AMANDA AUGUSTA DA COSTA VIAÇÃO FÉRREA CAMPINAS JAGUARIÚNA: ESTUDO SOBRE A REPRESENTATIVIDADE IDENTITÁRIA DE UM TREM TURÍSTICO (JAGUARIÚNA, SP) Rosana 2021 AMANDA AUGUSTA DA COSTA VIAÇÃO FÉRREA CAMPINAS JAGUARIÚNA: ESTUDO SOBRE A REPRESENTATIVIDADE IDENTITÁRIA DE UM TREM TURÍSTICO (JAGUARIÚNA, SP) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Turismo do Câmpus Experimental de Rosana, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Romero de Oliveira Rosana 2021 C837v Costa, Amanda Augusta da Viação Férrea Campinas Jaguariúna: estudo sobre a representatividade identitária de um trem turístico (Jaguariúna, SP) / Amanda Augusta da Costa. -- Rosana, 2021 68 p. : fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Turismo) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Câmpus Experimental de Rosana, Rosana Orientador: Eduardo Romero de Oliveira 1. Patrimônio ferroviário. 2. Trem turístico. 3. memória social. 4. turismo cultural. 5. Abordagem baseada em valores I. Título. AMANDA AUGUSTA DA COSTA VIAÇÃO FÉRREA CAMPINAS JAGUARIÚNA: ESTUDO SOBRE A REPRESENTATIVIDADE IDENTITÁRIA DE UM TREM TURÍSTICO (JAGUARIÚNA, SP) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Turismo do Câmpus Experimental de Rosana, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Turismo. Rosana, 09 de dezembro de 2021. Componentes da Banca Examinadora: ______________________________________________________ Presidente e Orientador: Prof. Dr. Eduardo Romero de Oliveira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP ______________________________________________________ Membro Titular: Ma. Milena Meira da Silva Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP ______________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Tiago Juliano Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP ______________________________________________________ Membro Suplente: Dra. Juliana Maria Vaz Pimentel Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP ______________________________________________________ Local: Google Meet Dedico este trabalho à toda minha família e amigos que não tiveram acesso a uma universidade. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, a todos orixás e mentores espirituais que me auxiliaram em toda essa caminhada, me orientando, me protegendo e me dando força e sabedoria para todos os momentos difíceis. Agradeço imensamente a minha mãe que sempre acreditou, me incentivou e me apoiou em tudo. Você é meu exemplo de garra, força e persistência. Te amo. À toda minha família, e em especial a tia Neila, tia Neide e madrinha Rosa por todo auxílio e apoio nesse período. Agradeço também a Maria Pizzingrilli, minha tia do coração e meu exemplo de dedicação e determinação. Agradeço também a FAPESP pelo financiamento da pesquisa e ao meu orientador Eduardo Romero por todos esses anos de orientação e de confiança depositada. O senhor possui o dom de orientar e de perceber as particularidades de cada orientando, potencializando nossas qualidades e nos fazendo enxergar a nossa importância dentro do projeto. Á todos professores que fizeram parte desse trajeto e que me ajudaram e incentivaram. Um agradecimento especial ao Guilherme, que além de professor se tornou um amigo muito especial e que teve participação importante em minha vida acadêmica. O meu ingresso da UNESP não teria sido possível sem o incentivo do Juliano, que me fez enxergar que era sim possível e que eu era capaz. A você Juli, meu muito obrigada! Eu não teria “saído da caixinha” se não fosse as nossas conversas. Ainda em relação a incentivo, agradeço ao Sr. Paulo Lazaro que sempre me incentivou nos estudos, nossas conversas de volta para casa permanecem em minha mente até hoje. Obrigada por tudo. Agradeço aos meus amigos de São Paulo que entenderam meus sumiços e ausências e mesmo assim mantivemos uma amizade sólida e com a mesma lealdade, se fazendo presente quando sentiam que eu precisava. Lucas Nascimento, Samya Campos e Pedro Franconeri meus profundos agradecimentos pela amizade e compreensão durante esses anos. Um agradecimento especial ao Matheus, meu porto seguro nesses últimos momentos de faculdade. Seu apoio e incentivos em todas as minhas decisões foram cruciais. Obrigada por cada momento, por cada conversa e por ser você. Á todas amizades que fiz ao longo desses anos, e em especial a República Amoricana e as suas moradoras por cada momento vivenciado que me mostravam que todo esforço valia a pena. Obrigada meninas pela acolhida e por todo carinho de sempre. À Julia Moreira (mia), minha fada pesquisadora e meu exemplo na academia. Você é uma das melhores pessoas que já conheci nessa vida e só tenho a agradecer por ter te conhecido, pela nossa amizade e pela nossa parceria de sempre. Te amo, paixão. Agradeço à Ana Patrícia por estar comigo sempre em toda essa jornada. Minha dupla, minha parceira de projeto, de trabalhos em grupo, de viagens, de mais de vinte grupos no WhatsApp e de muito mais. Você me ensinou muito sobre tudo, e eu te admiro demais! Um dia quero ter um terço da tua força e coragem. Obrigada por tudo! À Verônica Calamante, minha gêmea e companheira de cafés da tarde, obrigada por cada conversa e por cada momento que vivemos juntas. Você me mostrou que o importante é nos entregar para as experiências e vivê-las da forma mais intensa e de acordo com o nosso coração. Um agradecimento especial aquelas que moraram comigo, agradeço de coração cada momento vivido com vocês e que o laço que criamos nunca se perca. Barbara Gino, o seu jeito meio doidinha de ser contagia qualquer lugar com alegria e espontaneidade. Gabriely Silva, obrigada pelas conversas, por sempre me proporcionar um novo olhar sobre as coisas. E Mariana Gois, obrigada pela parceria, por estar junto, por sempre me entender e não me julgar, por cada comida e por sempre “ser a gente”. Tenho um carinho especial por vocês. Por último, agradeço a Primavera, que além da universidade me proporcionou crescimento pessoal, amigos e experiências incríveis. “Decido não esperar as oportunidades e sim, buscá-las. Decido ver cada dia como uma nova oportunidade de ser feliz”. Walter Elias Disney RESUMO Partimos do princípio expresso na Carta de Turismo Cultural (ICOMOS, 1999) de que o turismo cultural é uma atividade que interage com projetos de preservação do patrimônio cultural e da sua autenticidade. Sendo assim, nossa problemática de pesquisa foi: como a conservação da memória social pode ser adequadamente contemplada em projetos turísticos. Para enfrentar essa questão geral, este estudo tomou um patrimônio ferroviário ativo, um trem turístico que opera numa via de 25km entre as cidades de Campinas e Jaguariúna (SP), com vista a entender se este atrativo turístico é uma forma de preservar as memórias, histórias ou tradições locais. Assim, os objetivos específicos foram: identificar a existência de memórias sobre a antiga operação da Companhia Mogiana na localidade ou arredores; verificar qual a valoração que a comunidade atribui hoje ao trem turístico; identificar se o trem turístico possui características materiais ou simbólicas que espelham a história local e da comunidade; analisar se o trem turístico é representativo da história local, por meio das características identificadas como sendo da memória social da comunidade. Para isso foi realizada revisão teórica e documental e se utilizou o método de abordagem e valoração do patrimônio (AVP), desenvolvido por Silberman e Labrador (2014), que conta com diversas técnicas de trabalho de campo que visam identificar a percepção da comunidade sobre o patrimônio. Com isso, buscou-se entender qual a importância a comunidade atribui ao atrativo e se esta se sente representada por meio do patrimônio ferroviário. Conclui-se que a comunidade identifica uma importância econômica e histórica ao atrativo, mas não de pertencimento e representatividade. Palavras-chave: patrimônio ferroviário; trem turístico; memória social; Turismo cultural; Abordagem Baseada em Valores. ABSTRACT Founded in the principle expressed in the Cultural Tourism Charter (ICOMOS, 1999) that cultural tourism is an activity that interacts with projects to preserve cultural heritage and its authenticity; consequently, our research problem is how the conservation of social memory (which is part of this authenticity) can be considered in tourism projects. To this general question, this study takes an active railway heritage, a tourist train that operates on a 25km route between the cities of Campinas and Jaguariúna (SP), in main goal to understand whether this tourist attraction is a way of preserving memories, local stories or traditions. Within this issue, the specific objectives: to identify the memories about the old operation of Companhia Mogiana in the locality or surroundings; verify the importancez that the community attaches today to the tourist train; identify whether the tourist train has material or symbolic characteristics related to the local and community history, or the local memories; to analyze whether the tourist train is representative of local history and the community, including that identified as being a social memory. In order to it, a theoretical and documentary review will be carried out and the values-based approach will be used, which has several fieldwork techniques in a way that aim to identify the perception of the community about the heritage in question. With this, it seeks to understand what importance the community attributes to the attraction and whether it feels represented with the railway heritage. It is concluded that the community identifies an economic and historical importance to the attraction, but not of belonging and representation. Key-words: railway heritage; tourist train; social memory; cultural tourism; values- based approach. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa do trecho da Viação Férrea 3 Figura 2.: vista lateral da estação ferroviária de Jaguariúna 4 Figura 3: vista lateral da estação 16 Figura 4: Área da estação e linha férrea 16 Figura 5: Mapa da área da aplicação da pesquisa 17 Figura 6: Área de aplicação das entrevistas 19 Figura 7: observação interna 1 23 Figura 8: observação interna 2 23 Figura 9: observação interna 3 24 Figura 10: observação externa 1 25 Figura 11: observação externa 2 25 Figura 12: observação externa 3 26 Figura 13: interior de um vagão do trem turístico 27 Figura 14: vista externa de um vagão do trem turístico 37 Figura 15: vista interna de um vagão do trem turístico 38 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Aplicação 1 de photovoice ................................................................................................................... 20 Quadro 2: Aplicação 2 de photovoice ................................................................................................................... 21 Quadro 3: Aplicação 3 de photovoice ................................................................................................................... 