LUCIANO CÁSSIO LUGLI Prototipagem de soluções tecnológicas, alfabetização matemática na educação infantil e deficiência sensorial Parametrização de características assistivas São José do Rio Preto 2018 Campus de São José do Rio Preto LUCIANO CÁSSIO LUGLI Prototipagem de soluções tecnológicas, alfabetização matemática na educação infantil e deficiência sensorial Parametrização de características assistivas Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa. Dra. Deise Aparecida Peralta São José do Rio Preto / SP 2018 Campus de São José do Rio Preto Lugli, Luciano Cássio. Prototipagem de soluções tecnológicas, alfabetização matemática na educação infantil e deficiência sensorial: parametrização de características assistivas / Luciano Cássio Lugli. -- São José do Rio Preto, 2018 130f. : il. Orientador: Deise Aparecida Peralta Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto 1. Alfabetização matemática. 2. Educação de crianças. 3. Educação especial. I. Título. CDU – 372.2 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Campus de São José do Rio Preto LUCIANO CÁSSIO LUGLI Prototipagem de soluções tecnológicas, alfabetização matemática na educação infantil e deficiência sensorial Parametrização de características assistivas Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profª. Drª. Deise Aparecida Peralta Comissão Examinadora Profª. Drª. Deise Aparecida Peralta UNESP – Campus de Ilha Solteira Orientadora Prof. Dr. Raul Aragão Martins UNESP – Campus de São José do Rio Preto Profª. Drª. Fabiana Maris Versuti-Stoque USP – Departamento de Psicologia / FFCLRP – Campus de Ribeirão Preto São José do Rio Preto 20 de dezembro de 2018 Agradecimentos Agradeço inicialmente a minha família, que tem me apoiado incondicional e ininterruptamente. Aos meus pais, minha esposa Ieda Alves, e familiares que sempre me motivaram e me auxiliaram nas várias etapas premissas de mais uma pesquisa acadêmica. Ao meu descendente recém apresentado ao período sensório-motor, Bernardo H. Lugli (i.e. #bebeBennie), que iniciou suas pequenas descobertas, desenvolvimentos e aprendizados, acompanhado de genitores professores, num ambiente que integra biblioteca pessoal variada, laboratório de insanidades robóticas e dependências motivacionais ao aprendizado sith em Star Wars, sendo assim, um promissor pesquisador multitarefas Darth-based. À professora Deise A. Peralta, pela orientação, acompanhamento fundamental ao longo do período de pesquisa deste mestrado acadêmico, que trouxe até mim informações, motivações e aprendizados imensuráveis à minha formação, me apresentou a Teoria Crítica e a sólida teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas, a qual se caracterizou na base discursiva, interpretativa e argumentativa em “como” relacionar assuntos e temas educacionais complexos distintos num contexto social-pedagógico estruturado, integrando o construtivismo na alfabetização matemática infantil e a crítica na comunicação social, abrangendo características de soluções tecnológicas implementáveis na efetiva inclusão escolar de crianças com deficiências sensoriais distintas. Ao GEPAC, pela transferência determinante de conhecimentos e práticas educativas nas várias reuniões na FEIS/UNESP, pelo coleguismo e companheirismo em discussões fundamentais desta pesquisa. Ao professor Raul A. Martins, fundamental nas pesquisas sobre construtivismo, epistemologia genética, teorias da gênese do conhecimento na criança e tantas outras literaturas postuladas por Jean Piaget, relevantes nas temáticas educacionais infantis para esta pesquisa (em adendo ao inestimável auxílio pessoal que, por ser acadêmica desta área, recebi de minha esposa). Aos demais professores do programa de pós Interunidades, funcionários da FEIS e IBILCE/UNESP, colegas de disciplinas, de linhas de pesquisas, conferências e de saberes em comum, à tão pretendida temática da efetiva inclusão escolar. “O direito à escola do cego e qualquer pessoa com deficiência sensorial é indubitável.” Valentin Haüy RESUMO No ambiente escolar, em referência à normas e legislações que regulamentam as necessidades educativas especiais, crianças com deficiências sensoriais são submetidas ao uso de tecnologias atuais, que não atendem ou não aprimoram requisitos-base de comunicação tanto pela interação, quanto pela implementação. Assim, a corrente pesquisa objetiva a parametrização e validação de características assistivas em dispositivos tecnológicos que viabilizem interações comunicativas na alfabetização matemática entre crianças com deficiências sensoriais distintas (auditiva e visual) na educação infantil, entre 3 e 5 anos. A metodologia baseia-se nas abordagens relacionadas ao construtivismo de Piaget no período pré-operatório e na teoria do agir comunicativo de Habermas, sendo dividida em três temáticas: a educação infantil e o ensino da matemática sob uma base construtivista; a educação inclusiva por meio de tecnologias assistivas (TA) pedagógicas; a perspectiva social e crítica da comunicação à efetiva inclusão. Ainda, é proposto, parametrizado e validado um protótipo referencial generalista em software que simula a comunicação direta entre crianças com deficiência auditiva (DA) e crianças com deficiência visual (DV), implementado em sistemas computacionais no processamento de imagens e reconhecimento de padrões de sinais gestuais-visuais na Língua Brasileira de Sinais e sistemas embarcados que traduzem tais sinais na linguagem tátil. Sob a perspectiva construtivista-crítica, defendeu-se nesta pesquisa que desenvolvimento de recursos em tecnologia assistiva viabilizam interações sociais em vários ambientes de ensino e aprendizagem de crianças com deficiências sensoriais distintas (e línguas/linguagens distintas), desde a educação infantil, tendo a margem estimativa de, efetivamente, serem incluídas em sociedade, iniciando pela inserção, interação e integração mútuas em respeito a diversidade e heterogeneidade iniciadas e desenvolvidas em contextos escolares e extraescolares. Palavras–chave: Teoria Crítica, alfabetização matemática, deficiência sensorial, educação infantil, tecnologia assistiva. ABSTRACT In school environment, in reference to norms and legislation which regulate special educational needs, children with sensory disabilities are subject to the use of current technologies that do not attend or improve basic communication requirements for both interaction and implementation. Thus, this current research aims at the parameterization and validation of assistive characteristics in technological devices which enable communication interactions in mathematical literacy among children with different sensory impairments (hearing and visual) in childhood education, between 3 and 5 years. The methodology is based on the approaches related to the constructivism of Piaget in the preoperative period and in the theory of communicative action of Habermas, being divided in three themes: the infantile education and the teaching of the mathematics on a constructivist basis; inclusive education through pedagogical assistive technologies (TA); the social and critical perspective of communication to effective inclusion. Also, it is proposed, parameterized and validated a generalist reference prototype in software that simulates direct communication between children with hearing impairment (HI) and children with visual impairment (VI), implemented in computer systems through image processing and visual-gesture signal pattern recognition in the Brazilian Sign Language and embedded systems that translate these signals in the tactile language. From a constructivist-critical perspective, it was defended in this research that the development of resources in assistive technology enables social interactions in various teaching and learning environments of children with different sensory disabilities (and different languages), since childhood education, an estimated margin of effective inclusion in society, initiating by insertion, interaction and mutual integration in respect to the diversity and heterogeneity initiated and developed in school and out-of-school contexts. Keywords: Critical theory, mathematical literacy, sensory impairment, early childhood education, assistive technology. LISTA DE FIGURAS Figura 2.1: Matrículas nas etapas ‘berçário’ e ‘maternal’ por dependência administrativa da escola de educação infantil (MEC/INEP, 2016). .................................................................................................. 40 Figura 2.2: Matrículas de crianças público alvo da educação especial em escolas públicas da educação básica (MEC/INEP, 2015)..................................................................................................................... 41 Figura 2.3: Escolas com matrículas de crianças com deficiência nas redes pública/privada (MEC/INEP, 2015). .............................................................................................................................. 42 Figura 2.4: Matrículas de crianças com deficiência em escolas comuns e escolas especiais (MEC/INEP, 2015). .............................................................................................................................. 43 Figura 2.5: Matrículas de crianças com deficiência em escolas comuns da rede pública e privada (MEC/INEP, 2015). .............................................................................................................................. 43 Figura 3.1: Matrículas de crianças com deficiência na educação básica (MEC/INEP, 2015). ............. 48 Figura 3.2: Matrículas de crianças público alvo da educação especial (MEC/INEP, 2015). ................ 54 Figura 3.3: Matrículas de crianças público alvo da educação especial em escolas públicas da educação básica (MEC/INEP, 2015)..................................................................................................................... 55 Figura 3.4: Municípios com matrículas de crianças público alvo da educação especial em classes comuns do ensino regular (MEC/INEP, 2015). .................................................................................... 55 Figura 3.5: Número de professores com formação na educação especial (MEC/INEP, 2015). ............ 60 Figura 3.6: Matrículas de crianças DA na educação básica (MEC/INEP, 2015). ................................. 61 Figura 3.7: Matrículas de crianças DV na educação básica (MEC/INEP, 2015). ................................. 61 Figura 3.8: Matrículas de crianças DA/DV conjunta na educação básica (MEC/INEP, 2015). ........... 62 Figura 3.9: Alfabeto LIBRAS (Adaptado de KOLIMA; SEGALA, 2013). ......................................... 64 Figura 3.10: Alfabeto Braille. ............................................................................................................... 67 Figura 5.1: Diagrama funcional da metodologia proposta. ................................................................... 89 Figura 5.2: Modelo de neurônio artificial McCulloch e Pitts. (Adaptado de LUGLI, 2016) .............. 101 Figura 5.3: Diagrama funcional do protótipo proposto. ...................................................................... 105 Figura 5.4: Letras A, B, C, D, E dos 2 conjuntos da base de dados, representando a aquisição em RGB. ............................................................................................................................................................. 106 Figura 5.5: Letras A, B, C, D, E do conjunto 1 em níveis de cinza para RGB e HSV........................ 107 Figura 5.6: Letras A, B, C, D, E do conjunto 2 em níveis de cinza para RGB e HSV........................ 107 Figura 5.7: Resultados da segmentação por canny e sobel no conjunto de imagens 01 da base de dados. ............................................................................................................................................................. 