JÚLIO FERNANDES DO PRADO LEUTWILER REPRIMARIZAÇÃO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO E A ATUAL INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA - MARÍLIA JÚLIO FERNANDES DO PRADO LEUTWILER REPRIMARIZAÇÃO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO E A ATUAL INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA - Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Área de Concentração: Relações Internacionais e Desenvolvimento Orientador: Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi Co-orientador: Prof. Dr. José Marangoni Camargo MARÍLIA JÚLIO FERNANDES DO PRADO LEUTWILER REPRIMARIZAÇÃO DA PAUTA DE EXPORTAÇÃO E A ATUAL INSERÇÃO INTERNACIONAL BRASILEIRA - Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus de Marília, na área de concentração de Relações Internacionais e Desenvolvimento. BANCA EXAMINADORA Prof. Doutor Francisco Luz Corsi (UNESP/Marília) Prof. Doutor Agnaldo dos Santos (UNESP/Marília) Prof. Doutor Adilson Marques Gennari (UNESP/Araraquara) Marília, 02 de Fevereiro de 2016. Aos meus pais, Oliveiro e Diná. Agradecimentos A presente dissertação é fruto de muito trabalho e dedicação ao longo de quase três anos de estudo referente ao meu mestrado. Entretanto, sem dúvida alguma, é fruto do grande apoio que tive nesse período de minha vida. Dessa forma, é imprescindível fazer algumas referências antes de adentrar ao texto. Primeiramente, gostaria de agradecer imensamente o empenho, paciência, honestidade, companheirismo e amizade de meus mestres e orientadores, Professor Doutor José Marangoni Camargo, que me abraçou como seu orientando no início de 2011, completando cinco anos de trabalho em conjunto esse ano e, ao Professor Doutor Francisco Luiz Corsi que embarcou conosco em nosso projeto no período do mestrado. Agradeço, também, a UNESP, a CNPq e a CAPES, por todos os incentivos, auxílios e infraestrutura necessária, que foram indispensáveis para minha formação e o desenvolvimento da presente dissertação. Não poderia deixar de citar, a quem dedico este trabalho, o apoio incondicional de meus pais Oliveiro e Diná e, também, de meu irmão Neto, grandes incentivadores de todos meus sonhos, planos e projetos. A minha amada Lívia, agradeço as hospedagens em seu apartamento, a ajuda dedicada nas disciplinas da pós-graduação e a produção da presente dissertação, além do companheirismo, amizade e carinho que fez esses anos em Marília serem extremamente felizes e agradáveis. Agradeço todos os amigos que estiveram ao meu lado nesse período conturbado, em especial a Thássio, companheiro de graduação, mestrado e tantas outras coisas, que sempre esteve de prontidão para me auxiliar. Serei eternamente grato por todos que de alguma forma fazem parte e tem méritos nessa conquista. Por fim, agradeço a Deus por minha vida, por esses anos no mestrado e, por me dar lucidez e força para atingir meus objetivos! RESUMO A primeira década do século XXI foi marcada por mudanças no conjunto da economia internacional. No comércio mundial, as características principais foram a alta dos preços de commodities e o aumento do comércio por parte dos países em desenvolvimento, especialmente da China. No Brasil, esta conjuntura foi marcada por um relevante aumento das exportações de produtos considerados primários, apresentando uma tendência cada vez mais perceptível de reprimarização das vendas externas do nosso país. Dessa forma, a presente pesquisa visa analisar a inserção internacional brasileira desde o início dos anos 2000 até 2014, no que se refere às características observadas pelo Brasil no contexto das relações econômicas atuais, buscando responder qual o papel do Brasil na atual divisão internacional do trabalho e sobre a existência de um processo de especialização da economia brasileira em torno da produção de commodities. A análise será desenvolvida tendo como referência o processo de reprimarização das exportações agroindustriais e da pauta de exportação geral da economia brasileira, além disso, é analisado no interior da economia brasileira o controverso processo de desindustrialização e, sobre a ótica da economia internacional, o aumento da participação dos países em desenvolvimento e a demanda de commodities. Palavras-chave: Commodities; Reprimarização; Desindustrialização; Inserção internacional; Países em desenvolvimento; Cadeia agroindustrial; Cadeias globais de valor. ABSTRACT The first decade of the twenty-first century was marked by changes in the entire international economy. In world trade, the main features were the high commodity prices and the increased trade by developing countries, especially China. In Brazil, this situation was marked by a significant rise in exports of products considered primary, with a noticeable and increasingly trend of reprimarization in the exports of our country. Thus, the present study aims to analyze the Brazilian international insertion from the early 2000s until 2014, with regard to the characteristics observed in Brazil in the context of current economic relations, seeking to answer what Brazil's role in the current international division of labor and the existence of a process of specialization in the Brazilian economy around the production of commodities. The analysis will be developed with reference to the reprimarization process of agro-industrial exports and the overall export basket of the Brazilian economy, also is analyzed the controversial process of deindustrialization in the interior of Brazilian economy and, on the perspective of the international economy, the increasing participation of developing countries and the demand for commodities. Keywords: Commodities; Reprimarization; Deindustrialization; International integration; Developing countries; Agroindustrial sector; Global value chains. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 2. A ECONOMIA INTERNACIONAL E A PRODUÇÃO DE COMMODITIES................... 2.1 O comércio internacional e as características da produção de commodities......................... A demanda por commodities e a participação dos países em desenvolvimento................. REPRIMARIZAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DESINDUSTRIALIZAÇÃO E A ATUAL CONJUNTURA DA ECONOMIA BRASILEIRA............................................................... Conjuntura da economia brasileira, desde os anos 2000................................................ 3.2 A reprimarização das exportações brasileiras de produtos agroindustriais............................................................................................. 1 Desenvolvimento das cadeias agroindustriais no Brasil, desde os anos 2000............... 3.2.2 Características das cadeias agroindustriais no comércio internacional de 2000 a ................................................................. 3.2.3 Características da pauta de exportação brasileira das cadeias agroindustriais de 2000 a .................................................. 3.3 A desindustrialização e as cadeias globais de valor...................................................... 3.3.1 A desindustrialização na economia brasileira............................................................ 3.3.2 As cadeias globais de valor e inserção internacional brasileira.............................. 3.4 A reprimarização e a desindustrialização na economia brasileira..................................... CONCLUSÃO.................................................................................................................... REFERÊNCIAS.................................................................................................................... APÊNDICE A – Discussões políticas no comércio internacional....................................... APÊNDICE B – O desenvolvimento chinês......................................................................... INTRODUÇÃO A alta dos preços de commodities e o aumento do comércio por parte dos países em desenvolvimento – tendo a China como protagonista e novo polo dinâmico de acumulação de capital – marcaram as mudanças no conjunto da economia internacional a partir do ano 2000. Em linhas gerais, o grande crescimento da economia chinesa no período mais recente e sua enorme demanda por commodities têm sido um dos principais fatores para manter as cotações e os preços de produtos primários em patamares bastante elevados. Certamente, no período entre 2000 e 2014 e correspondente a esta pesquisa, em um mundo caracterizado pela estagnação econômica nos países centrais depois da crise econômica e financeira de 2008, a grande volúpia chinesa por alimentos e matérias-primas tem sido fundamental para a demanda aquecida, assim como para as relações de troca mais favoráveis desses bens. No Brasil, a mencionada conjuntura foi marcada por um grande aumento nas exportações e pela geração de grandes saldos comerciais no período analisado, trazendo repercussões para a economia. Entretanto, o aumento das exportações brasileiras teve como principal característica uma crescente commoditização e concentração em alguns poucos produtos primários na pauta de exportação no decorrer dos anos, apontando para uma tendência cada vez mais clara de especialização na produção de commodities. Além disso, entre outras consequências, a forte valorização cambial referente ao processo deixou ainda mais clara a tendência, observada desde a década de 1980, de queda da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro, observando-se fortes indícios de desindustrialização no Brasil. Dessa forma, o objetivo principal do presente estudo é analisar a inserção internacional brasileira desde o início dos anos 2000 até o término do primeiro governo de Dilma Rousseff em 2014, com base nos processo de reprimarização das exportações e de desindustrialização. Assim, buscar-se-á, no decorrer do trabalho, responder qual o papel do Brasil na atual divisão internacional do trabalho e sobre a existência de um processo de especialização da economia brasileira em torno da produção de commodities. Pretende-se, também, pela continuação e pela atualização de estudo anterior (LEUTWILER, 2012), desenvolver a análise sobre o processo de reprimarização da pauta de exportação brasileira, enfatizando-se produtos agroindustriais. A base de dados utilizada para a formação da metodologia apresentada – que separa os produtos do setor agroindustrial em baixo valor agregado, produtos semimanufaturados e alto valor agregado – foi baseada no sistema UNcontrade, United Nations Commodities Trade Statistics Data base 1 , vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados nominais são fornecidos pelos países ligados à organização e demonstram as transações comerciais desde 1962, quando os países possuírem e disponibilizarem as informações. Para a formatação dos dados, foi utilizada a classificação SITC rev. 2 (International Standard Industrial Classification of All Economic Activities, Rev.2) 2 . Assim, a pesquisa encontra-se dividida em dois capítulos, incluindo o presente tópico de caráter introdutório e a conclusão. No primeiro capítulo, intitulado “A economia internacional e a produção de commodities”, objetiva-se apresentar um panorama internacional da economia, exclusivo à nossa temática. Exibe-se, ainda, uma pequena introdução teórica sobre a produção de commodities e seus reflexos nas economias especializadas no subitem “O comércio internacional e as