22 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABPF Associação Brasileira de Preservação Ferroviária AVP Abordagem e valorização do patrimônio CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CONDEPACC Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico ICOMOS Conselho Internacional de Monumentos e Sítios IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MTUR Ministério do Turismo SISTUR Sistema de turismo UNESP Universidade Estadual Paulista UNICAMP Universidade Estadual de Campinas USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 1.TEORIAS FUNDAMENTAIS 9 1.1 Patrimônio cultural e atrativos turísticos 9 1.2 Identidade cultural e o patrimônio 12 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 15 2.1 Busca por documentos a respeito da estação e via férrea 15 2.2 Elaboração de instrumentos de pesquisa 17 2.3 Aplicação da pesquisa de campo 18 2.3.1 Entrevistas 18 2.3.2 Photovoice 20 2.3.3 Observação (mapas de fluxo) 22 2.3.4 Passeio no trem turístico 26 3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISES 29 3.1 Em relação ao objetivo 1 29 3.2 Em relação ao objetivo 2 30 3.2.1 Comportamento na circulação de pessoas 31 3.2.2 Representação visual 33 3.2.3 Narrativas de memória 34 3.3 Em relação ao objetivo 3 37 3.3.1 Características materiais do trem e da área da estação ferroviária 37 3.3.2 Características interpretativas 39 3.4 Em relação ao objetivo 4 41 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 43 5. REFERÊNCIAS 46 1 INTRODUÇÃO A Carta de Turismo Cultural (ICOMOS, 1976) diz que o turismo cultural é uma forma e um segmento do turismo que tem por objetivo o conhecimento de monumentos e sítios artísticos, o qual exige um esforço da comunidade humana devido a proteção dos valores culturais do local. É em meio a essa necessidade de preservar os valores de um povo e até mesmo as tradições que os envolve que surge a necessidade de preservação do patrimônio cultural. Uma das formas de preservação é a sua reutilização, que objetiva a conservação do bem e garantia que ele continuará de alguma maneira retratando a importância que possui. O 5º artigo da Carta de Veneza menciona que A conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade; tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar à disposição ou a decoração dos edifícios. É somente dentro destes limites que se deve conceber e se pode autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes (ICOMOS, 1964). O turismo cultural surge permitindo ao turista estabelecer um sentimento de identidade com o local ou monumento, de maneira que “muitos turistas procuram o reencontro com o passado, com tradições e identidades, que reflete a necessidade de pertencimento que as pessoas têm” (BARRETTO, 2007, p. 93). A Carta Internacional de Turismo Cultural (1999), documento aprovado no México e posterior a carta de 1976 reforça que os programas de implementação do turismo devem aprofundar a compreensão e apreciação do significado cultural do patrimônio cultural. Ressaltando que este significado é decorrente da preservação da autenticidade do patrimônio cultural; isto é, da conservação dos elementos materiais, da memória coletiva e tradições (ICOMOS, 1999). Sendo assim, levantamos os seguintes questionamentos: como a atividade turística interage com projetos municipais de preservação e programas de conservação da autenticidade? Como projetos de desenvolvimento turístico promovem (ou não) relações de identidade na comunidade em que estão inseridos os atrativos turísticos? A identidade encontrada em um local é baseada nas memórias que foram obtidas, principalmente pelas pessoas que fizeram parte desse processo e, desta forma, Le Goff (1924) diz que há uma memória intrínseca nos monumentos do 2 passado, e que de certa forma eles retratam uma memória social, deixada pelas pessoas que foram elementos e possuíram relação com esses locais. A preservação de um bem e da sua história pode acontecer através do turismo cultural que se utiliza do patrimônio cultural como atrativo turístico ao buscar por informações e conhecimento através das visitas aos atrativos e contato com outras culturas (COSTA, 2009). Isso, pois, conforme Marujo (2014), a cultura é o principal elemento motivador para atrair turistas. De maneira que na maioria das vezes o turista cultural busca valorizar a cultura da comunidade local. Mas, seria o patrimônio cultural representativo culturalmente para a comunidade na qual está inserido? O atrativo e a interpretação representam originalmente a história da cidade? O morador se sente representado pelo atrativo turístico? Essas questões podem ser respondidas utilizando-se de diferentes objetos de estudo, mas o objeto aqui escolhido foi um patrimônio ferroviário, compreendido como patrimônio industrial, pois está relacionado com a produção industrial (ICOMOS, 2003). O transporte ferroviário é associado com a história social e econômica do país, que se tornaram atrativos a partir da implantação dos trens turísticos como forma de preservar esse patrimônio (MAMEDE; VIEIRA; SANTOS, 2008). Logo, outro conjunto de questões podem ser colocadas: o patrimônio industrial ferroviário pode ser um bem representativo para a comunidade local? Especificamente, como os moradores enxergam o trem? Para eles, existe relação com a memória local e/ou identidade por meio do atrativo? Eles identificam o trem como uma forma de preservar a história do local? São esses os questionamentos que se colocam para os trens turísticos, se eles são uma forma de preservar o patrimônio; isto é, de se preservar a memória da comunidade local. Para enfrentar tais questões escolhemos a Viação Férrea Campinas Jaguariúna que realiza passeios entre as cidades de mesmo nome da viação, no estado de São Paulo. A escolha desse atrativo como objeto de estudo se deu devido à escassez de estudos a respeito do local e sua comunidade. O trecho originalmente inaugurado em 1875 passava pelas estações de Anhumas, Tanquinho e Jaguary, posteriormente acrescida das estações Carlos Gomes (1888) e Desembargador Furtado (1901). Todos os pátios continham casas de funcionários, armazéns e caixas d’água. Ao longo das décadas alguns edifícios surgem acrescentados, outros suprimidos (GERIBELLO, 2011). Com a intensificação do tráfego nas primeiras 3 décadas do século XX, reformas e alterações tecnológicas precisaram ser realizadas. A primeira foi a construção de novas oficinas para atender maior manutenção de material rodante (Campinas, 1904-6). A partir de 1920 foi iniciada a retificação do traçado (Campinas – Mogi-mirim), que se estendeu até 1945. Após a desativação, em 1977, este trecho foi concedido para a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) em 1982, que passou a operar um trem turístico de Anhumas até Jaguariúna (MORAES; OLIVEIRA, 2018). Em 2012, o trecho férreo, até a divisa do município de Jaguariúna, recebeu proteção do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC). Em 2016, a Estação Ferroviária de Jaguariúna foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT (CONDEPHAAT, 2020). Enfim, o trecho ferroviário possui reconhecido seu valor histórico tanto por órgãos municipais quanto estaduais de proteção ao patrimônio cultural. Figura 1: Mapa do trecho da Viação Férrea Fonte: CONDEPAAC (2021). 4 Figura 2.: vista lateral da estação ferroviária de Jaguariúna Fonte: Autora (2020). De acordo com Oliveira (2013), a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, atual Viação Férrea Campinas Jaguariúna, foi a primeira empresa a preservar e reutilizar uma linha como atrativo turístico. Atualmente o atrativo é administrado pela ABPF. Inclusive, esta entidade foi a primeira a preservar as ferrovias como patrimônio ferroviário por meio de passeios turísticos na locomotiva Maria Fumaça entre as estações Anhumas (Campinas) e Jaguariúna. O percurso tornou-se um forte atrativo turístico das duas cidades, assim, com essa pesquisa buscou-se compreender se representa a comunidade do entorno da estação de Jaguariúna. Objetivos O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar a percepção dos moradores de Jaguariúna sobre a Viação Férrea Campinas Jaguariúna, e buscar entender se o trem turístico representa um elemento identitário para a população. Sendo assim, os objetivos específicos são: 1. Identificar a existência de memórias dos moradores sobre a antiga operação da Companhia Mogiana na localidade e arredores; 5 2. Verificar qual a valoração que a comunidade atribui atualmente ao trem turístico; 3. Identificar as características materiais e interpretativas do trem turístico, a fim de verificar a autenticidade na perspectiva do morador; 4. Analisar se o trem turístico é representativo da história local, inclusive por aquelas características identificadas como sendo da memória social da comunidade. Justificativa Novas diretrizes de preservação apontam a importância de verificar a participação da comunidade local no turismo cultural (ICOMOS, 1999). Logo, essa pesquisa é importante para verificar se essa ênfase de participação comunitária faz parte, tanto da bibliografia especializada atual sobre turismo cultural, quanto nos seus diferentes aspectos do planejamento turístico, como por exemplo, atratividade turística. Outro fator importante para se justificar esta pesquisa é que o Ministério do Turismo (2006) menciona a importância do envolvimento da comunidade local com o atrativo, mas Deus e Moraes (2019) mostram que há uma escassez nas produções bibliográficas a respeito do critério de atratividade envolvendo a comunidade local. Desse modo, o estudo aqui proposto é relevante pois busca entender se a comunidade está incluída na atividade turística ou em algo que envolva a mesma, e de que forma acontece essa inclusão. Todos esses pontos são importantes de serem estudados, pois, de acordo com Freire (2015), o patrimônio ferroviário tem ganhado destaque como tipo de bem a ser protegido. Contudo, alguns estudos como o da Geribello (2011) abordam esse patrimônio, porém pouco problematiza os aspectos de memória e de identidade com o local. No entanto, Madalozzo (2015) ressalta a importância de levar em conta a comunidade local e a memória social que a população tem sobre o patrimônio ferroviário ao estudar o caso de Ponta Grossa (PR). Logo, nota-se a importância em se verificar a existência de relações culturais entre o atrativo e a comunidade, porque para entender a atratividade é preciso compreender se o atrativo representa algo para comunidade na qual está inserido, não só antigamente, mas atualmente também. 6 Em contrapartida, os estudos sobre trens turísticos pouco consideram a percepção do morador em relação a existência ou implantação, de forma que com base em títulos lidos como Afonso (2017), Boehm (2003), Boldori (2012), Couto (2012), Fraga (2008), Fraga (2011), percebeu-se que, de modo geral, as linhas de investigação se voltam para o estudo da potencialidade turística das ferrovias e para as estratégias de desenvolvimento e implantação do trem turístico. Alguns trabalhos, como o de Afonso (2017), preocupam-se com a questão socioeconômica e os impactos que o trem como atrativo turístico pode trazer para comunidade que está inserido, mas são escassos os estudos sobre a percepção do morador e o envolvimento da comunidade a respeito de um trem turístico já existente. Ao buscar informações sobre a Viação Férrea Campinas Jaguariúna foi possível perceber que são poucos os trabalhos sobre a percepção do morador a respeito do local. Isso é notável ao se pesquisar os termos “Jaguariúna”, “estação ferroviária de Jaguariúna” e “trens turísticos” nos periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e em bases de teses das universidades como Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Universidade de Campinas (UNICAMP) e Universidade de São Paulo (USP). Ao total, ao pesquisar em dez periódicos se encontrou seis trabalhos, sendo que cinco deles presentes no periódico da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP). De destaque, sobre o objeto de estudo, há o trabalho da Geribello (2011), que trata da habitação e as formas de apropriação das estações que competem o trecho complexo. Mamede, Vieira e Santos (2008) também abordam o local e retratam como o turismo ferroviário, através dos trens turísticos e o patrimônio cultural, tem sido uma forma de preservar e valorizar o patrimônio cultural. Essa escassez de estudos a respeito do local e um interesse particular em estudar a comunidade, associados a uma oportunidade de pesquisa em Jaguariúna justificam a escolha do local como objeto de estudo desta pesquisa. Logo, esse é um trabalho que também tratou da viação, mas que trará um aspecto e pesquisa complementar aos autores já citados. Nota-se que não há muitos trabalhos e informações sobre a ligação do atrativo turístico com a comunidade local, nem sobre a relação entre memória local ou identidade local com o trem turístico. Desta forma, esta pesquisa é importante para verificar a existência de relações culturais entre o atrativo turístico e a comunidade. 