolvimento dessa pesquisa, foi utilizado o banco de dados do Projeto Earte para a definição do corpus documental analisado, abrangendo teses e dissertações brasileiras em Educação Ambiental que tem como foco de estudo povos indígenas, defendidas no período compreendido entre os anos de 1981 e 2016. Para a constituição do corpus documental da presente investigação, foram buscados os termos “Indígena”; “Comunidade Indígena”; “População indígena”; “Povos indígenas”; “Povos da floresta”; “Povos nativos” e “Ameríndios”, em todas as suas variações (acentuação, plural, caixa alta e caixa baixa), no espaço de busca “Qualquer campo”, abrangendo assim pesquisas que mencionassem os termos nos títulos, resumos e/ou como palavras-chave. Essas buscas resultaram em setenta e sete trabalhos, sendo sessenta e seis dissertações e os onze teses, como demonstrado no Quadro 1 (a seguir). Quadro 1 – Quantidade de resultados apresentados em relação ao termo buscado no catálogo do Projeto EArte. Fonte: Elaborado pela autora. Termos de busca Dissertações Teses Total Indígena 49 7 56 Comunidade Indígena 8 1 9 Povos Indígenas 6 2 8 Povos da Floresta 1 1 2 Povos Nativos 2 0 2 Ameríndios 0 0 0 TOTAL 66 11 77 18   Contudo, foram observadas sobreposições entre os resultados apresentados, de forma com que o termo “Indígena”, com cinquenta e seis resultados, exibiu trabalhos que também foram atribuídos aos demais termos pesquisados, com exceção de duas pesquisas, uma delas resultante da busca por “Povos da Floresta” e outra por “Povos Nativos”. Ambas foram adicionadas à nova contagem, totalizando cinquenta e oito trabalhos, apresentados no Quadro 2 sem a sobreposição e de acordo com o grau de titulação.   Quadro 2 - Resultados por termo de busca sem sobreposição e de acordo com o grau de titulação. Grau de Titulação Quantidade Termos Dissertações 51 Indígena, Povos Indígenas e Povos da Floresta Teses 7 Indígena, Comunidade Indígena, Povos Indígenas, Povos da Floresta e Povos Nativos TOTAL 58 Fonte: Elaborado pela autora. Em seguida, foram lidos os resumos desses cinquenta e oito trabalhos, a fim de identificar as pesquisas que atendem aos objetivos dessa investigação, e que comporiam o corpus documental definitivo. Desta forma, foram selecionadas pesquisas que têm os povos indígenas como objeto de estudo principal, de forma que os trabalhos que apenas faziam menção aos termos utilizados para busca, ou que questões indígenas são tratadas em conjunto com outros grupos sociais, como quilombolas, ribeirinhos e seringueiros, por exemplo, foram desconsiderados. Esta triagem resultou em trinta e dois trabalhos. Os textos completos foram buscados na internet, mas apenas vinte e quatro deles foram localizados, e estes passaram por uma nova averiguação, a fim de identificar se traziam informações sobre identidade indígena e/ou a relação das sociedades indígenas com o meio ambiente. Esse procedimento foi realizado utilizando-se da ferramenta de localização de palavras chave em arquivos de texto para a identificação de termos como “natureza”; “relação”; “sociedade”; “meio ambiente”; “identidade”, e “estereótipo” ao longo da redação das teses e dissertações. 19 A realização desse procedimento identificou apenas um trabalho que, no entanto, sequer apresentou discussão mínima vinculada as palavras-chave relacionadas e por isso não atendia aos objetivos desta pesquisa, dessa forma não sendo incluído no corpus documental. Foram incluídas no corpus documental definitivo também as pesquisas cujo texto completo não foi localizado, pois as fichas elaboradas pelo Projeto EArte apresentam informações sobre a produção desses trabalhos, de forma que foi possível realizar o levantamento quantitativo do locus da produção em EA relacionado a temática indígena. Os resumos, em sua maioria, também apresentados na plataforma EArte, revelam as etnias que foram objeto de estudo desses trabalhos, de forma que possibilitou a sistematização de dados referentes às etnias presentes nos trinta e um trabalhos que constituem o corpus documental. Como critério para selecionar os trabalhos utilizados para análise partindo dos textos na integra, foram selecionados os trabalhos nos quais os objetivos indicassem investigação quanto à identidade indígena e/ou a relação entre esses povos e a natureza. Trabalhos nos quais foram identificados itens ou sub-itens nos sumários e que apontassem possíveis abordagens sobre esses temas, também foram selecionados para comporem o recorte submetido à análise. Os trabalhos que constituem o corpus documental definitivo são apresentados no Quadro 3. Vale ressaltar que os textos não localizados estão acompanhados de um asterisco (*), logo após o número do trabalho. Os trabalhos foram numerados para facilitar sua identificação quando mencionados excertos dos mesmos nas análises. Quadro 3 - Corpus documental final: título das teses e dissertações e seus respectivos códigos, autores, grau de titulação, instituições, estados e anos de defesa. ID ANO TÍTULO AUTOR IES T1* 1999 Comunidade Guarani: em busca de subsídios para uma educação socioambiental Margareth Araújo e Silva Costa (Mestrado) Ufes (ES) 20 T2* 2002 A questão ambiental e os professores Paresi do município de Tangará da Serra, Mato Grosso: uma análise contextualizada Márcio Carlos Vieira Barros (Mestrado) UFMT (MT) T3* 2002 Percepções sobre os saberes ecológicos das comunidades indígenas do Brasil: olhares da Antropologia Ambiental Adão José Vital da Costa (Mestrado) Furg (RS) T4* 2005 Educação ambiental na educação indígena: um estudo de caso com indígenas Xavantes de Sangradouro - Mato Grosso Edmilson Tadeu Canavarros dos Santos (Mestrado) Unimep (SP) T5 2006 Educação, saúde e meio ambiente: uma pesquisa-ação no distrito de Iauaretê do município de São Gabriel da Cachoeira/AM Renata Ferraz de Toledo (Doutorado) USP (SP) *T6 2006 As representações sobre meio ambiente de alunos da Comunidade Indigena Terena, da 3ª série do ensino fundamental de MS Elisangela Flores Herculano (Mestrado) UFMS (MS) T7 2006 O Lixo como problema ambiental na Aldeia Bananal do posto indígena de Taunay: base para discussão sobre planejamento local Evanilson Campos Gonçalves (Mestrado) UFMS (MS) T8 2006 Formas de transmissão de conhecimentos entre os Tariano da região do rio Uaupés – Amazonas Ivo Fernandes Fontoura (Mestrado) UFPE (PE) T9 2007 Ecoturismo indígena, território, sustentabilidade, multiculturalismo: princípios para a autonomia Ivani Ferreira de Faria (Doutorado) USP (SP) T10 2007 Cosmologia educativa: a educação ambiental na vida dos Kaiabi do Xingu. Artema Santana Almeida Lima (Mestrado) UFMT (MT) T11 2007 Práticas pedagógicas em Educação Ambiental: a escola diferenciada de educação infantil e ensino fundamental Tapeba Conrado Teixeira Tereza Cristina Cruz Almeida (Mestrado) UFC (CE) 21 T12 2008 A Educação Ambiental em comunidade indígena Terena: a percepção de alunos e professores visando o desenvolvimento local na aldeia Lagoinha distrito de Taunay - Aquidauana – MS Antonio Bento Pereira Paredes (Mestrado) UCDB (MS) T13 2008 Representações sobre o meio ambiente, dos professores Terena que atuam de 1ª a 4ª Série, na Aldeia Bananal, distrito de Taunay, município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul Fatima Cristina Duarte Ferreira (Mestrado) UCDB (MS) T14 2010 Meio Ambiente: análise da prática docente na escola estadual indígena de Araçá Amajarí- RR Everaldo Sarmento Ferreira (Mestrado) ULBRA (RS) T15 2010 Ritual da tatuagem: Educação Ambiental e prática cultural entre os Ikpeng Korotowi Taffarel (Mestrado) UNEMAT (MT) T16* 2011 Entrelaçando conhecimentos e saberes: educação ambiental na Escola Indígena Marcolino Lili Aquidauana-MS Elisangela Castedo Maria do Nascimento (Mestrado) UFMS (MS) T17 2012 Saberes ancestrais indígenas dos Tapeba de Caucaia - CE: contribuições e diálogos com a educação ambiental dialógica Ana Karolina Pessoa Bastos Ximenes (Mestrado) UFC (CE) T18 2012 Interação ambiental e a educação em terra indígena: o contexto Xokleng/Laklãnõ SC/Brasil. Elias Joao de Melo (Mestrado) Furb (SC) T19 2012 Alimentação indígena em Mato Grosso: Educação Ambiental e sustentabilidade entre etnias de estudantes da Faculdade Indígena Intercultural Gabrielle Balbo Crepaldi (Mestrado) Unemat (MT) T20 2012 Roças indígenas no estado de Mato Grosso: educação ambiental e sustentabilidade entre os estudantes da Faculdade Indígena Intercultural Leilacir Beltz Leilacir Beltz (Mestrado) Unemat (MT) T21 2012 A interface entre o desenvolvimento na Amazônia e as comunidades indígenas: uma análise dos diferentes processos vivenciados pelos Suruí Nathalia Thais Cosmo da Silva (Mestrado) UFV (MG) 22 T22 2013 Desmistificando preconceitos em relação às etnias indígenas brasileiras contemporâneas na educação em ciências do ensino fundamental: contribuições das etnociências e das tecnologias de informação e comunicação Cleise Helen Botelho Koeppe (Mestrado) PUC-RS (RS) T23 2013 Educação ambiental em terras indígenas Potiguara: concepções