108 Figura 5.8: Resultados da segmentação por canny e sobel no conjunto de imagens 02 da base de dados. ............................................................................................................................................................. 108 Figura 5.9: Relação de keypoints e interpolação de segmentos nos 2 conjuntos de imagens. ............ 109 Figura 5.10: Topologia da RNA com 3 vetores de saída. ................................................................... 110 Figura 5.11: GUI do software dedicado a criança com deficiência auditiva. ...................................... 111 Figura 5.12: GUI do software dedicado a criança com deficiência visual. ......................................... 112 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1: Saberes necessários ao ensino da matemática. (Adaptado de LORENZATO, 2011). ....... 35 Tabela 4.1: Diferenças entre agir comunicativo e agir instrumental (Adaptado de GALUPPO, 2003). ............................................................................................................................................................... 79 Tabela 4.2: Tipologia das ações escolares (Adaptado de LONGHI, 2005). ......................................... 85 Tabela 5.1: Dados estatísticos municipais de 2009 – 2015. .................................................................. 94 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS ABC Aprendizagem Baseada em Casos ABP Aprendizagem Baseada em Problemas ACR Aprendizagem Colaborativa em Rede AEE Atendimento Educacional Especializado BNCC Base Nacional Comum Curricular CAT Ciclo de Aprendizagem Tecnológica CTCP Conhecimento Tecnológico, Pedagógico e de Conteúdo DA Deficiência Auditiva DV Deficiência Visual LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LIBRAS Língua Brasileira de Sinais NAEE Núcleo de Atendimento Educacional Especializado NEE Necessidades Educativas Especiais PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação PPP Projeto Político Pedagógico RCNEI Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil SRM Sala de Recursos Multifuncionais TA Tecnologia Assistiva TDIC Tecnologia Digital de Informação e Comunicação TIC Tecnologia de Informação e Comunicação SUMÁRIO 1 Introdução .................................................................................................................................... 16 1.1. Considerações iniciais ........................................................................................................... 17 1.2. Problema de pesquisa e justificativa ..................................................................................... 18 1.3. Objetivos ............................................................................................................................... 22 2 Educação infantil e o ensino da matemática ............................................................................. 23 2.1. Desenvolvimento e aprendizagem nas séries iniciais segundo Piaget .................................. 23 2.2. Construção social do conhecimento na leitura e escrita ........................................................ 26 2.3. Construtivismo e alfabetização matemática .......................................................................... 27 2.3.1. A interação social e a autonomia no aprendizado da matemática ................................. 30 2.3.2. Educação infantil e percepção matemática.................................................................... 30 2.3.3. Ensino-aprendizagem da matemática na educação infantil ........................................... 34 2.3.4. Análise da avaliação formativa do eixo matemático na educação infantil .................... 37 2.4. LDB, PNE e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.................... 38 2.4.1. Base nacional comum curricular e avaliação ................................................................ 44 3 Educação Especial e o contexto social ....................................................................................... 46 3.1. A escolar regular comum na perspectiva escolar inclusiva ................................................... 47 3.2. Diretrizes e Legislações: LDB, PNE e BNCC ...................................................................... 49 3.2.1. Legislação internacional ................................................................................................ 49 3.2.2. Legislação nacional ....................................................................................................... 51 3.3. Necessidades Educativas Especiais (NEE), AEE e o contexto inclusivo escolar ................. 57 3.4. Deficiências sensoriais (auditiva e visual) no contexto educacional ..................................... 60 3.4.1. Deficiência auditiva (DA) ............................................................................................. 62 3.4.2. Deficiência visual (DV) ................................................................................................ 65 3.5. Deficiência auditiva e implicações para o ensino e aprendizagem de crianças na etapa pré- operatória da educação infantil ......................................................................................................... 68 3.6. Deficiência visual e implicações para o ensino e aprendizagem de crianças na etapa pré- operatória da educação infantil ......................................................................................................... 70 3.7. Tecnologias assistivas e interação comunicativa .................................................................. 72 3.7.1. Tecnologias da informação e comunicação e implicações educacionais inclusivas ..... 72 3.7.2. Processos formativos de ensino-aprendizagem ao docente por TDIC .......................... 73 3.7.3. Tecnologias assistivas (TA) .......................................................................................... 74 4 Teoria social de Jürgen Habermas ............................................................................................ 77 4.1. Fundamentos da Teoria Crítica ............................................................................................. 77 4.2. A teoria do Agir Comunicativo ............................................................................................. 79 4.3. A ação educativa na perspectiva do agir comunicativo ........................................................ 82 4.4. Técnica e ciência como ideologia ......................................................................................... 86 5 Metodologia construtivista-crítica de soluções pedagógicas em TA ....................................... 88 5.1. Características de crianças DA e de crianças DV ................................................................. 89 5.1.1. Núcleo de atendimento educacional especializado (NAEE) ......................................... 93 5.2. Referências técnicas na prototipagem, desenvolvimento e projeto de dispositivos mecatrônicos/computacionais, e a interação comunicativa entre crianças DA e DV ....................... 96 5.2.1. Processamento de imagens ............................................................................................ 97 5.2.2. Reconhecimento de padrões .......................................................................................... 99 5.2.3. Materiais propostos para a implementação de sistemas mecatrônicos embarcados .... 102 5.3. Implementação das características estudadas no desenvolvimento de um protótipo referencial em tecnologia assistiva .................................................................................................. 103 5.3.1. Aquisição das imagens e bases de dados ..................................................................... 105 5.3.2. Etapa de segmentação de imagens .............................................................................. 107 5.3.3. Reconhecimento de padrões e classificadores cognitivos e estatísticos ...................... 108 5.3.4. GUI experimental – interface gráfica do utilizador ..................................................... 110 5.4. Análise construtivista-crítica avaliativa de resultados estimados ....................................... 113 5.5. Inserção, interação, integração e inclusão ........................................................................... 116 Conclusões .......................................................................................................................................... 118 Referências bibliográficas................................................................................................................. 119 15 ESTRUTURA E CONTEÚDO A dissertação de mestrado acadêmico corrente se refere a informações organizadas em cinco capítulos sobre a pesquisa desenvolvida e a ser defendida para a obtenção de título de mestre em Ensino e Processos Formativos. Incialmente, tem-se a temática introdutória defendida no capítulo 01, seguida dos referenciais teóricos educacionais e pedagógico-sociais nos capítulos 02 (educação infantil e ensino da matemática), 03 (educação especial e o contexto social) e 04 (teoria social de Jürgen Habermas), a metodologia proposta e desenvolvimento no capítulo 05, conclusões e contribuições, e finalizando com as referências bibliográficas. Capitulo 1 - Introdução: são apresentadas as informações iniciais, aspectos introdutórios e objetivos da pesquisa. Capitulo 2 – Educação infantil e o ensino da matemática: são apresentados os fundamentos sobre o desenvolvimento e aprendizagem nos anos iniciais de escolarização, segundo Piaget – o modelo construtivista e sua relação com a alfabetização matemática. Capitulo 3 – Educação especial e o contexto social: são apresentados os conceitos sobre deficiências sensoriais (auditiva e visual), e como se apresentam as políticas públicas de educação na área de educação especial, informações sobre a aprendizagem de crianças com deficiências sensoriais na etapa pré-operatória, necessidades educativas especiais e como as tecnologias assistivas no auxílio à educação são definidas e aplicadas atualmente. Capitulo 4 – Teoria social de Jürgen Habermas: neste capítulo são definidos os pressupostos defendidos por Habermas, enquanto expoente do segundo movimento/geração da/na Teoria Crítica, e suas inferências sobre agir comunicativo e a técnica e ciência como ideologias. Capitulo 5 – Metodologia proposta: neste capítulo são apresentados os materiais e métodos propostos para um modelo de comunicação na educação infantil e a discussão referente ao desenvolvimento de um protótipo conceitual como tecnologia assistiva. 16 1 Introdução “O Estado reconhece o direito das pessoas com deficiência à educação, assegurando sistemas educacionais inclusivos a tais”. Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência A legislação informada na convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em referência à Declaração dos Direitos Humanos (BRASIL, 2009), como citada no início deste capítulo, afirma que o direito das pessoas com deficiência aos sistemas educacionais deve ser fomentado e praticado de forma incólume, respaldada e reconhecida pelo Estado. No entanto, a não práxis incisiva e discriminada de acesso previsto em legislação, tanto por parte de responsabilidade pública como pela própria complexidade, em termos práticos de relacionamento interpessoal, nos permitem admitir que pessoas com deficiência cognitiva e sensorial apresentem dificuldades para aprender em ambiente escolar, comprometendo seu rendimento educacional individual e integração social nas atividades coletivas. Neste contexto, a corrente pesquisa apresenta uma metodologia que objetiva o desenvolvimento de especificação e validação de características assistivas dispositivos de tecnologia da informação e comunicação que viabilizem interações comunicativas em contexto de alfabetização matemática entre crianças da educação infantil com deficiências sensoriais. Trata-se de pensar em meios para uma prática de educação matemática que, fundamentada num conceito de aprendizagem amparado em pressupostos da teoria de Jean Piaget (1969), corrobore com a perspectiva crítica do agir comunicativo de Jürgen Habermas (1968) como via alternativa à razão instrumental como racionalidade predominante nos processos educacionais. A pretensão é, em última instância, propor soluções tecnológicas assistivas, discutindo validação e viabilidade virtual de implemento, que permitam a comunicação direta entre crianças com deficiência visual (DV) e deficiência auditiva (DA). Tais soluções, inicialmente, estimam que a comunicação direta entre pessoas é decisiva na alfabetização e acompanhamento pedagógico para inclusão de crianças com deficiências na educação infantil. Como referencial teórico, destacam-se as abordagens relacionadas ao construtivismo piagetiano e ao modelo habermasiano de racionalidade para comunicação. Ousa-se nesse trabalho vislumbrar uma possibilidade pedagógica fundamentada na epistemologia de Jean Piaget, principalmente no pressuposto do sujeito cognoscente 17 (relacionado às estruturas1 mentais comuns a todos as pessoas, que conferem o aprendizado, fazendo relações entre diferentes informações (classificação, comparação, dedução, ...)), e numa abordagem social-crítica de inclusão entendida a partir da Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas (1968). As relações que constituem os indivíduos e as exteriorizações realizadas por eles sobre a sociedade deveriam, desde a mais tenra idade, ser envolvida e viabilizada por meio de racionalidade comunicativa, e não somente via razão instrumental. O Projeto de Modernidade, defendido pela escola de Frankfurt – berço da Teoria do Agir Comunicativo, pretende, em sua concepção, diagnosticar patologias no âmbito educacional e buscar soluções para as mesmas (reconstruir os processos de formação, discutir os princípios de organização e as crises societárias relacionais entre crianças com deficiência e sem deficiência). Nestes termos, esta pesquisa é dividida em três temáticas que subsidiam a metodologia proposta: a educação infantil e o ensino da matemática sob uma base construtivista; a educação inclusiva por meio de tecnologias assistivas; a perspectiva social e crítica da comunicação como meio para inclusão. 1.1. Considerações iniciais De acordo com a experiência que acumulamos durante a trajetória profissional, as tecnologias digitais atuais não proporcionam às pessoas com deficiência visual e deficiência auditiva uma forma de comunicação direta, tampouco o fomento à alfabetização e ao acompanhamento pedagógico na inclusão destas. Assim, considerando a necessidade de tal processo, é aceitável a proposição de desenvolvimento de aparato tecnológico que diminuam as limitações de iterações entre pessoas que ocorrem em decorrência de deficiências sensoriais. Como subsídio ao processo de alfabetização matemática de crianças com deficiência sensorial, a adequação de tecnologias assistivas ao contexto da educação infantil deve ser considerada um meio para o professor ajustar suas práticas em função da necessidade de aprendizagem. As tecnologias assistivas nesse cenário, ainda podem ser entendidas como recurso de planejamento de processos avaliativos. Como na educação infantil, o desenvolvimento integral da criança é objetivo fundamental de formação, o professor deve 1 Tais estruturas se desenvolvem em todo período vital por meio da ação dos indivíduos sobre o meio, num processo de interação com o objeto de conhecimento e com as outras pessoas, o que implica na construção de níveis de saber cada vez mais complexos. 18 intermediar, orientar e garantir aspectos para condições de ensino que privilegiem as singularidade e individualidades, ao passo que promove a inclusão na coletividade. E nesse sentido, a interação social, por meio da comunicação, exerce papel. A criança na educação infantil precisa ter condições sociais e materiais que garantam o desenvolvimento cognitivo, sensorial e emocional, bem como situações que proporcionem interação e compreensão de sua influência no ambiente, por meio de relações sociais e formas de comunicação (HAYDT, 2005). Dessa forma, a relação ensino-aprendizagem é processual, contínua e integrativa, provendo experimentações, erros, correções e descobertas inerentes ao desenvolvimento da criança. A orientação pedagógica do professor para com a interação entre crianças com e sem deficiência, então, objetiva a aprendizagem para além do ideário determinístico do rendimento individual da criança. (HOFFMANN, 2000; KRAMER, 2003). Neste aspecto, como auxílio à formação a ao desenvolvimento de crianças com DA e DV, cabe ao professor uma supervisão ampliada quanto ao contexto da aprendizagem e atividades realizadas, associando os modos de aplicação de tarefas e procedimentos pedagógicos, como a utilização do ambiente, os espaços de trabalho, os tempos de operação, materiais propostos, elaborados e usados, métodos propostos, fundamentados e discutidos, como metodologia avaliativa, para validar a aprendizagem durante as aulas e em cada atividade (LUCKESI, 2005; HOFFMANN, 2005). E nesse cenário, a interação comunicativa entre as crianças se faz essencial, requerendo, sempre que necessário, que a comunicação seja auxiliada. No que se refere a alfabetização matemática, considerando os conteúdos do eixo de. matemática descritos nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), das crianças com DA e DV, a comunicação auxiliada pode ser decisiva nos momentos de avaliação acerca dos conceitos aprendidos no contexto escolar e extraescolar, na interpretação de ações lógicas, na expressão e atribuição de identidades aritméticas, nas relações a serem expressas entre funções, relações e alterações de objetos utilizados durante as aulas de matemática. Ou seja, na Educação Infantil comunicação é meio e finalidade nos processos formativos. E é primordial que haja recursos para auxiliar na comunicação entre aqueles, cujo o desenvolvimento dessa, esbarra características relacionadas ao que chamamos por deficiência. 1.2. Problema de pesquisa e justificativa Dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, entre 2000 e 2010, mostram a defasagem tecnológica que ainda separa o Brasil dos países desenvolvidos quando se trata de 19 tecnologia assistiva (TA) de natureza digital ou informatizada para pessoas com deficiências (FINEP, 2017). Aceitando ainda que novas tecnologias e sua disseminação contribuem, significativamente, para a inclusão social e para a redução das desigualdades de oportunidade e de inserção ocupacional; os recursos de TA são então, por excelência, essenciais para a inclusão de pessoas com deficiência e para a equidade de oportunidades. Portanto, a popularização da aplicação e a democratização do acesso às tecnologias digitais de comunicação são relevantes para reduzir a assimetria no acesso a processos educacionais e oportunidades de formação dos diversos segmentos da população desde as mais tenras idades. A inclusão digital, também para pessoas com deficiência e/ou com dificuldades de aprendizagem, pode promover um grande avanço educacional no Brasil, exigindo a produção de novos produtos e processos, além de apoio aos professores. Tais aspectos podem contribuir para fortalecer o setor nacional de TICs (tecnologias da informação e comunicação), e sua cadeia produtiva, oportunizando competitividade e participação nos mercados nacional e internacional. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 10% de qualquer população apresenta algum tipo de deficiência. No Brasil, de acordo com dados do Censo Demográfico Brasileiro, 23,9% da população total (~45.000.000) têm algum tipo de deficiência (motora, sensorial ou intelectual). (IBGE, 2013). Uma pesquisa realizada em 2010, pela Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado Federal (BRASIL, 2010) com pessoas com deficiência, e no caso de deficiência intelectual (cognitiva), o respondente era o cuidador, apontou que 57% dos entrevistados disseram que a qualidade de vida da pessoa com deficiência melhorou nos últimos anos, contudo 76% dos entrevistados consideram que seus direitos ainda não são respeitados no país. Em relação ao acesso e permanência em instituições de ensino, 51% dos entrevistados disseram que a própria pessoa deveria escolher a escola onde se pretende estudar. Dos entrevistados, 69% ressaltaram que, se pudessem escolher, escolheriam salas de aula comum em “escola regular”. Dentre os entrevistados, 38% criticaram a falta de capacitação dos professores, bem como 38% criticaram a falta de instalações físicas adaptadas (sendo 40% entre as pessoas com deficiência física) e 21% das pessoas se queixaram da falta de material de ensino adequado. Os dados demonstram a urgência de se viabilizar ações que visem à inclusão social, ressaltando-se aqui aquelas de cunho educacional e formativo, de pessoas com deficiências e dificuldades de aprendizagem. Para tanto, novos e adequados produtos e processos precisam ser desenvolvidos para atender a esta parcela significativa da população brasileira. 20 Salienta-se ainda que, desde 2009, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (UNESCO, 1990) – adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU); assim, corrobora-se a ideia da necessidade de implementação de ações que promovam a inclusão. Conforme apontado por UNESCO (1990), a Declaração de Salamanca, documento elaborado em 1994 durante a Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca (Espanha), aponta diretrizes para a elaboração de políticas nos sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social. O documento consolidou a educação inclusiva, cuja origem tem sido atribuída aos movimentos de direitos humanos e de desinstitucionalização manicomial que surgiram a partir das décadas de 60 e 70. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus crianças, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos por meio de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e materiais adequados – em uma escola inclusiva as pessoas com necessidades educacionais especiais deveriam receber o apoio que precisam, para que se lhes assegure uma educação efetiva, incluindo aqui o uso de Tecnologia Assistiva. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR, através da portaria nº 142, instituiu o Comitê de Ajudas Técnicas – CAT, que reúne um grupo de especialistas brasileiros e representantes de órgãos governamentais, em uma agenda de trabalho. O CAT foi instituído com objetivos principais de: apresentar propostas de políticas governamentais e parcerias entre a sociedade civil e órgãos públicos referentes à área de tecnologia assistiva; estruturar as diretrizes da área de conhecimento; realizar levantamento dos recursos humanos que atualmente trabalham com o tema; detectar os centros regionais de referência, objetivando a formação de rede nacional integrada; estimular nas esferas federal, estadual, municipal, a criação de centros de referência; propor a criação de cursos na área de tecnologia assistiva, bem como o desenvolvimento de outras ações com o objetivo de formar recursos humanos qualificados e propor a elaboração de estudos e pesquisas, relacionados com o tema da tecnologia assistiva (BRASIL, 2013a). A partir de uma série de referenciais o CAT aprovou, em 2007, um conceito sobre Tecnologia Assistiva para subsidiar as políticas públicas brasileiras. Assim, Tecnologia Assistiva (BRASIL, 2013a) foi definida como [...] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e 21 serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. Assim, o desenvolvimento de recursos, mais especificamente de aparatos tecnológicos, considerando aspectos e características de deficiências visuais e auditivas podem promover e potencializar as interações sociais em diversos ambientes de ensino e aprendizagem de crianças desde a Educação Infantil, com a possibilidade de, de fato, serem incluídas em sociedade, pelo respeito mútuo à diversidade e heterogeneidade iniciadas e desenvolvidas em contextos escolares e extraescolares. Nota pessoal quanto à justificativa desta pesquisa Realizar este mestrado acadêmico em uma área incomum às engenharias e a formação inicial do autor, viabilizou um aprendizado inestimável de maneiras, modos e modelos de investigação científica-literária, social-pedagógica e pensamento crítico fundamental à emancipação de atributos qualitativos nos “porquês” que algo, inerentemente tecnológico, tenha e apresente funções e características dissociativas técnicas, na desconstrução lógica que sistemas computacionais se mostram por soluções comunicativas no ambiente escolar. Tratou- se de dissipar um discurso integral em que teorias fomentadas na aprendizagem e comunicação, desde os períodos iniciais da infância em ambiente escolar, tivessem reais relações nos propósitos de prototipagem e desenvolvimento de soluções em tecnologias assistivas para auxiliar a comunicação de e entre crianças com deficiências sensoriais distintas. O autor, antes desse conhecimento, mantinha pesquisas acadêmicas voltadas ao auxílio metódico apenas de forma técnica nos cursos de engenharia, em resoluções (protótipos em sistemas computacionais embarcados por software e dispositivos robóticos/mecatrônicos) que circundam as problemáticas em diferentes deficiências (locomoção, reabilitação/recuperação de movimentos e motricidade) – deficiência física, (auxílio na locomoção, comunicação e aprendizagem) – deficiência auditiva, deficiência visual e múltiplas deficiências, (auxílio na percepção de sinais, lógica, interpretação, aprendizagem, reconhecimento de padrões, relações sociais e atividades rotineiras) – deficiência cognitiva, síndromes e demais NEEs. Assim, após a pesquisa deste mestrado acadêmico em Ensino e Processos Formativos, a base fundamental entre sociologia, pedagogia, psicologia e suas teorias relacionais, se tornou aspecto de pesquisa primário e condicional para que quaisquer soluções tecnológicas, antes de 22 serem desenvolvidas e implementadas em ambiente escolar, devem prescrever quais abordagens sociais-pedagógicas são relevantes e dependentes, para um uso eficaz e eficiente no contexto multidisciplinar do ambiente escolar. 1.3. Objetivos O objetivo geral proposto para esta pesquisa é parametrizar e validar características assistivas para estudo e desenvolvimento de dispositivos mecatrônicos que viabilizem interações comunicativas entre crianças com deficiência visual e crianças com deficiência auditiva, na educação infantil, entre 3 e 5 anos. Tais soluções abrangem um conjunto de tecnologias assistivas (TA) dedicadas ao auxílio desta interação comunicativa. Como objetivos específicos são propostos: • Estabelecer características que um dispositivo mecatrônico, como solução em TA, deve apresentar para favorecer interações comunicativas de e entre crianças com DA e DV, contemplando necessidades educativas especiais para a faixa etária da Educação Infantil, e fomentando o ensino da matemática; • Descrever especificações técnicas para o desenvolvimento de soluções em TA, favorecendo interações comunicativas de e entre crianças com DA e DV; • Desenvolver um protótipo conceitual do dispositivo mecatrônico que favoreça interações comunicativas de e entre crianças com DA e DV. 23 2 Educação infantil e o ensino da matemática Este item trata de pressupostos e contribuições de Jean Piaget para a Educação Infantil, relacionando desenvolvimento e aprendizagem da matemática no período pré-operatório. 2.1. Desenvolvimento e aprendizagem nas séries iniciais segundo Piaget Jean Piaget e Lev Vygotsky conflitam em alguns pontos, a saber, o paradigma estruturalista versus o funcionalista; a polêmica da não redução das funções a processos psicológicos, defendida por Vygotsky, como a constituição de sistemas estruturais, ideal ao desenvolvimento da inteligência, defendida por Piaget; ainda, a temática genética partilhada aos estudos apenas durante o processo de formação, pelas funções psicológicas (Vygotsky) e sistemas de conhecimento (Piaget); a atividade do sujeito na aquisição do conhecimento e o caráter qualitativo das mudanças no desenvolvimento, por ambos (GARCÍA, 2000; FERREIRO et al., 2009). Todavia, cabe aqui a justificativa de adoção de um deles. Em Vygotsky, a interação social e o instrumento linguístico são decisivos para compreender o desenvolvimento cognitivo, enquanto em Piaget, o processo de desenvolvimento intelectual precede e coloca limites ao aprendizado, sendo o desenvolvimento cognitivo nos termos de um processo de construção de estruturas lógicas, com o sujeito (aluno) ativo, porém abstrato (epistêmico), e que faz da aprendizagem um derivado do próprio desenvolvimento (FERREIRO et al., 2009). Esta premissa em Piaget é adotada como abordagem pedagógica deste trabalho, porque o desenvolvimento interno da criança fomenta as experimentações que o indivíduo tem consigo, precedendo as correções e normatizações durante o aprendizado para com o processo de comunicação. Quando se propõe discutir interação entre crianças com deficiências sensoriais distintas, tem-se a preocupação inicial de como cada criança, individualmente, interage com as tecnologias e materiais pedagógicos para depois interagir entre eles. Os processos de desenvolvimento são condições iniciais para a aquisição novos conhecimentos e independentes da ação de aprendizagem. Ainda, a relação de ensino- aprendizagem para a proposta de comunicação a crianças com deficiências sensoriais distintas fomenta justamente o desenvolvimento inicial, para depois prover conhecimento intra- construtivista. (FERREIRO et al., 2009). 24 Com isso, alguns conceitos piagetianos se tornam referência base ao modelo construtivista de interação e comunicação deste projeto: • Aluno como sujeito epistemológico, sendo a percepção uma leitura direta da experiência, e nesse sentido, aprendizagem existe em função da experiência; • Determinação dos eventos empíricos para modificar os conteúdos conceituais ou a forma de inferência; • Produção de alterações em nível estrutural do sujeito, que necessite do mecanismo de funcionamento intelectual. Neste contexto, Piaget conflita dois aspectos relevantes à produção do conhecimento: o primeiro dá-se pela forma como a criança passa de um estado de menor conhecimento para um de maior conhecimento e, ainda, como relacioná-los aos conteúdos ensinados na escola. O primeiro aspecto está orientado para a compreensão do desenvolvimento cognitivo, enquanto o segundo para a análise do aprendizado sistemático. Ambas se conflitam nos interesses da comunicação construtivista para a proposta do corrente projeto porque deve-se inicialmente dirigir a indagação ao sujeito cognoscente (aluno como único indivíduo) numa interação com o meio físico e social, para depois sistematizar o aprendizado conforme postulados do conhecimento adquirido (aluno como interações de indivíduos) (PIAGET, 1969, 1974a). Assim, a instituição escolar deve desempenhar a função de comunicar os saberes socialmente produzidos considerados válidos e relevantes. A comunicação dos conteúdos escolares origina a relação didática como ternária, entre criança (sujeito), professor (mediador e orientador de saberes) e escola (difusão de saberes). Em Brosseau (1983) é justificada a existência da didática da matemática como ciência autônoma, com um objeto de estudo próprio – a comunicação do saber matemático e das modificações que essa comunicação produz nos participantes e no próprio saber. A partir dos problemas colocados pela comunicação do saber (didática da matemática), é tangível a articulação dos conhecimentos de outras ciências, isto é, o estudo primário das situações didáticas permite a construção de conceitos necessários ou a modificação dos que atualmente são acrescidos de outros campos científicos. Isso significa que o uso de uma tecnologia assistiva aplicada na alfabetização matemática na educação infantil apenas é executável quando comprovados o desenvolvimento e aprendizado (nesta sequência) das primeiras comunicações entre linguagens diferentes com crianças DA e DV para com o protótipo, e depois o conhecimento de fato de e na sua aplicação, direcionando a comunicação entre ambos pelos processos formativos a que são submetidos em função de assuntos envoltos a matemática. 25 Nesta linha, em Ferreiro e Teberosky (1979), os conhecimentos infantis respondem a uma dupla origem, determinadas pelas possibilidades de assimilação do sujeito e pelas informações específicas providas pelo meio. Em um contexto de socialização, ambas são favorecias pela possibilidade de enfrentar, com os outros, as próprias conceitualizações e em como as crianças conseguem desempenhar a informação sobre aspectos convencionais do sistema. Piaget (1969) considera então que a socialização do pensamento é progressiva e que uma cooperação verdadeira apenas é permitida a partir do período operatório concreto, isto é, a partir do momento em que as operações lógicas se agrupam em sistemas de conjunto. Porém, a relação entre operação e cooperação não deve ser unilateral, mas sim interdependente. Piaget (1969) afirma que uma cooperação apenas existe entre pares, porque o professor age como coativo, exerce coerção sobre o pensamento infantil. Na didática da matemática, os resultados de pesquisas apontaram as dificuldades geradas ao pretender-se restituir às crianças o direito de reelaborar o conhecimento – ressignificando a coerção (PIAGET, 1969). Com base nessas afirmações e contextualizando a proposta deste projeto, são apresentadas as seguintes premissas que definem o ensino na perspectiva construtivista: • Ensinar é colocar problemas a partir dos quais seja viável reelaborar os conteúdos escolares; • Ensinar é fornecer informação necessária para que as crianças consigam reconstruir o conteúdo sobre o qual estão trabalhando; • Ensinar é favorecer a discussão sobre os problemas formulados, oferecer a oportunidade de coordenar diferentes pontos de vista, orientar a resolução dos problemas colocados; • Ensinar é incentivar a formulação de conceitualizações necessárias para o progresso no domínio da língua escrita (conflitar Braille e Libras), promover redefinições sucessivas até atingir um conhecimento próximo ao saber socialmente estabelecido; • Ensinar é fazer com que as crianças coloquem problemas que não tenham sido debatidos e discutidos fora do ambiente escolar. Ainda, é relevante destacar que, conforme defendido por Becker (2001), conhecimento é a junção da capacidade (estrutura/forma) e o conteúdo da aprendizagem, e assim devem ser encaminhadas, de forma interdependente, dentro da sala de aula. Para tal, o mesmo autor ressalta que desenvolvimento e aprendizagem constituem duas problemáticas distintas. No desenvolvimento, o sujeito se fundamenta de forma relacional às estruturas do conhecimento, em espontaneidade. Na aprendizagem, experimentos e recursos didáticos são aplicados/inferidos ao sujeito, por um observador (professor). Dessa forma, para que um sujeito seja ativo na organização do conhecimento, desenvolvimento e aprendizagem 26 se constroem estruturalmente pela assimilação (transforma objeto de conhecimento), pela acomodação (transforma a si mesmo), pela adaptação (transforma a seu redor) e pela organização (significância da aprendizagem) (BECKER, 2006; 2009; 2010). Assim, a aprendizagem não se resume a assimilação, mas a acomodação dos esquemas de assimilação, uma vez que estende a forma de desenvolvimento do qual depende. A aprendizagem quando assimila novos dados, diferencia os esquemas para a acomodação do pensamento (BECKER, 2003). E dessa forma que a aprendizagem deve ser organizada, relacionando as estruturas entre a assimilação, acomodação, adaptação e organização no que definem o ensino na perspectiva construtivista. 