UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Franca-SP ROBSON DE JESUS RIBEIRO GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA CRISE CLIMÁTICA E HUMANITÁRIA: Calamidade pública, riscos e emergência socioambiental na cidade de São Paulo Franca 2025 ROBSON DE JESUS RIBEIRO GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA CRISE CLIMÁTICA E HUMANITÁRIA: Calamidade pública, riscos e emergência socioambiental na cidade de São Paulo Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós- Graduação em Serviço Social, campus de Franca/SP, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social, Trabalho e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Maria José de Oliveira Lima Franca 2025 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). R484g Ribeiro, Robson de Jesus GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA CRISE CLIMÁTICA E HUMANITÁRIA: Calamidade pública, riscos e emergência socioambiental na cidade de São Paulo / Robson de Jesus Ribeiro. -- Franca, 2025 231 p.: il., tabs., fotos, mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Maria José de Oliveira Lima 1. Política de Assistência Social. 2. Crise Climática. 3. Emergência Socioambiental. 4. Gestão de Riscos e Desastres. 5. Justiça Socioambiental. I. Título. IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA Esta pesquisa busca promover um impacto significativo na sociedade, oferecendo contribuições para a reflexão crítica sobre a gestão de crises, integrando riscos socioambientais com a política pública de assistência social. Seu impacto social é relevante, especialmente para as populações vulneráveis que vivenciam situações de calamidade. Do ponto de vista econômico, a pesquisa pode resultar em uma gestão mais integrada dos custos com emergências, ao otimizar os recursos disponíveis e evitar danos maiores por meio de planejamento estratégico antecipado das intervenções. Além disso, no campo educacional e cultural, contribui para a formação de profissionais mais capacitados e sensíveis às questões climáticas e humanitárias. A pesquisa também apresenta potencial de internacionalização, ao propor soluções aplicáveis a outras cidades e países que enfrentam desafios semelhantes. No Brasil, pode influenciar políticas públicas, promovendo práticas sustentáveis e resilientes, alinhadas às necessidades contemporâneas de uma sociedade afetada pela crise climática e humanitária. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH This research aims to generate significant societal impact by offering critical insights into crisis management, integrating socio-environmental risks with public social assistance policies. Its social impact is especially relevant for vulnerable populations facing calamity situations. Economically, the research could lead to more integrated emergency cost management by optimizing available resources and preventing greater damage through the strategic planning of early interventions. In the educational and cultural fields, it contributes to the training of professionals who are more qualified and sensitive to climate and humanitarian issues. The research also holds international potential by proposing solutions applicable to other cities and countries facing similar challenges. In Brazil, it can influence public policies by promoting sustainable and resilient practices, aligned with the contemporary needs of a society affected by the climate and humanitarian crises. ROBSON DE JESUS RIBEIRO GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA CRISE CLIMÁTICA E HUMANITÁRIA: Calamidade pública, riscos e emergência socioambiental na cidade de São Paulo Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Franca-SP, para obtenção do título de Doutor em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social, Trabalho e Sociedade. Data da defesa: 08/07/2025 Banca Examinadora: ______________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Maria José de Oliveira Lima Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ______________________________________ Profa. Dra. Joana Carla Marques Vale Mendes Guerra Universidade de Coimbra (UC) – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação ______________________________________ Profa. Dra. Jane Cruz Prates Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Escola de Humanidades ______________________________________ Profa. Dra. Eliana Bolorino Canteiro Martins Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais ______________________________________ Profa. Dra. Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Dedico este trabalho aos meus pais, que nunca imaginaram que seu filho se tornaria doutor. Às minhas irmãs, Ada, Elaine e ao meu irmão Rodrigo. À Jamilly, minha primeira sobrinha, que, com muito esforço, se tornou a segunda da nossa família a conquistar uma vaga na universidade pública. Em nome dela, estendo a homenagem a todos os meus sobrinhos e sobrinhas, que são motivo constante da minha força e persistência. AGRADECIMENTOS A música "Fé", de Maria Bethânia, uma cantora que admiro profundamente e que se tornou a trilha sonora dessa minha jornada, expressa em seus versos exatamente o que sinto neste momento de agradecimento. Com sua poesia, Bethânia traz a força da fé e da esperança, dois sentimentos que me acompanharam incessantemente ao longo de todo o processo de construção deste trabalho. Assim como na canção, a fé foi o alicerce fundamental que me sustentou diante dos momentos difíceis, guiando-me por caminhos desafiadores e iluminando a minha trajetória. Minha jornada, que começou aqui e se estendeu além-mar, quando fui investigador visitante na Universidade de Coimbra, durante o período de doutorado sanduíche foi repleta de encontros, amor, aprendizados e suporte de pessoas especiais. Com essa inspiração, venho expressar minha mais profunda gratidão a todos que estiveram ao meu lado, apoiando, contribuindo e me impulsionando a acreditar que era possível concluir essa etapa. À Profa. Dra. Maria José de Oliveira Lima, minha orientadora, meu eterno reconhecimento pelo carinho, paciência e pela presença constante durante todo esse percurso. À Profa. Dra. Joana Carla Marques Vale Mendes Guerra, sou grato por me receber na Universidade de Coimbra - Portugal, pelo companheirismo e pelas valiosas contribuições na minha qualificação e ao longo desta jornada. Estendo também meus agradecimentos à Profa. Dra. Adriana Giaqueto Jacinto, que contribuiu significativamente para esta tese. Ao Grupo de Estudo e Pesquisa Gestão Socioambiental e a Interface com a Questão Social (GESTA), pelas valiosas contribuições teóricas e metodológicas que enriqueceram o desenvolvimento desta pesquisa. À Elis, minha companheira de quatro patas, que chegou há dois anos e transformou minha vida. Sua presença amorosa e fiel tornou os dias mais leves, a rotina mais doce e meu olhar sobre o mundo mais sensível. Nesta jornada, sua companhia foi conforto, inspiração e alegria. À Detinha (in memoriam), minha mãe paulistana, cuja partida precoce deixou saudades eternas. Ao João, pelos momentos especiais desde Coimbra. À Kettuly — Cruzamos oceanos até que nossos caminhos finalmente se encontrassem. Você foi a principal incentivadora na conclusão desta tese. Ao Daniel, por ter compartilhado parte dessa jornada comigo. Às minhas amigas Alê, Ana Diz, Andrea, Anna, Amanda, Camille, Carol Castro e família, Helene, Jaci, Ketully, Laurita, Mari e Sally pelos momentos de leveza, nos quais pude recarregar minhas energias para seguir com minha escrita. Às amigas brasileiras que conheci em Portugal – Cris, Ju e Mércia. Aos amigos Brandon, Daniel, Lucas, Luiz e Matheus. Mesmo que muitas vezes vocês não soubessem a importância de uma mensagem, de uma cerveja ou de um simples almoço, esses gestos foram fundamentais para que eu me mantivesse firme até aqui. Agradeço à banca examinadora, composta pela Profa. Dra. Eliana Bolorino Canteiro Martins, Profa. Dra. Jane Cruz Prates, Profa. Dra. Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira e Profa. Dra. Joana Carla Marques Vale Mendes Guerra, pelos questionamentos instigantes e pelo parecer que validou este trabalho. Agradeço pelo compromisso e pela dedicação ao processo de defesa. Este trabalho não teria sido possível sem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Processo: Nº. 88887.915153/2023-00 Vigência do Benefício: 01/09/2023 a 31/05/2024. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão da bolsa de pesquisa que foi fundamental para a finalização deste trabalho. Processo: Nº. 141496/2024-0 Vigência do Benefício: 11/07/2024 a 31/05/2025. Filho do Dono - Flávio José (Versão Adaptada) Não sou profeta, tampouco visionário, Mas a realidade do mundo é clara. Sou um viajante na estrada do destino, Mais um fio da tesoura e da navalha. Carrego a vida, tiro versos da cartola, Chora, viola, neste mundo sem amor. Desigualdade rima com hipocrisia, Não há verso ou poesia que console o cantador. A natureza se mistura à fumaça, Morre a criatura, e o planeta sente a dor. O desespero no olhar de uma criança, A humanidade fecha os olhos pra não ver. Televisão de fantasia e violência, Aumenta o crime, cresce a fome do poder. Boi com sede bebe lama, Barriga seca não dá sono. Eu não sou dono do mundo, Mas tenho culpa, porque sou filho do dono. “Parei de andar mundo afora, cancelei compromissos. Estou com a minha família na aldeia Krenak, no médio rio Doce. Há quase um mês, nossa reserva indígena está isolada. Quem estava ausente regressou, e sabemos bem qual é o risco de receber pessoas de fora. Sabemos o perigo de ter contato com pessoas assintomáticas. Estamos todos aqui e até agora não tivemos nenhuma ocorrência. A verdade é que vivemos encurralados e refugiados no nosso próprio território há muito tempo, numa reserva de 4 mil hectares — que deveria ser muito maior se a justiça fosse feita —, e esse confinamento involuntário nos deu resiliência, nos fez mais resistentes. Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês num apartamento numa grande metrópole o que é o meu isolamento? Desculpem dizer isso, mas hoje já plantei milho, já plantei uma árvore… Faz algum tempo que nós na aldeia Krenak já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse outro luto. Está todo mundo parado. Quando engenheiros me disseram que iriam usar a tecnologia para recuperar o rio Doce, perguntaram a minha opinião. Eu respondi: “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida”. Então um deles me disse: “Mas isso é impossível”. O mundo não pode parar. E o mundo parou. Vivemos hoje esta experiência de isolamento social, como está sendo definido o confinamento, em que todas as pessoas têm de se recolher. Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. Assistimos a uma tragédia de gente morrendo em diferentes lugares do planeta, a ponto de na Itália os corpos serem transportados para a incineração em caminhões. Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano. É como se tivéssemos várias crianças brincando e, por imaginar essa fantasia da infância, continuassem a brincar por tempo indeterminado. Só que viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades. De modo que há uma subumanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela — e isso também foi naturalizado.” O amanhã não está à venda Ailton Krenak (Krenak, 2020, p.11) RESUMO Esta tese analisa como a Política Municipal de Assistência Social é planejada e executada diante da intensificação de eventos extremos. Tendo como pano de fundo a pandemia da COVID-19, a pesquisa parte do reconhecimento de que crises sanitárias e climáticas se sobrepõem e aprofundam vulnerabilidades sociais e territoriais. Adotando uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório, o estudo fundamenta-se no método do materialismo histórico-dialético, por meio de análise bibliográfica e documental, com foco em legislações, protocolos e planos municipais. Analisa ações como a resposta da Política de Assistência Social à pandemia, a Operação Baixas Temperaturas, o Plano Preventivo para Chuvas de Verão e o Protocolo Municipal de Enfrentamento ao Calor Extremo. A análise revela que a gestão da assistência social em São Paulo enfrenta limitações estruturais, institucionais e financeiras para lidar com situações de calamidade pública e emergências socioambientais. Ao mesmo tempo, identifica estratégias relevantes adotadas por profissionais e gestores do SUAS, embora muitas vezes insuficientes diante da dimensão dos desafios. A tese conclui que a emergência climática atua como fator multiplicador das desigualdades e que uma resposta pública efetiva requer uma abordagem intersetorial, territorializada e orientada pela justiça social e ambiental. Palavras-chave: Política de Assistência Social, Crise Climática, Emergência Socioambiental, Gestão de Riscos e Desastres, Justiça Socioambiental. ABSTRACT This thesis analyzes how the Municipal Social Assistance Policy is planned and implemented amid the intensification of extreme events. With the COVID-19 pandemic as a backdrop, the research starts from the recognition that health and climate crises overlap and deepen preexisting social and territorial vulnerabilities. Adopting a qualitative and exploratory approach, the study is based on the method of historical-dialectical materialism through bibliographic and documental analysis, focusing on legislation, protocols, and municipal plans. It examines actions such as the Social Assistance Policy’s response to the pandemic, the Cold Weather Operation, the Summer Rain Preventive Plan, and the Municipal Protocol for Extreme Heat Response. The analysis reveals that social assistance management in São Paulo faces structural, institutional, and financial limitations in dealing with situations of public calamity and socio-environmental emergencies. At the same time, it identifies relevant strategies adopted by SUAS professionals and managers, though often insufficient given the magnitude of the challenges. The thesis concludes that the climate emergency acts as a multiplier of inequalities and that an effective public response requires an intersectoral, territorialized approach guided by social and environmental justice. Keywords: Social Assistance Policy, Climate Crisis, Socio-environmental Emergency, Risk and Disaster Management, Socio-environmental Justice. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 60 Figura 2 – ODS Centrais da tese 84 Figura 3 – Classificação de eventos extremos -PNPDC 133 Figura 4 – A atuação da assistência social nas diferentes estratégias de atenção em articulação aos conceitos da Defesa Civil 146 Figura 5 – Panfleto Informativo situação de altas temperaturas 179 Figura 6 – Reportagem G1 199 Figura 7 – Reportagem SPTV2 Figura 8 – Reportagem TV GLOBO/G1 Figura 9 – CFESS/15 de maio 200 200 206 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Palavras chave da tese 32 Mapa 1 – Covid-19 e idade média ao morrer na cidade de São Paulo 158 Mapa 2 – Covid-19 e moradia na cidade de São Paulo 158 Foto 1 – O último respiro 36 Foto 2 – Vista aérea dos caixões sendo enterrados no cemitério Parque Taruma em Manaus Foto 3 – Crise Humanitária / Minhocão São Paulo Foto 4 - Grande enchente atinge moradores da região do Jardim Pantanal em 1995 Foto 5 – Imagens aéreas mostram casas alagadas e ruas submersas pelas águas do rio Tietê no Jardim Pantanal em São Paulo 2025 100 150 203 203 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Pandemias e Epidemias de Saúde Pública no Mundo 112 Tabela 2 – Pandemias e Epidemias de Saúde Pública no Brasil 113 Tabela 3 – Principais Desastres Ambientais no Mundo 115 Tabela 4 – Principais Desastres Ambientais no Brasil 117 Tabela 5 – Principais Desastres Ambientais e de Saúde Pública em São Paulo 119 Tabela 6 – Temporalidade de Atuação em Emergências e Calamidades Públicas Tabela 7 – Mapa da Desigualdade de São Paulo 2024 Tabela 8 – Número de Solicitação de Acolhimento no Período de Baixas Temperaturas Tabela 9 – Número de Vagas de Acolhimento no Período OBT Tabela 10 – Planejamento Estratégico para Operação Baixas Temperaturas 2022 Tabela 11 – Motivos de Recusas de Acolhimento no Período OBT Tabela 12 – Plano Preventivo Chuvas de Verão – PPCV 2024/2025 Tabela 13 – Rede Cozinha Cidadã Tabela 14 – Assistência Social e os Desafios Frente às Emergências 133 154 169 170 173 174 177 197 215 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Sigla Significado AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida BM Banco Mundial CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CENTRO POP Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua CFESS Conselho Federal de Serviço Social CGE Centro de Gerenciamento de Emergências CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNS Conselho Nacional de Saúde COVID-19 Doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 CPAS Coordenação de Pronto Atendimento Social CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Serviço Social EIRD-ONU Estratégia Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas EPI’s Equipamento de Proteção Individual FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FMI Fundo Monetário Internacional GESTA Grupo de Estudos e Pesquisa Gestão Socioambiental e a Interface com a Questão Social GRD Gestão de Riscos de Desastres IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LGBTQIAPNT+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais, Não-binários e Transvestigêneres LOAS Lei Orgânica da Assistência Social OBT Operações Baixas Temperaturas OCHA Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio OMC Organização Mundial do Comércio OMM Organização Meteorológica Mundial OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas OPAS Organização Pan-Americana da Saúde PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família PIB Produto Interno Bruto PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo PPCV Plano Preventivo Chuvas de Verão PNAS Política Nacional de Assistência Social Sigla Significado PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente RIO 92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) SEAS Serviço Especializado de Abordagem Social SINPDEC Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil SMADS Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social SMDHC Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania SPTrans São Paulo Transporte S/A SUAS Sistema Único de Assistência Social UNCLOS Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNFCCC Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15 CAMINHOS METODOLÓGICOS .............................................................................. 27 1. CAPÍTULO 1 – “NÓS MESMOS SOMOS TERRA”: CONSIDERAÇÕES SOBRE EMERGÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS, CRISE CLIMÁTICA E PANDEMIA DA COVID- 19 ...............................................................................................................................37 1.1 O PARADIGMA DA SUSTENTABILIDADE EM DEBATE E OS FUNDAMENTOS DA QUESTÃO AMBIENTAL ................................................................................................ 41 1.2 O QUE É SUSTENTABILIDADE? ................................................................... 45 1.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: O PROCESSO HISTÓRICO DE UMA AGENDA GLOBAL .................................................................................................... 54 1.3.1 Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) — O CANTO DA SEREIA ..... 59 1.3.2 Crítica aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Revelando o Canto da Sereia........................................................................................................................................79 1.3.3 Os 7 ODS centrais dessa tese: uma análise crítica .......................................................... 84 2 CAPÍTULO 2 EMERGÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS, CRISE CLIMÁTICA E PANDEMIA: DESAFIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONTINGÊNCIA DE EVENTOS EXTREMOS ........................................................................................... 101 2.1 VULNERABILIDADE SOCIAL, QUESTÃO AMBIENTAL E A PRODUÇÃO DOS RISCOS...................................................................................................................104 2.2 CRONOLOGIA DAS CRISES SOCIOAMBIENTAIS: EMERGÊNCIAS E CATÁSTROFES AO LONGO DA HISTÓRIA .......................................................... 111 2.3 EMERGÊNCIAS E RISCOS SOCIOAMBIENTAIS, CRISE SANITÁRIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS: INTRODUÇÃO AO DEBATE DA SAÚDE GLOBAL ... 123 2.4 EMERGÊNCIAS E RISCOS SOCIOAMBIENTAIS: QUANDO É EMERGÊNCIA OU CALAMIDADE PUBLICA? ................................................................................. 130 3 CAPÍTULO 3 – A TERRITORIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO SOB A PERSPECTIVA DE EMERGÊNCIAS E RISCOS SOCIOAMBIENTAIS ................................................................................................ 151 3.1 ATUAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM EMERGÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS EM SÃO PAULO ................................................................... 162 3.1.1 Plano de Contingência para Situação de Baixas Temperaturas – OBT ........................ 165 3.1.2 PLANO PREVENTIVO CHUVAS DE VERÃO – PPCV ................................. 175 3.1.3 Plano de Contingência para Situações de Altas Temperaturas ..................................... 178 3.1.4 Plano de Contingência da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social para o funcionamento da rede socioassistencial, direta e indireta, do município de São Paulo durante a pandemia de COVID-19. ........................................................................................ 179 3.1.4.1 Acesso a banheiros, água e insumos de higiene pessoal .................................. 191 3.1.4.1.1 Renda Básica Emergencial São Paulo - COVID .............................................. 193 3.1.4.2 Programa Cidade Solidária ............................................................................... 194 3.1.4.3 Projeto Rede Cozinha Cidadã ........................................................................... 195 3.2 REFLEXÕES SOBRE EMERGÊNCIA SOCIOAMBIENTAL: O CASO DO JARDIM PANTANAL E JARDIM HELENA .............................................................. 197 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 204 4.1 “SERVIÇO SOCIAL NA LUTA POR JUSTIÇA AMBIENTAL PARA A DIVERSIDADE DE POVOS E BIOMAS” ................................................................. 204 4.2 AFINAL, A CRISE É CLIMÁTICA E HUMANITÁRIA! ........................................ 