e possibilidades na educação de jovens e adultos das escolas estaduais indígenas no município de Rio Tinto-PB Sidnei Felipe Silva (Mestrado) UFPB (PB) T24 2014 Educação Ambiental dialógica e descolonialidade com crianças indígenas tremembé: vinculação afetiva pessoa- ambiente na escola Maria Venância Deyseane Maria Araújo Lima (Mestrado) UFC (CE) T25 2014 Educação Ambiental em escola indígena: um estudo de caso na escola guarani Ceci na aldeia Tekoa Pyau Luciano Gabriel Martins (Mestrado) UFS (SP) T26 2014 Educação Ambiental indígena e interculturalidade: reflexões a partir de percepções Mbya Guarani Beatriz Osorio Stumpf (Mestrado) UFRGS (RS) T27* 2014 Estudo dos conhecimentos etnozoológicos de alunos da escola Terena na Aldeia Buriti (Dois Irmãos do Buriti-MS) Airton Gasparini Junior (Mestrado) UFMS (MS) T28 2014 Transcendendo fronteiras entre saberes: etnografia e interculturalidade entre os estudantes indígenas na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Roberta de Souza Cadaval (Mestrado) UFP (RS) T29 2015 Etnoconhecimento: Estudo de caso sobre percepção ambiental na comunidade indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, Buerarema –BA Erlon Santos de Souza (Mestrado) UESB (BA) T30 2015 SHANENAWÁ - o povo do pássaro azul: as possibilidades de uma educação ambiental profunda Maria de Fatima Nascimento Urruth (Mestrado) Ifsul (RS) 23 T31 2015 As possibilidades e os desafios da Educação Ambiental Crítica no projeto EJA Guarani da aldeia Sapukai no Rio de Janeiro: diálogos e reflexões com a interculturalidade e a decolonialidade Raphaele Passos Bomtempo de Castro (Mestrado) Unirio (RJ) Fonte: Elaborado pela autora. Para respaldar as interpretações acerca do mapeamento das teses e dissertações publicadas no Brasil, bem como as análises dos trabalhos que atendem aos objetivos da presente pesquisa no que tange à identidade indígena e à relação destes com a natureza, apresento, a seguir, uma revisão bibliográfica a respeito da homogeneização de diversas culturas ameríndias por meio do termo “índio”; da origem de estereótipos associados a populações ameríndias; de um histórico da política indigenista brasileira e as possíveis contribuições que a cosmovisão indígena pode oferecer à construção de um novo paradigma de relação humano – natureza. 24 3. A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NO BRASIL O termo “índio”, utilizado para referir-se aos povos pré-colombianos e seus descendentes, deriva de um engano náutico cometido pelos europeus em 1500. Em caravana com destino à região conhecida como “Índias Orientais”, e que hoje corresponde ao sudeste asiático, os portugueses chegaram em um território ainda desconhecido, o qual chamaram de “Índias Ocidentais”, e se referiram à população residente como “índios” (MELATTI, 2007). Essa simplificação e homogeneização das múltiplas culturas pré-colombianas existentes no Brasil, identificadas genericamente como “índios”, embora não caracterize violência física, segundo Luciano (2006) foi apenas o início dos sucessivos episódios violentos contra as populações nativas, ocorridos ao longo do processo de colonização europeia no Brasil. A palavra índio perdura até hoje no vocabulário popular para se referir às populações descendentes dos chamados “povos originários”, mas Santilli (2000) reitera que o uso linguístico do termo “índio” figura como um referencial “branco”, herdado dos colonizadores, para se referir a uma ampla diversidade étnica que abrange Caiapós, Xavantes, entre outras 303 etnias que ainda resistem às inúmeras pressões impostas pela colonização e, atualmente, pelo modelo desenvolvimentista, pela especulação imobiliária e pelo agronegócio (FUNAI, 2010). Ademais da “vacuidade” do termo “índio”, desde o início do processo colonizatório o abuso sexual marcou uma das muitas faces das violências perpetradas contra populações nativas, ainda que muitas vezes foi retratado de forma romantizada na literatura como romances entre “homem branco” e “a índia” (COSTA, 2019). Os descendentes gerados a partir destas relações, tenham sido elas de ordem violenta ou não, apresentavam fenótipos cada vez mais diversos, e além disso, com o início da atividade canavieira e a ascensão do mercado escravagista no Brasil, as trocas genéticas entre diferentes raças e etnias tornou-se ainda mais recorrente, de forma com que hoje considera-se que a população brasileira é altamente miscigenada, termo esse utilizado para se referir a essa mistura fenotípica (HOERHANN, 2012). Devido à miscigenação ocorrida no país, a categorização de indivíduos enquanto indígenas se anuviou ainda mais, e identificar um indivíduo enquanto “índio” abrange diferentes critérios. Esses critérios envolvem “problemas de ordem prática”, 25 já que não só no Brasil, mas também em outros países da América do Sul, existem legislações específicas no que diz respeito a essas populações, de forma que foi necessária a definição de critérios que estipulassem quem teria acesso a determinados direitos específicos (MELATTI, 2007, p.32). Pelo menos cinco critérios já foram adotados: o “racial”, o “cultural”, o “econômico”, o “legal”,” e a “auto identificação”, sendo o último o mais utilizado e aceito atualmente, inclusive empregado em levantamentos e estudos socioeconômicos, como no censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (MELATTI, 2007). O critério racial foi o primeiro a ser utilizado, e definia o indígena com base em suas características fenotípicas destoantes do padrão europeu (MELATTI, 2007). No entanto, devido à heterogeneidade física entre os diferentes grupos étnicos, esse critério não atendia aos propósitos de caracterização do índio (MELATTI, 2007). O critério cultural, por sua vez, respaldava-se nas características transmitidas de forma não-biológicas, como a língua e a cosmovisão. Esse critério, contudo, apresenta a mesma falha do anterior, tendo em vista a multiplicidade cultural dentro do “grupo indígena”, além de desconsiderar a incorporação de elementos “não- índigenas” a essas culturas, bem como processos como a assimilação cultural (MELATTI, 2007). Já o critério econômico proposto por Lewis e Maes (1945) pretendia prover melhores condições de vida aos grupos indígenas, identificando aqueles a quem o isolamento geográfico, por exemplo, impedisse o acesso aos benefícios de programas agrícolas e sanitários oferecidos pelo estado. No entanto, tal critério foi muito criticado por “confundir a situação de índio com a situação de exclusão social”, condicionando os indígenas à pobreza e vulnerabilidade (MELATTI, 2007, p.37). Com base no critério legal, eram definidos como índios aqueles que apresentassem as características estipuladas por leis federais, bem como suas disposições. A Lei 6.001/1973, conhecida como “Estatuto do Índio”, define que indígena e silvícola “é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” e que comunidade indígena é 26 um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados. (BRASIL, 1973) Como disposto no “Estatuto do Índio”, a legislação brasileira sobre povos indígenas se baseia no critério de auto-identificação étnica, o qual teve como marco em sua formulação o “II Congresso Indigenista Interamericano”, realizado em 1949, em Cuzco, no Peru (CUNHA, 1987; MELATTI, 2007). A partir desse evento, adotou- se a definição de “índio” a seguir descrita por Melatti (2007): O índio é o descendente dos povos e nações pré-colombianas que tem a mesma consciência social de sua condição humana, assim mesmo considerada por eles próprios e por estranhos, em seu sistema de trabalho, em sua língua e em sua tradição, mesmo que estas tenham sofrido modificações por contatos estranhos. [...] O índio é a expressão de uma consciência social vinculada com os sistemas de trabalho e a economia, com o idioma próprio e com uma tradição nacional respectiva dos povos ou nações aborígenes (MELATTI, 2007 p.37). A prevalência do critério de auto-identificação para avaliar quem configura como indígena representa em avanço em representatividade ameríndia, pois considera que ser ou não indígena não está necessariamente relacionado a traços meramente fenotípicos, à perpetuação de determinados hábitos e costumes e à aversão a tecnologias, por exemplo (MELATTI, 2007; LUCIANO, 2006). Avanços como esse permitem que estereótipos acerca do índio sejam descontruídos, e contribuem para a ressignificação do próprio termo, em contraponto a sua origem etnocentrada. A auto-identificação enquanto critério para mensurar e compreender a população indígena brasileira também contribui para aprimorar os dados demográficos a respeito dessas populações presentes em território nacional. O capítulo a seguir explicita brevemente o cenário demográfico de povos indígenas desde 1500 até os anos 2000, pautando também a ressignificação do termo índio na articulação entre essas populações em prol de seus direitos. 27 3. 