7 Metodologia Para alcançar os objetivos propostos nesse projeto a pesquisa começou com uma revisão teórica em relação aos conceitos de turismo cultural e atratividade, visando um maior conhecimento sobre os temas. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica em livros presentes em algumas bibliotecas do curso de turismo do estado de São Paulo (USP, UNESP e Anhembi Morumbi) e em textos ligados ao turismo. Também se buscou trabalhos científicos encontrados em base de periódicos da CAPES utilizando as palavras-chave, "estação", "trem turístico”, “turismo”, “identidade” e “memória”. Para este enfoque também foram pesquisados artigos científicos em revistas de turismo nacional como as revistas Turismo em Análise, Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo e Turismo – Visão e Ação. A consulta a documentos públicos sobre o trem turístico e sobre a estação de Jaguariúna também foi realizada, principalmente no site da prefeitura de Jaguariúna e no site da ABPF. Foi feita uma análise através de uma observação assistemática que segundo Marconi e Lakatos (2010) é uma forma de observação mais livre e ocasional e que pretende identificar os fatos de acordo com a realidade e sem o uso de perguntas a comunidade, ou seja, também se utilizou do conhecimento que já possuíamos sobre o local. Para o uso da técnica não é necessário a definição de quais aspectos serão analisados, pois ela se baseia em uma observação através dos fenômenos que ocorrem. Assim, foi realizada uma observação in loco e o foco foi observar se o local possui interação com a comunidade na qual está inserido. Utilizamos o método de abordagem e valorização do patrimônio (AVP) para poder identificar a percepção da comunidade sobre o patrimônio em questão. Poulios (2010 apud OLIVEIRA; SANTOS; SILVA, 2018) diz que o método se baseia na comunidade pois esta reconhece e possui percepções diferentes dos especialistas e instituições que protegem legalmente os bens patrimoniais, ou seja, que eles identificam o valor inserido no local. O autor ainda comenta que a comunidade é o elemento principal para continuidade de um patrimônio e como forma de permanência de suas memórias e valores agregados. O método utilizado é composto por quatro instrumentos metodológicos: tour, observação, photovoice, e entrevistas, que possibilitam identificar a presença de valores identitários da comunidade do local com o bem cultural, ou seja, possui como 8 base a percepção dos moradores, pois são eles que valorizam e reconhecem o local ou as manifestações culturais como parte de sua identidade (OLIVEIRA; SANTOS; SILVA, 2018). Para esta pesquisa aplicamos três dos instrumentos que competem ao método AVP. O primeiro instrumento foi o photovoice que consiste em uma técnica de participação da comunidade pelo meio fotográfico. É feita uma seleção de palavras que indiretamente podem se relacionar com o patrimônio e na aplicação da técnica o participante sorteia uma palavra e faz um registro fotográfico de algo que aquela palavra represente para ele. Com esse instrumento é possível notar qual a percepção e olhar que o entrevistado possui sobre o tema fornecido e se possui alguma ligação com a comunidade, de forma que é possível identificar como cada um entende o lugar e o associa com algo. A entrevista por sua vez já é uma forma mais intimista, pois aborda experiências vividas, emoções, entre outros sentimentos através de questões que são pré-elaboradas e que possui o objetivo de identificar a visão e percepção do entrevistado sobre o local ou sobre o patrimônio. A qual foi aplicada de forma qualitativa na área do entorno da estação e com 10 entrevistados ao que foram escolhidos de forma aleatória. Segundo Flick (2009) a pesquisa qualitativa busca entender e explicar os fenômenos sociais, de maneira que analisa de formas diferentes a interação e comunicação dos indivíduos ou grupos. Já a observação, o último instrumento utilizado não envolve contato com o entrevistado, pois ele busca compreender como se dá o contato cotidiano das pessoas com o patrimônio, ou seja, como eles se relacionam no local através dos mapas de fluxo. Portanto, num primeiro momento, verificou-se se através de análises materiais e interpretativas se o trem turístico possui esses valores intrínsecos. A carta internacional sobre turismo cultural (ICOMOS, 1999) diz que os programas de interpretação referentes aos aspectos históricos devem ser claros e acessíveis aos visitantes. Fundamentado nesta diretriz, foi feita uma análise dos dados obtidos na pesquisa a fim de verificar se o trem turístico é representativo para aquela comunidade. Em outros termos, verificar se a monitoria e demais recursos interpretativos aos visitantes transmitem aspectos da memória local e ressaltam a autenticidade do patrimônio. Lembramos aqui que nos pautamos pelo conceito de autenticidade expresso na Carta de Nara, segundo o qual a autenticidade de um patrimônio cultural está amplamente associada aos valores atribuídos ao patrimônio 9 (ICOMOS, 1994). Esta análise possibilitará identificar se há uma representatividade social do atrativo turístico. 1.TEORIAS FUNDAMENTAIS 1.1 Patrimônio cultural e atrativos turísticos Várias definições de patrimônio cultural consideram atualmente o elemento identitário como um relevante componente. De acordo com Pelegrini (2007, p. 3) o “patrimônio é historicamente construído e conjuga o sentimento de pertencimento dos indivíduos a um ou mais grupos”. Para Dias (2006), patrimônio cultural é o conjunto de bens materiais que foram legados pelos nossos antepassados e que, em uma perspectiva de sustentabilidade, deverão ser transmitidos aos nossos descendentes, acrescidos de novos conteúdos e de novos significados, e que deverão sofrer alterações de acordo com as novas realidades socioculturais. Segundo a Constituição Brasileira de 1988, no artigo 216, seção II sobre cultura Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988). O órgão nacional de preservação, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (IPHAN, 2014a; 2014b) também reconhece dois tipos de patrimônio: o imaterial e o material. O imaterial é tudo aquilo que diz respeito às práticas daquele povo, podendo ser formas de expressão, música, saberes e ofícios, já o material são todos os bens culturais móveis ou imóveis que possuem vínculos memoráveis da história de um determinado local. Ou seja, a memória e a identidade de um povo podem estar atreladas com um patrimônio cultural. A identidade cultural de uma população diferencia os princípios, os valores e os traços que a marcam, não apenas da individual, mas também frente as outras culturas, povos e comunidades. Santos (2004 p. 59 apud BATISTA, 2005) diz que: “memória e identidade estão interligadas, e desse cruzamento múltiplas possibilidades poderão se abrir pela produção histórico-cultural”. 10 De acordo com Tomaz (2010 p. 4), “o cuidado com os bens patrimoniais visa resguardar a memória, dando importância ao contexto e às relações sociais existentes em qualquer ambiente”. Portanto, não é possível preservar a memória de um povo deixando de preservar os espaços e locais que eram utilizados para manifestações culturais ou rotineiras do seu modo de viver. No contexto de preservação e utilidade é onde o turismo cultural ganha força. A Norma de Quito (1967) diz que se um objeto caracteriza um momento da história e precisa ser preservado, mas que necessita de uma utilidade, de maneira que: Valorizar um bem histórico ou artístico equivale a habilitá-lo com as condições objetivas e ambientais, que sem desvirtuar sua natureza ressaltem suas características e permitam seu ótimo aproveitamento. Deve-se entender que a valorização se realiza em função de um fim transcendente, que no caso da América Ibérica, seria o de contribuir para o desenvolvimento econômico da região (OEA, 1967). O turismo pode então ser uma possibilidade de uso ao patrimônio industrial, principalmente através do segmento de turismo cultural, que segundo o Ministério do Turismo, “turismo cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura” (BRASIL, 2010). E considera que é essa valorização que o turismo cultural proporciona os bens culturais, de maneira que: A utilização turística dos bens culturais pressupõe sua valorização, promoção e a manutenção de sua dinâmica e permanência no tempo como símbolos de memória e de identidade. Valorizar e promover significam difundir o conhecimento sobre esses bens, facilitar seu acesso e usufruto a moradores e turistas (BRASIL, 2006, p.11). Portanto, os bens possuem significativa na preservação do patrimônio e da memória e identidade de um povo. O Ministério do Turismo (2006) ainda diz que é importante reconhecer a relação do turista com a comunidade local, pois a partir do momento que ocorra uma relação harmoniosa entre as partes o turismo pode desempenhar seu papel as beneficiando. A relação entre patrimônio e turismo cultural englobam os novos usos ao patrimônio e o envolvimento com a comunidade local. Ou seja, a atividade turística deveria levar em conta o envolvimento da comunidade local e suas memórias e identidade com o patrimônio. Contudo, essa relação implica alguns desafios, como no caso aqui proposto no qual pretendemos identificar se há de fato identificação da comunidade com o atrativo turístico. 11 De acordo com o Ministério do Turismo (2011, p. 27) “um atrativo turístico é composto de ‘locais, objetos, equipamentos, pessoas, fenômenos, eventos ou manifestações capazes de motivar o deslocamento de pessoas para conhece-los”. Ou seja, todo o conjunto de itens que estrutura e torna um local atrativo. Nessa perspectiva surge o Sistema de Turismo (SISTUR) de Beni (2000), que enquadra os atrativos turísticos no subsistema da oferta. A oferta turística agregada é aquela que reúne um conjunto de itens como bens e serviços que torna o local mais atrativo para os turistas. Valls (2006 apud BRASIL, 2011) diz que o atrativo desencadeia o processo turístico, ou seja, ele que é o ponto inicial e o responsável por toda atividade turística, de forma que a existência de um atrativo faz com que a infraestrutura turística e o marketing se desenvolvam naquele local. No mesmo contexto, Boullón (1983 apud BRASIL, 2011) enfatiza a importância do atrativo, e diz que este é a matéria prima do turismo, e que sem um atrativo uma localidade não pode empreender o desenvolvimento turístico. Os diferentes autores se complementam em suas falas, pois, de fato, o atrativo é a base para desenvolvimento turístico de uma localidade, é ele que motiva a implantação de infraestruturas turísticas, desencadeando a existência de um produto turístico. Estes são importantes pois em sua maioria possuem envolvimento da comunidade local, com empreendimentos que são diretamente ligados ao turismo. Ignarra (2003) diz que os produtos turísticos são compostos por seis componentes, que são: bens e serviços; recursos; infraestrutura; gestão; imagem; e marca e preço. Segundo o autor, os atrativos turísticos se enquadram dentro do componente de recursos, mais especificamente nos recursos culturais. Todo o conjunto de infraestrutura turística caracteriza característica um local como sendo produto turístico (IGNARRA, 2003). O patrimônio cultural está cada vez mais presente nas propostas de Turismo, de forma que o Ministério do Turismo (2006, p. 10) menciona que: Pode-se dizer que a relação cultura e turismo fundamenta-se em dois pilares: o primeiro é a existência de pessoas motivadas em conhecer culturas diversas e o segundo é a possibilidade do turismo servir como instrumento de valorização da identidade cultural, da preservação e conservação do patrimônio, e da promoção econômica de bens culturais. 