206 5 REFERÊNCIAS .................................................................................................218 15 INTRODUÇÃO O MUNDO NÃO PODE PARAR. E O MUNDO PAROU (KRENAK, 2020). Esta tese explora as diversas faces da crise socioambiental brasileira, que se agravou sob a influência da pandemia da COVID-19. Nesse contexto buscamos analisar a gestão da Política de Assistência Social frente à calamidade pública e outras experiências em emergências socioambientais na cidade de São Paulo. A escolha do tema é o resultado da conjunção de fatores, como a trajetória de estudos e pesquisas sobre a questão agrária, urbana e ambiental1 e ainda a preocupação sobre os impactos das situações de risco para as populações vulneráveis. É importante destacar a vivência profissional na gestão do Sistema Único de Assistência Social na Prefeitura de São Paulo. Acompanhei o surgimento das primeiras notícias sobre a nova gripe que alarmava o mundo, até a consolidação da pandemia mais devastadora da história moderna, que no Brasil até agosto de 2024 resultou em mais de 755 mil mortes e continua fazendo vítimas ao redor do mundo. A relevância social desta investigação está em oferecer contribuições significativas para o fortalecimento da política pública, particularmente em benefício das populações mais vulneráveis, que são as primeiras afetadas e as últimas assistidas em momentos de risco. Além do impacto social, ressalta-se também o potencial de contribuir para uma gestão mais eficaz e integrada, economicamente mais sustentável e politicamente mais comprometida com os direitos sociais. A pesquisa possui potencial de internacionalização, ao propor diretrizes e estratégias que podem ser adaptadas a outros contextos urbanos no Brasil e no mundo. Assim, os resultados pretendem não apenas fortalecer a política local, mas também contribuir para o desenvolvimento de um modelo de assistência social alinhado com as demandas emergentes de uma sociedade marcada por desigualdades e ameaças socioambientais. 1 O autor tem uma trajetória consolidada nos estudos da temática agrária e ambiental, com ênfase nas relações entre uso de agrotóxicos, desigualdade socioterritorial e violações de direitos. Para ver mais: RIBEIRO, Robson de Jesus. Os amargos frutos do trabalho brutal: agrotóxicos e saúde do trabalhador. Rio de Janeiro: Planeta Azul, 2016; RIBEIRO. Robson de Jesus. Desigualdade socioterritorial, violação de direitos e uso de agrotóxicos. Curitiba: CRV, 2022. 16 Este trabalho é resultado da trajetória acadêmica, profissional e de vida de Robson de Jesus Ribeiro, assistente social, bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Franca/SP, mestre em Geografia, com foco em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe e doutor em Serviço Social, com período de estágio de sanduíche realizado na Universidade de Coimbra, em Portugal. Atendendo à sugestão da banca examinadora desta tese, considera-se fundamental explicitar que o percurso que fundamenta esta produção científica vai além das formações acadêmicas, sendo expressão concreta de uma vivência marcada por experiências pessoais, sociais e coletivas que moldaram o olhar crítico e engajado do autor. A constituição do sujeito pesquisador, neste caso, não se dissocia de sua constituição como ser humano singular, forjado por suas origens, vínculos comunitários, lutas, desafios e compromissos éticos. A totalidade dessas vivências é parte constitutiva da escolha do tema, do recorte analítico e do compromisso político-epistemológico que atravessa este trabalho. Assim, a presente tese representa não apenas um exercício de rigor acadêmico, mas também uma expressão do engajamento com a transformação social, em sintonia com os princípios éticos e políticos do Serviço Social brasileiro. Este trabalho é resultado não apenas de uma trajetória acadêmica e profissional, mas também de uma caminhada de vida marcada por experiências profundamente ligadas às desigualdades sociais. Natural de Ribeirão Branco, município da região sudoeste do estado de São Paulo, historicamente conhecido como “ramal da fome” em razão de seus altos índices de vulnerabilidade social. Filho de pais camponeses, cresci entre a roça e os agrotóxicos, convivendo desde cedo com os impactos das desigualdades no campo e os riscos impostos pelas formas precárias de produção e trabalho rural. Fui, desde as primeiras etapas da vida escolar, aluno da escola pública e beneficiário de políticas públicas de transferência de renda, como o Bolsa Família, Ação Jovem e do Programa Acessa Escola. A universidade pública sempre foi a única possibilidade concreta de transformação da minha realidade, e foi nela que me reconheci e me formei como pesquisador comprometido com a justiça social. Ao longo do meu percurso no ensino superior, fui usuário das políticas de assistência estudantil, que foram fundamentais não apenas para o acesso, mas para a permanência e a conclusão do curso — elemento que, por vezes, é negligenciado nas discussões sobre democratização do ensino superior. 17 Rememoro, aqui, os agradecimentos feitos em minha dissertação de mestrado, pois continuam a ecoar com força neste momento: "Todos estes frutos que aqui juntos vês / Senhor da vida / Eu em cada um deles e em mim." Esta tese, portanto, é também expressão da coletividade que me formou, dos direitos que me alcançaram, das políticas que me sustentaram e das memórias que me movem. É, sobretudo, uma afirmação de que a produção do conhecimento pode e deve estar comprometida com a transformação social e com a vida concreta daqueles que historicamente foram silenciados. Envolvido diretamente nas discussões sobre emergências socioambientais e seus desdobramentos, e acumulando conhecimento teórico e prático sobre o tema, percebeu-se a necessidade de promover esse debate, fundamentado nos princípios éticos e políticos que norteiam o serviço social. Para iniciar as discussões sobre a gestão da Política de Assistência Social no enfrentamento da crise sanitária, foi fundamental revisitar a atuação do SUAS no município de São Paulo em outras emergências socioambientais que, com muita frequência, atingem a maior cidade do país. A partir dessas experiências, buscou-se compreender as estratégias adotadas no enfrentamento à pandemia, na atuação da Operação Baixas Temperaturas e Operação Chuvas de Verão e, ao mesmo tempo, compreender os desafios impostos por um cenário de mudanças climáticas incertas e imprevisíveis, como foi o caso da situação de altas temperaturas vividas no período de conclusão desta tese. A urgência em abordar esse tema nos impõe a tarefa, talvez utópica, de tentar sintetizar em um único trabalho a complexidade das emergências socioambientais combinadas com a crise sanitária. Entendemos que essas crises são produzidas e reproduzidas no mesmo contexto: o modelo capitalista de produção e reprodução, a partir de sua lógica estruturalmente destrutiva. Nos contextos em que o substrato da vida (água, solo, ar e demais componentes da biosfera) atende a prioridades do capital e se torna mercadoria, os processos catastróficos e/ou desastrosos deixam de ser tratados como fenômenos eventuais. Silenciosamente, eles são construídos e passam a ter uma cronicidade nas estruturas da dinâmica de acumulação capitalista, mostrando sua presença devastadora, principalmente, em períodos onde há interação entre fenômenos da natureza extremos e intensas desigualdades sociais, sendo condicionado e, ao mesmo tempo, expondo as múltiplas expressões indissociáveis da “Questão Social” e da “Questão Ambiental”. Mesmo porque não há como dissociá-las, notadamente em sociedades forjadas por tantas desigualdades e injustiças (Siqueira, 2020, p. 403). 18 Recordando um alerta do médico infectologista e diretor do Instituto Butantan, feito durante a 2ª Conferência FAPESP 2023 sobre “Vírus, Pandemia e Vacinas”, Kallás (2023) destacou que a probabilidade de o mundo enfrentar novas pandemias em um futuro próximo ou médio é muito alta. Para o pesquisador é necessário estar preparados e, isso significa, sobretudo, combater a pandemia da desinformação, promovida pelos negacionistas da ciência, e implementar rapidamente iniciativas eficientes de resposta. Kallás (2023) também afirma que as condições climáticas extremas têm impacto significativo na saúde humana. O calor excessivo, por si só, pode causar problemas de saúde, mas as mudanças climáticas também favorecem a propagação de doenças transmitidas por vias respiratória, hídrica e alimentar. Além disso, essas alterações contribuem para a expansão de vetores para regiões onde antes não eram encontrados. Um exemplo disso é o surto recente de dengue em Santa Catarina, explicou o pesquisador, destacando que o vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, historicamente não era registrado no Sul do país devido às baixas temperaturas. A próxima pandemia pode emergir de qualquer lugar. Essa foi a mensagem central da recente Cúpula Global de Preparação para Pandemias, realizada recentemente, que reuniu especialistas de diferentes partes do mundo no Rio de Janeiro. Conforme salientou Nísia Trindade (2024), então Ministra da Saúde do Brasil, a preparação do país para enfrentar futuras pandemias deve ser tratada como política de Estado – e não como uma ação de governo pontual. Em uma reportagem da BBC News Brasil intitulada "Por que uma nova pandemia nos próximos anos é praticamente inevitável”, Ferreira (2024) destaca que é altamente provável que a pandemia da COVID-19 não seja a última, considerando que a humanidade tem enfrentado episódios pandêmicos ao longo da história. Ferreira, sobre a inevitabilidade de uma nova emergência ressalta: Mas, afinal, por que essas pandemias são inevitáveis? Muitas pessoas se perguntam isso. A resposta está na destruição do meio ambiente. Vírus e outros microrganismos vivem naturalmente na natureza. Quando destruímos seus habitats, reduzimos o espaço em que eles podem existir. Assim, eles buscam alternativas para sobreviver e acabam saltando de um hospedeiro para outro. Não é por acaso que já tivemos casos de gripe aviária, suína e outras. Além disso, há outro problema: não apenas invadimos o espaço desses microrganismos, como também criamos novos ambientes para eles prosperarem. A criação intensiva de gado, porcos e frangos oferece novos territórios onde esses organismos podem se multiplicar e se adaptar (FERREIRA, 2024, p. 2). 19 Osterholm e Olshaker (2020) alertam que a próxima pandemia ocorrerá em um mundo marcado por um equilíbrio frágil, especialmente nos países em desenvolvimento. A invasão de habitats naturais tem aproximado reservatórios de patógenos animais das áreas urbanas e residenciais. Além disso, centenas de milhões de humanos e animais compartilham espaços cada vez mais estreitos, enquanto uma cadeia de suprimentos global conecta o planeta, fornecendo tudo, desde eletrônicos e autopeças até medicamentos essenciais, cuja ausência pode comprometer até mesmo o funcionamento de hospitais altamente equipados. Aith (2024) enfatiza que esse cenário não apenas é plausível, como amplamente previsível, e aponta que estamos criando riscos sem mensurar adequadamente os danos potenciais que podem atingir toda a humanidade: Para além de aumentar os riscos naturais, como temporais, ciclones e secas, o ser humano está criando ameaças cujo potencial de impacto para a sociedade ainda desconhecemos. Isso ocorre tanto por meio das novas tecnologias — como reprodução assistida, clonagem, engenharia genética e inteligência artificial — quanto pela ocupação urbana, que, no padrão brasileiro, já favorece a disseminação de doenças como dengue, zika, chikungunya, hanseníase e tuberculose. Para enfrentar esses desafios e reduzir os riscos ou os danos de uma nova pandemia, a humanidade precisa transformar radicalmente seu conceito de desenvolvimento. É necessário diminuir a produção de resíduos e passar a viver em harmonia com a natureza. Além disso, é fundamental mudar a matriz industrial e econômica, considerando a preservação ambiental como uma prioridade. É imprescindível respeitar os limites do meio ambiente e seu tempo de recuperação, interromper imediatamente a degradação e o desmatamento das florestas, fortalecer a ética na pesquisa e no cuidado, aprimorar os sistemas de vigilância em saúde dos países e da Organização Mundial da Saúde (OMS), e reduzir as desigualdades entre nações e dentro delas (AITH, 2024, p. 3). Segundo Barcellos et al., (2022), os desastres ambientais e mudanças climáticas, epidemias e pandemias não são eventos isolados, mas estão intrinsecamente ligados em uma rede complexa de fatores que afetam a saúde pública global. A interdependência desses fenômenos evidencia como a degradação ambiental pode favorecer a propagação de doenças infecciosas, assim como as crises de saúde podem ser intensificadas por condições ambientais desfavoráveis. Uma abordagem integrada é fundamental para enfrentar essas crises, protegendo a saúde humana e promovendo a sustentabilidade do meio ambiente. Diante da imprevisibilidade de novas catástrofes, desastres ambientais, epidemias e pandemias, exacerbadas pelo modelo de produção capitalista e suas consequências, como as alterações climáticas, vislumbrou-se a necessidade deste trabalho. 