2.2. Construção social do conhecimento na leitura e escrita Os conhecimentos infantis respondem tanto pelas possibilidades de assimilação do sujeito (capacidade de enfrentar com os outros as próprias conceptualizações) quanto pelas informações específicas providas pelo meio (informantes sobre os aspectos convencionais do sistema). Neste contexto, o princípio pedagógico fundamental é postulado como a permanente cooperação entre as crianças, dado que a confrontação entre distintos conhecimentos específicos desempenha fator fundamental no desenvolvimento do processo. A construção social do conhecimento então, permeia a instauração do trabalho cooperativo desde os primeiros aos de escolaridade (AEBLI, 1965; PIAGET, 1969). Se a cooperação social é um dos principais agentes formadores da gênese espontânea do pensamento infantil, o ensino moderno precisa imperativamente basear-se neste fato para atribuir o modo das atividades socializadas nos programas escolares. As implicações pedagógicas para a aquisição da linguagem escrita nas crianças são apontadas na existência de um sujeito epistêmico que atua empregando os mesmos mecanismos de aprendizagem a diferentes áreas do conhecimento. Tal fato é relevante para a implementação de uma comunicação com base tecnológica a crianças com deficiências sensoriais, porque conhecendo quais são esses processos de compreensão infantil, permite ao alfabetizador identificar momentos propícios de intervenção nesses processos e da previsão de quais são os conteúdos necessários para promover melhorias no conhecimento. Com isso, outra contribuição fundamental para o alfabetizador é a demonstração de que a aprendizagem da escrita tem um caráter evolutivo. A descrição dos padrões evolutivos configurados pelas hipóteses de aquisição comprova a existência de um desenvolvimento natural da escrita, seja em Braille ou escrita de sinais. A reflexão da escrita neste contexto é 27 um conteúdo que independe da escolarização para se iniciar, mas com a condição de que a criança tenha oportunidades de realizar interações produtivas. Assim, a influência do meio social é assimilada ativamente pelo sujeito no período pré- operatório ao seu aprendizado na leitura e escrita, e a socialização de pensamento é progressiva à criança com deficiência sensorial, não pela dependência com uma tecnologia ou mecanismo pontual, mas por este tornar-se base à construção social do conhecimento entre seus usuários. 2.3. Construtivismo e alfabetização matemática A construção da capacidade de contar na criança é consolidada pela coordenação das ações sobre os objetos, a fim de quantifica-los. A sucessão dos números se constitui em síntese operatória da classificação e da seriação, como abordado na obra A gênese do número na criança (PIAGET; SZEMINSKA, 1981). Nesta obra, os autores investigaram e desenvolveram premissas relacionadas a conservação das quantidades e a invariância dos conjuntos, a correspondência termo a termo cardinal e ordinal, e as composições aditivas e multiplicativas. Analisando as ações que a criança precisa desenvolver na contagem de objetos, é evidente que o número resulta da síntese primária da classificação e da seriação. • juntar objetos a serem contados, separados dos demais (classificação); • ordenar objetos para serem contados e somente uma vez (seriação); • Ordenar nomes aprendidos para a enumeração dos objetos, utilizando-os na sucessão convencional, apenas uma vez; • estabelecer a correspondência biunívoca e recíproca nome/objeto; • entender que a quantidade total de elementos de uma coleção é expressa por um único nome. A contagem, então, é estabelecer a correspondência biunívoca termo a termo, entre quatro tipos de elementos (objetos, gestos, olhar, palavras-número). Quando as quantidades a serem comparadas são pequenas, a percepção visual ou a correspondência um a um sem contagem são recursos úteis. Mas se as quantidades são maiores, suas utilidades tornam-se discutíveis, logo, a contagem (introduzida pela família, na interação com o meio e enfatizada pela escola) torna-se o utensílio adequado para a comparação e quantificação de coleções (PIAGET; SZEMINSKA, 1981). Ainda, de acordo com a conservação da quantidade, a criança consegue contar corretamente, mas confia mais na percepção visual que no resultado da contagem para comparar as duas quantidades, algo distinto entre as crianças. 28 Identificar em que momento as crianças desenvolvem raciocínios fundamentados apenas nas qualidades dos objetos para raciocínios sustentados nas quantidades que estabelecem, era mais relevante aos autores que a compreensão inicial da contagem. Nas pesquisas sobre conservação das quantidades, Piaget destaca as seguintes fases (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p.19). [...] as fases sucessivas são as seguintes: 1) a criança constrói uma fileira de mesma medida, mas sem correspondência termo a termo; 2) ela consegue uma correspondência visual correta, mas ao separar elementos de uma das fileiras, a criança pressupõe que a fileira mais extensa adquire, então, um número superior (10 em vez de 9, etc.); 3) na mesma situação, a criança pensa que o número se conserva mas que a quantidade aumenta (conservação da quantidade, mas não ainda da quantidade), com a identidade numérica, não sendo ainda, mais que um meio de individualizar os elementos, mas sem que a quantidade total seja igual à soma das partes; 4) na mesma situação, existe então, conservação tanto da quantidade como da quantidade. A aquisição do conceito de número pelas crianças na educação infantil é baseada na diferença entre o conhecimento empírico e o conhecimento lógico-matemático. O primeiro é iniciado no ambiente externo e é adquirido pelo sujeito por uma interiorização através dos sentidos. O segundo é adquirido através de uma construção interna do sujeito. Na faixa dos 5 anos, o sujeito é capaz de deduzir logicamente números e operações apenas conhecendo algumas regras sobre determinadas tarefas. Existem inúmeros experimentos que Piaget conduziu sobre a prova destas diferenças (PIAGET, 1965). Segundo ainda Piaget, a diferença entre conhecimento empírico e conhecimento lógico- matemático se estabelece na origem e nos modos de estruturação entre os três tipos de conhecimento: físico, lógico-matemático e social (convencional) (PIAGET, 1974a). ▪ Conhecimento físico: pela realidade externa, por meio de observação, palpável, empírico; ▪ Conhecimento lógico-matemático: relações iniciadas individualmente, em que os objetos dependem de cada indivíduo, funções similares ou distintas; ▪ Conhecimento social: convenções desenvolvidas pelas pessoas, de natureza geralmente arbitrária. As implicações destes níveis/tipos de conhecimento para a aritmética são confundidas pelos educadores matemáticos, quando não fazem a distinção entre eles e postulam que a aritmética deve ser interiorizada a partir dos objetos (aritmética como conhecimento físico), e das pessoas (aritmética como conhecimento social), mas desconsiderando que neste caso é basicamente de conhecimento lógico-matemático (PIAGET, 1974b; 1974c). 29 Essas noções de distinção entre os conhecimentos são mais plausíveis em crianças na faixa dos 5 anos, porque estas conseguem relacionar as construções estabelecidas como lógico-matemática, e como se comparam com a social (por definições) e a física (por comprovação). As ideias que educadores matemáticos têm sobre como ensinar aritmética dependem de suas próprias concepções a respeito de como as crianças aprendem. O aprendizado pode ser facilitado na proporção em que os educadores compreendem como as crianças aprendem. Baseado em pressupostos empíricos, o aprendizado é dividido em quatro níveis básicos (ABOTT; WELLS, 1985): • Nível concreto: contagem de objetos reais; • Nível semiconcreto: contagem de objetos em figuras; • Nível simbólico: uso de números escritos; • Nível abstrato: generalização das relações numéricas; Neste caso, é entendido que o conhecimento é adquirido pela interiorização a partir do ambiente. A teoria propõe que o aprendizado da criança se inicie pela contagem de objetos reais. No entanto, contar envolve, principalmente, conhecimento social em vez de conhecimento lógico-matemático. Essa é a razão em que as crianças de 5 anos conseguem conhecer todas as palavras necessárias à contagem, mas as usam para expressar seu conhecimento pré-lógico ou pré-operacional. Tal teoria de aprendizagem tradicional, ainda sustentada por vários educadores matemáticos, peca por não diferenciar a abstração e a representação, e não considerar a distinção entre a representação com símbolos pessoais e a com símbolos convencionais. A abstração, segundo Piaget, é empírica (simples) e reflexiva (construtivista) (PIAGET, 1967, 1980). A primeira infere em como a criança prioriza apenas uma certa propriedade do objeto, ignorando as demais. A segunda infere em como a criança constrói as relações entre os objetos, como similaridades e diferenças. Assim, a abstração empírica é utilizada na aquisição, por parte da criança, de conhecimento físico, enquanto que a abstração construtivista é utilizada na aquisição de conhecimento lógico-matemático. Desta forma, nenhum dos dois tipos de abstração pode ocorrer sem o outro, porque são interdependentes pelas graduações de conhecimento que a criança adquire no decorrer do tempo (GRÉCO et al., 1960). 30 2.3.1. A interação social e a autonomia no aprendizado da matemática O conhecimento lógico-matemático é intrínseco em cada criança e elaborado a partir de sua própria ação cognitiva. Os outros indivíduos ao redor despertam a análise crítica de debate para o pensamento sequencial de operações aritméticas em que a conclusão do resultado é o consenso pelo fato lógico, e não pelas influências de deduções. Piaget (1977) atribuiu relevância notória à sócio-interação, sendo indispensável tanto no sentido de o sujeito elaborar o seu pensamento lógico, como para a construção adulta das ciências. Com isso, o ensino construtivista da aritmética é somente ao fato deste abranger a autonomia das crianças como meta ampla, a longo prazo. Ao contrário da heteronomia, a autonomia de acordo com Piaget (KAMII; JOSEPH, 2003), não é o direito político de tomar decisões, considerando fatores relevantes, independentemente de recompensa ou punição, mas sim como um aspecto moral e um aspecto intelectual. Na sua obra O julgamento moral da criança, Piaget (1965) apresentou vários exemplos triviais de autonomia e heteronomia, em que ilustra a relevância entre a relação humanística de respeito mútuo e afeição entre pais e filhos, e que consequentemente, tem influência direta entre crianças/crianças, crianças/professores e crianças/escola. Assim, a autonomia como meta da educação é uma consequência necessária do construtivismo, sendo que a diferença entre a moralidade da autonomia e heteronomia se dá pela necessidade da primeira. A autonomia intelectual é considerável para a emancipação de um pensamento independente, sincero e crítico por parte da criança, e não apenas a reprodução de respostas convenientes, sendo essencial para a construção do conhecimento lógico-matemático. 