12 O Ministério do Turismo (2006) ressalta que o patrimônio cultural é muito mais que um atrativo, e sim uma forma de identidade cultural e de memória das comunidades, e que retrata um povo e as experiências deles, e que por isso deve ser respeitado. Para Ignarra (2003) atrativos culturais possuem uma classificação mais ampla, de forma que são históricos a partir do momento que experiências e culturas são retratadas, sejam elas nacionais ou locais. De acordo com Barreto (2007, p. 87) “nesses atributos encaixam-se sítios arqueológicos, monumentos históricos e outras manifestações artísticas do local, bem como os valores e formas de vida”. De maneira que todas as formas de expressão ou de manifestação de um povo pode ser considerado um atrativo turístico ou uma forma de atratividade; isto é, a identidade de um povo expressa em um local ou objeto se torna atrativo para os turistas. Mas, isso se for de interesse da própria comunidade, a fim de não utilizar as expressões culturais desta como atrativo utilizado e comercializado por terceiros. Martins (2006) diz que cada lugar é único e possui sua própria história, e que relações e influências do passado trazidos ou conservadas para o presente potencializam o desenvolvimento do lugar, de forma que a identidade que existe é mantida e poderá ser transmitida aos turistas que visitam. Portanto, a partir dos conceitos abordados podemos concluir que um atrativo turístico é a base para atrair o turista para o local, mas que para existir um atrativo existe uma série de requisitos. Porém no caso dos atrativos culturais, fatores como a localidade, o preço, entre outros itens, não são o que provocam a atratividade do local, e sim a cultura e a identidade que ali está inserida. 1.2 Identidade cultural e o patrimônio Em seu trabalho, Carvalho (2011) discute a relação da identidade e memória de um lugar com a atividade turística, por meio do turismo cultural, de forma que “os testemunhos da memória e da identidade emergem como importantes atrativos turísticos, suscitando o deslocamento de visitantes do segmento turismo cultural” (CARVALHO, 2011, p. 150). Desse modo a atividade pode ser uma forma de preservação e perpetuar a cultura intrínseca em uma comunidade. 13 Carvalho (2011) enfatiza a necessidade de cautela ao implantar a atividade turística, pois a autora diz que a memória e identidade atreladas ao lugar se dá aos poucos de acordo com os acontecimentos ligados ao local. O local/atrativo é representativo para comunidade na qual está inserido, e envolver os anfitriões no processo de planejamento da atividade turística é uma forma de não perder os elementos principais e representativos do local, além de fortalecer os laços do patrimônio com a população. Já Aragão e Carvalho (2013) defendem que a memória é concebida como uma criadora de pertencimento de um grupo ou comunidade, e a construção da mesma se dá por uma lembrança de algo que se viveu junto a um grupo social, e que em diversos casos as memórias estão atreladas a um lugar, que é uma construção simbólica do momento vivido. As definições de lugar e memória estão atreladas ao patrimônio, de forma que o entendem como “lugar antropológico”, pois dizem que os grupos se formam a partir de símbolos que representam o local. Augé (1994, p. 34 apud ARAGÃO; CARVALHO, 2013, p. 697) diz que “O lugar antropológico é a construção simbólica e concreta do espaço, que se refere à casa, às aldeias, ou seja, aos lugares que têm sentido, que são identitários, relacionais e históricos e que trazem subjacente o sentido de permanência”. Com esse trecho, podemos perceber que, para os autores, o sentimento de identidade e de memória podem estar diretamente ligados a um lugar, que fez parte da história e do cotidiano de um grupo. Mas, no discorrer do texto eles abordam que o espaço de memória ou “espaço geográfico”, como definido por eles, não é composto apenas por bens tangíveis e materiais. Objetos, ações, manifestações e outros itens também constituem um símbolo resultante do “entrelaçamento dos elementos fixos, ordenados no decorrer do processo de apropriação humana, e um sistema de relações sociais e legados culturais” (ARAGÃO; CARVALHO, 2013, p. 697). Já Batista (2005, p. 32) diz que “o turismo cultural se apropria para que ser produto, no caso a cultura, as manifestações, ritos, expressões artísticas, transforme- se em um produto turístico”. Porém, não traz esse fato como uma problemática, pelo contrário, aborda como algo positivo para a memória e identidade, pois entende que o turismo pode ser uma maneira de desenvolver localidades e atrair visitantes para o local, fortalecendo a economia existente. 14 O autor enfatiza que a ideia de cultura é facilmente atrelada a etnia, raça, ou delimitação de espaço, mas que essa não deve ser a única relação a ser feita, pois a construção de cultura também se dá a partir do sentimento de pertencimento a um grupo ou espaço, e das relações pessoais com o local. E ainda complementa ao mencionar Wehling que compreende que “a memória do grupo baseia-se essencialmente na afirmação de sua identidade (WEHLING, 2003, p. 13 apud BATISTA, 2005, p. 29). Batista (2005) ainda ressalta que a memória está fortemente ligada a identidade, que ambas são essenciais para preservação das características, pois se reforçam, logo, mantê-las “vivas” é de extrema importância. Tanto que “a memória é sempre atual, pois a qualquer momento podemos evocá-la. É vivida no eterno presente; aberta à dialética da lembrança e do esquecimento (BATISTA, 2005, p. 29). E, nesse sentido de preservação da memória e identidade de um grupo, o turismo pode se encaixar. Como dito pelo autor, o turismo se apropria dos espaços, mas por meio do turismo é possível que a cultura de determinado povo seja reconhecida e visitada, possibilitando um desenvolvimento local. Santos e Antonini (2003) entendem que o turismo É um dos fenômenos mais importantes dos últimos tempos, pois propicia o contato entre diferentes culturas, a experiência de diferentes situações, e passa por diferentes ambientes, e a observação de diferentes paisagens. Isto possibilita a globalização da cultura. (SANTOS & ANTONINI, 2003, p. 101 apud BATISTA, 2005, p.31). A preservação da memória é algo importante para uma cultura e para uma comunidade, pois é um marco de pertencimento, e mantê-las significa transmitir sua importância para gerações futuras. Desta forma, pesquisas associadas a relação da comunidade com o atrativo e com o patrimônio possuem relevância, principalmente se buscam entender e identificar as memórias e identidades intrínsecas. 15 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Busca por documentos a respeito da estação e via férrea A fim de se aprofundar na identificação da existência de memórias sobre a antiga operação da Companhia Mogiana na localidade e arredores da estação e via férrea onde opera o trem turístico em Jaguariúna (objetivo1) iniciamos a busca em documentos e sites públicos a respeito do trem turístico e sua história na cidade. Iniciamos pelos sites da prefeitura de Jaguariúna e da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária e posteriormente realizamos ligações telefônicas. No site da prefeitura não há informações relevantes a respeito do trem e de sua importância. Na aba “história de Jaguariúna” é mencionada quando e porque o trem surgiu na cidade, mas de maneira bem superficial. Na parte destinada a turismo há poucas informações sobre o assunto, sendo o Maria Fumaça citado apenas para informar os horários de passeios, ficando disponível o e-mail do atrativo, que como sabemos não é administrado pela prefeitura do município. Quando realizamos o contato telefônico não foi diferente, a prefeitura não sabia informar nada sobre o local e disse não possuir documentos a respeito, e, novamente, destinando o assunto a ABPF. A busca no site da ABPF também não foi satisfatória, as informações existentes são voltadas para as atividades exercidas no local. Em contato telefônico com um dos responsáveis pela ABPF ele pareceu solicito, dizendo que iria enviar as informações necessárias por e-mail, mas isso também não aconteceu. Isso demonstra que, independente de ser um atrativo turístico consolidado do município de Jaguariúna, ele também é um marco representativo para ABPF, pois é um trem turístico ativo e que representa a história do transporte ferroviário. Porém, ocorreu um desencontro ao buscar informações sobre o local, houve uma carência de pessoas para fornecer informações e também dificuldades institucionais, que poderiam ser melhoradas com um melhor diálogo entre ABPF e prefeitura. Com a falta de informações das partes que inicialmente constavam na pesquisa, decidiu-se buscar um outro local que pudesse auxiliar com mais documentos e informações. Assim, encontrou-se a “Casa da Memória” de Jaguariúna que possuía informações a respeito do objeto de estudo. O local e os representantes 16 se dispuseram a ajudar enviando documentos públicos e fotografias sobre as histórias e marcos do local. Os documentos enviados permitiram entender e identificar como o local era anos antes de se tornar um atrativo turístico, como exemplificado nas figuras 3 e 4: Figura 3: vista lateral da estação Fonte: Acervo casa da Memória (2020). Figura 4: Área da estação e linha férrea Fonte: Acervo Casa da Memória (2020). 