20 A presente tese trata de reflexões teórico-práticas na busca de compreender as formas de enfrentamento da COVID 19 na megalópole de São Paulo fazendo correlações com experiências de emergências e riscos socioambientais já consolidadas dentro da Política Municipal de Assistência Social. A motivação para desenvolver este estudo nasce no exercício profissional e se alimenta da curiosidade científica, do pesquisador , a partir da indagação: de que maneira a Política Municipal de Assistência Social da cidade de São Paulo, vem sendo planejada e executada no contexto de pandemia da COVID-19, considerando a necessidade de ajustes constantes no arcabouço legal do sistema de proteção social, a partir das transformações impostas pelo cenário de calamidade pública, além da realidade de desastres socioterritoriais frequentes na megalópole paulistana? Exerci, durante quatro anos, a função de Coordenador de Gestão de Parcerias na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Fui responsável pela coordenação das organizações da sociedade civil que executam serviços socioassistenciais na maior cidade da América Latina. Acompanhei a implantação de serviços durante o período de baixas temperaturas, a ampliação de vagas no período de chuvas de verão e estive na linha de frente durante a pandemia da COVID-19. A relevância das reflexões que trazem esta tese consiste em fornecer subsídios a partir da articulação dialética entre pensamento e ação, para a análise da Gestão da Política de Assistência Social no contexto da pandemia da COVID-19, e em regiões que vivenciam situações de emergências socioambientais, possibilitando ampliar as discussões a respeito das diretrizes de prevenção aos riscos, bem como ampliar a capacidade de intervenção de profissionais que atuam na formulação e execução dessas ações, minimizando os impactos no cotidiano da população, evitando a violação de direitos em áreas e grupos de maior risco. Desse modo, buscamos destacar aspectos centrais do atual cenário da sociedade brasileira, agravado pela crise imposta pela pandemia da COVID-19, para contribuir na compreensão sobre a condução da Política Municipal de Assistência Social em situações que necessitam de intervenções integradas para dar respostas urgentes às situações de emergências e riscos como, por exemplo, o Plano Preventivo para Chuvas de Verão e o Plano de Contingência para Situações de Baixas Temperaturas, ambos com calendários definidos e ações contínuas, pois, anualmente há a prevalência desses fenômenos na cidade de São Paulo. E ainda mais recente o Protocolo Municipal de Enfrentamento ao Calor Extremo de São Paulo, que 21 estabeleceu, em fevereiro de 2025, o Plano de Contingência para Situações de Altas Temperaturas. No Brasil, o relatório do PNUD (2024) aponta que as dimensões do desenvolvimento humano, como educação, longevidade e renda, estão intimamente ligadas à distribuição desigual de oportunidades, refletindo uma realidade em que as disparidades entre grupos sociais, como homens e mulheres, pessoas negras e brancas, ainda persistem. Esse cenário, reforçado por crises globais como as mudanças climáticas e a pandemia da COVID-19, intensifica as desigualdades sociais e econômicas, tornando ainda mais urgente a promoção da equidade e a ampliação de horizontes de oportunidades, fundamentais para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em paralelo, o UBS Global Wealth Report 2024 revela que o Brasil ocupa atualmente o 3º lugar no ranking de países mais desiguais do mundo, com um aumento significativo na concentração de riqueza nos últimos 15 anos. O país, atrás apenas da Rússia e da África do Sul, evidencia um crescente abismo entre ricos e pobres, o que agrava a situação de desigualdade social e limita a capacidade de expansão das oportunidades (UBS, 2024). Em uma escala global, as políticas sociais têm sido contestadas por determinados grupos que através dos direcionamentos neoliberais, associados à retórica de enfrentamento ao novo Coronavírus, tem se enfatizado a necessidade de contrarreformas, agravando, ainda mais, a situação de crise profunda que estamos vivendo, no qual, segundo Ribeiro e Lima (2025) as desigualdades se tornam mais visíveis, atingindo de forma distinta alguns grupos da população. As emergências socioambientais e as calamidades públicas tornaram-se questões de crescente urgência no cenário global, especialmente no contexto das mudanças climáticas, das desigualdades estruturais e do aumento da vulnerabilidade social. Esses fenômenos não só afetam o meio ambiente, mas também geram sérias consequências para a saúde das populações, intensificando problemas preexistentes e gerando demandas por cuidados médicos, sociais e psicológicos. Emergências socioambientais, como desastres naturais, epidemias e crises climáticas frequentemente resultam em calamidades públicas que afetam diretamente a saúde e o bem- estar das populações. Esses eventos intensificam a pobreza e a desigualdade social, a insegurança alimentar, a falta de acesso a serviços de saúde e a violência social, criando condições de extrema vulnerabilidade para grupos já marginalizados. 22 A conexão entre riscos socioambientais e necessidades de saúde das populações é amplamente documentada na literatura de saúde global2, que demonstra como as condições ambientais influenciam diretamente a saúde pública (WHO, 2021). Em um estudo sobre crises de saúde pública, Giulio (2023) argumenta que a saúde global deve ser compreendida dentro de um contexto que abarca as condições sociais e ambientais das populações, principalmente em áreas expostas a riscos elevados, como favelas e regiões periféricas de grandes metrópoles. A piora das condições de saúde durante emergências socioambientais está intimamente ligada à desigualdade estrutural, que limita o acesso a serviços adequados de saúde, saneamento, habitação e outros recursos essenciais. O Serviço Social desempenha papel crucial no enfrentamento de emergências socioambientais e calamidades públicas. A categoria atua diretamente nas comunidades afetadas, oferecendo suporte psicossocial, orientação, apoio à reconstrução de vínculos sociais e monitoramento das condições de vida. A intervenção profissional de assistentes sociais se dá por meio da articulação entre diferentes políticas públicas, como saúde, educação, assistência social e segurança, buscando soluções para os problemas imediatos e estruturais que surgem em momentos de crise (SANTOS, 2012). De acordo com o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2022), o Serviço Social deve adotar uma abordagem integrada durante as calamidades, utilizando estratégias interprofissionais e interinstitucionais para garantir uma resposta eficiente às necessidades das populações afetadas. Isso inclui o planejamento de ações emergenciais, o apoio psicológico e a busca por soluções para a proteção social dos indivíduos e das famílias, levando em consideração as especificidades do contexto socioambiental. Embora a atuação profissional de assistentes sociais não seja o objeto de análise neste trabalho, cabe destacar que a Política de Assistência Social é majoritariamente executada por profissionais dessa categoria, dito isso, torna-se relevante reconhecer o papel fundamental dessa categoria na efetivação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A Saúde Global propõe uma perspectiva integrada que considera as conexões entre as condições ambientais, sociais e políticas e seus impactos na saúde pública. Mészáros (2011) 2 Segundo Fortes e Ribeiro (2014), a Saúde Global envolve o conhecimento, o ensino, a prática e a pesquisa de questões e problemas de saúde supraterritoriais que extrapolam as fronteiras geográficas nacionais; seus determinantes sociais e ambientais podem ter origem em quaisquer lugares, assim como as suas possíveis soluções necessitam de intervenções e acordos entre diversos atores sociais, incluindo países, governos e instituições internacionais públicas e privadas. 23 alerta para o risco de autodestruição da humanidade diante da crise socioambiental global, uma vez que a negligência com os fatores socioeconômicos e ambientais pode levar a desastres ainda mais graves, afetando não apenas a saúde física, mas também a saúde mental e a coesão social das populações afetadas. Além disso, a saúde global enfatiza a importância de respostas coletivas, enfatizando a necessidade de colaboração entre governos, organizações internacionais, comunidades locais e profissionais da saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2021), a gestão de emergências socioambientais deve ser baseada em princípios de equidade e solidariedade, com foco na redução das desigualdades e na promoção da saúde para todas as pessoas, independentemente de sua classe social, raça ou localização geográfica. A articulação dos pontos de vista de outras áreas com a Saúde Global em emergências socioambientais oferece uma abordagem mais ampla e eficaz para o enfrentamento das crises. Tanto o Serviço Social quando a saúde pública, compartilham o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e garantir o acesso universal a direitos básicos, como saúde, segurança e assistência social. No entanto, os desafios são significativos, especialmente em um cenário de escassez de recursos e gestão pública ineficiente. A resposta a desastres deve ser organizada de maneira intersetorial, envolvendo a colaboração entre profissionais de diferentes áreas, como assistentes sociais, médicos, psicólogos, gestores públicos e lideranças comunitárias. A literatura sobre saúde global, como destaca Kickbusch (2017), já alertava para a necessidade de fortalecer a governança internacional da saúde e integrar dimensões sociais e políticas nas respostas sanitárias — uma urgência que se materializou de forma dramática durante a pandemia da COVID-19, evidenciando desigualdades estruturais e a fragilidade dos sistemas de proteção em escala global A pandemia mostrou o que significa uma crise multidimensional em escala planetária. Quando o surto de covid-19 começou a revelar a interconexão entre saúde e ambiente, a necessidade da ação climática nessa frente tornou-se mais evidente. A pandemia pôs os profissionais de saúde no foco das atenções. Ela expôs as profundas desigualdades no acesso ao atendimento médico diante de uma emergência global. Também ficou evidente a necessidade de reforçar e transformar os sistemas para melhorar a prevenção e a preparação no caso de futuras pandemias e outros grandes desafios que a saúde poderá enfrentar no século 21 – incluindo a mudança climática (KARLINER, 2024, p. 5). Buscamos também refletir sobre a indissociabilidade entre as dimensões agrária, urbana e ambiental, central para compreender a complexidade da emergência climática na contemporaneidade. As evidências da crise ecológica, como o colapso climático, a perda da 24 sociobiodiversidade, a degradação dos territórios e o aumento das desigualdades socioambientais expõem a falência de um modelo de desenvolvimento pautado no extrativismo predatório, na reprimarização da economia e na financeirização do campo. O avanço do agronegócio e da urbanização excludente, articulados à lógica do capitalismo dependente e colonial, intensifica a expropriação de povos