1 Contrastes de hoje e de ontem: o cenário demográfico e a ressignificação do ser “índio”. O processo colonizador em território brasileiro teve início em meados de 1531, quando a ocupação europeia no litoral brasileiro começou a ser mais vigorosamente incentivada, e as populações nativas começaram a ser expulsas, escravizadas, catequizadas e dizimadas (CARVALHO, 1997). As violências perpetradas iam além do uso de armas de fogo, mas também envolviam armas biológicas, as quais exerceram um grande papel no extermínio de aldeamentos inteiros por meio de epidemias de tuberculose, catapora, varíola, entre outras doenças (CARVALHO, 1997; HECK et al., 2005). Sobre a atuação dos europeus na região da Amazônia durante a colonização, Heck et al (2005) pontuam que a perspectiva histórica desses povos foi interrompida de forma brusca e violenta pelo projeto colonial que, valendo-se da guerra, da escravidão, da ideologia religiosa e das doenças provocou na Amazônia uma das maiores catástrofes demográficas da história da humanidade, além de um etnocídio sem precedentes. (HECK et al, 2005, p. 237) Quanto à demografia de povos indígenas antes da chegada dos colonizadores, estima-se que a população correspondia a um total de cinco milhões de habitantes, pelo menos; dos quais cerca de 90% morreram ainda no primeiro século após a chegada dos portugueses (DENEVAN, 1976; BETHELL, 2009; DIAS, 2019). O Quadro 4, apresentado a seguir apresenta estimativas demográficas quanto aos povos indígenas no Brasil durante o período de 1500 a 2000. 28 Quadro 4: Demografia de populações indígenas e sua relação com população brasileira total, entre os anos de 1500 e 2000 Ano População indígena % sobre a população nacional 1500 5000000 100,00 1570 800000 94,00 1650 700000 73,60 1825 360000 9,14 1940 200000 0,40 1950 200000 0,37 1953 150000 0,30 1957 70000 0,10 1979 210000 0,17 1980 227801 0,19 1995 330000 0,20 2000 350000 0,20 Fonte: Dados da Funai (2000), elaborada pela autora. As violências perpetradas pelos colonizadores contra as populações nativas resultaram em uma perda cultural imensurável, configurando um verdadeiro etnocídio, de forma que as estimativas oficiais de 1970 previam o desaparecimento total de indígenas em território brasileiro até 1998 (HECK et al, 2005). Apesar disso, dados obtidos em censos desde a década de 1970 até 2010 apontam para um crescimento demográfico entre povos indígenas (DIAS, 2019). Segundo HECK et al (2005), as possíveis explicações para esse aumento foram a legitimação de terras indígenas e o fortalecimento de políticas públicas que respaldassem seus direitos enquanto cidadãos e povos originários, bem como os maiores esforços para incluir indígenas nos censos demográficos realizados. De acordo com o último Censo Demográfico realizado (IBGE, 2010), 817.963 brasileiros se declararam indígenas, o que corresponde a 0,4% da população nacional total até então. Há a presença de autodeclarados em todos os estados da federação, incluindo o Distrito Federal; 38,5% dessa população vive em áreas urbanas e 61,5% em áreas rurais. Atualmente, há registros de 305 etnias indígenas no Brasil, e 70% 29 destas se localizam na região conhecida como Amazônia legal, e estão distribuídas entre os estados do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará (IBGE, 2012). Foram registradas, ainda, 274 línguas indígenas em uso, números muito inferiores se comparados aos que possivelmente seriam encontrados durante o período pré-colonial, mas que apesar disso permitem dimensionar a diversidade existente dentro de um grupo genericamente denominado “indígena” (DIAS, 2019). Assim, como se apresentam desafios em mensurar a densidade populacional indígena anterior ao contato com os colonizadores, também se tem em contabilizar a atual. Além da problemática em torno dos critérios de identificação, hoje contornados por meio do reconhecimento da auto-identificação, existem populações isoladas e em áreas de difícil acesso (CUNHA, 1998; LUCIANO, 2006). Como exposto anteriormente, aldeias indígenas já enfrentaram e enfrentam “guerras de dizimação” e de epidemias, escravidão, tentativas de catequização e de “civilização”, e confrontos por terra e recursos naturais, de forma com que a relação com o “homem branco” marcou profundamente os povos indígenas, de forma que o termo “índio” foi rejeitado pelos mesmos durante muito tempo, o que acarretou na autonegação dessa categoria enquanto raça (LUCIANO, 2006, p. 30-33; RIBEIRO, 1977). Apesar disso, na década de 1970, com o amadurecimento da mobilização indígena como pauta de movimentos sociais, o termo genérico “índio” foi aceito, mantido e assumido como uma identidade, com o intuito de promover a articulação entre “todos os povos originários do atual território brasileiro”, e embora a palavra seja genérica, a identidade indígena construída não é, e trata-se de “uma identidade política e simbólica que articula, visibiliza e acentua as identidades étnicas de fato, ou seja, as que são específicas, como a identidade Baniwa, a Guarani, a Terena, a Yanomami, e assim por diante.” (LUCIANO, 2006 p. 40) A superação da autonegação identitária visa inclusive a superação de estereótipos criados com base na visão etnocêntrica, a qual simplifica e homogeneíza a diversidade e riqueza étnica e cultural desses povos (LUCIANO, 2006). Esses estereótipos têm origem nos primórdios da colonização, apresentando grande carga de simbolismos cristãos e vigentes na Europa do século XVI, e influenciaram tanto a formação do imaginário popular sobre o que é ser índio quanto a maneira como estes 30 foram tratados desde o início da ocupação europeia em território brasileiro até o desenvolvimento de legislações e políticas públicas envolvendo povos indígenas no século XX. A seguir serão abordadas as origens dos estereótipos sobre ameríndios, em especial o “mito do bom selvagem”, bem como suas influências nos percursos sociopolíticos acerca dos mesmos no Brasil. 3.2 O “paraíso terreal”, o “mito do bom selvagem” e a homogeneização étnica do índio Para Souza (2011), a legislação indígena no decorrer da história do Brasil teve três objetivos: o extermínio das populações nativas no período colonial sob ordem legal; a integração das mesmas à sociedade nacional e, a partir da Constituição Federal (CF) de 1988, o reconhecimento dos seus direitos enquanto povos originários. Esses “objetivos nacionais” em relação aos indígenas brasileiros estiveram diretamente relacionados aos principais estereótipos ainda muito recorrentes no imaginário da população não-indígena. Como aponta o xamã Ianomâmi Davi Kopenawa, Não queremos mais ouvir essas velhas palavras a nosso respeito. Pertencem aos maus pensamentos dos brancos. Tampouco quero ouvi-los repetir: ‘As palavras dos Ianomâmi para defender a floresta são mentira. Ela logo estará vazia. Eles são poucos e vão todos virar brancos!’. Por isso quero fazer com que essas palavras ruins sejam esquecidas e substituídas pelas minhas, que são novas e direitas. Ao escutá-las, os brancos não poderão mais pensar que somos como seres maléficos ou caça na floresta. (KOPENAWA, 2019, p. 77). Quando Kopenawa exclama “Eles são poucos e vão todos virar brancos!”, fazendo referência à fala de um não-índio, ele se refere à ideia de “cultura transitória”, que consiste na crença de que as culturas indígenas correspondem a um estágio temporário de desenvolvimento humano, e que seria inevitável que essas sociedades “evoluíssem” rumo à “civilização”, para então comporem uma única cultura nacional, a “brasileira” (LOUREIRO, 2010, p. 504). Esse tipo de pensamento persistiu durante muito tempo nas formulações de políticas acerca dos povos indígenas no país, e refletiu em diferentes constituições federais, como veremos mais adiante. 