características da produção de commodities”. Posteriormente – no subitem “A demanda por commodities e a participação dos países em desenvolvimento” –, é desenvolvida uma análise histórica dos preços das mercadorias em questão e suas condicionantes, para adentrar nas características do recente ciclo de alta; e, por fim é analisado o crescimento da participação no comércio dos países em desenvolvimento no período selecionado. No segundo capítulo, “Reprimarização das exportações, desindustrialização e a atual conjuntura da economia brasileira”, pretende-se aprofundar as análises sobre o caso brasileiro. Assim, o primeiro subitem “Conjuntura da economia brasileira, desde os anos ” propõe uma análise sobre o contexto da economia brasileira no período correspondente à pesquisa, com ênfase na evolução do comércio exterior Em seguida, o subitem “A reprimarização das exportações brasileiras de produtos agroindustriais” analisa de forma mais detida o desenvolvimento da cadeia agroindustrial no Brasil. Neste tópico, observa-se a evolução das exportações brasileiras em comparação com as mundiais. A pesquisa desenvolve os dados oriundos de trabalho anterior (LEUTWILER, 2012) baseados na UNcontrade, United Nations Commodities Trade Statistics Data base, que propôs uma avaliação da evolução das cadeias agroindustriais brasileiras, a partir dos anos 2000 até 2010. Inicialmente, foram selecionados dentro do setor agroindustrial, os valores das exportações brasileiras e mundiais de 17 produtos de baixo valor agregado, 14 semimanufaturados e 18 de alto valor agregado, para os anos de 2000, 2005 e 2010. Para o presente trabalho, a metodologia foi atualizada, diminuindo-se um dos produtos na divisão de baixo valor agregado e utilizando-se os anos 1 Disponível em: . 2 Disponível em: . , e O subitem “A desindustrialização e as cadeias globais de valor” propõe inicialmente desenvolver uma análise sobre o controverso processo de desindustrialização que se observa no Brasil. Em seguida, realiza-se uma investigação sobre as cadeias globais de valor, objetivando-se diferenciar os modelos de desenvolvimento, de forma geral, empregados no leste asiático e na América Latina, mais especificadamente, no Brasil na atual divisão internacional do trabalho. Por fim – no último subitem do capítulo, “Reprimarização e a desindustrialização na economia brasileira” –, é apresentada uma análise crítica dos processos de reprimarização e desindustrialização e suas possíveis consequências no interior da economia brasileira. Por fim, a conclusão apresenta considerações finais a respeito das discussões desenvolvidas no decorrer do trabalho. Nesta seção, objetiva-se – principalmente e pela confrontação dos dados da economia internacional e da economia brasileira – responder qual seria a posição mais adequada sobre a atual inserção internacional brasileira e seu papel na divisão internacional do trabalho. 2. A ECONOMIA INTERNACIONAL E A PRODUÇÃO DE COMMODITIES 2.1 O comércio internacional e as características da produção de commodities Produto histórico da industrialização dos países europeus e da formação de colônias, a especialização primário-exportadora – é fundamentada na divisão internacional do trabalho, baseada nas vantagens comparativas ricardianas. Estas são oriundas, por sua vez, da dotação relativa de fatores, em outras palavras, da distinção entre o modo de funcionamento das economias dos países industrializados e aquele das nações especializadas em bens primários, tendo sido a distinção estudada um dos temas mais explorados pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Criada em 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, a CEPAL tem como objetivo central promover a cooperação e o desenvolvimento econômico da região. Exerceu influência importante nas políticas de desenvolvimento latino-americanas nas décadas de 1950 e 1960; e, ainda hoje, muitos profissionais da academia, administração e das instituições publicas são vinculados ao pensamento cepalino 3 . Além das influências práticas, também foi de grande importância para o pensamento econômico, sendo uma das contribuições latino-americanas mais prestigiadas em perspectiva teórica. Um dos maiores expoentes e um dos fundadores dos estudos cepalinos, o economista argentino Raúl Prebisch analisa o comércio entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Tendo como maior influência os estudos de John Maynard Keynes 4 , Prebisch em seu livro publicado em 1949, O desenvolvimento econômico da América Latina – observa que a relação real do intercâmbio era desfavorável para os subdesenvolvidos. Constatando uma tendência histórica de redução dos preços dos produtos primários frente aos produtos industrializados, o autor desenvolve a mais importante contribuição teórica desta escola, a deterioração dos termos de troca. Contemporâneo a essa análise, o economista alemão (naturalizado britânico) Hans Singer já argumentava a tendência negativa dos preços dos produtos primários, que desfavorecia os países menos desenvolvidos. Entretanto, a pesquisa do economista europeu só foi publicada em 1950, posterior ao lançamento do livro de Prebisch, fazendo as análises observadas pelos autores, consideradas como independentes e coetâneas, receberem o nome de tese Prebisch-Singer. De acordo com Prebisch ( ), o baixo desenvolvimento do progresso técnico, a partir da produção de produtos primários, interfere nos níveis de produtividade, que cresce de modo mais acelerado nos produtos industriais. Dessa forma, o autor aponta que a industrialização não é um fim em si mesmo, mas seria a maneira para captar uma parte do fruto do progresso técnico. Assim, considera que o desenvolvimento industrial seria a única forma dos países subdesenvolvidos apropriarem-se dos ganhos de produtividade proporcionados pela evolução tecnológica. Segundo Furtado e Urias (2013), do ponto de vista metodológico quanto analítico- conceitual, diversas críticas foram levantadas à tese de deterioração dos termos de troca; entretanto, ela se mostrou válida como tendência de longo prazo durante a segunda metade do século XX. De acordo com Sinott (2010), commodities são produtos que se caracterizam por ser indiferenciados, com elevado conteúdo de recursos naturais e com baixo processamento 3 No primeiro círculo de importância, na escola de pensamento cepalina, encontram-se Raúl Prebisch, Celso Furtado e Aníbal Pinto. Posteriormente, muitos nomes foram aparecendo e se tornando grandes influências, como Maria da Conceição Tavares, Fernando Fajnzyber, Fernando Henrique Cardoso. 4 Keynes (19 ), em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, inaugura a escola de pensamento Keynesiana, tendo como fundamento a figuração do Estado como agente indispensável no controle da economia, considerando como principal função conduzir esta a um sistema de pleno emprego. Argumenta, ainda, que, o ciclo econômico não é autorregulado, como defendiam os economistas neoclássicos, mas determinado pelo animal spirit dos empresários, razão principal por que o Estado deve supervisionar a economia. https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Maynard_Keynes https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Teoria_Geral_do_Emprego,_do_Juro_e_da_Moeda industrial. Os setores produtores geram altas rendas periódicas (lucros extraordinários), associados aos ciclos de preços típicos desses produtos. A exploração de recursos naturais produz efeitos econômicos, ambientais e sociais fundamentais. Em países primário- exportadores, um aumento ou uma queda internacional nos preços de commodities tem impacto direto nas taxas de câmbio, no balanço de pagamentos e no nível de renda e de emprego. Não é à toa que alguns países exportadores de recursos naturais depositam os recursos advindos do comércio externo em um fundo soberano no exterior, para minimizar ou neutralizar os efeitos de uma grande variação nos preços ou nos volumes de produção (FURTADO E URIAS, 2013). Assim, a natureza da produção e dos ciclos de preços tem sérias implicações sobre os países produtores 5 ,entre as quais figura o impacto extremo da valorização da moeda local, acarretando o desestímulo às outras atividades, principalmente as manufatureiras, ocasionando um processo de especialização e configurando, assim, a denominada doença holandesa (CARNEIRO, 2012). O termo doença holandesa é empregado para expressar situações nas quais o aumento das receitas de exportações de produtos relacionados à base de recursos naturais de um país provoca a desindustrialização da sua estrutura produtiva, em virtude da valorização cambial decorrente. A terminologia foi utilizada pela primeira vez na década de 1960, para identificar os efeitos que a elevação dos preços do gás natural e das receitas cambiais associadas a esse recurso produziu nos Países Baixos: valorização cambial e quedas significativas na fabricação de produtos manufaturados. Esse fenômeno teria origem em um aumento nas exportações de recursos naturais, induzindo uma valorização excessiva da taxa de câmbio pela entrada massiva de moeda estrangeira e reduzindo o nível de competitividade de outras atividades econômicas do país. A estrutura produtiva, por consequência, perde em diversificação; e países com uma já elevada concentração das exportações em setores baseados em recursos naturais se tornam ainda mais especializados. Esse fenômeno, quando observado na América Latina, costuma receber o nome de reprimarização da pauta exportadora(FURTADO E URIAS, 2013). De acordo com a CEPAL (2012), os países que se beneficiam do auge dos produtos básicos são muito sensíveis a uma inversão da tendência dos termos de intercâmbio. No entanto, enquanto persistirem as condições favoráveis no contexto externo, haverá motivo para preocupação com as tendências na estrutura produtiva, particularmente a reprimarização 5 Carneiro (2012), em seu texto tem como referência os países em desenvolvimento, em especial os da América Latina. da especialização exportadora. A experiência histórica indica que a especialização em produtos primários e em manufaturas de baixo valor agregado está associada a trajetórias pouco dinâmicas da produtividade, do emprego e do crescimento econômico em longo prazo. É necessário avaliar os benefícios de curto prazo desse tipo de especialização produtiva, frente ao custo em longo prazo. Tendo como referência a natureza da produção de commodities atualmente, na visão de Carneiro (2012), observam-se características no comércio internacional que levaram muitos economistas a rever suas concepções a respeito das possibilidades de desenvolvimento das economias especializadas. A elevação dos preços das commodities – segundo a intensidade, a abrangência, o número de produtos e a duração, em números de anos - sugere que se está diante de fatos históricos particulares 6 . Entretanto, Carneiro (2012) apresenta que a elevação dos preços das commodities que se inicia nos anos 2000, apesar de ter trazido benefícios para os países produtores desses bens 7 , não alterou a lógica de crescimento restringido e com profundas implicações para o desenvolvimento em longo prazo. Segundo o autor: Durante a etapa da globalização, países subdesenvolvidos que optaram por uma estratégia de diversificação econômica lograram um crescimento mais rápido e um processo de catching up mais expressivo do que aqueles que permaneceram especializados. Essa constatação se manteve mesmo para os períodos mais recentes marcados pelo choque positivo dos preços de commodities. (CARNEIRO, 2012, p. Assim, o autor aponta que, dado o nível de renda per capita dos países em desenvolvimento, a diversificação e, mais propriamente, a industrialização continuam sendo os principais objetivos a perseguir. 