originários, comunidades tradicionais e agricultores familiares, violando direitos territoriais e acirrando conflitos fundiários. Nesse cenário, o enfrentamento da crise climática exige a articulação entre justiça social e ambiental com políticas públicas alinhadas e integradas que reconheçam a função social da terra e o protagonismo dos sujeitos historicamente marginalizados, incluindo o papel do trabalho social na mediação dessas disputas e na construção de cidades e territórios mais justos e sustentáveis. Garantindo, assim, o direito dos povos da terra, das águas e das florestas de existir. A seguir, apresentamos os capítulos que compõem este trabalho. Cada parte deste estudo se dedica a explorar dimensões centrais da relação entre a gestão da Política de Assistência Social e os contextos de crise climática e humanitária, analisando como essa política pública responde — ou pode responder — às situações de calamidade, risco e emergência socioambiental. A partir da realidade da cidade de São Paulo, evidenciamos como os instrumentos, os serviços e as práticas da assistência social são mobilizados diante de eventos extremos, que afetam de forma desproporcional populações em situação de vulnerabilidade. No primeiro capítulo, intitulado "Nós mesmos somos terra: considerações sobre emergências socioambientais, crise climática e pandemia da COVID-19", buscamos contextualizar as emergências e os riscos socioambientais, a partir de análise teórica sobre os fundamentos da questão ambiental e da sustentabilidade e ainda discutir o paradigma da sustentabilidade a partir da discussão da justiça social, mais próximo dos princípios que orientam o Serviço Social. O capítulo também discute o desenvolvimento sustentável através de uma reflexão crítica dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Vale ressaltar que esta tese foi desenvolvida com o objetivo de integrar os ODS ao tema de estudo, sem renunciar as considerações e críticas fundamentais sobre as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). No segundo capítulo, intitulado "Emergências socioambientais, crise climática e pandemia: o desafio das políticas públicas na contingência de eventos extremos", 25 desenvolvemos uma análise estruturada sobre a produção social dos riscos na sociedade capitalista e seus desdobramentos em emergências socioambientais, desastres, epidemias e pandemias. A partir dessa perspectiva, são discutidos os limites e desafios das políticas públicas diante de tais eventos, com especial ênfase na capacidade de resposta do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A pandemia de COVID-19 é tratada como um marco revelador das lacunas históricas nas políticas sociais, evidenciando a fragilidade dos serviços essenciais diante da intensificação das desigualdades. O capítulo também aborda os efeitos da crise climática sobre os contextos urbanos, destacando como os eventos extremos ampliam vulnerabilidades preexistentes e afetam desproporcionalmente as populações em situação de pobreza. No capítulo terceiro capítulo, intitulado "A Territorialização da Assistência Social na Cidade de São Paulo sob a Perspectiva de Emergências e Riscos Socioambientais", o foco recai sobre a forma como a assistência social se estrutura nos diferentes territórios da cidade de São Paulo, diante dos riscos e desastres ambientais e como esses fatores influenciam a capacidade de resposta das políticas públicas em contextos de emergência. A territorialização é discutida como elemento central para compreender tanto as fragilidades quanto as potencialidades da rede socioassistencial frente à intensificação dos eventos extremos. Este capítulo contribui para a compreensão do território como categoria analítica e vivida, articulando-o às dimensões da política pública. Concluímos com a reflexão de como a crise climática é também uma crise humanitária e propondo uma reflexão sobre a necessidade de um planejamento intersetorial mais eficaz no enfrentamento de crises, destacando a importância do fortalecimento da gestão da política de assistência social como ferramenta central para mitigar os impactos das crises climáticas e humanitárias. Em tempos obscuros, a assistência social se torna um pilar fundamental para garantir a proteção social e a redução das desigualdades em uma cidade tão marcada por contrastes e vulnerabilidades como São Paulo, afinal, vivemos em tempos de crise climática, humanitária e de sanitária e precisamos fortalecer a atuação dessa política pública tão importante. Em um cenário de crescente vulnerabilidade social, marcado por enchentes, deslizamentos de terra e outros desastres ambientais, é essencial que a Política de Assistência Social se integre plenamente às estratégias de gestão de crises, articulando-se com as áreas da saúde, educação, infraestrutura e proteção civil. A articulação da assistência social com esses 26 outros setores é fundamental para garantir que as respostas não sejam fragmentadas, mas sim coordenadas, eficazes e com foco nas populações mais vulneráveis. A partir de 2025, a gestão municipal terá a oportunidade de consolidar políticas públicas mais sólidas, com um arcabouço legal e institucional robusto, que permita à Política de Assistência Social se tornar um pilar na gestão de emergências socioambientais (RIBEIRO; LIMA, 2025). A integração da assistência social não deve se limitar à resposta emergencial, mas também uma estratégia contínua de prevenção, acompanhamento e reintegração social após os desastres. O fortalecimento da rede de proteção social, com a ampliação dos serviços de acolhimento, orientação psicossocial e acesso à educação e ao emprego é um passo importante nesse processo (RIBEIRO; LIMA, 2024). A assistência social, ao ser integrada de forma mais estruturada nas políticas municipais de gestão de desastres, pode também desempenhar um papel importante na prevenção e mitigação dos riscos sociais associados aos desastres. Isso passa por políticas públicas que abordem as causas estruturais da vulnerabilidade, como a falta de moradia digna, a ocupação irregular do solo e a falta de infraestrutura urbana, que tornam as populações mais expostas aos efeitos devastadores das mudanças climáticas. Além disso, é fundamental que o município adote uma perspectiva intergeracional, assegurando que as ações de assistência social não atendam apenas às necessidades imediatas, mas também promovam um futuro mais seguro e justo para as futuras gerações. O conceito de sustentabilidade precisa ser incorporado ao trabalho social de forma a promover a equidade social e ambiental, garantindo que todos, especialmente as populações em situação de risco, tenham acesso às mesmas oportunidades de recuperação e desenvolvimento. Portanto, ao refletir sobre o papel da Política de Assistência Social no enfrentamento das emergências socioambientais, é essencial compreender que sua eficácia está diretamente ligada à sua articulação com outras políticas públicas, ao fortalecimento da rede de apoio social e à capacidade de agir de forma rápida e coordenada. A integração dessa política na gestão municipal não é apenas uma necessidade operacional, mas uma estratégia fundamental para construir uma sociedade mais resiliente, em que as populações em situação de vulnerabilidade possam não apenas garantir sua sobrevivência, mas também ampliar sua capacidade de resistência e reconstrução. Com a implementação de uma administração pública mais estruturada e comprometida, que reconheça a assistência social como um elemento central no enfrentamento das crises 27 socioambientais, São Paulo e outras cidades terão a oportunidade de transformar a fragilidade em força, criando um futuro mais inclusivo e sustentável para todas as pessoas. Esse movimento representa, portanto, uma oportunidade única de transformação — não apenas em termos de políticas públicas, mas também na forma como a sociedade compreende e se organiza para lidar com as crises sociais e ambientais —, buscando soluções mais justas e sustentáveis. A integração da Política de Assistência Social nesse processo, é a chave para garantir que ninguém fique para trás, especialmente as pessoas que por sua situação de vulnerabilidade, enfrentam os maiores riscos em tempos de crise climática e humanitária. CAMINHOS METODOLÓGICOS Tendo como referência a perspectiva teórico-metodológica voltada para a análise da realidade com base no método do materialismo histórico-dialético, esta tese é resultado de um estudo qualitativo, cuja concretude se deu por meio de pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada através da revisão de literatura em livros e artigos científicos que abordavam as temáticas centrais que orientaram esta tese, a constituição e uso do território, a questão ambiental, os riscos e desastres de natureza socioambiental, a Política de Assistência Social e as respostas às emergências socioambientais. Paralelamente, foi realizada a análise de documentos oficiais, como portarias, legislações, decretos e outros materiais pertinentes ao objeto de estudo. O percurso metodológico exigiu o trânsito por diversas categorias analíticas e o uso de um amplo conjunto de estudos e documentos. Esta tese intitulada "Gestão da Política de Assistência Social no enfrentamento da crise climática e humanitária: calamidade pública, riscos e emergência socioambiental na cidade de São Paulo", investigou como a gestão da política pública de assistência social, especialmente no nível municipal, tem respondido a eventos extremos e recorrentes que caracterizam a nova realidade socioambiental brasileira. Para tanto, a investigação explorou as diversas faces da crise socioambiental brasileira, que se agravou sob a influência da pandemia da COVID-19, para analisar a atuação da Política de Assistência Social frente à calamidade pública e outras experiências de emergências socioambientais na cidade de São Paulo. A partir dessas experiências concretas, investigou-se as estratégias de enfrentamento adotadas, como no caso da pandemia da COVID-19, da Operação Baixas Temperaturas, da 28 Operação Chuvas de Verão e, mais recentemente, da implementação do Protocolo Municipal de Enfrentamento ao Calor Extremo, diante de episódios de altas temperaturas registradas em fevereiro de 2025. A motivação para o desenvolvimento deste estudo nasceu do exercício profissional e da curiosidade científica do autor, a partir da seguinte pergunta de pesquisa: De que maneira a Política Municipal de Assistência Social da cidade de São Paulo foi planejada e executada no contexto da pandemia da COVID-19, considerando a necessidade de ajustes constantes no arcabouço legal do sistema de proteção social, em razão das transformações impostas pelo cenário de calamidade pública, além da realidade de desastres socioterritoriais frequentes na megalópole paulistana? Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa buscou analisar a gestão da Política Municipal de Assistência Social na cidade de São Paulo em contextos de calamidade pública e emergências socioambientais, com foco nos impactos da pandemia da COVID-19 e nos desastres recorrentes agravados pelas mudanças climáticas, visando compreender os desafios, estratégias e limites da proteção social em situações de risco e vulnerabilidade intensificada. A pesquisa se desdobra nos seguintes objetivos específicos: 1. Investigar como a Política de Assistência Social foi articulada e operacionalizada durante a pandemia da COVID-19, no município de São Paulo, considerando seus marcos legais, institucionais e operacionais; 2. Analisar as estratégias implementadas nas ações emergenciais, como a Operação Baixas Temperaturas, o Plano Preventivo para Chuvas de Verão, o Protocolo Municipal de Enfrentamento ao Calor Extremo e o Plano de Contingência da SMADS para o funcionamento da rede socioassistencial do município de São Paulo durante a pandemia da COVID-19. 