31 Além da compreensão retrógrada de que a cultura indígena é uma etapa transitória em um processo civilizatório inerente às sociedades humanas, Kopenawa (2019) levanta ainda dois estereótipos populares. Um deles traz a ideia do indígena como o “bom selvagem” (KOPENAWA, 2019, p. 77). Esta visão retrata os povos indígenas de maneira romantizada, oriunda da ideia que se construiu, a partir da chegada dos colonizadores à América, de que o Novo Mundo seria um “Paraíso Terreal”, como um “Jardim do Éden bíblico” que não estaria apenas no imaginário religioso mas sim localizado materialmente em algum ponto geográfico da Terra, passível portanto de ser encontrado e compondo assim uma “cartografia teológica” a ser compreendida pelos navegantes (CUNHA, 2006, p. 92; HOLANDA, 2010, p. 12). Como pontua Holanda (2010), Sabe-se que para os teólogos da Idade Média não representava o Paraíso Terreal apenas um mundo intangível, incorpóreo, perdido no começo dos tempos, nem simplesmente alguma fantasia piedosa, e sim uma realidade ainda presente em sítio recôndito, mas porventura acessível. Debuxado por numerosos cartógrafos, afincadamente buscado pelos viajantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, aos primeiros contatos dos brancos com o novo continente. (HOLANDA, 2010, p. 12). Dessa forma, se o paraíso bíblico existe na Terra e foi “descoberto” por navegantes europeus, seus habitantes, portanto, conservariam a ingenuidade anterior à queda do homem ao pecado, mas também estariam alienados quanto ao dogma cristão, sendo assim passíveis de evangelização para serem salvos (COSTA, 2019; CHAUÍ, 2001). Chauí (2001), acerca das anotações de diários náuticos europeus datados da chegada de Colombo ao Novo Mundo, aponta que Cartas e diários de bordo impressionam porque descrevem o mundo descoberto como novo e outro, mas o sentido desses termos é diverso do que esperaríamos. De fato, ele não é novo porque jamais visto nem é outro porque inteiramente diverso da Europa. Ele é novo porque é o retorno à perfeição da origem, à primavera do mundo, ou à “novação do mundo” oposta à velhice outonal ou à decadência do velho mundo. E é outro porque é originário, anterior à queda do homem. Donde a descrição da gente nova como inocente e simples, pronta para ser evangelizada (CHAUÍ, 2001, p. 63). Na chegada dos portugueses ao território brasileiro, o encontro com ameríndios também causou espanto, especialmente devido à nudez dos mesmos, associada à inocência, remetendo a ideia bíblica de que Adão e Eva só cobriram seus genitais 32 após o pecado primordial, bem como sua falta de interesse inicial a “desejos vis” como o álcool e o ouro (COSTA, 2019). Como consta em carta de Pero Vaz de Caminha apud Tufano (1999) sobre suas primeiras impressões sobre os povos nativos no Brasil, [...] a feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto [...] Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhes dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois as tirou e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo [...] (TUFANO, 1999, p. 15-16) Ainda no século XVI, o filósofo francês Montaigne, que estudou relatos de muitos viajantes que visitaram o Novo Mundo e tiveram contato com ameríndios, publicou seus primeiros ensaios sobre os mesmos, nos quais construiu uma oposição entre o “mundo natural” dos indígenas e o “mundo artificial” dos europeus, a partir de um viés romantizado (COSTA, 2019, p. 62). Para o filósofo, uma grande evidência da inocência e bondade dos povos indígenas seria a ausência de um sistema econômico comercial e tudo o que supostamente decorreria do mesmo. Trata-se de uma nação, diria eu a Platão, na qual não existe nenhuma espécie de comércio; nenhum conhecimento das letras; nenhuma ciência dos números; nenhum magistrado ou superioridade política; nenhuma vassalagem, riqueza ou pobreza; nenhum contrato, nenhuma sucessão, nenhuma partilha; nenhuma ocupação que não seja ociosa; nenhuma consideração do parentesco, a não ser o de todos; nenhuma roupa; nenhuma agricultura; nenhum metal; nenhum vinho ou pão. As próprias palavras que significam mentira, traição, dissimulação, avareza, inveja, maledicência ou perdão lhes são desconhecidas.” (MONTAIGNE, 2006, p. 518 apud COSTA, 2019, p. 62) A visão do índio como “bom selvagem” remonta o início da colonização mas persistiu em séculos subsequentes, devido a um resgate feito por escritores românticos em busca da formação de uma identidade nacional na literatura, marcada 33 pela publicação da revista Niterói, em 1836, a qual correspondeu a um marco no romantismo brasileiro, e pelas obras de autores da escola literária romântica indianista, como Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e José de Alencar (CANDIDO, 2002; COSTA, 2019). Se na “escola romântica europeia” a figura do herói nacional era retratada pelo cavaleiro medieval, no Brasil quem figurou nesse papel foi o índio forte, hábil, corajoso, ingênuo e bondoso, como retratado em diversas obras em prosa e poesia, boa parte delas versando sobre paixões entre “brancos e pardos” (LUCIANO, 2006). Outra inovação da corrente romântica no Brasil quanto à sua abordagem acerca do índio foi a construção de uma postura consciente e voluntária quanto às violências sofridas pelos mesmos durante o início da colonização, o que reforçou ainda mais sua imagem de herói. Dessa forma, o etnocídio indígena era retratado como um [...] sacrifício desses povos para a construção da futura nação. Assim, justificava-se a colonização e estabeleciam o país como uma nação original e miscigenada, diferente justamente por ser capaz de unir a natureza e a civilização [...] (COSTA, 2019, p. 66). As narrativas idealizadas acerca do indígena foram apropriadas por D. Pedro II, que encontrou na ideia de identidade nacional uma saída para evitar dissabores políticos devido a uma possível fragmentação frente ao fim da Monarquia e à proclamação da República (COSTA, 2019; SCHWARCZ, 2004). Contudo, como expõe Costa (2019), [...] a ascensão do indígena como representante da nação revela-se como um jogo puramente simbólico, e o segundo reinado, patrocinador da imagem do índio como herói da nação pouco modifica a situação concreta dos povos indígenas frente aos avanços violentos das fronteiras agropecuárias. Ao contrário do que se poderia esperar, há durante o segundo reinado uma paralisação dos debates a respeito das políticas indigenistas que haviam sido amplamente consideradas antes da promulgação da primeira Constituição (COSTA, 2019, p. 66) Ainda hoje, a imagem do “bom selvagem” é difundida, mas para além dela existe o estereótipo indígena que homogeneíza todos os povos ameríndios dentro de um limitado conjunto de características. Um exemplo é a figura do índio como aquele que vivia nu, falava tupi, cultuava Tupã e vivia sempre em harmonia com seus iguais e com a natureza (GRUPIONI, 2001). Além da imagem de bondoso e inocente, a 34 homogeneização do ameríndio como uma “classe maciça”, e não como um grupo heterogêneo formado por centenas de etnias distintas entre si, também remonta os primeiros contatos entre europeus e povos nativos, principalmente pela imposição de uma denominação genérica a esses grupos (LUCIANO, 2006). Ao reconhecer a existência de mais de trezentas etnias no país e mais de duzentas línguas indígenas (IBGE, 2010), demonstra-se inconsistente a crença de que os mais de 800.000 brasileiros indígenas falem a mesma língua, o Tupi, ou que cultuem o mesmo deus, Tupã. Sendo assim, assumir a multiplicidade étnica nacional corresponde ao primeiro passo para uma compreensão genuína de quem são os indígenas, e de como estes se relacionam à identidade brasileira sobre a qual se especula desde tempos remotos (COSTA, 2019; LUCIANO, 2006). Embora a homogeneização das culturas indígenas pareça um cenário de simples desmistificação quando se avaliam as estatísticas sobre a diversidade étnico- indígena existente no país, suas raízes são profundas e de complexa resolução, pois, mesmo após a Independência do país, a ideia de multiplicidade étnica seguiu sendo considerada uma “ameaça à segurança nacional” e por isso negada e oprimida (LOUREIRO, 2010, p. 508). Um dos exemplos que ilustram essa repressão, com fins de atingir a “Comunhão Nacional”, foi a implementação de escolas para indígenas nas áreas das aldeias, e que apenas na segunda metade do século XX ganharam outro significado para essas comunidades, as quais passaram a exigir do governo uma educação intercultural e diferenciada (LUCIANO, 2011). Outro ponto importante para a compreensão de como e por que se construíram esses estereótipos em relação aos povos indígenas é a análise de como se abordou o conceito de cultura para essas populações (GRUPIONI, 2001, MELATTI, 2007). Ao longo das primeiras caracterizações e levantamentos acerca das identidades indígenas, a cultura era majoritariamente conceituada enquanto “a simples soma de costumes, crenças e técnicas”, e não como um sistema de elementos com diferentes pesos, como a linguagem, arte, mitos, dentre outros fatores que estão interrelacionados, sujeitos a modificações, e que a alteração de um desses elementos resulta em mudanças nos demais (MELATTI, 2007, p.32). Gonçalves (1989), discorrendo sobre o que é cultura, define os seres humanos como “inacabáveis” e diz que a compreensão sobre essa ideia é “politicamente 35 essencial” e que, aplicada às sociedades indígenas, derruba diversos mitos e preconceitos a elas relacionados. De acordo com o autor As diversas culturas não são imutáveis; novas formas de organização sociocultural são inventadas e criadas; novos atributos e qualidades desabrocham e outros são inibidos num processo absolutamente sem fim. O homem não é simplesmente um ser inacabado, é mais que isso; é um ser inacabável (GONÇALVES, 1989, p. 96). Logo, não contemplar os povos indígenas dentro dessa perspectiva quanto à “plasticidade cultural” inerente às populações humanas, além de reforçar a visão etnocêntrica da religiosidade cristã que questionava a humanidade dos indígenas caso não fossem catequizados, também limita essas sociedades, uma vez que estes foram submetidos a manter padrões pré-coloniais para conservar a identidade (LUCIANO, 2006). Uma vez que a humanidade desses povos era questionável, conceitos de cultura humana que admitiam a mutabilidade