17 2.2 Elaboração de instrumentos de pesquisa Com a certeza de ida até a cidade na qual se localiza o objeto de estudo, iniciou-se a elaboração dos instrumentos de pesquisa necessários para aplicação. A princípio, foi feito o levantamento da área residencial, para que o foco fossem pessoas residentes do município, mas sem descartar pessoas que trabalham no entorno. Mapas como o da figura 5 foram selecionados para que a pesquisadora conseguisse registrar o fluxo de pessoas e entrevistados na área. Figura 5: Mapa da área da aplicação da pesquisa Fonte: Google Maps (2020). Após isso, elaboram-se os instrumentos que se baseiam no método Abordagem e Valorização do Patrimônio (AVP), metodologia adotada nesta pesquisa. Sendo eles, roteiro de entrevistas, mapa da área para observação do fluxo, modelo de photovoice e termo de consentimento livre e esclarecido. O primeiro instrumento foi o roteiro de entrevistas (disponível no apêndice A), elaborado com perguntas voltadas para verificação e análise de memórias atreladas ao trem, seja ele como turístico, ou como trem de passageiro, da época ativa da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Como o objetivo nesse instrumento é captar a relação e a percepção dos entrevistados com o patrimônio, as perguntas e a condução da entrevista são direcionadas de modo mais informal, para que seja possível identificar falas e reações, e que permita que o entrevistado se sinta mais à vontade e relatasse suas percepções. A aplicação foi feita com 10 pessoas moradoras do entorno da estação que aceitaram participar da pesquisa. No caso dos 18 entrevistados que autorizaram, houve a gravação da entrevista e posterior transcrição. Ao fim, todas as partes assinaram um termo de consentimento para anuência. Um segundo instrumento utilizado foi o modelo de photovoice (apêndice B), que é um roteiro para que a pesquisadora seguisse durante a aplicação da técnica, e contou com 3 participantes. Para aplicação dessa técnica, as pessoas foram abordadas para que realizassem um registro fotográfico a partir de sua percepção de uma palavra fornecida pela pesquisadora. Neste instrumento o objetivo era observacional, baseado nas percepções e na justificativa do registro, a fim de compreender os locais e espaços que são importantes e/ou marcantes para as pessoas abordadas. O terceiro instrumento utilizado foi um mapa da área do objeto de estudo desta pesquisa. A observação ocorreu por 15 minutos em cada aplicação, analisando qual o fluxo das pessoas. Diferente dos outros instrumentos, a observação não foca em uma pessoa, e sim no deslocamento das pessoas no local, com o objetivo de analisar os fluxos do local. O procedimento de observação foi realizado três vezes ao dia durante dois dias nas duas possibilidades de acesso à estação, sendo a entrada principal e ao lado da linha férrea, aonde chega o trem turístico. Por fim, o rascunho dos percursos é utilizado para compor uma representação esquemática (o "mapa de fluxo"). 2.3 Aplicação da pesquisa de campo Com o objetivo de atingir os objetivos 1, 2, 3, 4 a viagem para aplicação da pesquisa de campo aconteceu nos dias 19 e 20 de dezembro de 2020, um final de semana para que fosse possível que a pesquisadora realizasse o passeio de trem a fim de atingir os objetivos. 2.3.1 Entrevistas Com o objetivo de entrevistar moradores da cidade, dirigiu-se para a parte residencial do entorno da estação, a figura 6 exemplifica a área de aplicação, onde o 19 recorte em azul é a área da estação ferroviária e os traços em amarelo são as ruas onde as entrevistas foram aplicadas. No total foram 10 entrevistados, de forma que 4 deles residem na cidade há mais de 30 anos. Figura 6: Área de aplicação das entrevistas Fonte: Google Maps (2021) A respeito do segundo conjunto de perguntas, correspondentes as perguntas 4 e 5 do roteiro, sobre conhecimento da estação ferroviária e do trem operado pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, todos dos entrevistados disseram conhecer a área da estação. A respeito da operação da Companhia, 6 relataram não se lembrar ou não ter vivenciado. O terceiro conjunto de perguntas era referente ao trem turístico, as áreas da estação e o uso dos entrevistados nesses locais, 6 entrevistados relataram já ter realizado o passeio no trem turístico, mas a respeito do seu surgimento, 9 entrevistados não sabem informar como surgiu, e apenas uma entrevistada acredita que surgiu “como uma alternativa de manter ativo” (SILVA, 2020). Referente a quais usos os entrevistados fazem da área, 5 relataram não utilizar para nenhum fim e os outros 5 disseram que utilizam, mas em pouca intensidade, visitando o restaurante “Botequim”, a “FeirArte”, ou apenas passaram pelo local. O quarto e último conjunto de questões eram relacionados a o que os atrai no local, suas percepções sobre a áreas e opiniões sobre representatividade e uso que a comunidade atribui ao local. As principais respostas são destinadas a como o local é bem cuidado e preservado, e praticamente todos os entrevistados enxergam a 20 importância do local para cidade de Jaguariúna, devido a considerarem o local como sendo o único ponto turístico da cidade. A respeito da opinião dos mesmos sobre a comunidade frequentar a área, não há uma resposta unânime. 5 entrevistados acreditam que a comunidade de Jaguariúna não frequenta o local, e 5 acreditam que sim, mas que a motivação se deva, principalmente, por frequentarem o restaurante “Botequim”. Nesse instrumento um fato que chamou a atenção da pesquisadora são os relatos dos entrevistados a respeito do porquê não realizam com certa frequência o passeio no trem turístico: “Mas a única coisa que eu, que eu acho assim, achei que ficou muito caro a passagem para passear né? Eu quando fui foi quando inaugurou, que foi de graça né? A gente foi, andou por dentro aí, mas acho que a distância é curta, por isso que eu falo que é caro pra onde vai né?” (OLIVEIRA, 2020). Outro relato: “É bom, eu só acho que é muito caro né. A gente conhece várias pessoas que são de fora, que são parentes que gostariam de vir para andar, mas a hora que vê o preço é absurdamente caro né” (ELIANE, 2020). Os relatos sobre o valor do passeio surgiam em boa parte das entrevistas, tornando esse um impedimento para que a comunidade realize o trem turístico com mais frequência. 2.3.2 Photovoice A aplicação do photovoice contou com 3 participantes, sendo duas com pessoas abordadas no entorno da estação (área residencial), e uma na própria área da estação. Em sequência são expressos os resultados: Quadro 1: Aplicação 1 de photovoice PALAVRA-CHAVE SORTEADA: Memória Imagem: IDENTIFICAÇÃO Nome: Maria José Silva Idade: 62 anos Gênero: Feminino Ocupação (atual ou antiga): do lar 21 Fonte: Chaveiro de bronze de uma locomotiva a vapor. Foto de: Maria José Silva, 2020. DESCRIÇÃO A entrevistada herdou o chaveiro do pai, da época em que trabalhava na ferrovia. Informou que o objeto existe a aproximadamente 40 anos, e que é muito simbólico para ela, e que será passado de geração em geração pela família. Fonte: Autora (2020). Quadro 2: Aplicação 2 de photovoice PALAVRA CHAVE SORTEADA: Comunidade Imagem: Fonte: Areia de construção. Foto de Yuri, 2020. IDENTIFICAÇÃO Nome: Yuri Ruggero de Oliveira Idade: 28 anos Gênero: Masculino Ocupação (atual ou antiga): Auxiliar de produção DESCRIÇÃO Acredita que no bairro não há elementos representativos de “comunidade” e que o mais se assemelha é a areia de construção, que em todo bairro sempre haverá alguém construindo ou reformando a casa. Fonte: Autora (2020). 22 Quadro 3: Aplicação 3 de photovoice PALAVRA CHAVE SORTEADA: História Imagem: Fonte: Vista lateral da estação ferroviária de Jaguariúna/SP. IDENTIFICAÇÃO Nome: João Batista Idade: 66 anos Gênero: Masculino Ocupação (atual ou antiga): não informado DESCRIÇÃO Relatou que a estação de Jaguariúna faz parte da história da cidade, ainda enfatizou que além da história empregada no local, a estação foi uma das primeiras construções da cidade. Fonte: Autora (2020). Os dados obtidos com os photovoice mostram que as palavras “história” e “memória” são facilmente associadas a estação e ao trem, mas que a palavra “comunidade” não, o que pode retratar um distanciamento da comunidade do entorno com a área da estação, como se a população do entorno não tivesse ligação com a área. 2.3.3 Observação (mapas de fluxo) Como já dito, a observação ocorreu em três horários distintos do dia e nas duas formas de acesso à estação. Com o resultado da observação elaborou-se “mapas de fluxo” que possibilitam o melhor entendimento de questionamentos como: por onde os visitantes chegam; qual o horário que o local é mais frequentado; qual a área com 23 maior fluxo e qual a intensidade de circulação de pessoas e/ou veículos nas áreas observadas. As figuras 4 a 9 ilustram o mapeamento dessa observação. Figura 7: observação interna 1 Fonte: Elaborado pela autora (2020). Figura 8: observação interna 2 Fonte: Elaborado pela autora (2020). 24 Figura 9: observação interna 3 Fonte: Elaborado pela autora (2020). Com a observação da parte interna da estação, conformada pela área do “Botequim”, sanitários, entrada da estação, museu ferroviário e trem estacionado, foi possível perceber que o fluxo nessa área é baseado no funcionamento do restaurante. De forma que, por meio da observação realizada pela manhã, às 09:00h, foi possível perceber que o fluxo era baixo, em sua maioria, composto pela movimentação dos funcionários, haja vista que o restaurante ainda não estava aberto, assim. Algumas pessoas chegaram a entrar e ir visitar o trem que fica estacionado, mas o fluxo ainda pode ser considerado baixo. Nos momentos nos quais o restaurante estava aberto percebeu-se uma intensidade de fluxo no local, considerado alto, com frequente chegada de pessoas e seu deslocamento até os sanitários. O alto fluxo no período das 12:00h também é referente a chegada do trem turístico na localidade. 25 Figura 10: observação externa 1 Fonte: Elaborado pela autora (2020). Figura 11: observação externa 2 Fonte: Elaborado pela autora (2020). 26 Figura 12: observação externa 3 Fonte: Elaborado pela autora (2020). Com a observação externa, em área que atualmente é utilizada como estacionamento, também foi possível perceber que o fluxo maior é nos períodos de funcionamento do restaurante, com fluxo constante de entrada e saída de veículos e pessoas. Percebeu-se que a maioria das pessoas que estacionam seus veículos no local são clientes e funcionários do “Botequim”, sendo poucas as que estacionaram para ir a “FeirArte” ou outros locais da estação ferroviária. Deste modo, percebe-se que além do horário de chegada do trem turístico, o restaurante é o principal responsável pelo fluxo de pessoas e veículos na área. 2.3.4 Passeio no trem turístico A fim de atingir os objetivos 3 e 4, que são identificar as características materiais e interpretativas do trem turístico, a fim de verificar sua autenticidade e analisar se o trem turístico é representativo da história local, inclusive por aquelas características identificadas como sendo da memória social da comunidade, respectivamente, a pesquisadora realizou no dia 19 de dezembro de 2020 o passeio no trem turístico da Viação Férrea Campinas Jaguariúna, saindo da estação Anhumas 27 (Campinas) e desembarcando na Estação Jaguariúna. Na data da visita, o ingresso inteiro custava R$120,00 por adulto. Devido a pandemia de COVID-19 o passeio não abrangeu muitas pessoas, e, dentro do trem, o distanciamento e as recomendações sanitárias foram seguidos. Em relação às características materiais do trem turístico foi possível perceber o cuidado da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária com os trens e instalações. Na figura 13 percebe-se que os trens foram restaurados e seguem em bom estado de conservação. Figura 13: interior de um vagão do trem turístico Fonte: Autora (2020). Apesar das características materiais se manterem em bom, o visitante não tem o acompanhamento de um guia ou monitor para auxiliar na interpretação no decorrer do trajeto, tendo de fazê-la por conta própria durante o passeio. De Campinas à Jaguariúna, passeio que durou aproximadamente uma hora, não foram fornecidas 28 explicações (oral ou impressa) sobre a origem do trem, sua representação, ou mesmo sobre o trajeto e outras estações ferroviárias pelo qual o trem passa. No embarque, na Estação Anhumas, nada foi dito a respeito do Maria Fumaça e de como ela funciona. A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que era a responsável por operar o trecho antigamente, também não foi mencionada - que seriam pontos relevantes para a associação e interpretação do visitante. Percebeu-se que nesse quesito o trem e o passeio se tornaram apenas algo turístico, sem retratar (verbalmente) a respeito da história. Nesse ponto percebe-se que o passeio turístico não proporciona um guiamento. O que, associado com a história da linha férrea mesmo, faria muita diferença na interpretação sobre a história e importância do trem. Durante o caminho um membro da ABPF acompanha o percurso dentro do vagão, e durante o caminho apenas algumas breves informações foram ditas, como a passagem pelos rios Jaguari e Atibaia. De forma geral pode-se dizer que as características materiais históricas do trem turístico existem e são representativas, mas a monitoria interpretativa é falha – mesmo que a ausência de monitor, como se percebeu durante a visita, em função do contexto sanitária, outros recursos interpretativos não foram encontrados. Com isso, eximindo- se do caráter informativo e interpretativo que este tipo de passeio poderia contemplar. 