2.2 A demanda por commodities e a participação dos países em desenvolvimento A escalada dos preços internacionais das commodities na primeira década do século XXI trouxe repercussões diretas para a conjuntura da economia internacional dos últimos anos, principalmente para os países produtores e exportadores primários. Aumentos ou 6 Sobre a elevação dos preços das commodities após os anos 2000, será discutido aprofundadamente no tópico “ O comércio internacional e participação dos países em desenvolvimento” 7 O autor dá ênfase aos países em desenvolvimento, produtores tradicionais de commodities. declínios bruscos das receitas obtidas com commodities, como já mencionado, afetam implicitamente a composição da pauta de exportações, o saldo da balança de pagamentos, as taxas reais de câmbio, o nível de renda doméstica e a receita pública. Assim, de acordo com Furtado e Urias (2013) esse processo foi acompanhado por mudanças nos marcos institucionais que regulam a exploração e o uso dos recursos naturais em diversos países 8 . Em perspectiva histórica, o fenômeno de alta dos preços das commodities não se apresenta como novidade no contexto da economia internacional, tendo sido verificado outras vezes e classificado por alguns autores como “superciclos de preços”. A tentativa de compreensão das dinâmicas dos preços dos recursos naturais, há pelo menos 60 anos, é um desafio para os economistas. Essa preocupação ocorreu principalmente quando Raúl Prebisch e Hans Singer apresentaram a tese de que os termos de troca dos produtos primários tendiam a deteriorar-se em relação aos produtos manufaturados, como foi observado anteriormente. Durante a maior parte desse período, os resultados se direcionaram a corroborar a tese dos autores. Diversas análises desenvolvidas com base no método de Grilli e Yang (1988) apresentam que os recursos naturais, comparando os valores do início e do final do século XX, tiveram um expressivo declínio no decorrer do período, tendo uma taxa de desvalorização real de quase 1% ao ano. A tendência de queda observada no decorrer do século XX pode ser verificada no Gráfico 8 Segundo Furtado e Urias (2013), o estudo dos ciclos de preços das matérias-primas também pode ajudar a compreender as mudanças nos arranjos institucionais que dizem respeito à posse, à exploração e à apropriação das rendas provenientes dos recursos naturais, sobretudo em países onde as instituições são frágeis. Para os autores, a recente alta dos preços observada promove uma reversão da tendência observada entre o fim dos anos 1980 e 1990, quando houve uma redução do papel do Estado nesse setor e um estímulo generalizado à participação da iniciativa privada. Entretanto, apresentam que há uma série de aspectos – macroeconômicos, políticos, ideológicos, étnicos e históricos - por trás da alternância entre regimes pró-nacionalização e pró- privatização nos países exportadores de recursos naturais. Estudos sugerem, porém, que a oscilação de preços dos produtos primários pode ser um fator tão importante nesse processo quanto os componentes políticos e ideológicos. Dessa forma, os movimentos de privatização e reprivatização parecem ser mais frequentes quando os preços das commodities caem, expondo as eventuais ineficiências da gestão estatal. O baixo valor dos recursos naturais e a perda de credibilidade na gestão estatal tendem a enfraquecer o poder de barganha dos governos durante as negociações, obrigando-os a aumentar as concessões a fim de atrair o setor privado. Por isso, os contratos costumam ser pouco flexíveis, privando os governos de colher os frutos de uma elevação nos preços dos recursos naturais e, portanto, apenas aumentando as chances de uma nova expropriação no futuro, o que reforça a dinâmica cíclica do processo. Gráfico 1 – Tendência de evolução dos preços das commodities em geral, de 1900 até 1999. Fonte: MCKINSEY & COMPANY Entretanto, a atual guinada dos preços das commodities, iniciada a partir dos anos 2000, reverteu a tendência de queda acumulada durante o século passado. Os preços reais dos recursos naturais subiram, em média, 109% entre 2003 e 2008 (BANCO MUNDIAL, . E mantiveram-se, mesmo com o estouro da crise financeira de 2008, que abalou toda a economia mundial, em patamares historicamente elevados. Recorrentemente, no sistema econômico internacional, são identificados longos períodos de alta dos preços das commodities como o registrado na primeira década do século XXI. A tese de que os recursos naturais apresentam superciclos de preços – que teriam entre trinta e quarenta anos de duração, divididos em uma fase de elevação e outra de retração dos preços – é defendida por algumas linhas de estudo, como as de Erten & Ocampo (2012), Heap (2006) e Jacks (2013).Os superciclos seriam definidos como movimentos de preço, associados a choques de demanda (JACKS, 2013), em um contexto de produção restringida em muitas categorias de produto. A partir da metade do século XIX até os dias de hoje (1865-2009), quatro superciclos de commodities podem ser delimitados e são apresentados na Tabela .De acordo com Furtado e Urias , o primeiro teria começado em 1894, estimulado pelo processo de industrialização dos Estados Unidos e pelas demandas geradas pelas revoluções tecnológicas do fim do século XX, como o surgimento da indústria automobilística. O segundo superciclo começou em 1932, com um movimento de alta, pontuado por ciclos menores de elevação e retração dos preços, que atingiu seu pico em 1951, em meio ao processo de reurbanização e reindustrialização da Europa, que havia sido destruída durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1971, as commodities iniciaram um terceiro superciclo, que durou apenas dois anos. Essa foi uma época de forte aceleração econômica. O período também encerrou a fase de crescimento mais agudo do Japão, que se converteu na segunda maior economia do mundo. A partir de 1974, os preços das matérias-primas não energéticas começaram a cair, sob o impacto econômico dos choques do petróleo (1974 e 1979) e do choque de juros do Banco Central dos EUA (1979), que deprimiu as taxas de crescimento da economia mundial, sobretudo a partir de 1980. Os ganhos de eficiência na indústria e o fim da União Soviética 9 também colaboraram para a tendência de queda, que durou até 1999. Ainda em relação aos superciclos de preços das commodities¸ de acordo com Furtado e Urias ), a dimensão e a duração dos superciclos variam de acordo com os tipos de produtos primários. Vistos isoladamente, os metais geralmente apresentam trajetórias que – apesar de estarem dentro do ciclo – ocorrem em períodos específicos. O petróleo também é outro produto que apresenta dinâmica própria, apresentando característica única no grupo das commodities: em todos os superciclos, a valorização acumulada durante a fase de alta sempre foi proporcionalmente maior do que a desvalorização subsequente, significando preços médios mais altos a cada ciclo. Outra particularidade do petróleo é sua baixa correlação com as taxas de crescimento da economia mundial. Os metais e os produtos agrícolas, em contrapartida ao petróleo, registram médias de preço cada vez mais baixas nos três primeiros ciclos, configurando uma tendência de desvalorização ao longo do período. 9 O fim da União Soviética culminou no desmantelamento de uma indústria intensiva em recursos naturais e no ingresso da Rússia e de outras repúblicas que integravam a União no mercado mundial, ofertando matérias- primas energéticas e minerais. Tabela – Os superciclos de preços das commodities. Fonte: Erten & Ocampo (2012). No Gráfico , verificam-se as tendências de alta e queda apresentadas nos superciclos de commodities entre 1990 e 2011. No Gráfico , são apresentadas as tendências em relação às commodities não energéticas, entre 1865 até 2009. Gráfico 2 – Índices de preços das commodities em geral, de 1990 até 2011. Fonte: MCKINSEY & COMPANY Gráfico 3 – Índices de preços das commodities não energéticas, de 1965 até 2009. Fonte: Furtado e Urias (2013 apud OCAMPO e PARRA, A alta nos preços reais das matérias-primas a partir de 1999 configura o início do quarto superciclo, que é acentuado a partir do ano de 2004 e pode ser verificado mais especificamente no Gráfico . Gráfico 4 – Índice dos preços das commodities, separadas entre alimentos, metais e petróleo, entre março de 2004 até março de 2012. Fonte: ALEM, et al., 2014. De acordo com Furtado e Urias desde 1999, na média, os preços das commodities não energéticas subiram 81,3% até 2010, quando, aparentemente, atingiram seu pico. Os metais subiram 202,4% até 2007; e o petróleo, 466% até 2008. De acordo com Banco Mundial , trata-se da maior e mais intensa alta desde 1900. As causas para o cenário são diversas; e, no que se refere à demanda, as razões primordiais são três. Em primeiro lugar, figura o aumento do uso de produtos que antes eram destinados para a alimentação, para fins de produção energética, principalmente na América do Norte, com o milho (FURTADO, 2008), e no sul da Ásia, com a palma (PRICE VOLATILITY AND FOOD SECURITY, . Em segundo lugar, encontram-se a financeirização, processo de especulação nos mercados futuros de commodities (CARNEIRO, e, mais extraordinariamente, o crescimento do mercado de índices agropecuários (BELIK, 2014). Em terceiro, e principal lugar, registra-se a maior demanda de alimentos e energia acarretada pelo maior crescimento dos países em desenvolvimento e que permanece como tendência para os próximos anos 10 (MENDONÇA DE BARROS, 2008). 10 Sobre a maior demanda de produtos básicos, Furtado (2008) exemplifica que a demanda gerada pelo crescimento da renda de um californiano crescer está totalmente vinculada ao setor de serviços a gastos supérfluos, de certa maneira não interferindo tanto no setor das commodities. Porém, a incorporação ao mercado Segundo Belik (2014), especificadamente sobre o setor de alimentos, entre 2001 e 2004, surgem alguns aumentos isolados nos preços de açúcar, óleos e lácteos. Mais tarde, a alta se generaliza, incidindo diretamente sobre três produtos que são a base dos três principais sistemas alimentares mundiais: trigo, arroz e milho 11 . As causas do ponto de vista da demanda são as mesmas apontadas acima sobre as commodities em geral, repercutindo, no caso dos alimentos, sobre o aumento de preços de todas as commodities. Pelo lado da oferta, podem-se elencar causas estruturais, tais como a redução histórica e gradativa dos ganhos de produtividade alcançados pela agricultura 12 . A escala dos preços do quarto superciclo está diretamente ligada ao crescimento da demanda impulsionada pela China (chegando alguns autores, como Furtado e Urias a classificar essa alta como o “superciclo chinês”) e às restrições à expansão da oferta imposta pela falta de investimentos globais após duas décadas de preços em queda. O aumento das importações chinesas de recursos naturais a partir dos anos 2000 não tem paralelo na história. O país triplicou, de 2000 a 2009, suas importações de petróleo, passando de 1,35 milhão para 4,24 milhões de barris por dia (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2012). Em 2000, a importação de minérios de ferro do país era de cerca de 70 milhões de toneladas, correspondendo a 14% da importação mundial. Em 2008, a porcentagem na importação mundial subiu para quase 50%, comprando cerca de 444 milhões de toneladas 13 . Também são de crescimento os índices específicos da importação chinesa das commodities relacionada à cadeia agroindustrial. Entre 2000 e 2012, a importação chinesa de soja se multiplicou por quase seis (passando de 10,1 milhões para 59 milhões de toneladas), incrementando sua participação no mercado mundial, de um patamar inferior a um quinto para quase dois terços. As importações de algodão, no mesmo período, passaram de menos de 200 mil fardos para 24 milhões de fardos, importando um volume próximo ao que o mundo importava em 2000 14 . de mais de 500 milhões de chineses– pelo aumento da renda, em um nível básico de consumo– faz crescer absurdamente a demanda no mercado mundial, em grande parte por produtos básicos, tais como os alimentos. 