inevitável da mesma, transformações pela influência do contato com outras sociedades, além da possibilidade de indivíduos de uma mesma cultura manifestarem pensamentos e ações distintos dos demais do grupo não se aplicavam a ameríndios (LANGDON, 2010). As múltiplas culturas indígenas, portanto, foram classificadas como estáticas, assinalando que aqueles que não mantivessem os “padrões culturais anteriores às situações de contato” tidos como a “tradicional” e “verdadeira” cultura indígena, não seriam mais índios. Entre esses padrões, esteve muito imbricada a figura indígena enquanto “bom selvagem”, associada também a uma imagem de que fossem harmoniosamente conectados à natureza e desprovidos de tecnologia (LACERDA, 2007, p. 187). Levantando problemáticas quanto à “plasticidade cultural” dos povos originários e o consequente apagamento de suas identidades que ocorre quando se nega que sejam culturas vivas e orgânicas, surgem os estudos antropológicos quanto à chamada “perda cultural” ou "aculturação''. Para Luciano (2011), “aculturação” ou qualquer outro termo utilizado para fazer referência a suposta “perda cultural” que se daria para as culturas indígenas, em decorrência do contato com outras sociedades, 36 é um grande equívoco, motivado principalmente por definições arcaicas do que é cultura (LUCIANO, 2011, p. 229). A publicação de estudos realizados a partir desse viés teve um crescimento significativo entre as décadas de 1930 e 1950, com a contribuição de autores como Herbert Baldus, Charles Wagley, Egon Schaden e Eduardo Galvão, e embora no fim dos anos 1950, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira se propuseram a repensar as abordagens clássicas quanto à “perda cultural”, eles apenas inseriram novas variantes que mantiveram ideias “civilizadoras” sobre os indígenas (LUCIANO, 2011). Apenas em 1996 foi postulada, por Cardoso de Oliveira, uma nova abordagem teórica e metodológica que reconhece a existência de um processo próprio às sociedades indígenas brasileiras, colocando em voga a ideia de “aculturação” e trazendo a ideia de um “diálogo intercultural”, a fim de demonstrar que o diálogo entre duas ou mais culturas é possível, mesmo que o encontro entre elas seja marcado por conflitos (LUCIANO, 2011). É importante pontuar que existe uma diferença fundamental entre os conceitos de “aculturação” e de “dialogo intercultural". O primeiro interpreta a cultura indígena como estática e transitória, ao passo que a segunda está ligada a uma racionalidade que visa à superação dessa concepção limitada de civilização, e busca a adoção de ideias como a “multiculturalidade”. (MELATTI, 2007; LUCIANO, 2011). Para Melatti (2007, p. 79), “as relações entre índios e não-índios não tem necessariamente que conduzir a assimilação daqueles por estes”. É fato que a busca por “atendimento médico”, o “serviço militar”, a “aposentadoria rural” e a adesão a cultos cristãos, são alguns exemplos que contribuem para a modificação da cultura de diversos povos indígenas, no entanto, não significa uma mudança sem volta, a perda da identidade indígena, muito menos “homogeneização cultural” (MELATTI, 2007, p. 79). A racionalidade por trás desse anseio em constituir uma cultura nacional homogênea, é a de que “a forma de vida da moderna sociedade ocidental é mais desenvolvida, melhor e, por isto, hierarquicamente superior à das minorias étnicas”, de forma que o progresso de um modelo social “superior”, não poderia ser “impedido ou dificultado” pelas minorias étnicas, que ao serem incorporadas na sociedade nacional, estariam “evoluindo” tornando-se civilizadas e deixando de ser um 37 empecilho para o desenvolvimento econômico e social do país (LOUREIRO, 2010, p. 504). O cenário descrito nos parágrafos anteriores denota a influência dos paradigmas cristãos e etnocêntricos na formação dos estereótipos a respeito dos povos indígenas, hoje mantidos nas políticas públicas para povos indígenas, na legislação e no imaginário popular. Na seção seguinte será apresentado um breve levantamento histórico acerca da construção de políticas indigenistas no Brasil, baseadas em alguns desses estereótipos. 38 4. OS CAMINHOS DA POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA: DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO À ATUALIDADE A política indigenista brasileira, desde os primórdios de sua formação, esteve sob forte influência não apenas dos estereótipos que rodeavam – e rodeiam – o imaginário popular quanto ao indígena, como também da corrente filosófica conhecida como Positivismo, postulada na França por Augusto Comte durante a primeira metade do século XIX (HOERHANN, 2012). No Brasil, a filosofia positivista teve seu marco inicial em 1850, e apresentava maior força na Escola Militar do Rio de Janeiro, na qual estudaram e tiveram contato com a mesma, figuras tais quais o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Essa corrente filosófica teve grande importância para a elite intelectual brasileira na segunda metade do século XIX e, segundo ela, “Ordem e Progresso” (palavras que atualmente integram a faixa ao centro da bandeira nacional) seriam “os alicerces de todo sistema político” (HOERHANN, 2012, p. 19). Hoerhann (2012) parafraseando Ribeira Junior atesta que O positivismo é fruto do desenvolvimento científico que dominou todo o século XIX como regime definitivo da razão humana frente à substituição da metafísica, surgido da evolução progressiva, pela compreensão racional e científica do problema da ordem que determinou os elementos fundamentais da sociedade humana. Em sua doutrina, o positivismo se opõe à sociedade individualista e liberal. (RIBEIRA JUNIOR, 2006 apud HOERHANN, 2012, p. 19) Ainda sobre o Positivismo no Brasil, Hoerhann (2012, p. 61) afirma que “o ideal positivista almejava um mesmo nível para todos os brasileiros, o qual implicava uma sociedade justa, fraterna e progressista que tivesse o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Dessa forma, a filosofia positivista também reconhecia ameríndios como culturas transitórias, estacionadas em uma etapa atrasada no processo de evolução humana e que, portanto, deveriam ser encorajadas a progredirem industrialmente, aderindo ao restante da população brasileira. Ademais, o Positivismo apontava para uma suposta necessidade de que os povos indígenas fossem integrados à sociedade nacional, para fins de “povoamento e para a obtenção de mão de obra necessária à expansão civilizatória” (HOERHANN, 2012, p. 61). Para tal, o caminho não deveria ser apontado por instituições religiosas, como até então 39 era feito em processos de catequização, mas sim por meio de uma educação indígena a fim de formá-los como “trabalhadores nacionais”. Nesse contexto, foi fundada, em 1910, como uma secretaria do antigo Ministério de Agricultura, Cultura e Comércio, o primeiro órgão indigenista brasileiro: o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPI- LTN), também conhecido somente pela sigla SPI, visto que mais tarde se dedicaria exclusivamente a indígenas (HOERNANN, 2012). Seu principal objetivo era ser uma agência laica comprometida com a assimilação de indígenas à sociedade nacional e à cultura brasileira, integrando-os à civilização, visto a recorrente dúvida entre positivistas quanto à capacidade de evolução de ameríndios sem que estivessem amparados (HOERNANN, 2012). A direção do SPI-LTN coube ao então tenente-coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, brevemente mencionado anteriormente e responsável pelo cargo dos anos 1910 a 1930. Rondon era um militante positivista descendente de indígenas e tinha experiência prévia com povos indígenas, por ter se envolvido nos projetos de construção de linhas telegráficas em áreas por onde populações essencialmente nômades transitavam (BIGIO, 2000). Um dos pontos mais marcantes do trabalho exercido pelo SPI-LTN logo no início foi a substituição de missionários católicos em aldeias indígenas por militares, bem como o enfraquecimento da Igreja em tomadas de decisão políticas, representando assim uma vitória da ala republicana sobre a influência clerical na política e uma importante etapa na secularização de órgãos públicos nacionais (HOERHANN, 2012). Outra mudança que o SPI acarretou nas políticas voltadas aos povos indígenas foi o reconhecimento de suas terras e, foram incluídos no Decreto nº10.652/1911 os seguintes parágrafos: Art. 2. º, § 3 – Pôr em prática os meios mais eficazes para evitar que os civilizados invadam terras dos índios e reciprocamente. Art. 2. º, § 4 – Fazer respeitar a organização interna das diversas tribos, sua independência, seus hábitos e instituições, não intervindo para alterá-los senão com brandura e consultando sempre a vontade dos respectivos chefes. 