29 3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISES Os dados obtidos permitiram a interpretação sobre as informações levantadas através da pesquisa de campo realizada com o apoio da metodologia de abordagem e valorização do patrimônio (AVP), e suas ferramentas (entrevistas, observação e photovoice). A revisão bibliográfica realizada também auxiliou no aprofundamento teórico sobre os temas. 3.1 Em relação ao objetivo 1 Para atingir o objetivo 1, que é “identificar a existência de memórias sobre a antiga operação da Companhia Mogiana na localidade ou arredores”, as ferramentas utilizadas foram entrevistas e photovoice, ambas do AVP. Tratando-se da memória de cada indivíduo, vale ressaltar que cada um possui uma lembrança, de acordo com os momentos vivenciados. Considera-se que “a memória coletiva que se constitui a partir da estrada de ferro, apresenta diferentes vieses, de acordo com os testemunhos diferenciados vividos pelos sujeitos que experienciaram sua constituição” (QUARESMA e MAIA, 2019, p. 74). Das 10 entrevistas aplicadas, 4 entrevistados relataram lembrar da companhia, e alguns até relataram lembranças específicas, como: “Ah, lembro, lembro! Quando era ali ainda, não tinha esse pontilhão tudo, tinha só aquela ponte. Lembro daquela época, meu pai também sempre morou aqui, tem 61 anos que mora aqui, no mesmo endereço” (OLIVEIRA, 2020). E Ah, ele chegava até aqui para ir para outras cidades, que eu ia pra casa da minha vó, então a gente usava o trem né. Antigamente a ferrovia vinha até aqui, bem mais pra frente. Depois tirou aquela ponte que tinha lá na frente né, explodiram ela ne, pra fazer né, abrir né, estrada... Aí não veio mais, mas era muito bom. (ELIANE, 2020). Apesar de não terem especificado de forma direta, percebe-se que a principal lembrança dos entrevistados com a companhia está relacionada ao trem, seja por utilizarem ou apenas observarem sua passagem. Uma das entrevistadas relata isso de forma mais direta, dizendo: “lembro, meu pai era ferroviário. Lembro de andar de trem” (SILVA, 2020). A associação da memória da entrevistada ao trem também ocorreu via photovoice, onde, ao sortear a palavra “memória” logo lembrou de um chaveiro em formato de trem, que é herança de seu pai que trabalhou na companhia (vide quadro 1). 30 As memórias atreladas a um bem podem ser coletivas, baseadas na vivência de um grupo social, ou individuais, da relação do indivíduo com o bem, mas também podem ser atreladas a bens tangíveis ou intangíveis. De acordo com o filósofo Bachelard, citado por Pelegrini “as memórias apresentam-se repletas de simbolismos impregnados tanto nos objetos, como nas experiências vividas pelos seres humanos” (BACHELARD apud PELEGRINI, 2007, p. 91). Constatou-se que os entrevistados que relataram lembrar da Companhia Mogiana possuíram alguma relação com a mesma, seja porque eram mais velhos e realizavam o passeio de trem, ou porque um familiar teve vínculo empregatício com a mesma, de forma que as memórias com a empresa e com o patrimônio também se tornam uma lembrança do familiar. Como resultado do objetivo 1 desta pesquisa percebe-se que há sim memórias da comunidade de Jaguariúna a respeito da Companhia Mogiana, mas que aos poucos está se perdendo, pois, a memória é atrelada a um convívio social e ao envolvimento da comunidade com o bem em questão, e que, como percebemos com esta pesquisa é um envolvimento muito superficial, que transformou o patrimônio em produto econômico, sem envolvimento direto com comunidade. 3.2 Em relação ao objetivo 2 No item 2.1.4 foi realizada revisão bibliográfica voltada para o tema comunidade e pertencimento, a fim de aprimorar o conhecimento de outras pesquisas que abordem o envolvimento da comunidade com o atrativo turístico e sua representatividade, bem como, analisar as metodologias utilizadas nessas outras pesquisas de modo a verificar como a metodologias AVP pode se mostrar mais eficiente e completa. Desse modo, com os dados obtidos levantou-se a seguinte questão: além do valor econômico, qual a importância do atrativo para comunidade de Jaguariúna? O atrativo em questão, classificado como atrativo cultural é historicamente importante para a comunidade, mas para verificar a veracidade dessa importância a comunidade deve ser consultada. A Carta Internacional de Turismo (ICOMOS, 1999, p. 3) em seu princípio 1 menciona que: “O património cultural é um recurso simultaneamente material e espiritual. É testemunho do desenvolvimento histórico. Desempenha um papel 31 importante na vida contemporânea e deve ser acessível, física, intelectual e emocionalmente, ao grande público”. Mas além do aspecto histórico e arquitetônico é importante considerar o contexto identitário do patrimônio para comunidade, pois, é através desse contexto que é construída a relação de memórias e identidade da comunidade com o patrimônio. Aragão e Carvalho (2013, p. 695) dizem que: É necessário considerar a importância que a memória, enquanto criadora do sentido de pertencimento, influência nesse processo. É apenas através da memória comum que se amalgama o processo de reconhecimento, e são forjados sentimentos de pertencimento a partir de identificação de semelhança de certo grupo ou comunidade. A partir disso, para atingir o objetivo 3 desta pesquisa (a importância que a comunidade atribui hoje ao trem turístico), aplicou-se a pesquisa de campo. Esse objetivo é contemplado com as três ferramentas, sendo elas: entrevista, photovoice e observação, pois cada uma permite uma identificação mais direcionada para cada item a ser analisado. 3.2.1 Comportamento na circulação de pessoas A observação, que resultou em mapas de fluxo, permitiu uma análise e percepção mais precisa do fluxo da comunidade na área do patrimônio, de forma a identificar quais as atividades realizadas na região, qual o fluxo de pessoas que transitam e permanecem no local, qual o motivo da visita, entre outros. De forma geral, notou-se que o fluxo principal da área da estação se dá única e exclusivamente devido ao estabelecimento comercial que existe no local, o “Botequim da estação”, que possui grande atratividade entre a comunidade e turistas que visitam o município. A circulação na área durante o funcionamento do estabelecimento aumenta consideravelmente, e o deslocamento é focado na chegada, saída e ida ao banheiro das pessoas que frequentam o estabelecimento. Em sua maioria, percebeu-se que poucas pessoas fizeram uso de outra estrutura ou se interessaram por outro item que seja relacionado a área da estação ferroviária. Kohler (2009) defende que todos os locais modificados se direcionam apenas para fins econômicos, para atrair turistas e consumidores, de forma que perdem sua essência cultural, enfatizando que 32 Tudo o que é produzido ou adaptado ao consumo turístico, dentro do mercado de massa, é considerado irreal, de mau gosto e superficial, em oposição ao que não é apropriado pelo turismo, visto como real, autêntico e de valor para a população local. (KOHLER, 2009, p. 289). No caso do estabelecimento localizado na estação ferroviária de Jaguariúna, que possui em seu nome referência a estação, percebe-se que há uma adaptação do local para abrigar o estabelecimento, mas não se sabe qual a motivação das pessoas que frequentam o local, se é a localização atrelada a identidade cultural do município, ou apenas a qualidade do serviço, sendo este um ponto interessante para estudos futuros. A observação externa, realizada na parte da entrada da estação, local que atualmente funciona como estacionamento para os visitantes da área da estação e dos funcionários que trabalham no estabelecimento, ocorreu da mesma forma que a interna e apresentou dados similares. Por ser um estacionamento, o fluxo na área é predominantemente de carros, e percebe-se que poucas pessoas utilizam a entrada da estação como local para adentrar a área, utilizando a entrada do “Botequim da estação” como a principal entrada. Os dados obtidos foram de fluxo baixo de pessoas em horários nos quais o estabelecimento estava fechado e fluxo intenso nos horários de funcionamento, dados similares ao fluxo interno. Desta forma, a observação é uma forma de análise da relação da comunidade com a área estudada sem que haja tendências ou fatores memoriais atrelados, é a relação que possui com o local no dia a dia, através dos locais que frequenta na área. Na estação ferroviária de Jaguariúna foi possível perceber que a relação da comunidade com o local é baseada no estabelecimento ali existente, os mapas de fluxos mostram que nos horários de não funcionamento do estabelecimento o fluxo é baixo, mas, mesmo assim, concentrando-se no mesmo lugar. Assim, os resultados das observações realizadas são complementares, tanto da parte externa como interna, sendo o “Botequim da estação” o destaque da relação comunidade e atrativo, e local na qual a comunidade atribui uma importância econômica e de referência gastronômica. 