11 Em 2007, o índice de preços combinados dos cereais atinge uma marca equivalente ao dobro daquela praticada no início da década. 12 Fan (2009) aponta que esta redução nos ganhos tem a ver com o baixo investimento e a pouca prioridade dada à agricultura, inclusive pelos países em desenvolvimento. Entretanto, Belik (2014), diz que o estopim da disparada dos preços neste caso foram os eventos climáticos que derrubaram a produção destes alimentos nos quatro cantos do mundo. Contudo, a situação da oferta não seria considerada tão grave se os estoques reguladores mundiais não estivessem em níveis reduzidos como decorrência da política de não intervenção vigente durante toda a década de 1990. 13 www.worldsteel.org/statistics/statistics-archive/monthlironararchive.html. 14 http://www.usda.gov/wps/portal/usda/usdahome. Segundo Furtado e Urias , no fim do século XIX – da mesma forma que ocorreu com a emergência dos Estados Unidos como potência econômica, e com a reconstrução dos países europeus e do Japão após a Segunda Guerra Mundial –, o intenso processo de industrialização e de urbanização da China no início deste século desencadeou longos períodos de apreciação dos recursos naturais. O que diferencia o ciclo chinês é sua escala. De acordo com MCKINSEY & COMPANY (2011) e como pode ser verificado no gráfico 5, foram necessários154 anos para que o Reino Unido dobrasse sua renda média doméstica, de US$ 1.300 para US$2.600, com um população inferior a 10 milhões de habitantes. Cento e vinte anos depois, Estados Unidos levaram 53 anos para atingirem a mesma marca, tendo uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes. O Japão demorou 33 anos para, com uma população aproximada de 50 milhões de habitantes, dobrar sua renda média. Juntas, China e Índia, atualmente, tendo uma população somada de 2 bilhões e meio, respectivamente, alcançam o mesmo resultado a cada 12 e 16 anos. Gráfico 5 – Relação entre elevação da renda, quantidade de população e tempo necessário para dobrar o PIB per capita, para países selecionados. Fonte: MCKINSEY & COMPANY Nesse sentido, em conjunto com o crescimento econômico de outros países em desenvolvimento, devem ser incorporadas à economia mundial quase 3 bilhões de pessoas até 2030, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 15 . Complementando a projeção oficial, Furtado e Urias apresentam que esse incremento significaria que a parcela da população com renda diária entre US$ 10 e US$ 100 (faixa intensiva em consumo de recursos naturais) deverá chegar a 4,8 bilhões até 2030, representando um salto de 166% em relação a 2009, quando era de apenas 1,8 bilhão. Conforme as projeções da OCDE, cerca de 90% desses novos consumidores serão da Ásia e do Pacífico, especialmente, como apresentado, da China e da Índia. Assim, a projeção de aumento da renda da Ásia deve elevar em 33% a demanda de commodities no mundo por energia até 2030, correspondendo ao consumo atual dos Estados Unidos e dos países europeus da OCDE. O aumento na utilização de aço deve ser incrementado em 80% no mesmo período. A complexidade e o custo de explorar esses recursos tendem a tornar a oferta menos elástica e os preços sensíveis aos mais tímidos estímulos da demanda. De modo diverso, outras forças indicariam um sentido contrário ao potencial de valorização dos recursos naturais apontado acima. A desaceleração do consumo chinês e a atual desaceleração da economia global refletem diretamente nos preços das commodities desde o final de 2013, afetando fortemente os países produtores. A queda atual dos preços das commodities pode ser verificada no Gráfico , destacando-se a forte baixa das commodities energéticas, tendo como agente principal a diminuição do preço do petróleo. De acordo com estudos como o do Fundo Monetário Internacional (2013) e de Roache (2012), o abrandamento da atividade econômica nos países emergentes é uma importante variável para a diminuição dos preços das commodities. Como apontado acima, o crescimento dos países em desenvolvimento provoca uma maior demanda de produtos primários. Os estudos FMI (2013) e Roache (2012) apontam que a correlação entre crescimento nos preços das commodities e crescimento nas atividades macroeconômicas dos países emergentes é alta; a correlação do crescimento dos preços incide 0.8 sobre o desempenho dos países emergentes. E o declínio do desenvolvimento econômico nos países emergentes significa uma queda substancial dos preços das commodities em vários meses (Gráfico ). 15 Disponível em:< http://www.oecd.org/>. Gráfico – Índice dos preços das commodities, separadas entre todas as commodities, energia, comida e metais, entre 2005 até agosto de 2015. Fonte: FMI, . Gráfico – Correlação entre o preço das commodities e o desempenho dos países emergentes. Fonte: FMI, 2013. Em uma perspectiva mais estrutural, segundo o Banco Mundial , desde os anos 1970, o crescimento da economia mundial tem-se baseado no uso menos intensivo de energia e de alimentos, mesmo que, em relação aos metais, essa tendência tenha começado a se reverter em meados de 1990. Como reflexo dos ganhos de eficiência na indústria, segundo a Mckinsey & Company (2011), a intensidade de uso de recursos naturais nas taxas de crescimento da economia reduziu, em média, de 0,5% a 2% ao ano de 1980 a 2000. Outro importante dado a se analisar, dentro da perspectiva do comércio internacional dessa primeira década do século XXI, é como se caracterizaram as balanças comerciais no mundo. No Quadro 1, estão apresentados os números da balança comercial do mundo, para países desenvolvidos, em desenvolvimento, Europa, EUA, China e Brasil. Claramente se observa uma grande ascendência nas exportações e nas importações dos países em desenvolvimento em comparação com um pequeno incremento dos países desenvolvidos, estes ficando abaixo da média mundial. Os países em desenvolvimento incrementaram suas exportações no período de 2000 a 2010 em 217%, bastante acima do contemplado pelo mundo, que foi de 137%. Em contraposição, os países desenvolvidos apresentaram incremento de 93% no mesmo período. Como pode ser visto, é bastante relevante o crescimento das exportações e das importações chinesas no período, que cresceram 533% e 520% respectivamente, apresentando um superávit surpreendente de quase 300 bilhões de dólares em 2008. Outro dado interessante no Quadro é o baixo crescimento das exportações norte-americanas no mesmo período, estando bem abaixo do total de países desenvolvidos e resultando em um déficit crescente em sua balança comercial, que atingiu quase 700 bilhões de dólares em 2010. Por último, pode ser considerada como relevante na análise a tendência apresentada, no decorrer da década, à acumulação de grandes superávits por parte dos países em desenvolvimento. É tendência contraposta à de grandes déficits dos desenvolvidos, tendo como ápice o ano de 2008, que exibiu um superávit comercial de mais de 700 bilhões de dólares para os em desenvolvimento contra um déficit de mais de 950 bilhões de dólares pelos desenvolvidos. Quadro 1 – Total de importação, exportação e balança de regiões, países ou áreas em milhões de dólares e variação % com o ano indicado. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados da UN comtrade 16 . 16 Disponível em: . O aumento relevante da participação no comércio por parte dos países em desenvolvimento, especialmente da China, de certa forma, provoca alterações na estrutura internacional do comércio, no período analisado. Dessa forma, os países que sempre estiveram à margem do sistema capitalista internacional foram mais presentes no comércio no início deste novo século. Esse dado pode ser confirmado neste trecho do relatório “Trade and Development” da OMC (OMC, 2014), sobre o desenvolvimento do comércio de países em desenvolvimento na década de 1990 até 2008: Over the years, trade openness has contributed considerably to enhancing developing countries’ participation in the global economy Figure shows that from 1990 to 2008, the volume of exports from developing countries grew consistently faster than exports from developed countries or the world as a whole, as did the share of developing countries’ exports in the value of total world exports. For example, between 2000 and 2008 the volume of developing countries’ exports almost doubled, while world exports increased by only 50 per cent 17 . Outro importante cenário nesse contexto é o comportamento das taxas de crescimento do PIB nos países, diferenciados por seus níveis de renda. Os países de renda baixa ou média (característica dos países em desenvolvimento) apresentaram crescimento médio altamente superior ao dos países de renda alta no período corresponde à pesquisa (Gráfico Essa interpretação, se observada isoladamente no período recente, pode configurar argumentos contraditórios, dado que a taxa de crescimento das economias de renda baixa ou média tende a ser superior à dos países de renda alta. Entretanto, analisando-se o desenvolvimento do PIB no Gráfico – a respeito das taxas de crescimento, desde 1960 até 2014 –, observa-se claramente, que desde 2000, as taxas de crescimento dos países de renda baixa e média apresentam os patamares médios mais altos de todo o período observado. Além disso, no Gráfico , apresenta-se o crescimento do PIB per capita, entre 1960 e 2014. Conforme observado no Gráfico 9, os países de renda baixa e média, no período entre 2000 e 2014, também 17 Em tradução livre: “Ao longo dos anos, a abertura do comércio contribuiu consideravelmente para o aumento da participação dos países em desenvolvimento na economia global. A Figura 1 mostra que, de 1990 a 2008, o volume das exportações dos países em desenvolvimento cresceu consistentemente mais rápido que as exportações dos países desenvolvidos, ou do mundo como um todo, assim como a parcela de exportações dos países em desenvolvimento no valor total das exportações mundiais. Por exemplo, entre 2000 e 2008, o volume das exportações dos países em desenvolvimento quase dobrou, enquanto as exportações mundiais aumentaram a uma taxa de apenas 50 por cento” projetam as taxas mais altas em relação a todo o recorte. Entretanto, no período entre 1960 e 2000, o PIB per capita apresenta crescimento muito próximo à média dos países de renda alta e do mundo. É realidade diversa do caso específico do PIB, apresentado no mesmo Gráfico 9, o qual, mesmo menor do que nos anos 2000, tem crescimento, em média, superior ao dos países de renda alta e do mundo no período entre 1960 e 2000. Gráfico 8 – Crescimento da taxa percentual do PIB no mundo, países de alta renda (OCDE) e nos países de baixa e média renda entre 2000 a 2014. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Banco Mundial 18 . 18 Disponível em: . Gráfico 9 – Crescimento da taxa percentual do PIB no mundo, nos países de alta renda (OCDE) e nos países de baixa e média renda, entre 1960 a 2014. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Banco Mundial 19 . 19 Disponível em: . Gráfico 10 – Crescimento da taxa percentual do PIB per capita no mundo, nos países de alta renda (OCDE) e nos países de baixa e média renda entre 1960 a 2014. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Banco Mundial 20 . Essas constatações são importantes porque, de certa maneira, o processo estudado demonstra características inovadoras para o contexto do comércio internacional e apresenta divergências em relação a algumas interpretações de bastante prestígio sobre a liberalização do comércio, como é o caso de François Chesnais, conforme quem: O papel da liberalização no comércio na mundialização é importante, mas não é aquele celebrado pelos economistas neoclássicos. O comércio liberado teve um papel integrador, à escala de certas partes do sistema internacional, e precisamente nos polos da Tríade. Mas quando se examina a economia mundial como um todo, constata-se, ao contrário, que a liberalização levou a uma notável acentuação de sua polarização, bem como a crescente marginalização de muitos países. (CHESNAIS, 1996, p. 211). É necessário frisar que a característica observada pelo autor sobre a liberalização do comércio em meados da década de 1990 – de polarização e de marginalização dos 20 Disponível em: . países em desenvolvimento – era bastante clara na economia internacional. É importante destacar, ainda, que o aspecto apresentado e confrontado sobre a visão de Chesnais (1996) se delimita a liberalização do comércio na mundialização. Em seu livro A Mundialização do Capital, a marginalização e a polarização dos países em desenvolvimento não estão subordinadas apenas à liberalização do comércio, mas com muitas outras esferas no processo de mundialização do capital, como a da mundialização financeira. Porém, essa interpretação deve ser relativizada em vista do grande incremento no comércio de países considerados como em desenvolvimento e das taxas de crescimento do PIB e do PIB per capita dos países de renda baixa e média, no período que corresponde a pesquisa (2000 a 2014) 21 .Além disso, verificando-se a crise de 2008 e seu seguimento até os dias de hoje, o crescimento e a demanda dos países em desenvolvimento no comércio mundial foram fatores imprescindíveis para a relativa melhora da economia global. Adentrando mais a fundo nas características que movimentaram o comércio em âmbito global depois do início da crise de 2008 e novamente utilizando do relatório citado acima da OMC : In fact, even in the recent economic crisis, the decline in the value of developing country exports was smaller than developed country exports. For instance, relative to the first quarter of 2007, developing and developed country exports fell by 28 and 35 per cent respectively in the second quarter of 2009. Moreover, the value of developing country exports began to decline only in the third quarter of 2008, as compared to developed countries for whom the decline started one quarter earlier. In addition, developing countries’ exports resisted the crisis better in the sense that their recovery has been more robust. For instance, in the fourth quarter of 2009, the value of developing country exports had reached their 2007 third quarter level, 21 Foge dos limites do presente trabalho contestar a interpretação de Chesnais (1996) a respeito da posição dos países na geografia de poder da política e da economia internacionais. Para isso, seria necessária uma pesquisa mais a fundo sobre outros indicadores da economia internacional. Os dados que são apresentados neste estudo sugerem divergências no período, que devem ser aprofundadas, em relação à polarização e à marginalização dos países em desenvolvimento. No que se refere às discussões políticas em relação ao comércio internacional, que têm como característica grande rivalidade, no Apêndice A se encontra uma análise sobre as negociações entre os países no âmbito da OMC. whereas the value of developed country exports had only reached their 2007 first quarter level 22 . O cenário demonstra não apenas uma maior participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial, mas um aumento de sua importância no direcionamento da economia internacional, principalmente após o início da crise de 2008, caracterizada pela crise no núcleo orgânico 23 da economia mundial capitalista. Mais uma vez, referindo à interpretação de Chesnais sobre a geografia do poder econômico em escala global, encontra-se que: Os países cuja integração ao intercâmbio mundial deu-se na época da dominação colonial ou semicolonial aberta, como exportadores de produtos primários, agrícolas ou minerais, foram particularmente atingidos por esses desdobramentos. Esses países são os exemplos típicos, e também as vitimas preferenciais, da forma de divisão internacional do trabalho enaltecida pela teoria do comércio internacional, ricardiana e depois neoclássica. Uma vez que o lugar que lhes foi atribuído depende de soluções decididas de fora, e que resulta também de investimentos estrangeiros potencialmente de grande mobilidade, a “dotação fatorial” pretensamente “natural” desses países pode desaparecer rapidamente. (CHESNAIS, 1996, p. 220 e 221). Novamente, considerando as mudanças na economia internacional dos últimos anos sobre a posição dos países em desenvolvimento, a interpretação de Chesnais deve ser relativizada em meio às transformações na conjuntura do comércio internacional atualmente. No mesmo sentido, também pode ser mitigada a expressão “desconexão forçada”, formulada por Mouhoud e citada por Chesnais (1996). O termo se refere à 22 Em tradução livre: “Na verdade, mesmo na recente crise econômica, a queda no valor das exportações dos países em desenvolvimento foi menor do que as exportações dos países desenvolvidos. Por exemplo, em relação ao primeiro trimestre de 2007, os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos apresentaram queda em suas exportações de 28 e 35 por cento, respectivamente, no segundo trimestre de 2009. Além disso, o valor das exportações dos países em desenvolvimento começou a declinar apenas no terceiro trimestre de 2008, em comparação com os países desenvolvidos, para os quais queda se iniciou um trimestre antes. Ademais, as exportações dos países em desenvolvimento resistiram à crise melhor no sentido de quesua recuperação tem sido mais robusta. Por exemplo, no quarto trimestre de 2009, o valor das exportações dos países em desenvolvimento tinha atingido o nível do terceiro trimestre de 2007, enquanto o valor das exportações dos países desenvolvidos só tinha atingido o nível do primeiro trimestre de 2007”. 23 “ compõe-se de todos os países que, mais ou menos no último meio século, ocuparam sistematicamente as posições mais elevadas na hierarquia global do valor adicionado e, em virtude dessa posição, estabeleceram (individualmente e coletivamente) os padrões de riqueza que todos os seus governos procuravam manter e que todos os outros governos buscavam atingir ” ARRIGHI, , p constante pressão externa sofrida por estes países periféricos no sistema capitalista, apontando alguns limites para o total descontrole da economia por parte das nações em desenvolvimento, especialmente algumas que se projetaram de forma pujante nos últimos anos, como os BRICS 24 , tendo como principal exemplo a China e alguns outros países do leste asiático. Entretanto, a projeção das economias dos países em desenvolvimento não apresentou característica homogênea. De acordo com Carneiro (2012), destaca-se a formação de dois grupos distintos nesse âmbito, um dos países produtores de commodities vis-à-vis ao daqueles que optaram por uma maior diversificação em suas economias. O autor, ainda, apresenta que – durante o período correspondente à globalização, entre 1980 e 2010 – os países da Ásia em desenvolvimento, que exibem de forma geral, maior diversificação, crescem a uma taxa cerca de três vezes superior à da América Latina, tradicionais produtores de commodities. Esse diferencial se mantém nos anos 2000 a despeito da alta de preços das commodities. Sobre a controvérsia sobre o maior dinamismo econômico frente às distintas perspectivas, a conclusão advém de Carneiro (2012): os países que adotaram uma estratégia de diversificação, sobretudo os asiáticos, apresentam clara superioridade em no desempenho de suas economias. Isso, em contraposição aos latino-americanos, que optaram por retomar o desenvolvimento com base nas vantagens comparativas estáticas, abandonando as estratégias de industrialização 25 . . REPRIMARIZAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES, DESINDUSTRIALIZAÇÃO E A ATUAL CONJUNTURA DA ECONOMIA BRASILEIRA 3.1 Conjuntura da economia brasileira, desde os anos 2000 A economia brasileira experimentou, entre 2003 e 2010, uma nova fase em sua trajetória de crescimento, duplicando sua taxa em relação ao período compreendido entre 1995 e 2002, passando de 2,3% para 4,03% ao ano. O crescimento brasileiro da 24 Acrônimo que se refere à coordenação política entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 25 As características descritas, observadas pelo autor, nas distintas regiões, apresentam perspectiva generalista. Mesmo concluindo tal argumento, em seu texto, Carneiro (2012) esmiúça diferenças marcantes entre os países de cada região, não desenvolvendo aprofundadamente a perspectiva de cada país apresentado No subitem “As cadeias globais de valor e inserção internacional brasileira”, do próximo capítulo, essas considerações são desenvolvidas um pouco mais a fundo. primeira década deste novo século (3,5% ao ano entre 2000 e 2010) foi o dobro do observado na década de 80 e 50% superior aos anos (BRASIL, 2012). Considerando o Gráfico , observa-se que o Brasil teve uma trajetória de crescimento do PIB no período entre 2000 e 2014, em média, superior ao mundo e bem acima dos países de renda alta. Porém, como observado no Gráfico 8 do capítulo anterior, o crescimento ficou muito aquém do observado nos países de renda baixa ou média, especialmente quando se consideram Índia e China. Além disso, como pode ser observado no Gráfico , desde 2011, o nível da taxa de crescimento do PIB brasileiro foi despencando, chegando a apenas 0,1% em 2014. Gráfico 1 – Crescimento da taxa percentual do PIB no mundo, países de alta renda (OCDE) e Brasil entre 2000 a 2014. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Banco Mundial 26 . De acordo com Wilson Cano (2012), após um período de crise e recessão, que se estende até 2003, o crescimento observado no PIB brasileiro decorre de três fatos específicos. O mais importante deles, ainda segundo o autor, é o crescimento do consumo familiar, estimulado pelo aumento do crédito ao consumidor, pelo aumento do 26 Disponível em: . emprego e, ainda, pela forte elevação do salário mínimo real e de outras políticas sociais. O segundo fator, a despeito da política fiscal restritiva, foram as decisões de expandir o financiamento público ao investimento (público e privado). E, por fim, o terceiro decorre da grande expansão gerada pelo setor exportador, apesar de as importações, a partir de 2005, terem crescido mais do que as exportações. Esses fatores permitiram um avanço maior na renda e no emprego, expandindo a demanda de consumo e o investimento. O referido período foi palco, simultaneamente, de um dos mais notáveis episódios de redução da pobreza e da desigualdade de renda da história recente. Os fatos parecem ter ocorrido sob a forma de uma combinação de elementos de continuação e de mudança, vis-à-vis governos anteriores, na condução das políticas públicas em geral e da política macroeconômica, em particular. No que se refere ao mercado de trabalho, Camargo expõe índices positivos. As taxas de desemprego das Regiões Metropolitanas, medidas pelo IBGE, tiveram clara tendência de declínio a partir de 2004, saindo de 11,49% da PEA naquele ano para 5,97% em 2011. O autor aponta que, mesmo em 2009, com a desaceleração do PIB, os níveis de desemprego apresentaram pouca alteração. Entre 2003 e 2011, reduzindo o grau de informalidade do mercado de trabalho, foram criados mais de 15 milhões de empregos formais, reduzindo-se a tendência de precarização das condições de trabalho observadas na década de . O autor apresenta, ainda, que se observa, no período, uma tendência de recuperação dos salários reais a partir de 2003 27 . Em relação ao salário-mínimo, o poder de compra real em 2011 mais do que dobrou em relação a 1995, contribuindo significativamente para uma melhora da renda. Sobre esse tema, Camargo aponta que, em 1995, o salário-mínimo atingiu o patamar histórico mais baixo, desde sua criação em 1940 e, que apesar dos contínuos aumentos reais verificados nos últimos anos, o valor ainda está distante do observado no ano de sua criação, representando metade do constatado em 1950, quando atingiu seu maior nível em termos reais. Também se garantiu um acréscimo de renda para os segmentos mais pobres, os programas de transferência de renda como a expansão do Bolsa Família, que atendeu14 milhões de famílias em 2012, beneficiando ao redor de 40 milhões de 27 Entretanto, Camargo (2014), diz que é preciso ter cuidado ao olhar os dados do mercado de trabalho, na medida em que a formalização do emprego e o crescimento dos salários reais na realidade implicam apenas um retorno aos patamares existentes no início dos anos 90. Além disso, mais de 90% das novas vagas formais oferecidas no período são de até dois salários mínimos, caracterizando os novos postos de trabalho com carteira em sua grande maioria como empregos com baixa remuneração e, mais de 80% dos ocupados recebem rendimentos de até três salários mínimos. pessoas. Essa conjugação de fatores, segundo o autor, possibilitou uma pequena melhoria em relação às desigualdades sociais no país, mesmo com o país continuando a ser um dos mais desiguais do mundo. Depois de uma contínua elevação do índice de Gini 28 de 1960 até atingir o auge da desigualdade em 1990, houve uma diminuição do índice a partir dos anos 90, possibilitando-se, em 2010, o retorno aos níveis do início de Corroborando com o cenário apresentado acima, de acordo com o Banco Mundial (2015), o período em questão apresenta um panorama positivo, como pode ser verificado em: Entre 2003 e 2013, o Brasil viveu uma década de progresso econômico e social em que mais de 26 milhões de pessoas saíram da pobreza e a desigualdade foi reduzida significativamente (o coeficiente de Gini caiu 6% em 2013, chegando a 0,54). A renda dos 40% mais pobres da população cresceu, em média, 6,1% (em termos reais) entre 2002 e 2012, em comparação aos 3,5% de crescimento da renda da população total. No entanto, a redução da pobreza e desigualdade vem mostrando sinais de estagnação desde 2013. Para Camargo (2014), no que se refere à perspectiva macroeconômica, foi possível amenizar os efeitos da crise mundial sobre a economia brasileira graças à redução da taxa de juros, que esteve nos níveis mais baixos dos verificados nos últimos trinta anos, à expansão do crédito, que se concentrou especialmente no financiamento dos setores imobiliários e de bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos, por exemplo). Refletindo a expansão do consumo e do nível de endividamento das famílias, a relação crédito/PIB, segundo o autor, passou de 24,6% em 2002 para 49,1% em 2011. De acordo com Borges, citado por Camargo (2014), a evolução da formação bruta de capital se elevou de 16% do PIB entre 1999/2003 para 19,3% em 2011/12, indicando um aumento da taxa de investimento da economia. Entretanto, segundo o autor (CAMARGO, 2014) o crescimento da economia baseado na expansão do consumo e no maior endividamento das famílias comprova-se insuficiente. Diante disso, ainda para Camargo (2014), seria necessário um aumento da taxa de investimento, outro fator igualmente importante, para algo em torno de 22% do PIB, 28 Segundo o autor (CAMARGO, 2014), deve-se ter em conta que o índice se baseia mais em relação às diferenças nas modalidades de renda do trabalho do que aquelas nas rendas derivadas das propriedades. refletindo-se um aumento da produtividade da economia brasileira, o que poderia garantir um processo de crescimento autossustentável por um período mais longo de tempo. Como foi observado no capítulo anterior, – mesmo o comércio internacional sendo bastante assimétrico em razão da tradicional supremacia dos países desenvolvidos tanto no âmbito econômico como no político–, a primeira década deste século foi marcada pela maior participação dos países em desenvolvimento nos fluxos comerciais internacionais. Essa maior participação, como foi apresentado, deu-se com base no maior crescimento das exportações e das importações das economias daqueles países. O Brasil é considerado como um país em desenvolvimento que atualmente está em foco nesse processo de ganho de representatividade, sendo apontado junto com outros países – como Rússia, Índia e China – como um importante ator no desenvolvimento global durante o período que compreende a pesquisa; portanto, a análise dos acontecimentos na economia de nosso país na década passada se verifica de ampla importância. Como se observou no capítulo anterior, os países em desenvolvimento cresceram suas exportações de forma acentuada no período, e o Brasil apresentou essa característica de forma expressiva. Como se pode observar no Gráfico ,opaís saltou de aproximadamente US$ 60 bilhões de dólares exportados em 2002, para mais de US$ 256 bilhões de dólares em 2011, tendo um crescimento de mais de 420% em suas vendas externas nesse período. Na mesma tabela, pode-se observar que, em 2009, com a crise econômica e financeira mundial, houve uma redução significativa das exportações brasileiras para o resto do mundo, mas já com recuperação em 2010. Entretanto, entre 2011 e 2014, as exportações brasileiras apresentaram quedas constantes, chegando ao valor de US$ 225 bilhões exportados em 2014. Gráfico 1 – Evolução das exportações brasileira, em milhões de dólares, entre 2002 e . Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 29 . Comentando o Gráfico , que apresenta a relação do crescimento do comércio brasileiro e mundial, reconhece-se novamente que o crescimento das exportações brasileiras esteve acima do desenvolvimento mundial entre e , apresentando- se menor apenas em 2009, por conta da crise, mas com altas de mais de 15 pontos percentuais, em média, entre 2004 e 2010. Como foi observado no gráfico anterior, entre 2012 e 2014 houve constante redução das exportações brasileiras, abaixo do crescimento mundial, que esteve próximo a zero. 29 Disponível em: . 60,4 73,2 96,6 118,5 137,8 160,6 197,9 152,9 201,9 256,0 242,5 242,0 225,1 0,0 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0 300,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Gráfico 1 – Evolução percentual das exportações brasileiras e mundiais, entre e Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 30 . Esse processo foi acompanhado com grandes saldos comerciais em nossa balança comercial, oque contribuiu para o aumento das reservas em dólares para o Brasil e, de certa forma, valorizou de forma expressiva o real no período analisado. Esses superávits em nossas contas externas do fluxo de bens podem ser verificados no Gráfico , que apresenta como ápice de entrada de dólares os anos anteriores à crise, tendo sido esses fluxos muito elevados nos anos de 2005, 2006 e 2007, em que se exibiram saldos positivos de mais de 40 bilhões de dólares de divisas. Ainda no Gráfico , pode-se observar que, durante os anos da crise, nosso superávit se reduz de forma acentuada em relação ao período anterior, tendendo à recuperação, como mostra a passagem de 2010 para 2011, e tendo um incremento de quase 10 bilhões de dólares. Porém, apresenta queda nos anos subsequentes, com superávit de 19 bilhões em 2012, de 2 bilhões em 2013,mas com déficit de quase 4 bilhões em 2014. 30 Disponível em: . -30,00 -20,00 -10,00 0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 P ar ti ci p aç ão % Brasil Mundo Gráfico 14 – Evolução do saldo comercial brasileiro, entre 2002 e 2014, em milhões de dólares. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 31 . Outro fator que se pode levar em conta no crescimento do comércio brasileiro é sua participação no total comercializado no mundo, que é exposto no Gráfico . Em , a relevância das exportações brasileiras apresentou 0,97% no total mundial, chegando a 1,36% em 2010,atingindo , , seu pico, em 2011. Entre 2011 e 2014, conforme observado nos dados dos gráficos anteriores, a participação do Brasil nas exportações mundiais apresentou pequenas quedas, chegando a 1,22%, nível próximo ao observado nos anos anteriores à crise. 31 Disponível em: . 13,1 24,8 33,8 44,9 46,4 40,0 24,9 25,2 20,1 29,7 19,3 2,2 -3,9 -10,0 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Gráfico 15 – Participação percentual das exportações brasileiras nas exportações mundiais, entre 2001 e 2014. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 32 . Algo bastante interessante em relação ao processo em análise, de maior competitividade e de crescimento de nossas exportações no sistema internacional, é como se comportou a participação da corrente de comércio 33 em relação ao PIB brasileiro, como está revelado no Gráfico . De certa maneira, a expansão das nossas vendas externas não produziu uma maior participação destas em relação ao nosso PIB, demonstrando que a economia interna de nosso país acompanhou o processo de crescimento no período analisado (crescimento em média de 3,5% a.a.). É um dado bastante relevante, se observarmos que, em 2002, a participação da corrente de comércio em nossa economia era de 21,35%, percentual mais elevado que em 2011, que apresentou 19,79% de relevância. 32 Disponível em: . 33 Soma entre exportação e importação. 