3. Identificar os principais desafios enfrentados pelas equipes e gestores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) diante das emergências climáticas e sanitárias, incluindo as limitações estruturais, financeiras e técnicas; 4. Compreender como a lógica da gestão social em tempos de crise impacta os direitos das populações vulnerabilizadas e como essas populações são (ou não) incluídas nas respostas públicas. A formulação dos objetivos específicos apresentados revela um esforço metodológico importante para a construção de uma análise crítica e contextualizada da Política de Assistência Social, especialmente no contexto de crise múltipla vivenciado durante a pandemia da COVID- 29 19. No entanto, mais do que uma listagem de etapas de investigação é necessário refletir criticamente sobre o porquê e para que se propõem tais objetivos — isto é, qual a intencionalidade política e teórica que os sustenta. De início, o primeiro objetivo propõe investigar como a Política de Assistência Social foi articulada e operacionalizada durante a pandemia no município de São Paulo, considerando seus marcos legais e institucionais. Essa escolha revela uma preocupação com a mediação entre norma e prática, ou seja, em analisar se e como os princípios constitucionais e legais do SUAS foram efetivamente respeitados ou tensionados diante da urgência e da excepcionalidade provocadas pela pandemia. Ao fazer isso, a pesquisa ultrapassa a descrição dos fatos e propõe uma leitura crítica da capacidade do Estado de assegurar proteção social em contextos de crise. O segundo objetivo avança na análise ao concentrar-se nas ações emergenciais implementadas, muitas delas articuladas a riscos e eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas. Ao incluir a Operação Baixas Temperaturas, o Plano de Chuvas de Verão, o Protocolo de Calor Extremo e o Plano de Contingência, a pesquisa estabelece uma ponte entre a assistência social e a agenda climática, reconhecendo que as crises sanitárias e climáticas impõem desafios simultâneos à política pública — e que, muitas vezes, a população em situação de vulnerabilidade é a que mais sofre os efeitos dessas sobreposições. O terceiro objetivo é especialmente relevante ao buscar identificar os desafios enfrentados pelas equipes e gestores do SUAS. Trata-se de trazer à tona não apenas as limitações materiais, como a escassez de recursos ou a precarização do trabalho, mas também os conflitos ético-políticos que emergem quando se tenta operar políticas públicas em contextos de escassez, improviso e instabilidade institucional. Ao dar voz às equipes da linha de frente, o objetivo aponta para uma análise ancorada no cotidiano da política pública — e não apenas nas suas diretrizes normativas. Por fim, o quarto objetivo talvez seja o mais potente em termos críticos: compreender como a gestão social em tempos de crise impacta os direitos das populações vulnerabilizadas. Aqui, a pesquisa assume um posicionamento político claro: trata-se de entender não apenas o que foi feito, mas quem foi ou não incluído nas respostas estatais. Os objetivos indicam que esta pesquisa não se limita a descrever políticas e programas, mas pretende interrogar criticamente o papel do Estado na garantia de direitos sociais em contextos de crise, tensionando a distância entre o ideal normativo do SUAS e sua materialização concreta. Nesse sentido, ela se insere no campo da crítica social, contribuindo 30 para o debate sobre os limites e possibilidades da Política de Assistência Social como instrumento de justiça social em tempos de emergência sanitária, climática e humanitária. A justificativa da pesquisa está ancorada na necessidade de compreender os limites e as potencialidades da Política de Assistência Social diante de um cenário marcado pela intensificação das desigualdades socioambientais. Trata-se de um contexto em que crises sanitárias e climáticas não apenas se sobrepõem, mas se territorializam de forma desigual, aprofundando vulnerabilidades e configurando uma crise humanitária sem precedentes. Dessa forma, esta pesquisa não se limitou a identificar falhas e lacunas, mas propor caminhos para repensar a condução da Política de Assistência Social em tempos de crise, oferecendo subsídios para ações mais planejadas, integradas e sensíveis às especificidades territoriais e humanas da metrópole paulistana. A realidade social é marcada por constantes transformações que atravessam os campos político, econômico e cultural. Conforme destaca Netto (2011), as contradições não representam uma simples passagem entre fases, mas são forças propulsoras do movimento histórico. Por isso, para compreender tais fenômenos sociais de forma crítica e totalizante, este estudo adotou como referência o método do materialismo histórico e dialético da tradição marxista. Ao seguir esse referencial, compreendemos que a teoria marxiana, enquanto ciência geral do ser e da sociedade, fornece instrumentos para desvelar as relações de dominação e exploração que estruturam a sociedade capitalista. Conforme aponta Netto (2005), o método dialético oferece uma leitura crítica da realidade ao articular categorias como, mediação, totalidade, historicidade e contradição (GRIFO NOSSO). A historicidade dos fenômenos sociais expressa, acima de tudo, o reconhecimento de sua natureza processual e provisória — marcada pelo movimento e pela transformação constante do ser humano, da realidade e dos próprios fenômenos. Isso implica compreender que tais fenômenos não são estáticos, mas estão em permanente desenvolvimento. Por essa razão, só podem ser plenamente compreendidos por meio da análise de seu movimento histórico, a partir de recortes situados no tempo (PRATES, 2003). Nesta tese, adotamos a perspectiva teórico-metodológica fundamentada no materialismo histórico-dialético, em consonância com os pressupostos da Teoria Social Crítica. Essa abordagem constituiu o eixo orientador da análise, possibilitando uma apreensão mais profunda das estruturas sociais e de suas contradições. 31 O materialismo histórico-dialético é fundamental para visualizar as contradições inerentes ao movimento da realidade. Esse processo investigativo requer o desvelamento das múltiplas determinações da realidade. Conforme destaca Netto (2011): As ‘determinações mais simples’ estão postas no nível da universalidade; na imediaticidade do real, elas mostram-se como singularidades – mas o conhecimento concreto opera-se envolvendo universalidade, singularidade e particularidade. (NETTO, 2011, p. 45). Na pesquisa documental foram analisados os documentos oficiais, como o Plano de Contingência para Situações de Baixas Temperaturas, Plano Preventivo para Chuvas de Verão, o Protocolo Municipal de Enfrentamento ao Calor Extremo, o Plano de Contingência da SMADS para o funcionamento da rede socioassistencial do município de São Paulo durante a pandemia da COVID-19e a Portaria 46/SMADS/2010 que dispõe da Tipificação da Rede Socioassistencial do município de São Paulo com o objetivo de identificar o planejamento da Política de Assistência Social no município de São Paulo no sentido de garantias socioassistenciais em períodos de riscos e emergências socioambientais. A Perspectiva sociológica foi utilizada enquanto ferramenta para análise da questão ambiental e para seleção do referencial teórico utilizado. As principais referências teóricas que sustentaram esta tese se alinham a uma perspectiva crítica e interdisciplinar, articulando as dimensões socioambiental, urbana e agrária. A construção teórica está ancorada em autores que analisam as contradições estruturais do capitalismo contemporâneo e seus efeitos sobre as dinâmicas sociais, territoriais e ambientais. Essa base crítica possibilita compreender como os processos de mercantilização da natureza, a desigualdade no acesso à terra e aos bens comuns, e a segregação socioespacial se expressam de forma concreta nas cidades e no campo. Outrossim, é necessário reconhecer que as políticas sociais carregam contradições inerentes ao seu próprio processo de formulação e implementação. Em grande medida, suas ações incidem apenas sobre as franjas dos problemas sociais — isto é, atuam sobre os efeitos mais imediatos e visíveis das desigualdades — sem, contudo, enfrentar de forma estrutural suas causas profundas. Como afirmou a Profa. Dra. Jane Cruz Prates durante a banca de defesa do doutorado, as políticas sociais muitas vezes “atuam nas franjas do problema”, não alcançando sua totalidade estrutural (PRATES, 2025, comunicação pessoal). 32 Submetidas aos limites impostos pela lógica do capital, pelas correlações de forças institucionais e pelas disputas no campo político, essas políticas frequentemente assumem um caráter paliativo, fragmentado e compensatório. Com isso, promovem respostas pontuais, mas não rompem com os fundamentos que sustentam a reprodução da exclusão social e das desigualdades históricas. A definição desse referencial foi guiada pelo quadro analítico 1, que organizou as palavras-chave centrais identificadas ao longo da pesquisa, o qual foi complementado por uma nuvem de palavras que evidencia os conceitos mais recorrentes e significativos para a compreensão do objeto de estudo. Tal procedimento reforça a coerência entre a fundamentação teórica e os caminhos metodológicos adotados, contribuindo para uma leitura totalizante e historicamente situada da realidade investigada. Quadro 1- Palavras Chaves da tese Fonte: Elaborado pelo autor/ Infogran. A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida a partir de revisão da literatura especializada, em livros e artigos científicos, que focam o objeto de estudo desta investigação, sendo os principais; 33 A obra de Ricardo Abramovay (2012) contribuiu com a crítica à lógica produtivista da chamada “economia verde”, defendendo a urgência de um novo paradigma socioeconômico baseado na sustentabilidade, na solidariedade e na valorização da sociobiodiversidade. No mesmo campo de reflexão os estudos organizados por Leila da Costa Ferreira, ampliam a compreensão da crise ambiental global a partir da teoria da sociedade de risco, evidenciando como os perigos ambientais são socialmente produzidos e distribuídos de forma desigual, atravessando estruturas políticas, econômicas e institucionais. Complementarmente, Eli da Veiga, com suas contribuições sobre o entendimento do que é sustentabilidade. Para discutir a dimensão urbana e as desigualdades socioespaciais, o trabalho de Milton Santos foi referência fundamental e forneceu uma base teórica sólida para compreender a função social do território e a produção desigual do espaço urbano. Milton Santos, em especial, com obras como: O espaço do cidadão (2007), Manual de geografia urbana (2010) e O trabalho do geógrafo no terceiro mundo (1978), forneceu instrumentos conceituais para analisar criticamente os processos de urbanização excludente e a marginalização de sujeitos sociais em contextos de dependência e subdesenvolvimento. No campo do Serviço Social, a perspectiva crítica é representada por Marilda Iamamoto (2018), que discute a questão social e o trabalho profissional em tempos de capital fetichizado, destacando os desafios ético-políticos impostos pela reestruturação produtiva e pela financeirização da vida. Nesse mesmo eixo, os estudos de Aldaíza Sposati (2006) e Maria Carmelita Yazbek et al., (2020) contribuíram para a análise da seguridade social e das políticas públicas em tempos de crise, como evidenciado durante a pandemia de COVID-19, aprofundando a reflexão sobre as desigualdades estruturais e os limites da proteção social no Brasil. Somam-se a essas contribuições as análises de Dirce Koga, com ênfase nas dimensões territoriais da política social. As discussões sobre Serviço Social e sustentabilidade encontram fundamentação importante na obra de Maria das Graças Silva, que tem se dedicado a analisar criticamente as conexões entre a questão social, a crise socioambiental e os desafios ético-políticos enfrentados pelo trabalho profissional. Sua produção destaca como a sustentabilidade deve ser compreendida não apenas em seu aspecto ecológico, mas também em sua dimensão social, econômica e territorial, articulada às lutas por justiça social e aos direitos historicamente negados às populações vulnerabilizadas. 