33 3.2.2 Representação visual A aplicação do photovoice não obteve o resultado esperado, alcançando apenas 3 participantes, número esse bem escasso, mas que inicialmente tinha-se a perspectiva de poder realizar uma segunda aplicação, impedida pela pandemia. Das três fotografias coletadas, com as palavras memória, comunidade e história, percebeu-se que a estação ferroviária e a história atrelada a ela foram lembradas por dois dos três entrevistados, mostrando que sim, ela possui uma importância e uma relação afetiva com os moradores abordados. Exemplos dessa memória atrelada são as participações expostas nos quadros 1, 2 e 3, que ao serem abordados, os sujeitos logo associaram as palavras “memória” e “história” a algo relacionado à ferrovia. A participante 1, com a palavra "memória", fotografou um chaveiro e relatou que o objeto é importante para ela pois ela herdou do pai, que era ferroviário. Emocionada ao lembrar do pai e da época que ele estava vivo e trabalhava na estação, ela relatou que tanto o objeto quanto as memórias que possui do local serão sempre guardados por ela, pois marcou sua vida. Já o participante 3, ao sortear a palavra “história” optou por retirar uma foto do nome da estação ferroviária, com a justificativa de que o local teve grande importância no desenvolvimento do município, reconhecendo sua importância histórica, enfatizando que "Jaguariúna não seria a mesma de hoje se não fosse a ferrovia” (BATISTA, 2020). O segundo participante sorteou a palavra “comunidade”, que foi o único que em sua fotografia que não fez referência a ferrovia ou ao trem turístico, durante a aplicação do photovoice demonstrou ter uma relação afetiva com a área e com o atrativo, mas ele não associou a comunidade ao atrativo, como se fossem duas coisas distintas e sem relação, ressaltando em sua fala o afastamento ao mencionar que “a comunidade está aqui pra baixo e a estação lá pra cima” (OLIVEIRA, 2020). Pelegrini (2007) destaca que os valores que cada um atribui aos bens, sejam eles materiais ou não, é algo subjetivo, e que depende muito da relação e da interação com símbolos e/ou práticas lembradas. Essa fala do terceiro sujeito consultado mostra uma falha do envolvimento da comunidade local com o atrativo, como ressaltado por Magalhães (2002) que diz que “à medida que a comunidade vai se sentindo envolvida, torna-se mais motivada em relação a sua participação no processo de desenvolvimento do turismo, o que pode levar ao surgimento do senso de responsabilidade de ser guardiã dos patrimônios 34 naturais, históricos e culturais da localidade” (MAGALHÃES, 2002, apud CARVALHO, 2010, p.483). Assim, com base nestas representações obtidas percebe-se que a comunidade possui uma relação com o patrimônio em questão, e que atribui uma importância a ele. Mas o sentimento de representatividade do patrimônio com a comunidade não é unânime entre os participantes. Nitidamente as principais valorações são memória e história atrelada que o local possui para o município e para os moradores, sendo um local de relevante importância identitária, mas não representativa. Nos relatos das pessoas há um carinho e a maioria das pessoas conhecem e já utilizam o local para algum fim, mas não sentem que o local representa a história deles, e sim da cidade, evidenciando um afastamento da história do município com a própria história, mesmo que eles sejam moradores do local. Cabe enfatizar que a memória atrelada a um patrimônio é constituída por história e lembrança social, que de acordo com Pelegrini (2007, p.91) “conteúdos e valores se alteram com o passar do tempo”, e que a forma com que cada um se relaciona com o patrimônio depende de diversos aspectos, como momentos presenciados, identidade, cultura e até cenário político. 3.2.3 Narrativas de memória Neste tópico, interpretado a partir das entrevistas realizadas com dez moradores do entorno da estação de Jaguariúna, foi possível identificar como eles interpretam e se relacionam com a área da estação e com o trem turístico que são os objetos de estudo desta pesquisa. A interpretação é feita a partir das respostas aos questionamentos realizados aos entrevistados ou comportamentos percebidos através de gestos, reações ou relatos indiretos. De acordo com Carvalho (2010, p. 472): A percepção dos moradores sobre o turismo é necessária para compreender como eles vêem a atividade, e como estão inseridos na mesma. Se a comunidade local não estiver inserida e nem aceitar o desenvolvimento turístico local, ele estará fadado ao fracasso, pois os moradores podem rejeitar o turismo e tratar mal os visitantes, afetando diretamente o desenvolvimento da atividade. Percebe-se então a importância de inserir a comunidade local na atividade turística, mas também de sempre realizar ações e estudos sobre a iniciativa participativa das ações voltadas ao turismo, a fim de identificar, comprovar e até 35 melhorar a relação de comunidade e turismo, e consequentemente a melhoria na atividade turística e nos serviços prestados aos visitantes. Além de inserir a comunidade, outro ponto crucial no qual o turismo pode auxiliar é na preservação patrimonial através do uso do bem para o turismo. Mamede, Vieira e Santos (2008, p. 91) entendem que: “[...] a preservação patrimonial é de fundamental importância por agir no envolvimento da comunidade com a própria cultura e ambiência, aguçando o sentimento de pertencimento ao espaço. Com este, a população acredita e valoriza seu passado e apoia-se no presente, visando transformar as realidades futuras”. Neste quesito, o turismo surge como uma forma de ligação entre a comunidade, a preservação do patrimônio e da memória associada ao patrimônio. Cabe enfatizar que a relação de cada indivíduo com o patrimônio deve ser considerada. Nesta pesquisa um dos fatores que se mostrou importante de se atentar é o tempo de residência dos entrevistados na cidade, associado com a idade de cada um. Os entrevistados com menos de 25 anos de residência não se recordam, ou nem sabiam do que se tratava a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que antigamente era a responsável por operar os trens de passageiro que o município abriga, já os entrevistados com mais de 25 anos de residência relataram lembrar da Mogiana, e até apresentaram relatos, como o da Eliane: “Ah, ele chegava até aqui para ir para outras cidades, que eu ia pra casa da minha vó, então a gente usava o trem né. Antigamente a ferrovia vinha até aqui, bem mais pra frente. Depois tirou aquela ponte que tinha lá na frente né, explodiram ela ne, pra fazer né, abrir né, estrada... Aí não veio mais, mas era muito bom” (ELIANE, 2020). Desse modo, quanto maior o tempo de residência dos entrevistados, maior é a relação com o local, e, principalmente, associada a uma memória e identidade atrelada ao patrimônio. Outro fator importante foi o passeio de trem turístico, quando perguntado aos entrevistados se eles já haviam realizado o passeio, as respostas ficaram bem divididas, mostrando que não é toda a comunidade de Jaguariúna que tem acesso a esse passeio, e eles mesmos relataram o motivo: o elevado valor do ingresso. Félia Maria (2020) comentou: “não, nunca fui no passeio. Sabe por que? Porque é muito caro”. Entre os sujeitos que realizaram o passeio, alguns mencionam que só realizaram quando inaugurou, pois, o passeio foi gratuito para os moradores, mas que 36 depois disso o valor tornou-se inacessível, impossibilitando de levar os filhos, por exemplo. A Cartilha de orientação para projetos de trens turísticos e culturais, do Ministério do Turismo (2010) defende que os trens turísticos surgem como uma forma de aumentar a oferta turística e agregar valor ao município no qual o abrange. Logo, agregam valor aos destinos turísticos “[...] contribuindo para a preservação da memória ferroviária, configurando-se em atrativos culturais e produtos turísticos das cidades” (BRASIL, 2010, p. 15). Mas agregar que tipo de valor? E para quem? Já que no caso do trem turístico de Campinas a Jaguariúna os moradores relatam que se tornou algo de uso turístico e com viés econômico que eles não conseguem ter acesso. Quando questionados sobre a importância que eles enxergam no local, a resposta é positiva com unanimidade, mas com dois diferentes tipos de importância: a turísticas e a histórica. A maioria relata que o local é importante pois é um destacado ponto turístico do município, tornando-o reconhecido em outras cidades. Alguns entrevistados relataram a importância histórica do local, e até como um fator identitário do município, conforme aponta Nunes (2020): “É importante como uma identidade de Jaguariúna. Eu acho que talvez seja a única característica que Jaguariúna tenha, que as pessoas conhecem, que vem de fora pra cá”. O último ponto a ser mencionado é o de representatividade, onde a maioria dos entrevistados relatou que o trem turístico e área da estação são representativos para a comunidade e para o município, destacando sua importância histórica e memorial, que não é relatada por eles, mas que é possível perceber ao longo da entrevista. Porém, enxerga-se a necessidade de reforçar esse elo, que, com o tempo vem se desgastando, tornando a comunidade cada vez mais afastada do patrimônio em questão, fazendo eles entenderem o local apenas como um ponto turístico da cidade, frequentado apenas pelos turistas e sem nenhuma ligação com eles. Como já ressaltado diversas vezes, a comunidade precisa ser inserida na atividade turística. Concordamos com Carvalho (2010, p. 486) ao compreender que “promover o desenvolvimento local requer uma comunidade consciente e participativa, em todo o processo, desde o planejamento até a execução das ações”. 37 3.3 Em relação ao objetivo 3 Neste tópico de identificação e interpretação, a análise se dá através da realização do passeio do trem turístico, para aferição da autenticidade do mesmo em relação às características materiais e interpretativas. Assim, na aplicação da metodologia em campo, ocorrida em dezembro de 2020 a pesquisadora realizou o passeio no trem turístico, no trecho Campinas (estação Anhumas) até Jaguariúna. 3.3.1 Características materiais do trem e da área da estação ferroviária As características materiais podem ser identificadas apenas ao olhar para os itens que compõe o passeio do trem turístico, como os vagões do trem. De início, ao adentrar na estação Anhumas já foi possível notar as características materiais dos vagões, que foram reformados e possuem uma boa estética visual, reproduzindo características visuais dos carros de empresa. As figuras 14 e 15 podem exemplificar o que foi visto. Figura 14: vista externa de um vagão do trem turístico Fonte: Autora (2020). 38 Figura 15: vista interna de um vagão do trem turístico Fonte: Autora (2020). Quando abordados a respeito do assunto, os moradores relatam que atualmente o local está bem conservado, que os responsáveis buscam sempre mantê- lo bem cuidado. Para alguns entrevistados o local é importante por representar parte da identidade e história do município, constituindo-se em uma forma de representação do que um dia foi o trem, conforme exemplificado pela fala da Roberta Mosca: “Eu acho que... Eu vou pelo lado histórico, entendeu? Eu acho que é uma coisa assim que logo não vai existir mais né, então eu acho importante preservar. Porque que nem eles logo não vão saber, meus filhos não vão nem saber o que é um trem (risos) do modelo antigo né. Então acho bacana sim” (MOSCA, 2020). Durante as entrevistas não houve menções a respeito da originalidade e reprodução do objeto original. Uma das entrevistadas vivenciou os dois trens, o da Companhia Mogiana e o turístico que opera atualmente, então perguntamos se ela havia notado alguma diferença entre os dois, e ela respondeu que “Não, eu não percebi. O trem só foram reformulando [sic], mas assim, o gosto e a emoção é a mesma” (ELIANE, 2020). 39 Com isso percebemos que apesar das características do trem não retratarem as mesmas dos carros originais da época ativa da companhia, para os moradores o bem é algo representativo e traz uma sensação de autêntico e de identidade do município, mantendo ativa uma memória em relação ao patrimônio ferroviário. Isto é, não tem autenticidade material, mas a semelhança promove uma "autenticidade afetiva", que, de acordo com Oliveira e Ribeiro (2019, p. 856) ao identificar uma ‘coisa’ como um patrimônio afetivo, não estaremos identificando somente um bem material, mas os sentimentos que o envolvem, portanto, quando falamos de um lugar identificado como um patrimônio afetivo, o mesmo pode não estar mais materialmente no local ou poderá já ter sofrido alterações. E esse é o caso da Viação Férrea Campinas Jaguariúna, que teve suas características materiais alteradas, mas que para comunidade continua sendo algo autêntico, devido ao valor simbólico atrelado e atribuído ao local. 