40 Art. 2. º, § 12 – Promover, sempre que for possível, e pelos meios permitidos em direito, a restituição dos terrenos que lhes tenham sido usurpados. (BRASIL, 1911) Apesar da aparente atuação em prol da garantia de direitos indígenas, o anseio principal do SPI era transformar ameríndios em mão-de-obra barata a ser agregada aos projetos desenvolvimentistas nacionais, e como aponta Hoerhann (2012, p. 12), os procedimentos de trabalho adotados eram “identificar grupos indígenas, atraí-los, convencê-los a tornarem-se agricultores e pecuaristas para, enfim, integrá-los à sociedade regional”, sendo então a principal função do SPI “promover a proteção ao indígena, transformando-o em trabalhador rural, capaz de se autossustentar ao extinguir, assim, o nomadismo de sua vida” (HOERHANN, 2012, p. 73) Um fatídico exemplo da influência do SPI no modo de vida e no nomadismo foi o caso da etnia Xokleng. O nomadismo era, até antes do contato com o SPI, característica inerente ao modo de vida Xokleng, os quais também eram conhecidos como “Botocudos”, no estado de Santa Catarina. A partir de 1914 iniciou-se o processo de “nacionalização” dos Xokleng, o qual se estendeu até 1967 e deixou profundas marcas na cultura dos mesmos, decorrentes de um processo de “desintegração cultural”, projetado pelo SPI para cumprir com o propósito de integrá- los à sociedade como cidadãos brasileiros (HOERHANN, 2012) Durante esse processo, os Xokleng se sedentarizaram, mudaram drasticamente sua dieta alimentar, perderam grande parte de seus ritos e hábitos, foram evangelizados por missionários católicos e evangélicos, e hoje uma parcela desses indígenas resiste e busca resgatar o que o governo usurpou em 57 anos de atuação da SPI: : a dignidade, a cultura e o ‘sentimento de tribo’, resultante da desintegração da condição indígena e também da qualidade de brasileiro não integrado na sociedade nacional, a qual de fato não o acolheu (HOERHANN, 2012, p.11) Vinte e quatro anos após o início das atividades do SPI, foi publicado o terceiro texto constitucional, de 1934, que segundo Souza (2011) é o primeiro a tratar dos interesses indígenas, respaldando os parágrafos já dispostos no Decreto de criação do SPI. Sendo assim, embora a Constituição de 1934 reconhecesse a existência dos povos originários em território nacional, não os concedia cidadania, pois não os incluía como integrantes da identidade nacional. Indígenas eram até então referidos como silvícolas na legislação, e descritos como aversos à civilização, devendo adequar-se 41 ao modelo social nacional, por meio dos procedimentos adotados pela SPI, para só então ter a cidadania brasileira concedida (SOUZA, 2011). O fim do processo de nacionalização dos Xokleng, em 1967, na verdade só ocorreu, pois coincidiu com uma crise interna no SPI, a qual resultou na extinção do órgão, por Costa e Silva (HOERHANN, 2012). Essa crise se deu devido a inúmeras denúncias, por parte de veículos de imprensa e de comissões de inquérito, acerca do envolvimento de funcionários da SPI em violações de direitos humanos, tais quais o tráfico de pessoas, abuso sexual, chacinas, trabalho escravo, tortura, arrendamentos ilegais, e associação entre funcionários e bugreiros, assassinos profissionais especializados na busca de indígenas (DAVIS, 1978; HECK, 1996; PRADO, 2018). Em decorrência do escândalo gerado após a veiculação dessas denúncias, foi criada uma “Comissão de Inquérito”, em 1967 cujo resultado foi a elaboração de um extenso documento detalhando em mais de sete mil páginas todas as atrocidades cometidas contra povos indígenas, chamado “Relatório Figueiredo” (GUIMARÃES, 2015). O “Relatório Figueiredo” foi dado como perdido após um incêndio ocorrido no prédio do Ministério da Agricultura, no mesmo ano de sua publicação, e somente com a “Comissão Nacional da Verdade” (CNV), sancionada por meio da Lei nº 12.528/2012 pela então presidenta Dilma Rousseff, a qual tinha o propósito de investigar crimes e violações aos direitos humanos realizadas durante a ditadura militar (1964 – 1985), o relatório foi encontrado e analisado, trazendo descrições de atrocidades e crimes que impactaram profundamente aqueles que acessaram seu conteúdo (ARAÚJO, 2018; GUIMARÃES, 2015; IOIO, 2018). Como consta no relatório: Pelo exame do material infere-se que o Serviço de Proteção aos Índios foi antro de corrupção inominável durante muitos anos. O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhes impuseram um regime de escravidão e lhes negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade humana. É espantoso que exista na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos, em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça. (CNV, 2014) 42 Logo após sua extinção, em plena ditadura militar, o SPI foi substituído por um novo órgão, a “Fundação Nacional do Índio (Funai)”, instituída por meio do artigo 1º da Lei nº 5.371/1967. Seus objetivos mantinham-se consoantes àqueles estipulados pelo SPI, e conferiam ao órgão o monopólio de “proteção tutelar” dessas populações (LIMA, 1987, p. 81). Enquanto responsável legal pelos povos indígenas, a Funai seguiu os passos dados pelo SPI desde a ditadura varguista, cujo projeto estava engajado com o desenvolvimento industrial e econômico por meio da integração rodoviária nacional, de forma a envolver-se na expansão sobre a Amazônia em empreendimentos governamentais como a construção da Transamazônica, promovendo [...] uma cruenta expansão sobre a Amazônia e planos desenvolvimentistas de integração nacional, cujos impactos sobre os povos indígenas foram internacionalmente denunciados ao longo dos anos 1970 e 1980, somando-se a tantas outras iniquidades perpetradas em nome do futuro do Brasil. (DAVIS, 1978 apud LIMA, 2015, p. 81) Frente às ainda recorrentes denúncias sobre violações de direitos indígenas e especialmente à pressão internacional oriunda de instituições como o Banco Mundial, bem como de organizações pró direitos humanos, foi aprovada no Brasil a Lei nº 6001/1973, conhecida como “Estatuto do Índio”, que mantinha o mesmo caráter tutelar e assimilacionista empregado em ações desde 1910, contudo estipulava direitos indígenas de forma a garantir, pelo menos por lei, seu direito a terras delimitadas e regulamentadas em plena expansão amazônica (LIMA, 2015). Já a Constituição de 1988, também conhecida como “Carta Cidadã”, correspondeu a um importante avanço nas políticas e leis para povos indígenas pois anula sua postura tutelar sobre os mesmos, reconhecendo sua cidadania e autonomia enquanto indivíduos (LUCIANO, 2006). Em seu capítulo VIII, “Dos Índios”, fica estabelecido a partir dos artigos 231 e 232 que Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. [...] Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. (BRASIL, 1988) 43 Outro marco importante conquistado a partir da promulgação da Constituição de 1988 foi a reformulação das políticas públicas para Educação Escolar Indígena (EEI), a qual se inicia com a asseguração de direitos indígenas partindo do reconhecimento de suas particularidades enquanto grupo social diferenciado, por meio da Carta Cidadã, e repercutiu em projetos subsequentes tais quais a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996)” (BRASIL, 2002). Assim sendo, hoje a EEI está respaldada por leis que asseguram uma educação intercultural, respeitosa e diferenciada (BRASIL, 2002). Como visto anteriormente, uma das principais estratégias utilizadas para o controle e exploração de ameríndios como classe trabalhadora assimilada à sociedade nacional foram os projetos de “educação civilizatória” realizados a partir de 1549 por missionários jesuítas enviados pela Coroa Portuguesa (HENRIQUES, 2007). As missões realizadas pela chamada “Companhia de Jesus” tinham como intuito converter indígenas ao cristianismo e, para isso, percorriam aldeias buscando crianças a serem alfabetizadas e evangelizadas (SILVA; GRUPIONI, 1995). Essas práticas buscavam, por meio de ações educacionais, garantir a submissão indígena e facilitar seu controle tendo em vista os fins intencionados pela Coroa, atrelados à atuação da Igreja (SILVA; GRUPIONI, 1995). Como apontam Silva e Grupioni (1995), A submissão política das populações nativas, a invasão de suas áreas tradicionais a pilhagens e a destruição de suas riquezas, etc. têm sido desde o século XVI, o resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos de controle político a algum tipo de atividade escolar civilizatória. (SILVA e GRUPIONI,1995, p.149). Nesse contexto, foram organizados espaços conhecidos como “aldeamentos”, em que se formavam grupos de indígenas trazidos por missionários e se instalavam em agrupamentos similares a escolas, cujos objetivos eram o ensino do português como idioma oficial, a alfabetização e, principalmente, a catequese (HENRIQUES, 2007). Esse sistema de ensino para indígenas durou dois séculos, até a chamada “Reforma Pombalina”, a qual consistiu na expulsão dos jesuítas do Brasil e revogação do “Diretório de Índios”, uma secretaria portuguesa especializada nos processos civilizatórios de povos indígenas, com ênfase na educação escolar civilizatória (HENRIQUES, 2007). 