34 Utilizamos as obras de Ulrich Beck para discutir a concepção de risco, elemento importante nesta tese de doutorado, especialmente no que se refere à forma como a sociedade contemporânea lida com riscos globais, incertos e amplamente distribuídos. Essa abordagem permite compreender como o risco se tornou uma categoria estruturante das relações sociais, políticas e ambientais no contexto da modernidade reflexiva. A presente pesquisa abrangeu o período temporal de 2019 a 2024, esse recorte é fundamental para a análise das dinâmicas relacionadas à gestão da Política de Assistência Social diante das emergências socioambientais na cidade de São Paulo. Trata-se de um intervalo marcado por eventos significativos, como a institucionalização dos protocolos de contingência de Baixas Temperaturas e Chuvas de Verão em 2019 e também da pandemia da COVID-19 em 2020, que impôs intensos desafios aos sistemas de proteção social, além da intensificação de fenômenos climáticos extremos, como enchentes e ondas de calor. A escolha desse período permite observar não apenas as respostas imediatas do poder público, em especial da assistência social, como também as estratégias de adaptação, os ajustes normativos e operacionais implementados e os impactos acumulados sobre os trabalhadores do SUAS e os usuários dos serviços. A delimitação cronológica permite, ainda, identificar avanços, lacunas e possibilidades de aprimoramento das políticas públicas em contextos de crise. Para compreender o método histórico-dialético formulado por Karl Marx, destaca-se a contribuição de Netto (2006), que evidencia seu caráter processual, dinâmico e em constante transformação, essencial para a apreensão das múltiplas determinações da realidade social. O seu procedimento consistia sempre em avançar do empírico (os 'fatos'), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstruir, no plano do pensamento, todo este processo. [...] É um método, portanto, que, em aproximações sucessivas ao real, agarra a história dos processos simultaneamente às suas particularidades internas. Um método que não se forja independentemente do objeto que se pesquisa — o método é uma relação necessária pela qual o sujeito que investiga pode reproduzir intelectualmente o processo do objeto investigado (NETTO, 2006, p. 30-31). Por fim, a produção desta tese está ancorada na tradição crítica do Serviço Social, buscando articular os fundamentos teórico-metodológicos com as demandas concretas do cotidiano profissional, em especial na atuação em situações de emergências e riscos socioambientais. A pesquisa social, como destaca Guerra (2009), é parte constitutiva do exercício profissional de assistentes sociais e deve estar comprometida com a transformação da 35 realidade, a partir de uma perspectiva ética, política e historicamente fundamentada. Nas palavras de Netto (2006), é preciso compreender que a totalidade social é atravessada por contradições estruturais, que não podem ser ignoradas se o objetivo for uma intervenção social verdadeiramente transformadora. 36 Foto 1- O último respiro Fonte: Kevin Ochieng Onyango. 37 1. CAPÍTULO 1 – “NÓS MESMOS SOMOS TERRA”: CONSIDERAÇÕES SOBRE EMERGÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS, CRISE CLIMÁTICA E PANDEMIA DA COVID-19 Há algum tempo, temos observado um aumento expressivo na frequência e na gravidade dos desastres provocados por eventos climáticos extremos em escala global, com destaque especial para o Brasil. Esse cenário revela a vulnerabilidade dos sistemas socioambientais brasileiros diante da emergência climática e seus impactos. A região amazônica brasileira com muita frequência está em evidência nos noticiários nacionais e internacionais devido às secas extremas, que comprometem não apenas a sua biodiversidade e o equilíbrio climático global, mas também as condições de vida e trabalho de milhares de pessoas que habitam essa região e são afetadas, colocando em risco a manutenção de suas condições de vida e sobrevivência. Ao mesmo tempo, o sul e o sudeste do país vivenciam um excesso de precipitação sem precedentes tendo como consequência inundações e deslizamentos de terra, afetando vidas, economias locais e ocasionando a morte de milhares de pessoas e animais. Essas emergências socioambientais colocam na pauta do dia a urgência de medidas de intervenção por parte das políticas públicas. Para além da intensa crise ecológica, enfrentamos e ainda lidamos com os impactos da crise sanitária que abalou o mundo. Nesse sentido, é importante compreender que a ocorrência de epidemias e pandemias é facilitada pela perda da biodiversidade e pela intensificação da crise ambiental. Além disso, vivemos diariamente sob o impacto de inúmeras endemias. A pandemia da COVID-19 é a maior crise sanitária global dos últimos 100 anos após a gripe espanhola, com ela as ameaças à sociedade e à espécie humana emergem como prioridade na agenda de intervenção das políticas públicas, no sentido de criar formas de sobrevivência e subsistência especialmente para populações vulneráveis. Em artigo intitulado “We made the Coronavirus Epidemic”, de janeiro de 2020, o jornalista David Quammen escreveu: Invadimos as florestas tropicais e outras paisagens selvagens, habitats de tantas espécies de animais e plantas – e dentro dessas criaturas, tantos vírus desconhecidos. Derrubamos árvores; matamos animais ou os enjaulamos e os enviamos aos mercados. Desorganizamos ecossistemas e arrancamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo 38 hospedeiro. Frequentemente somos esse novo hospedeiro. Devemos lembrar, quando a poeira assentar que a covid–19 não é um evento novo ou infortúnio que se abateu sobre nós. Foi e é parte do padrão de escolhas que nós, os humanos, estamos fazendo (QUAMMEN, p.2, 2020). A pandemia da COVID-19, ao ser parte de um processo mais amplo e vinculada a ações e atitudes de grupos humanos em relação a outros humanos e ao planeta, reproduziu-se em uma complexa trama de relações socioambientais, intensificando riscos e acelerando o processo de morrer, principalmente das pessoas mais suscetíveis aos impactos. É importante recordar a Encíclica Laudato Si’ (2015), um dos documentos mais importantes do pontificado de Sua Santidade Papa Francisco Papa Francisco — recordamos com respeito sua memória, com impactos para além da Igreja — onde se demonstra a intrínseca articulação de processos que víamos como distintos e separados, ou seja, a conexão entre a história humana e a vida do planeta, o Sistema Terra: Tudo está intimamente interligado. A Terra não é um cenário inerte, dócil e disponível para ser explorada, subordinada, dominada, comprada e vendida. Não! A Terra, mãe e irmã, é matriz da Vida e é Vida. Organismo vivo e vivente. Embora tenhamos nos esquecido, é urgente relembrar que nós mesmos somos terra. O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos (FRANCISCO, 2015, n. 2, §2). O planeta Terra pede socorro! A emergência climática é uma realidade dos tempos atuais. A intensidade dos eventos climáticos extremos evidência que o planeta chegou em seu limite e é necessário criar processos de adaptação a fim de minimizar, mitigar e se adaptar aos riscos. Em recente relatório, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (2024) destaca que ações visando à redução da emissão de gases de efeito estufa, ainda que necessárias, já não são mais suficientes para mitigar os impactos já causados para o planeta, sendo, então indispensáveis e urgentes medidas de adaptação. Em âmbito internacional, o Acordo de Paris (2015), reconhece a adaptação como um desafio global e componente-chave para uma resposta de longo prazo às alterações climáticas do planeta. O Acordo inclui, entre suas metas, aumentar a capacidade adaptativa e a resiliência e reduzir vulnerabilidades para contribuir com o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, tratar de adaptação às mudanças climáticas implica trazer ao centro do debate da ação climática os grupos mais expostos e, com frequência, mais vulneráveis aos 39 efeitos dos eventos climáticos com o objetivo de compreender e agir sobre as desigualdades estruturais e conjunturais que afetam essas comunidades. Além disso, é necessário refletir sobre as capacidades adaptativas dos territórios — ou seja, das pessoas que estão envolvidas no processo cuja trajetória histórica é marcada pela hierarquização das relações sociais e inúmeras violações de direitos. As estratégias de adaptação e seu sucesso não dependem unicamente de governos, mas também de esforços coordenados e complementares, com envolvimento de organizações da sociedade civil, setor privado, academia e organismos internacionais. Esse esforço conjunto pode auxiliar na garantia e preservação dos direitos das populações vulneráveis que são as mais afetadas nesse processo. Nesse contexto, é importante que os conhecimentos produzidos sobre as estratégias de enfrentamento às questões socioambientais e de adaptação às mudanças climáticas sejam aplicáveis e sensíveis às múltiplas realidades locais e regionais que compõem os territórios brasileiros. Considerando a imensa diversidade cultural, social e ambiental do país, torna-se essencial que tais saberes sejam territorializados, respeitando as especificidades e necessidades de cada região, de modo a garantir respostas mais eficazes, equitativas e sustentáveis frente aos desastres e às emergências que afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Os desastres, sejam de origem nacional ou internacional, revelam de forma contundente as desigualdades existentes entre os países. Nações em desenvolvimento, marcadas por infraestrutura precária e com recursos limitados para resposta e recuperação, tendem a ser mais gravemente impactadas, uma vez que suas ações e serviços emergenciais costumam ser mais lentos e menos eficazes. As populações mais vulneráveis — como crianças, idosos e pessoas em situação de pobreza — estão entre as mais afetadas por esses eventos. Diante disso, a resposta a desastres exige uma coordenação eficaz entre governos, organizações não governamentais e instituições internacionais. A ajuda humanitária, o envio de equipes de resgate e a oferta de assistência financeira são elementos essenciais para mitigar os impactos imediatos e contribuir para a recuperação a longo prazo. Contudo, é igualmente fundamental enfrentar as causas estruturais dos desastres, promovendo a resiliência das comunidades e o fortalecimento da gestão de riscos, de modo a reduzir a frequência e a gravidade dos eventos futuros. Ressalta-se que as respostas aos desastres requerem uma interconexão global baseada na solidariedade e na cooperação entre as nações, além do comprometimento e responsabilização dos Estados e governos em todas as etapas: prevenção, mitigação, resposta e reconstrução (MARQUES, 2024, p. 77). Ressalta-se que as respostas aos desastres requerem uma interconexão global baseada na solidariedade e na cooperação entre as nações, além do comprometimento e da 40 responsabilização dos Estados e governos em todas as etapas: prevenção, mitigação, resposta e reconstrução. Diante da incerteza dos cenários futuros e da crescente imprevisibilidade de eventos climáticos extremos — como evidenciado pelas recentes chuvas no Rio Grande do Sul — torna- se ainda mais urgente unir esforços em diferentes níveis