2.3.2. Educação infantil e percepção matemática As características das crianças no período pré-operatório dependem de fatores distintos como o meio cultural, nível socioeconômico, herança genética, educação familiar, entre outros, que influenciam diretamente no desenvolvimento infantil, referentes aos aspectos cognitivo, psicossocial e moral. Como a abrangência da abordagem desta pesquisa é restrita ao período pré-operatório, de acordo com os estudos de desenvolvimento por Jean Piaget, são discutidas as características inerentes a estes indivíduos, na concepção do pensamento pré-lógico. As crianças nessa faixa etária apresentam as seguintes características (LORENZATO, 2011): 31 • ativas e motricidade em desenvolvimento; • dificuldade em focalizar determinados detalhes; • demonstra seletividade de apenas alguns colegas; • tem regras próprias de linguagem e considera apenas sua opinião; • egocêntrica, mas com capacidade de socialização emergente; • imaginativa e capacidade de concentração baixa; • não raciocina sobre os mesmos fatos na ordem inversa; • linguagem verbal em desenvolvimento constante; • pensamento ilógico, muitas vezes sem contexto; No período pré-operatório (ou pré-operacional), a criança relaciona a construção de esquemas absorvidos no estágio anterior e inicia a representação destes, pela capacidade de pensar um objeto por meio de outro objeto. Tal representação (semiótica ou simbólica) permite a criança distinguir significados e significantes, não envolvendo abstrações na relação entre objeto e o que este representa (FLAVELL, 1996). Através da função semiótica, tem-se um aprimoramento da imitação, e a acomodação desta etapa é a função que proporciona às crianças seus primeiros significantes que permitem representar internamente o significado ausente. Nessa etapa ainda, a aquisição da linguagem é um agente facilitador da socialização do pensamento, e assim a criança consegue reconstituir suas ações passadas sob forma de narrativas e antecipa as ações vindouras pela representação verbal. Outra característica nesse período é que existe uma variância entre a assimilação e a acomodação, sendo que a criança apresenta dificuldade em se acomodar ao novo, porque precisa assimilá-lo ao aprendizado anterior de maneira coerente, preservando os conhecimentos assimilados anteriormente (FLAVELL, 1996). Ainda no período pré-operatório, existem algumas especificidades que são atribuídas ao pensamento intuitivo (PIAGET, 1937/75; SANTOS, 1997; VINHA, 2000). • conhecimento com base nos “porquês”, embora associado a afirmações injustificadas; • preferência ao que conhece e não ao que observa em representações gráficas; • orientação espacial associada a objetos de interesse; • facilidade maior em trabalhos de atributos sequenciais e menor em simultâneos; • percepção visual mais evidente que a correspondência um a um; • conceitos de tempo são vagarosamente evoluídos; • contagem com significado através de manipulação de materiais concretos; Dadas as características do pensamento pré-lógico e intuitivo, o perfil da educação infantil e a necessidade de se frequentar a pré-escola se conflitam no interesse da preparação inicial cognitiva/intelectual, físico, psicológico e social, no desenvolvimento contínuo do aprendizado a criança, deixando apenas de ser assistencial e recreativo. 32 Estas características, ainda, fundamentam as fases do desenvolvimento infantil que agregam a descoberta da realidade por meio da observação e da experimentação de materiais concretos (conhecimento físico), as relações entre as coisas, desenvolvimento de uma linguagem formal, aprendizado interdependente, aquisição não linear, correspondências entre concreto e abstrato. Neste aspecto, diferentes crianças geralmente têm diferentes preferências, habilidades, competências e tendências, que no decorrer do tempo, um mesmo fato ou situação recebe diferentes interpretações, porque o desenvolvimento no seu aprendizado está conectado às vivências que a criança tem, e assim, a um aprendizado mais dinâmico. Assim, as atividades escolares devem ser uma extensão das atividades vivenciadas antes e fora da escola (FREIRE, 1997; KAMII; DEVRIES, 2000). Em termos práticos, para que as crianças neste período construam significados em seu desenvolvimento, inicialmente a atividade experimental é essencial à aprendizagem, e de acordo com os objetivos desta pesquisa, o uso de tecnologias assistivas aproxima as crianças com/sem deficiências num âmbito de vivências e convivências mútuas. Dessa forma, alguns facilitadores do desenvolvimento infantil em conjunto com TA em sala de aula permitem auxiliar efetivamente na comunicação entre crianças DA e DV na percepção matemática (MANTOVANI DE ASSIS, 1979; MACHADO, 1991). São eles: • o aprendizado da criança ocorre pela sua ação sobre o meio (os objetos), através dos sentidos, para adquirir uma aprendizagem significativa; • apresentação individual e sequencial de elementos, objetos, fenômenos, situações e demais atributos desconhecidos pela criança; • um mesmo conceito deve ser ensinado de maneiras distintas, mas equivalentes, para fixar o aprendizado generalizado; • a didática, materiais e linguagens na TA devem ser baseados nas vivências das crianças; • identificar e mostrar que a matemática não é apenas parte de um aprendizado isolado, mas sim que é envolta à todas as atividades escolares e extraclasse; • como o ensino da matemática é pautado na interdependência de temas, evoluindo a complexidade de seus assuntos, na TA o mesmo deve ser respeitado porque neste período a criança também incorre a um aprendizado por etapas em seu desenvolvimento, isto é, o ensino deve adaptar-se à capacidade da criança; Quanto ao último item, devem ser observados que o nível de compreensão da criança necessita de constante verificação, partindo dos conhecimentos que esta tem, a priori. Quando um conceito é pré-requisito à aprendizagem de outro, este apenas deve ser ensinado quando aquele estiver integralmente organizado pelo pensamento da criança (invariantes funcionais – assimilação e acomodação → adaptação → organização), e no uso de TA, essa premissa é 33 muito relevante. Assim, a TA deve também respeitar o período de estudo de cada temática em função do período de aprendizado de cada criança. É necessário auxiliar a criança a transformar em abstrações reflexivas (da ação à representação) suas ações sobre o concreto, o manipulável ou o visual. Um início a este processo é alinhado a atividades sensório-motoras, como base para a aquisição de conhecimentos imediatos. Com o uso da TA neste aspecto, atividades que incluem o uso da motricidade própria da criança e o manuseio de objetos são passíveis de assimilação em menor tempo, uma vez que o auxílio da linguagem entre as crianças permite centrar a aquisição do aprendizado de forma direta (CASTRO, 1979). Consequentemente, enquanto a criança realiza uma ação manipulativa, deve-se solicitar a ele que descreva o procedimento desta ação, favorecendo o desenvolvimento cognitivo e a linguagem usada (língua de sinais). Após esta sequência, é interessante estimular os registros das atividades de forma escrita, para que a representação gráfica feita pelas crianças tenha significado matemático. A forma pela qual estes registros são representados têm definições iniciando pela gráfica idiossincrática (grafismos com significados próprios), pictográfica (desenhos dos objetos e suas repetições para indicar a quantidade), icônica (segmentos de reta indicando uma unidade) e simbólica (com grafismos convencionais). Esta parte é relevante ao uso de TA para que esta também atribua representações próprias ao registro de crianças DA e DV e ainda, não apenas as quantidades e simbologias gráficas, como também as operações matemáticas envolvidas. Desse modo, existem também as atribuições inerentes à responsabilidade do professor em sala de aula, sendo este incumbido na adequação de oportunidades para a experimentação, observação, reflexão e debate pelas crianças. As atividades devem ser pautadas nas necessidades e no estágio cognitivo em que se encontram, em principal, crianças DA e DV e a emancipação de sua integração em sala de aula com os demais. O professor deve observar cada criança, com intervenção e orientação guiadas nas suas necessidades, e com crianças DA e DV, o uso de TA permite tal direção nos procedimentos de como constroem o conhecimento, pela forma como a comunicação é conduzida entre ambos e com o restante da sala. Nesta etapa, a avaliação formativa é essencial para o registro e aprimoramento durante o desenvolvimento e aprendizado (EDWARDS et al., 1999). E nessa linha de registros, observações e acompanhamento, deve-se organizar o trabalho de desenvolvimento do ensino da matemática na educação infantil, priorizando três áreas (geometria, aritmética e medidas) de abordagem letiva em sala de aula. Estas áreas não devem ser restritas a um determinado campo de conhecimento, mas sim serem interdependentes e 34 considerarem alguns aspectos como: características inerentes e habilidades da criança pré- escolar; como relacionar as três áreas de ensino matemático de acordo com o conhecimento prévio de cada criança e a inclusão efetiva de crianças DA e DV; quais noções e conceitos representativos das áreas devem ser desenvolvidos durante o ensino; quais processos cognitivos básicos de aprendizagem matemática são considerados (CHAMBLAS, 1984; 1985). 2.3.3. Ensino-aprendizagem da matemática na educação infantil O ensino da matemática, bem como seu aprendizado na educação infantil, deve incorrer a reflexões didáticas de como os objetos de conhecimento e suas representações são apresentadas às crianças, que teorias pedagógicas se referenciar, e como as questões de resolução de problemas matemáticos são desenvolvidas (BRISSIAUD, 1993). Os saberes necessários para a construção e condução de ensino que agregue as diversas dimensões do sentido na matemática, se relacionam com os conceitos, símbolos, expressões, números, sistemas, e outras funções fundamentadas na pedagogia da educação infantil, para o aprendizado da matemática. Assim, são divididos em saberes relativos ao edifício matemático, aos saberes relativos à aprendizagem, e aos saberes didáticos (BROSSEAU, 1983; DUVAL, 1993; LERNER; SADOVSKY, 1997), conforme Tabela 2.1. Nos saberes sobre o edifício matemático, os aspectos atribuídos ao objeto e a sua representação devem ser conceitualmente distintos, como o caso dos números, com as operações numéricas (objetos) e os sistemas de numeração (representação), assim conhecendo suas relações; os saberes sobre aprendizagem consistem em identificar como os crianças constroem o conhecimento a partir da interpretação dos procedimentos adotados nas aulas, como os conhecimentos se diferenciam de um para outro e sua adequação em etapas; os saberes didáticos são referentes as experimentações práticas em que como as aulas de matemática são organizadas (DUVAL, 1995). Quando estes saberes são tratados na construção do ensino da matemática na educação infantil, é sabido que o elo entre a aprendizagem e ensino da matemática se inicia na definição de sentido. Como tratar das relações entre objetos de conhecimento e representações, articulando na aquisição do sentido na matemática. O sentido neste caso, está além da semântica e significado lineares atribuídos pelo professor em sala de aula durante determinada explicação sobre algum tema, se estende nas condições que a criança constrói os processos de aprendizagem para que aquela explicação tenha semântica e significado no contexto de suas vivências. 