3.3.2 Características interpretativas Para identificar as características interpretativas do trem turístico a análise foi através do guiamento do trajeto e do que foi repassado aos turistas que estavam realizando o passeio. O passeio todo possui duração média de três horas, partindo de Campinas com destino a Jaguariúna, faz uma parada para almoço na estação de Jaguariúna e depois realiza o trajeto de retorno. Durante o caminho, o trem passa por algumas outras estações ferroviárias do trecho, como Tanquinho e Carlos Gomes, mas algo que chamou a atenção da pesquisadora é a ausência de guiamento no trajeto. A Carta Internacional de Turismo Cultural (ICOMOS, 1999, p. 3, grifo nosso) em seu princípio 1, diz que [...] Os programas de interpretação devem ter em consideração estes diferentes níveis de significação e apresentá-los, de forma clara e acessível às comunidades de acolhimento e aos visitantes, utilizando os meios pedagógicos mais estimulantes, incluindo audiovisuais e tecnológicos, bem como explicações personalizadas dos aspectos históricos, ambientais e culturais. Na Viação Férrea Campinas Jaguariúna há um profissional que foi identificado como funcionário da ABPF, responsável por todo o trâmite administrativo de venda de bilhetes e também repassando alguns informes aos turistas durante o percurso. 40 Percebeu-se que as informações repassadas são escassas, sem de fato haver um guiamento, tornando o trem completamente econômico, onde os turistas embarcam, realizam o passeio, compram produtos, e pronto, sem nenhum contato profundo com a história e memórias atreladas, e tão pouco com a comunidade local de Jaguariúna. Alguns dos voluntários da ABPF acabaram mencionando em conversas que são moradores de Campinas ou que possuem alguma relação afetiva com a ferrovia, e apesar de ser uma parcela pequena de envolvimento, ela fica concentrada apenas aos moradores de Campinas, sem abranger os residentes de Jaguariúna. Assim que desembarcam em Jaguariúna os turistas são orientados a conhecerem e realizarem refeições no “Botequim da Estação", restaurante bem popular na cidade, mas nada é mencionado sobre conhecer a área da estação, ou até mesmo o Museu do trem, localizado na área da estação. Com este ponto, mais uma vez percebe-se a intenção de comercialização do atrativo, sem foco algum em instigar os turistas ou apresentar a eles um pouco sobre a história do local e do atrativo e tudo que o compõe. Um tempo depois, o funcionário da ABPF, realizou uma explicação, mas de forma bem breve sobre o funcionamento da locomotiva da Maria Fumaça, que encanta os turistas, no entanto, feita às pressas, sem adentrar em detalhes ou dúvidas dos turistas, considerando-se ainda que conforme orientação inicial, muitos turistas haviam perdido a explicação pois já haviam se deslocado ao restaurante. No local há placas informativas a respeito da história do bem, sua importância e afins, itens esses que auxiliam na interpretação e conhecimento do bem, mas falta um guiamento e uma direção de interpretação aos turistas que visitam o local e que realizam o passeio. Essa escassez de informações relevantes pode gerar uma interpretação de que o local é apenas mais um atrativo direcionado apenas para fatores econômicos da atividade turística. De acordo com Mamede, Vieira e Santos (2008, p. 83) “[...] a exploração turística de aspectos culturais de um determinado território deve ser feita de uma forma sustentável, não vendo os atrativos turísticos apenas com caráter econômico, gerador de emprego e renda, mas como um legado cultural”. Logo, percebeu-se que tanto o trem turístico como a área da estação ferroviária possuem características materiais que são interpretativas e relacionadas à memória, mas a parte condução e guiamento para a interpretação deixa muito a desejar. 41 3.4 Em relação ao objetivo 4 O objetivo 4, “analisar se o trem turístico é representativo da história local, inclusive por aquelas características identificadas como sendo da memória social da comunidade”, abrange tudo que foi estudado e analisado ao longo dessa pesquisa. Identificou-se por meio dos relatos dos entrevistados a identidade da comunidade com o patrimônio e a importância que se atribui ao bem, assim como identificou-se a autenticidade do patrimônio, especialmente por meio da visita ao trem turístico. As diretrizes que norteiam o turismo cultural enfatizam a necessidade e importância da autenticidade do patrimônio, conforme defendido pelo princípio 2 da Carta internacional de Turismo Cultural (ICOMOS, 1999) que diz que: É importante preservar a autenticidade dos conjuntos patrimoniais e a variedade dos seus objectos culturais. É uma condição essencial do seu significado cultural, que se exprime nos materiais, na memória colectiva e nas tradições que nos chegaram do passado. Os programas de ação devem apresentar e interpretar a autenticidade dos conjuntos patrimoniais de modo a favorecer a compreensão e a apreciação deste património cultural. Os lugares, assim como o patrimônio, são espaços com identidade, valores e significado para o local e principalmente para a população local, pois os representa de alguma forma. Tuan (1983, p. 4 apud MARIANI, 2002, p. 38) diz que “o lugar é, portanto, um repositório de significados, que encarna experiências e aspirações humanas”. Ao aplicar as metodologias propostas, e principalmente por meio das entrevistas, relatos e photovoice percebeu-se que a comunidade enxerga sim uma representatividade no trem turístico e na área da estação, de forma que o local é visto como símbolo da história de Jaguariúna. Apesar das mudanças que o local sofreu ainda possui importância e representatividade para comunidade que o abriga, e percebe-se que a maioria fala do local com carinho e alguns até possuem memórias sobre ele. No entanto, percebe-se que a comunidade é pouco inserida na atividade turística e no local de forma geral. As pessoas que participam da atividade são da prefeitura de Jaguariúna ou da ABPF. Ao conversar com esses, que possuem maior envolvimento com o trem foi relatado que eram moradores de Campinas, de onde o trem parte, não possuindo qualquer relação com Jaguariúna. Carvalho e Simões 42 (2011, p. 22) dizem que é importante o “envolvimento e participação da comunidade local na revitalização e no gerenciamento dos bens culturais pela atividade turística, no sentido de evitar a formação de um espaço urbano descontextualizado em relação à dinâmica sociocultural local”. Esse envolvimento não foi percebido no objeto estudado, notando-se a necessidade de envolvimento maior da comunidade. Uma proposta para esse envolvimento é que os próprios munícipes de Jaguariúna realizem o guiamento no trajeto com o trem turístico, por exemplo. Seria um apoio para ABPF que realiza ações de preservação da memória ferroviária e seria uma oportunidade de prática e envolvimento desses munícipes. A prefeitura por sua vez poderia proporcionar os cursos de Guia de Turismo, ação essa que também ajudaria na capacitação profissional dos munícipes. Esse envolvimento da comunidade na atividade turística do trem proporcionaria um sentimento maior de envolvimento e pertencimento com o local. 43 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa teve a intenção de identificar a percepção dos moradores de Jaguariúna a respeito do trem turístico que opera no município. No início do texto foram elaborados alguns conjuntos de perguntas que buscou-se responder ao longo da pesquisa: “como a atividade turística interage com projetos municipais de preservação e programas de conservação de autenticidade?” e “como projetos de desenvolvimento turístico promovem (ou não) relações de identidade na comunidade em que estão inseridos os atrativos turísticos?”. A partir do que se encontrou no caso do objeto de estudo desta pesquisa percebeu-se que o trem turístico em questão interage como uma forma de autenticidade e de identidade com a comunidade. No entanto, isso ocorre de forma indireta, pois, pelo o que se encontrou em relação ao atrativo percebeu-se que ele não é inserido em projetos de desenvolvimento turístico do município, e tão pouco é de responsabilidade da prefeitura. A noção de identidade atribuída a ele é em relação ao que o trem já foi e já representou um dia, sem haver muito incentivo para dessa relação e desse sentimento de pertencimento e representatividade. Essa conclusão obtida também possui ligação com o segundo conjunto de questões, que eram: “e o patrimônio cultural é representativo culturalmente para a comunidade que está inserida? O atrativo e sua interpretação representam originalmente a história da cidade? O morador se sente representado com o atrativo turístico?”. Por meio desses questionamentos notou-se que, de forma geral, os moradores de Jaguariúna não se sentem representados no atrativo, pois este atualmente possui um viés completamente econômico. Mas que mesmo com as características materiais não sendo autênticas e as características interpretativas serem muito falhas, os moradores ainda se sentem identificados com o trem, e que o trem identifica a cidade. Complementando essa ideia responderemos o terceiro conjunto de questionamentos, composto pelas seguintes perguntas: “o patrimônio industrial ferroviário pode ser um bem representativo para a comunidade local? Como os moradores enxergam o trem? Para eles, existe relação com a memória local e/ou identidade por meio do atrativo? Eles identificam o trem como uma forma de preservar a história do local?”. No caso da Viação Férrea Campinas Jaguariúna, e dos moradores de Jaguariúna notou-se que mesmo sem uma autenticidade material e sem 44 a inserção da comunidade no atrativo, os residentes enxergam o trem como algo bom para cidade, como algo que representa Jaguariúna. Para os moradores entrevistados, o trem turístico de Jaguariúna é o atrativo turístico mais importante da cidade, e algo que faz o município ser reconhecido turisticamente. Eles enxergam o trem turístico como algo que representa a história do município e como algo identitário da cidade, mas em poucas abordagens houve a menção sobre o atrativo ser importante para comunidade de fato e para preservar a história da cidade. Os trens turísticos e o turismo cultural, de modo geral, constituem- se em uma forma de preservar o patrimônio e a memória intrínseca nele, mas para que isso ocorra, a atividade turística precisa ser planejada por órgãos e profissionais da área, que saberão as vertentes e itens necessários para o bom planejamento e execução da atividade. A inserção da comunidade na atividade turística deve ser um dos pilares no planejamento, para que assim, ela seja ouvida e suas ponderações consideradas. Percebemos que em Jaguariúna esse planejamento e a inserção dos moradores do município é algo falho, e esse pode ser um dos motivos por enxergarem o trem turístico apenas como uma mercadoria do turismo. A falta de trabalhos científicos a respeito da comunidade de Jaguariúna do entorno da Viação Férrea Campinas Jaguariúna e sua relação com o atrativo também pode ser um fator importante para justificar a falha no processo, já que pouco se estuda sobre o local e assim pouco se sabe sobre os problemas e processos a serem melhorados. No caso de Jaguariúna, além desta pesquisa, apenas a de Denise Geribello, que também estuda a relação da comunidade com o patrimônio, foi encontrada. Constata-se, assim, a escassez de estudos sobre o local, estudos esses que são importantes para compreender a percepção do morador sobre o atrativo turístico que está inserido na cidade. Assim, os dados obtidos em Jaguariúna permitem uma reflexão e levantam alguns questionamentos: seriam os outros trens turísticos existentes representativos para comunidade local? Eles a inserem na atividade turística? Provavelmente não. Estudos com essa problemática acerca dos trens turísticos são importantes para constatar questionamentos como esses e verificar se os princípios de turismo cultural, (no qual o