de governo e setores da sociedade. Desse modo, a gestão de riscos e desastres (GRD), de acordo com o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima é fundamental nas estratégias de adaptação às mudanças climáticas, principalmente por ser um processo social, permanente e contínuo. Por utilizar estruturas institucionais e comunitárias, a GRD ajuda a reduzir vulnerabilidades de comunidades e ecossistemas a eventos extremos e consequentemente aos desastres relacionados ao clima e ainda garantir a sobrevivência daqueles que vivem em áreas de risco. Riscos relacionados a desastres referem-se à potencialidade de ocorrer algo nocivo, danoso para a sociedade. Esse conceito, tão amplo e difundido, será melhor desenvolvido nas páginas seguintes a partir da análise sociológica dessa categoria. Desastres são fenômenos críticos extremos, complexos e com alta variabilidade, que podem decorrer a partir de eventos naturais ou tecnológicos, entendidos a partir de suas consequências, como mortes humanas, contaminação de ambientes, sofrimento social, perda de biodiversidade, intoxicações entre outras. Os desastres socioambientais podem ocasionar mudanças sociais, ambientais, culturais, políticas, econômicas e físicas, tanto de maneira imediata quanto processual, visto que não se encerram no momento de sua ocorrência. Trata-se de uma situação traumática, compulsoriamente assimilada pelas pessoas, com inúmeras expressões nas condições de vida daqueles que vivenciam esse processo. Por esse motivo, gerir riscos é se antecipar e propor ações no sentido de prevenir e reduzir a probabilidade e a intensidade de desastres, combinadas a medidas de resposta e contingência diante do risco que não pode ser mitigado. Na gestão de riscos, é indispensável identificar perigos (eventos climáticos prováveis), delimitar áreas e tipos de exposição, entender as fragilidades do meio físico e social e antecipar consequências. Nesse sentido, é imprescindível a busca por soluções globais para enfrentar emergências socioambientais, catástrofes, surtos e pandemias de forma mais rápida e equitativa. Esse é o principal desafio do tempo presente. 41 1.1 O paradigma da sustentabilidade em debate e os fundamentos da questão ambiental A discussão sobre sustentabilidade tem sido politicamente construída como a principal resposta à crise ambiental e humanitária da contemporaneidade. No entanto, para que a sustentabilidade se efetive como uma solução viável, é necessário integrar estratégias abrangentes que considerem não apenas a preservação dos recursos naturais, mas também a justiça social. A crise ambiental e humanitária exige uma abordagem complexa, na qual a sustentabilidade não seja apenas um conceito abstrato, mas uma prática concreta que promova a distribuição da riqueza socialmente produzida e contribua para a transformação estrutural das políticas públicas. A crise climática é uma crise global da saúde, que evolui rapidamente e que faz a pandemia parecer insignificante. As fortes tempestades, ondas de calor, inundações e secas severas que caracterizam a mudança climática já provocam grandes impactos na saúde humana. O estresse térmico agrava doenças pulmonares e mortes, aumenta o número de gestações de risco e afeta a idade gestacional e o peso de recém-nascidos. Os incêndios florestais causados por eventos climáticos poluem o ar em todos os continentes, provocando doenças respiratórias e várias outras enfermidades. No mundo todo, a infraestrutura de saúde foi abalada com esses eventos climáticos extremos, prejudicando a oferta de assistência médica. Casos de ansiedade climática e outros problemas de saúde mental estão aumentando. A elevação da temperatura também fomenta as doenças transmitidas por vetores, como malária, febre maculosa e chikungunya, em áreas onde não existiam ou não eram notificadas há muito tempo, colocando milhões de pessoas em risco (KARLINER, 2024, p. 2). Nesse cenário de urgência de novas formas de compreender os impactos das ações humanas ao meio ambiente o discurso da sustentabilidade ganhou espaço, notoriedade e adeptos, inclusive nas políticas públicas a partir de ações orientadas e influenciadas por agentes determinantes hegemônicos como o Banco Mundial, influenciando discursos e inclusive pautando o conhecimento científico. Essas orientações têm utilizado o termo desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico e discutem a questão ambiental tratando a questão ambiental como mera necessidade de gestão e ou planejamento ambiental sem maiores interações com o espaço e território e suas dinâmicas na totalidade. Entretanto, é importante destacar que, ao refletir sobre as novas formas de pensar e agir em relação ao ambiente, é fundamental compreender o espaço em sua dinâmica de produção e reprodução da vida em suas diversas territorialidades. As dinâmicas socioterritoriais 42 representam manifestações da crise ambiental, humanitária e política que enfrentamos atualmente e devem ser analisadas em toda a sua complexidade. Compreender essas dinâmicas é essencial para desenvolver abordagens eficazes que integrem tanto a sustentabilidade ambiental quanto as necessidades sociais e políticas das comunidades afetadas. Os processos sociais e tecnológicos adaptam e modelam o espaço em razão dos sistemas incorporados e estes vão dando lugar a novos sistemas que remodelam e organizam o espaço a partir da reconstrução da história, nesse sentido o espaço é construído historicamente e continuamente. Milton Santos, conceitua o espaço como: Algo dinâmico e unitário, onde se reúnem materialidade e ação humana. O espaço seria o conjunto indissociável de sistemas de objetos, naturais ou fabricados, e de sistemas de ações, deliberadas ou não. A cada época, novos objetos e novas ações vêm juntar-se às outras, modificando o todo, tanto formal quanto substancialmente. (SANTOS, 2010, p. 46). Além disso, para entender a complexidade dessa questão, Santos (1978) define o conceito de território, que está interligado ao conceito de espaço. No território, observa-se a expansão do capitalismo internacional, que se dissemina de forma desigual, enquanto o papel do Estado se enfraquece e se deteriora. Essa dinâmica revela como as relações de poder e as estruturas econômicas influenciam e moldam as condições de vida e o desenvolvimento regional, refletindo as profundas desigualdades geradas pelo processo globalizante. Nesse contexto, observa-se uma intensificação da apropriação da mais-valia, acompanhada pela desvalorização do papel do Estado e pela exaltação das empresas e do setor privado. O território, nesse cenário, transforma-se em palco privilegiado da expansão e multiplicação do capital, sendo apropriado pelos capitalistas por meio da divisão social do trabalho. Esse processo evidencia o fortalecimento da influência do capital sobre o espaço, onde as relações de poder e as dinâmicas econômicas passam a moldar profundamente a organização social e territorial. Como consequência, aprofundam-se as desigualdades e consolida-se o domínio do setor privado sobre os recursos e as oportunidades. Para Santos (1978) a utilização do território pela população é fundamental para a criação do espaço. Embora o território possa parecer imutável em seus limites, ele é, na verdade, um conceito dinâmico que sofre transformações ao longo da história. Assim, o território precede o espaço em termos de significado e influência, pois é a prática social e a interação das pessoas com seu ambiente que moldam e redefinem continuamente o espaço ao longo do tempo. 43 Observa-se uma centralidade crescente nas novas tecnologias, como a inteligência artificial, e nas redes digitais3, que moldam o tempo histórico e a dinâmica socioespacial em um contexto de intensificação da globalização e do neoliberalismo. O território vem sendo construído historicamente como uma negação da natureza e do ambiente natural. As transformações tecnológicas e as práticas econômicas dominantes reconfiguram o território, enfatizando a intervenção humana e a transformação do espaço em detrimento dos processos naturais, evidenciando a influência das forças globais sobre as estruturas locais e regionais. É a partir dessas reflexões que pretendemos discutir a ideia de sustentabilidade enquanto um paradigma e muitas vezes apropriado pelo capitalismo para justificar a degradação ambiental, criando métricas, padronizando modelos e quantificando o nível aceitável de poluição no meio ambiente em nome do lucro — e que, na atualidade, tem definido a condução das agendas políticas e empresariais em todo o planeta. A questão ambiental tem ocupado lugar central nos debates contemporâneos, especialmente em função das complexas interações entre a sociedade humana e o meio ambiente. Seus fundamentos estão ancorados na compreensão de que a natureza não deve ser vista apenas como um conjunto de recursos a serem explorados, mas sim como um sistema vital, cujos limites precisam ser respeitados para garantir a sobrevivência e o bem-estar das gerações presentes e futuras. Nesse sentido, torna-se evidente a lógica finita dos recursos naturais e a necessidade urgente de repensar as relações de exploração e dominação da natureza. Sob o signo do capital, a humanidade vem aprofundando sua trajetória de destruição da natureza, em níveis cada vez mais inquietantes. As evidências deste processo encontram-se na escassez dos recursos não renováveis, nos níveis de aquecimento planetário, nos efeitos catastróficos dos dejetos industriais e poluentes diversos, na produção incessante de mercadorias descartáveis, numa demonstração inconstante de que o modo de produção capitalista não exerce um domínio adequado e planejado da natureza, revelando uma contradição crescente entre as necessidades de expansão da produção e as condições do planeta para prover esse desenvolvimento (SILVA, 2010, p.32) . 3 Para Afonso (2021), as inovações tecnológicas, nomeadamente as que dizem respeito às tecnologias digitais, estão no cerne das sociedades contemporâneas, estruturando o trabalho de instituições e organizações de diferente natureza; as formas de governação, de administração e gestão; as condições de investigação; os processos (materiais e imateriais) de criação, produção e mercadorização; a criação de redes e estratégias de mobilização coletiva; o acesso à informação; a utilização de bases de dados, as teias que ocultam fins obscuros ou ilegítimos, mas também as práticas quotidianas de interação solidária e dialógica, entre muitas outras funções. 44 É importante também discutir a Relação Homem-Natureza que historicamente tem sido marcada por uma visão antropocêntrica, onde a natureza é vista como uma fonte inesgotável de recursos para sustentar o progresso humano. No entanto, a Revolução Industrial e o subsequente crescimento econômico e populacional intensificaram a exploração dos recursos naturais, levando à degradação ambiental em larga escala. Essa visão utilitarista da natureza começou a ser questionada à medida que os impactos negativos dessa exploração se tornaram evidentes, como a poluição, a destruição de ecossistemas e a perda de biodiversidade. Outro debate necessário é o dos limites planetário introduzido por Rockström et al,. (2009), segundo o autor os limites planetários definem as fronteiras ecológicas que, se ultrapassadas, podem levar a mudanças ambientais catastróficas e irreversíveis. Esses limites incluem fatores como mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, perda de biodiversidade, e ciclagem de nutrientes. A compreensão de que o planeta tem uma capacidade limitada de suportar as atividades humanas é fundamental para a formulação de políticas ambientais que visam à sustentabilidade. Na discussão sobre questão ambiental, é importante discorrer sobre os ecossistemas, que são sistemas complexos que interagem e se au