35 Tabela 2.1: Saberes necessários ao ensino da matemática. (Adaptado de LORENZATO, 2011). Saberes sobre o edifício matemático -Funções dos diferentes tipos de números para quantificar aspectos da realidade (contagem, medidas, comparações); -Interdependência das propriedades dos tipos de números e operações das características de notação do sistema de numeração; -Sistemas simbólicos e representações, na compreensão dos cálculos e suas operações; -Sistema de regras para o cálculo; Saberes sobre aprendizagem -Interpretação dos procedimentos e representações em termos de conhecimentos que as crianças praticam; -Conhecimentos distintos entre objetos e sistemas simbólicos; -Modos de conhecimento (implícitos, conscientes, explícitos); Saberes didáticos -Identificação das construções do sentido na aprendizagem matemática; -Identificação das relações práticas em aula e conhecimentos prévios; -Permissão das representações espontâneas das crianças na evolução do conhecimento; -Funcionamento dos sistemas simbólicos usados no ensino da matemática; -Reconhecimento das concepções didáticas de ensino; Para tal, o sentido a ser ensinado/assimilado deve incorrer a distinção entre objetos e suas representações, e que estes mesmos objetos devem ser reconhecidos em cada uma de suas representações. O cumprimento destas condições por parte das crianças é um dos primeiros passos como proposta a longo prazo, e requer atividades específicas de ensino. Para trabalhar nesta perspectiva, é fundamental que o professor saiba coerentemente mostrar a diferença entre objetos e suas representações, e que compreenda as condições em que as representações funcionam como tal (FREGE, 1975). Neste aspecto, o ensino da matemática situado numa perspectiva construtivista deve favorecer espaços para os processos de interpretação entre objetos e representações, tendo como condição necessária o reconhecimento pelas crianças de diversas maneiras de se conhecer um tema (implícito, explícito, consciente) relacionadas com um saber matemático construído durante o aprendizado. Ainda, outros aspectos relevantes aos saberes do docente e da criança se estendem em: funções variadas que as representações desempenham para as crianças; existência de conhecimentos matemáticos não implicados nas operações sobre símbolos; complexidade 36 cognitiva que prediz a intepretação de representações e a necessidade de rever as concepções de aprendizagem e de ensino, como base às práticas atuais aos sistemas simbólicos. Destaca-se então, que os processos exibidos mediante o suo das várias funções das representações constituem tanto o sentido dos conhecimentos que as crianças constroem dos objetos matemáticos, como o dos conhecimentos que constroem dos sistemas de representação (SKEMP, 1980; SIERPINSKA, 1995). Isso é identificado na teoria de situações didáticas, de Guy Brousseau (1998; 1999), que se trata de uma teoria do ensino que propõe as condições para uma gênese artificial dos conhecimentos matemáticos na hipótese que estes não se constroem de forma voluntária. A descrição sistemática das situações didáticas é um modo direto e formal para discutir com os professores sobre suas ações e reações em sala de aula, assimilando a relação entre professor/aluno, e produzindo situações-problemas adaptados aos saberes e às crianças (como forma de integrar crianças com e sem deficiências), para desenvolver um meio de comunicação entre pesquisadores e professores (BROUSSEAU, 1993; 1994; 1995). A teoria de situações está apoiada numa concepção construtivista de Piaget, sobre aprendizagem que Brousseau (1983) assim descreve [...] a criança aprende adaptando-se a um meio que é fator de contradições, de dificuldades, de desequilíbrios, um pouco como o faz a sociedade humana. Este saber, fruto da adaptação da criança, manifesta-se por respostas novas que são a prova da aprendizagem. E sobre situações, sua definição na construção do conhecimento é envolta a modelos de interação de um sujeito com um meio e determina um conhecimento dado como o recurso do qual o sujeito dispõe para conseguir ou para conservar neste meio um estado favorável. Algumas dessas situações exigem a aquisição prévia de conhecimentos e esquemas necessários, mas que também se constroem no sujeito em novos processos genéticos (GARCIA, 2000; PANIZZA, 2011). Ainda, se dividem em situações didáticas e adidáticas: • Situações didáticas: é uma situação construída com a intenção de guiar as crianças a um conhecimento determinado. Um conjunto de relações estabelecidas explicita ou implicitamente entre uma criança e seu grupo, um meio (que agrega instrumentos e objetos) e um sistemas educacional (representado pelo professor) com a finalidade de conseguir que essas crianças se apropriem de um saber constituído ou em vias de constituição. • Situações adidáticas: designa toda situação que, por um lado, não é dominada plenamente sem a prática dos conhecimentos ou o saber que se pretende, e que por outro lado, confirma as sanções que a criança decide, sem intervenção do professor. A situação didática é aquela que, intrinsecamente, tem a intenção de que alguém aprenda alguma coisa. Tal intenção não desaparece na adidática, mas a criança deve se 37 relacionar com o problema a partir de seus conhecimentos, motivado pelo problema e sem intervenção direta do professor para sua solução (JOHSUA; DUPIN, 1993; MARGOLINAS, 1993). 2.3.4. Análise da avaliação formativa do eixo matemático na educação infantil A avaliação na educação infantil deve considerar o desempenho das crianças quanto ao seu grau de aprendizado, e nesse caso, o acompanhamento do professor é necessário para o desenvolvimento intelectual da criança, e não para aprovação/reprovação entre o período de 0 a 5 anos. As Diretrizes Curriculares Nacionais informam sobre a avaliação na educação infantil (BRASIL, 2009): Artigo 10. As instituições de educação infantil devem criar procedimentos para acompanhar o trabalho pedagógico e avaliar o desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; II - utilização de múltiplos registros realizados pelos professores e crianças. De acordo com o texto base ainda, para a orientação das aprendizagens das crianças, a avaliação é instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica, que contempla todo o contexto da aprendizagem, como as atividades propostas e suas implementações, as instruções e apoios a criança de forma individual ou pelo coletivo, as interações entre as crianças, a adequação do espaço e tempo para a realização das atividades. O registro do desenvolvimento discente pelo professor deve ser ação constante, para garantir o trabalho realizado em sua prática pedagógica, e o progresso de suas crianças, como também considerar os objetivos reais durante o ensino-aprendizagem, a área de estudo, métodos e procedimentos usados na aula, as condições de tempo e recursos. Diante destas informações, a categoria de análise avaliativa formativa é apresentada como base para os critérios de avaliação do eixo matemático na educação infantil, uma vez que fomenta as contribuições do docente para a regulação das aprendizagens como aquisição e implemento, numa concepção particular dos objetivos, das intervenções didáticas, sempre com a mediação e orientação do professor ao longo de cada atividade, diariamente, como acompanhamento periódico e metódico de aula (PERRENOUD, 1999). A avaliação formativa é uma prática analítica contínua que contribui diretamente no aprimoramento das aprendizagens das crianças, de forma significativa em seu desenvolvimento, mas que também é sujeita a integrar critérios de avaliação secundários, 38 como objetos de apoio à análise pedagógica do desempenho discente, como a mediação do ensino e o diagnóstico do aprendizado. À vista disso, a avaliação formativa deve munir-se dos critérios e instrumentos de apoio que assim, auxiliam a análise do discente em cada atividade, de cada aula, durante o ano escolar, como o diagnóstico dos perfis, os registros de tarefas, observações, arquivos de projetos, relatórios, e modos de linguagem na comunicação e interação social com os colegas de classe. A aprendizagem da matemática na educação infantil é centrada na relação de diálogo/comunicação entre professor e criança, nas diferentes formas pretendidas de respostas para resolver situações-problemas. Trata-se de um processo de observação da criança em jogos e atividades didáticas, em relação a sua compreensão da matemática em si e como se aplica e direciona para objetivos mais extensos e difusos do âmbito escolar, social e familiar (PACHECO, 2011). Neste aspecto, são evidenciados como as crianças neste período adquirirem o aprendizado num primeiro momento como propósito às metas de ensino da matemática em sala de aula (como micro objetivos, formulando um conhecimento produtivo sobre as teorias envoltas a um assunto do eixo matemático), e num segundo momento, mais crítico, estabelecer condições para que um criança de 0 a 5 anos, em desenvolvimento paralelo com o aprendizado, de associar e inferir as noções de números, sistemas numéricos, formatos geométricos, tempos e medidas num contexto com os colegas de classe da mesma forma com a família e outros ambientes sociais externos a escola (como macro objetivos, formulando um conhecimento diretivo sobre as implicações do aprendizado matemático, não apenas dentro do ambiente escolar, como fora) (GIROUX, 1997). Com isso, a avaliação formativa transpassa o caráter instrumental para o professor e incide sobre os progressos apresentados pela criança. 2.4. LDB, PNE e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil De acordo com as diretrizes e bases da educação nacional, estabelecida pela lei 9394/1997, a educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na família, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa e nos movimentos sociais, em que se disciplina a educação escolar, como prática social (BRASIL, 1993, 1995, 1997). Com base nesta LDB, o plano nacional de educação (PNE) da referida lei, pelo artigo 9°, antes como disposição transitória, atualmente é caracterizada como uma exigência constitucional com periodicidade decenal, sendo referência para planos de ensino estaduais, 39 distritais e municipais. Ainda, é item de articulação do Sistema Nacional de Educação, como texto base de lei 13.005 com efeito desde 2015, e que contextualiza as 20 metas elaboradas com uma análise inter-relacional com as políticas públicas mais amplas, pelas concepções e proposições da Conferência Nacional de Educação (CONAE 2010) na construção de planos de educação como políticas de Estado (BRASIL, 2015a). Neste contexto, atendendo as determinações da LDB e integrando as metas do PNE, os referenciais curriculares nacionais para a educação infantil (RCNEI) objetivam o auxílio/apoio como guia referencial de aspecto educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças da educação infantil (0 – 5 anos), respeitando suas metodologias pedagógicas e a diversidade cultural brasileira (BRASIL, 1998a, 1998b, 1998c). Para esta pesquisa, são considerados os referenciais estruturados e debatidos na construção pedagógica de ensino da matemática, que tratam da sua abordagem na educação infantil pelas ideias e práticas correntes, os objetivos da criança no aprendizado matemático de 0 a 3 anos e 3 a 5 anos, os conteúdos e orientações didáticas, as observações, formatos de registro e a avaliação formativa proposta. As instituições de ensino devem auxiliar as crianças na educação infantil a construírem uma organização mais bem elaborada, com informações e estratégias, assim como a demanda de condições para a aquisição de novos conhecimentos matemáticos. O trabalho contextualizado a matemática neste período atende às necessidades da própria criança pela forma estrutural lógica e de pensamento cognitivo, como também às necessidades sociais para a compreensão e participação exigidas em convívio mútuo. Como avaliação formativa, os critérios que devem considerar o desenvolvimento e aprendizado da criança na educação infantil, são relacionados com os objetivos da abordagem matemática com a finalidade de proporcionar as aproximações a algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano, como contagem e relações espaciais, característicos no período de 0 a 3 anos. Para o período de 3 a 5 anos, o objetivo é ampliar o período anterior, de forma a reconhecer e valorizar números, as operações numéricas, as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano. Ainda, é objetivo utilizar-se da linguagem matemática e oral para comunicar ideias, postulados, processos usados, resultados de