0,97 0,96 0,99 1,08 1,16 1,17 1,18 1,26 1,25 1,36 1,43 1,35 1,32 1,22 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Gráfico – Participação percentual da corrente de comércio no PIB do Brasil, 2002 – Fonte: BRASIL, 201 . Outro aspecto bastante importante que acompanhou esse processo, como pode ser verificado no Gráfico , foi o comportamento de nossas exportações por fator agregado, que as separam em produtos básicos, semimanufaturados, manufaturados e operações especiais de 2000 a 2014. Observa-se que no início do período houve tendência de diminuição da participação dos manufaturados, frente a um aumento dos básicos, entre 2000 a 2002. Posteriormente, até 2006, elasse apresentam estáveis, exibindo uma maior concentração na exportação de produtos manufaturados, chegando a 55,1% em 2005, participação relevante de produtos básicos e em menor escala de semimanufaturados. A partir de 2007, pode-se observar novamente, porém de forma mais aguda uma tendência de diminuição da participação dos manufaturados em relação a um aumento dos básicos, não diferindo de forma significativa os semimanufaturados. Esse processo fez que, em 2011, os produtos primários representassem quase 50% de nossa pauta de exportação, contra 36,1% dos manufaturados, fazendo que estes sofressem uma queda de quase 20% de 2007 a 2011. No período posterior, as exportações comportarem-se de forma mais estável, voltando a apresentar a tendência de diminuição dos manufaturados frente ao aumento dos básicos no ano de 2013. Gráfico 17 – Participação percentual por fator agregado nas exportações brasileiras, 2000 – Fonte: Elaborada pelo autor, baseada nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 34 . O cenário em questão deixa claro que, no período analisado, entre 2000 e 2014, observa-se um movimento de reprimarização das exportações brasileiras. Entre outras causas para a ocorrência desse processo, como foi analisado anteriormente, destaca-se o ciclo de alta dos preços das commodities e, no interior da economia brasileira, a forte valorização cambial observada em todo o período. Em trabalho anterior (LEUTWILER, 2012), indicamos que a principal razão para o processo de reprimarização foi o efeito específico da crise econômica de diminuição da participação dos países desenvolvidos no comércio mundial, em contraponto à maior relevância dos países em desenvolvimento e à alta dos preços das commodities. De acordo com Pereira (2014), sendo Estados Unidos e a Europa tradicionais mercados de produtos manufaturados brasileiros, a diminuição das exportações para essas regiões contribuiu para que o processo se desenvolvesse. Assim, por exemplo, as exportações brasileiras para os EUA registraram uma queda na representatividade em relação a participação das exportações de produtos 34 Disponível em: . 2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 P ar ti ci p aç ão % Básicos Semimanufaturados Manufaturados manufaturados, de em 2002 para 15% em 2012. Sobre a China, maior expoente da maior participação dos países em desenvolvimento, Pereira (2014) apresenta: A relação entre o efeito China e o desempenho das exportações brasileiras já foi amplamente documentada nas análises sobre o comércio exterior brasileiro. Um dos resultados que ilustra esta associação foi a ascensão da China de sexta colocada na lista dos principais mercados de destino das exportações brasileiras em 2001 para primeira classificada em 2009. A participação chinesa passou de 3,3% para 13,2% entre 2001-2009 e foi de , em Outra consequência foi a “primarização” da pauta exportadora, quando se considera o perfil da demanda chinesa por produtos brasileiros. Em 2001, 60% das exportações brasileiras para a China eram de produtos básicos. O preço desses produtos registrou um aumento de 164% entre 2002 e 2008, enquanto no caso do preço das exportações de manufaturas a variação foi de 65% para o mesmo período. Logo, a importância crescente da China nas exportações brasileiras foi acompanhada do aumento dos produtos básicos na pauta total, que subiu de 23% para 48%, entre 2000 e 2011. (PEREIRA, 2014, p. 11). A contínua demanda por commodities e a alta dos preços fez com que essa projeção fosse possível em nosso país, dado que temos grande competitividade no setor dessas mercadorias. Outro reflexo desse movimento foi que os principais parceiros comerciais brasileiros se diferenciaram, no decorrer do período analisado, aumentando- se o comércio com países em desenvolvimento. O exemplo mais notório foi que, em , a China passou a ser o destino mais importante de nossas exportações. Como pode ser observado no Gráfico , reforça-se a crescente importância da participação chinesa na economia brasileira. Apresenta-se, no gráfico, a evolução recente das exportações brasileiras por destino dos principais parceiros comerciais brasileiros, com valores expressos em termos de participação no PIB. A participação da China, em 1989 era de apenas 0,2% do PIB brasileiro, atingindo , % em 201 . A partir de 2002, em relação aos EUA e, de , no caso da União Europeia, foi possível observar uma sensível redução da participação dessas regiões no PIB brasileiro, apresentando-se importante queda com o início da crise de 2008, em contrapartida ao crescimento rápido da participação chinesa no mesmo período. A participação dos EUA passou de mais de 3,5% no início de 2002 para 1,2% em 2012; e, a participação da União Europeia, que estava em mais de 4% em 2004, chegou a 2,2% em 2012. Gráfico 1 – Exportações brasileiras por destino (em % do PIB). Fonte: MARCELO, N. et al. 3.2A Reprimarização das exportações brasileiras de produtos agroindustriais .1 Desenvolvimento das cadeias agroindustriais no Brasil, desde os anos 2000 Como foi assinalado anteriormente, no período entre 2000 e 2014, o Brasil se inseriu de uma forma mais incisiva no comércio internacional, comparado com as décadas de 80 e 90. Essa inserção teve como característica um retorno a uma maior exportação de produtos de baixo valor agregado, as consideradas commodities, em contrapartida a uma diminuição dos produtos de alto valor agregado, mesmo o Brasil sendo considerado tradicionalmente como um país primário-exportador. Para analisarmos mais aprofundadamente a reprimarização observada na atual conjuntura brasileira, no presente trabalho foi desenvolvido um estudo sobre as cadeias agroindustriais 35 . Em conjunto com a exportação de minérios, as cadeias agroindustriais foram os setores mais importantes por trás do processo de retorno a padrões de 35 O setor de commodities caracteriza-se pelos produtos do setor dos alimentos (as cadeias agroindustriais, que apresentam produtos que nem sempre são considerados como commodities, conforme será analisado posteriormente) e, ainda conta, pelos setores de minérios e de energia, este tendo como principal produto o petróleo. Sem desconsiderar a importância do setor dos minérios e de energia, no presente estudo é realizado um enfoque especifico do setor de alimentos. exportação observados historicamente no Brasil. O enfoque ao setor do agronegócio é relativo à importância atual e histórica apresentada no cenário produtivo brasileiro. O Quadro 2refere-se a um estudo do Fundo Monetário Internacional, que analisou o peso, em média, das exportações de commodities, entre 1962 a 2014, em países emergentes e países em desenvolvimento de baixa renda, apresentando-se os dados obtidos de 52 países. Os países que exibiram – em média, entre 1962 e 2014 – porcentagem de mais de 35% das exportações relacionadas a commodities e mais de 5%, em média, de participação de commodities no fluxo de comércio (exportação mais importação), são classificados pelo estudo como países exportadores de commodities. O Brasil é considerado como exportador de commodities, muito embora, de acordo com a metodologia, o país esteja abaixo da média em relação ao percentual de participação das commodities na constituição de sua pauta de exportação (45,3% em comparação com 65,9%) e, também, abaixo da média em relação a participação das commodities nas exportações totais brutas (exportação mais importação) (8,3% em comparação com , . Outro fator que é de grande importância para a presente pesquisa são os percentuais correspondentes aos diferentes tipos de commodities. O Brasil apresenta uma dependência muito baixa em relação à exportação de energia, tendo em média entre 1962 a 2014, 3,3% de representatividade, comparado com a média de 30,4% dos outros países observados. Os setores que apresentam grande importância na conjugação das exportações brasileiras, diferentemente das médias dos países analisados, são o de metais, 9,5% (1,3% média dos países analisados) e, principalmente, causa do atual enfoque ao comportamento das cadeias agroindustriais no período atual, de 23,5% em relação aos alimentos (6,2% média dos países analisados), confirmando um alto grau de importância ao setor alimentício em nosso país. Quadro 2 – Participação do setor de commodities em países emergentes e países em desenvolvimento de baixa renda entre 1962 a 2014. Fonte: FMI, Antes de adentrarmos especificadamente no desenvolvimento das cadeias agroindustriais do Brasil, é importante destacar as diferenças deste setor atualmente em relação à concepção mais tradicional de agricultura. O setor do agronegócio ou de cadeias agroindustriais difere muito da agropecuária, a qual reúne os substantivos “agricultura” e “pecuária”. O setor agroindustrial se caracteriza pela interação de várias áreas no âmbito de sua produção até o consumo final, como é observado na Figura 1 e atestado em: [...] o agronegócio é visto como a cadeia produtiva que envolve desde a fabricação de insumos, passando pela produção nos estabelecimentos agropecuários e pela sua transformação, até o seu consumo. Essa cadeia incorpora todos os serviços de apoio: pesquisa e assistência técnica, processamento, transporte, comercialização, crédito, exportação, serviços portuários, distribuidores (dealers), bolsas, industrialização e o consumidor final. O valor agregado do complexo agroindustrial passa, obrigatoriamente, por cinco mercados: o de suprimentos; o da produção propriamente dita; o do processamento; o de distribuição; e o do consumidor final. (GASQUES et al., 2004, p. 8). Figura 1 – Sistema agroindustrial. Fonte: GASQUES, J. G. et al., . http://pt.wikipedia.org/wiki/Agricultura http://pt.wikipedia.org/wiki/Pecu%C3%A1ria Dessa forma, pode-se entender que o setor agroindustrial se revela muito mais dinâmico e com grandes interações com outras cadeias produtivas do conjunto da economia. Assim enfatiza Vieira Filho: “A trajetória tecnológica que marca o desenvolvimento de um moderno setor agrícola é determinada por sistemas complexos de inovação. É preciso romper com a ideia de que a atividade agrícola é progressivamente superada pela industrialização” (VIEIRA FILHO, 2010, p. 68). Entende-se, portanto, que o desenvolvimento do setor agroindustrial está totalmente vinculado à própria valorização do produto inicial, abarcando a pesquisa envolvida na produção, a produção em si, as transformações na mercadoria e a logística até o consumidor final. Esse processo de modernização da agricultura foi implementado no Brasil e é desenvolvido com bastante êxito, como podemos observar em: Nos últimos 50 anos, o país deixou de ser essencialmente agroexportador, diversificando a sua pauta produtiva e elevando a participação da transformação industrial. Contudo, houve simultaneamente uma modernização da produção agropecuária, que estabeleceu o Brasil enquanto agente central no cenário internacional. As estimativas da participação do agronegócio na economia brasileira variam de 15% - num sentido mais estrito – até 45%, englobando toda a organização da atividade agrícola. (VIEIRA FILHO, 2010, p. 67). É importante ressaltar que o desenvolvimento do complexo agroindustrial 36 , teve como característica, no Brasil, um profundo processo de concentração de capital, aumentando de forma bastante acentuada as grandes propriedades e, em decorrência, a diminuição das pequenas, processo este que se intensificou no período analisado (CAMARGO, 2011). Claramente, isso gera um grande problema social, expresso no crescimento desordenado da urbanização e no aumento da pobreza, entre outras consequências 37 . Uma característica bastante marcante na cadeia agroindustrial brasileira foi o crescimento da produtividade geral dos fatores 38 . Este aumento da produtividade está 36 A utilização dos conceitos “complexo agroindustrial” e “cadeia agroindustrial”, são utilizados no presente trabalho com a intenção de anexar a agricultura familiar como agente presente na cadeia. O termo “agronegócio”, muitas vezes, apresenta-se de forma a excluir a modalidade familiar, carregando o entendimento de que a atividade só acontece em um âmbito de grande tecnologia empresarial. 