44 Após a independência do Brasil, em 1822, Portugal perdeu seu posto enquanto responsável formal pela educação escolar de ameríndios, e esse papel voltou a ser exercido por missionários, na estrutura de aldeamentos (HENRIQUES, 2007). Como visto anteriormente, só em 1910, com a criação do SPI-LTN, jesuítas e beneditinos são mais uma vez expulsos e os encarregados por essa função passaram, então, a ser os militares, comandados pelo Marechal Rondon (HENRIQUES, 2007). Esse cenário foi marcado por disputas entre a missão jesuítica e beneditina e trabalhadores do SPI, visto que muitos missionários se recusavam a abandonar os aldeamentos e suas atribuições enquanto educadores. Outro ponto de conflito entre os dois grupos é que havia incompatibilidades entre o sistema educacional laico e positivista aplicado pelos militares e a catequese realizada pelos missionários, contudo, ambos os projetos apresentavam um ponto comum: a educação bilíngue (HENRIQUES, 2007). O “Programa de Educação Bilíngue” projetado pelo SPI baseava-se no uso da língua nativa “como ponte para o domínio da língua nacional”, a partir de uma metodologia conhecida como “bilinguismo de transição” (HENRIQUES, 2007, p. 14). Essa metodologia, focada no ensino de português como língua oficial a fim de promover a integração do indígena a uma cultura brasileira homogênea, vigorou até 1988, quando povos indígenas tiveram reconhecidos seus direitos enquanto grupo social diferenciado e, portanto, portador de organização social, línguas e tradições próprias e legítimas (HENRIQUES, 2007). Com a legitimação dos direitos indígenas, fez-se necessária a reformulação de políticas públicas para a Educação Escolar Indígena (EEI) no Brasil, e por meio do Decreto Presidencial 26/1991 a gestão no que tange a educação indígena passou a ser responsabilidade do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (HENRIQUES, 2007). Cinco anos mais tarde, foi instituída a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, a qual ressalta a importância de garantir que a educação escolar indígena, ainda que bilíngue, seja intercultural, ou seja, respeite as particularidades culturais e linguísticas de cada etnia, valorizando-as em ambiente escolar (BRASIL, 2002). Em 1998, o MEC lançou o “Referencial Curricular Nacional para a Escola Indígena (RCNEI)”, documento no qual são apontados eixos norteadores na EEI, assegurando a legitimidade de suas características culturais próprias dentro do 45 contexto educacional da terra indígena na qual se insere a escola (HENRIQUES, 2007). Os avanços obtidos na EEI após a Constituição de 1988 só foram conquistados após a insurgência de articulações de civis durante o processo de redemocratização brasileiro, e ainda existe um extenso caminho a ser trilhado na esfera pública para que os direitos indígenas sejam de fato garantidos e respeitados (HENRIQUES, 2007). Ademais, o modo de vida e a cosmovisão indígena partem de uma ótica diferente daquela vigente em modelos de sociedade urbano-industriais, de forma que sua análise pode contribuir para a construção de um novo paradigma de relação sociedade-natureza. 46 5. CONTRIBUIÇÕES DA COSMOVISÃO INDÍGENA PARA A REFLEXÃO RELATIVA À RELAÇÃO SOCIEDADE- NATUREZA De acordo com Guimarães (2016), a superação da “postura determinista da modernidade cientificista ocidental” deve se dar por meio da aproximação com culturas indígenas que, segundo o autor, pode ser uma prática “extremamente pedagógica e formativa para a Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória” (GUIMARÃES, 2016, p. 54). Ainda segundo o autor, a importância dessa aproximação se deve ao processo co-evolutivo das populações tradicionais e indígenas com o meio que as cerca e no qual se inserem, no qual desenvolveram técnicas ancestrais de manejo que não comprometeram “as condições de reprodução” da natureza e por isso, apresentam potencial para a promoção de sistemas “que efetivamente tenham na sustentabilidade socioambiental a base da organização social” (GUIMARÃES, 2016, p. 55). Ideias como essas são comuns em pesquisas sobre etnoecologia de povos indígenas, o que dá margem à interpretação da organização social dos mesmos como “sociedades ecológicas” e, dessa forma, um modelo a ser seguido para a promoção do desenvolvimento sustentável (GUIMARÃES, 2016). Nesse item busco apresentar algumas das características veiculadas por essa perspectiva. Carvalho (2017, p. 45) define “Sociedades Ecológicas” como aquelas construídas fora da lógica de custo-benefício e voltadas à economia, à racionalidade instrumental, ao individualismo, e aos ideais de progresso, portanto, alternativa à sociedade capitalista de consumo. A ideia de “sociedades ecológicas” pode ser aplicada a comunidades indígenas tendo em vista que, segundo Souza (2015, p. 93), para estas, a lógica a respeito da produção limita-se à satisfação de suas necessidades, planejada somente para repor a energia consumida, sendo assim, “não constituindo acúmulo de bens”. A autora afirma ainda que essa “sabedoria” deve ser valorizada e se tornar alvo de estudos, por se tratar de uma possível alternativa para a “sobrevivência da atual sociedade de risco” (SOUZA, 2015, p.93). Ainda de acordo com a autora, embora se observe que alguns grupos encontraram na inserção ao sistema econômico de mercado uma alternativa para sua 47 sobrevivência, frente à marginalização imposta e à recorrente perda de território, a autora diz que os meios de ação adotado pelos indígenas dentro desse sistema econômico são menos “destrutivos das regulações ecológicas da natureza” se comparado aos utilizados pelos não-indígenas (SOUZA, 2015 p.93). Isso porque a forma como o indígena se relaciona com a natureza, mesmo no âmbito do sistema econômico de mercado, é distinta de como ocorre no modelo capitalista, pois esses povos não interpretam o meio ambiente apenas como um espaço físico, mas sim como um meio de vida, constituindo uma relação social de reciprocidade com a natureza (SOUZA, 2015). Já de acordo com Afonso et al (2015, p. 182), a relação entre ser humano e meio ambiente observada em diversas etnias pauta-se no “animismo”, característica bastante presente nas cosmovisões indígenas, na qual se mantém a ideia da existência de uma alma ou espírito para fenômenos naturais, seres humanos e seres não-humanos. Dessa forma, a natureza é considerada um ser vivo e imanente, e por esse viés cabe ao ser humano desenvolver formas de percepção ambiental que respeitem a existência de cada ser que, junto com o indígena, compõe o todo representado pela natureza (SOUZA, 2015). Por esse viés, a perpetuação da espécie humana depende, portanto da existência dos demais “seres”, muitas vezes considerados como “recursos naturais” pela sociedade ocidental moderna (KRENAK, 2019). Essa cosmovisão está presente no imaginário coletivo do povo Krenak, como pode ser observado na passagem a seguir: O rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo de que alguém possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como coletivo que habita um lugar específico, onde fomos gradualmente confinados pelo governo para podermos viver e reproduzir as nossas formas de organização (com toda essa pressão externa) (KRENAK, 2019, p. 20). Para Krenak (2019), essa forma de se relacionar com a natureza é o que permite que o ser humano se identifique e sinta-se pertencente a ela, e para ele é nessa crença que se fundamenta a relação não predatória dos povos indígenas com o meio ambiente. 48 Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos (KRENAK, 2019 p. 23). Esse traço cultural marcante nas sociedades indígenas, que permeia inclusive aspectos econômicos das mesmas (SOUZA, 2015), por vezes é visto como o oposto ao que se observa na cultura ocidental, composta por muitos seres humanos "dicotômicos", que não se reconhecem como parte da natureza, mas sim como “os seres mais importantes do universo”, enxergando os demais como servos da sua existência (REIGOTA, 2017, p. 11). Esse sentimento de não pertencimento, resultado de um longo processo de desconexão entre homem e natureza, é o que mantém o caminhar da sociedade dentro do destrutivo sistema econômico vigente, o capitalismo. Nesse sistema, explora-se os recursos naturais para produzir bens de consumo, com a justificativa de melhorar a qualidade de vida da população mundial, mas ao mesmo tempo é incapaz de distribuir igualitariamente essa produção, deixando muitos na miséria e causando impactos desmedidos nas múltiplas esferas: ambientais, sociais e mesmo no âmbito econômico (REIGOTA, 2017). Dessa forma, em decorrência da falta das noções de integração e cidadania planetária, a sociedade contemporânea se torna uma sociedade em risco e coloca em ameaça também os demais seres que vivem no planeta Terra (SOUZA, 2015, p. 93). Frente ao apresentado, muitos são os defensores do projeto de transformação da “sociedade contemporânea predatória” em modelos que busquem a sustentabilidade ambiental, e que enxergam nas comunidades tradicionais e indígenas o vislumbre de um novo paradigma na relação humano – natureza, pautado em princípios de empatia, cidadania e sensibilização ambiental (BOFF, 1999; REIGOTA, 2017). Acosta (2019) é um desses autores, e aborda a necessidade de novas ordens sociais fundamentadas nos direitos humanos e direitos da natureza, apresentando os modelos sociais de grupos marginalizados como os povos ameríndios (os quais afirma possuírem uma visão de mundo particular na qual há espaço para o reconhecimento 49 da diversidade de valores culturais) como uma “oportunidade” de construção de modelos de sociedades mais harmônicas entre os seres humanos e a natureza. Ainda que seja recorrente o retrato das sociedades indígenas como um “ideal de paradigma de relação homem-natureza”, Gonçalves (1989, p. 75) alerta que essas ideias podem ser fruto de uma idealização quanto aos ameríndios, advinda do mito do “bom selvagem”, sobre o qual discorremos anteriormente. Uma vez já apresentado o conceito de “bom selvagem” e exploradas as ideias hegemônicas e etnocêntricas que colocam as sociedades indígenas como inferiores à sociedade ocidental moderna cabe perguntar como esses povos são interpretados no campo da produção teórica (teses e dissertações) em Educação Ambiental no Brasil. Assim sendo, nas próximas seções dessa pesquisa serão apresentados os resultados obtidos por meio da análise do corpus documental dessa investigação, ou seja, teses e dissertações em Educação Ambiental que tem como foco de estudo povos indígenas no Brasil. Primeiramente, serão abordados aspectos como o locus de produção e as etnias estudadas pelos trabalhos já produzidos e presentes no banco de dados do Projeto Earte e em seguida, serão analisados os quatro trabalhos selecionados, a partir dos critérios já explicitados, cujo desenvolvimento atende aos propósitos dessa pesquisa, ou seja, compreender de que forma é tratada a relação indígena – natureza e como se aborda a identidade ameríndia nesses estudos. 50 6. MAPEAMENTO DAS TESES E DISSERTAÇÕES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL QUE TEM COMO FOCO DE ESTUDO POVOS INDÍGENAS Essa seção tem como objetivo apresentar um mapeamento da produção teórica (teses e dissertações) em EA relacionada à temática indígena no Brasil e para tal, serão levantados diferentes aspectos dos trabalhos que compõem o corpus documental, entre eles, as Instituições de Ensino Superior (IES) e as Unidades Federativas (UF) nas quais estão localizadas; os Programas de Pós- Graduação (PPG) aos quais estão vinculados; áreas de conhecimento nas quais as pesquisas foram desenvolvidas, bem como o ano de publicação e grau de titulação das mesmas. Das trinta e uma pesquisas identificadas, vinte e nove são dissertações e apenas duas são teses, sendo o período de publicação os anos de 1999 a 2015. Segundo Lorenzetti (2008), a disparidade na produção acadêmica em programas de mestrado em comparação aos de doutorado acontece devido à maior disponibilidade de cursos de mestrado, sendo duzentos e doze, enquanto os programas de doutorado ativos na época de publicação do trabalho eram apenas quarenta (LORENZETTI, 2008). Ademais, o autor aponta a lenta produção científica em EA ao longo dos anos seguintes a seu surgimento, nos anos 1980, e na maior difusão da EA em âmbito acadêmico a partir dos anos 2000 (LORENZETTI, 2008). Concomitante ao desenvolvimento da EA enquanto campo de estudo, a retomada da temática indígena fora do contexto da antropologia clássica também se deu no final do século XX, em decorrência do reconhecimento da cidadania dos povos indígenas por meio da Constituição de 1988 (LUCIANO, 2011). Além disso, data desse período a inclusão do termo “indígena” como uma das opções no tópico “raça e cor” no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (PAGLIARO, 2009). Dado esse contexto, é possível compreender a crescente incidência da questão indígena nas pesquisas em EA a partir dos anos 2000, como observado no atual trabalho, no qual a primeira pesquisa que trata de povos indígenas presente no banco de dados do EArte data de 1999, ainda que o projeto contemple estudos realizados a 51 partir de 1981. Dados referentes a distribuição temporal das teses e dissertações que compõem o corpus documental definitivo são apresentados no Gráfico 1, a seguir. Gráfico 1: Número de teses e dissertações em E.A que constituem o corpus documental analisado na presente pesquisa por ano de produção. Fonte: dados da pesquisa, elaborado pela autora. Quanto ao locus da produção dos trabalhos, a Figura 1, apresentada a seguir mostra os estados, as IES, a dependência administrativa da instituição e o número de trabalhos desenvolvidos em cada uma delas. Este mapa é uma representação ilustrativa do locus da produção documental analisada, dessa forma, os marcadores coloridos, utilizados para representar as instituições e indicados com suas respectivas siglas, não estão posicionados na localização geográfica exata de suas dependências físicas. A coloração dos balões diz respeito ao departamento administrativo da referida instituição. O verde é empregado para as IES federais, amarelo para as estaduais e vermelho para as instituições privadas, conforme mostra a legenda da figura. O número centralizado nos marcadores indica a quantidade de trabalhos realizados por instituição. 52 Figura 1 - Mapa das Instituições de Ensino Superior nas quais foram defendidas as pesquisas do corpus documental, por Unidade Federativa do Brasil. Fonte: elaborado pela autora. O mapa acima apresenta vinte e uma IES, sendo quatorze federais, cinco privadas e três estaduais, de forma a reafirmar que a maioria da produção científica em EA no país, acontece em universidades públicas, conforme expôs Carvalho (2016). Nesse caso, as instituições públicas são responsáveis pela produção de 81,25% do corpus documental da presente pesquisa. Em relação à localização geográfica das IES, Lorenzetti (2008) levanta a possibilidade da pesquisa em EA no Brasil estar diretamente associada com a distribuição dos PPGs pelo país, organizada de acordo com a maior oferta da seguinte maneira: 58,3%, na região sudeste; 18,9%, na região sul; 14,2%, na região nordeste; 5,6%, na região centro-oeste, e 3,0%, na região norte (LORENZETTI, 2008, p. 68). Os resultados obtidos, porém, não acompanham essa ordem de distribuição. Em 53 termos de quantidade de investigações desenvolvidas em EA associadas a temática indígena, a maioria delas ocorreu no centro-oeste, totalizando 35,5%; seguido pelas macrorregiões sudeste e sul, com 22,6% cada; nordeste, com 19,3%, e a região norte, por sua vez, não apresentou registros de produção. Uma das possíveis explicações para a maior ocorrência de publicações na região centro-oeste é a presença do Parque Indígena do Xingu, localizado no estado do Mato Grosso, e considerado uma referência em proteção à cultura indígena, visto que sua fundação representa um marco nacional na luta em prol da demarcação das terras indígenas no Brasil (WEIS, 2011). Homologado em 1961, o Parque Indígena do Xingu foi a primeira terra indígena de grandes proporções demarcada pelo governo federal (WEIS, 2011). Ainda de acordo com Weis (2011), foi também o primeiro parque a abrigar diversas etnias indígenas, sendo catalogadas dezesseis até o ano de 2011, das quais pelo menos cinco foram mencionadas por trabalhos constantes do corpus documental. No que tange às “áreas do conhecimento” às quais pertencem as pesquisas do corpus documental, deve-se considerar que as mesmas correspondem a uma forma de organização com função administrativa, dispostas em uma organização que compreende quatro níveis, do mais geral, denominado “Grande Área” a partir da qual se dividem as quarenta e oito áreas de avaliação da CAPES, seguida por categorias mais específicas, denominadas “Área de Avaliação”, “Subárea” e “Especialidade” (CAPES, 2014). Considerando que “Grande Área” e “Área de Avaliação” são suficientes para dimensionar a diversidade do locus da produção documental, foram classificados os PPG apenas nestes dois itens, como se apresenta no Quadro 5, apresentado a seguir. Quadro 5 - Classificação dos Programas de Pós-Graduação em: “Grande Área” e “Área de Avaliação”, segundo critérios da CAPES. Grande Área Área de Avaliação Programa de Pós Graduação Tr./PPG Ciências Humanas Antropologia/Arqueologia Antropologia 2 Educação Educação 13 54 Educação Brasileira 1 Educação, Arte e História da Cultura 1 Geografia Geografia 3 Educação e Tecnologia Educação e Tecnologia 1 Ciências da Saúde Saúde Coletiva Saúde Pública 1 Ciências Agrárias Ciências Agrárias Extensão Rural 1 Multidisciplinar Ciências Ambientais Ciências Ambientais 3 Ensino Ciência e Matemática? (Educação em Ciência e Matemática) 1 Ensino de Ciências 3 Interdisciplinar Desenvolvimento Local 1 *Tr./ PPG: Quantidade de trabalhos por Programa de Pós-Graduação. Fonte: elaborado pela autora. Conforme apresentado no Quadro 5, acima, foram identificadas quatro grandes áreas, das quais a mais expressiva é a de “Ciências Humanas”, à qual pertencem 67,8% dos trabalhos.