situações-problemas, bem como trabalhar com situações matemáticas novas e mais complexas, de acordo com os conhecimentos prévios adquiridos (BRASIL, 1998b, 1998c). A avaliação de conteúdo também é tão relevante quanto aos aspectos aprendidos dos objetivos, e esta parte auxilia na seleção e organização de meios de planejamento da aprendizagem, e considera que a absorção dos conteúdos matemáticos é um processo contínuo 40 de abstração no qual as crianças, com base nas observações e experiências sobre os elementos do ambiente físico alocado e sociocultural, atribuem significados e estabelecem relações diretas. Também, a criança constrói suas competências matemáticas no aprendizado paralelamente com o desenvolvimento de outras ações naturais como a comunicação verbal, oral, desenhos, leituras e escritas (BRASIL, 1998a, 1998c). Assim, a abordagem destes conteúdos de acordo com os objetivos de aprendizado no eixo matemático é proposta de forma ampla, com trabalhos mais complexos, mas com a construção de conhecimentos matemáticos por meio de sucessivas reorganizações no decorrer da educação infantil. O trabalho didático deve verificar tanto a natureza do objeto de conhecimento como o processo de construção pedagógica que a criança adquire, assim como é a premissa da avaliação neste caso. Alguns dados relacionados ao número de matrículas em escolas de educação infantil de 2011 a 2016 são apresentados na Figura 2.1, que acordam o proposto pelo PNE e as determinações da LDB. Figura 2.1: Matrículas nas etapas ‘berçário’ e ‘maternal’ por dependência administrativa da escola de educação infantil (MEC/INEP, 2016). Observa-se na Figura 2.1 que na faixa etária adequada às etapas ‘berçário’ e ‘maternal’ (até 03 anos de idade), o atendimento escolar é de 25,6%, indicando a existência substancial de espaço para ampliação de oferta. No período de 2011 a 2016, as matrículas nestas etapas atingiram 56,6%. Existem 64,5 mil escolas de educação infantil para estas etapas no Brasil, sendo 76,6% na zona urbana (59% municipais e 41% privadas – participação da iniciativa privada na 41 educação básica elevada), assim o plano nacional de educação (PNE) propõe um acréscimo de 50% no atendimento dessa população, expandindo as matrículas em 6 milhões. Na faixa etária adequada à pré-escola (etapas 1 e 2), o atendimento escolar é de 84,3% (77,3% para a população de 4 anos e 91,4% para a população de 5 anos). Nessa perspectiva, o PNE, em sintonia com a Constituição Federal, propõe a universalização do atendimento escolar na faixa etária de 4 a 5 anos (MEC/INEP, 2016). Existem 105 mil escolas de educação infantil que oferecem pré-escola no Brasil e atendem 5 milhões de crianças, sendo 24,3% matriculados na rede privada de ensino. Dos dados do censo escolar apresentados na Figura 2.1, é conveniente relacionar com os dados do censo escolar da educação especial de 2015, que apresenta o número de matrículas de crianças público alvo da educação especial em escolas públicas da educação básica (Figura 2.2), escolas com matrículas de estudantes com deficiência nas redes pública e privada (Figura 2.3), matrículas de estudantes com deficiência em escolas comuns e escolas especiais (Figura 2.4), e as matrículas de estudantes com deficiência em escolas comuns das redes pública e privada (Figura 2.5). Figura 2.2: Matrículas de crianças público alvo da educação especial em escolas públicas da educação básica (MEC/INEP, 2015). Observa-se na Figura 2.2 que existe uma distinção expressiva entre o número de matrículas de crianças público alvo da educação especial em escolas públicas de classes comuns regulares e escolas públicas de classes especiais em todas as etapas da educação 42 básica. Em 2003, o número era praticamente idêntico de ambas, correspondendo entre 49% – 51% (121.458 alunos na escola especial e 128.275 alunos na escola comum), e a diferença passou a ser significativa até 2014, quando as matrículas em salas comuns regulares se elevaram em 94% (595.347 alunos) e as matrículas em salas especiais decresceram em 6% (40.270 alunos). Na Figura 2.3 é apresentado o número de escolas com matrículas de crianças com deficiência entre 2003 e 2014 nas redes pública e privada de ensino. Na rede privada de ensino, o percentual pouco se elevou (15% – 4.332 alunos, para 16% - 16.643 alunos), e a margem percentual na rede pública se estabilizou em 84% de todas as escolas (do total de 107.300 alunos matriculados, 90.657 alunos são da rede pública). Figura 2.3: Escolas com matrículas de crianças com deficiência nas redes pública/privada (MEC/INEP, 2015). A oscilação mais evidente é mostrada na Figura 2.4, que apresenta uma diminuição de 24% (6.940 alunos do total de 28.708 em 2003) a 4% (3.827 alunos do total de 107.300 em 2014) do número de escolas especiais com matrículas de crianças com deficiência, e uma elevação de 76% (21.768 alunos do total de 28.708 em 2003) a 96% (103.473 alunos do total de 107.300 em 2014) do número de escolas comuns com matrículas destas mesmas crianças. O aumento do percentual de matrículas de crianças com deficiência em escolas comuns regulares acompanhou estatística e proporcionalmente o aumento do número total de matrículas entre 2003 e 2014. 43 Figura 2.4: Matrículas de crianças com deficiência em escolas comuns e escolas especiais (MEC/INEP, 2015). Na Figura 2.5, o número de escolas comuns com matrículas de crianças com deficiência se dividia entre 10% (2.228 alunos) e 90% (19.540 alunos) entre as escolas privadas comuns e as escolas públicas comuns, respectivamente, de um total de 21.768 alunos em 2003. Tal diferença em 2014 passou a ser de 14% (14.866 alunos) para as escolas privadas e de 86% (88.607 alunos) para as escolas públicas, de um total de 103.473 alunos. Figura 2.5: Matrículas de crianças com deficiência em escolas comuns da rede pública e privada (MEC/INEP, 2015). 44 2.4.1. Base nacional comum curricular e avaliação A elaboração de uma base nacional comum curricular (BNCC) se sistematiza a partir de 2015, durante o I Seminário Interinstitucional da Comissão Nacional de Educação. A Base não é um currículo, mas sim um documento que define o conjunto de aprendizagens fundamentais, as quais os alunos da Educação Básica devem desenvolver. Nesse sentido, a Educação Infantil se configura como a primeira etapa da Educação Básica, ou seja, é nela que o processo educacional tem início. A BNCC não invalida os documentos e leis que já estão postos; portanto, as diretrizes educacionais anteriores a Base continuam valendo. Assim, a BNCC propõe um conjunto de orientações às equipes pedagógicas para a elaboração dos currículos. Os eixos de estruturais da Educação Infantil continuam os mesmos, conforme propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), de 2009, e os documentos relativos ao segmento. Portanto, interagir e brincar continua sendo o foco do trabalho com esses alunos. A versão final, em revisão pelo Conselho Nacional de Educação no ano de 2017, deve ter homologação do MEC em breve, e contempla a elaboração dos currículos e das propostas pedagógicas das escolas, a formação de professores, material didático, e avaliação. Nesta linha, é relevante ao propósito desta pesquisa conflitar, de forma sintetizada, os objetivos e competências gerais da área (eixo) de matemática entre os referenciais curriculares nacionais e BNCC, precisamente aos instrumentos de avaliação nesta área (VERONEZE et al., 2015). Nos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI), os conteúdos de matemática são divididos em três blocos de conhecimento, como números e sistemas de numeração; grandezas e medidas; espaços e formas. Os objetivos da área estabelecem relação da matemática com o cotidiano das crianças, tanto pelo desenvolvimento de práticas naturais à condução da oralidade, comunicação, assimilação de leituras e escritas de linguagem, como pelo aprendizado direto dos conceitos matemáticos. A BNCC, no entanto, não identifica os conteúdos, mas os denomina como campos de experiência. O documento destaca que a matemática se anuncia em todos os campos de experiências da educação infantil, dedicadamente ao espaço, tempo, quantidade, relações e transformações. Os conteúdos em ambos os referenciais não são analítica e linearmente próximos, mas fazem referência no desenvolvimento de capacidades sobre números, geometria, localização, grandezas e medidas. 45 Logo, faz-se necessário, por tal justificativa, adotar critérios analíticos (e instrumentos) de avaliação que se alinham com a proposição dos documentos que exercem função de parâmetro/referencial/diretriz/base. No caso da BNCC, a problemática nesse sentido é denominar quais conteúdos são planejados para o ciclo de educação infantil de forma sequencial e procedural, uma vez que o aprendizado das crianças deste período e com deficiência sensorial, submetidos ao uso de uma tecnologia assistiva para auxiliar na aquisição destes conteúdos, torna-se deficitário pelo modo como a condução é estruturada. 46 3 Educação Especial e o contexto social Artigo. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, com constante desenvolvimento de seus saberes, propriedades sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características e necessidades de aprendizagem. (Estatuto da Pessoa com Deficiência/2015, capítulo IV: Do direito à educação) (BRASIL, 2015b) De acordo com o estatuto da pessoa com deficiência, referenciado anteriormente, para uma sociedade integrativa e inclusiva de fato, a deficiência deve ser concebida como uma diferença, e não como um déficit. Para a construção de ambientes escolares inclusivos, a concepção de identidade e diferenças é fundamental para uma relação subjetiva da oposição binária de conceito, e então não se caracteriza uma identidade como norma privilegiada em relação às demais (MANTOAN, 2007; PAPIM et al., 2017). Deve-se existir um questionamento da artificialidade nas identidades normais, para entender que as diferenças são resultantes da multiplicidade, não da diversidade. A declaração de Salamanca destaca que o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todas as crianças aprendam juntos, mesmo com dificuldades e diferenças apresentadas. As escolas inclusivas devem reconhecer as necessidades diversas das suas crianças, adaptando os vários modelos de aprendizagem com currículos adequados, organização escolar, estratégias psicológicas, utilização de recursos, e interação comum com a cooperação entre sociedade e escola (UNESCO, 1994). A educação especial deve conceber a escola como um espaço de todos e para todos, em que as crianças constroem o conhecimento de acordo com suas capacidades, participam de tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, assim conflitando a escola dos diferentes com a escola das diferenças (BRASIL, 1961; 1971; 1988). Neste capítulo, então, são abordados temas que caracterizam a educação especial, sua implementação no contexto social, como funciona e deveria funcionar a escola regular de educação infantil na perspectiva escolar inclusiva, as definições das deficiências auditiva e visual, legislações e referenciais técnicos que normatizam o ensino e a inclusão escolar, as necessidades educativas especiais (NEE), as características e estruturas funcionais de tecnologias assistivas. 47 3.1. A escolar regular comum na perspectiva escolar inclusiva A pedagogia da escola das diferenças, que se enquadra como a escola na perspectiva inclusiva, deve questionar, criticar, discutir, contrapor-se, construir e reconstruir as práticas aplicadas, que mantêm ainda a exclusão através de processos de ensino indiscutíveis, impostos e alocados sobre a desconsideração dos excludentes. Para que a escola comum se torne inclusiva, deve-se reconhecer as diferenças das crianças diante do processo educativo, e objetivar a participação e progresso de todas, com práticas pedagógicas inovadoras e transformadoras (BUENO,