37 Os problemas sociais aqui abordados são apenas para dar relevância ao processo de desenvolvimento do complexo agroindustrial, já que a análise deles não é o foco do presente trabalho. 38 Relação da intensificação da produção e dos insumos. totalmente vinculado ao crescente investimento em pesquisa, tecnologia e investimentos propriamente financeiros (privados e públicos). A relevância da produtividade total dos fatores é intrínseca ao desenvolvimento do setor estudado, como se verifica na seguinte passagem: O aumento da produtividade total dos fatores (PTF) mensura a magnitude das transformações tecnológicas. No Brasil, tem-se uma forte transformação do setor agropecuário baseado no crescimento desta produtividade, o que identifica um processo de mudança tecnológica em curso, gerando crescimento produtivo e eficiência alocativa dos recursos. Houve a modernização de vários segmentos, os quais foram capazes de incorporar as mudanças tecnológicas ao longo do tempo. (VIEIRA FILHO, GASQUES e SOUZA, 2011, p. 7). Os investimentos na produção de conhecimento e tecnologia no Brasil são representados majoritariamente pelo centro de pesquisa da Embrapa. A empresa foi fundada em 1973, com a intenção de promover o desenvolvimento tecnológico. A principal função da pesquisa pública na agricultura é viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável, por meio da geração, da adaptação e da transferência de conhecimentos e de tecnologias ao setor produtivo. Como apresenta Gasques (2010), houve um incremento expressivo da pesquisa a partir dos anos 2000, e a origem desse processo é o grande desenvolvimento do setor agroindustrial na década. O aumento dos gastos com pesquisa estruturou a forma com que o setor se projetou nos últimos anos, como pode ser verificado na seguinte constatação: O aumento dos gastos com pesquisa afeta diretamente a produtividade. Verificou-se que o aumento de 1% nos gastos com pesquisa da Embrapa eleva em 0,2% o índice de produtividade total dos fatores” GASQUES, et al. 2010, p. 37). Outro exemplo de como se orientou a atividade no período analisado foram os diversos investimentos na área. O governo investiu no programa Moderfrota do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que financiou R$17,7 bilhões de 2000 a 2009 para a compra de máquinas agrícolas. Ainda na perspectiva de mecanização do setor, foi observado um aumento da utilização de tecnologia moderna na área, orientada pela indústria de máquinas e de equipamentos ligada à agroindústria, que, na primeira década do século XXI, praticamente dobrou sua produção. Em 2000, foram produzidas 35.501 mil unidades entre tratores e colheitadeiras no Brasil, atingindo 62.100 mil em 2009, chegando a exportar 30 mil unidades em 2004 (CAMARGO, 2011). Dessa forma, com base na favorável conjuntura interna e externa, o setor agroindustrial brasileiro trilhou, no período correspondente à presente pesquisa, um caminho de grande desenvolvimento na economia nacional, aumentando sua competitividade no mercado externo. A tendência de aumento verifica-se de maneira mais clara a partir de 2003, com um grande aumento das exportações de produtos do setor na economia brasileira, representados pela cadeia de produtos agroindustriais, em especial as commodities (Quadro ). Os dados apresentados no referido quadro demonstram o crescimento do superávit da atividade na última década, que é realmente acentuado a partir de 2004, chegando a um saldo comercial de aproximadamente US$56 bilhões em 2010, número muito expressivo se considerarmos que o saldo total da balança comercial brasileira foi de cerca de US$20,3 bilhões neste último ano (CAMARGO, 2014). Quadro – Balança comercial brasileira de produtos agroindustriais, 2000 – 2013, em bilhões de dólares. ANO Exportações Importações Balança Comercial Fonte: CAMARGO ( apud IEA, . Nesta perspectiva, o Brasil, que é um tradicional exportador de commodities, estrutura, de forma bastante consistente no período analisado, o setor das cadeias agroindustriais, o que possibilitou a entrada de grandes afluxos de capitais advindos da atividade. Características da pauta de exportação mundial das cadeias agroindustriais de 2000 a 2014 Adentrando mais em relação ao complexo agroindustrial e à evolução de suas exportações, foi diferenciado, neste trabalho, o setor em mercadorias. Assim, consideram-se 16 mercadorias de baixo valor agregado, 12 produtos semimanufaturados e 18 de alto valor agregado, somando 46 produtos, para os anos de 2000, 2010 e 2014. Nesta seção, são apresentados os resultados da análise do total mundial das exportações do setor, para que posteriormente, na próxima seção, sejam comparadas aos dados das exportações brasileiras, com o mesmo método. A base de dados utilizada para a formação da metodologia apresentada –que separa os produtos do setor agroindustrial em baixo valor agregado, produtos semimanufaturados e alto valor agregado – foram baseadas no sistema UNcontrade, United Nations Commodities Trade Statistics Data Base 39 , vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados nominais são proporcionados pelos países ligados à organização e demonstram as transações comerciais desde 19 , quando os paísespossuírem e disponibilizarem as informações. Para a formatação dos dados, foi utilizada a classificação SITC rev. 2 (International Standard Industrial ClassificationofAllEconomicActivities, Rev.2) 40 . Os Quadros4, 5 e 6 apresentam os principais produtos referentes a cada uma destas características; e, ao final, o Quadro 7 demonstra a porcentagem de cada tipo de bem em relação ao total das exportações agroindustriais, bem como a respectiva evolução. Analisando especificadamente o Quadro –que apresenta as exportações mundiais das principais mercadorias de baixo valor agregado do setor–, pode ser observada com clareza uma grande evolução, entre 2000 e 2014.Assim, em relação a Trigo e centeio não moído, com 239%;Milho não moído, com 272%;Vegetais frescos ou 39 Disponível em: . 40 Disponível em: . preservados, raízes e tubérculos, com 208%; Frutas e nozes, frescas ou secas, com ;e, principalmente, Soja, com 544%.Todos os produtos observados cresceram acima da média do total dos produtos e, em conjunto com Café – mesmo este não apresentando um crescimento representativo –, os sete produtos somam em conjunto, mais de 70% do total dos 16 selecionados em 2000, chegando a mais de 77% em Cevada não moída e Cereais, não moídos, que apresentaram baixo crescimento entre 2000 e 2010,reverterama tendência de baixa entre 2010 e 2014. O contrário pode ser dito em relação ao Cacau cru, assado, que, entre 2000 e 2010, foi o produto que mais desenvolveu suas exportações (349%), apresentando o menor dos resultados entre 2010 e 2014 (- Porém, analisando o Quadro7, os produtos de baixo valor agregado do complexo agroindustrial, obtiveram um menor crescimento das exportações em relação ao total de produtos selecionados, tendo um crescimento de %, contra % do total selecionado, entre 2000 e 2014. Tendo como referência a exportação mundial dos produtos considerados como semimanufaturados do setor agroindustrial, que estão presentes no Quadro 5, pode-se observar uma tendência geral de alta. Assim o grande crescimento e importância na categoria de Óleos vegetais fixos e gorduras e de Alimentos para animais (não incluindo cereais não moídos),tendo incremento de, respectivamente, 414% e 313% no período de 2000 a 2014. Consideram-se como importantes, também, em todos os anos, as Carnes e miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas e suas ramificações 41 , em especial as Carnes de bovinos, frescas, refrigeradas ou congeladas, setor que, especificadamente, no período entre 2010 e 2014, cresceu 46%, comparados aos 27% do total de produtos semimanufaturados nesse período. Comportamento interessante foi verificado em Açúcar e mel, que, depois de uma grande expansão no primeiro período (265% entre 2000 e 2010), tiveram uma forte baixa, apresentando 5% menos em 2014 do que foi verificado em No geral as ramificações Carnes e miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas, em conjunto com a de Óleos vegetais fixos e gorduras e Alimentos para animais (não incluindo cereais não moídos), apresentaram, desde os anos 2000 até 2014, uma grande participação no total dos produtos semimanufaturados selecionados das cadeias agroindustriais, tendo um crescimento constante, contribuindo com mais de 80% em 2014 (pouco superior ao observado em 2000).Analisando os produtos agroindustriais de característica 41 Deve-se considerar que os produtos 0111, 0112, 0113 e 0114 são ramificações de Carnes e miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas semimanufaturada no Quadro 7, observa-se um aumento do fluxo de exportações destes em relação ao total selecionado de todas as categorias analisadas; ou seja, obtiveram uma maior participação no comércio do complexo agroindustrial, tendo um crescimento de 285% de 2000 a 2014, comparado aos 240% de crescimento do total dos selecionados, no mesmo período. No Quadro 42 , em que é analisada a evolução das exportações do setor agroindustrial de produtos selecionados de alto valor agregado, o balanço geral identificado é que a divisão obteve o menor crescimento relacionado nas diferentes agregações de valor. Assim, pode ser observada, com clareza, uma grande evolução, entre 2000 e 2014, em relação às categorias de Preparações a base de cereais, farinha, amido, frutas ou vegetais, com 300%; Manteiga e pasta de cacau, com 441%;Chocolate e outras preparações alimentícias contendo cacau, com 295%; Margarina e óleo vegetal hidrogenado, com 319%;Produtos e preparações alimentícias, com 286%; e Bebidas não alcoólicas, de 309%.A categoria de Suco de laranja e Tabaco manufaturado apresentou baixo crescimento entre 2000 e 2014, de respectivamente, 85% e 76%, comparados ao crescimento total dos produtos de alto valor agregado, que foi de 222%. Em relação a Cacau em pó, sem açúcar – seguindo a mesma tendência de Cacau cru, assado, do Quadro relativo aos produtos de baixo valor agregado oriundos da mesma matéria-prima –,foi o produto que, entre 2000 e 2010, mais desenvolveu suas exportações (505%), apresentando o menor dos resultados entre 2010 e 2014 (-25%). De forma geral, a divisão das exportações da cadeia agroindustrial de alto valo